Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
do Brasil
(por que as canções tem música?)
NOTAS
1. Trecho da letra da canção “Não tem tradução” (ou “Cinema falado”), música e letra de Noel Rosa.
4. Sobre a mito-cosmologia fonográfica no Ocidente - que originalmente analisei em 1990 a partir de uma nota preciosa de Tinhorão (1981) -, veja
também meus outros trabalhos citados na nota 2. Consulte também Grivel, 1992. Acerca da metáfora concertante do sistema internacional das nações-
Estado modernas (concerto das nações), conforme meus textos de 1990, 1995, Manuscritos 1 e 4. No Manuscrito 6 trabalhei a “fase arqueológica” da
música popular no Brasil.
5. Em 1993 eu pude rapidamente discutir como a polêmica dos prós e contras a respeito da bossa nova, tão marcante nos anos 60 e 70 brasileiros, na
qual intelectuais do peso de Augusto de Campos e José Ramos Tinhorão desempenharam papéis polares, se inclui na elaboração brasileira da Guerra
Fria.
6. Embora se possa falar de música popular brasileira desde finais do século XVIII - como é o caso da modinha, um gênero internacionalizado já em
1877, através de Domingos Caldas Barbosa e de seu notório sucesso em Portugal -,estou aqui me referindo a ela enquanto fenômeno fonográfico. Isto
a coloca no século XX, 1917 sendo uma data conveniente de sua demarcação, com a gravação do primeiro samba de sucesso - “Pelo telefone”, de
Ernesto dos Santos, o Donga, e Mauro de Almeida (Moura, 1983, pp. 76-82). Deixo de usar, neste texto, a categoria MPB como sinônima de “música
popular brasileira”. Isto porque, no discurso nativo, “MPB” indica tão-somente a linhagem constituída pela bossa nova, pela canção de protesto, pelo
tropicalismo e por sua posteridade (Pinheiro, 1992, e Menezes Bastos, 1995b).
7. No Manuscrito 5 pude discutir como a maneira cool do canto bossa-novístico - consagrada por João Gilberto -, ao se filiar à tradição da lírica
modinheira, aponta uma mudança crucial na representação das camadas médias urbanas brasileiras acerca das relações entre homens e mulheres, agora
tentativamente construídas sob o prisma da simetria. Essa maneira de cantar radicalmente se opõe àquelas características do bolero e do samba-
canção.
8. Para a vida e obra de Noel, ver Almirante (1977); João Antônio (1982); Chediak, (s/d); Marcondes (1977); e Máximo & Didier (1990).
9. Para a vida e obra de Vadico, veja Marcondes, 1977, p. 775.
10. Vadico, além de ser um considerável sucesso brasileiro, é dono também de uma bem-sucedida carreira nos Estados Unidos, no período de 40/54.
Conforme pesquisei (Menezes Bastos, 1992a), o Rio de Janeiro, além de ser a capital política do Brasil de 1863 a 1961, apareceu no cenário brasileiro
a partir de 1808 - com a transferência da corte portuguesa para lá - também como a capital cultural do país, cidade através da qual o Brasil olha para o
mundo (isto configura outro sinal, aliás, de que o nacional - com todos os seus locais, regionais, estaduais etc. - e o internacional mutuamente se
constituem e empurram, especificamente no caso da música popular).
11. Conforme, respectivamente, Vadico e Rosa (1933 e 1977).
12. Para uma transcrição corrente da canção em referência, veja Chediak (s/d, pp. 66-7).
13. A formação da referida orquestra para o arranjo em consideração - possivelmente de autoria de Vadico e por ele mesmo regido - inclui os
seguintes instrumentos (listagem tentativa): piano, baixo acústico, bateria (somente a caixa, [duplicada por tamborim?]), clarinete, flauta, sax alto, sax
tenor, trombone (de pisto?), trompete e possivelmente tuba e sax barítono. Agradeço a Silvia Beraldo e a Duda Machado as conversas tão produtivas
sobre esse arranjo.
14. Observe-se que no “interlúdio instrumental” - que, como já registrei, repete 2 e 3 sem letra -, se adota um processamento antes de embelezamento
que de improvisação. Isto não é estranho ao próprio jazz do começo dos anos 30, como se sabe, amplamente elaborado em torno do embelezamento
temático, a improvisação como tal somente se consolidando posteriormente (Gridley, 1991, p. 53).
15. Agradeço a Hermenegildo José de Menezes Bastos pelas conversas sobre as relações entre letra e música no universo da música popular brasileira,
nas quais muito me baseio no sentido das presentes formulações. Sou, no entanto, o único e exclusivo responsável pelas idéias aqui desenvolvidas.
16. Note-se como este último sentido (específico) de ritmo se evidencia quase como uma obviedade num país onde o que logo sinaliza o gênero é a
batida (tipicamente ao violão) ou a levada (da “cozinha”). Forçoso se faz constatar que o meu uso, no decorrer de todo este texto, de categorias como
“discurso”, “discussão”, “conversa”, “diálogo”, “polifonia”, “gênero” etc., embora certamente comunicante com o modelo proposto por Bakhtin (1986
e Seitel, no prelo, para uma feliz aplicação), a ele necessariamente não se remete. Por prudência. Essa prudência é conquistada pela simples verificação
de que o modelo em toque encontra sua origem na análise lingüístico-literária (onde, curiosamente, a música, nunca trabalhada, é uma metáfora
constante). Por outro lado, ela procura também consignar a minha não-filiação ao extremismo discursivista - tão a gosto de uma apropriação indébita
do modelo em comentário -, que tão-somente propõe que a teoria do discurso desmantele a da linguagem (ver Urban, 1991, pp. 128, para uma
abordagem dessas teorias da qual muito me aproximo, pela posição mutuamente fertilizadora que advoga dever existir entre ambas). Fique claro, pois,
que, usando aquelas expressões, recorro antes ao arsenal analítico musical e musicológico (Menezes Bastos, 1990) que às metáforas que dele tão
genialmente faz Bakhtin, isto no século de Lévi-Strauss que, quanto a metáforas musicais geniais, certamente ficará na memória.
17. Trecho da letra de um samba cujo autor desconheço.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor W. (1941), “On Popular Music”, Studies in Philosophy and Social Sciences. 9: 17-48.
___________________. (1974), Filosofia da nova música. São Paulo, Perspectiva.
___________________. (1983) “O fetichismo na música e a regressão na audição”. Série Os Pensadores, vol. 47, pp. 165-91. São Paulo, Abril
Cultural. [Edição original: 1938].
___________________. (1983a), “Idéias para uma sociologia da música”. Série Os Pensadores, pp. 259-68. São Paulo, Abril Cultural.
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. (1972), Dialetics of Enlightenment. Londres. [Edição original: 1947].
AGAWU, V Kofi. (1991), Playing with Signs: A Semiotic Interpretation of Classic Music. Princeton, Princeton University Press.
ALMIRANTE. (1977), No tempo de Noel Rosa. 2a edição. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
BAKHTIN, Mikhail M. (1986), “The Problem of Speech Genres”, in C. Emerson & M. Holquist (org.), Speech Gerares and Other Later Essays, pp.
60-102. Austin, University of Texas Press.
BROWN, Calvin. (1953), Tones finto Words: Musical Composition as Subjects of Poetry. Athens, The University of Georgia Press.
CAMPOS, Augusto de. (1978), Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo, Perspectiva.
CHEDIAK, Almir. (produtor). (s/d), Noel Rosa - Songbook. 3 volumes. Rio de Janeiro, Lumiar.
DaMATTA, Roberto. (1978), Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 2’ edição. Rio de Janeiro, Zahar.
DUMONT, Louis. (1970), Homo hierarchicus: ensayo sobre el sistema de castas. Madri, Aguilar.
_______________. (1985), O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco.
FRITH, Simon. (1988), “Why Do Songs Have Words?”, fira Music for Pleasure, pp. 105-28. Nova York, Routledge.
GELATT, R. (1977), The Fabulous Phonograph, 18771977. Nova York, MacMillan.
GREENE, Victor. (1992), A Passion for Polka: Old- Time Ethnic Music fira America. Berkeley, University of California Press.
GRIDLEY, Mark C. (1991), Jazz Styles: History and Analysis. New Jersey, Prentice Hall.
GRIVEL, Charles. (1992), “The Phonograph’s Horned Mouth”, D. Kahn & G. Whitehead (eds.) pp. 3161, Wireless Imagination: Sound, Radio, and
The Avant-Garde, Cambridge, The MIT Press.
HANKS, W F. (1989), “Text and Textuality”. Annual Review of Anthropology. 18: 95-127.
HOBSBAWN, Eric. (1990), Nations and Nationalism since 1780: Programme, Myth, Reality. Nova York, Cambridge University Press.
JOÃOANTÔNIO. (1982), Noel Rosa. São Paulo,Abril Educação.
LEUCHTER, Erwin. (1946), La história de la música como reflejo de la evolución cultural. Buenos Aires, Ricordi.
LEVI-STRAUSS, Claude. (1964), Le cru et le cuit. Paris, Plon.
MacDONALD, D. (1973), “Uma teoria da cultura de massa”, in B. Rosenberg & D.M. White (orgs.), Cultura de massa, pp. 77-93, São Paulo,
Cultrix.
McGOWAN, Chris & PESSANHA, Ricardo. (1991), The Brazilian Sound: Samba, Bossa and The Popular Music of Brazil. Nova York, Billboard
Books.
MARCONDES, Marcos Antônio (org.). (1977), Enciclopédia da música brasileira. 2 volumes. São Paulo, Art.
MÁXIMO, João & DIDIER, Carlos. (1990), Noel Rosa: uma biografia. Brasília, Editora UnB.
MENEZES BASTOS, Hermenegildo J. de. (1992), Comunicação pessoal.
MENEZES BASTOS, Rafael J. de. (1977), “Situacion del músico era la sociedad”, fira I. Aretz (org.), América Latina era su música, pp. 103-38.
México, Siglo XXI.
___________________________. (1982), “Musique et societé au Brésil: Introduction au langage musical brésilien”. Cultores: 8, 2: 54-73.
___________________________. (1984), “Musicologia da MPB: sugestões de princípios (I)”. Jornal de Brasília, 14/1/84.
___________________________. (1984a), “Musicologia da MPB: sugestões de princípios (II)”. Jornal de Brasília, 21/1/84.
___________________________. (1990), A festa da Jaguatirica: uma partitura crítico-interpretativa. Dissertação de doutorado em antropologia.
Universidade de São Paulo.
___________________________. (1991), “Phonographic Recording as ‘Our’ Emblem of the Music of the ‘Other’: Toward ara Anthropology of the
Musicological Juncture - vergleichende Musikwissenschaft, Ethnomusicology and Historical Musicology”, in M.P.Baumann (org.), Readings fira
Culture and Cultural Policy, pp. 232-41. Wilmhelmshaven, Noetzel.
____________________________.(1992) Between ‘Authenticity “and “Entertainment”: Towards anAnthropological History “ of Ethnic Folkways
Library. Manuscrito 3. Pesquisa realizada no Center for Folklife Programs & Cultural Studies, Smithsonian Institution.
_____________________________. (1992a), Manuscrito 2: “Europa, França e Bahia: Brazilian Music and Levels of Political Aesthetic
Pertinente”. Paper apresentado no simpósio internacional “Defining the Local in Music”, J. Shepherd Ottawa (org.), 30/31 de outubro.
_____________________________. (1992b), Manuscrito 4: A estética católica e o outro espírito do capitalismo, in G.L. Ribeiro & R.J. de Menezes
Bastos (orgs.), Comunicação apresentada à mesa-redonda “Globalismo e localismo: uma antropologia das novas fronteiras”, na 18’ Reunião Brasileira
de Antropologia organizada pela ABA, Belo Horizonte.
_____________________________. (1992c), Manuscrito 5: O que faz o Brasil, Brasil brasileiro? Sobre a invenção do Brasil pela música
brasileira. Manuscrito.
_____________________________. (1993), “The Brazilian Sound: Samba, Bossa Nova, and the Popular Music of Brazil (by Chris McGowan &
Ricardo Pessanha)”, Notes 50,1: 200-1.
_____________________________. (1995), “Esboço de uma teoria da música: para além de uma antropologia sem música e de uma musicologia sem
homem”. Anuário Antropológico 1993: 9-73.
_____________________________. (1995a), Manuscrito 6: “Chiquinha Gonzaga or the Epics of Female Musician in Brazil”, in Proceedings da
Conferência da International Association for the Study of Popular Music.
_____________________________. (1995b), Manuscrito 7: A juventude aos 50 ou a outrificação da MPB como passado, R. Antelo (org.),
Comunicação apresentada no seminário Fins do Moderno, em Florianópolis.
______________________________. (no prelo), Manuscrito 1: “Musicalidade e ambientalismo: Ensaio sobre o encontro Raoni-Sting”. Revista de
Antropologia.
MIDDLETON, Richard. (1990), Studying Popular Music. Filadélfia, Open University Press.
MOLONEY, M. (1982), “Irish Ethnic Recording and the Irish-American Imagination”, in Ethnic Recordings in America: A Neglected Heritage, pp.
85-102. Washington, Library of Congress.
MOURA, Roberto. (1983), Tia Ciata e a peguena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Funarte.
PINHEIRO, Luis Roberto M. (1992), Ruptura e continuidade na MPB: a questão da linha evolutiva. Tese de mestrado em antropologia social,
Universidade Federal de Santa Catarina.
PINTO, Tiago de O. &TUCCI, D. (1992), Samba und Sambistas in Brasilien.Wilhelmshaven, Florian Noetzel.
SAHLINS, Marshall. (1976), Culture and Practical Reason. Chicago, University of Chicago Press.
SEITEL, Peter. (no prelo), Verbal Art Genres: Proverbs, Folktales and Epics From Hayaland.
SHARMA, Prem Lata. (1993), “The Indian Musicological Perspective on Text and Music”, in B.C. Wade (org.), Text, Tone, an Tune: Parameters of
Music in Multicultural Perspective, pp. 127-83. Nova Délhi, Oxford & IBH Publishing.
SPENGLER, Oswald. (1973), A decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da história universal. 2ª edição condensada. Rio de Janeiro,
Zahar.
SPOTTSWOOD, Richard K. (1982), “Commercial Ethnic Recordings in the United States”, in Ethnic Recordings in America: A Neglected Heritage,
pp. 51-66. Washington, Library of Congress.
TINHORÃO, José Ramos. (1969), O samba agora vai... a farsa da música popular no exterior. Rio de Janeiro, JCM.
______________________. (1981), Música popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo, Ática.
_______________________. (1986), Pequena história da música popular: da modinha ao tropicalismo. São Paulo, Art.
URBAN, Greg. (1991), A Discourse-Centered Approach to Culture: Native South American Myths and Rituals. Austin, University of Texas Press.
VASCONCELOS, Ary. (1977), Raízes da MPB. Brasília, Martins/MEC.
WADE, Bonnie C. (1993), Text, Tone, an Tune: Parameters of Music in Multicultural Perspective. Nova Délhi, Oxford & IBH Publishing.
DISCOGRAFIA
MARIA BETHÂNIA (cantora). (1965), “Feitio de oração”, de Vadico e Noel Rosa. RCA Camdem, CALB 5.329* LP
VADICO & Noel ROSA. (1933), “Feitio de oração”, cantado por Francisco Alves, com Castro Barbosa e a Orquestra Copacabana. Odeon 11.042;
78rpm.
____________________. (1977), “Feitio de oração”, original de 1933 reproduzido em História da Música Popular Brasileira. 2ª edição, vol. 8, lado
2. São Paulo, Abril Cultural (disco anexo).