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O “SYLLABUS”

A Sua História e o Seu Valor


Padre Augusto Estanislau Aureli
Introdução

O ano de 1864 fora tempestuoso para a Barca de São Pedro.

Invadido o território pontifício pelas tropas piemontesas, um tratado entre a França e a Itália
abandonava praticamente o Papa às mãos de seus inimigos. Pouco antes (1863) um novo Ario
se levantara na pessoa do autor da Vida de Jesus – RENAN. E entre os mesmos fiéis católicos
reinava a divisão e a confusão, principalmente acerca da famosa questão das “liberdades
modernas”.

Integridade territorial, integridade doutrinária, integridade de ação e de união – tudo parecia


ameaçado no pontificado de Pio IX.

Já Gregório XVI, em 1832, na Encíclica Mirari vos, fulminando o indiferentismo de Lamenaís e o


próprio Pio IX, em numerosas ocasiões, revelaram sua angústia e mesmo sua reprovação ante
as opiniões atrevidas.

Soara o minuto do protesto solene e da condenação global.

Entre a gloriosa definição da Imaculada Conceição e o Concílio Vaticano, nas vizinhanças da


derrota de Castelfidardo se situa esse gesto desassombrado do Magistério pontifício.

Preparado por doze anos de estudos prévios (1852-1864), precedido pela Encíclica Quanta
cura, vinha à luz, a 8 de Dezembro o Syllabus ou Catálogo dos Erros modernos.
Com voz veemente e abalada de emoção, Pio IX, cônscio de sua imorredoura
autoridade, reprova, proscreve e condena 80 proposições em que se expressam os aludidos
erros. Foi a mais vasta síntese de aberrações doutrinárias que jamais a Santa Sé nem Concílio
algum anatematizou.

A repercussão foi extensa e agitada: o Syllabus, jnto com a Encíclica Quanta cura, foi


comparado à Bula Unam Sanctam de Bonifácio VIII, sobre os dois poderes, e à Unigenitus, de
Clemente XI, contra o jansenismo.

Os inimigos da Igreja viram no duplo documento “um supremo desafio lançado ao mundo
moderno pelo Papado agonizante”.

Se os católicos em globo, como era natural, se submeteram, não faltou contudo certa emoção
entre os católicos liberais; estes amavam e defendiam, além do justo, as liberdades reclamadas
pelas correntes políticas então dominantes.

Dupanloup, Bispo de Orleans, retomando uma expressão dos escritores jesuítas da Civilità
Cattolica, distinguia entre tese e hipótese, mostrando que o Papa indicava o ideal da sociedade
cristã, sem proibir totalmente aos fiéis a cooperação na sociedade política, tal como então
vigorava na Europa.

Recolocando as preposições no seu contexto (pois eram extraídas de documentos muito


variados), punha de manifesto o sentido exato de cada uma delas.

O Papa e 360 Bispos felicitaram Dupanloup. Todavia, não cessou nem a murmuração por parte
dos inimigos, nem a severidade de juízo de alguns extremados.

O Governo de Napoleão III sentiu-se visado e por meio de uma circular do Ministro guarda-
sigilos, Julio Barroche, advertia os Bispos a 1º de janeiro de 1865, e logo em seguida a 5 de
janeiro publicava um decreto, dando o placet à parte da Encíclica, que promulgava um jubileu
e negando publicação ao restante e ao Syllabus, por serem “atos contrários aos princípios
sobre que repousa a constituição do Império”.
Já então os governos liberais usavam processos autoritários, ao mesmo em se tratando da
Igreja.

Quase unânime foi a reação do Episcopado francês: 75 cartas de protesto chegaram ao


ministério. Em sinal de vindita, o Cardeal Matheu, Arcebispo de Besançon e Mons. de Dreux-
Brésé, Bispo de Moulins, foram citados ao tribunal. Uma testemunha ocular conta este último,
recebendo a intimação ministerial, diante de numerosa assistência, queimou-a e dispersou as
cinzas daquele documento de abuso de poder.

Valiam a pena de uma citação as cartas de vários Prelados, apostolicamente corajosas.

“Eu sou Bispo, dizia por exemplo o Cardeal Gousset, Arcebispo de Reims, e o governo não
pode me impôr silêncio, quando meu dever é falar”.

E o Arcebispo de Cambrai: “Hoje cada qual tem liberdade, tanto quanto deseja e sempre que
quiser, de negar o mesmo Deus e de fazer propaganda atéia em escritos a que dá a publicidade
que bem entende.

É demais reclamar a mesma latitude para o ensino católico?”

E o Bispo de Nimes: “Os ensinos que eles  (os dois Documentos Pontifícios) contém sob forma
de condenação dogmática, são aceitos pela Igreja inteira e nela fazem lei; nem a circular de V.
Excia., nem a decisão do Conselho de Estado poderá subtrair os católicos de França à
obrigação de se submeter”.

Venturosamente os desapaixonados souberam aproveitar-se de modo superior da parte


positiva da Encíclica e do Syllabus.

ALBERTO DE MUN confessou que a sua Oeuvre des Cercles estava para o Syllabus como o


produto para o princípio, o efeito para a causa, o filho para a sua mãe.

O conteúdo doutrinário das 80 proposições vem assinalado pelos subtítulos bem significativos:
panteísmo, naturalismo e racionalismo absoluto; racionalismo moderado; indiferentismo e
latitudinarismo; socialismo, comunismo, sociedades clandestinas, sociedades bíblicas e
sociedades clérico-liberais; erros sobre a Igreja e seus direitos; erros sobre o Estado e suas
relações com a Igreja; erros de moral; erros sobre o Matrimônio; erros sobre o poder temporal
dos Papas; erros do liberalismo.

Com nome abreviado tais erros, de índole dogmática, filosófica, política, e social, se poderiam
intitular laicismo ou separatismo.

A essência desse separatismo liberal consiste em negar ou desprezar a autoridade, de modo


especial a autoridade religiosa.

No campo das ideias, no terreno dos costumes, nos reinos da ciência e da política, o
liberalismo instala suas tendas, arvora seus princípios, mobiliza autores e academias. Nesse afã
contagiante, filho de uma reação exagerada contra um regime secular, quase milenar, de
primado da autoridade, os liberais avançaram até o altar.

Foi então que Pio IX julgou oportuno salvaguardar a verdade e as instituições católicas. A
liberdade é um justo anseio; as liberdades reclamadas eram, em grande parte, de boa lei.

Não, porém, a liberdade por sistema, a liberdade contra a ordem e a autoridade, a liberdade
contra a harmonia social. Eis o que o Sumo Pontificado não podia endossar.

Quanto à qualificação das proposições, é certo que não são todas elas condenadas, reprovadas
ou proscritas no mesmo grau.

Já se discutiu sobre o caráter definitório do Syllabus. Breve, porém, ficou evidente mesmo à luz
dos Documentos da Santa Sé, que não se tratava de uma definição ex cathedra.

Nem a coleção como tal, nem a Encíclica Quanta cura pretendiam a esse grau supremo de
infalibilidade. As coleções de teses condenadas, exceto declaração expressa, guardam o
sentido e o grau de censura que trouxeram do contexto original. Em carta ao Episcopado da
Igreja ecumênica, o Secretário de Estado, Cardeal ANTONELLI, enviando o Syllabus declarava
que “com isso queria Sua Santidade, tivessem os antístites debaixo dos olhos todos os erros e
doutrinas perniciosas por ele condenadas e proscritas… se acaso não tivessem chegado todos
os atos pontifícios às mãos de cada um dos Prelados”.
Tanto mais inúteis foram os protestos: o Syllabus codificava condenações anteriores; mesmo
suprimindo o catálogo, as 80 condenações continuariam de pé.

Se cada uma delas por si só não constitui uma heresia, não há dúvida de que o espírito liberal,
manifestado em algumas delas bastaria para fazer do liberalismo uma heresia bem
caracterizada.

Desapareceu o liberalismo?

Não. Muitas das proposições do Syllabus teriam ainda hoje a subscrevê-las políticos e


pensadores de várias correntes.

Mudou feição, mas não de essência o liberalismo.

Ele se prolongou no Modernismo, hoje em declínio.

Ele subsiste no indiferentismo, teórico e prático.

Ele impregna, sobretudo, grandes correntes sociais: o liberalismo político-religioso e o


liberalismo econômico que, atenuados embora, comandam as constituições e os regimes de
vários países da terra; o liberalismo totalitário nas suas duas feições, nacionalista e comunista.

Os dois últimos, totalitarismo nacionalista e comunismo, por mais que se combatam, por mais
que tenham brotado de ideologias de violência, são irmãos gêmeos.

Pois coincidem ambos no supremo princípio liberal, que é a rejeição da autoridade moral na
vida humana, social, intelectual, política e econômica. 1
Entre o liberalismo do século 19 e o totalitarismo do século 20, não há somente sequência no
tempo, nem apenas reação contra um exagero, há a filiação lógica entre um princípio e as suas
consequências.

O Syllabus não podia ficar solitário.

Acompanhando o envolver das ideologias, heréticas ou errôneas que dele se foram gerando,
novos Documentos Pontifícios vieram no decorrer dos últimos 80 anos premunir os fiéis contra
os seus epígonos e disfarces: socialismo e comunismo, modernismo, democratismo exagerado
(Sillon), racismo, facismo anti-religioso, etc.

Leão XIII, Pio X, Pio XI ecoaram fielmente a voz de seu venerando predecessor. 2

CAPÍTULO PRIMEIRO

“O que é o Syllabus?”

Fala-se muito no “Syllabus”, mas infelizmente não são muitos os que têm uma ideia justa do
que ele é, e ainda em menor número são os que lhe conhecem o valor, o alcance e a
importância. Para que o leitor tenha diante dos olhos o assunto de que vamos tratar, lhe
apresentamos desde já a definição do “Syllabus”, a qual ficará demonstrada pelas coisas que
em seguida diremos.

O que é pois o “Syllabus”? – É um documento doutrinal, contendo os erros principais da nossa


época, proposto pelo Sumo Pontífice Pio IX a toda a Igreja, para que sirva de norma e direção
nas questões religiosas que se agitam na sociedade.
O que é que deu origem ao “Syllabus”? Qual é o seu fim? – Declarada a origem
do “Syllabus”, será fácil reconhecer o seu fim, o qual. Aliás, já aparece manifesto na definição
que acabamos de dar.

Deu origem ao “Syllabus”, o aparecimento e a divulgação de muitos e gravíssimos erros, que,


espalhando-se no meio do povo católico debaixo dos especiosos rótulos da ciência, da
civilização, do progresso, abalavam a fé, destruíam as bases do direito e da moral, e solapavam
a sociedade, ameaçando quebrar os laços que a ligam ao Catolicismo, e deste modo pondo em
perigo a sua unidade e prosperidade e o seu progresso verdadeiro.

A história não menciona época alguma, em que a sociedade se visse invadida


simultaneamente por um número tão grande de erros. Inventaram-se doutrinas e teorias as
mais extravagantes, fizeram-se reviver os erros antigos revestidos de novas e sedutoras
formas, deu-se o nome de ciência aos sistemas, os mais absurdos e o de progresso a teorias
que ocultavam em seu bojão o gérmen da mais aviltante retrogradação. Não há ordem de
coisas contra a qual não se tenham levantado doutrinas subversivas. Atacou-se a razão, a
ciência, o ensino, a moral, o direito, a propriedade, a família, a sociedade. Combateu-se a
Igreja na sua fé, nas suas leis, nos seus Sacramentos, nas suas Instituições, nos seus Ministros.
Ao ler o “Syllabus”, fica-se horrorizado, vendo o número e a enormidade dos erros que o Chefe
Supremo da Igreja teve de denunciar ao mundo no breve curso de menos de vinte anos. 3

Todos esses erros, filhos do chamado filofismo do século dezoito e da Revolução Francesa,
invadiram pouco a pouco, ora aberta, ora sorrateiramente, todos os países, todos os povos,
todas as classes da sociedade. Pelo meado, porém, do século passado foram-se mostrando
mais à descoberta, ameaçando ora numa parte, ora noutra, graves ruínas à fé, à moral, à
sociedade. Dir-se-ia que tinham chegado os tristes tempos prenunciados por São Paulo, em
que os homens, enfastiados das sãs doutrinas fechariam os ouvidos à verdade, para abraçarem
as fábulas pregadas pelos falsos doutores, que lisonjeiam as paixões. 4

Foi então que a divina Providência chamou para a Cadeira de São Pedro o intrépido Pontífice
Pio IX, o Grande, destinado a opôr um dique poderoso à torrente invasora das más doutrinas.
Os fatos aí estão, para nos dizer, com quanto zelo energia e eficácia o denodado Chefe da
Igreja cumpriu a sua apostólica missão. Logo que subiu ao trono pontifical, profundamente
comovido e magoado à vista da procelosa aluvião dos erros que com ruído cada vez mais
medonho ameaçava a Igreja e a sociedade, levantou alto a sua voz autorizada; e já com cartas
Encíclicas aos Bispos de todo o orbe católico, já em alocuções pronunciadas no Consistório
perante os Cardeais, já em cartas dirigidas a Bispos particulares e até a Soberanos denunciou
os erros e os condenou, patenteando ao mesmo tempo os terríveis males que eles causariam
aos povos e à sociedade, si não fossem logo reprimidos.
Mas ouçamos o mesmo Pontífice, que fala deste seu trabalho apostólico na Encíclica Quanta
cura, que mandou a todos os Bispos do mundo, juntamente com o “Syllabus”. Queremos que o
próprio Pio IX nos declare, o que o moveu a falar por meio desses documentos pontifícios,
também para que alguém não pense que nós carregamos demais as tintas, ao esboçar que
fizemos, ainda que ligeiramente, as sombras que dão um aspecto lúgubre e triste ao quadro do
século passado, que quer ser chamado o século das luzes.

“Nós, diz o Sumo Pontífice dirigindo-se aos Bispos, mal que, por ocultos desígnios da divina
Providência, fomos sublimado a esta Cadeira de São Pedro, ao contemplarmos, com funda
mágoa de nosso coração, a medonha procela levantada por tantas e tão errôneas opiniões, à
vista dos prejuízos gravíssimos e nunca assaz deplorados, que de tamanha torrente de erros
vão recaindo sobre o povo cristão; em razão do encargo do nosso Ministério Apostólico,
erguemos a nossa voz, e pela publicação de várias cartas Encíclicas, por Alocuções
pronunciadas em Consistório, bem como em outras Letras Apostólicas, condenamos os
principais erros que ora correm e despertamos a vossa exímia vigilância episcopal; e a todos os
filhos da Igreja Católica, aos quais trazemos muito dentro no coração, uma e muitas vezes
advertimos e exortamos a que aborrecessem esses erros e trabalhassem por se furtar ao
contágio de peste assim funesta. Em modo especial na primeira Nossa Carta Encíclica, que vos
escrevemos aos 9 dias de Novembro de 1846, e em duas Alocuções que nós pronunciamos no
Consistório de 9 de Dezembro de 1854 e de 9 de Junho de 1862, condenamos as monstruosas
enormidades de opiniões, que neste século mais que nunca assoberbam a sociedade, com
grandíssimo dano das almas e prejuízo para a mesma sociedade civil; pois não somente elas
vão de encontro à Igreja Católica e à sua doutrina salutar, bem como a seus direitos,
merecedores do maior acatamento; se não que se opõem grandemente à lei natural e
sempiterna pelo mesmo Deus gravada no coração de todos os homens, e à reta razão, e deles
é que emanam quase todos os demais erros”.

Desses Atos Pontifícios, em que Pio IX desde o primeiro ano de seu glorioso pontificado, foi
sucessivamente condenando os erros do tempo, tirou-se e formou-se, por ordem do mesmo
Papa, o “Syllabus”, o qual não é outra coisa, senão um resumo ou extrato autêntico daqueles
Atos.5 Portanto, o “Syllabus”, não contêm erros ou condenações novas, mas nele os erros já
condenados são propostos em uma forma breve e autêntica e mais oportuna para o
conhecimento de todos e para a prática.

Antes da publicação do “Syllabus”, a condenação daqueles erros se achava espalhada em


muitos documentos publicados em diferentes épocas e que não eram conhecidas por todos.
Entretanto, as más doutrinas continuavam a espalhar-se e a penetrar em todas as camadas da
sociedade, produzindo: deploráveis estragos. Pio IX, pois, a fim de tornar mais universal e mais
eficaz o conhecimento do juízo que sobre cada uma delas tinha proferido, durante muitos
anos, em vários Atos Pontifícios, mandou fazer destes uma como recapitulação e resumo,
reduzindo a breves fórmulas os erros reprovados e condenados. Esta recapitulação, formulada
em 80 proposições, distintas e ordenadas por matérias, com a indicação dos documentos, dos
quais cada proposição fora tirada, foi apresentada a Pio IX, que, depois de tê-la sujeitado a
longo e maduro exame, aprovou-a, debaixo da denominação de “Syllabus”, dando-lhe este
título: – “Syllabus” contendo os principais erros do nosso tempo, condenados nas Alocuções
Consistotiais, Encíclicas e outras Letras Apostólicas de Nosso Santíssimo Padre, o Papa Pio IX.

Deu então ordem ao Cardeal Antonelli, seu Secretário de Estado, que em seu nome o
remetesse aos Bispos de todo o mundo, para que vissem no “Syllabus”, como de um lance de
vista, todos os erros e as más doutrinas por ele proscritas e condenadas. Damos aqui na sua
íntegra a Carta do Cardeal Antonelli aos Bispos, por ser ela de grande importância, para se
conhecer a natureza do “Syllabus”, bem como o seu valor.

Ei-la:

Ilmo. e Revmo. Snr.

Nosso Senhor, o Santíssimo Padre Pio IX, Pontífice Máximo, sobremaneira solícito pela
salvação das almas e pela pureza da doutrina, desde o princípio do seu pontificado, nunca
cessou, com suas Encíclicas, Alocuções pronunciadas no Consistório e com outros Atos
Apostólicos publicados pela imprensa, de proscrever e condenar os erros principais e as falsas
doutrinas, sobretudo destes nossos tristíssimos tempos. Como, porém, pode acontecer, que
nem todos estes Atos Pontifícios chegassem ao conhecimento de todos os Bispos, por isto quis
o Sumo Pontífice que se fizesse um “Syllabus” dos mesmos erros e que este fosse enviado a
todos os Bispos do orbe católico, para que eles pudessem ter diante dos olhos os erros e as
doutrinas perniciosas que foram por ele proscritas e condenadas.

A mim, pois, deu ordem de remeter a V. S. Ilma. e Revma. esse “Syllabus”, impresso na mesma


ocasião e no mesmo tempo, em que o Sumo Pontífice, pela extremosa solicitude que tem da
incolumidade e do bem da Igreja Católica e de todo o rebanho que pelo Senhor lhe foi
confiado, julgou dever escrever outra Carta Encíclica a todos os Bispos católicos. 6 Assim pois,
em cumprimento das ordens do mesmo Pontífice, com a prontidão e veneração que devo,
remeto a V. S. Ilma. e Revma. o dito “Syllabus”, juntamente, com essa Carta. E enquanto folgo
de atestar e confirmar os meus sentimentos de veneração para com V. S. Ilma. e Revma. peço
a Deus todo poderoso lhe conceda toda sorte de bens e felicidades.
De V. S. Ilma. e Revma.

Servo humilde e dedicado

J. CARDEAL ANTONELLI

Roma, 8 de Dezembro de 1864.

Esta carta de suprema autoridade, escrita por ordem e em nome do Papa, explica
admiravelmente o que é o “Syllabus”. Pois por ela se tornam patentes as coisas seguintes:

1º O “Syllabus” é o resumo ou recapitulação dos erros principais dos nossos tempos,


condenados por Pio IXX em documentos públicos, Cartas Encíclicas, Alocuções Consistoriais,
etc.

2º O resumo dos erros condenados, isto é, o “Syllabus”, foi feito por ordem e debaixo das
vistas de Pio IX, e por ele aprovado, como contendo fielmente os erros por ele condenados.

3º Enfim, esse resumo, ou “Syllabus”, foi por ordem e em nome do Santo Padre mandado aos
Bispos de todo o orbe católico, que são os doutores e pastores dos fiéis, para que
conhecessem clara e autenticamente quais são os erros e as doutrinas modernas condenadas
pela Santa Sé, e sobre as quais devem prevenir as suas ovelhas.

É pois manifesto, como no princípio dissemos, que o “Syllabus” é um documento doutrinal,


contendo os erros principais da nossa época, proposto pelo Sumo Pontífice Pio IX a toda a
Igreja, para que sirva de norma e direção nas questões religiosas que se agitam na sociedade.

Conhecido o que é o “Syllabus”, resta examinar mais acuradamente, qual é o seu valor e a sua
autoridade e qual, por conseguinte, a obrigação dos fiéis de aceitá-lo e conformar-se com ele.
Mas antes disto, é necessário dizer alguma coisa sobre a história do “Syllabus”, pois isto nos
servirá grandemente para conhecermos melhor o que ele é, e nos há de abrir e aplanar o
caminho para a demonstração do seu valor.
CAPÍTULO SEGUNDO

HISTÓRIA DO “SYLLABUS”

A melhor apologia do “Syllabus” é a sua história. Vamos, pois, resumi-la. Nós o faremos
apoiados em documentos de autenticidade irrefragáveis, todos publicados pela imprensa.
Seremos breves, tocando apenas as datas e os fatos principais das fases por que passou
o “Syllabus”, antes e depois da sua publicação.

§I

ELABORAÇÃO E COMPILAÇÃO

DO “SYLLABUS”

O “Syllabus” foi enviado aos Bispos do orbe católico em Dezembro de 1864. Mas já faziam
muitos anos, que a sua compilação preocupava o espírito do zeloso Pontífice Pio IX. Desde o
princípio do ano de 1852 tinha ele mandado fazer estudos especiais sobre o assunto,
encarregando da direção dos trabalhos o Eminentíssimo Cardeal Fornari, que então ocupava o
cargo de Presidente da Pontifícia Congregação dos Estudos. 7 Longos e aturados foram estes
trabalhos, continuados com afinco e ardor sempre crescente nos doze anos que passaram até
a publicação do seu último resultado. Recordando esses prolongados estudos, nos quais
tomaram parte homens eminentes em virtude e saber, hão de ficar satisfeitos e consolados os
católicos dóceis aos ensinos da Santa Sé, vendo o extremo cuidado com que procede a Igreja
no ensino e direção de suas ovelhas; ao passo que hão de ficar confundidos e envergonhados,
aqueles que, ou por prejuízos mal fundados, ou por indesculpável credulidade, se deixaram
levar a censurar e deprimir o “Syllabus”, como obra lançada ao público sem estudo e
consideração.

Mas vamos à história.

A fim de se coligirem e prepararem os materiais para os estudos que se haviam de fazer, quis o
Sumo Pontífice, que fossem consultados e ouvidos não só Cardeais, Bispos e outros
eclesiásticos, doutores em ciências teológicas e canônicas, mas também, seculares versados
nas ciências jurídicas, políticas e sociais, e até os publicistas de maior nomeada. Entre estes
foram contemplados o conde Avogadro dela Motta e Luiz Veuillot.

O conde Avogadro dela Motta foi um dos mais célebres estadistas do Piemonte, no reinado de
Carlos Alberto, e escritor de obras jurídicas de grande monta. Prima entre elas a que se
intitula: – A teoria do casamento –, em quatro volumes, obra talvez a mais distinta, quer pela
riqueza dos documentos entre todas as que foram publicadas em nossos dias sobre este
assunto.

Luiz Veuillot é bastante conhecido em toda parte pela sua erudição e ilustração, e sobretudo,
pela sua firmeza nos princípios católicos e pelo seu zelo e vigor em combater as doutrinas
contrárias ao espírito da Igreja, debaixo de qualquer forma que elas se apresentassem. Damos
em nota a carta que o Cardeal Fornari lhe escreveu, porque nela aparece a sabedoria e
prudência com que procedia a Santa Sé nestes estudos. 8

O Cardeal enviou a todas as pessoas escolhidas uma circular, na qual manifestava o


pensamento do Papa e as convidava a fornecer todas as indicações que julgassem úteis para o
fim que se tinha em vista. E para que estas primeiras indicações fossem mais úteis para os
estudos posteriores, transmitia também a cada uma um elenco dos pontos que haviam de
seguir na indicação dos erros e nas observações que tivessem de fazer.

Tendo o Cardeal recebido as respostas dos Bispos e das outras pessoas consultadas, redigiu em
catálogo todas as proposições ou erros apontados como dignos de serem condenados, e para
facilitar o estudo e o exame dos mesmos, dividiu-os em 28 grupos. Estas proposições, com
todas as observações feitas por todas as pessoas consultadas, foram distribuídas aos membros
das Congregações Romanas, as quais como é sabido, são compostas de pessoas escolhidas
entre as mais eminentes em ciência do Clero secular e regular.

Em 1854 aos membros dessas Congregações foi incorporada uma distintíssima Comissão de
teólogos, a mesma que tinha sido criada para fazer os estudos preparatórios para a definição
do Dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima. Pois, proclamado solenemente este
dogma no dia 8 de Dezembro desse ano, o Santo Padre não quis que a Comissão fosse
dissolvida, mas ordenou que passasse a ocupar-se ela também do exame encetado sobre os
erros dos nossos tempos.
Os trabalhos de todos estes teólogos eram discutidos em Congregações gerais, e depois de
aprovados e convenientemente formulados, entregues ao Sumo Pontífice. Pio IX servia-se
deles também na elaboração de outros Atos Apostólicos nos quais ia condenando
sucessivamente os erros que careciam de mais pronto remédio.

Em 1860 Pio IX mandou imprimir uma lista de 75 Proposições, contendo os erros principais da
nossa época, divididos em onze grupos. Ao mesmo tempo nomeou, para examiná-los, uma
nova Comissão composta de três teólogos, sendo um deles Prelado de Sua Santidade, outro
Religioso da Ordem de S. Domingos, o terceiro da Companhia de Jesus. 9 Esta Comissão era
presidida pelo eruditíssimo Cardeal Propero Caterini, Prefeito da Congregação do Concílio,
tendo por Secretário o então Monsenhor Ludovico Jacobini, mais tarde Cardeal e Secretário de
Estado de Sua Santidade.

As proposições sobreditas, depois de discutidas pela Comissão em várias reuniões, foram


retocadas e, assim modificadas, o Cardeal Caterini as mandou aos teólogos de várias
Congregações, sob este título “Syllabus” de proposições, (Syllabus propositionum), ordenando
que cada um desse, sobre elas, o seu voto fundamentedo.

Sendo recolhidos os votos dos teólogos, o Santo Padre aumentou o número dos membros da
Comissão, escolhendo-os entre todas as classes eclesiásticas, Bispos, Monsenhores, cônegos e
religiosos das Ordens dos Beneditinos, Dominicanos e Jesuítas. A cada membro desta
Comissão o Cardeal Caterini a 2 de Agosto do mesmo ano de 1861, enviou, em nome de Sua
Santidade, as mesmas proposições, já com este título mais explícito: Syllabus de proposições,
nas quais se contêm os principais erros dos nossos tempos. – Às proposições
do “Syllabus” juntava também alguns dos votos dados pelos teólogos, e ordenava que
tornassem a examiná-los particularmente no tocante ao grau de condenação que a cada erro
se devia infligir, a fim de ser discutido este ponto nas reuniões que seriam marcadas.

A Comissão se reuniu com efeito a 10 de Setembro, e continuou suas sessões, até ter passado
novamente a exame todas as proposições, e determinado a censura teológica que cada uma
merecia.

Nestas últimas sessões foram ainda apresentadas algumas dúvidas e observações sobre aluns
pontos. Procedeu-se pois a novos estudos, os quais foram examinados e discutidos em outra
série de reuniões que tiveram lugar em Novembro do mesmo ano. Nelas deu-se como que o
último retoque à redação de todas e de cada uma das proposições, bem como da censura
teológica que lhe convinha.
Esta longa série de estudos, sobre a condenação dos erros modernos, feitos pelas pessoas
mais competentes, parece já mais que suficiente, para que a Santa Sé pudesse proceder a um
ato definitivo. Contudo, Pio IX ainda não ficou satisfeito. Em 1862, achando-se em Roma mais
de 300 Bispos, para assistirem à solene Canonização dos Mártires do Japão, quis o Sumo
Pontífice que todos eles fossem consultados. Portanto, o Cardeal Caterini, Presidente da
Comissão daqueles estudos, por ordem e em nome do Papa, remeteu a cada um dos Bispos,
Arcebispos e Patriarcas presentes em Roma, o elenco das proposições com a censura que a
cada uma tinha sido aplicada. Ao mesmo tempo lhes mandava, que feito sobre elas maduro
exame, dessem o seu parecer sobre cada uma das proposições, e dissessem o que pensavam
sobre a oportunidade da condenação, quer em geral, quer a respeito de cada proposição em
particular; que acrescentassem também, si julgavam que outras proposições, além das
indicadas deviam ser condenadas e com qual censura. Impunha-se a todos rigoroso silêncio;
dava-se, porém, a cada um a faculdade de servir-se nesse exame de auxílio de um teólogo, que
ficaria sujeito ao mesmo segredo; enfim, dentro de dois ou três meses, deviam mandar as suas
respostas ao mesmo Cardeal.

Nas respostas os Bispos foram geralmente concordes em aprovar a condenação das


proposições. Alguns fizeram observações sobre certos pontos acidentais. Estas observações
não deixaram de ser atendidas e aproveitadas. Atesta-o, entre outros, o Cardeal de Canossa,
Bispo de Verona, em uma carta que dirigiu ao jornal L’Unitá cattolica, de Turim, para refutar
uma calúnia atirada pela imprensa liberal contra o “Syllabus”: – “Eu, diz o Cardeal, fiz somente
duas ligeiras observações, que foram imediatamente admitidas. E digo isto não por vanglória,
mas para mostrar, que não era por simples cerimônia, que a Santa Sé reclamava o auxílio dos
outros”.

Todos estes estudos e trabalhos, feitos por mais de dez anos, por tantos teólogos e Bispos com
o auxílio das Congregações Romanas, foram aproveitados para a última redação
do “Syllabus” e para determinar a forma definitiva, que foi finalmente adotada por Pio IX e
mandada a todos os Bispos do orbe católico. A coleção destes estudos, que forma um grande
número de volumes, foi por ordem do mesmo Pio IX, transmitida à Congregação do Santo
Ofício, em cujo arquivo se conserva, juntamente com tudo o mais que diz respeito
ao “Syllabus”. Mas passemos enfim à última redação do mesmo.

Depois do parecer unânime dos 300 Bispos reunidos em Roma em 1862, ficou assentada a
publicação das proposições condenadas. Então Pio IX nomeou uma Comissão especial de
teólogos para compilar a redação definitiva.

A Comissão foi encarregada de examinar todas as proposições denunciadas desde o ano de


1852, com os votos e as observações feitas pelos doutores, teólogos e Bispos, e cotejá-las com
as Letras Apostólicas e outros Atos pontifícios de Pio IX, nos quais havia condenados os erros
dos nossos tempos. Trabalhou a Comissão em repetidas reuniões por mais de um ano, e enfim
apresentou ao Sumo Pontífice um catálogo de 80 proposições, divididas em 10 capítulos,
juntando a cada uma a indicação do documento pontifício em que a condenara. E são estas as
proposições que compõem o “Syllabus”, adotado por Pio IX e mandado por sua ordem e em
seu nome a todos os Bispos do orbe católico, no dia 8 de Dezembro do ano de 1864, com este
título: “Syllabus”, contendo os principais erros do nosso tempo, condenados nas Alocuções
Consistoriais, Encíclicas e outras Letras Apostólicas de Nosso Senhor, o Santíssimo Padre e
Papa Pio IX.

Tal é em resumo a história da elaboração e compilação do “Syllabus”, conforme os


documentos da maior autenticidade, que podem ser verificados e consultados por todos.

A esta simples exposição de fatos não julgamos necessário acrescentar comentários. Pois nos
parece que por eles fica provado a toda evidência, que o “Syllabus” é o resultado de um
estudo longo, acurado, profundo, consciencioso, feito pelas pessoas mais habilitadas e
competentes, sobre os materiais e documentos que o assunto requeria.

§ II

PROMULGAÇÃO DO “SYLLABUS”

Acabada e aprovada a última redação do “Syllabus”, Pio IX fez ainda e mandou fazer orações
para alcançar pelo favor de Deus o resultado que tinha em vista. Quis também colocá-lo
debaixo da proteção de Maria Santíssima, escolhendo para a sua publicação o dia da festa da
Imaculada Conceição.

Nesse mesmo tempo escreveu Pio IX a Encíclica Quanta cura, na qual condena outros erros
que tem relação com algumas das proposições do “Syllabus” e da qual por isto mais adiante
teremos de falar.

Estando assim tudo preparado, deu ordem ao Cardeal Antonelli, seu Secretário de Estado, que
enviasse a todos os Bispos do orbe católico o “Syllabus”, juntamente, com a Encíclica Quanta
cura. O Cardeal deu cumprimento à ordem do Sumo Pontífice, acompanhando a remessa dos
dois Atos Pontifícios com uma carta, em data de 8 de Dezembro de 1864. Nesta carta, dando
conta aos Bispos da ordem recebida do Papa, declara, entre outras coisas, que o “Syllabus” é
um resumo dos erros modernos, que o próprio Pontífice mandou extrair dos seus Atos, nos
quais os condenara, e o mandava assim redigido a todos os Bispos do mundo, para que
tivessem diante dos olhos os principais erros e doutrinas perniciosas por ele sucessivamente
proscritas e condenadas.

Já temos dado o texto desta carta importantíssima. 10

Pio IX, enviando o “Syllabus” aos Bispos, exercia o cargo, de que foi incumbido por Jesus Cristo,
de ensinar aos povos, e preveni-los contra os erros e as falsas doutrinas: Pasce oves meas.11

Os fatos subsequentes vieram demonstrar, que bem-avisado andou o Papa, ou melhor, que foi
providencialmente inspirado por Deus, dando em tempo tão oportuno ao mundo católico este
código admirável dos erros modernos, que se chama “Syllabus”.

O aparecimento do “Syllabus” é um daqueles acontecimentos, que marcam uma época das


mais salientes na história dos combates entre a Igreja e os inimigos da doutrina de Jesus Cristo.
Mostra-o claramente a maneira com que foi ele acolhido, de um lado pelos Bispos de todo o
mundo, de outro pelos ímpios de toda casta, bem como pela imprensa liberal e pelos governos
que se regem pelos princípios das Sociedades modernas.

Os Bispos de todas as partes do mundo, logo que receberam o “Syllabus”, escreveram ao Papa,


manifestando-lhe a sua satisfação e seu agradecimento por este Ato Pontifício, tão apropriado
às necessidades do povo e da época. Reconhecem nele a palavra infalível do Sucessor de São
Pedro, do Vigário de Jesus Cristo. Como tal o recebem, o aceitam, o veneram, e o tomam como
regra e norma da sua conduta na direção dos fiéis, aos quais prometem que hão de comunicá-
lo em nome do mesmo Papa e explicá-lo, e estão certos, que todos os fiéis, assim como eles
mesmos seus Bispos e seus Pastores, condenarão e anatematizarão tudo aquilo que a Santa Sé
condena e anatematiza. Assim escreveram todos os Bispos, uns em separado, outros
coletivamente reunidos em seus Arcebispados e Patriarcados.

Seja-nos lícito transcrever aqui, como amostra, um trecho da carta coletiva enviada a Pio IX
pelos Bispos de Moderna e Parma: – “Santíssimo Padre, nada podia dar-se mais conveniente e
oportuno, que a vossa Encíclica e o ‘Syllabus’. Pois neste se apresentam reunidos em um só
corpo e se põem novamente à vista de todos, os principais erros que já foram por Vossa
Santidade várias vezes censurados e proscritos. Portanto, os católicos de boa vontade e de
coração simples, que no meio da atual perversão de todas as  coisas entre tantas mentiras
podiam ser arrastados ao erro, por não conhecerem ou já terem esquecido as precedentes
condenações, ou não penetrarem até ao fundo, nem perceberem plenamente a enormidade do
veneno dos erros modernos, que ainda não tinham sido condenados pelo juízo da Sé
Apostólica,12  agora admoestados pela vossa voz, fugirão dos embates e, instruídos em tempo,
ficarão de sobreaviso, para que não sejam seduzidos, nem decaiam de sua firmeza. 13 Nós, pois,
aderindo do mais íntimo do nosso coração à Cátedra de Pedro, não só condenamos,
proscrevemos e reprovamos os erros pestilenciais, que Vós, Beatíssimo Padre, condenais,
proscreveis e reprovais senão também, como de nós exige o nosso cargo, cuidaremos com todo
o empenho e diligência, que os povos a nós confiados rejeitem e detestem os mesmos erros, e
prestando obséquio, com a devida reverência, a Vosso supremo juízo, nunca se desviem da
verdade católica”.

No mesmo teor escreviam ao Papa os Bispos de todas as partes do mundo, manifestando sua
plena adesão ao “Syllabus” e à Encíclica, e declarando que reconheciam neles a palavra do
Mestre infalível da Igreja, segundo a qual haviam sempre de instruir e dirigir os fiéis e
combater os erros.

Mas os sentimentos de adesão e respeito dos Bispos aos Atos e Decisões da Santa Sé brilharam
de mais viva luz na atitude digna e corajosa que tomaram em frente aos governos, que
tentaram pôr embargos à publicação do “Syllabus”, como mais adiante veremos.

Mal acabavam os Bispos de receber o “Syllabus”, e logo por toda a parte começou a correr o
boato, que o Papa excomungara o Liberalismo e a Sociedade Moderna. Nem tardou muito, que
alguns jornais, mesmo antes da promulgação oficial feita pelos Bispos, publicaram
o “Syllabus”, que foi lido com curiosidade frenética. É impossível imaginar, quanto mais
descrever, a raiva de que se mostraram possuídos os inimigos da Igreja, e sobretudo os
adeptos da nova escola que se chama católico-liberal. Sinal evidente, que o Papa tinha posto o
dedo na chaga viva e sangrenta dessa imprensa, que pretende ser representante legítima da
Sociedade Moderna.14 Pungidos pois ao vivo, em lugar de reconhecer a mão salutar do médico
que queria curar, voltaram contra ele toda a raiva e o despeito. Não pouparam mentiras, nem
calúnias, nem injúrias, ainda as mais vis e abjetas, para desacreditar o “Syllabus” e estigmatizar
seus supostos autores, os Jesuítas! Pudera não?! – Não satisfeitos com palavras e ameaças,
apelavam para os governos, exigindo que proibissem a publicação oficial do “Syllabus” e da
Encíclica. – E eram os fautores da liberdade de opinião, da palavra e da imprensa, os que isto
pediam! E o pediam a governos, que se dizem livres, fundados nos princípios das liberdades
modernas e defensores de toda liberdade! Mas este é o vezo hoje em dia muito comum entre
os apregoadores das liberdades modernas. Quantas vezes temos visto, em nome da liberdade,
tolher-se e sufocar-se a manifestação livre do próprio pensamento! 15

E que fizeram então os governos, quase todos infeccionados dos princípios que
o “Syllabus” condena?
A Espanha não pôde fazer oposição aberta à publicação do “Syllabus”; sendo isto devido
principalmente à experimentada firmeza do Episcopado e do Clero espanhol. Portanto, o
governo achou melhor mandar aos Bispos, sem que estes o pedissem, autorização para
publicar o “Syllabus”.

Na Áustria os incrédulos e revolucionários, que faziam parte do governo ou tinham alguma


influência nele, tentaram fazer pressão na Corte. Mas o Imperador Francisco José, não
permitiu que se fizesse contra a Igreja um ato, que ia de encontro a artigos expressos da
Concordata, que pouco antes tinha celebrado com a Santa Sé.

Não aconteceu o mesmo na França e na Itália, cujos soberanos estavam acostumados a


guerrear os Bispos e a Igreja, sobretudo quando ensinassem doutrinas que lhes contrariassem
os princípios e os atos.

Na França, pois, no dia 1º de Janeiro de 1865, o Ministro Guarda-Selos de Napoleão III,


mandou a todos os Bispos uma circular, proibindo a impressão e promulgação da Encíclica e
do “Syllabus”.16 Esta circular provocou protestos da parte de muitos Bispos, e desta maneira o
povo veio a conhecer melhor a natureza e o valor do “Syllabus”, e lê-lo nos jornais que o
publicavam.

Os Bispos, respondendo ao Ministro, lhe mostravam como aquela ordem, além de ímpia,
injusta e contraditória, era inútil e ridícula. Com efeito, era inútil e ridículo proibir aos Bispos
de publicar o “Syllabus”, enquanto os jornais o publicavam. Era um ato da mais flagrante
injustiça, deixar que os inimigos da Igreja o interpretassem a seu talante, torcendo-lhe o
sentido e cobrindo-o de injúrias, e ao mesmo tempo proibir de falar nele aos Bispos, aos quais
tinha sido confiado, e que, por dever do seu ofício, deviam comunicá-lo e explicá-lo aos fiéis.

“Esses atos do Sumo Pontífice, (escrevia o Arcebispo Chambrai ao Ministro Baroche) já estão
nas mãos de todos os fiéis; pois já se acham publicados nos jornais, que desde muitos dias,
andam fazendo sobre ele os seus comentários em todos os sentidos. Que seja permitido aos
incrédulos de todos os matizes e aos hereges de todas as seitas publicar e censurar esses Atos,
procedentes da autoridade mais veneranda que existe sobre a terra, sem que o governo possa
ou queira inibi-lo; nós o podíamos portar em paz. Mas, o que temos de achar excessivamente
anormal, é que, entre todos os cidadãos franceses, entre os ministros de todos os cultos
reconhecidos em França, nós, os Bispos católicos, sejamos os únicos, a quem foi proibido,
comunicar aos nossos diocesanos, por falta de autorização do governo, documentos que
pertencem a nós e aos fiéis da nossa comunhão.
Os ministros dos cultos dissidentes têm plena liberdade, para em toda a extensão da nossa
Diocese e até na porta das nossas Catedrais, com seus folhetos e com suas pregações,
comentar como quiserem esses documentos, e até alterá-los a se bel-prazer; podem mesmo,
sem sair da legalidade, transmiti-los, por meio de qualquer vendedor da rua por eles pago, não
só a seus correligionários, mas também a nós católicos; e nós seremos os únicos, que não
podemos falar, até que uma licença imperial nos venha abrir a boca! 17

Esta é uma anomalia tão saliente, que não pode durar muito tempo. A igualdade de direitos
perante a lei cessaria em dano nosso, e a este respeito haveria manifestamente, para o
Catolicismo, tropeços, em lugar de proteção.

Acrescentarei ainda, sr. Ministro, que esta medida restritiva da liberdade para nós, nos causa
tanto maior maravilha e tristeza, quanto a difusão das doutrinas anticristãs na atualidade
encontra menores obstáculos. Com efeito, hoje, cada um tem a liberdade de, quantas vezes
quiser, negar o próprio Deus e fazer propaganda de ateísmo com escritos, aos quais pode dar
toda a publicidade que lhe aprouver. E será ser exigente demais, reclamar a mesma liberdade
para o ensino católico?

A interdição formulada por V. Excia. a respeito da Encíclica e do “Syllabus”, tem um caráter de


gravidade tão excepcional, que a ninguém pode passar desapercebida. Pois ela é lançada não
contra uma prescrição disciplinar qualquer, mas contra uma instrução doutrinal do Sumo
Pontífice.

Enfim, sr. Ministro, embora em quaisquer circunstâncias e em qualquer parte se ponha


embargo as comunicações do Vigário de Jesus Cristo com os fiéis, que por missão divina devem
instruir e dirigir em toda a terra, nunca em parte alguma nem em caso algum poderão os
governos humanos tirar às suas palavras a força de ligar as consciências, nem fazer cessar nos
Bispos a obrigação de transmitir, quanto lhes couber, essas instruções aos seus diocesanos”.

No mesmo teor responderam os outros Bispos, e alguns acrescentaram, que esperavam uma
ocasião mais propícia, que cedo havia de chegar, para publicar aos fiéis com toda liberdade e
franqueza os Atos Pontifícios.

Mas o Cardeal Mathieu, Arcebispo de Besançon e o Bispo de Moulin não quiseram esperar por
essa ocasião. No dia 8 de Janeiro, que caiu em um Domingo, ambos, não obstante a proibição
do Ministro, subiram aos púlpitos de suas Catedrais e fizeram ao povo a leitura da Encíclica e
do “Syllabus”, acompanhando-a com uma fervorosa alocução: – Ubi Petrus, ibi
Ecclesia, exclamou o Bispo de Moulin; Roma locuta est, causa finita est.

“E querendo nós, acrescentou, dar público testemunho da nossa adesão às verdades definidas


na Encíclica e da nossa absoluta reprovação dos erros enunciados no ‘Syllabus’, julgamos de
nosso dever, fazer nós mesmo, pessoalmente, do alto do púlpito da nossa Igreja Catedral, a
leitura desses documentos, em sinal de submissão a esta palavra, que ata e desata e cujo
direito privativo pe de nunca ser atada”.

Ambos estes Bispos foram acusados perante o Conselho de Estado e por decreto, assinado por
Napoleão III, declarados incursos no crime de abuso.

O intrépido Bispo de Poitier, Monsenhor Pie, depois Cardeal, publicou o “Syllabus” em uma
Pastoral aos seus diocesanos; e essa Pastoral foi louvada por Monsenhor Chigi, Núncio
Apostólico em Paris. O governo quis vingar-se do Núncio, mandando queixa à Santa Sé contra
ele, por meio do seu Ministro em Roma, porque, diz o despacho, tinha-se dirigido aos Bispos
franceses, apreciado e dirigindo o seu modo de proceder a respeito do governo imperial.

Mas bem cedo o governo teve de persuadir-se que com tais medidas severas e arbitrárias nada
conseguia. Pelo contrário, o “Syllabus” se tornava cada vez mais conhecido e até se dava mais
azo aos católicos de espalhá-lo, comentá-lo e defendê-lo. Pelo que desistiu de qualquer
violência e a proibição pouco a pouco foi caindo em esquecimento.

Também na Itália o sr. Vacca, Ministro Guarda Selos do rei Vítor Emanuel, mandou uma
circular que é quase uma cópia da de Mr. Baroche, proibindo a publicação da Encíclica e
do “Syllabus”.18

Mas os Bispos, longe de curvar-se ou mostrar-se intimidados, defenderam com tanto zelo e
coragem os direitos da Igreja, que mereceram especiais encômios de Pio IX em pública
Alocução no Consistório. Responderam logo, mais ou menos, como os Bispos da França.
Acrescentavam mais, que se o governo não quisesse dar a autorização, eles sempre haviam de
publicar os documentos que o Sumo Pontífice lhes mandara. E davam a razão: “A Encíclica e o
“Syllabus” (diziam, por exemplo, os Bispos das Marcas) referem-se a coisas, que, pela sua
intrínseca natureza, estão fora do alcance de qualquer influência do poder civil… E como
poderiam os Bispos, cônscios do seu sublime Ministério, descer a tamanha baixeza, de pedir
permissão, para exercitar o Ministério que lhes vem de Deus?”
“Pensa acaso V. Excia., diziam os Bispos das Romanhas, que nós, esquecendo de repente os
nossos deveres mais sagrados, vamos entregar as mãos às cadeias e pedir a V. Excia. a regra e
a medida, para apascentarmos o nosso rebanho com a palavra de Cristo?

Somos, pela graça de Deus, Bispos católicos e nunca, com o auxílio do Céu, aviltaremos o poder
que Jesus Cristo nos conferiu e de cujo exercício havemos de dar um dia severíssima conta”.

Os Bispos de Nápoles e Sicília fizeram uma carta coletiva, em forma de protesto, assinado por
mais de cem Arcebispos, Bispos e Vigários capitulares e a dirigiram ao próprio rei Vítor
Emanuel.

O Ministro do rei viu que não podia sustentar com vantagem e honra a proibição. Portanto,
obteve um decreto real, datado de 6 de Fevereiro, permitindo a publicação da Encíclica e o
do “Syllabus”. Mandou-o aos Bispos, acompanhando-o com uma circular, a qual, ao passo que
faz grande honra aos Bispos, que pela sua firmeza e coragem obrigaram o governo a recuar,
coberto de confusão o ministro que em vão se esforçou, com razões e frases mal cabidas, por
encobrir e coonestar a sua indecorosa retirada.

Mas sempre quis saborear o triste prazer de mesquinhas vinganças. Portanto, cinco dias
depois do decreto, que revogava a proibição, mandou condenar o virtuoso e zeloso Bispo de
Mondovi, Monsenhor Ghilardi, da Ordem dos Dominicanos, a três meses e meio de prisão, por
ter publicado, antes daquela data, a Encíclica e o “Syllabus”. Continuou, ainda depois de a
vexar, sob vários pretextos, os Bispos que se mostraram mais corajosos, alguns dos quais
sofreram o desterro ou a prisão. Mas estas cruéis perseguições, desafogo de raiva mal contida,
nada valeram, para impedir ou diminuir o triunfo da verdade e a glória dos Bispos.

Nesta ocasião todo o mundo teve de admirar, no Episcopado católico, a sua união à Cadeira de
Pedro, o seu zelo pastoral, a sua firmeza apostólica. Esta atitude magnânima dos Bispos
encheu de consolação o coração do Sumo Pontífice Pio IX, que não pode deixar de patentear o
seu pleno contentamento na Alocução que dirigiu aos Cardeais no Consistório público de 5 de
Maio do mesmo ano de 1865. Transcrevemos aqui as suas nobres palavras, não só como um
documento pertencente à história do “Syllabus”, mas também como um monumento
imperecível de glória para o Episcopado católico do século décimo nono.

“Não podemos deixar, disse Pio IX aos Cardeais,  de tributar, perante esta assembleia,
luminosos e bem merecidos louvores aos nossos Veneráveis Irmãos, os Bispos do orbe católico,
os quais, em face de tamanha conjuração contra a nossa Santa Religião e da deplorável
depravação de tantos homens, nos fornecem continuamente, no meio de nossas grandes
amarguras, motivos cada dia mais copiosos de prazer e consolação. Com efeito, estes
Veneráveis Irmãos, aderindo do fundo da alma, como amor e respeito admirável para conosco,
a esta Cadeira de Pedro, Mãe e Mestra de todas as Igrejas, não se deixam atemorizar por
nenhuma sorte de perigos, afrontam todo respeito humano, não fazem conta alguma dos
decretos injustos do poder civil, contrários à Igreja, fazem consistir sua maior glória em
defender e vingar corajosamente, assim pela palavra como por escrito, a verdadeira unidade
católica, o Nosso Poder, a Nossa Autoridade, os Nossos Direitos e os da Igreja e da Sé
Apostólica. Julgam-se felizes, rejeitando e condenando, clara e publicamente (quer nas cartas
que recentemente nos têm escrito, quer nas que eles têm dirigido aos fiéis confiados aos seus
cuidados), tudo quanto Nós condenamos, opõem corajosamente a força Sacerdotal aos
condenáveis desígnios e esforços de homens inimigos e em apascentar suas ovelhas com a sã
doutrina e guiá-las pelo caminho da fé.

São dignos, em modo especial, destes elogios os Nossos Veneráveis Irmãos, os Bispos da Itália;
pois ainda que expostos a violentas perseguições e injúrias de seus inimigos e vexados em mil
maneiras, desempenham corajosamente o seu Ministério e não deixam de levantar unânimes a
sua voz episcopal, reclamando e protestando energicamente contra todas as leis reprováveis e
injustas, que o governo subalpino tem decretado em detrimento da Igreja, de suas sagradas
instituições, de seus Ministros e de seus direitos, bem como contra atos sacrílegos tantas vezes
praticados por esse mesmo governo. Sim, os Bispos da Itália combatem por Cristo e pela sua
Igreja com uma coragem e constância digna de admiração, cuidam da salvação do seu
rebanho, não temem nem o exílio, nem a prisão, nem qualquer outra pena, seguindo assim o
exemplo dos Apóstolos, que saíam jubilosos do conspecto do Concílio, porque tinham sido tidos
por dignos de sofrer contumélias pelo Nome de Jesus.

Nós pois, ao passo que deploramos do fundo d’alma os amargos sofrimentos desses nossos
Veneráveis Irmãos, associando-nos às suas penas e misturando as nossas com as suas
lágrimas, damos humilíssimas graças ao Pai amorosíssimo das misericórdias e ao Deus de
todas as consolações; vendo como esse episcopado católico, por uma visível assistência da
divina graça, tem mostrado tão firme adesão a Nós e a esta Santa Sé e animado de um
vigoroso espírito de fé, combate virilmente pela defesa da Santa Igreja”.
CAPÍTULO TERCEIRO

VALOR DO “SYLLABUS”

A breve notícia que temos dado do “Syllabus”, expondo a sua preparação, a sua publicação e
os seus primeiros efeitos, abre-nos o caminho para a clara inteligência e demonstração de seu
valor. Antes, já em certo modo o manifesta. Pois a longa série dos trabalhos feitos na
preparação do “Syllabus”, mostram que esse documento, humana e cientificamente
considerado, é fruto de um acurado e profundo estudo. O modo e as circunstâncias da sua
publicação tornam patente a todos, qual é o seu valor, e qual o uso que dele devem fazer os
católicos. Enfim, os primeiros efeitos que ele produziu, quer entre os fiéis, quer entre os
inimigos da Igreja, põem em evidência, como foi bem acertada a sua redação e oportuno o
tempo em que foi promulgado.

Mas convém desenvolver um pouco mais este ponto. E para maior clareza distinguiremos
no “Syllabus”,  um tríplice valor: o valor doutrinal, o valor moral, o valor prático.

1º. Valor Doutrinal do “Syllabus”. – Não consideramos agora o valor doutrinal


do “Syllabus” sob o ponto de vista puramente científico. Pois sob este aspecto já é manifesto o
seu valor pelo que temos dito no 1º parágrafo do capítulo precedente. Porquanto
o “Syllabus”, é o resultado de um exame e estudo acurado, profundo, consciencioso, feito pelo
espaço de 12 anos, por pessoas doutas e eruditas de todas as classes e de todas as partes do
mundo. Pelo que seria temeridade imperdoável, que só se desculparia pela ignorância dos
fatos, dizer que o “Syllabus” é uma obra feita sem bastante consideração, circunspecção e
prudência.

Aqui consideramos o valor doutrinal do “Syllabus” em relação à fé e à doutrina da Igreja. Neste


sentido, o “Syllabus” tem grandíssimo valor, quer pela extensão e importância da doutrina que
encerra, quer pela sua autenticidade e pela autoridade com que é proposto aos fiéis.

Com efeito, o “Syllabus” contém doutrina sobre muitos e graves assuntos da maior


importância para a fé e para a vida prática dos fiéis. Esta importância sobe de ponto, se
considerarmos, que essa doutrina define as controvérsias que mais vivamente agitam a
sociedade e o Cristianismo. Pois nela se refutam os erros nefastos que ameaçam invadir as
ciências e as consciências, com as monstruosidades do panteísmo e do materialismo; põem-se
a salvo a fé, contra o elemento destruidor do racionalismo e do naturalismo e dos falsos
sistemas que deles derivam; afastam-se da sociedade as perversas doutrinas do socialismo e
do comunismo, defendem-se os direitos da Igreja sobre as consciências, sobre a moral, sobre
os Sacramentos e a sua instituição; previnem-se os fiéis contra as capciosas insinuações de
fementidas liberdades; enfim, às falsas e perigosas doutrinas que ameaçam invadir a
sociedade e até o povo católico, se opõe a voz e a doutrina da Igreja, inspirada e assistida pelo
seu Chefe invisível, Cristo Senhor Nosso.

E tal doutrina é da maior autenticidade, por ser ela proposta pelo Chefe Supremo da
Cristandade, o qual, por meio de seus Bispos, faz chegar a sua voz autorizada a todos os fiéis,
declarando-lhes, que a eles se dirige pelo ofício que recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo, de
ensiná-los, apascentá-los e dirigi-los, e para, como Pastor solícito e Pai amante de suas almas,
afastá-los dos erros perniciosos, com que falsos mestres pretendem corromper-lhes a pureza
da fé e dos costumes.

Na Encíclica Quanta cura, que o Santo Padre Pio IX enviou a todos os Bispos do orbe católico
juntamente com o “Syllabus”, diz que nas suas Encíclicas, Alocuções e Cartas Apostólicas, por
ele publicadas precedentemente (e das quais foram extraídas as proposições do “Syllabus”),
tinha falado em cumprimento do cargo e do ofício de apascentar as ovelhas que Nosso Senhor
Jesus Cristo tinha confiado a ele, na pessoa de São Pedro; que nelas denunciava e condenava
os erros, que como torrente impetuosa inundavam a sociedade, causando estragos
gravíssimos. Em particular, menciona três desses documentos, nos quais diz que condena erros
monstruosos (monstruosa opinionum portenta), que principalmente em nossos dias campeiam
no meio da sociedade, com grandíssimo dano não só de muitas almas, mas também da
sociedade civil, e se opõem não somente à doutrina da Igreja e a seus direitos, mas também à
lei eterna, que Deus imprimiu no coração de todos os homens, e à luz da razão. Ora, estes três
documentos constituem uma das fontes principais do “Syllabus”, no qual são citados mais de
trinta vezes. Temos pois o testemunho autêntico do mesmo Sumo Pontífice Pio IX, declarando
o valor e autoridade das doutrinas do “Syllabus”.

Está pois provado e averiguado, que o “Syllabus”, pela doutrina que encerra, e pela autoridade
que a propõe, é de valor transcendental para os fiéis que têm a peito a pureza da fé e da sua
consciência, bem como a honra e a defesa da Igreja.

Mas ouçamo-lo também da boca de um dos Bispos, na ocasião de comunicar o “Syllabus” a


seus fiéis: – “Tudo quanto tem o inimigo maquinado  (dizia o Bispo de Cadiz) nestes últimos
tempos, contra as coisas santas, os dogmas, Jesus Cristo e a Igreja, tudo, tudo achareis
resumido neste “Syllabus”, que de hoje em diante há de ser considerado como o índice
autorizado  do Clero, no qual em um só lance de olhos vê-se tudo quanto se tem blasfemado e
se blasfema contra Deus e a sua Igreja.
Recebei o “Syllabus” animados daquela fé e amor à Cátedra de Pedro, que desde os tempos
apostólicos formam a vossa glória. Abri vossos lábios para anatematizar e condenar, com Pio
IX, as doutrinas da impiedade e da rebelião contra o Céu, contidas neste admirável documento.
E se fosse possível, que um Anjo do Céu ousasse persuadir-vos como verdade o que nele se
anatematiza e condena, anathema sit”.19

2º. Valor moral do “Syllabus”. – Chamamos valor do “Syllabus”, a autoridade de que ele é
revestido, em virtude da qual há de ser acatado por todos os fiéis e os obriga em consciência a
aceitá-lo e conformar-se com ele.

Na verdade, o “Syllabus”,  é proposto aos fiéis pelo Sumo Pontífice, como assentado na Cadeira
de Pedro, e daí, como Mestre e Doutor que os ensina; como Pastor, que os dirige; como Chefe
Supremo e Infalível da Igreja, lhes manda, em nome de Jesus Cristo, condenar o que ele
condena. A este poder moral, a esta autoridade verdadeiramente divina, maior que a qual não
existe outra na terra, e nem se quer igual, não há força humana que lhe possa negar sujeição.
Por esta autoridade o “Syllabus” é proposto aos fiéis, e estes não lhe podem recusar a adesão,
a sujeição e obediência, sem se declararem rebeldes ao seu Mestre, ao seu Pastor, ao seu
Chefe Supremo, e até a Jesus Cristo que lhes fala pela voz do seu Vigário na terra.
– “Declaramos, escrevia o Bispo de Tarantásia ao seu Clero, que esta sentença doutrinal tem
toda a sua força obrigatória para as consciências cristãs; que ela será a regra invariável de
nosso ensino; que nossa íntima convicção é, que ninguém pode contradizê-lo, sem faltar
gravemente à autoridade da Igreja”.

Da mesma maneira falaram todos os Bispos, que nas suas pastorais, comunicando


o “Syllabus” aos fiéis, com eloquentes palavras demonstravam e explicavam a sua autoridade e
o seu valor. Ouçamos, por exemplo, o Cardeal Trevisanato, Patriarca de Veneza e Primaz da
Dalmácia: – “Antes de tudo,  diz ele, declaramos abertamente, que aderimos plenamente e de
coração a todas as regras de fé e às afirmações doutrinais anunciadas pelo Nosso Santo Padre
Pio IX e condenamos o que ele condena. Daí, como Pastores das vossas almas, insistimos e
protestamos perante o Céu e a terra, ser um dever supremo de todos os católicos, submeter-se
inteiramente, com humilde e filial docilidade de inteligência e vontade, a toda a doutrina
ensinada por aquele, que está em lugar de Jesus Cristo… Uma vez que o Espírito Santo fez ouvir
a sua voz por meio do Romano Pontífice, já não há que disputar. Não, não há meio termo: Ou
ser católico com o Papa e como o Papa, ou renunciar a fé e renunciar de ser católicos… Nós,
que somos católicos, conhecemos a verdade e a conhecemos sem medo de errar; e o que nós
condenamos com o Papa, estamos certos que será condenado pela Igreja até a consumação
dos séculos. E vós  (dirigindo-se aos Vigários)  inculcai aos infiéis o rigoroso dever que têm, de
acolher de boa vontade o ensino do Vigário de Jesus Cristo, como regra sagrada e inviolável
daquela fé santíssima, que eles se gloriam de professar. Fazei-lhes sentir vivamente, que para
alcançar a salvação eterna, é necessário estar com o Papa, em tudo e sem reserva”.

3º. Valor prático do “Syllabus”. – O “Syllabus” não é um documento exclusivamente doutrinal,


em que só se queria pôr a salvo a pureza dos dogmas. É, além do mais, um Código e, por assim
dizer, um Manual prático, que deve servir aos fiéis de Norma e Guia, para dirigirem com
segurança, seus juízos e seus passos, a fim de não serem vítimas das insinuações daqueles, que
com promessas falazes de ciência, de liberdade e de progresso, arrastam à ruína os homens e a
sociedade. – “Que vos diremos  (assim se exprimia na sua pastoral o douto e zeloso Bispo de
Urgel)  do caráter geral da Encíclica e do “Syllabus”? Dir-vos-emos, que é um grito de alerta do
Pastor Supremo a todas as atalaias e a todo o rebanho do Senhor, para afastá-lo dos pastos
envenenados… Que é um golpe mestre do cajado do Pastor, com que se extirpam as más ervas,
condenando-se os erros tão funestos à salvação eterna dos indivíduos e ao bom governo e
conservação da sociedade”.

O “Syllabus”, considerado pelo lado prático, é um dos maiores benefícios que Deus fez à Igreja,
por meio do incomparável Pontífice Pio IX. Felizes os homens e as sociedades, que souberem
aproveitar-se deste grande meio de segurança e salvação! Se todos os Cristãos tivessem no
devido apreço o “Syllabus”, se o tivessem tomado como norma de suas ações nas escabrosas
circunstância de nossos dias, não se veriam tantos, que, ao passo que se gloriam do nome de
católicos, continuamente se mostram, por palavras e por obras, em contradição com a
doutrina da Igreja, de quem querem passar por filhos obedientes; nem se presenciaria o triste
escândalo, de homens católicos, em países católicos, apoiando e promovendo doutrinas e
medidas condenadas pela Igreja e subversivas de toda ordem moral e religiosa.

Como falamos a católicos de boa vontade, desejosos de conformarem-se com a doutrina da


Igreja, e de ouvir seus conselhos, concluímos lembrando-lhes o que disse Leão XIII ao Bispo dos
Perigueux, a saber, que nos tempos atuais e nas escabrosas circunstâncias em que nos
achamos, devem os fiéis tomar como guia seguro de seus juízos e de suas ações, os
documentos recentemente propostos pelos Sumos Pontífices, e particularmente
o “Syllabus” de Pio IX.20
CAPÍTULO QUARTO

OBJEÇÕES CONTRA O “SYLLABUS”

1ª Objeção – O “Syllabus” não pode chamar-se um documento Pontifício. É apenas um


catálogo de proposições, que se dizem condenadas por Pio IX; mas não tem a forma dos Atos
doutrinais Pontifícios, nem a assinatura do Papa. Portanto, não há razão suficiente para se
dizer, que o “Syllabus” é um Documento doutrinal Pontifício, que obriga os católicos a
reconhecê-lo por tal e sujeitar-se a tudo o que nele se encerra.

Resposta – 1º – Respondemos, em primeiro lugar, que todos os Bispos católicos reconheceram


o  “Syllabus” como um Documento doutrinal Pontifício, que obriga assim a eles mesmos, como
aos simples fiéis; e tomaram-no como Norma para a instrução de suas ovelhas e para afastá-
los dos erros apontados no mesmo  “Syllabus”. Ora, quando todos os Pastores e Doutores da
Igreja ensinam que um Ato Pontifício é autêntico e obrigatório, será lícito a qualquer católico
recusar aceitá-lo e conformar-se com ele? Nas respostas seguintes ver-se-ão mais claramente,
as razões pelas quais os Bispos reconhecem o “Syllabus” como Documento Pontifício doutrinal,
obrigatório.

2º – Quem mandou o “Syllabus” aos Bispos, foi o próprio Papa Pio IX. Portanto, da sua
intenção e vontade depende o seu valor. Pois bem. Pio IX não só chama frequentemente coisa
sua (“Syllabus”  noster21: “Syllabus” quem edi jussimus, jussu nostro editus), mas sempre o
considerou como um Ato de condenação dos erros nele apontados.

Assim na Alocução Consistorial dirigida aos Cardeais no dia 27 de Março de 1865, louva os
Bispos, porque logo que receberam o “Syllabus”, protestaram perante o Papa e perante o
público, que reprovavam e condenavam o que o Pontífice reprovava e condenava
no “Syllabus”, e porque se apressavam a comunicá0lo aos fiéis, alguns até afrontando as iras
dos Governos, que o tinham proibido; e davam por motivos deste seu procedimento, que não
podiam deixar de comunicar a suas ovelhas a palavra do Supremo Pastor da Igreja, e
manifestar-lhes os erros de que o Papa queria, fossem premunidos e afastados.

Mais tarde, no dia 17 de Junho de 1867, em um Discurso pronunciado na Capela Paulina,


perante 200 Bispos aí presentes, para felicitá-los pelo aniversário de sua exaltação ao Trono
Pontifício, disse entre outras coisas: – “Na Encíclica de 1864 e no Documento denominado
“Syllabus”, Eu declarei ao mundo  (notem-se as palavras Eu declarei) os perigos que ameaçam
a sociedade e condenei as falácias que atentam contra a sua vida. Aquele ato, Eu o confirmo
agora na vossa presença, e vo-lo apresento novamente  a vós, para que vos sirva de Norma,
quando tiverdes de doutrinar os fiéis”. – Assim refere este discurso do Papa, como testemunha
presencial, em Pastoral pouco depois dirigido ao Clero de sua Diocese, o Cardeal Manning,
então Arcebispo de Westiminster.

3º Também o sucessor de Pio IX, o sábio Pontífice Leão XIII, reconheceu o “Syllabus” como
Documento doutrinal Pontifício; pois na sua Encíclica Immortale Dei, assim se exprime: – “Pio
IX, conforme se apresentava a ocasião, censurou muitas doutrinas falsas, que iam entrando em
voga, e depois mandou reuni-las todas, para que, em tão grande aluvião de erros, os Católicos
tivessem uma Norma segura para seguir”.

E a 27 de Junho de 1884, respondendo a Monsenhor Dabert, Bispo de Perigueux, que se


achava muito angustiado, por não saber como remediar a certas divergências de opiniões
entre as suas ovelhas: “Nestas contingências,  lhe dizia Leão XIII, e escabrosas circunstâncias,
qual deva ser a maneira de pensar e obrar dos fiéis, qual a Norma, segundo a qual conformar
sua mente e sua ação, torna-se manifesto da doutrina ensinada por esta Sé Apostólica, contida
quer no ‘Syllabus’ e nos outros Documentos do Nosso ilustre predecessor  (Pio IX), quer em
nossas Encíclicas”.

4º – Enfim, o valor doutrinal do “Syllabus” torna-se evidente pela sua mesma história. É um


fato certo, que todas as 80 Proposições do “Syllabus” haviam sido condenados por Pio IX em
documentos já conhecidos na Igreja, dos quais foram extraídos e redigidos por ordem do
mesmo Pio IX e debaixo da sua direção e inspeção; que Pio IX aprovou o “Syllabus” assim
redigido; deu ordem que fosse em seu nome enviado aos Bispos, como catálogo fiel e
autêntico dos principais erros por ele condenados e declarou expressamente que o mandava
para o fim, de que nele os Bispos tivessem diante dos olhos um como quadro de todos os erros
cuja condenação se achava espelhada em vários documentos publicados em diversos tempos.

Portanto, é verdade que o “Syllabus” é um elenco, mas um elenco autêntico de proposições


condenadas, e proposto pelo mesmo Pontífice que as condenou, para lembrá-las e inculcá-las
de novo aos Bispos e a todos os fiéis. Por isto, na boca dos Bispos e no sentir dos
fiéis, Proposição  do “Syllabus”, significa e é a mesma coisa, que proposição condenada.

2ª Objeção – O “Syllabus” não é um Bula dogmática; e quem negar algumas das suas


proposições, não fica por isto herege ou excomungado. Portanto, não se pode dizer que
o “Syllabus” é um Ato do Magistério infalível da Igreja, e que obriga debaixo de culpa grave
todos os católicos.
Resposta – Antes de tudo é necessário retificar e explicar uma coisa afirmada na objeção, isto
é, que quem negar uma proposição do “Syllabus” não é herege ou excomungado. Isto não é
verdade a respeito de todas as proposições do “Syllabus”. Pois algumas há, e não são poucas,
que são manifestamente heréticas. Por exemplo, a primeira proposição do “Syllabus”, não só é
herética, mas contém muitas e gravíssimas heresias. Pois nela se afirma o Panteísmo, com
todos os erros que dele derivam a respeito de Deus, do homem, do mundo. Não menos
herética é a 7ª, na qual se nega a realidade das profecias e dos milagres da Escritura Sagrada, a
incompreensibilidades dos Mistérios, a veracidade da Bíblia e até a realidade de Jesus
Cristo. Herética é a 18ª, na qual se afirma, que o Protestantismo é uma religião tão
verdadeira e aceita a Deus, como a Católica. Herética a 65ª, que nega ao Casamento cristão a
dignidade de Sacramento; e assim outras.22 Portanto, quem afirmar e sustentar cientemente
uma dessas proposições do “Syllabus”, é herege e separa-se da Comunhão da Igreja Católica.

Há, porém, outras proposições no “Syllabus”, que não contém heresias, ao menos explícitas e
declaradas pela Igreja e condenadas como tais. Portanto, quem as negasse, não ficaria logo,
por isto, herege nem separado da Comunhão da Igreja Católica.

Feita esta declaração, vamos à Objeção.

O “Syllabus”, pois, não é uma Bula Dogmática; isto é verdade. A Bula Dogmática, é a forma que
usa ordinariamente o Sumo Pontífice, para definir solenemente os Dogmas, ou condenar
doutrinas heréticas. As doutrinas nela ensinadas impõem aos fiéis a mais estrita e rigorosa
obrigação, e aos que negam de sujeitar o seu juízo, é infligida a maior das penas eclesiásticas
espirituais, que é o anátema, ou a separação da Comunhão da Igreja. Tal é, por exemplo, a
Bula de Pio IX Ineffabilis Deus, de 8 de Dezembro de 1854, na qual define a Imaculada
Conceição de Maria Santíssima.

Não é desta maneira que as proposições do “Syllabus” são nele condenadas. Portanto, quem
negar ou não quiser admitir alguma daquelas proposições, por isto só, não fica logo um herege
ou um excomungado.

Disto, porém, não se segue, que quem assim proceder, não falte, e gravemente, ao dever de
obediência devido ao Mestre Supremo e infalível da Igreja. Acaso, porque um filho da família,
desrespeitando a seus pais ou esbanjando-lhes a fortuna, não merece ser deserdado ou
expulso da casa paterna, dir-se-á que não é desobediente e perverso? Um ladrão, um perjuro,
somente por isto, não é desterrado nem privado dos direitos de cidadão. Por isto não será ele
criminoso e réu perante a lei? Ora, isso mesmo acontece no nosso caso. Quem nega uma
proposição do “Syllabus”, não é, só por isso, separado da Igreja, não é um herege, não é um
filho obediente da Igreja, que é um bom Cristão? Absolutamente não. Com efeito, pergunto
eu: O Sumo Pontífice condena ou não condena as proposições notadas no “Syllabus”? Certo
que sim. – Não mandou Ele intimar a todos os Cristãos a observância do “Syllabus”? Também é
certo que sim, e o fez pelo órgão autorizado dos Bispos. – E não é o Supremo Pontífice o Pastor
Supremo e o Mestre infalível de todos os Cristãos em tudo o que diz respeito à Fé e à Moral? É
certo que sim. – Logo é claro, que o Cristão, que não quer admitir uma proposição
do “Syllabus”, desobedece ao Sumo Pontífice, que, como Chefe Supremo da Igreja e como
Pastor e Doutor de todos os fiéis, censura uma doutrina, e a condena, e manda que todos com
ele a condenem.

Quando o Sumo Pontífice, em seus Atos Apostólicos, condena uma doutrina, é manifesto que,
por isto mesmo, ela há de ser tida por condenada em toda a Igreja: pois nessas condenações
não que o Papa simplesmente manifestar a sua maneira de pensar ou o seu julgamento
científico acerca dessa doutrina, mas fala como Doutor Supremo da Igreja ensinando aos
fiéis, o juízo que devem fazer da mesma. Contudo, às vezes, o Pontífice declara expressamente
que os fiéis devem conformar o seu juízo ao dele e até ordena e manda que reprovem e
condenem o que ele reprova e condena. Por exemplo, na Encíclica Quanta cura, a qual, como
mais adiante veremos, tem a mesma autoridade que o “Syllabus”, Pio IX assim se
exprime: Nós, com a Nossa Autoridade Apostólica reprovamos, prescrevemos e condenamos
todas as opiniões e doutrina perversas que temos enumerados, e queremos e mandamos, que
todos os filhos da Igreja Católica as tenham absolutamente por reprovadas, proscritas e
condenadas”.

A doutrina que acabamos de expôr é comum entre os teólogos, os quais são concordes em
afirmar que quando o Papa condena uma proposição com censura inferior à de heresia, ou
também geralmente sem especificar o grau da censura, a sua definição pertence ao Magistério
infalível de Pastor e Doutor universal da Igreja, e, portanto, todos os cristãos são obrigados,
sob pena de pecado grave, a aceitá-la; alguns até chegam a dizer, que, afirmar obstinadamente
o contrário, é heresia ou próximo à heresia. 23

Esta doutrina dos teólogos é fundada no Concílio Vaticano. Pois na Constituição Dogmática Dei
Filius, relativa à Fé Católica, depois de ter esposto e condenado sob pena de anátema, os erros
mais diretamente oposto à Fé, conclui dizendo: “Não ser suficiente aos católicos o evitarem o
mal da heresia, mas deverem fugir também, com toda diligência, de todos os erros que a ele
mais ou menos se aproximem; e por isto admoesta a todos os fiéis do dever que têm de
observarem também as Constituições e os Decretos, em que a Santa Sé proscreve e proíbe
semelhantes erros, não enumerados diretamente no Concílio”. 24
Podemos, pois, nós também concluir, que ainda que o “Syllabus” não seja uma Bula
dogmática, contudo, obriga em consciência a todos os católicos a aceitarem inteiramente a
condenação de todas e cada uma de suas 80 proposições.

3ª Objeção – Algumas proposições do “Syllabus” são tiradas de cartas escritas pelo Papa a


pessoas particulares, algumas das quais nem eram eclesiásticas. É claro pois, que tais cartas
não podem obrigar a todos os fiéis, por não lhes serem dirigidas, nem comunicadas. Portanto,
não poder dizer-se que todas as proposições do “Syllabus”, obrigam todos os fiéis.

Resposta – 1º É verdade que entre os Documentos pontifícios alegados no “Syllabus” há


algumas cartas escritas pelo Papa a pessoas particulares. São elas sete, das quais seis dirigidas
a algum Arcebispo ou Bispo, e uma a Vitor Emanuel, rei da Sardenha.

Mas estas cartas, ainda quando foram escritas tivessem caráter particular, depois da
promulgação do “Syllabus” não só se tornaram públicas,25 mas adquiriram valor doutrinal para
toda a Igreja mesmo quando antes o não tivessem. Porque são indicadas e alegadas pelo Papa
como documento comprobatório da proposição que Ele diz ter sido condenada naquelas
cartas, declarando que, em virtude daquela condenação, tal proposição deve ser tida como
condenada por toda a Igreja.

2º As cartas citadas no “Syllabus” dirigidas a pessoas particulares, já tinham sido publicadas


antes do “Syllabus”, quando foram escritas e mandadas a seus destinatários, para que todos
soubessem as decisões dada pelo Papa; e as mesmas, como Documentos, fossem por todos
conhecidas e pudessem ser consultadas. Por esta publicação toda a Igreja ficava ciente do que
havia de pensar e de crer a respeito das doutrinas condenadas naquelas cartas particulares. O
próprio Pio IX o fez declarar aos Bispos pelo Cardeal Antonelli, seu Secretário de Estado, na
carta que este em seu nome lhes escreveu acompanhando o “Syllabus”. “O Santo Padre,  diz o
Cardeal, desde o princípio do seu pontificado, nunca cessou, com suas Encíclicas, com
Alocuções Consistotiais e com outras Cartas Apostólicas publicadas pela imprensa, de
proscrever e condenar os erros principais e as falsas doutrinas, sobretudo, destes nossos
tristíssimos tempos”. – E com efeito, aquelas cartas foram logo citadas por toda parte e por
toda classe de pessoas, particularmente pelos Bispos e teólogos, em prova e confirmação das
doutrinas que o Papa nelas ensinava. Basta citar a carta dirigida ao rei da Sardenha, em
resposta à consulta que este lhe fizera sobre o casamento civil, que se tratava de estabelecer
como lei naquele reino. Apenas publicada a carta, todos Bispos e fiéis serviram-se dela como
de Documento irrefragável e peremptório para todos os católicos, sobre a doutrina nela
ensinada a respeito do Matrimônio Cristão, e sobre a ilicitude do chamado casamento civil.
Pio IX mesmo mostrou claramente que assim o entendia. Pois quando enviou aos Bispos
o  “Syllabus”, mandou-lhes dizer, por meio do Cardeal Secretário de Estado, que todas aquelas
proposições já tinham sido por Ele condenadas em suas Encíclicas, Alocuções Consistoriais e
outros Atos Apostólicos publicados pela imprensa, e que o  “Syllabus” lhes havia de servir para
recordarem e terem diante dos olhos tais condenações, já em vigor por virtude daqueles Atos
Pontifícios. Ora, no “Syllabus”, além das Encíclicas e Alocuções Consistoriais, não são citados
outros Atos Apostólicos, senão as Cartas Pontifícias dirigidas a particulares. Logo, o Papa
considerava estas Cartas do mesmo valor, que as Cartas Encíclicas e as Alocuções Consistoriais,
para a condenação dos erros, perante toda a Igreja.

3º Mas para que a resposta seja completa e tire toda a dúvida, examinemos mais detidamente
a natureza e o valor das cartas em questão; tanto mais que este exame servirá para declarar
um ponto de doutrina assaz importante, sobre a infalibilidade e autoridade das decisões do
Sumo Pontífice.

O Papa é infalível, como foi definido pelo Concílio Vaticano. – “Quando fala ex-Catedra, isto é,
quando exercendo o seu cargo de Pastor e Doutor de todos os Cristãos, em virtude da sua
Suprema Autoridade, define uma doutrina a respeito da fé e dos costumes, para ser crida por
toda a Igreja”.26

Portanto, para se conhecer, se uma definição do Sumo Pontífice, sobre matéria pertencente à
fé e aos costumes, provem do seu Magistério infalível e obriga a todos os fiéis, cumpre ver, se
o Papa fala em virtude da sua Autoridade Apostólica e de maneira que o que ele define, deva
ser aceito e observado por todos os fiéis.

Ora, estas condições podem verificar-se, e com efeito às vezes se verificam, também em
alumas Cartas que o Sumo Pontífice dirige a pessoas particulares. Pois, pede observar, e de
fato acontece, que em alguma parte da Igreja a doutrina católica corra perigo, ou porque os
inimigos da fé disseminam entre os fiéis erros perniciosos, ou porque entre os próprios fiéis se
levantam dúvidas e questões sobre pontos de fé e de moral, que exigem uma decisão da
Autoridade Suprema e infalível da Igreja. Nestes casos o Papa, interpelado ou não, intervem
como o Cabeça e o Mestre Supremo de toda a Cristandade, presidindo a toda a Igreja, como a
qualquer parte dela, e decidindo as questões vertentes, exercita o cargo de Pastor e Doutor da
Igreja universal. Pode então o Sumo Pontífice, para comunicar e intimar as suas decisões,
dirigir-se ou a quem lhe propôs as questões, ou àqueles que tem o cargo de ensinar os fiéis,
isto é, aos Bispos. E com efeito, aos Bispos é que ordinariamente o Papa se dirige, quando se
trata de explicar ou defender a doutrina católica, ou de indicar e condenar erros, que se
infiltram em alguma Diocese ou em qualquer parte da Igreja. É claro, que em tal caso o Sumo
Pontífice fala e sentencia como o encarregado de manter na sua integridade e pureza a
doutrina católica em toda a Cristandade, isto é, como Pastor e Doutor universal de toda a
Igreja Católica.

Por isso, é que uma decisão dada pelo Papa em semelhantes casos a qualquer pessoa e a
qualquer lugar, depois de ser convenientemente publicada e levada ao conhecimento de toda
a Igreja, é daí em diante alegada para provar a mesma doutrina ou profligar o mesmo erro em
qualquer outra parte da Igreja. Por exemplo, a carta que Pio IX escreveu a Vitor Emanuel sobre
o casamento civil, daquele tempo em diante foi sempre citada, não só pelos fiéis e pelos
Bispos, quando em outros estados se quis introduzir tal impiedade, mas também pelos
teólogos nas cátedras de teologia e nos tratados dogmáticos e morais sobre o Sacramento do
Matrimônio.

É pois evidente, que o Papa pode falar com Autoridade Apostólica, exercitando o ofício de
Pastor e Doutor de toda a Cristandade, também quando escreve a pessoas particulares. E tais
foram e como tais têm sido reconhecidas as cartas escritas por Pio IX a pessoas particulares,
nas quais são condenadas algumas das proposições do “Syllabus”.

O próprio Pontífice Pio IX, autor dessas cartas no-lo faz entender com toda clareza. Pois nelas
diz que fala – Em virtude do ofício de seu Apostólico Ministério,  para conservar íntegro e
inviolável o Depósito da Fé – Em virtude do ofício recebido de Jesus Cristo, de apascentar o seu
rebanho com pábulo da sã doutrina; – e velar constantemente, para que a doutrina santíssima
de Jesus Cristo não sofra detrimento. – Diz que trata dos interesses da Igreja: – que reprova e
condena esses erros, como contrários à Escritura e aos Santos Padres e ao ensino da Igreja; –
enfim, que o que ele reprova e condena, deve ser por todos reprovado e condenado.

Concluamos pois: – As Cartas escritas por Pio IX a pessoas particulares, condenando algumas
das proposições do “Syllabus”, são escritas pelo Pontífice no exercício do seu Magistério
Apostólico, como Pastor e Doutor de toda a Igreja e, portanto, são Documentos Doutrinais,
que obrigam em consciência a todos os católicos.

4ª Objeção – O “Syllabus” é um Ato perturbador e provocador do Papa contra a Sociedade, os


Estados e o povo. Pois ataca e combate os princípios da Sociedade Moderna, aceitos
comumente por todos os Estados; e perturba a consciência dos fiéis, que são membros dessas
sociedades, e querem acompanhar os progressos da humanidade.

Resposta – Esta objeção, ou antes, acusação contra o “Syllabus” e o seu autor, o Sumo
Pontífice, nos daria ocasião a desenvolver um assunto, tão profundo quão importante, qual é a
demonstração, de que a doutrina católica em geral e particularmente a que se contêm
no “Syllabus”, não só não se opõe ao verdadeiro progresso da sociedade e da humanidade,
mas pelo contrário, a promove e o auxilia, e ensina a maneira e os meios de remover os
obstáculos que se lhe opõem.

Mas isto nos levaria muito longe. Contentar-nos-emos pois em responder diretamente à
acusação, demonstrando que é falsa e caluniosa a imputação que se faz ao “Syllabus”, de
atacar e provocar a sociedade e perturbar as consciência.

O “Syllabus”, dizem, ataca e provoca a sociedade! Mas como? E com que arma ou com que
meios? – Com a palavra, respondem, e com as doutrinas e opiniões do Papa, ensinadas,
insinuadas, impostas aos fiéis!

Na verdade, é coisa para pasmar! Pois quem é que levanta esta queixa, esta acusação contra o
Papa? São os defensores das liberdades modernas, que no-las apresentam como base e
fundamento da perfeição e do progresso da humanidade. Pois bem, entre as liberdades por
eles apregoadas, uma das primeiras e que apreciam e exaltam sobre todas as outras, é a
liberdades do pensamento, das opiniões, da palavra. – Cada um, dizem eles, pode pensar
como quiser, e pode externar como e quando quiser seu pensamento e as suas opiniões,
quaisquer que elas sejam. Proibir a uma pessoa externar as suas doutrinas, é contrário à
liberdade que a sociedade moderna veio proclamar e quer e deve garantir.

As opiniões por mais encontradas que sejam podem ser externadas por todos. Até disto
resulta a perfeição da ciência e da sociedade; pois é do contraste e do choque das opiniões
que emerge pura e luminosa, a verdade.

Muito bem! – Mas então, por confissão vossa, o Papa, externando e ensinando as suas
doutrinas, não só não faz injúrias às sociedades modernas nem as ofende ou combate; senão
pelo contrário, segue os vossos princípios, fala em conformidade deles e coopera para o
desenvolvimento e progresso da ciência e da humanidade. Vós, portanto, promovendo essa
queixa contra o Papa, é que vos contradizeis a vós mesmos e caís justamente naquela falta de
que acusais ao Papa, nagando-lhe a liberdade, que pelos vossos princípios lhe haveis de
conceder. – Poderíamos insistir mais nesta resposta, que é toda ad hominem, como dizem lá
os lógicos. Mas, só nos contentamos com tê-la indicado, para passarmos a combater
diretamente a dificuldade e derrubá-la completamente.
O Papa, dizem, no “Syllabus”, ataca e provoca a sociedade moderna. – E eu respondo: não;
mas a sociedade moderna é que atacam e provocam a Igreja; e esta, com o “Syllabus”,  apenas
se defende dos vossos ataques, reclamando, do modo por que pode, o que lhe pertence e
sustentando os direitos por vós conculcados. Vejamos de que lado está a verdade. Esperamos
convencer os que querem proceder com boa fé, e confundir os acusadores pertinazes da Igreja
com seus próprios princípios.

Os apologistas e defensores das sociedades modernas confessam e proclamam, que esta se


funda sobre princípios novos, que eles mesmos chamam conquistas do século XIX. Pois bem,
esses princípios novos, essas doutrinas novas são contrárias (eles próprios o dizem) aos
princípios velhos e antiquados (segundo eles) e à doutrina até hoje ensinada pela Igreja, que a
recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo e com ela regenerou o homem e a sociedade. As
chamadas conquistas das sociedades modernas, são feitas em detrimento da Igreja, pois são a
negação de sua doutrina e a violação de seus direitos. Assim pois, com levantar a sua voz,
procura a Igreja defender-se, sustentar a sua doutrina, reivindicar os seus direitos, e nada
mais. Em verdade, nada mais fazem todas as proposições condenadas no “Syllabus”, e que
deram ocasião a tanta celeuma. No “Syllabus”, como declara o seu título, se apontam e
condenam erros modernos, que vem de encontro às doutrinas antigas, que a Igreja julga não
poder abandonar, sem faltar à sua missão; negam-se à sociedade moderna direitos novos, que
esta quer tirar à Igreja e apropriá-los a si, até em matéria de religião, de cultos, de
Sacramentos!

Respondam pois em boa fé; quem é o provocador? Quem é o usurpador? A Igreja ou a


sociedade moderna? – Deixassem a Igreja tranquila na posse de seus direitos seculares e
divinos, e nunca Ela teria levantado a voz contra qualquer aspiração da sociedade moderna.

Mas, acrescentamos, o “Syllabus” veio perturbar as consciências. – As consciências de quem?


Daqueles que não creem na Igreja? Mas o “Syllabus” não é dirigido a eles; porque não querem
aceitar o ensino desta Mestra divina, e para eles a Igreja só tem sentimentos de dó, sentindo
não poder fazer chegar até eles a sua benéfica doutrina.

A consciência dos católicos verdadeiros não se perturba; porque estes reconhecem


no “Syllabus”, o ensino seguro e salutar da mãe, que amorosamente os previne contra os
males e os perigos que os ameaçam. E se alguém houver entre eles, fraco na fé e confiado
demais em suas vistas humanas, o qual pelo ensino do “Syllabus”, fique abalado e perturbado;
este abalo e estremecimento é o princípio da sua salvação. É a voz que o chama do erro para a
verdade, do caminho da perdição para o da felicidade.
Contudo, quem pode negar que, ao aparecer do “Syllabus”, levantou-se uma comoção pública,
geral e até violenta? – É verdade; comoção houve; mas quem foi a sua causa? – Foram aqueles
mesmos, que dela fazem uma acusação contra a Igreja. E senão, vejamos.

A atitude da Igreja não podia ser mais prudente, calma, suave. Com efeito, Pio IX via que,
apesar de ter já condenado alguns erros, estes continuavam a penetrar no espírito de pessoas
de todas as classes, com detrimento de muitas almas e ameaçavam perturbação e ruína à
sociedade. Parecia que o caso aconselhasse e até exigisse uma medida mais enérgica e eficaz.
Podia o Papa lançar mão de peças mesmo graves; podia revestir o seu ato da maior
solenidade, fazendo ouvir a sua voz do alto do Vaticano. Podia, tinha razões para fazê-lo; mas
não o fez. Em primeiro lugar, sabendo que tinha de frente inimigos astuciosos, que fazem
alarde da ciência, quis que o seu ato fosse estudado em toda madureza. Daí os estudos que
mandou fazer desde 1852, os quais se prolongaram, como temos visto, por 12 anos. Assentada
a matéria do documento, não lhe quis dar uma forma imperativa, solene, com a sanção de
penas. Apenas redigiu-se um catálogo de erros, que já tinham sido condenados; eis
o “Syllabus”! E como se fará a promulgação? O Santo Padre, enviando o “Syllabus” aos Bispos
por meio do seu secretário de Estado, nada prescreveu quanto ao modo e ao tempo de
publicá-lo; até nem lhes falou em publicação. Só lhes mandou dizer, que lho remetia, para que
pudessem ter diante dos olhos os erros e as doutrinas perniciosas que tinham sido por ele
condenadas. E nada mais!

Ora, pergunto eu: podia haver, por parte da Santa Sé, um procedimento mais prudente,
circunspecto, suave?

Entretanto, houve comoção, houve perturbação; mas quem a suscitou? – Os fatos aí estão
para dizê-lo.

Ainda os Bispos não tinham falado. Eis que se espalham boatos, que Pio IX ia condenar e
excomungar as liberdades e sociedades modernas por meio do tal “Syllabus”; nem tardou a ser
publicado por jornais liberais adversos à Igreja. Fizeram do “Syllabus”, interpretações
arbitrárias, errôneas, capciosas. Lançaram-se injúrias as mais atrozes contra a doutrina da
Igreja e o Papa. Os Governos liberais proibiram os Bispos de publicar o “Syllabus”. Ameaçaram
processo, desterro, cárceres.

Que haviam os Bispos de fazer? Podiam deixar de falar ao povo, retificar as interpretações
falsas do “Syllabus”, defender os direitos da Igreja? É o que fizeram provocados,
obrigados pelos inimigos da Igreja. Repetimos: quem foi o provocador? Quem foi a causa da
comoção, da perturbação?O juízo aos homens imparciais, de boa fé.
CAPÍTULO QUINTO

O SYLLABUS, contendo os principais erros do nosso tempo, condenados nas Alocuções


Consistoriais, nas Encíclicas e em outras Cartas Apostólicas do Nosso Santíssimo Padre o Papa
Pio IX.

§I

Panteísmo, Naturalismo e Racionalismo Absoluto

Não existe um Ser divino, Senhor supremo, sapientíssimo e providentíssimo, distinto da


universidade das coisas; e Deus não é senão a natureza das coisas e por conseguinte está
sujeito a mudanças; e Deus realmente se produz no homem e no mundo; e todas as coisas são
Deus; e Deus e o mundo são uma e a mesma coisa e por conseguinte também o espírito e a
matéria, a necessidade e a liberdade, a verdade e a falsidade, o bem e o mal, o justo e o
injusto.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

II

Negar-se-á toda e qualquer ação de Deus no homem e no mundo.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

III

A razão humana, sem relação alguma a Deus, o único juiz da verdade e da falsidade, do bem e
do mal; ela é a lei de si mesma, e somente com as suas forças naturais é suficiente para fazer
felizes os homens e as nações.
Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

IV

Todas as verdades da Religião derivam da força natural da razão humana; por isto a razão é a
norma principal, pela qual o homem pode e deve alcançar o conhecimento de qualquer
espécie de verdades.

Epist. Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.

Epist. Encycl. Singularis quidem, 17 Martii 1856.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

A Revelação divina é imperfeita, e por isto, sujeita a um progresso contínuo e indefinido, que
corresponde ao caminho progressivo da razão humana.

Epist. Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

VI

A fé cristã se opõe à razão humana, e a revelação divina não só é totalmente inútil, mas é
também nociva à perfeição do homem.

Epist. Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.


VII

As profecias e os milagres expostos e narrados nas Sagradas Escrituras, são resultados de


investigações filosóficas; os livros de um e outro Testamento contêm invenções míticas, e
mesmo Jesus Cristo é um mito.

Epist. Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

§ II

Racionalismo Moderado

VIII

A razão humana e a Religião sendo da mesma ordem, por isto, as ciências filosóficas e
teológicas hão de ser tratadas da mesma maneira.

Alloc. Singulari quadam, 9 Decembris 1854.

IX

Todos os dogmas da Religião Cristã são indistintamente objeto da ciência natural, ou da


filosofia, e a razão humana cultivada só historicamente, pode, com as suas forças naturais e os
seus princípios, chegar à verdadeira ciência de todos os dogmas, mesmo os mais recônditos,
conquanto, estes dogmas sejam propostos à razão.

Epist. ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.

Epist. ad eundem, Tuas libenter, 21 Decembris 1863.


X

Sendo duas coisas distintas, o filósofo e a filosofia, aquele tem o direito e o dever de sujeitar-se
à autoridade que reconhecer como verdadeira; mas, a filosofia nem pode nem deve sujeitar-se
a autoridade alguma.

Epist. ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.

Epist. ad eundem, Tuas libenter, 21 Decembris 1863.

XI

A Igreja não só não deve nunca proferir censuras contra a filosofia, mas deve tolerar todos os
seus erros e deixar que ela corrija a si mesma.

Epist. ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.

XII

Os decretos da Sé Apostólica e das Congregações Romanas, embaraçam o progresso livre da


ciência.

Epist. ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.

XIII

O método e os princípios com que os antigos Doutores Escolásticos cultivaram a teologia, não
se adaptam às necessidades dos nossos tempos e ao progresso das ciências.

Epist. ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.


XIV

A filosofia tratar-se-á sem atenção alguma à revelação sobrenatural.

Epist. ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.

N. B. – Tem grande afinidade com o sistema do racionalismo a maior parte dos erros de
Antônio Gunter, que são condenados na Carta ao Cardeal Arcebispo de Colônia Eximiam
tuam, de 15 de Junho de 1847; e na carta ao Bispo de Wratislavia, Dolore haud mediocri, de
30 de Abril de 1860.

§ III

Indiferentismo, Latitudinarismo.

XV

Todo o homem é livre de abraçar e professar a religião, que, guiado pela luz da razão lhe
pareceu verdadeira.

Litt. Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

XVI

Os homens podem achar o caminho da salvação eterna e alcançar a eterna salvação no culto
de qualquer religião.

Epist. Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.

Alloc. Ubi primum, 17 Decembris 1847.

Epist. Encycl. Singulari quidem, 17 Martii 1856.


XVII

Deve-se ao menos esperar o bem da salvação eterna de todos aqueles, que não se acham na
verdadeira Igreja de Jesus Cristo.

Alloc. Singulari quadam, 9 Decembris 1854.

Epist. Encycl. Quanto conficiamur, 10 Augusti 1863.

XVIII

O Protestantismo não é outra coisa, senão uma forma diversa da mesma verdadeira Religião
Cristã, e nela, pode-se agradar a Deus tão bem, como na Igreja Católica.

Epist. Encycl. Nostis et Nobiscum, 8 Decembris 1849.

§ IV

Socialismo, Comunismo,

Sociedades Secretas,

Sociedades Bíblicas,

Sociedades Clérico-Liberais.

Estas pestes foram reprovadas muitas vezes, e com severíssimas fórmulas, na Carta
Encíclica Qui pluribus, de 9 de Novembro de 1846; na Alocução Quibus Quantisque, de 20 de
Abril de 1849; na Carta Encíclica Nostis et Nobiscum, de 8 de Dezembro de 1849; na
Alocução Singulari quadam, de 9 de Dezembro de 1854; na Carta Encíclica Quanto
conficiamur moerore, de 10 de Agosto de 1863.
§V

Erros a Respeito da Igreja e seus Direitos

XIX

A Igreja não é uma verdadeira e perfeita sociedade, plenamente livre, nem é dotada de
direitos seus próprios e constantes, que lhe tenham sido conferidos pelo seu divino Fundador;
mas pertence ao poder civil determinar quais são os direitos da Igreja, bem como os limites
entre os quais os pode excitar.

Alloc. Singulari quadam, 9 Decembris 1854.

Alloc. Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

XX

O poder eclesiástico não deve exercitar a sua autoridade sem permissão e consentimento do
poder civil.

Alloc. Meminit unusquisque, 30 Septembris 1861.

XXI

A Igreja não tem autoridade para definir dogmaticamente, que a Religião da Igreja Católica é a
única Religião verdadeira.

Litt. Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.


XXII

O dever que obriga estritamente os mestres e escritores católicos limita-se àquelas coisas,
somente que pelo juízo infalível da Igreja, são propostas como dogmas de fé, que todos devem
crer.

Epist. Ad Archiep. Frising. Tuas libenter, 21 Decembris 1863.

XXIII

Os Pontífices Romanos e os Concílios Ecumênicos se afastaram dos limites de seu poder,


usurparam os direitos dos Príncipes e erraram também definindo coisas pertencentes à fé e à
moral.

Litt. Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.

XIV

A Igreja não tem o poder de empregar a força, nem tem poder algum temporal direto ou
indireto.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

XXV

Além do poder inerente ao episcopado, pertence-lhe um outro poder temporal, que lhe foi
concedido, expressa ou tacitamente, pelo poder civil, e que, por conseguinte, o mesmo poder
civil lhe pode retirar quando lhe aprouver.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

XXVI

A Igreja não tem um direito nativo e legítimo de adquirir e possuir.


Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

Epist. Encycl. Incredibili afflictamur, 17 Septembris 1863.

XXVII

Os Ministros da Igreja e o Pontífice Romano devem ser excluídos absolutamente de qualquer


administração e domínio de coisas temporais.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

XXVIII

Não é lícito aos Bispos, sem licença do Governo, promulgar nem se quer as Letras Apostólicas.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

XXIX

As graças concedidas pelo Romano Pontífice julgar-se-ão como nulas, se não tenham sido
impetradas por meio do Governo.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

XXX

A imunidade da Igreja e dos poderes eclesiásticos, teve origem do direito civil.

Litt. Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.


XXXI

O foro eclesiástico para as causas temporais, quer civis, quer criminais, dos clérigos há de ser
absolutamente abolido, mesmo sem prévia consulta da Igreja e não obstante a sua
reclamação.

Alloc. Acerbissimum, 17 Septembris 1852.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

XXXII

Sem violação alguma do direito natural e da equidade, pode-se abrogar a imunidade pessoal,
pela qual os clérigos são isentos do recrutamento do exercício da malícia; e esta abrogação é
exigida pelo progresso civil, principalmente nas sociedades que são constituídas na forma de
governo mais livre.

Epist. Ad Episc. Montisregal, Singularis Nobisque, 20 Septembris 1874.

XXXIII

Não pertence unicamente ao poder da jurisdição eclesiástica, por direito próprio e natural,
dirigir o ensino das matérias teológicas.

Epist. ad Arquiepisc. Frising. Tuas libenter, 21 Decembris 1863.

XXXIV

A doutrina daqueles que consideram o Pontífice Romano como um Príncipe livre e que exercita
a sua ação em toda a Igreja, é uma doutrina que prevaleceu na Idade Média.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.


XXXV

Nada proíbe, que por decreto de algum Concílio geral, ou pela ação comum de todos os povos,
o Sumo Pontificado seja transferido do Bispo e da cidade de Roma para outro Bispo e outra
cidade.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

XXXVI

Um decreto de um Concílio nacional não admite outra discussão, e a administração civil pode
sem mais proceder conforme os termos desse decreto.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

XXXVII

Podem instituir-se Igrejas nacionais, que não sejam sujeitas à autoridade do Pontífice Romano
e completamente separadas.

Alloc. Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.

Alloc. Jamdudum cernimus, 18 Martii 1861.

XXXVIII

Os arbítrios excessivos dos Romanos Pontífices contribuíram para divisão da Igreja em Oriental
e Ocidental.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.


§ VI

Erros a Respeito da Sociedade Civil,

quer Considerada em si,

quer nas suas Relações com a Igreja.

XXXIX

O Estado, sendo a origem e a fonte de todos os direitos, goza de um direito seu próprio e sem
limites.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

XL

A doutrina da Igreja Católica é contrária ao bem e aos interesses da Sociedade Humana.

Epist. Qui pluribus, 8 Novembris 1846.

Alloc. Quibus quantisque, 20 Aprillis 1849.

XLI

Ao poder civil, ainda que seja exercitado por um soberano infiel, compete um poder indireto
negativo sobre as coisas sagradas; por conseguinte, lhe compete não só o direito que chamam
do Exequatur, mas também o que chamam Apelação por abuso.

Litt. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

XLII

No conflito entre as leis dos dois poderes, prevalece o direito civil.

Litt. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.


XLIII

O poder leigo tem autoridade de rescindir, declarar e anular os tratados solenes (as
Concordatas) celebradas com a Sé Apostólica, sobre o uso dos direitos pertencentes à
imunidade eclesiástica, e isto sem o consentimento da mesma Sé Apostólica e não obstante as
suas reclamações.

Alloc. In Consistoriali, 1 Novembris 1850.

Alloc. Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.

XLIV

A autoridade civil pode intrometer-se nas coisas que pertencem à Religião, aos Costumes e ao
governo espiritual. Por conseguinte, pode julgar das instruções que os Pastores da Igreja, em
virtude do seu cargo, dão aos fiéis por norma da sua consciência; e até pode dar decretos
sobre a administração dos Sacramentos e as disposições necessárias para recebê-los.

Alloc. In Consistoriali, 1 Novembris 1850.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

XLV

Todo o regulamento das escolas públicas, nas quais se educa a mocidade de um Estado cristão,
excetuados somente de algum modo os Seminários episcopais, pode e deve ser atribuído à
autoridade civil, e de tal maneira, que não se admita em qualquer autoridade o direito de
intrometer-se na disciplina das aulas, na direção dos estudos, na colação dos graus, na escolha
ou na aprovação dos mestres.

Alloc. In Consistoriali, 1 Novembris 1850.

Alloc. Quibus luctuosissimis, 5 Septembris 1851.


XLVI

Também nos Seminários dos Clérigos, o método que se há de seguir nos estudos, está sujeito à
autoridade civil.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

XLVII

A forma mais perfeita da Sociedade Civil exige, que as escolas populares, que estão abertas a
todos os meninos de qualquer classe do povo, e geralmente, os Institutos públicos, que são
destinados ao ensino das letras e às disciplinas mais elevadas e à educação da mocidade,
sejam livres de toda autoridade, direção e ingerência da Igreja, e sujeitos inteiramente ao
arbítrio da autoridade civil e política, conforme o juízo dos soberanos e à norma das opiniões
comuns da época.

Epist. ad Archiepisc. Friburg. Quum non sine, 14 Julii 1864.

XLVIII

Pode ser aprovado pelos católicos o sistema de educar a mocidade, separado da fé católica e
da Igreja, e que se ocupa somente da ciência das coisas naturais e tem em vista só, ou
principalmente, os fins da vida terrena e social.

Epist. ad Archiepisc. Friburg. Quum non sine, 14 Julii 1864.

XLIX

A autoridade civil pode impedir, que os Bispos e os povos fiéis, tenham livre e mútua
comunicação com o Romano Pontífice.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.


L

O poder leigo tem por si o direito de apresentar os Bispos, e pode exigir deles que entrem na
administração da Diocese antes de receber da Santa Sé a instituição canônica e as Letras
Apostólicas.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

LI

O governo leigo tem mesmo o direito de depôr os Bispos do exercício do Ministério Pastoral,
nem tem obrigação de obedecer ao Romano Pontífice nas coisas que pertencem à instituição
dos Bispados e dos Bispos.

Litt. Apost Multiplices inter, 10 Junii 1851.

Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

LII

O governo pode, por direito seu, mudar a idade prescrita pela Igreja para a profissão religiosa,
tanto dos homens, como das mulheres, e de ordenar a todas as famílias religiosas, que, sem
sua licença, não admitam ninguém a fazer os votos solenes.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.

LIII

Abrogar-se-ão as leis que pertencem à tutela do estado das famílias religiosas, e dos seus
direitos e deveres, e o Governo civil pode mesmo prestar auxílio a todos aqueles que quiserem
abandonar o estado religioso que abraçaram e quebrar os votos solenes, pode até destruir
totalmente as mesmas famílias religiosas, bem como as Igrejas Colegiadas e os Benefícios
simples ainda que sejam de jus-patronato, e sujeitar e apropriar os bens e rendimentos dos
mesmos à administração e ao arbítrio do poder civil.

Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

Alloc. Probe memineritis, 22 Januarii 1855.


Alloc. Cum saepe, 26 Junii 1855.

LIV

Os Reis e os Príncipes não somente são isentos da jurisdição da Igreja, mas também na decisão
das questões de jurisdição são superiores à Igreja.

Litt. Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.

LV

Separar-se-á a Igreja do Estado, e o Estado da Igreja.

Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

§ VII

Erros a Respeito

da Ética Natural e Cristã

LVI

As leis morais não precisam da sanção divina, nem é necessário que as leis humanas sejam
conformes ao direito natural, ou que recebam de Deus a força de obrigar.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

LVII

A ciência das coisas filosóficas e da moral, bem como as leis civis, podem e devem declinar da
autoridade divina e eclesiástica.
Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

LVIII

Não se devem admitir outras forças senão as que residem na matéria, e toda disciplina e
honestidade dos costumes colocar-se-á em acumular e aumentar de qualquer maneira as
riquezas e satisfazer as próprias inclinações.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

Epist. Encycl. Quanto conficiamur, 10 Augusti 1863.

LIX

O direito consiste no fato material, e todos os deveres dos homens são nomes vãos, e todos os
fatos humanos têm valor de direito.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

LX

A autoridade não é outra coisa, senão a soma do número e das forças naturais.

Alloc. Maxima quidem, 9 Junii 1862.

LXI

A injustiça feliz de um fato não traz detrimento algum à santidade do direito.

Alloc. Jamdudum cernimus, 18 Martii 1861.

LXII

Há de ser proclamado e observado o princípio que chamam de Não-intervenção.


Alloc. Novos et ante, 28 Septembris 1860.27

LXIII

É lícito negar obediência aos soberanos legítimos e até mesmo rebelar-se.

Epist. Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.

Alloc. Quisque vestrum, 4 Octobris 1847.

Epist. Encycl. Noscitis et Nobiscum, 8 Decembris 1847.

Litt. Apost. Cum catholica Ecclesia, 26 Martii 1860.

LXIV

Tanto a violação de qualquer juramento santíssimo, como qualquer ação má e criminosa,


contrária à Lei eterna, não só não há de ser reprovada, mas é totalmente lícita e digna do
maior louvor, quando seja feita pelo amor da pátria.

Alloc. Quibus quantisque, 20 Aprilis 1849.

§ VIII

Erros a Respeito do Matrimônio Cristão

LXV

Não se pode admitir de modo algum, que Cristo tenha elevado o Matrimônio à dignidade de
Sacramento.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.


LXVI

O Sacramento do Matrimônio não é senão um acessório do contrato e separável dele, e o


mesmo Sacramento consiste somente na bênção nupcial.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

LXVII

O vínculo do Matrimônio não é indissolúvel por direito natural, e em vários casos, o divórcio
propriamente dito, pode ser sancionado pela autoridade civil.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

LXVIII

A Igreja não tem o poder de estabelecer impedimentos dirimentes do Matrimônio, mas este
poder compete à autoridade civil, a qual deve abolir os impedimentos que existem.

Litt. Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.

LXIX

A Igreja começou a introduzir os impedimentos dirimentes nos últimos séculos, não por direito
próprio, mas usando do direito que tinha recebido do poder civil.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

LXX

Os Cânones do Concílio Tridentino, que lançam a excomunhão naqueles que se atrevem a


negar à Igreja o poder de estabelecer impedimentos dirimentes, ou não são dogmáticos, ou
entender-se-ão do sobredito poder recebido.
Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

LXXI

A forma do Concílio Tridentino não obriga sob pena de nulidade, nos lugares onde a lei civil
prescreve outra forma, querendo que o Matrimônio celebrado com esta nova forma seja
válido.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

LXXII

Bonifácio VIII foi o primeiro que afirmou, que o voto de castidade feito na Ordenação, torna
nulo o Matrimônio.

Litt. Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

LXXIII

Pode haver verdadeiro Matrimônio entre cristãos em virtude do contrato puramente civil, e é
falso, ou que o contrato matrimonial entre cristãos seja sempre Sacramento, ou que o
contrato seja nulo se excluir o Sacramento.

Litt. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

Lettera di S. P. Pio IX al Re di Sardegna, 9 Settembre1852.

Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

Alloc. Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.

LXXIV

As causas matrimoniais e os esponsais por sua natureza pertencem ao foro civil.

Litt. Apostolicae Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.


Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

N. B. – Podem referir-se aqui dois outros erros, a saber, que abolir-se-á o celibato clerical, e
que o estado matrimonial preferir-se-á ao estado de virgindade. São condenados, o primeiro
na Carta Encícl. Qui pluribus, de 9 de Novembro de 1846; o segundo nas Letras
Apostólicas Multiplices inter, de 19 de Junho de 1851.

§ IX

Erros a Respeito do Principado do Romano Pontífice

LXXV

Sobre a compatibilidade do reino temporal com o espiritual, disputam entre si os filhos da


Igreja cristã e católica.

Litt. Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.

LXXVI

A abolição do império civil que a Sé Apostólica possui, seria de grandíssimo proveito para a
liberdade e a prosperidade da Igreja.

Alloc. Quibus quantisque, 20 Aprilis 1849.

Alloc. Si semper antea, 20 Maii 1850.

N. B. – Além destes erros censurados explicitamente, muitos outros são reprovados
implicitamente onde é proposta e estabelecida a doutrina, que todos os católicos são
obrigados a ter firmemente, sobre o principado civil do Romano Pontífice. Esta dotrina é
ensinada luminosamente na Alocução Quibus quantisque, de 20 de Abril de 1849; na
Alocução Si semper antea, de 20 de Maio de 1850; nas Letras Apostólicas Cum Catholica
Ecclesia, de 26 de Março de 1860; na Alocução Novos et antea, de 28 de Setembro de 1860;
na Alocução Jamdudum, de 18 de Março de 1861; na Alocução Maxima quidem, de 9 de
Junho de 1862.

§X

Erros que se Referem ao Liberalismo Moderno

LXXVII

Nesta nossa idade não convém mais, que a Religião Católica seja tida como a Religião única do
Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos.

Alloc. Nemo vestrum, 26 Julii 1855.

LXXVIII

São pois dignos de louvor os Estados católicos, nos quais foi estabelecido por lei, que a todos
que neles se transferirem, seja lícito o exercício público do culto de cada um.

Alloc. Acerbissimum, 27 Septembris 1852.

LXXIX

É absolutamente falso, que a liberdade civil de qualquer culto, bem como o poder ilimitado
concedido a todos, de manifestar aberta e publicamente quaisquer opiniões e pensamentos,
contribua para corromper mais facilmente os costumes e o espírito dos povos e propagar a
peste do indiferentismo.

Alloc. Nunquam fore, 15 Decembris 1856.


LXXX

O Pontífice Romano pode e deve reconciliar-se e acomodar-se com o progresso, com o


liberalismo e com a civilização moderna.

Alloc. Jamdudum cernimus, 18 Martii 1861.

CAPÍTULO SEXTO

Complemento do “Syllabus” ou A Encíclica “Quanta Cura”

_____________

§1

RELAÇÃO ENTRE

A ENCÍCLICA E O “SYLLABUS”

O Sumo Pontífice Pio IX, quando mandou o “Syllabus” aos Bispos do orbe católico, lhes
mandou juntamente a célebre Encíclica Quanta cura, a qual pode e deve ser considerada como
o complemento do “Syllabus”, um só corpo de doutrina; tendo o mesmo objeto e o mesmo
fim. Isto aparece manifesto, se se considerar quer o conteúdo da Encíclica, quer a maneira com
que o Papa a comunicou aos Bispos, quer enfim, o modo como foi acolhida e entendida pelos
mesmos Bispos e por toda a Igreja. Vejamos.

I. Pio IX na Encíclica lembra, em primeiro lugar, como ele, desde o princípio do seu Pontificado,
vendo o aluvião de erros que invadia a sociedade com gravíssimos danos das almas, nunca
deixou, em suas Alocuções, Encíclicas e outras Cartas Apostólicas, de denunciar e condenar os
erros principais da nossa época, para precaver e livrar deles os fiéis. Depois acrescenta, que
agora pelos mesmos motivos, vê-se obrigado a lançar mão do mesmo meio, para profligar
outros erros não menos perniciosos. Declara mais, que os erros que vai enumerar e expor são
conexos com aqueles que já condenava, antes são consequências, que derivaram deles como
de sua fonte. Por isso, os denuncia e condena da mesma maneira, chamando para eles a
atenção dos Bispos, para que, juntamente, com os primeiros (os declarados no “Syllabus”) os
façam conhecer ao povo e o exortem a evitá-los. É pois evidente, que os erros condenados na
Encíclica são intimamente conexos com os do “Syllabus”, e a condenação de uns e de outros
tem o mesmo objeto, o mesmo caráter, o mesmo fim.

O Pontífice indica uma razão especial, que o move e obriga a condenar estas novas opiniões; e
é, que elas tendem a abalar os alicerces de todo o edifício religioso e social. Pois, diz ele, – “o
que têm principalmente em mira é  1º.  Impedir e remover aquela força salutar, que a Igreja
Católica, por disposição e mandato de seu divino Autor, deve exercitar livremente, até o fim
dos séculos, não menos sobre cada um dos homens, que sobre as nações, os povos e seus
supremos regedores; bem como  2º.  tirar aquela união e concórdia mútua entre o Sacerdócio e
o império, que foi sempre proveitosa e salutar tanto às coisas religiosas, como às sociais”. –
Ora estes erros fundamentais são na maior parte, prenunciados e predatados nas proposições
do “Syllabus”, das quais, como o mesmo Pontífice afirma, eles derivaram; e pode-se averiguar,
lendo as proposições dos parágrafos V e VI do “Syllabus”.28 Isto mostra ainda uma vez, que a
Encíclica é uma consequência, declaração e confirmação do “Syllabus”.

O que dissemos é confirmado admiravelmente pela história dos estudos preparatórios


do “Syllabus”. Deles resulta, que Pio IX, querendo propor aos fiéis um elenco dos erros
principais que se espalhavam na sociedade, a fim de que todos os conhecessem e evitassem,
desde o ano de 1852 mandou fazer sobre este assunto longos e aturados estudos.
Completados esses estudos e assentados os erros que queria por diante dos olhos dos fiéis,
determinou que primeiro se redigisse e formulasse o catálogo daqueles que já tinham sido por
ele condenados em suas Alocuções e Letras Apostólicas. 29 Este catálogo é o que foi
denominado “Syllabus”. Os outros erros apontados, que julgou serem igualmente dignos de
condenação, condenou-os na Encíclica Quanta cura, que mandou a todos os Bispos,
juntamente, com o “Syllabus”. Portanto, a Encíclica, considerada também historicamente, não
é senão uma continuação e um complemento natural e necessário do “Syllabus”.

II. Vejamos agora a maneira, com que a Encíclica foi comunicada aos Bispos. Pio IX serviu-se
para isto do Cardeal Secretário de Estado; e este, cumprindo a ordem do Papa, enviou a todos
os Bispos, juntamente, a Encíclica e o “Syllabus”.  No mesmo tempo lhes declarava que
o “Syllabus” ser-vir-lhes-ia para ter diante dos olhos os principais erros dos nossos tempos até
então condenados pelo Sumo Pontífice em Documentos publicados em várias épocas; e na
Encíclica encontrariam outros erros, que o Papa julgou dever ainda condenar. Vê-se pois
claramente, que Pio IX, enviando aos Bispos o “Syllabus” e a Encíclica, considerava esta, como
uma continuação e complemento do primeiro.
É também digna de nota a forma adotada por Pio IX, nesta Encíclica, na condenação dos erros.
Pois, nela os erros condenados não só são formulados em proposições precisas, mas estas no
texto são marcadas e grifadas; coisa que nunca fizera nos Documentos anteriores, dos quais
foram extraídas as proposições enunciadas no “Syllabus”. Portanto, também pela forma
especial da redação da Encíclica se faz manifesto, que nela são propostas proposições
condenadas, que hão de formar como uma continuação e complemento do “Syllabus”.

III. Enfim, todos os Bispos, recebendo o “Syllabus” e a Encíclica, consideraram um e outra


como Documento da mesma categoria e do mesmo valor, contendo a enumeração dos erros
da época, condenados por Pio IX, e por ele mandados coligir e enumerar, para que sirvam de
normas na instrução dos fiéis. Neste sentido falam os Bispos quer em suas Pastorais, quer nos
protestos que dirigiram aos Governos, declarando e defendendo o procedimento e os direitos
do Sumo Pontífice na publicação destes dois Documentos. O mesmo Pio IX, falando da
condenação feita por ele dos erros modernos, enumera juntamente o “Syllabus” e a Encíclica.
Por exemplo, em um Breve de 22 de Julho de 1875, dirigido aos membros da Assembleia geral
dos comitados católicos, assim se exprime: – “Sendo certo, que nada se pode estabelecer, que
seja de firme e vantajoso ao verdadeiro progresso das almas, se não for estribado na sã
doutrina, ou se em qualquer ponto se afastar da verdade, vós que tivestes em vista o bem
sólido de vossos irmãos, resolvestes com grande sabedoria, de seguir fielmente e com plena
obediência os ensinos desta Cadeira de verdade, e, tomando-o por guia, de evitar
cuidadosamente todos os erros e opiniões perigosas, sobretudo aquelas que foram proscritas
na Carta Apostólica ‘Quanta cura’ e no ‘Syllabus’ que está junto com ela”.

Podemos pois concluir, afirmando, que a Encíclica “Quanta cura”, em si mesma, e na mente do


Papa, reconhecida também por todos os Bispos, é uma continuação e complemento
do “Syllabus”, formando com ele um só corpo de doutrina e como um código oficial,
autorizado, sobre os erros modernos, que o Sumo Pontífice Pio IX julgou dever condenar,
estimulando e exortando os fiéis a detestá-los e evitá-los.

Damos em seguida as proposições condenadas na Encíclica, com a condenação grave e


solene que contra todas elas pronunciou o Sumo Pontífice. A algumas acrescentamos em nota
o julgamento especial, que delas fez o Papa na mesma Encíclica.
Texto das Proposições da Encíclica “Quanta Cura”

ERROS CONDENADOS NA ENCÍCLICA

I. A forma mais perfeita da Sociedade pública e o progresso civil exigem absolutamente, que a
sociedade humana seja constituída e governada, não tendo em conta a Religião, como se ela
não existisse, ou pelo menos, sem fazer diferença alguma entre a Religião verdadeira e as
falsas.30

II. A melhor condição da sociedade é aquela, em que não se reconhece no poder a obrigação
de reprimir, por meio de penas estabelecidas por lei, os violadores da Religião Católica, senão
enquanto a tranquilidade pública o exija. 31

III. A liberdade de consciência e de cultos é um direito próprio de cada um, que deve ser
proclamado e estabelecido por lei em toda sociedade bem constituída; e os cidadãos têm
direito à liberdade plena (que não pode ser restrita por nenhuma autoridade eclesiástica ou
civil) de manifestar e declarar aberta e publicamente, quer por palavras, quer pela imprensa,
quer de outro modo, todos e quaisquer seus pensamentos. 32

IV. A vontade do povo, manifestada pelo que chamam opinião pública, ou de outra maneira,
constitui a lei suprema, independente de todo direito divino e humano; e na ordem política os
fatos consumados, só pela razão de serem consumados, têm valor de direito.

V. Tirar-se-á quer aos cristãos, quer à Igreja, a faculdade de distribuir publicamente esmolas, a
título de caridade cristã; e abolir-se-á a lei, pela qual, em certos dias, são proibidas, por
motivos do culto divino, as obras servis.

VI. A sociedade doméstica ou a família, deriva toda a razão, de sua existência somente do
direito civil; e por conseguinte, só do poder civil derivam e dependem todos os direitos dos
pais sobre os filhos, e sobretudo o direito de procurar a sua instrução e educação. 33

VII. O Clero, sendo inimigo do verdadeiro e proveitoso progresso da ciência e da civilização, há


de ser excluído do cargo e do ministério da formação e educação da mocidade.
VIII. As leis da Igreja não obrigam em consciência, senão quando são promulgadas pelo poder
civil; – os atos e decretos dos Pontífices Romanos, que dizem respeito à Religião e à Igreja,
precisam da sanção e da aprovação, ou pelo menos, do consentimento do poder civil; – as
Constituições Apostólicas, que condenam as sociedades secretas, quer nelas se exija o
juramento de guardar o segredo, quer não, e excomungam os seus adeptos e os seus fautores,
não têm vigor algum nos países, em que essas associações são toleradas pelo Governo civil; a
excomunhão fulminada pelo Concílio de Trento e pelos Pontífices Romanos contra os invasores
e usurpadores dos direitos e propriedades da Igreja, fundam-se na confusão da ordem
espiritual e da ordem civil e política, para promover unicamente interesses temporais; – a
Igreja não deve decretar coisa alguma, que possa ligar a consciência dos fiéis relativamente ao
uso dos bens temporais; – a Igreja não tem o direito de reprimir, por meio de penas temporais,
os violadores das suas leis; – é conforme aos princípios da teologia e do direito público, atribuir
e adjudicar ao Governo civil a propriedade dos bens possuídos pela Igreja, pelas Congregações
religiosas e pelos outros pios institutos.34

IX. O poder eclesiástico não é, por direito divino, distinto e independente do poder civil, e esta
distinção e esta independência não se podem manter, sem que a Igreja invada e usurpe os
direitos essenciais do poder civil. 35

X. Pode-se, sem pecado e sem quebra alguma da profissão católica, negar o consentimento e a
obediência aos juízes e decretos da Sé Apostólica, cujo objeto declara-se, que pertence ao bem
geral da Igreja, a seus direitos, à sua disciplina, conquanto, não se trate dos dogmas da fé e dos
costumes.36

Sobre estas proposições, o Sumo Pontífice profere nestes termos a sua sentença:

“Todas e cada uma das más opiniões e doutrinas expressamente mencionadas nas presentes
Letras, Nós, pela Nossa Autoridade Apostólica, as reprovamos, proscrevemos, as condenamos,
e queremos e ordenamos a todos os filhos da Igreja Católica que, as tenham como reprovadas,
proscritas e condenadas”.

Depois da condenação desses erros, Pio IX conclui a parte doutrinal da Encíclica, indicando aos
Bispos o que devem ensinar aos fiéis, para precavê-los do pasto envenenado das más
doutrinas. Transcrevemos algumas das palavras do Pontífice, porque contém doutrinas e
ensinos de maior importância para os nossos tempos e para a sociedade atual.
– “Não deixeis, diz Pio IX aos Bispos, inculcar aos fiéis, que toda a verdadeira felicidade para os
homens dimana da nossa augusta Religião, da sua doutrina e da sua prática,  e que é feliz
aquele povo, de quem Deus é o Senhor.37

Ensinai, que os reinos se apoiam no fundamento da fé católica; 38 e que nada há tão mortífero e
tão arriscado, e tão exposto a todos os perigos, como acreditar, que nos basta o livre arbítrio
que recebemos à nascença, sem termos que pedir a Deus outra coisa, isto é, que esquecendo-
nos do nosso Autor, nos atrevamos a renegar o seu poder, para nos mostrarmos livres. 39

Não deixeis também de ensinar, que o poder real não é conferido somente para o governo
deste mundo, mas sobretudo, para proteger a Igreja; 40 e que nada pode haver mais vantajoso
e mais glorioso para os chefes dos Estados e para os Reis, do que conformarem-se com as
palavras, que o sapientíssimo e corajoso Predecessor S. Félix escrevia ao Imperador Zeno, isto
é: –  Deixar à Igreja Católica governar-se pelas suas próprias leis, e não permitir a pessoa
alguma pôr embaraço a sua liberdade”.

Carta EncíclicaQuanta Cura do Sumo Pontífice PIO IX

Aos Veneráveis Irmãos Patriarcas,

Primazes, Arcebispos e Bispos

em graça e comunhão com a Sé Apostólica:

Sobre os erros modernos do Naturalismo e Liberalismo.41

Veneráveis Irmãos: Saudação e Bênção Apostólica.

TRADIÇÃO APOSTÓLICA

1. Quanta cura e vigilância pastoral os Romanos Pontífices, predecessores Nossos,


dispensaram em todos os tempos em cumprir a missão a eles confiada pelo mesmo Cristo
Nosso Senhor, na pessoa de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, de apascentar as ovelhas e os
cordeiros, já nutrindo toda a grei do Senhor com os ensinamentos da fé, já embebendo-a em
doutrinas sãs, já apartando-a dos pastos envenenados, de todos, mas mui em especial de vós,
Veneráveis Irmãos, é perfeitamente conhecido e sabido. Porque, em verdade, o que em seus
corações mais profundamente gravaram Nossos predecessores, defensores e vindicadores de
nossa Sacrossanta Religião Católica, solícitos como eram de modo extraordinário pelo bem das
almas, foi condenar e destruir todas as heresias e erros, que, combatendo nossa fé divina, a
doutrina católica da Igreja, a honestidade dos costumes e a salvação eterna dos homens,
suscitaram graves tormentas e acarretaram danos à sociedade civil cristã, de maneira
lamentável. Em virtude disso, Nossos predecessores, refertos da fortaleza apostólica,
contrapuseram contínua resistência às iníquas tramas dos homens que, espumejando suas
confusões como as ondas encapeladas do mar e prometendo liberdade, quando na realidade
eram escravos do mal, trataram de destruir, com suas opiniões capciosas e escritos
perniciosos, os fundamentos da Religião Católica e da sociedade civil; de arrancar do seu meio
toda virtude e justiça; de depravar todos os corações; de separar os incautos, sobretudo a
juventude pouco experiente, da reta norma dos costumes são, prendê-los nas malhas do erro,
e arrancá-los, desta forma, ao seio da Igreja Católica.

A IGREJA EM ALERTA

2. Assim, pois, Veneráveis Irmãos, como vós bem o sabeis, apenas Nós, por secretos desígnios
da Divina Providência, sem méritos de Nossa parte, fomos elevado a esta Cátedra de Pedro, ao
deparar a horrorosa tormenta suscitada por tantas opiniões perversas, ao examinar os danos
gravíssimos e nunca suficientemente deplorados, que de tais erros redundam para o povo
cristão, conhecendo qual era o nosso dever, seguindo as pegadas de Nossos Predecessores,
elevamos a Nossa voz e, pela publicação de Encíclicas e Alocuções proferidas em Consistório, e
por outros Documentos Apostólicos, condenamos os erros principais de nossos tempos
infelicitados, excitamos vossa vigilância episcopal e uma que outra vez admoestamos os nossos
filhos caríssimos a que, atemorizados, evitassem o contágio de peste tão horrível de doutrina.
E sobretudo, em Nossa primeira Encíclica, de 9 de Novembro de 1846, dirigida a vós, 42 e em
duas Alocuções consistoriais, de 9 de Dezembro de 1854 e de 9 de Julho de 1862, condenamos
as horrendas opiniões que, com grande prejuízo das almas e detrimento da sociedade civil,
hoje em dia imperam, erros que não só se opõem à Igreja Católica, à sua doutrina de salvação
e direitos venerados, mas também à lei natural e eterna de Deus, inscrita em todos os
corações, da mesma forma que à reta razão; erros dos quais derivam quase todos os demais.

LIBERDADES DE PERDIÇÃO

3. E embora jamais tenhamos omitido a proscrição e condenação desses erros, contudo a
causa da Igreja Católica e o bem das almas, que nos foram confiados por voz do alto, a par do
bem-estar comum, pedem em absoluto que de novo despertemos vossa atenção e cuidado,
por força de outras opiniões que deles, como fonte, nascem e derivam. Opiniões essas falsas e
perversas, que tanto mais se hão de detestar, porquanto tendem a diminuir e impedir a força
salutar que a Igreja Católica tem a exercer por sua própria instituição divina e por mandato de
Cristo, até à consumação dos séculos, não menos sobre os homens em particular que sobre as
nações, povos e reis; visam desfazer a concórdia e união entre a Igreja e o Estado, que sempre
foram próvidas em bens, tanto para a própria sociedade civil como a eclesiástica. 43

4. Sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que em nossos dias não poucos há que, aplicando à
sociedade civil o ímpio e absurdo naturalismo, se atrevem a ensinar “que a razão de ser da
vida pública e o próprio progresso civil requerem que a sociedade humana se constitua e
governe sem preocupar-se em nada com a religião,  como se ela nem existisse, ou, pelo menos,
sem fazer distinção alguma entre as religiões falsas e a verdadeira”. E, indo de encontro à
doutrina das Sagradas Escrituras e dos Santos Padres, não duvidam em afirmar que “a melhor
condição da sociedade civil é aquela em que não se reconhece ao poder civil autoridade para
coarctar com sanções os violadores da Religião Católica, sempre que a paz pública o não
exija”. E partindo dessa falsa ideia social, seus propagadores não temem em fomentar a
opinião, desastrosa para a Igreja Católica e a salvação das almas, denominada por Nosso
Predecessor, de feliz memória, de “loucura”,44 de que “a liberdade de consciência e de culto é
direito próprio e inalienável do indivíduo, que há de proclamar-se nas leis e estabelecer-se em
todas as sociedades retamente constituídas; de que aos cidadãos assiste o direito de toda
liberdade sem que a lei eclesiástica ou civil a possa reprimir, liberdade para manifestar ou
declarar publicamente qualquer ideia, já pela palavra, já pela imprensa, ou por outra via
qualquer”. E não se apercebem de que, enquanto pensam e excogitam todas estas coisas,
estão pregando as “liberdades de perdição”,45 e que, “se é sempre livre disputar das coisas
humanas, nunca hão de faltar os que irão além da verdadeira  sabedoria, confiados em sua
loquacidade natural, cônscios, como se sabe, de que modo se há de evitar, para o bem da fé e
da sabedoria cristã, essa perniciosíssima maneira de sentir, segundo determinou o mesmo
Cristo Senhor Nosso”.46

NOVOS ERROS

5. E como com tirar a religião da sociedade civil se repudia a doutrina mesma da divina
Revelação, perde-se e nimba-se também a própria noção, irmã sua, da justiça e do legítimo
direito, substituindo-o, em seu lugar, a força material, explica-se como alguns, pondo de lado
os santíssimos e certíssimos princípios da razão, ousam dizer que “a vontade do povo,
manifestada na chamada opinião pública ou por outro modo, é a suprema lei, livre de todo
direito divino ou humano; que na ordem pública os fatos consumados, pelo mesmo feito por
que se hão consumado, possuem força de lei”. Mas quem não prevê e não percebe que a
sociedade, livre de todo laço de religião e justiça, outro ideal não pode mirar que o de
conquistar e acumular riquezas e que outra lei não seguirá senão a infrene concupiscência do
coração, posta ao serviço de suas próprias comodidades e caprichos? Por isso mesmo, esses
tais votam ódio às Ordens religiosas, tão beneméritas à sociedade cristã, civil e mesmo à
literária, e proclamam blasfemamente que tais Ordens não possuem razão legítima de existir,
fazendo eco, assim, aos erros dos hereges. Como sabiamente ensina Nosso Predecessor de
feliz e recente memória Pio VI, a abolição das  religiões prejudica o Estado de pública profissão
dos Conselhos Evangélicos, tão recomendada na vida da Igreja, em consonância com a
doutrina apostólica, e condena os próprios fundadores que veneramos nos altares, os quais,
inspirados por Deus, formaram suas próprias religiões”. 47 Também proclamam impiamente que
se há de subtrair à Igreja e aos fiéis a faculdade “de distribuir caritativamente esmolas em
público”; que se hão de anular as leis, pelas quais “em determinados dias de festa se proíbem
os trabalhos, para cultuar a Deus”, assegurando, falazmente, que tal lei e tal poder estão em
oposição aos princípios da melhor economia pública. E, não contentes com tirar a religião da
vida pública, querem até arrancá-la da própria vida familiar. E, apoiando-se nos funestíssimos
erros do comunismo e do socialismo, afirmam que “a sociedade doméstica tem razão de existir
somente no direito civil” e que da mesma forma “somente do direito civil se originam e
dependem os direitos dos pais sobre os filhos, sobretudo os referentes à formação e educação
dos mesmos”. Esses homens falacíssimos, com opiniões tão ímpias, pretendem eliminar
totalmente a influência da Igreja na formação e educação cristã da juventude, para que
as fléxeis almas juvenis se vejam obrigadas a depravar-se e macular-se com todos os erros e
vícios. Pois, quantos sempre pretenderam perturbar a sociedade, tanto sagrada como civil,
destruir a reta ordem social e acabar com todos os direitos humanos e divinos, dirigiram seu
empenho e esforços no intuito de enganar e depravar, como já fizemos anotar, a juventude,
em cuja corrupção depuseram toda a sua esperança. Por isso, nunca cessam de difamar ambos
os Cleros, dos quais defluíram tantíssimos bens à sociedade cristã, civil e mesmo literária,
como o está a depor brilhantemente a história em todos os seus monumentos; e não se calam
de proclamar que o Clero, “como inimigo do progresso, da ciência e da civilização, tem de ser
arredado da formação e educação da juventude”.

6. Outros, em contrabalanço, renovando os sonhos tantas vezes condenados dos Protestantes,


ousam dizer, com suma desfaçatez, que a suprema autoridade da Igreja e desta Sé Apostólica,
fundada pelo próprio Cristo, depende absolutamente do poder civil, ao qual deve submeter-se;
e para quanto respeita à ordem externa, negam todo direito a esta mesma Sede Apostólica e à
Igreja. Nem se pejam de afirmar que “as leis da Igreja não obrigam em consciência, se não se
promulgarem pela autoridade civil; que os atos e decretos dos Romanos Pontífices, mesmo
referentes à Igreja, necessitam da sanção e aprovação –  ou ao menos do assentimento – do
poder civil; que as Constituições Apostólicas,48 nas quais se condenam as sociedades
clandestinas, exijam ou não o segredo, se anatematizam os sócios ou propagadores, não têm
força nas regiões em que essas sociedades são toleradas pela autoridade civil: que a
excomunhão lançada pelo Concílio de Trento e pelos Romanos Pontífices contra os que
invadem e usurpam os direitos e bens da Igreja, arrimam-se na confusão da ordem espiritual
com a civil e política, visando o bem comum; que a Igreja nada deve ordenar que restrinja as
consciências dos fiéis, com respeito ao uso das coisas temporais; que à Igreja não assiste o
direito de punir com penas temporais os infratores de suas leis; que é conforma à Sagrada
Teologia e os princípios do Direito Público que a propriedade dos bens possuídos pelas igrejas,
Ordens religiosas e outras obras pias se submetam à autoridade civil. Nem lhes peja confessar
publicamente o herético princípio de que nascem tais erros e opiniões. Pois dizem que “o
poder da Igreja não é por direito divino distinto e independente do civil, e que tal distinção e
independência não se podem observar, sem que a Igreja invada e usurpe os direitos essenciais
da autoridade civil”. E não podemos silenciar a audácia dos que, não sofrendo os princípios da
sã doutrina, defendem “que aos juízos e decretos da Sé Apostólica, que miram o bem geral da
Igreja e de seus direitos, e que se referem à sua disciplina, enquanto  não tocam os dogmas da
fé e dos costumes, se podem negar o assentimento e a obediência sem pecado e sem infração
alguma da profissão católica”. Não há quem veja e entenda clara e abertamente até que
ponto tal opinião contrasta com o dogma católico do pleno poder divinamente conferido pelo
mesmo Cristo Nosso Senhor ao Romano Pontífice, de apascentar, reger e governar a Igreja.

CONDENAÇÃO DESTES ERROS

7. No meio de tamanha perversidade de opiniões depravadas, Nós, trazendo viva em Nossa
mente a missão apostólica, solícito pela sã doutrina, pela salvação das almas a Nós
divinamente confiadas e pelo próprio bem-estar da sociedade humana, pensamos novamente
em fazer ouvir Nossa voz apostólica. Portanto, todas e cada uma das opiniões e perversas
doutrinas, explicitamente especificadas neste Documento, por Nossa autoridade apostólica,
reprovamos, proscrevemos e condenamos; queremos e mandamos que os filhos da Igreja as
tenham, todas, por reprovadas, proscritas e totalmente condenadas.

8. A par disso sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, como nestes tempos os inimigos
acérrimos de nossa religião e solapadores de toda verdade e justiça, iludindo e mentindo
maliciosamente ao povo, por meio de livros, folhetos e periódicos disseminados por todo o
orbe, espalham também outras doutrinas ímpias.

9. Não ignorais que em nossos tempos há também os que, movidos e incitados do espírito de
Satanás, chegam à afoites de atacar a Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei absoluto, e a sua
divindade, com frases insolentes e criminosas. E aqui não podemos deixar de louvar
egregiamente, Veneráveis Irmãos, vosso zelo, pois contínua e esforçadamente haveis alçado
vossa voz contra tanta impiedade.

ORAÇÕES E PETIÇÕES

10. Assim, pois, nesta Nossa carta vos falamos de novo com tanto amor, que, chamados a
tomar parte em nossa solicitude, Nos servis de sumo alívio, alegria e consolo, pela magnífica
religiosidade e piedade em que vos manifestais e pelo admirável amor, fidelidade e
observância com que estais ligados, em plena conformidade de ânimo, a Nós e a esta Sé
Apostólica, e tratais de cumprir o vosso ministério episcopal, gravíssimo por certo, com
fortaleza e cuidado. Esperamos, pois, de vosso egrégio zelo pastoral que, empunhando o
gládio do espírito, que é a Palavra de Deus, e confortados na graça de Nosso Senhor Jesus
Cristo, olheis dia a dia desveladamente por todos os fiéis entregues ao vosso cuidado, “para
que se abstenham das ervas daninhas, que Jesus Cristo não cultiva e não são plantação do
Pai”.49 E não deixeis de inculcar aos mesmos fiéis que toda verdadeira felicidade humana
provém de nossa augusta religião e de sua doutrina e exercício, e que só é feliz o povo, cujo
Senhor é seu Deus.50 Ensinai que “os reinos subsistem51, sustentados no fundamento da fé
católica; que nada há tão mortífero e tão propício à ruína, tão exposto a todos os perigos,
como o pensamento de que, podendo bastar-nos a nós mesmo pelo livre alvedrio(arbítrio) que
recebemos ao nascer, nada mais temos que pedir a Deus; ou, por outras, esquecidos de nosso
Criador, renunciemos ao seu império, para emancipar-nos”. 52 E não omitais tampouco, de
ensinar que o poder real não se concede somente para reger o mundo, mas também e
precipuamente para defender a Igreja; 53 e que nada há que possa trazer fruto mais abundante
e glória maior aos reis e príncipes da sociedade, que deixar à Igreja Católica o uso de suas
próprias leis e não permitir que se lhe anteponham entraves à liberdade da mesma, conforme
ensinamentos emanados do sapientíssimo e mui valoroso Predecessor Nosso S. Félix, ao
escrever ao imperador Zenão. Pois é certo que, ao se tratar das causas de Deus, é bom que em
tudo isso a vontade régia se esforce em submeter-se aos Sacerdotes de Cristo e não antepor-
se aos mesmos, segundo o que o próprio Deus há determinado”. 54

11. Se sempre, Veneráveis Irmãos, mas sobretudo agora, em meio às graves calamidades da
Igreja e da sociedade civil; em meio à conspiração dos inimigos contra o Catolicismo e esta Sé
Apostólica; em meio a erros tão abundantes, urge necessariamente que acorramos confiados
ao trono da graça para alcançarmos misericórdia e acharmos graça no auxílio oportuno. Pelo
que pensamos em excitar a piedade de todos os fiéis a fim de que, unidos a Nós e a vós, orem
e peçam ao Pai Clementíssimo das luzes e das misericórdias, com preces fervorosíssimas e
humilíssimas; acorram sempre com inteira fé a Nosso Senhor Jesus Cristo que nos remiu com
seu Sangue; e peçam incessantemente e com força ao Coração dulcíssimo de Jesus, Vítima do
mais ardente amor para com os homens, para que com os elos do seu amor atraia todas as
coisas a Si e para que todos os homens, inflamados em seu amor santíssimo, procedam
segundo o seu Coração, agradando a Deus em todas as coisas e produzindo frutos em todo
gênero de boas obras. E como a Deus sempre agradam mais as orações que se lhe dirigem com
coração limpo de toda impureza, resolvemos abrir, com liberalidade apostólica, aos fiéis
cristãos os tesouros celestiais da Igreja, confiados à Nossa dispensação, a fim de que os
mesmos fiéis, mais abrasados na verdadeira piedade e purificados das nódoas dos pecados no
Sacramento da Penitência, façam derramar diante de Deus suas orações e alcancem sua graça
e misericórdia.

12. Por meio destas cartas, pois, por Nossa autoridade apostólica, a todos e a cada um dos fiéis
do orbe concedemos indulgência plenária, à maneira de jubileu, por espaço de um mês, até o
ano vindouro de 1865, deixando a vós, Veneráveis Irmãos, e aos Ordinários legítimos
a determinação do modo, sob a mesma forma que concedemos no início de Nosso supremo
Pontificado, em nosso breve de 20 de Novembro de 1846, dirigido a todos os Bispos, breve que
começava com as palavras: “Arcano Divinae Providentiae consilio” e com as mesmas
facilidades que concedemos naquelas cartas. Queremos, contudo, que se observem todas as
prescrições do breve mencionado, exceto o que já foi dito. Concedemos tudo isto, sem que
outros obstáculos se oponham, ainda que fossem dignos de especial e individual menção e
derrogação. E para que desapareça toda dúvida e dificuldade, ordenamos sejam remetidos a
todos vós exemplares do citado Documento.

13. “Roguemos, Veneráveis Irmãos, do íntimo de nosso coração e de nossas almas à


misericórdia de Deus, já que Ele mesmo disse: Não afastarei deles a minha misericórdia.
Peçamos e receberemos; e se o auxílio se fizer esperar, pensemos que temos ofendido
gravemente; tornemos a chamar, porque a quem chama se lhe abre, contanto que se bata à
porta com preces, gemidos e lágrimas,  insistente e perseverantemente; para que nossa oração
seja unânime… cada qual rogue a Deus, não somente por si, mas por todos os irmãos, segundo
Deus nos tem ensinado a orar”.55

14. Porém, para que Deus mais facilmente aceite nossas preces e desejos, com toda confiança
ponhamos por intercessora a Imaculada e Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, que
destruiu todas as heresias no mundo e que, sendo Mãe nossa amantíssima, “é toda doce… e
cheia de misericórdia…, se mostra a todos clementíssima e propícia, e se compadece de nossas
necessidades com amplíssimo coração”,56 pois Ela é a Rainha que está à direita de seu
Unigênito Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, adornada de vestes douradas e variegadas, e nada
há que não consiga do Senhor. Peçamos também os sufrágios de S. Pedro, Príncipe dos
Apóstolos, e de seu Co-apóstolo S. Paulo, e de todos os Santos da corte celeste, os quais,
amigos que são de Deus, chegaram aos reinos celestiais e, coroados, possuem a palma e,
certos de sua imortalidade, se mostram solícitos pela nossa salvação.

Finalmente, pedindo para vós a Deus, do íntimo, a abundância de todos os dons celestiais, em
penhor de Nossa singular caridade, Veneráveis Irmãos, a vós e a todos os clérigos e fiéis
confiados à vossa solicitude, brotada do fundo do coração, damo-vos a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, em S. Pedro, aos 8 de Dezembro de 1864, décimo ano após a definição
dogmática da Imaculada Conceição da Virgem Maria, Mãe de Deus, e décimo nono de Nosso
Pontificado.

PIO PAPA IX
_____________________

1Cfr. Propos. 39.

2O texto original do Syllabus  encontra-se em Acta Sanctae Sedis, (coletânea oficiosa dos atos
pontifícios até 1908), vol. 3º (1867), p. 161 e seguintes. Aí também se encontram a
Encíclica Quanta cura e a carta do Cardeal Antonelli, Secretário de Estado, enviando os
Documentos aos Bispos.

Encontra-se também em DENZIGER-BANNWART. Enchiridion Symbolorum, Friburgo, Herder,


várias edições, nº 1688 e segs.

Cfr. Ainda: P. HOURAT, Le Syllabus, 3 vols. Paris, Bloud et Gay (Col. Science et Religion).

DUPANLOUP, La convention du 15 septembre et l’Encyclique du 8 décembre 1864. Nouvelles


oeuvres choisies, t. IV.

MOURRET, Histoire, génerale de l’Église, vol. 8, Église contemporaine, 1ª part. 1823-1876.


Paris, Bloug et Gay, 1920.

3Basta ler os títulos dos parágrafos em que é dividido o Syllabus, para se fazer uma ideia do
grande cúmulo de erro nele denunciados e condenados: O panteísmo, o naturalismo, o
racionalismo, o indiferentismo, o latitudinarismo, o socialismo, o comunismo, as sociedades
secretas, bíblicas e clérico-liberais: erros a respeito da Igreja e seus direitos, da sociedade civil,
das relações entre a sociedade e a Igreja, da ética natural e cristã, do Matrimônio, do
principado do Papa, etc. Etc.!!!

4II Tim. 4, 3-4.

5Os Atos Pontifícios de Pio IX, dos quais foi extraído o “Syllabus”, são ao todo 32, publicados
entre o ano de 1846, no qual Pio IX foi elevado ao Sólio Pontifício, e o de 1864, no qual foi
promulgado o “Syllabus”. Eles constam de 8 Cartas Encíclicas, 17 Alocuções Consistoriais, 6
Cartas a Cardeais ou Bispos particulares, e uma Carta ao Rei da Sardenha.

6Esta carta de Pio IX, que foi enviada a todos os Bispos juntamente com o “Syllabus”, é a
celebérrima Encíclica Quanta Cura. Dela teremos que falar mais adiante, pela relação que tem
com o “Syllabus”, não tanto por ter sido mandada junto com ele e pelo mesmo canal, como
porque pode e deve ser considerada como um complemento do mesmo “Syllabus”.
7Parece que a ideia de coligir os erros principais do tempo e condená-los, foi pela primeira vez
apresentada a Pio IX pelo Concílio Provincial de Spoleto, celebrado no ano de 1849, no qual
teve parte muito saliente D. Joaquim Pecci, então Bispo de Perusa, depois Leão XIII. Com efeito,
na sessão 3ª desse Concílio, Título 3º, onde se fala dos erros modernos, lê-se o seguinte: –
Antes de tudo, o Concílio determinou empregar o meio, de pedir ao Santíssimo Padre, que
todos esses erros sejam nomeadamente enumerados e condenados, etc.

8Ilm. Snr. – Tendo a Santidade de Nosso Senhor, o S. Padre Pio IX, mandado empreender
estudos sobre o estado da sociedade moderna e sobre os erros mais geralmente espalhados a
respeito do dogma e dos pontos mais especialmente relacionados com as ciências morais,
políticas e sociais; deseja a fim de terem-se amplas e seguras informações, que se recorra às
pessoas, que pela sua posição e por seus trabalhos são mais idôneas para o desempenho desta
missão. Ora, tendo eu sido encarregado por Sua Santidade de dar execução a estas suas
ordens, e tendo no devido apreço os conhecimentos de V. S, e  a pureza de seu zelo para tudo
quanto pertence ao bem da Igreja Católica, não hesito um só instante em convidá-lo a tomar
parte nesta tarefa, que não pode deixar de ser muito útil aos interesses de toda a Cristandade.

A fim de conseguirmos uma certa uniformidade na ordem das respostas, rogo a V. S. queira
conformar-se com o modelo junto, quanto às observações que julgar conveniente transmitir-
nos e que V. S. poderá escrever na língua que lhe é mais familiar.

Para que se possam efetuar fácil e prontamente as intenções do Santo Padre, é absolutamente
necessário:

1º Que se guarde religioso silêncio sobre este negócio.

2º Mais importante ainda, é a celeridade do trabalho. E como aqui não se trata do


desenvolvimento das matérias, mas sim unicamente de indicações, é intenção de Sua
Santidade, que no fim de um mês, depois da recepção desta, V. S. me mande o primeiro fruto e
suas investigações. Digo o primeiro, porque qualquer observação ulterior será aceita de bom
grado e tomada em consideração.

Estou persuadido, que o zelo de V. S. para as coisas da Religião e a vontade de Sua Santidade,
que liga a esse negócio a mais alta importância, serão dois poderosos motivos para determinar
V. S. a prestar o concurso de suas luzes e piedade.

Aceite os sentimentos da alta consideração, com que tenho a honra de ser


De V. S.

Servo muito afeiçoado.

R. CARD. FORNARI

Roma, 20 de maio de 1852.

9Eram eles: Monsenhor Delicati, o R. Padre Jacinto Ferrari e o R. P. João Perrone.

10V. Supra pág. 10.

11Joann. XXI, 15.

12Os erros que ainda não tinham sido condenados pela Sé Apostólica são os que foram
condenados na Encíclica Quanta cura, que acompanhou o “Syllabus”; da-los-emos mais
adiante.

132 Pet. II, 3.

14O que levantou mais gritaria nos arraiais do Liberalismo, foi o § X do “Syllabus”: Erros que se
referem ao Liberalismo contemporâneo e principalmente à Proposição LXXX.

15Disse com pungente ironia e franqueza, nesta ocasião, o Bispo de Orleans, quando o
governo liberal da França ameaçava com processos e cárceres aos Bispos que publicassem o
“Syllabus”: “Oh! É admirável o amor que estes liberais têm para a lógica! Querem a liberdade
da palavra. E eis que chamam usurpação à Encíclica de um Papa, que, apoiado na sua
autoridade moral, fala francamente a seus súditos espirituais e chamam liberdade à carta
circular de um Ministro, que manda calar aos Bispos, com ameaças de tribunais e gendarmes!”

16Nesse mesmo dia, o Imperador no cortejo nas Tuillherias, respondendo ao discurso de


felicitações do Arcebispo de Paris, lhe dizia – “Estou muito satisfeito, vendo que os esforços que
faço para sustentar os interesses religiosos  (sic), são devidamente apreciados pelo Prelado que
governa a Diocese de Paris” – Tinha razão o insigne publicista italiano daquela época, quando
escreveu, que para explicar os atos da vida política de Napoleão III, era necessário admitir nele
muitas consciências; e enumerando-as, chegou a contar até treze! Mas este exercício da sua
liberdade, publicando pela imprensa aquele seu juízo, custou-lhe o cerceamento da liberdade
de fazer circular na livre França o seu jornal L’Unità Cattolica.

17“Eu posso, dizia também o eloquente Bispo de Orléans,  comprar 400 exemplares do Siècle,
onde se acha impressa a Encíclica e mandá-los aos Vigários da minha Diocese; e se algum
destes ler do altar a Encíclica, comete um abuso, mas o jornalista não! Se nessa Freguesia
houver um templo protestante, o pastor poderá ler e comentar a Encíclica, mas o Padre
católico não!!”
É sempre a mesma lógica incoerente, isto é, a falta de lógica, própria dos apregoadores das
liberdades modernas de opinião, de consciência, de imprensa, e cultos...

18Quando o ministro da França proibiu a publicação do “Syllabus”, o governo da Itália, pelos


seus jornais, desaprovou aquele ato, como inoportuno e ineficaz. Mas depois teve de imitá-lo
ou antes obedecer à imposição que recebeu do governo francês.

19A matéria deste ponto, bem como a do seguinte ficará mais desenvolvida e confirmada na
resolução da objeções. Veja-se principalmente a resposta às objeções II e III.

20Na resolução da primeira objeção daremos as palavras textuais de Leão XIII.

21“Nequimus non probare, vos Syllabi nostri sententias propugnandas explicandasque


suscepisse, praesertim adversus liberalismum, quem dicut catholicum, qui cum plurimos
habeat ex ipsis honestis asseclas, et minus a vero recedere videatur, coeteris est periculosior,
faciliusque decipit incautos”. (Breve de 11 de Dezembro de 1876, ao redator do jornal Le
Peuple).

22Algumas doutrinas contidas nas proposições do “Syllabus”, foram condenadas pelo Concílio
Vaticano I, sob pena, de anátema. Veja-se a Constituição Dogmática Dei Filius, Capítulo I, e os
Cânones I, III, IV.

23Podem consultar-se, o Cardeal Franselin; “De divina traditione”; Thes, XI, Schol. 1. Princ. IV; e
o Cardeal Mazzella, “De Religione et Ecclesia”; Disp. III. Art. 8. n. 824; e “De virtutibus infusis”,
Disp. II. Art. 10. nn. 518, 519.

24Quoniam vero satis non eis haereticam previtatem devitare, nisi… quoque errores diligenter
fugiantur, qui.. quoque errores diligenter fugiantur, qui ad illum plus minus… accedunt: omnes
officit monemus, servandi etiam Constitutiones et Decreta, quibus pravae hujusmodi opiniones,
quae istic diserte non enumerantur, … Sanctae Sede proscriptae et prohibitae sunt.

25Logo depois da promulgação do “Syllabus”, foram publicados, pela tipografia da Câmara


Apostólica, todos os Atos Pontifícios nele citados. O Papa Pio IX leu ele próprio e aprovou o
prefácio dessa publicação. – Vej. a “Civiltá Cattolica”, Série XIII, Vol. V. pág. 553.

26Concil. Vatic. Constitutio Dogmatica Pastor aeternus, Cap. IV.

27Napoleão III, por não cumprir sua promessa e não ter de intervir contra os Piemonteses que
ocuparam o Estado da Igreja, fez valer esse princípio.

28Prop. XIX – LV.

29É também digno de nota para o nosso assunto, o que consta da mesma história; isto é, que
Pio IX, em suas Encíclicas e Letras Apostólicas, das quais depois foi extraído o “Syllabus”,servia-
se dos estudos que as comissões iam fazendo, e cujos resultados eram sempre entregues ao
Pontífice.

30Este erro, diz o Papa na Encíclica, é uma consequência do princípio ímpio e absurdo do
Naturalismo.
31Esta proposição diz o Sumo Pontífice na Encíclica é contrária à doutrina das Sagradas
Escrituras e dos Santos Padres.

32Desta proposição diz Pio IX na Encíclica, que é “uma opinião errônea, sumamente perniciosa
para a Igreja Católica e para a salvação das almas, que Gregório XVI, nosso Predecessor de
feliz memória, chamava um delírio: e os que temerariamente a afirmam, apregoam, talvez sem
o perceber, o que Santo Agostinho chama liberdade de perdição”.

33Erro funestíssimo é este, diz o Papa na Encíclica, do Comunismo e do Socialismo, e por meio
dele homens perversos e enganadores tentam afastar a Igreja da educação da mocidade, a fim
de poder mais facilmente corromper-lhe, com suas perniciosíssimas doutrinas, a mente e o
coração.

34As coisas afirmadas nesta proposição, diz o Pontífice na Encíclica, são invenções ímpias dos
Inovadores, já muitas vezes condenadas.

35Este, diz a Encíclica, é um princípio próprio dos hereges, origem e fonte de muitos erros.

36Proposição esta, diz a Encíclica, totalmente contrária ao dogma católico e ao poder


divinamente conferido por Jesus Cristo ao Romano Pontífice, de apascentar, dirigir e governar
toda a Igreja.

37Ps. 143.

38S. Celestino, Pp.

39S. Inocêncio I, Pp.

40S. Leão, Pp.

41Coleção de Documentos Pontifícios, Tomo III (30-47), Doc. 36. II Edição, Editora Vozes Ltda.,
Petrópolis/RJ, 1951.

42Qui Pluribus.

43Gregório XVI, Encíclica “Mirari Vos”, de 15 de Agosto de 1832, D P 34.

44Enc. “Mirari Vos”.

45S. Agostinho, Epístola 105, al. 166.

46S. Leão, Epístola 14, a. 133.

47Carta ao Cardeal de la Rochefoucault, de 10 de Março de 1791.

48Clemente XII, “In eminenti”;  Bento XIV, “Providas Romanorum”; Pio VII, “Ecclesiam”; Leão


XII, “Quo graviora”.

49S. Inácio, M. ad Philadelph. 3.

50Sl. 143, 15.


51S. Celestino, Ep. 22 ad Synod. Ephes. Apud Const. p. 1200.

52S. Inocêncio I, Epíst. 29 ad Concil. Carthagin. Apud Const. p. 891.

53S. Leão, Epíst. 156, al. 125.

54Pio VII, Enc. “Diu Satis”, de 15 de Maio de 1800.

55S. Ciprian., Epíst. 11.

56Sermão de S. Bernardo, acerca das doze prerrogativas da Santíssima Virgem Maria, “ex


verbis Apocalyp”

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