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INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil adquiriu impressionante importância nos


últimos anos, bastando observar o elevado número de demandas
judiciais em que se pleiteia a reparação de danos patrimoniais e
extrapatrimoniais. Assim, o profissional do Direito só estará preparado
para essa realidade se, efetivamente, conhecer todo o instrumental
necessário. Nesse sentido, este curso apresentará todos os elementos
indispensáveis à prática jurídica eficaz no referido tema.

Objetivos

Objetivo geral
Oferecer o instrumental necessário para a prática jurídica no tema
da responsabilidade civil.

Objetivo específico
Permitir a atuação do profissional do Direito no contexto de um
ramo do direito civil de destacada importância e acesas controvérsias.
   
SUMÁRIO
MÓDULO I – PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................ 7 

O CONCEITO E AS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................. 7 


Conceito .................................................................................................................................... 7 
Espécies .................................................................................................................................... 8 
A CULPA COMO FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................ 12 
A TEORIA DO RISCO E A QUEBRA DE PARADIGMA .............................................................................. 20 
O NEXO CAUSAL E AS SUAS EXCLUDENTES .......................................................................................... 23 

MÓDULO II – O DANO COMO ELEMENTO ESSENCIAL ..................................................................... 31 

O DANO REPARÁVEL E A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE......................................................... 31 


O DANO PATRIMONIAL E AS SUAS ESPÉCIES ........................................................................................ 34 
O DANO EXTRAPATRIMONIAL E A SUA REPARAÇÃO ........................................................................... 36 
AS OUTRAS ESPÉCIES DE DANO EXTRAPATRIMONIAL ........................................................................ 44 

MÓDULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ........................................................................... 49 

OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CDC............................................................................................. 49 


OS REQUISITOS PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ............................................................. 59 
OS RESPONSÁVEIS PELA REPARAÇÃO CIVIL NO CDC .......................................................................... 63 
AS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ................................................................. 65 

MÓDULO IV – ALGUNS TEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL ............................... 73 

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR INADIMPLEMENTO CONTRATUAL .............................................. 73 


A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS E DOS HOSPITAIS......................................................... 79 
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR ............................................................................ 85 
AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS E EXONERATIVAS DA REPARAÇÃO....................................................... 87 

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 93 

PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 103 


MÓDULO I – PRESSUPOSTOS DA
RESPONSABILIDADE CIVIL

Neste módulo, apresentaremos o conceito de responsabilidade civil e as suas classificações.


A seguir, estudaremos dois dos três requisitos da responsabilidade civil, a saber: a culpa ou o risco,
conforme se trate de responsabilidade civil subjetiva ou objetiva, e o nexo causal, elemento
comum a qualquer uma das duas espécies citadas. Iniciemos a nossa jornada!

O conceito e as espécies de responsabilidade civil


Conceito
A responsabilidade civil pode ser conceituada, de forma muito sintética, como a “obrigação
de reparar o dano”. De fato, é a responsabilidade civil um fundamental “Título” do grande “Livro”
do “Direito das Obrigações”, conforme se observa no Título IX do Livro I da Parte Especial do
Código Civil, o qual se intitula, justamente, “Da Responsabilidade Civil” (arts. 927 a 954).
Isso leva alguns autores a concluir que a “obrigação de reparar” está dotada de dois
elementos, a saber: o débito (debitum) e a responsabilidade (obligatio). Aquele pode ser visto como
o “dever de não causar dano a outrem” (o neminem laedere dos romanos) e esta deve ser entendida
como a responsabilidade patrimonial, isto é, como a possibilidade de o autor do dano ter o seu
patrimônio constrito para a reparação desse mesmo dano.
Assim é, por exemplo, a visão de Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 14), quando afirma:

A essência da responsabilidade está ligada à noção de desvio de conduta,


ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma
contrária ao direito e danosas a outrem. Designa o dever que alguém tem
de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico.
Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo
que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever
jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde
houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras,
responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação
de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade
pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida.

Contudo, esse conceito parece amoldar-se unicamente à chamada responsabilidade civil


subjetiva, estudada a seguir, pois é somente nesta que se consegue estabelecer claramente a
violação de um “dever jurídico originário”. A responsabilidade civil objetiva, ao contrário, se
contenta com somente três requisitos: “i) o exercício de certa atividade; ii) o dano; iii) o nexo de
causalidade entre o dano e a atividade” Tepedino; Barboza; Moraes, (2012, p. 808). Dispensa, em
suma, a chamada ilicitude ou a violação do “dever jurídico originário”.

Espécies
Muitas são as formas de classificar a responsabilidade civil, mas o escopo restrito deste
trabalho não nos permite maiores divagações. Destacaremos, portanto, somente as espécies mais
relevantes, a começar pela distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual. Naquela é
possível afirmar que há uma relação jurídica prévia entre autor e vítima do dano; usualmente, um
negócio jurídico celebrado pelas partes, sendo que, por isso mesmo, esta espécie de
responsabilidade deveria ser denominada de negocial. Contudo, ainda prevalece o uso do nome
contratual, o qual também será adotado neste estudo.
Deve ser destacado que na responsabilidade civil contratual existem deveres jurídicos
estipulados pelas próprias partes, sendo, como regra, deveres positivos tais como “entregar”, “pagar”,
“transportar”, etc. Isso não impede a existência de deveres negativos, sendo o mais conhecido o de
“não concorrência”, no caso, por exemplo, da alienação do estabelecimento empresarial.
Na chamada responsabilidade civil extracontratual, por sua vez, não existe prévia relação
jurídica entre as partes (autor – vítima) até a ocorrência do próprio dano. É a verificação do dano
que, de fato, acarreta o surgimento da relação jurídica, a qual tem por objeto, como dito, a
“obrigação de reparar”. Importante destacar que esta espécie de responsabilidade é também
conhecida como “aquiliana”, que é uma herança do Direito Romano, uma vez que naquele
direito vigorou uma importante lei conhecida como Lex Aquilia, a qual só tratava de hipóteses em
que não havia prévia relação jurídica entre as partes.
Por fim, cabe destacar que esta primeira classificação já foi considerada como a summa
divisio da responsabilidade civil, isto é, como a mais importante classificação. O próprio Código
Civil brasileiro parece adotá-la se observarmos que este diploma trata da responsabilidade

8
contratual como “Inadimplemento das Obrigações” (Título IV do Livro I da Parte Especial),
correspondendo aos arts. 389 a 420, regulando a responsabilidade extracontratual, como dito, no
Título IX do Livro I da Parte Especial, o qual abrange os arts. 927 a 954.
Temos, em suma, um diploma civil de caráter “dualista”, mas que não considera as duas
espécies como totalmente independentes, uma vez que alguns temas tratados no Título IV
também se aplicam ao Título IX, bastando citar, nesse sentido, as espécies compreendidas no
conceito de “perdas e danos” (arts. 402 a 405). Contudo, essa distinção ainda tem alguma
repercussão na jurisprudência de nossos tribunais, merecendo destaque o disposto no Verbete 54
da “Súmula” da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual afirma que “os juros
moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Tratando-se de responsabilidade contratual, por sua vez, os juros moratórios devem fluir a partir
da citação (Código Civil, art. 405).1
De todo modo, hoje, parece possível afirmar que a verdadeira summa divisio da
responsabilidade civil está na distinção entre responsabilidade subjetiva e responsabilidade
objetiva. Aquela tem como um dos seus pressupostos a culpa ou o dolo do agente, ao passo que
esta dispensa este elemento subjetivo.
Conforme veremos a seguir, a responsabilidade subjetiva era a única espécie admitida até o
fim do século XIX, quando começaram a surgir as primeiras leis, sobretudo no campo dos
transportes e dos acidentes de trabalho, reconhecendo o “risco” como fundamento da reparação
civil. No Brasil, é possível observar essa evolução se considerarmos que o Código Civil de 1916
não possuía nenhuma hipótese expressa de responsabilidade objetiva, ao passo que o vigente
diploma traz duas cláusulas gerais sobre o tema: a) uma cláusula geral de responsabilidade
subjetiva, prevista no art. 186 combinado com o art. 927, caput; e b) uma cláusula geral de
responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único.2
Percebemos, assim, que não é mais possível falar em regra e exceção, uma vez que a
responsabilidade objetiva poderá ser reconhecida sempre que “a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Assim, a lei atribui ao julgador a possibilidade de entender, no caso concreto sob julgamento, que
a responsabilidade do autor do dano tem natureza objetiva, uma vez que a sua atividade é
considerada de risco.
Além disso, somente a responsabilidade subjetiva deveria ser considerada uma
responsabilidade por ato ilícito, pois o art. 186 apresenta um conceito normativo de ilícito
incluindo, expressamente, a conduta voluntária (entendida como dolosa), ou a negligência ou a

1
O art. 405 do Código Civil afirma: “Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial”.
2
O art. 186 dispõe: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O art. 927, por sua vez, afirma: “Art. 927.
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

9
imprudência (espécies de culpa). A responsabilidade objetiva, ao contrário, prescinde do ilícito,
sendo “independentemente de culpa”, nos precisos termos do parágrafo único do art. 927.
Outra possível classificação da responsabilidade civil é aquela que a divide em
“responsabilidade por ato próprio”, “responsabilidade por fato de outrem ou por fato de terceiro”
e “responsabilidade por fato da coisa”. A primeira encontra fundamento nos citados arts. 186 e
927 do Código Civil, tornando cada pessoa responsável pelos danos que causar a outrem.
Contudo, em algumas hipóteses, a legislação pode tornar alguém responsável pelos danos
causados por outra pessoa, fazendo surgir a segunda espécie aqui citada, o que ocorre, por
exemplo, nas hipóteses do art. 932 do Código Civil, nas quais os “responsáveis legais” respondem
pelos danos causados “pelos terceiros ali elencados”.3
Interessante observar que o art. 933 passou a prever que esta responsabilidade tem natureza
objetiva, afastando-se, assim, a culpa presumida consagrada no Verbete 341 da Súmula da
Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual, embora só se refira ao empregador,
era aplicado também aos pais, tutores, curadores e donos de hotéis.4 Além disso, há a previsão de
solidariedade entre o causador direto do dano e o responsável legal (Código Civil, art. 942,
parágrafo único).5 Contudo, esta solidariedade não se aplica em relação aos incapazes (Código
Civil, art. 932, I e II), os quais são considerados subsidiariamente responsáveis por força da regra
específica do art. 928, sendo responsáveis diretos os pais, o tutor ou o curador.6

3
Eis o teor do art. 932: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir,
ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de
educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”.
4
O art. 933 do Código Civil afirma: “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não
haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”. A antiga súmula 341 do STF,
formulada à luz do regramento contido no Código Civil de 1916, dispõe que “é presumida a culpa do patrão ou comitente
pelo ato culposo do empregado ou preposto”.
5
Eis o teor do art. 942 do Código Civil: “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem
ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente
pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas
no art. 932”.
6
O art. 928 do Código Civil, regra específica para os incapazes, afirma: “Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que
causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o
incapaz ou as pessoas que dele dependem”.

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Importante observar, ainda, que, por força da solidariedade, é possível ação regressiva do
responsável legal em face do causador direto do dano, salvo se este for descendente, absoluta ou
relativamente incapaz, daquele. Por essa razão, caso o pai ou a mãe venha a ser responsabilizado
pelo dano causado por um filho menor de 18 anos, não poderá regredir em face deste por força da
vedação expressa do art. 934 do Código Civil.7
Por fim, temos a chamada “responsabilidade pelo fato da coisa”, expressão de origem
francesa que encontra previsão no Código Civil nos arts. 936, 937 e 938.8 Por certo, será
responsável a pessoa, física ou jurídica, que detém a “direção intelectual” ou o “poder de fato”
sobre a coisa. Exemplo bastante conhecido na jurisprudência é o da concessão rodoviária em que a
concessionária responde pelos danos causados por animais que invadem a pista de rolamento.
Caso seja conhecido, caberá ação regressiva em face do dono do animal, nos termos do art. 936
do Código Civil.9
Além das três situações previstas pelo Código Civil, os tribunais têm afirmado a
responsabilidade do proprietário do veículo pelos danos causados pelo condutor a quem o veículo
fora emprestado, fundamentando essa responsabilidade no “fato da coisa”. Essa responsabilidade
só será afastada caso o proprietário comprove que sofreu um desapossamento involuntário do
veículo, como nas hipóteses de furto ou roubo.10
Vistas as espécies de responsabilidade, podemos passar ao estudo dos elementos necessários
para a sua verificação. Comecemos pela culpa.

7
É do seguinte teor o art. 934 do Código Civil: “Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o
que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente
incapaz”.
8
Os arts. 936 a 938 do Código Civil dispõem: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este
causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de
reparos, cuja necessidade fosse manifesta.
Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem
lançadas em lugar indevido”.
9
Recente julgamento do tema constou do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 669840/RJ (Terceira Turma,
Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23 de fevereiro de 2016), cuja ementa é a seguinte: “AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DANO. ACIDENTE. RODOVIA. ANIMAIS NA PISTA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”.
10
Entre outros julgados podem ser recordados os seguintes: a) Recurso Especial 1354332/SP (Quarta Turma, Rel. Min.
Luís Felipe Salomão, julgado em 23 de agosto de 2016), cuja ementa afirma: “[...] 3. Em acidente automobilístico, o
proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que o conduz, pouco
importando que o motorista não seja seu empregado ou preposto, uma vez que sendo o automóvel um veículo
perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros.
4. Provada a responsabilidade do condutor, o proprietário do veículo fica solidariamente responsável pela reparação
do dano, como criador do risco para os seus semelhantes. (REsp 577902/DF, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,
Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2006, DJ 28/08/2006)
5. Há responsabilidade solidária da locadora de veículo pelos prejuízos causados pelo locatário, nos termos da Súmula
492 do STF, pouco importando cláusula consignada no contrato de locação de obrigatoriedade de seguro” (original
grifado); b) Agravo Regimental no Recurso Especial 1561894/ES (Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 01/03/2016), cuja ementa afirma: “[...]; 3. O proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos
danos decorrentes de acidente de trânsito causado por culpa do condutor” (grifos no original).

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A culpa como fundamento da responsabilidade civil
Como visto, a culpa só é um requisito na chamada responsabilidade civil subjetiva. Essa
singela afirmação, porém, não afasta a primeira grande dificuldade no tema, a qual reside,
justamente, na conceituação do instituto. De fato, inúmeros conceitos já foram apresentados,
sendo possível reconhecer duas grandes correntes doutrinárias.
A primeira delas, mais antiga, adota uma concepção “subjetiva” ou “psicológica” da culpa,
entendendo-a como o erro de conduta que poderia ter sido evitado pelo agente por força da sua
própria formação intelectual ou da sua compleição física. Refere-se, em suma, ao próprio
causador do dano.
A segunda concepção, chamada “objetiva” ou “normativa”, afirma ser a culpa o “erro de
conduta que não seria cometido pelo ser humano prudente, nas circunstâncias do caso concreto”.
Há, assim, uma referência a um “padrão de conduta”, o qual é dado pelo “ser humano prudente”,
o chamado “bom pai de família” pelos romanos, ou, ainda, o “homem médio”, tão caro aos
penalistas. Observe-se que esta última visão tem o maior número de adeptos na doutrina
brasileira, não devendo, porém, ser confundida com “responsabilidade objetiva”, a qual dispensa o
elemento subjetivo para a sua configuração.11

11
O tema da culpa foi aprofundado no nosso A culpa na responsabilidade civil: estrutura e função. Rio de Janeiro: Renovar,
2008. Ali se afirma que “também aqui existe uma bipartição da doutrina, sendo corrente falar em apreciação em abstrato
(in abstracto) e apreciação em concreto (in concreto) da culpa. Esta última levaria em conta, na apreciação da conduta do
agente, elementos mais subjetivos, como a própria conduta do agente em negócios anteriores, – quando se tratar de
responsabilidade civil contratual –, ou ainda elementos ditos internos, tais como a intenção do agente ao praticar o ato
danoso. Merece, por isso, o elogio de estar mais próxima de sua realidade para que se possa fazer, com vantagem, uma
análise sobre a reprovabilidade de sua conduta. Já na apreciação em abstrato é dispensada a referência à própria
diligência do agente em seus negócios e toma-se o padrão, abstrato, do bom pai de família. Mas a consideração deste
padrão, especialmente em âmbito extracontratual, não se dá sem uma nova controvérsia acerca dos elementos a serem
considerados nesta mesma apreciação. Em verdade, percebe-se que a referência genérica ao bom pai de família pode
simplesmente inviabilizar qualquer apreciação, uma vez que se considere este um padrão único, válido par todos os
quadrantes do globo e para todas as épocas. Assim é que, mesmo os defensores da apreciação em abstrato, passaram a
admitir a consideração de elementos mais concretos, de certa forma subjetivando o padrão objetivo representado pela
referência genérica ao bom pai de família”. (original grifado)

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De todo modo, ainda que se tenha estabelecido um possível conceito para a culpa, não
menos difícil, na situação concreta, é a afirmação da sua ocorrência. Recordemos, nesse sentido, o
caso da aula de judô ministrada por uma associação atlética no Rio de Janeiro em que, estando o
professor envolvido no treinamento e formando dupla com um aluno, foi incapaz de perceber a
aproximação de outra dupla. Ocorre que um dos alunos desta dupla sofre um golpe e vem a cair,
derrubando também o professor que, ao cair sobre o aluno, termina por acarretar a sua
tetraplegia. O julgado do STJ, por apertada maioria, reconheceu a “culpa do preposto” (professor)
da associação, constando da ementa o seguinte:

Indenização. Vítima de acidente ocorrido durante treinamento de judô,


ministrado por preposto da recorrida, que a deixou tetraplégica. Acidente
ocorrido em virtude de negligência do professor. Comprovados a
conduta, os danos e o nexo de causalidade, presente o dever de indenizar
da recorrida que responde pelos atos do seu preposto. Código de Defesa
do Consumidor, art. 14, § 3º. Aplicação. Recurso especial conhecido e
parcialmente provido” (Recurso Especial 473.085/RJ, Terceira Turma,
Rel. Min. Castro Filho, Rel. para o acórdão Min. Antônio de Pádua
Ribeiro, julgado em 14 de junho de 2004).

Certo é, porém, que o Código Civil brasileiro não conceitua a culpa, somente apresentando
o conceito de “ato ilícito” (art. 186), incluindo neste tanto o dolo (“ação ou omissão voluntária”)
quanto a culpa (“imprudência ou negligência”). Isso não deve significar, porém, que a chamada
“culpa civil” seja capaz de abranger as duas figuras, as quais são ontologicamente distintas.
De fato, no dolo, há a intenção (dolo direto) ou, ao menos, a “assunção do risco” (dolo
eventual) de produzir o resultado danoso. Na culpa, ao contrário, o agente não quer e não assume
o risco de produzir o resultado danoso, sendo que este decorrerá, portanto, da “negligência,
imprudência ou imperícia” do agente, as três conhecidas modalidades de culpa.
Observemos, também, que, em algumas situações, a legislação não se contenta com a culpa
do agente, exigindo, ao contrário, uma conduta dolosa, tal como se verifica, por exemplo, no art.
392 do Código Civil.12 Foi, aliás, com fundamento no art. 1.057 do Código Civil revogado, o
qual foi repetido no atual art. 392, que o STJ editou o Verbete 145 da sua Súmula da

12
O art. 392 do Código Civil afirma: “Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem
o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes
por culpa, salvo as exceções previstas em lei”. Outro dispositivo do Código Civil que também faz distinção entre os dois
institutos para fins de responsabilização civil é o art. 1.177, especialmente seu parágrafo único, que afirma: “Art. 1.177. Os
assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração,
produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele. Parágrafo único. No
exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e,
perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos”.

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Jurisprudência, o qual afirma que “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o
transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer
em dolo ou culpa grave”.
Percebe-se que referido verbete acaba indo além da própria lei, a qual, como visto, só se
refere ao “dolo” daquele a quem o contrato não aproveita, a saber: o transportador. A razão da
equiparação realizada pelo Tribunal Superior parece ser um brocardo medieval que afirma: culpa
lata dolo aequiparatur, isto é, a culpa lata (grave) equipara-se ao dolo.
Oportuno observar que essa culpa grave também tem sido entendida como sinônimo da
“culpa consciente”, a qual será observada quando o agente, embora percebendo a possibilidade
de ocorrência do dano, “acredita sinceramente que ele não ocorrerá”. Não é por outra razão que
essa culpa grave também é conhecida como “culpa com previsão”, decorrendo de um excesso de
confiança do agente nas suas próprias habilidades, confiança esta que, no caso concreto, se
revela incorreta.
De todo modo, é inegável que o verbete sumular termina por proteger a vítima, a qual não
terá de realizar a prova, muitas vezes impossível, do dolo do agente. A hipótese mais conhecida de
aplicação dessa súmula está ligada à carona, vista, portanto, como um transporte desinteressado.
Sirva de exemplo o decidido no Recurso Especial 685.791/MG (Terceira Turma, Rel. Min.
Vasco Della Giustina, julgado em 18 de fevereiro de 2010), quando se afirmou que o transporte
gratuito de pessoas em carroceria aberta de caminhonete se traduz em uma “culpa grave” do
motorista, o qual deve ser responsabilizado pelo óbito de um dos transportados e pela lesão
corporal do outro. Afirma, em verdade, a ementa:

1. Em se tratando de transporte desinteressado, de simples cortesia, só


haverá possibilidade de condenação do transportador se comprovada a
existência de dolo ou culpa grave (Súmula 145/STJ).
2. Resta configurada a culpa grave do condutor de veículo que
transporta gratuitamente passageiro, de forma irregular, ou seja, em
carroceira aberta, uma vez que previsível a ocorrência de graves danos,
ainda que haja a crença de que eles não irão acontecer. (original grifado).

Dito isso, podemos recordar que as três espécies de culpa tradicionalmente estudadas pela
doutrina são a negligência, a imprudência e a imperícia. A negligência seria uma omissão culposa,
ou seja, uma hipótese em que o agente não agiu quando deveria ter atuado. Discute-se, portanto,
em quais situações existe um dever legal de agir, podendo ser recordado o disposto no art. 13, §
2º, do Código Penal, o qual consagraria o crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão.13

13
O art. 13, § 2º, do Código Penal, afirma: “Art. 13. [...]. § 2º A omissão é penalmente relevante quando o emitente devia e
podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

14
Observe, porém, que o próprio Código Penal também apresenta a figura típica da omissão de
socorro (art. 135), crime omissivo próprio, que impõe a todas as pessoas um “dever de
solidariedade”.14 Portanto, ao menos em tese, qualquer pessoa pode vir a responder, inclusive
penalmente, pela sua omissão.
A segunda espécie de culpa – imprudência – está ligada à ação, ou seja, a pessoa, ao agir de
forma apressada ou irrefletida, termina por causar danos a outrem. Observe-se que estas duas
espécies estão expressamente previstas no art. 186, ao contrário da imperícia, que encontra
referência expressa no art. 18, II, do Código Penal.15
A outra espécie – imperícia – é entendida como a falta de habilidade específica para o
exercício de certa atividade ou a falta de um conhecimento específico para uma dada profissão,
sendo muito citada quando se trata de atividade médica.16 Importante observar, por fim, que este
estudo das modalidades de culpa é eminentemente teórico, uma vez que mais importante é
reconhecer, no caso concreto, a ocorrência de uma conduta culposa, pouco importando a forma
assumida por esta.
Contudo, pode assumir relevância o estudo dos graus da culpa. Tema bastante controverso
desde as suas origens, certo é que prevalece o entendimento de serem três os graus de culpa, a
saber: a) culpa grave ou lata; b) culpa leve; c) culpa levíssima.17
Sobre a culpa lata ou grave já escrevemos anteriormente, entendendo-a como sinônimo
de culpa consciente, não se confundindo, porém, com o dolo eventual. A culpa leve é
entendida como o erro de conduta que poderia ter sido evitado pelo ser humano prudente,
nas circunstâncias do caso concreto. Dessa forma, o seu conceito se confunde com o próprio
conceito de culpa, não havendo, portanto, razão para o qualificar. Contudo, para que se
diferencie da culpa levíssima, é que se tem insistido na manutenção deste qualificativo, pois a
culpa levíssima é vista como aquele erro de conduta que poderia ter sido evitado por um

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.


14
O art. 135 do diploma penal dispõe: “Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou
não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se
resulta a morte”.
15
Afirma o art. 18 do Código Penal: “Art. 18. Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando
o pratica dolosamente”.
16
Não é por outra razão que a imperícia encontra referência no art. 951 do Código Civil, aplicável à atividade médica,
verbis: “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no
exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o
mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.
17
Sobre os graus de culpa, seja consentido remeter a Calixto (2008, p. 107-119).

15
diligentíssimo pai de família. Esta é, justamente, a sua maior crítica, pois não conseguimos
determinar, a priori, quem possa ser um diligentíssimo ser humano, podendo mesmo ser dito
que este é um padrão não humano de conduta.18
Assim, manter a culpa levíssima como um possível grau de culpa parece somente se
justificar por força da tradição, sendo muito comum a insistência no velho brocardo jurídico
romano In lege Aquilia et levissima culpa venit, o qual pode ser traduzido como “na
responsabilidade aquiliana (extracontratual), basta a culpa levíssima do agente”.19 Este seria mais
um ponto de distinção entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, o qual se justifica
pelo fato de que, na responsabilidade aquiliana, não há relação prévia entre as partes, de maneira
que todo dano, ainda que decorrente de culpa levíssima, deve ser reparado. A referência, porém, a
um diligentíssimo ser humano parece depor contra este grau de culpa.
De todo modo, se, no passado, o estudo dos graus da culpa foi muitas vezes deixado de
lado, certo é que adquiriu novo fôlego com o disposto no parágrafo único do art. 944 do vigente
Código Civil.20 Neste dispositivo, há expressa referência à gravidade da culpa como um possível
critério para a quantificação do montante da reparação. Inúmeras são as dúvidas colocadas pela
referida norma, a começar pelo fato de que ela mitiga o “princípio da reparação integral do dano”
consagrado no caput deste art. 944. Em verdade, pela regra do caput, seria possível dizer que a
responsabilidade civil tem por finalidade “reparar todo dano, mas nada além do dano”. O
parágrafo único, porém, permite que a vítima fique parcialmente sem reparação, “privilegiando-
se”, assim, o próprio ofensor, que poderá beneficiar-se do fato de ter atuado com culpa leve ou
levíssima, caso esta última seja realmente admitida.21
Talvez por essa razão, a norma, que parece não encontrar equivalente em nenhum outro
ordenamento, tem sido pouco aplicada pelos tribunais brasileiros, e, mesmo quando aplicada, o

18
Sobre a culpa levíssima, tivemos ocasião de escrever, em outra sede Calixto (2008, p. 116-119): “Assim, nega-se
relevância a este grau com base no fato de que, se a falta de diligência mínima já é capaz de gerar a responsabilidade do
agente, parece não haver razão para diferenciar tal hipótese daquela outra em que a própria culpa é dispensada, ou seja,
todos aqueles casos de responsabilidade sem culpa ou responsabilidade objetiva. Em consequência, a distinção entre a
responsabilidade sem culpa e a responsabilidade por culpa levíssima seria meramente nominal, metodológica, e não
fática. Admitida, contudo, a existência deste grau de culpa, surge ainda uma outra dificuldade, a qual reside justamente
no padrão de comportamento que se adota para sua configuração. A referência a um diligentíssimo bom pai de família
mostra-se desprovida de qualquer embasamento fático, sendo, em verdade, um padrão não humano de conduta,
incapaz, portanto, de servir de modelo para a apreciação desta mesma conduta. Por fim, pode ser recordado que a
previsão de uma culpa levíssima como fonte de responsabilidade civil contribui para o processo de ‘vitimização social’,
uma vez sempre se poderá encontrar uma culpa mínima na conduta daquele apontado como causador do dano.
Acompanhando estas críticas, defende-se o abandono deste grau de culpa”.
19
Vejamos, nesse sentido, a doutrina de Cavalieri Filho (2014, p. 53). Foi também o que decidiu o STJ por ocasião do
julgamento do Recurso Especial 238159/BA, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 29 de fevereiro de
2000, cuja ementa afirma que “na responsabilidade aquiliana ou extracontratual, basta a culpa levíssima do agente”.
20
O art. 944 do Código Civil afirma: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização”.
21
O tema foi por nós aprofundado em CALIXTO, Marcelo Junqueira. Breves considerações em torno do art. 944,
parágrafo único, do Código Civil. In: Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 39, Rio de Janeiro: PADMA, 2009. p. 51-76.

16
fundamento invocado não tem sido a gravidade da culpa, de marcada subjetividade, mas
elementos mais objetivos como as condições econômicas do ofensor ou do ofendido.
Exemplo desse entendimento foi o proferido no julgamento do Recurso Especial
1127913/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para o acórdão Min. Luís Felipe
Salomão, julgado em 20 de setembro de 2012) em que se invocou o art. 944, parágrafo único,
para reduzir o valor global da reparação devida por uma empresa de táxi aéreo que veio a ser
condenada pelos danos decorrentes da queda do seu helicóptero. A leitura do inteiro teor do
acórdão, porém, revela que o argumento determinante para a redução do valor fixado pelas
instâncias ordinárias em favor dos parentes das vítimas não foi o grau de culpa do piloto, e sim o
“porte econômico” da ré.22
Notemos, igualmente, que a referida norma só parece autorizar a redução da reparação – e
não a sua fixação – com fundamento na gravidade da culpa, o que seria capaz de afastar qualquer

22
O referido julgado possui a seguinte ementa: “[...] 3. A responsabilidade civil da empresa de taxi aéreo está proclamada
com base na apreciação das provas produzidas nos autos, bem como das normas regulamentares que disciplinam as
exigências para sobrevoos e para a sinalização da rede elétrica. Impossibilidade de análise de normas de caráter
infralegal. Incidência também da Súmula 7/STJ.
4. Em se tratando de danos morais, o sistema de responsabilidade civil atual rechaça indenizações ilimitadas que
alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a
conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados.
5. É certo que a solução de simplesmente multiplicar o valor que se concebe como razoável pelo número de autores tem
a aptidão de tornar a obrigação do causador do dano demasiado extensa e distante de padrões baseados na
proporcionalidade e razoabilidade. Por um lado, a solução que pura e simplesmente atribui esse mesmo valor ao grupo,
independentemente do número de integrantes, também pode acarretar injustiças. Isso porque, se no primeiro caso o
valor global pode se mostrar exorbitante, no segundo o valor individual pode se revelar diluído e se tornar ínfimo,
hipóteses opostas que ocorrerão no caso de famílias numerosas.
6. Portanto, em caso de dano moral decorrente de morte de parentes próximos, a indenização deve ser arbitrada de
forma global para a família da vítima, não devendo, de regra, ultrapassar o equivalente a quinhentos salários mínimos,
podendo, porém, ser acrescido do que bastar para que os quinhões individualmente considerados não sejam diluídos e
nem se tornem irrisórios, elevando-se o montante até o dobro daquele valor”.
De todo modo, este entendimento, proferido por maioria, sofreu modificação no julgamento dos Embargos de
Divergência em Recurso Especial 1127913/RS (Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 4 de junho
de 2014), quando se afirmou a necessidade de tratar “igualmente” todos os parentes dos falecidos, igualando os
quinhões de cada um, uma vez que a “situação fática” era essencialmente a mesma. Observemos, porém, que, neste
julgamento, voltou-se a invocar a “capacidade econômica de ambas as partes” como um dos fundamentos para a fixação
do quantum reparatório. Afirma a ementa deste último julgado: “[...] 3. A reparabilidade do dano moral possui função
meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar, insuscetível de restituição ao status quo ante. A justa
indenização, portanto, norteia-se por um juízo de ponderação, formulado pelo Julgador, entre a dor suportada pelos
familiares e a capacidade econômica de ambas as partes – além da seleção de um critério substancialmente equânime.
4. Nessa linha, a fixação de valor reparatório global por núcleo familiar – nos termos do acórdão embargado – justificar-
se-ia apenas se a todos os lesados (que se encontram em idêntica situação, diga-se de passagem) fosse conferido igual
tratamento, já que inexistem elementos concretos, atrelados a laços familiares ou afetivos, que fundamentem a
discriminação a que foram submetidos os familiares de ambas as vítimas.
5. No caso em exame, não se mostra equânime a redução do valor indenizatório, fixado para os embargantes, tão
somente pelo fato de o núcleo familiar de seu parente falecido – Carlos Porto da Silva – ser mais numeroso em relação ao
da vítima Fernando Freitas da Rosa.
6. Como o dano extrapatrimonial suportado por todos os familiares das vítimas não foi objeto de gradação que
fundamentasse a diminuição do montante reparatório devido aos embargantes, deve prevalecer a metodologia de
arbitramento da quantia reparatória utilizada nos acórdãos paradigmas – qual seja, fixação de quantia reparatória para cada
vítima – restabelecendo-se, dessa maneira, o montante de R$ 130.000,00, fixado pelo Tribunal a quo, para cada embargante,
restabelecendo-se, ainda, os critérios de juros de mora e correção monetária fixados pelo Tribunal de origem”.

17
possibilidade de um caráter punitivo ou pedagógico para essa mesma reparação. A despeito disso,
como veremos, inúmeras são as vozes e os julgados que têm admitido esse caráter.23
Outra controvérsia decorrente do parágrafo único do art. 944 reside na sua possível
aplicação às situações de responsabilidade objetiva. Tem prevalecido o entendimento de que, por
se tratar de critério para a reparação do dano (o chamado quantum debeatur) e não de pressuposto
para a existência da própria responsabilidade (o chamado an debeatur), pode sim o magistrado
considerar o grau de culpa ao definir a extensão do dano, mesmo se tratando de uma hipótese de
responsabilidade civil objetiva.24 Contudo, como dito, o caráter extremamente subjetivo dessa
graduação não parece recomendar a sua utilização.
Importante observar, de todo modo, que a utilização do grau de culpa como critério para a
quantificação do dano também encontra previsão expressa no art. 945 do Código Civil.25
Referido dispositivo trata, na verdade, da chamada “culpa concorrente”, pois nele se reconhece
que aquela que se diz “vítima” concorreu, em parte, para o seu próprio dano. Assim, nada
obstante a expressão consagrada seja, realmente, “culpa concorrente”, a situação encerra uma
questão de nexo causal, merecendo ser substituída por “concorrência de causas”.26 Perfeita, assim,
a doutrina de Cruz (2005, p. 344), quando afirma:

Desta forma, mais apropriado seria se o legislador, em vez de se referir ao


grau de culpa, tivesse feito menção à interferência da vítima no evento
danoso. Aliás, o art. 945 não se deveria referir apenas aos casos em que a
vítima concorre com o agente. Melhor seria se o legislador tivesse
elaborado uma regra geral de distribuição do prejuízo entre os
corresponsáveis pelo dano.

23
Um resumo deste pensamento majoritário consta do Enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da
Justiça Federal (CJF), que afirma: “Art. 944 - O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a
função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”.
24
Interessante observar, quanto ao tema, a mudança de entendimento ocorrida entre a I Jornada de Direito Civil,
ocorrida em 2002, e a IV Jornada de Direito Civil, ocorrida em 2006. Nesse sentido, podem ser vistos os Enunciados 46 e
380: “46 – A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no
parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao
princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva; 380 – Atribui-se
nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, com a supressão da parte final: não se aplicando às
hipóteses de responsabilidade objetiva”.
25
O art. 945 do Código Civil afirma: “Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.
26
Precedentes recentes do STJ já têm adotado esta nomenclatura, sendo exemplo o Agravo Interno no Agravo em
Recurso Especial 940990/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, julgado em 27 de setembro de 2016), cuja
ementa dispõe: “[...] 2. ‘No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas,
impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário
descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando
conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros;
e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado’ (REsp 1.172.421/SP, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 08/08/2012, DJe 19/09/2012)”.

18
Por fim, são conhecidas inúmeras expressões latinas que envolvem a culpa, tais como culpa
in vigilando, culpa in elegendo, culpa in custodiando e culpa in contrahendo. A culpa in vigilando
seria um erro de conduta cometido na vigilância de algo ou alguém, tais como na vigilância dos
pais sobre os filhos menores ou do empregador sobre o empregado. Contudo, por força da regra
do art. 933 do Código Civil, atualmente essas duas situações não exigem mais a comprovação da
culpa do responsável legal, somente se exigindo a culpa do causador direto do dano.27
O mesmo pode ser dito da chamada culpa in elegendo, a qual tinha como exemplo mais
conhecido a má escolha feita pelo empregador em relação ao seu empregado. Já a culpa in
custodiando revela-se no erro de conduta cometido na custódia de algo ou alguém, tendo como
exemplo mais conhecido a custódia do dono do animal em relação a este. Tal situação encontra
previsão no art. 936 do Código Civil, mas, também esta hipótese, hoje, tem sido submetida aos
ditames da responsabilidade objetiva.28
Também a culpa in contrahendo tem sofrido as vicissitudes do tempo, uma vez que, sendo
expressão consagrada no final do século XIX, hoje tem sido escassamente utilizada, uma vez que o
fundamento da responsabilidade passou a ser, em larga medida, a quebra da boa-fé objetiva por
parte dos contratantes. De fato, aquele que rompe arbitrariamente as negociações preliminares
termina por violar os deveres de lealdade e confiança que caracterizam a boa-fé entendida como
regra de conduta.29
Percebemos, em suma, que, se no passado a culpa ocupou uma posição central no estudo da
responsabilidade civil, o mesmo não se verifica nos dias atuais. O seu espaço foi sendo
paulatinamente ocupado pelo chamado “risco”, o qual ainda serve de fundamento genérico da
responsabilidade objetiva. Isso não significa dizer, porém, que a culpa deixou de ser um possível
fundamento da responsabilidade, embora em menor extensão.

27
Eis o teor do art. 933 do Código Civil: “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que
não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.
28
Recordemos o disposto no art. 936 do Código Civil: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este
causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. No sentido da responsabilidade objetiva do dono ou detentor do
animal pode ser visto o Enunciado 452 da V Jornada de Direito Civil (2011): “Art. 936. A responsabilidade civil do dono ou
detentor de animal é objetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro”.
29
De todo modo, é oportuno observar que recente julgado do STJ voltou a usar a expressão culpa in contrahendo como
fundamento da responsabilidade civil daquele que rompeu, arbitrariamente, as negociações preliminares. Foi o que se
observou no julgamento do Recurso Especial 1051065/AM (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, julgado
em 21 de fevereiro de 2013), cuja ementa é a seguinte: “[...] 3. A responsabilidade pré-contratual não decorre do fato de a
tratativa ter sido rompida e o contrato não ter sido concluído, mas do fato de uma das partes ter gerado à outra, além da
expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material.
4. As instâncias de origem, soberanas na análise das circunstâncias fáticas da causa, reconheceram que houve o
consentimento prévio mútuo, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo das tratativas, o prejuízo e a
relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. A desconstituição do acórdão, como pretendido
pela recorrente, ensejaria incursão no acervo fático da causa, o que, como consabido, é vedado nesta instância especial
(Súmula nº 7/STJ)”.

19
A teoria do risco e a quebra de paradigma
Aponta-se como o primeiro diploma a reconhecer a responsabilidade civil
independentemente de culpa a lei francesa de acidentes ferroviários de fins do século XIX. Por
essa razão, tal legislação foi saudada como tendo realizado verdadeira “revolução” no direito de
danos afastando, assim, um importante “filtro” para a verificação da responsabilidade.30 Foi a
doutrina francesa que, em busca de um novo fundamento para a responsabilidade, consagrou a
expressão “risco”, a qual é capaz de assumir inúmeros significados.31
Não foi por outra razão que esse risco foi inicialmente entendido como “risco-proveito”,
afirmando-se que poderia ser responsabilizado aquele que aufere lucro ao exercer determinada
atividade. Tal situação era verificada, justamente, no exercício da atividade de transporte de
passageiros ou carga, sendo aplicável ao transportador ferroviário. Contudo, a dificuldade de se
determinar o conceito ou a extensão do “proveito” levou ao abandono dessa teoria.32
Assim, no início do século XX, surge a chamada teoria do “risco profissional”, a qual impõe
uma responsabilidade objetiva pelo simples exercício da atividade profissional,
independentemente do fato de ser uma atividade lucrativa. A teoria serviu, por exemplo, para
afirmar a natureza objetiva da responsabilidade do empregador pelo acidente de trabalho sofrido
pelo empregado, a qual, diga-se de passagem, só recentemente ganhou força em nosso País.
Já na segunda metade do século XX ganha forma a chamada “teoria do risco excepcional”, a
qual afirma a natureza objetiva da responsabilidade daquele que exerce uma atividade considerada
de alto risco. Essa afirmação serviu perfeitamente para a consagração da responsabilidade objetiva
daquele que opera uma usina nuclear, o que também acabou ocorrendo no Brasil, embora anos
mais tarde.
Faltava o passo final, a saber: a consagração da responsabilidade objetiva também para
outras atividades, o que terminou por ocorrer com a chamada “teoria do risco criado”, a qual
afirma bastar o exercício de uma atividade que, pela sua natureza, gera riscos para os direitos de
outrem.33 Contudo, mesmo depois da sua afirmação, continuou sendo majoritário o

30
A referência à culpa como um “filtro” para a verificação da responsabilidade pode ser encontrada em Schreiber (2013d).
31
Sobre a origem histórica da Teoria do Risco, pode ser vista a obra de PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade
civil. 10. ed. rev. e atual. por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: GZ, 2012. p. 26-38. Mais à frente (p. 369), este mesmo
autor afirma que “no vocabulário jurídico, a palavra ‘risco’ é um conceito polivalente. Várias são as acepções em que se
emprega, umas relativamente próximas, outras bem diferenciadas [...]. Em termos de responsabilidade civil, risco tem
sentido especial, e sobre ele a doutrina civilista, desde o século passado vem-se projetando, com o objetivo de erigi-lo em
fundamento do dever de reparar, com visos de exclusividade, ou como extremação da teoria própria, oposta à culpa”.
Sobre as diversas modalidades de “risco”, pode ser consultada a obra TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e
risco: a teoria do risco concorrente. São Paulo: Método, 2011. p. 127-181.
32
Sobre o tema, pode ser visto Pereira (2012, p. 372 e 373).
33
Assim escreveu Pereira (2012, p. 377), acerca do tema: “A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito do
risco proveito. Aumenta os encargos do agente; é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem de provar que o
dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. Deve este assumir as consequências
de sua atividade. O exemplo do automobilista é esclarecedor: na doutrina do risco proveito a vítima somente teria direito
ao ressarcimento se o agente obtivesse proveito, enquanto que na do risco criado a indenização é devida mesmo no caso
de o automobilista estar passeando por prazer”. (original grifado)

20
entendimento de que a responsabilidade objetiva continuava exigindo previsão legal expressa,
uma vez que teria fonte normativa.
Nesse sentido, o citado art. 927, parágrafo único, segunda parte, do Código Civil, rompe
com esse paradigma, uma vez que reconhece a natureza objetiva da responsabilidade, seja no caso
de previsão legal, seja por força de decisão judicial, quando se reconhecer que a atividade, pela sua
natureza, gera “risco para os direitos de outrem”.
Assim, atualmente, não é mais possível apresentar como único fundamento da
responsabilidade objetiva a norma jurídica, sendo antes possível afirmar que o Brasil consagra
uma “cláusula geral de responsabilidade objetiva”, a qual é capaz de ser invocada em inúmeras
situações genericamente compreendidas no conceito de “risco”. Nesse sentido, pode ser vista a
seguinte passagem de Tepedino, Barboza e Moraes (2012, p. 809):

O CC alterou o sistema ao adotar, paralelamente à cláusula geral de


responsabilidade subjetiva do art. 186, a cláusula geral de
responsabilidade objetiva para atividades de risco, nos termos do
parágrafo único do art. 927. A inovação dá ao Poder Judiciário ampla
discricionariedade na avaliação das hipóteses de incidência da
responsabilidade sem culpa. Ao contrário de outras normas que
preveem a responsabilidade objetiva, a redação desta cláusula geral,
por sua amplitude, não se mostra precisa, uma vez que toda e
qualquer atividade implica, por sua própria natureza, “riscos para os
direitos de outrem”. Contudo, o legislador quis se referir àquelas
atividades que implicam alto risco ou em um risco maior que o
normal, justificando o sistema mais severo de responsabilização. No
dispositivo mencionado, somente pode ser definida como objetiva a
responsabilidade do causador do dano quando esta decorrer de
“atividade normalmente desenvolvida” por ele. O juiz deverá perceber,
no caso concreto, uma atividade habitualmente desenvolvida pelo
ofensor e não uma atividade esporádica ou eventual, qual seja, aquela
que, por um momento ou por alguma circunstância, possa ser
considerada um ato de risco34.

34
Sobre a interpretação a ser dada ao parágrafo único do art. 927 do Código Civil, já foram aprovados alguns Enunciados
nas diversas Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Entre estes, merecem destaque os seguintes: “I –
Jornada: 38. A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do
art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a
pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade; V – Jornada: 446. A responsabilidade
civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil deve levar em consideração não apenas a
proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade; 448. A regra do art.
927, parágrafo único, segunda parte, do CC aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem

21
É importante observar, porém, que o fato de existir uma responsabilidade objetiva não
significa dizer que aquele que exerce essa atividade será sempre responsável pelos danos. Em
verdade, a responsabilidade objetiva, embora tenha dispensado a culpa como requisito, não
dispensou o nexo causal entre a atividade exercida e o dano. Assim, as excludentes de nexo causal
que estudaremos em breve, a saber: a chamada culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro e o caso
fortuito ou de força maior, são, em regra, também aplicáveis a esta espécie de responsabilidade.
Contudo, começa a ganhar fôlego tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacionais,
sobretudo na hipótese de dano ambiental, a chamada “teoria do risco integral” ou
“responsabilidade objetiva agravada”. Segundo esta teoria, aquele que exerce determinada
atividade responderá pelos danos conexos a ela, sem que possa invocar qualquer excludente de
nexo causal.35
Seria, em suma, uma responsabilidade sem excludentes e a única defesa que tem o apontado
causador do dano é a redução do seu montante. Pode-se, porém, questionar a sua aplicação no
Brasil justamente pela falta de previsão legal expressa, ainda mais se considerarmos os ônus que
terminam por ser assumidos pelo empreendedor.

defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem.
São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas de experiência”.
35
O STJ tem, em verdade, reconhecido o dano ambiental como uma hipótese de responsabilidade civil objetiva por risco
integral. Os fundamentos jurídicos apontados têm sido o art. 225, § 3º da Constituição da República e o art. 14, § 1º, da Lei
nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, definidora da chamada “Política Nacional do Meio Ambiente”. Entre outros julgados,
podem ser vistos: Recurso Especial 1363107/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 1 de
dezembro de 2015 e Recurso Especial 1114398/PR, Segunda Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 8 de fevereiro de
2012. Neste último, julgado sob o rito dos “recursos repetitivos”, foi afirmada a seguinte tese: “c) Inviabilidade de alegação
de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente
em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da
responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81),
responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador”.

22
Nesse sentido, pode ser vista a seguinte passagem de Tartuce (2011, p. 181):

Em suma, os eventos totalmente externos ao negócio ou atividade devem


ser admitidos como excludentes do nexo e da responsabilidade ambiental.
Por isso, verifica-se que o sistema nacional não adotou o risco integral,
mesmo na responsabilidade por danos ao ambiente, eis que algumas
excludentes são admitidas. Por exemplo, prevalecendo o risco integral,
um eventual bom proprietário, que sempre conservou determinada área
verde, seria punido por um raio que destruísse uma das árvores. A
conclusão, como se vê, é totalmente absurda, ferindo a lógica do razoável.
Concluindo, a questão ambiental deve ser resolvida pela teoria do risco-
proveito, pelo risco criado, pelo risco administrativo – se o dano for
causado pelo Estado ou por um dos seus agentes – ou até pelo risco
profissional. Em suma, nos casos de danos causados ao meio ambiente, a
solução não é fixa, mas variável, de acordo com as mais diversas teorias
relativas ao risco. De qualquer forma, nota-se uma responsabilidade
objetiva agravada ou aumentada pela não admissibilidade de excludentes,
como o fato exclusivo de terceiro e o fato exclusivo da vítima.

Por essa razão, é necessário conhecer as excludentes do nexo causal, as quais buscam,
justamente, temperar os riscos do negócio. Antes, porém, uma breve palavra sobre o próprio
nexo de causalidade.

O nexo causal e as suas excludentes


O nexo causal, também chamado de nexo de causalidade ou nexo etiológico, pode ser
definido como a “relação de causa e efeito entre a conduta ou a atividade e o resultado danoso”.
Assemelha-se, assim, à “relação de causa e efeito” da física, mas, juridicamente, existem três teorias
principais que tentam explicá-lo, embora seja oportuno destacar que “este é o mais delicado dos
elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado”.36
A primeira é a chamada “teoria da equivalência das condições”, também chamada de “teoria
da conditio sine qua non”. Esta teoria, datada do início do século XIX e fruto dos estudos do
penalista alemão Von Buri, não diferencia causa e condição, afirmando que “toda condição para o
dano é também sua causa”. Segundo os penalistas brasileiros, esta teoria foi consagrada pelo art. 13,
caput, do Código Penal, mas é certo que ela encontra uma importante exceção no § 1º do mesmo

36
PEREIRA (2012, p. 106). Sobre as diversas teorias acerca do nexo causal recomenda-se a leitura de CRUZ (2005, p. 33-
153). Também se recomenda a leitura de MULHOLLAND (2009).

23
dispositivo.37 Do ponto de vista do Direito Civil tal teoria, embora tenha o mérito de ser a primeira
a explicar o nexo causal, sofre contestação desde os fins do século XIX, pois se considera que, levada
ao extremo, aumentaria extraordinariamente o número de possíveis responsáveis pelo dano.38
Para afastar esses excessos, outro alemão, chamado Von Kries, defende a adoção da “teoria
da causalidade adequada”, a qual defende que, entre as condições do dano, existirá uma que, no
“curso normal das coisas”, apresenta-se como a “mais adequada”. Somente esta condição poderá
receber o adjetivo de “causa” do dano e só aquele que a realizou poderá ser responsabilizado por
esse mesmo dano. Esta teoria tem o grande mérito de reduzir o número de possíveis responsáveis,
evitando, assim, algumas injustiças. Contudo, apresenta uma elevada carga de subjetividade ao
exigir uma apreciação acerca de qual seria a “mais adequada” das condições, a única a merecer o
título de causa.
Ainda assim, são inúmeros os julgados do STJ que expressamente fazem referência a esta
teoria, a qual também encontra apoio doutrinário.39 Como exemplo de doutrina favorável a esta
construção teórica, pode ser visto Cavalieri Filho (2014, p. 66), que afirma:

Os nossos melhores autores, a começar por Aguiar Dias, sustentam que,


enquanto a teoria da equivalência das condições predomina na esfera
penal, a da causalidade adequada é a prevalecente na órbita civil. Logo,
em sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorrem
para o resultado são equivalentes (como no caso da responsabilidade

37
Recordemos o disposto no art. 13, e seu § 1º, do Código Penal:
“Relação de causalidade
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se
causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa independente
§ 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado;
os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.
38
Não foi por outra razão que PEREIRA (2012, p. 110), citando Malaurie e Aynès, afirma que, levada ao extremo, esta
teoria “tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade”.
39
Como exemplos de julgados do STJ que expressamente fazem referência à “causalidade adequada” podem ser citados:
a) Recurso Especial 1615971/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27 de setembro de 2016, em
cuja ementa se lê: “[...] 2. A doutrina endossada pela jurisprudência desta Corte é a de que o nexo de causalidade deve
ser aferido com base na teoria da causalidade adequada, adotada explicitamente pela legislação civil brasileira (CC/1916,
art. 1.060 e CC/2002, art. 403), segundo a qual somente se considera existente o nexo causal quando a ação ou omissão
do agente for determinante e diretamente ligada ao prejuízo. 3. A adoção da aludida teoria da causalidade adequada
pode ensejar que, na aferição do nexo de causalidade, chegue-se à conclusão de que várias ações ou omissões
perpetradas por um ou diversos agentes sejam causas necessárias e determinantes à ocorrência do dano. Verificada,
assim, a concorrência de culpas entre autor e réu a consequência jurídica será atenuar a carga indenizatória, mediante a
análise da extensão do dano e do grau de cooperação de cada uma das partes à sua eclosão. [...]”; b) Recurso Especial
1615977/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27 de setembro de 2016, cuja ementa afirma:
“[...] 3. Com base em todas essas ponderações e mais uma vez adotando a teoria da causalidade adequada (CC/2002, art.
403) – segundo a qual somente se considera existente o nexo causal a caracterizar a responsabilidade civil quando a
conduta do agente for determinante à ocorrência do dano –, concluo que o rompimento do contrato de financiamento
decorreu do inadimplemento recíproco dos contratantes, já que ambos, tanto por ações como por omissões, deram
causa à impossibilidade de cumprimento da finalidade a que se destinava a avença. [...]”.

24
penal), mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir
concretamente o resultado. Além de se indagar se uma determinada
condição concorreu concretamente para o evento, é ainda preciso apurar
se, em abstrato, ela era adequada a produzir aquele efeito. Entre duas ou
mais circunstâncias que concretamente concorreram para a produção do
resultado, causa adequada será aquela que teve interferência decisiva.

De todo modo, a partir do início do século XX, ganha força a terceira teoria acerca do nexo
causal, a chamada “teoria da causalidade direta e imediata” ou “teoria do dano direto e imediato”
ou, ainda, “teoria da interrupção do nexo causal”. Esta terceira visão doutrinária, sem um autor
definido, busca afastar a subjetividade da teoria anterior afirmando que todo dano tem uma causa
“direta e imediata”. Assim, compete ao julgador simplesmente “descobrir” qual foi a causa última
do dano, somente podendo ser responsabilizado o seu autor.
Oportuno observar que a expressão “direto e imediato” é retirada do disposto no art. 403
do Código Civil, o qual, embora tenha sido previsto para a responsabilidade contratual, é
igualmente aplicado à responsabilidade extracontratual.40 Esta, pelo menos, é a visão que prevalece
na jurisprudência do STF, sendo exemplo mais eloquente o julgamento do Recurso
Extraordinário 130764/PR (Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 12 de maio de
1992), ocasião em que referido tribunal entendeu não haver nexo causal “direto e imediato” entre
a omissão do Poder Público, que permite a fuga de detento, e o assalto a uma joalheria realizado
por uma quadrilha da qual participava o fugitivo. Este julgado torna-se um paradigma na
jurisprudência do STF e tem a seguinte ementa:

Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha


de que fazia parte preso foragido vários meses antes. – A responsabilidade do
Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda
Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6º do artigo 37 da
Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do
nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o
dano causado a terceiros. – Em nosso sistema jurídico, como resulta do
disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo
de causalidade e a teoria do dano direto e imediato, também denominada
teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da
codificação civil diga respeito a impropriamente denominada
responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade
extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer

40
O art. 403 do Código Civil afirma: “Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem
os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

25
considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas
teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade
adequada. – No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão
recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade
indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva
constitucional, e inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto,
não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da
Emenda Constitucional n. 1/69, a que corresponde o parágrafo 6º do artigo
37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma
quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito
necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve
como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da
quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

Contudo, esta teoria não é isenta de críticas, em especial se considerarmos que, ao menos
em algumas situações, também o dano “indireto” merece reparação. Vejamos, nesse sentido, o
disposto no art. 948, II, do Código Civil, o qual afirma que, em caso de homicídio, serão pagos
alimentos às “pessoas a quem o morto os devia”.41 Trata-se, portanto, de um dano patrimonial
“indireto”, uma vez que o dano “direto” foi sofrido pelo falecido. Além desse dano patrimonial
indireto, os tribunais também têm afirmado a existência de um dano extrapatrimonial “indireto”,
tal como se observa, por exemplo, em favor dos parentes daquele que vem a sofrer lesões corporais
ou ficar tetraplégico.42

41
O art. 948 do Código Civil dispõe: “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras
reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação
de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.
42
Este, pelo menos, é o entendimento consagrado na jurisprudência do STJ, podendo ser recordados, entre outros, o
decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1212322/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
julgado em 3 de junho de 2014, cuja ementa afirma: “[...] 1. Não obstante a compensação por dano moral ser devida, em
regra, apenas ao próprio ofendido, tanto a doutrina quanto à jurisprudência tem admitido a possibilidade dos parentes
do ofendido e a esse ligados afetivamente, postularem, conjuntamente com a vítima compensação pelo prejuízo
experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo.
2. Trata-se de hipótese de danos morais reflexos, ou seja, embora o ato tenha sido praticado diretamente contra
determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano
moral por ricochete, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores.
3. No caso em apreço, não pairam dúvidas que a esposa e o filho foram moralmente abalados com o acidente que
vitimou seu esposo e pai, atualmente sobrevivendo em estado vegetativo, preso em uma cama, devendo se alimentar
por sonda, respirando por traqueostomia e em estado permanente de tetraplegia, sendo que a esposa jamais poderá
dividir com o marido a vicissitudes da vida cotidiana de seu filho, ou a relação marital que se esvazia, ou ainda, o filho que
não será levado pelo pai ao colégio, ao jogo de futebol, ou até mesmo a colar as figurinhas da Copa do Mundo.
4. Dessa forma, não cabe a este Relator ficar enumerando os milhões de razões que atestam as perdas irreparáveis que
sofreram essas pessoas (esposa e filho), podendo qualquer um que já perdeu um ente querido escolher suas razões,
todas poderosamente dolorosas; o julgamento de situações como esta não deve ficar preso a conceitos jurídicos ou pré-
compreensões processuais, mas leva em conta a realidade das coisas e o peso da natureza da adversidade suportada.

26
Tal estado de coisas torna possível a afirmação de que o direito brasileiro, embora não
apresente uma definição normativa acerca do nexo causal, reconhece como reparável tanto o dano
direto como o dano indireto, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial. Assim, para evitar dúvida,
talvez fosse oportuno reconhecer uma “causalidade necessária”, a qual manda reparar os danos
que são o efeito “necessário”, ainda que “indireto”, de determinada conduta ou atividade.43
Vimos que um importante efeito do reconhecimento do nexo causal é apontar o verdadeiro
causador do dano. Nesse sentido, é oportuno observar que, tendo o dano “mais de um autor”, serão
eles solidariamente responsáveis perante a vítima, nos precisos termos do art. 942, caput, do Código
Civil.44 Trata-se, portanto, de uma solidariedade legal, a qual tem o evidente efeito de proteger a
vítima, uma vez que aumenta o número de possíveis responsáveis pelo mesmo dano.
O estudo das teorias da causalidade tem como outra importante consequência permitir o
reconhecimento das excludentes do nexo causal, uma vez que aquele apontado como causador do
dano poderá demonstrar que isso decorreu, em verdade, de um “fato exclusivo da vítima”, de um
“fato de terceiro” ou de um “caso fortuito ou de força maior”. Estudemos cada um dos institutos.
Em relação ao “fato exclusivo da vítima”, deve ser observado, em primeiro lugar, que ele
ainda é mais conhecido como “culpa exclusiva da vítima”. A expressão, embora corrente, é infeliz,
uma vez que se traduz na absoluta ausência de nexo causal entre a conduta do apontado como
causador e o dano sofrido pela “vítima”. Em verdade, terá sido esta que, com a sua conduta,
causou um dano a si mesma.45 Assim, a grande dificuldade desta hipótese é extremá-la da

5. Esta Corte já reconheceu a possibilidade de indenização por danos morais indiretos ou reflexos, sendo irrelevante,
para esse fim, até mesmo a comprovação de dependência econômica entre os familiares lesados. Precedentes: Resp.
1.041.715/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 13/06/2008; AgRg no AREsp. 104.925/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe
26/06/2012; e agrega no Ag 1.413.481/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/03/2012. […]”.
43
Vejamos, nesse sentido, a passagem de Tepedino ao atualizar a obra de Pereira (2012, p. 112 e 113): “Nesta mesma
vertente, o art. 403 do Código Civil, na esteira do regime anterior (art. 1.060 do Código Civil de 1916), vincula-se à teoria
da causalidade necessária, por considerar ressarcíveis ‘os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela
[inexecução] direto e imediato’. À conta da locução ‘direto e imediato’ afasta-se o ressarcimento sempre que causa
autônoma mais próxima interrompa o nexo de causalidade, rompendo assim a necessariedade entre causa e efeito
danoso. Exige-se, portanto, para a ressarcibilidade do dano, liame de necessariedade entre causa (conduta) e efeito
(dano). A noção de causalidade necessária encontra-se consagrada na jurisprudência, ainda que a terminologia adotada
nem sempre seja uniforme, preferindo-se, por vezes, as expressões causalidade adequada ou causalidade eficiente. O
entendimento, por outro lado, não exclui, em princípio, a possibilidade de dano indireto no direito brasileiro, como
ocorre na hipótese do art. 948, II, do Código Civil, desde que presente a necessariedade entre determinada conduta e o
dano indireto produzido” (original grifado).
O mesmo Tepedino dedica ao tema do nexo causal um interessante estudo específico: TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre
o Nexo de Causalidade. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 63-81. v. 2.
44
O art. 942 do Código Civil afirma: “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”.
45
Nesse mesmo sentido, pode ser vista a doutrina de José de Aguiar Dias em Da responsabilidade civil. 12. ed. atual. por
Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 797 e 798: “Admite-se como causa de isenção de responsabilidade
o que se chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a ato ou fato exclusivo da vítima, pela qual
fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso. É fácil de ver a vantagem que resulta de
tal concepção, mais ampla que a da simples culpa, mediante um simples exemplo. Não responde, decerto, uma empresa
de transporte urbano, pela morte do indivíduo que se atira voluntariamente sob as rodas do ônibus. Aí, é possível

27
chamada “culpa concorrente da vítima”, na qual, conforme vimos (item 1.2), há sim uma parcela
de nexo causal atribuível ao apontado como causador do dano. A dificuldade, em suma, passa a
ser a determinação desse percentual causal, o que só pode ser feito caso a caso. Contudo, para
mitigar essa dificuldade, a jurisprudência tem preferido fazer a “redução à metade” no montante
dos danos comprovados pela vítima.46
Outra excludente do nexo causal é o chamado “fato de terceiro”, sendo a primeira
dificuldade a determinação de quem, efetivamente, pode ser entendido como terceiro. Este deve
ser visto como aquele “completamente estranho ao binômio autor-vítima do dano”, pois, se tiver
alguma relação jurídica com o apontado autor do dano, inexistirá fundamento para a exclusão da
responsabilidade. Assim, não podem ser considerados “terceiros” os causadores diretos do dano,
elencados no art. 932, em relação aos responsáveis legais.47
Por fim, deve ser observado que essa excludente aproxima-se enormemente da hipótese de
caso fortuito/força maior, residindo a diferença, porém, no fato de que, nesta última, não se
consegue determinar quem foi o causador efetivo do dano, tal como ocorre, por exemplo, no
dano atribuível a “ato de multidão”. Esclarece, a respeito, Pereira (2012, p. 396):

Nos seus efeitos, a excludente oriunda do fato de terceiro assemelha-se à do


caso fortuito ou de força maior, porque, num e noutro, ocorre a
exoneração. Mas, para que tal se dê na excludente pelo fato de terceiro, é
mister que o dano seja causado exclusivamente pelo fato de pessoa estranha.
Se para ele tiver concorrido o agente, não haverá isenção de
responsabilidade: ou o agente responde integralmente pela reparação, ou
concorre com o terceiro na composição das perdas e danos. É de se

menção à culpa da vítima. Suponhamos, entretanto, que esse indivíduo é louco. Mas, por isso, responderá a empresa,
quando o fato foi de todo estranho à sua atividade? Claro que não”.
46
Com toda razão, Tepedino, Barboza e Bodin (2012, p. 869) afirmam: “A fixação da indenização deve se dar, nos termos
do art. 945, de forma proporcional à gravidade da culpa da vítima em confronto com a gravidade da culpa do ofensor. A
ponderação fica a cargo do juiz. A verdade é que muitas vezes os tribunais, na impossibilidade de eleger um único
responsável pelo evento, têm reduzido a indenização a 50% (cinquenta por cento) do valor total do dano”. Exemplo deste
entendimento foi o decidido no Agravo Interno do Agravo em Recurso Especial 940990/MG, Terceira Turma, Rel. Min.
Marco Aurélio Belizze, julgado em 27 de setembro de 2016, em cuja ementa se lê: “[...] 2. "No caso de atropelamento de
pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela
metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha
férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de
cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a
via férrea em local inapropriado" (REsp 1.172.421/SP, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em
08/08/2012, DJe 19/09/2012). [...]”.
47
São esclarecedoras as palavras de Pereira (2012, p. 394): “Conceitua-se em termos mais sutis a caracterização do terceiro
como excludente de responsabilidade civil. Esta se decompõe nos dois polos, ativo e passivo: as pessoas do agente e da vítima.
Considera-se, então, terceiro qualquer outra pessoa, estranha a este binômio, que influi na responsabilidade pelo dano. Mas,
para que seja excludente, é mister que por sua conduta atraia os efeitos do fato prejudicial e, em consequência, não
responda o agente, direta ou indiretamente, pelos efeitos do dano. Exemplifica-se como não sendo terceiros os filhos, os
tutelados, os empregados, os aprendizes, os discípulos, os executores de um contrato etc. Ao dizê-lo em termos sintéticos, a
conduta do terceiro é ativa, porque é o seu comportamento que implica a realização do fato danoso”.

28
considerar, também, que se a ação foi intentada contra o agente e a
responsabilização do terceiro for reconhecida, sem, contudo, absolver-se o
defendente, cabe a este ação regressiva contra o causador do dano.
Diversamente, se for invocada a escusativa fundada em caso fortuito ou de
força maior, e esta não for reconhecida, o defendente não tem ação de in
rem verso, devendo suportar os efeitos da condenação. (original grifado)

Contudo, deve ser lembrado que também a distinção entre caso fortuito e força maior é
marcada por flagrante imprecisão. Em verdade, muitos são os critérios empregados para tentar
diferenciar uma hipótese de outra, afirmando-se, por exemplo, que o caso fortuito seria um ato
humano ao passo que a força maior é um fenômeno da natureza. Para outros autores, porém, é
justamente o contrário. Por fim, há aqueles que utilizam o critério da imprevisibilidade para
diferenciar as duas figuras, afirmando que a força maior é “previsível, mas de consequências
inevitáveis”, ao passo que o fortuito seria “imprevisível e, portanto, inevitável”.
Parece possível, porém, simplificar as coisas, adotando-se a solução do próprio Código Civil,
o qual, no art. 393, aproxima as duas figuras, dando-lhes o mesmo efeito fundamental, qual seja,
afastar o nexo causal e, em consequência, a própria responsabilidade civil. Observemos, ainda, que o
mesmo é feito pelo parágrafo púnico do citado art. 393, o qual busca, inclusive, decompor os
elementos da excludente, não fazendo referência, em nenhum momento, à previsibilidade ou
imprevisibilidade do “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.48
O que não está positivado, porém – e, atualmente, revela-se como a questão mais
importante quanto ao tema –, é a diferenciação entre fortuito interno e fortuito externo. A
importância reside no fato de que o fortuito interno, entendido como aquele evento que “guarda
conexidade” com a atividade, não é visto como excludente, o que se verifica na hipótese de
fortuito externo.

48
O art. 393 do Código Civil afirma: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir”.
No mesmo sentido do afirmado acima, pode ser recordado, uma vez mais, Pereira (2012, p. 398) que, com precisão,
afirma: “Estes e outros critérios diferenciais adotados pelos escritores procuram extremar o caso fortuito da força maior.
Preferível será, todavia, não obstante aceitar que abstratamente se diferenciem, admitir que na prática os dois termos
correspondem a um só efeito, como observa Alfredo Colmo, que, em última análise, é a negação da imputabilidade”.

29
O problema é que, sendo fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial, não se
consegue, de antemão, determinar quais fatos devem ser considerados como fortuito interno, não
excludente, e quais poderão ser considerados como excludentes da responsabilidade, na qualidade
de fortuito externo.49 Esse é o desafio atual do intérprete, sendo certo que o passar do tempo pode
mesmo converter uma hipótese em outra.50
Por fim, deve ser observado que as excludentes do nexo causal, aqui estudadas, não devem
ser confundidas com a chamada “cláusula de não indenizar”, a ser estudada no último módulo.
De fato, nesta última hipótese, estarão presentes todos os requisitos da responsabilidade civil, mas
não haverá lugar para a reparação do dano por força de uma cláusula contratual específica. O
tema será aprofundado no Módulo 4 (item 4.4).
Por falar em dano, chegou a hora de encerrar este módulo e inaugurar o Módulo 2, todo
dedicado ao estudo desse tema central da responsabilidade civil.

49
Exemplo jurisprudencial de fortuito externo é o roubo do veículo em estacionamento de lanchonete. Nesse sentido foi o
decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1218620/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 15 de agosto de 2013, cuja ementa afirma: “1. A força maior deve ser entendida, atualmente, como espécie do
gênero fortuito externo, do qual faz parte também a culpa exclusiva de terceiros, os quais se contrapõem ao chamado
fortuito interno. O roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra é fato de terceiro equiparável a força maior, que deve
excluir o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva" (REsp 976.564/SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, DJe 23/10/2012).
2. A desconstituição das conclusões a que chegou o Colegiado a quo em relação à ausência de responsabilidade da
lanchonete pelo roubo ocorrido em seu estacionamento, como pretendido pelo recorrente, ensejaria incursão no acervo
fático da causa, o que, como consabido, é vedado nesta instância especial, nos termos da Súmula nº 7 desta Corte
Superior”.
50
Isso já era afirmado por Dias (2012, p. 791), com fundamento na doutrina do clássico Arnoldo Medeiros (Caso fortuito e
teoria da imprevisão): “Não há acontecimentos que possam, a priori, ser considerados casos fortuitos; tudo depende das
condições de fato em que se verifique o evento. O que é hoje caso fortuito, amanhã deixará de sê-lo, em virtude do
progresso da ciência ou da maior previdência humana”.

30
MÓDULO II – O DANO COMO ELEMENTO
ESSENCIAL

Neste módulo, estudaremos o dano, desde o seu conceito e os seus requisitos até as suas
espécies. Falaremos ainda sobre a teoria da perda de uma chance e os elementos mais citados para
a sua quantificação. Vamos juntos!

O dano reparável e a teoria da perda de uma chance


O dano, ou prejuízo, pode ser visto como toda ofensa a um bem jurídico. Esse conceito nos
remete ao Livro II da Parte Geral, dedicado aos “Bens”, mas, por ora, basta recordar a
diferenciação entre bens jurídicos econômicos e bens jurídicos não econômicos. Aqueles são os bens
apreciáveis em dinheiro, tais como o automóvel, o apartamento, ao passo que estes não são
dotados de expressão pecuniária, tais como a honra, a vida, a liberdade e outros tantos.
A importância dessa classificação é entender a principal divisão do dano, a saber: a distinção
entre danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais, muitas vezes chamado de dano moral. Essa
classificação considera o bem ou o interesse lesado e não propriamente o efeito da lesão.51 Antes,

51
Vejamos, nesse sentido, Schreiber (2013d, p. 134) quando afirma: “Com efeito, a concreta lesão a um interesse
extrapatrimonial verifica-se no momento em que o bem objeto do interesse é afetado. Assim, há lesão à honra no
momento em que a honra da vítima vem a ser concretamente afetada, e tal lesão em si configura dano moral. A
consequência (dor, sofrimento, frustração) que a lesão à honra possa vir a gerar é irrelevante para a verificação do dano,
embora possa servir de indício para a análise de sua extensão, ou seja, para a quantificação da indenização a ser
concedida. Nem aí, todavia, é imprescindível. E, certamente, em nada auxilia como critério de verificação do merecimento
de tutela dos interesses lesados”.
Em sentido contrário pode ser vista a doutrina de Dias (2012, p. 839) quando afirma que “quando ao dano não
correspondem às características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral. A distinção, ao
contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter
da sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a
um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material”.
porém, de estudar cada uma das espécies, é necessário apresentar os requisitos comuns a ambas,
quais sejam, a atualidade e a certeza.52
A atualidade do dano significa dizer que, quando a ação de reparação for ajuizada, o dano já
deve ter sido verificado. Contudo, em muitos casos, certos efeitos de determinada conduta ou
atividade danosa só serão verificados após o ajuizamento da ação. Sirva de exemplo uma pessoa
que é atropelada e passa, de imediato, por uma cirurgia reparadora, ficando alguns dias
hospitalizada. Contudo, a junta médica que analisa o caso informa que serão necessárias, ao
menos, mais duas cirurgias reparadoras.
O valor a ser gasto, no futuro, poderá ser, desde logo, reclamado em uma ação de
reparação? A resposta é positiva, desde que exista certeza de que as novas cirurgias serão realizadas,
não se tratando, portanto, de mera conjectura ou mera possibilidade. Percebemos, assim, que o
dano “futuro”, entendido como aquele que só poderá ser determinado após o ajuizamento da
ação, pode sim ser reparado, desde que exista certeza quanto à sua verificação.53 Precisa, nesse
sentido, a doutrina de Miragem (2015, p. 216):

Originalmente, convergiam os entendimentos acerca do não cabimento de


indenização nas hipóteses de dano futuro. Todavia, essa conclusão derivava
de certa confusão entre dano futuro e dano eventual. Todo dano eventual é

52
Vejamos, nesse sentido, a doutrina de Pereira (2012, p. 58), que afirma: “A doutrina entende que o dano, como
elemento da responsabilidade civil, há de ser atual e certo” (grifos no original).
53
Assim entendeu o STJ no Recurso Especial 347978/RJ (Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em
18 de abril 2002) quando se afirmou que: “[...] 4. A necessidade de cirurgias reparadoras durante alguns anos justifica o
deferimento de verba para custear essas despesas, mas sem a imediata execução do valor para isso arbitrado, uma vez
que o numerário necessário para cada operação deverá ser antecipado pela empresa-ré sempre que assim for
determinado pelo juiz, de acordo com a exigência médica. A devedora constituirá um fundo para garantir a exigibilidade
dessa parcela. 5. O valor do dano estético, que na verdade foi deferido para cobrir as despesas com as cirurgias a que
necessariamente será submetida a pequena vítima, fica mantido. [...]”. A necessidade de constituição de capital para o
caso de reparação civil, aliás, foi objeto do Verbete 313 da Súmula da jurisprudência dominante do STJ, o qual afirma: “Em
ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia
de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado”. Posteriormente a este enunciado,
foi inserido o art. 475-Q no Código de Processo Civil de 1973, sendo o mesmo tema previsto pelo art. 533, embora este
dispositivo somente faça referência à obrigação de prestar alimentos: “Art. 533. Quando a indenização por ato ilícito
incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure
o pagamento do valor mensal da pensão.
§ 1o O capital a que se refere o caput, representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis suscetíveis de
alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto
durar a obrigação do executado, além de constituir-se em patrimônio de afetação.
§ 2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa
jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em
valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.
§ 3o Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução
ou aumento da prestação.
§ 4o A prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário-mínimo.
§ 5o Finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as
garantias prestadas”.

32
de probabilidade futura, subordinado à incerteza. Porém, nem todo dano
futuro é incerto. Por essa razão, deve ser indenizado o dano futuro quando
se apresentarem duas condições: a) serem os prejuízos inevitáveis e, por isso
mesmo, dotados de certeza, tais como os já verificados; b) seja possível
determinar e avaliar, antecipadamente, esses prejuízos. Ou seja, tratando-se
de dano futuro, porém certo, será indenizável.

Falar em certeza do dano significa afirmar que não se repara o dano “hipotético”.54 O
problema surgiu quando a doutrina francesa passou a afirmar que, ainda que não se possa afirmar
a extensão do dano, é possível reparar a chance perdida. Surgiu, assim, a chamada “teoria da perda
de uma chance”, que no Brasil também é conhecida como “teoria da perda da oportunidade”.
Embora já existam escritos específicos e um bom número de julgados sobre o tema, certo é que
referida teoria ainda é marcada por muitas controvérsias.55
Seria essa hipótese um “meio-termo” entre o dano emergente e o lucro cessante? Se assim
fosse, não seria admitida a reparação do dano extrapatrimonial por perda de uma chance, o que
não é verdade. Outras questões: a chance perdida está submetida a um percentual mínimo para
que, efetivamente, não se repare a mera possibilidade? O que é necessário para que exista uma
chance “séria” ou “certa” e, portanto, reparável?
Estas últimas perguntas permanecem controversas. Certo é, porém, que o STJ já afastou a
aplicação da teoria na hipótese de “chance ínfima”, como no caso em que se pleiteava a reparação
de danos materiais pelo não conhecimento, em razão da intempestividade, de embargos de
declaração em recurso de revista enviados por Sedex, cujo atraso foi atribuído ao mau
funcionamento dos Correios.56 Em outra ocasião, tendo reconhecido a existência do dano,

54
Vejamos, entre outros, o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 98353/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 16 de agosto de 2016), quando se afirmou que: “[...] 2. Dano hipotético é aquele ainda não verificado,
eventual, que pode vir a ocorrer ou não. Na hipótese dos autos, conforme consignado no acórdão, os danos já foram
constatados. A irresignação acerca dos valores necessários à reparação do dano não se confunde com a existência de
danos hipotéticos. [...]”.
55
Entre as obras específicas, podem ser citados: Savi (2012) e Silva (2013).
Como julgado paradigmático, pode ser recordado o caso “Show do Milhão” (Recurso Especial 788459/BA, Quarta Turma,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 8 de novembro de 2005), cuja ementa afirma: “[...] 1. O questionamento, em
programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica
percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade
da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de
lucrar, pela perda da oportunidade”.
56
Recurso Especial 1210732/SC, Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 2 de outubro de 2012, cuja
ementa afirma: “[...]. Descabe, no caso, a condenação dos Correios por danos materiais, porquanto não comprovada sua
ocorrência. Também não estão presentes as exigências para o reconhecimento da responsabilidade civil pela perda de
uma chance, uma vez que as alegações de danos experimentados pelo autor se revelam extremamente fluidas. Existia
somente uma remota expectativa e improvável possibilidade de seu cliente se sagrar vitorioso na demanda trabalhista,
tendo em vista que o recurso cujo prazo não foi cumprido eram embargos de declaração em recurso de revista no
Tribunal Superior do Trabalho, circunstância que revela a exígua chance de êxito na demanda pretérita. [...]”.

33
reduziu o valor da reparação do dano moral por entender não ser possível afirmar a extensão da
“vantagem” que poderia ser obtida.57
Tais dificuldades, no entanto, estando também presentes em outras situações de danos
reparáveis, não devem levar ao abandono da teoria.
Falemos agora de uma questão já consagrada, a saber: as espécies do dano patrimonial.

O dano patrimonial e as suas espécies


Desde o Direito Romano, são conhecidas como espécies do dano patrimonial o dano
emergente (damnum emergens) e o lucro cessante (lucram cessans). Tais espécies também foram
consagradas no Direito Brasileiro, estando expressamente referidas nos arts. 402 e 403 do Código
Civil.58 Segundo esses dispositivos, o dano emergente deve ser visto como aquele valor
“efetivamente” perdido por alguém. Não é por outra razão que, para a sua determinação, é
comum a invocação da “teoria da diferença”, devendo a vítima demonstrar como estava o seu
patrimônio antes do evento danoso e como ficou depois deste. Essa diferença corresponde,
justamente, ao dano emergente.

Recorde-se, porém, que o Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil caminhou em sentido contrário, afirmando que:
“Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois,
conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano
patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”.
57
Foi o que se observou no Recurso Especial 1254141/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4 de
dezembro de 2012, que afirma: “[...] 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de
uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações,
há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de
ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.
2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas
situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em
princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.
3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade.
Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à
indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da
difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.
4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo
final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma
redução proporcional. [...]”.
58
Recorde-se o disposto nos arts. 402 e 403 do Código Civil: “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as
perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os
lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

34
Oportuno lembrar, porém, a advertência de Miragem (2015, p. 170):

A parcela em que se reduziu o patrimônio da vítima considera-se dano.


Todavia, note-se que, para efeito de cálculo da indenização do dano
patrimonial, essa noção nem sempre é diferença. Isso porque o propósito
principal da indenização no dano patrimonial será sua função reparatória,
de restituição do estado anterior à sua ocorrência. Desse modo, nem
sempre há de se identificar exata correspondência entre o valor da perda
econômica havida pela vítima e aquele necessário para recompor o bem
ou o direito.

A maior dificuldade, portanto, reside na determinação do lucro cessante, em especial


pelo fato de o Código Civil adotar como único critério expresso a “razoabilidade” do valor
que alguém deixou de lucrar. Essa dificuldade é apontada por Guedes (2011, p. 343 e 344)
em trabalho específico:

Daí já se vê a importância, bem como a necessidade, de as decisões serem


amplamente motivadas. O art. 402 do CC não autoriza, de modo algum,
que o juiz julgue de forma arbitrária, sem observar cada uma das
circunstâncias do caso concreto, tampouco o exime de fundamentar sua
decisão, mas apenas lhe confere maior discricionariedade. Se a
fundamentação feita pelo juízo do fato não for cuidadosa e rigorosa,
jamais se aproximará da avaliação discricionária ideal, que também deve
levar em conta as peculiaridades do dano que se pretende reparar.
Consistirá, quando muito, numa mecânica operação matemática, sem
qualquer juízo de ponderação. Só uma avaliação dinâmica dos lucros
cessantes permitirá que o princípio da reparação integral cumpra o seu
papel de remover todo o dano, e apenas este, do patrimônio do lesado.
Há que se determinar qual a utilidade que o lesado retirava do interesse
violado. Apenas por meio da restituição desta utilidade é que se poderá
dizer que a reparação realizou sua função específica: a de excluir o dano
do patrimônio do lesado, de modo que este figure na mesma situação em
que estaria se o evento danoso não tivesse se verificado.

Na tentativa de afastar essas inúmeras dificuldades, são conhecidas algumas formas para
estabelecer critérios objetivos, tais como a referência a uma “média diária” de ganhos a ser
multiplicada pelo número de dias parados na conhecida hipótese do taxista que deixa de utilizar o

35
seu veículo por força de uma colisão.59 Em outras situações, porém, a referência à “razoabilidade”
não é capaz de esclarecer a questão, não podendo o julgador, de todo modo, deixar de exercer a
sua função jurisdicional.60
Observemos, ainda, que o citado art. 403 esclarece que a reparação do dano patrimonial
não admite qualquer forma de punição ou desestímulo ao ofensor, “ainda que a inexecução
resulte de dolo do devedor”, ou seja, ainda que tenha havido a intenção em causar o dano. Assim,
para o dano patrimonial é perfeitamente possível afirmar que deve ser reparado “todo dano, mas
nada além do dano”.61 Também por essa razão a chamada reparação “punitiva” ou “pedagógica”
sempre esteve relacionada ao dano extrapatrimonial, sendo este, no entanto, um tema ainda
controverso em nosso País, como veremos a seguir.

O dano extrapatrimonial e a sua reparação


A primeira observação que deve ser feita quando se fala do dano extrapatrimonial é que este
ainda não encontra um regramento legal específico. De fato, a única referência expressa a essa
espécie de dano, em todo o Código Civil, continua sendo o art. 186, que nada esclarece, a não ser
a possibilidade de vir a ser reparado.62 Dessa forma, inúmeras são as controvérsias acerca do tema,
a começar pela possível sinonímia entre dano extrapatrimonial e dano moral. Para alguns autores,
tais expressões são, realmente, sinônimas, ao passo que, para outros, a expressão dano

59
Vejamos, nesse sentido, o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 897028/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Marco
Aurélio Belizze, julgado em 22 de novembro de 2016, cuja ementa afirma: “[...] 2. O dano material está relacionado com
os valores desembolsados pelo autor, que exerce a profissão de taxista e restou impossibilitado de utilizar o seu veículo,
em razão do acidente objeto da demanda. Infirmar as conclusões das instâncias ordinárias demandaria o reexame de
provas. Incidência da Súmula 7/STJ. [...]”.
60
Foi o que afirmou o STJ no julgamento do Recurso Especial 1549467/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze,
julgado em 13 de setembro de 2016, em que se lê: “[...] 3. A vedação ao non liquet, reconhecida pela ordem processual
inaugurada com o Código de Processo Civil de 1973, obsta ao julgador esquivar-se de seu munus público de prestar a
adequada tutela jurisdicional, com fundamento exclusivo na impossibilidade de formação de seu livre convencimento.
4. Na instrução probatória, o CPC/73, além de dotar o poder Judiciário de suficientes poderes instrutórios, ainda
estabeleceu regra objetiva de distribuição do ônus da prova, a fim de efetivamente viabilizar o julgamento do mérito,
mesmo nos casos de produção probatória insuficiente.
5. A utilização de presunções não pode ser afastada de plano, uma vez que sua observância no direito processual
nacional é exigida como forma de facilitação de provas difíceis, desde que razoáveis.
6. Na apreciação de lucros cessantes, o julgador não pode se afastar de forma absoluta de presunções e deduções,
porquanto deverá perquirir acerca dos benefícios legítimos que não foram realizados por culpa da parte e adversa. Exigir
prova absoluta do lucro que não ocorreu, seria impor ao lesado o ônus de prova impossível. [...]”.
61
Vale a referência ao decidido pelo STJ no Recurso Especial 1553790/PE, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 25 de outubro de 2016, quando se afirmou que: “[...] 7. A reparação de danos patrimoniais tem por
finalidade fazer com que o lesado não fique numa situação nem melhor nem pior do que aquela que estaria se não fosse
o evento danoso. Então, no cálculo da indenização dos lucros cessantes, devem ser computados não apenas as despesas
operacionais e os tributos, mas também outros gastos que o prejudicado teria em regular situação. [...]”.
62
Recordemos, uma vez mais, o disposto no art. 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”.

36
extrapatrimonial é mais ampla, abrangendo o dano moral e outras espécies de danos reparáveis,
tais como o dano à imagem e o dano estético. Neste curso, daremos preferência ao uso da expressão
dano extrapatrimonial.
Nesse sentido, a nova controvérsia passa a ser a conceituação desta espécie, podendo-se
adotar um conceito amplo, que entende ser o dano extrapatrimonial qualquer “ofensa aos direitos
da personalidade”, ou um conceito mais restrito, que afirma ser o dano extrapatrimonial uma
ofensa aos “aspectos componentes da dignidade da pessoa humana”.63
Percebemos, assim, que as duas visões divergem, basicamente, quanto à possibilidade de a
pessoa jurídica vir a ser vítima de dano extrapatrimonial, o que é admitido pela primeira visão e
negado pela segunda. Aquela é, sem dúvida, majoritária, tendo, inclusive, obtido consagração
expressa no Verbete 227 da Súmula da Jurisprudência do STJ.64 Os precedentes desse verbete
afirmam que a pessoa jurídica é dotada de um “reconhecimento” na sociedade, ou de uma “honra
objetiva”, a qual pode ser violada, por exemplo, por força de um protesto indevido de um título
por ela emitido.65

63
Favorável a um conceito mais amplo é a posição de Cavalieri Filho (2014, p. 108 e 109): “Em sentido amplo dano moral
é violação de algum direito ou atributo da personalidade. Relembre-se, como já assentado, que os direitos da
personalidade constituem a essência do ser humano, independentemente de raça, cor, fortuna, cultura, credo, sexo,
idade, nacionalidade. [...] Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a
sua titela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética –, razão pela qual podemos defini-lo, de forma
abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade. Em razão de sua natureza imaterial,
o dano moral é insuscetível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária
imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização” (original grifado).
Ao contrário, como grande defensora do conceito restrito de dano extrapatrimonial, pode ser citada Maria Celina Bodin
de Morais (2009, p. 183 e 184): “Nesse sentido, o dano moral não pode ser reduzido à ‘lesão a um direito da
personalidade’, nem tampouco ao ‘efeito extrapatrimonial da lesão a um direito subjetivo, patrimonial ou
extrapatrimonial’. Tratar-se-á sempre de violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um
prejuízo material, seja violando direito (extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando, em relação à sua dignidade,
qualquer ‘mal evidente’ ou ‘perturbação’, mesmo se ainda não reconhecido como parte de alguma categoria jurídica”.
64
O Verbete 227 da Súmula do STJ afirma: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
65
Entre outros precedentes podem ser citados os seguintes: 1) Recurso Especial 161913/MG (Terceira Turma, Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 22 de setembro de 1998), que afirma: “1. Tendo ciência inequívoca o banco
endossatário de que as duplicatas eram fraudulentas, sem lastro algum, deve o mesmo responder pelos danos morais
decorrentes do protesto.
2. Incidência, na espécie, da vedação da Súmula nº 07/STJ quanto à verificação da boa-fé do endossatário, afastada no
Acórdão recorrido.
3. Ressalvada a posição deste Relator, tem direito a pessoa jurídica de postular indenização por danos morais
ocasionados por ofensa à sua honra. Precedentes da Corte. [...]”; 2) Recurso Especial 177995/SP (Quarta Turma, Rel. Min.
Barros Monteiro, julgado em 15 de setembro de 1998), cuja ementa afirma: “[...]. A pessoa jurídica pode ser sujeito
passivo de danos morais, considerados estes como violadores de sua honra objetiva. Precedentes. [...]”.

37
Contra essa visão pode ser ponderado que, tratando-se de pessoa jurídica com fins lucrativos
(sociedades), parece impossível isolar a sua finalidade lucrativa do seu “reconhecimento social”, de
forma que a possível ofensa sempre terá como consequência uma redução dos seus lucros. Assim,
toda ofensa a uma sociedade simples ou a uma sociedade empresária deve ser considerada como
uma hipótese de dano patrimonial, ainda que a sua quantificação só possa ser feita por arbitramento.
Tratando-se, porém, de pessoa jurídica sem fins lucrativos (associações e fundações), é
possível reconhecer que esta necessita de um “reconhecimento social” para a sua própria
existência, e o abalo desse reconhecimento pode ser entendido como equiparável ao dano
extrapatrimonial, devendo, igualmente, ser fixado por arbitramento. Por essa razão, parcela da
doutrina tem denominado esta última espécie de dano “institucional”, reservando a expressão
dano “moral” somente para as ofensas à pessoa humana. Nesse sentido é a doutrina de Tepedino
(2007, p. XXIX e XXX), quando afirma:

Descartada a equiparação dos direitos tipicamente atinentes às pessoas


naturais (integridade psicofísica, pseudônimo, etc.) vê-se que não é
propriamente a honra da pessoa jurídica que merece proteção, nem em
vertente subjetiva tampouco em caráter objetivo. A tutela da imagem da
pessoa jurídica – atributo mencionado, assim como a honra, pelo artigo
20 – tem sentido diferente da tutela da imagem da pessoa humana.
Nesta, a imagem é atributo de fundamental importância, de inspiração
constitucional, inclusive para a manutenção de sua integridade
psicofísica. Já para a pessoa jurídica com fins lucrativos, a preocupação
resume-se aos aspectos pecuniários derivados de um eventual ataque à sua
atuação no mercado. O ataque que na pessoa humana atinge a sua
dignidade, ferindo-a psicológica e moralmente, no caso da pessoa jurídica
repercute em sua capacidade de produzir riqueza, no âmbito da iniciativa
econômica por ela legitimamente desenvolvida. Há que se resguardar,
todavia, a necessária diferenciação entre as pessoas jurídicas que aspiram
ao lucro e aquelas que se orientam por outras finalidades.
Particularmente neste último caso não se pode considerar (como ocorre
na hipótese de empresas com finalidade lucrativa) que os ataques sofridos
pela pessoa jurídica acabem por se exprimir na redução de seus lucros,
sendo espécie de dano genuinamente material. Cogitando-se, então, de
pessoas jurídicas sem fins lucrativos, deve ser admitida a possibilidade de

38
configuração de danos institucionais, aqui conceituados como aqueles que,
diferentemente dos danos patrimoniais ou morais, atingem a pessoa
jurídica em sua credibilidade ou reputação” (original grifado).66

As dificuldades, porém, não param por aqui. Em verdade, discute-se qual seria a essência do
dano extrapatrimonial, sendo corrente a afirmação de que deve ser entendida como a “dor” ou o
“sofrimento”. Tal afirmação, contudo, não parece precisa, em especial se for realmente admitido o
dano extrapatrimonial da pessoa jurídica, a qual, certamente, não “sofre”.67 Assim, é necessário
reconhecer que a dor ou o sofrimento são uma consequência possível, mas não necessária, do dano
extrapatrimonial, o qual já se terá verificado, justamente, quando ocorreu a violação aos aspectos
componentes da dignidade da pessoa humana.68
Talvez por essa razão o STJ tenha construído a tese de que o dano extrapatrimonial é um
dano in re ipsa, isto é, cuja comprovação é dispensada, bastando a demonstração do fato que teria
dado origem ao dano.69 A solução parece bem interessante à primeira vista, mas gera profunda

66
Em sentido semelhante, pode ser visto Schreiber (2013c, p. 469-473), especialmente quando afirma que: “É nítida, de
fato, a fronteira entre a violação à honra da pessoa humana e o abalo à reputação de que goza a pessoa jurídica nas suas
relações negociais. Não há aqui extensão ou equiparação possível, já que as situações atendem a valores inteiramente
distintos à luz do texto constitucional. Mesmo as pessoas jurídicas de direito público e as chamadas entidades
filantrópicas (sem fins lucrativos) não podem ser equiparadas à pessoa humana em termos de proteção à honra. Quando
se afirma que abusos sexuais são cometidos em uma escola, não se atinge sua ‘honra’, mas sim a atividade desenvolvida,
o que, mesmo em se tratando de entidade sem fins lucrativos, gera efeitos patrimoniais, como o cancelamento de
matrículas, o descrédito da marca e a dificuldade de contratação de empregados. São prejuízos que, por mais drásticos,
têm natureza econômica, ainda que ligados a bens ideais. São prejuízos que nada têm a ver com direitos da
personalidade, que são, por definição, privativos do ser humano”.
67
Oportuno recordar, uma vez mais, a doutrina de Moraes (2009, p. 192): “A propósito, não se pode deixar de assinalar a
enorme incongruência da jurisprudência nacional, seguida pela doutrina majoritária, no sentido, de um lado, de insistir
que o dano moral deve ser definido como dor, vexame, tristeza e humilhação e, de outro lado, de defender a ideia de que
as pessoas jurídicas são passíveis de sofrer dano moral. Das duas, uma: ou bem não mais se sustenta aquela definição – e
outra, mais ampla, faz-se necessária –, ou bem a pessoa jurídica, pela sua própria natureza, não tem legitimidade para tal
tipo de compensação”.
68
Veja-se, nesse sentido, Schreiber (2013d, p. 133): “A toda evidência, a dor não representa elemento ontológico do dano
moral, mas puro reflexo consequencialística, que pode se manifestar ou não, sem que isto elimine o fato da lesão a um
interesse extrapatrimonial. Aliás, é justamente da confusão com a dor que deriva, em larga medida, o engano de se
tomar o dano moral não como a lesão a um interesse extrapatrimonial, mas como a consequência extrapatrimonial da
lesão a um interesse qualquer”.
69
Inúmeros são os julgados que afirmam a natureza in re ipsa da reparação do dano moral. Podem ser destacados os
mais recentes: 1) Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 953108/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado
em 14 de fevereiro de 2017), cuja ementa afirma: “[...] 2. A iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-
se no sentido de que a demora em promover a baixa do gravame não configura um simples descumprimento contratual,
o qual acarretaria tão somente um mero dissabor, mas verdadeiro dano moral, passível de reparação. Assim,
comprovada a ocorrência do fato ofensivo, configurado estará o dano moral, porquanto in re ipsa. Precedentes. [...]”; 2)
Recurso Especial 1642318/MS (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7 de fevereiro de 2017), que afirma:
“[...] 4. As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, assegurada
a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02.
5. A sensibilidade ético-social do homem comum na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor
e submissão, sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da
espécie do dano moral in re ipsa.
6. Sendo presumido o dano moral, desnecessário o embate sobre a repartição do ônus probatório. [...]”.

39
insegurança jurídica para o jurisdicionado, o qual não tem como saber, de antemão, quais são os
fatos capazes de gerar dano extrapatrimonial. Somente por meio de previsão legal específica ou da
edição de súmulas poderá afirmar-se que determinada situação é capaz de gerar tal espécie de
dano.70 Sobre o tema, é válida a referência a Schreiber (2013d, p. 204), quando afirma:

Na teoria do dano in re ipsa parece, contudo, residir um grave erro de


perspectiva, ligado à própria construção do dano extrapatrimonial e à sua
tradicional compreensão como pretium doloris. Em outras palavras, a
afirmação do caráter in re ipsa vem quase sempre vinculada a uma
definição consequencialística de dano moral, muito frequentemente
invocada a partir da sua associação com a dor ou o sofrimento. [...]. A
verdade, no entanto, é que a dor não define, nem configura elemento
hábil à definição ontológica do dano. Como já demonstrado, trata-se de
uma mera consequência, eventual, da lesão à personalidade e que, por
isso mesmo, mostra-se irrelevante à sua configuração.

Outra controvérsia diz respeito aos legitimados para essa reparação. Quanto a esse tema, e
na tentativa de evitar um elevado número de demandas, os tribunais têm aplicado o disposto no
art. 1.829 do Código Civil, dispositivo que trata da vocação hereditária.71 Recordando-se, porém,
que a herança nada mais é que o “patrimônio post mortem”, é criticável essa solução, uma vez que
se utiliza um dispositivo que trata de questões patrimoniais para reparar um dano de natureza
extrapatrimonial. Tal solução jurisprudencial pode ainda ter o efeito de afastar a reparação em
favor do noivo e tornar incerta a reparação de parentes, em especial dos colaterais.72

70
São exemplos de Súmulas do STJ, entre outras: “1) Súmula 385: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao
crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao
cancelamento; 2) Súmula 388: A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral”.
71
O art. 1.829 do Código Civil dispõe: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da
comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da
comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais”.
72
Foi o que se afirmou no julgamento do Recurso Especial 1076160/AM (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,
julgado em 10 de abril de 2012), cuja ementa afirma: “[...] 2. Assim, como regra – ficando expressamente ressalvadas
eventuais particularidades de casos concretos –, a legitimação para a propositura de ação de indenização por dano moral
em razão de morte deve mesmo alinhar-se, mutatis mutandis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações.
3. Cumpre realçar que o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais
diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o
alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio
do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados. A
mencionada válvula, que aponta para as múltiplas facetas que podem assumir essa realidade metamórfica chamada
família, justifica precedentes desta Corte que conferiu legitimação ao sobrinho e à sogra da vítima fatal.

40
Também marcada pela polêmica é a questão relativa ao caráter punitivo ou pedagógico da
reparação. É, sem dúvida, majoritário o entendimento de que a reparação do dano
extrapatrimonial deve servir de desestímulo ao ofensor, mas tal concepção não é isenta de críticas,
em especial pela ausência de previsão legal expressa, tendo tal forma de reparação, portanto, sido
“importada” de outros ordenamentos, os quais são fundamentados em bases diversas.73 Seria até
mesmo contrária ao disposto no art. 944, parágrafo único, do Código Civil, o qual, como visto,
só admite a redução (e não o aumento!), da reparação com fundamento na gravidade da culpa.74
Não se discute, porém, acerca do caráter “compensatório” da reparação do dano extrapatrimonial.
De todo modo, sendo majoritário o entendimento favorável ao caráter pedagógico da
reparação, a nova dificuldade passa a ser a definição de um limite para essa reparação. É
amplamente majoritário o entendimento de que não deve levar ao “enriquecimento sem causa” da
vítima, solução, porém, lamentável do ponto de vista dogmático, uma vez que este importante
instituto não tem nenhuma relação com a reparação do dano, exigindo requisitos distintos.75

4. Encontra-se subjacente ao art. 944, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002, principiologia que, a par de
reconhecer o direito à integral reparação, ameniza-o em havendo um dano irracional que escapa dos efeitos que se
esperam do ato causador. O sistema de responsabilidade civil atual, deveras, rechaça indenizações ilimitadas que
alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a
conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados. E, a toda evidência, esse exagero ou desproporção da
indenização estariam presentes caso não houvesse – além de uma limitação quantitativa da condenação – uma limitação
subjetiva dos beneficiários.
5. Nessa linha de raciocínio, conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportaram
a dor da perda de alguém – como um sem-número de pessoas que se encontram fora do núcleo familiar da vítima –
significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar um dano cuja extensão será sempre desproporcional
ao ato causador. Assim, o dano por ricochete a pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta da morte, de
regra, deve ser considerado como não inserido nos desdobramentos lógicos e causais do ato, seja na responsabilidade
por culpa, seja na objetiva, porque extrapolam os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente.
6. Por outro lado, conferir a via da ação indenizatória a sujeitos não inseridos no núcleo familiar da vítima acarretaria
também uma diluição de valores, em evidente prejuízo daqueles que efetivamente fazem jus a uma compensação dos
danos morais, como cônjuge/companheiro, descendentes e ascendentes.
7. Por essas razões, o noivo não possui legitimidade ativa para pleitear indenização por dano moral pela morte da noiva,
sobretudo quando os pais da vítima já intentaram ação reparatória na qual lograram êxito, como no caso. [...]”.
73
Exemplo desta doutrina majoritária pode ser encontrado em Pereira (2012, p. 84), que, ao se referir à reparação do dano
extrapatrimonial, afirma: “O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do
caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da
indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma
concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A
isso é de se acrescer que, na reparação do dano moral, insere-se uma atitude de solidariedade à vítima”.
No mesmo sentido é o pensamento de Cavalieri Filho (2014, p. 126) quando afirma, de forma singela: “A indenização
punitiva do dano moral surge como reflexo da mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos
bem definidos: a prevenção (através da dissuasão) e a punição (no sentido de redistribuição)”.
74
Recordemos, uma vez mais, o disposto no art. 944 do Código Civil: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do
dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização”.
75
É copiosa a jurisprudência do STJ que utiliza a “vedação ao enriquecimento sem causa” como limite para a reparação do
dano moral. Entre outros julgados pode ser citado o seguinte o Recurso Especial 1440721/GO, Quarta Turma, Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, julgado em 11 de outubro de 2016, cuja ementa afirma: “[...] 4. admite-se a revisão do valor fixado a
título de condenação por danos morais em recurso especial quando ínfimo ou exagerado, ofendendo os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.
5. A indenização por danos morais possui tríplice função, a compensatória, para mitigar os danos sofridos pela vítima; a
punitiva, para condenar o autor da prática do ato ilícito lesivo, e a preventiva, para dissuadir o cometimento de novos

41
Basta pensar que, tendo havido dano – por maior que ele seja – a reparação sempre tem como
pressuposto a sua ocorrência, reconhecida por sentença, e não o pagamento de um valor além
deste, que, portanto, seria “indevido”.76
Por não contar com o batismo legislativo que lhe defina os critérios e por não ser possível a sua
objetiva demonstração, sempre se optou pelo arbitramento judicial para a quantificação da reparação
dessa espécie de dano. Nesse arbitramento, tornou-se recorrente a adoção de alguns critérios, em
especial a referência às condições econômicas do ofensor e do ofendido. Novamente aqui podem ser
feitas inúmeras críticas, em especial pelo fato de se recorrer a critérios econômicos (ou patrimoniais)
para reparar um dano de natureza extrapatrimonial. Trata-se de uma flagrante incongruência capaz de
gerar perplexidades, como a fixação de valores bem discrepantes para situações fáticas essencialmente
semelhantes. Vale recordar, aqui, a crítica de Moraes (2009, p. 300):

Tanto a suposição de que pessoas de classes diferentes “sofrem” em valores


(quantias) diferentes quanto a de que todas as pessoas têm os mesmos
sentimentos (donde concluir que não é cabível especificar-se, em relação ao
caso concreto, a indenização) decorrem da errônea suposição de que é o
“sentimento” o que deve ser avaliado. Daí, aliás, o engano profundo em
que recaem todas as decisões que se arrogam conjecturar sobre os
sentimentos dos outros e acabam julgando apenas com base na aparência,
isto é, com base nas condições econômicas da vítima e do ofensor.

A fim de evitar tais disparidades, tem sido comum a fixação de “tabelas”, ainda que oficiosas,
de reparação, as quais também não resolvem de todo o problema, pois deixa de considerar
possíveis peculiaridades do caso concreto. Exemplo, no STJ, é a “padronização” de que o “dano

atos ilícitos. Ainda, o valor da indenização deverá ser fixado de forma compatível com a gravidade e a lesividade do ato
ilícito e as circunstâncias pessoais dos envolvidos.
6. Indenização no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), a cargo de cada recorrido, que, no caso,
mostra-se adequada para mitigar os danos morais sofridos, cumprindo também com a função punitiva e a preventiva,
sem ensejar a configuração de enriquecimento ilícito. [...]”.
76
Observemos que o instituto do enriquecimento sem causa, com toda razão, é previsto em um Título distinto do Código
Civil (Título VII) e não no Título dedicado à responsabilidade civil. Dispõem os arts. 884 a 886, que tratam do
enriquecimento sem causa: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a
coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se
esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do
prejuízo sofrido”.
No mesmo sentido, pode ser vista a doutrina de Moraes (2009, p. 301 e 302): “Se a vítima vive em más condições econômicas,
isto não significa que ela estará fadada a apresentar para sempre tais condições. Pior, o argumento mais utilizado para justificar
a adoção do critério da condição econômica da vítima – o que diz tratar-se de evitar enriquecimento sem causa – parece
configurar um mero pretexto. Ora, a sentença de um juiz, arbitrando o dano moral, é razão jurídica mais do que suficiente para
impedir que se fale, tecnicamente, de enriquecimento injustificado. O enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os
efeitos nefastos de lesão à dignidade humana, é mais do que justificado: é devido”.

42
morte” deve ser reparado em 500 salários-mínimos, ainda que se invoque um “caráter bifásico”
para que se alcance esse patamar.77 Nesse sentido a crítica de Schreiber (2013b, p. 190 e 191)
quando afirma:

Nada obstante, o temor das altas indenizações parece fortemente presente


no imaginário jurídico brasileiro. Prova disto é o Projeto de Lei
150/1999, que fixa limites quantitativos à indenização por dano moral.
Em um absurdo retorno ao tabelamento das indenizações, o projeto,
aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal,
divide o dano moral em leve, médio e grave, estipulando tetos máximos
de 20 mil, 90 mil e 180 mil reais, respectivamente. A proposta não é
apenas o oposto da tendência de proteção integral à pessoa, que
recomenda que cada dano e cada vítima sejam tratados em sua
particularidade; é também inconstitucional, visto que a Constituição de
1988 assegura a compensação dos danos morais, sem estabelecer
limitações de qualquer espécie.

Assim, parece possível afirmar que a melhor solução seria considerar as condições pessoais (e
não econômicas!) da vítima, bem como a própria dimensão do dano. Com fundamento nesses
pressupostos, poderia ser dito, por exemplo, que o dano morte deve obter uma reparação superior
ao dano lesão corporal (critério da dimensão do dano), ao passo que a perda de uma perna por
uma bailarina deve receber uma reparação superior à perda de uma perna por uma pessoa que não
alimente o sonho da dança (critério das condições pessoais da vítima). A essa mesma conclusão
chega Moraes (2009, p. 332) quando afirma:

4. Apenas os elementos atinentes às condições pessoais da vítima e à


dimensão do dano, correspondente este último tanto à sua repercussão
social quanto à sua gravidade, devem ser levados em conta para, afinal,

77
A defesa do “método bifásico” para a reparação do dano extrapatrimonial é feita por Sanseverino (2011, p. 288 a 290).
Na jurisprudência do STJ, tal método ganhou expressa referência no julgamento do Recurso Especial 1473393/SP, Quarta
Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 4 de outubro de 2016, cuja ementa afirma: “[...] 8. O método bifásico,
como parâmetro para a aferição da indenização por danos morais, atende às exigências de um arbitramento equitativo,
pois, além de minimizar eventuais arbitrariedades, evitando a adoção de critérios unicamente subjetivos pelo julgador,
afasta a tarifação do dano, trazendo um ponto de equilíbrio pelo qual se consegue alcançar razoável correspondência
entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, bem como estabelecer montante que melhor corresponda às
peculiaridades do caso.
9. Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização é arbitrado tendo-se em conta o interesse jurídico lesado, em
conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos).
10. Na segunda fase, ajusta-se o valor às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias (gravidade do fato em
si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes), procedendo-se à fixação
definitiva da indenização, por meio de arbitramento equitativo pelo juiz. [...]”.
 

43
estabelecer-se a indenização, em concreto, com base na relação entre tais
componentes. Assim, por exemplo, o juiz poderá dissociar cada uma
dessas duas variáveis em outras tantas, mas deve examinar, sempre, a
situação anterior da vítima; de fato, tem-se que analisar a situação
posterior (tendo o dano já ocorrido) em comparação com a situação
anterior, para se verificar qual é a medida (extensão) do dano em relação
à pessoa da vítima. Só assim será possível começar-se a resolver o
problema do quantum debeatur e achar um nível de compensação que
seja, no caso concreto, eficiente e adequado.
5. Tendo em mente as condições pessoais da vítima, passa-se ao exame
do dano. Em relação a esta variável, há uma objetividade bem maior, a
qual também deverá vir explicitada na ratio decidendi. Assim, quanto à
magnitude, o dano pode ser considerado, sempre em relação à pessoa da
vítima, pequeno, médio, grande, infinito (morte); quanto à duração, o
dano poderá ser temporário, de curto, médio e longo prazo, ou
permanente; enfim, quanto à repercussão social do dano, esta poderá ser
reduzida, média ou ampla.

Estudado o tormentoso tema da reparação do dano extrapatrimonial, podemos passar ao


estudo das outras espécies deste mesmo gênero de danos.

As outras espécies de dano extrapatrimonial


Além do dano extrapatrimonial estudado até aqui, é também conhecida a figura do dano
estético. A primeira controvérsia quanto a este último é se, de fato, constitui uma espécie
autônoma ou se se confunde com o dano extrapatrimonial.78 Prevalece a tese da autonomia,
podendo, inclusive, ser cumulado com o “dano moral”, nos precisos termos do Verbete 387 da
Súmula da Jurisprudência do STJ.79
Para se chegar a esse entendimento, é preciso ver o dano estético como “violação da
compleição física de alguém”, tal como se observa, por exemplo, nos casos de perda de um dos
membros. Nessa situação, portanto, segundo o STJ, a pessoa poderá obter uma reparação pela
perda do membro distinta da reparação a título de “dor ou sofrimento”, que seria o dano “moral”

78
Contrária à cumulação das duas espécies de danos é a doutrina de Cavalieri Filho (2014, p. 136): “Embora tenha
acolhido esse entendimento como julgador para evitar desnecessários recursos especiais, em sede doutrinária continuo
convicto de que o dano estético é modalidade do dano moral e que tudo se resume a uma questão de arbitramento. Em
razão da sua gravidade e da intensidade do sofrimento, que perdura no tempo, o dano moral deve ser arbitrado em
quantia mais expressiva quando a vítima sofre deformidade física”. Favorável, porém, à tese da cumulação das duas
espécies é a doutrina de Tartuce (2016, p. 441-443).
79
O Verbete 387 da Súmula da Jurisprudência do STJ afirma: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e
dano moral”.

44
propriamente dito. Foi o que se afirmou, por exemplo, no julgamento do Agravo Regimental no
Agravo em Recurso Especial 607118/DF (Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em
24 de fevereiro de 2015), cuja ementa dispõe:

1. Mostra-se razoável a fixação em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para o


dano moral e R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o dano estético como
reparação do evento danoso (colisão de veículos) que provocou lesões
graves na vítima (fratura no ombro direito), consideradas as
circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes.
2. Este Sodalício Superior altera o valor indenizatório por dano moral e
estético apenas nos casos em que a monta arbitrada pelo acórdão
recorrido for irrisória ou exorbitante, situação que não se faz presente.

Também se tem admitido o dano à imagem, o qual encontraria fundamento no art. 5º, V e
X, da Constituição da República e no art. 20 do Código Civil.80 Contudo, embora previsto na Lei
Maior desde 1988, algumas dúvidas permanecem, a começar pela sua própria configuração.
De fato, essa espécie de dano esteve inicialmente ligada à utilização não autorizada da foto
de alguém, em especial quando tem “fins econômicos ou comerciais”. Nesse sentido foi, inclusive,
editado Verbete 403 da Súmula da Jurisprudência do STJ.81 Apesar disso, tal entendimento tem
sido alargado, seja para entender a “imagem” como violação da honra objetiva (ou “boa fama”) da

80
Eis o teor do art. 5º, V e X, da Constituição da República: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...]; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [...]”.
O art. 20 do Código Civil dispõe: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da
ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de
uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a
boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente,
são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”.
81
O Verbete 403 da Súmula da Jurisprudência do STJ afirma: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não
autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”. Um dos precedentes desta súmula diz respeito à
veiculação não autoriza, por órgão de imprensa, da foto que famosa atriz havia feito para um ensaio específico (Recurso
Especial 270730/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Menezes Direito, Relator para o acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em
19/12/2000): “[...] - É possível a concretização do dano moral independentemente da conotação média de moral, posto que a
honra subjetiva tem termômetro próprio inerente a cada indivíduo. É o decoro, é o sentimento de autoestima, de avaliação
própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios.
- Tem o condão de violar o decoro, a exibição de imagem nua em publicação diversa daquela com quem se contratou,
acarretando alcance também diverso, quando a vontade da pessoa que teve sua imagem exposta era a de exibi-la em ensaio
fotográfico publicado em revista especializada, destinada a público seleto.
- A publicação desautorizada de imagem exclusivamente destinada a certa revista, em veículo diverso do pretendido, atinge a
honorabilidade da pessoa exposta, na medida em que experimenta o vexame de descumprir contrato em que se obrigou à
exclusividade das fotos.
- A publicação de imagem sem a exclusividade necessária ou em produto jornalístico que não é próprio para o contexto,
acarreta a depreciação da imagem e, em razão de tal depreciação, a proprietária da imagem experimenta dor e sofrimento. [...]”.

45
pessoa, seja para proteger o nome de alguém contra a sua utilização não autorizada.82
Recentemente, também se tem dispensado a finalidade lucrativa, bastando a utilização, não
autorizada, da imagem.83
Discute-se, igualmente, a compatibilidade do dano extrapatrimonial com a tutela coletiva dos
direitos. Recordemos que, quando se fala em tutela coletiva, está-se pensando nas três espécies previstas
pelo art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a saber: a) interesses ou
direitos difusos; b) interesses ou direitos coletivos; c) interesses ou direitos individuais homogêneos.84

82
A confusão entre a imagem e a honra objetiva tem sido utilizada pelo STJ em especial para o caso de danos morais alegados
por pessoa jurídica. Vejamos, nesse sentido, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1397460/RJ (Quarta Turma, Rel.
Min. Raul Araújo, julgado em 10 de novembro de 2015), cuja ementa afirma: “[...] 2. ‘Toda a edificação da teoria acerca da
possibilidade de pessoa jurídica experimentar dano moral está calçada na violação de sua honra objetiva, consubstanciada em
atributo externalizado, como uma mácula à sua imagem, admiração, respeito e credibilidade no tráfego comercial. Assim, a
violação à honra objetiva está intimamente relacionada à publicidade de informações potencialmente lesivas à reputação da
pessoa jurídica’ (AgRg no AREsp 389.410/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 2/2/2015). Incidência da Súmula
227/STJ. [...]”.
A referência à imagem na hipótese de utilização indevida do nome de alguém ocorreu por ocasião do julgamento do Recurso
Especial 1020936/ES (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 17 de fevereiro de 2011), quando se afirmou que:
“[...] 4. O nome é um dos atributos da personalidade, mediante o qual é reconhecido o seu portador, tanto no campo de sua
esfera íntima quanto nos desdobramentos de suas relações sociais. Ou seja, é através do nome que se personifica, individua e
identifica exteriormente uma pessoa, de forma a impor-lhe direitos e obrigações.
5. A inclusão equivocada dos nomes de médicos em "Guia Orientador" de Plano de Saúde, sem expressa autorização, constitui
dano presumido à imagem, gerador de direito à indenização, inexistindo necessidade de comprovação de qualquer prejuízo.
Vale dizer, o dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, sendo dispensável a demonstração do prejuízo
material ou moral. [...]”.
83
Vejamos, nesse sentido, o decidido pelo STJ no Recurso Especial 1217422/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 23 de setembro de 2014) cuja ementa dispõe: “[...]. 3. Para a configuração do dano moral pelo uso não
autorizado da imagem de menor não é necessária a demonstração de prejuízo, pois o dano se apresenta in re ipsa.
4. O dever de indenizar decorre do próprio uso não autorizado do personalíssimo direito à imagem, não havendo de se cogitar
da prova da existência concreta de prejuízo ou dano, nem de se investigar as consequências reais do uso.
5. Revela-se desinfluente, para fins de reconhecimento da procedência do pleito indenizatório em apreço, o fato de o
informativo no qual indevidamente estampada a fotografia do menor autor não denotar a existência de finalidade comercial ou
econômica, mas meramente eleitoral de sua distribuição pelo réu. [...]”.
84
O art. 81 do CDC afirma: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em
juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou
direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si
ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum”.

46
A controvérsia decorre do fato de se ter sempre pensado o dano extrapatrimonial a partir da
perspectiva do indivíduo, tornando-o incompatível com a ideia da transindividualidade que
caracteriza as duas primeiras espécies aqui recordadas.85 O entendimento jurisprudencial e
doutrinário mais recente, porém, é favorável a essa reparação do “dano extrapatrimonial coletivo”,
o qual tem sido visto como a “ofensa aos valores fundamentais da sociedade”.86 A determinação
desses “valores”, entretanto, permanece como um ponto pouco claro, não sendo incomum o
reconhecimento desse dano como decorrência da própria violação da lei.87 Nessa situação,
contudo, a reparação do dano parece servir a uma finalidade claramente punitiva, o que, como
vimos, não parece refletir a sua verdadeira essência.
Por fim, também se debate acerca da possibilidade de dano extrapatrimonial fundado na
violação de um contrato, o chamado “dano moral contratual”. Sabe-se que o art. 475 do Código
Civil reconhece que o inadimplemento contratual é capaz de gerar “perdas e danos”,
fundamentando, assim, a responsabilidade civil contratual.88 Contudo, essas perdas e esses danos
sempre foram entendidos nos termos dos citados arts. 402 e 403 do mesmo diploma civil, isto é,

85
O próprio STJ comungava desse entendimento, como se pode ver no julgamento do Recurso Especial 598281/MG (Primeira
Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. para o acórdão Min. Teori Zavascki, julgado em 2 de maio de 2006), cuja ementa afirma:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO
MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE
TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO).
RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO”.
86
Exemplo desse novo entendimento jurisprudencial foi o decidido no Recurso Especial 1438815/RN (Terceira Turma, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 22 de novembro de 2016), assim ementado: “[...] - O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral
de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do
ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade,
pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. Precedentes.
- não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato
transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir
verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. [...]”.
Na doutrina nacional, pode ser vista a seguinte passagem de Schreiber (2013c, p. 461): “Em que pesem todas essas imprecisões
e dificuldades, a ideia defendida sob a denominação de dano moral coletivo é inteiramente compatível com nossa experiência
jurídica. Cumpre notar, nesse sentido, que a Constituição brasileira reserva expressa proteção a diversos interesses que
transcendem a esfera individual. A tutela do meio ambiente, da moralidade administrativa, do patrimônio histórico e cultural
são apenas alguns exemplos de interesses cuja titularidade não recai sobre um indivíduo, mas sobre uma dada coletividade ou
sobre a sociedade como um todo. Se a ordem jurídica se dispõe a tutelares tais interesses, é evidente que a sua violação não
pode restar admitida, sob pena de tornar inútil o comando normativo. Para prevenir ou remediar a lesão a tais interesses, a
ordem jurídica pode disponibilizar remédios específicos (e.g., mandado de segurança coletivo). Em nosso sistema, o remédio
residual, aplicável a qualquer caso, mesmo à falta de menção expressa do legislador, é a ação de reparação de danos.
Tecnicamente, não há razão para excluir tal caminho no tocante aos interesses supraindividuais”.
87
É o que parece ser possível deduzir do julgamento do Recurso Especial 1397870/MG (Segunda Turma, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, julgado em 4 de dezembro de 2014), cuja ementa afirma: “[...] 11. A prática de venda casada por parte
de operadora de telefonia é capaz de romper com os limites da tolerância. No momento em que oferece ao consumidor
produto com significativas vantagens – no caso, o comércio de linha telefônica com valores mais interessantes do que a
de seus concorrentes – e de outro, impõe-lhe a obrigação de aquisição de um aparelho telefônico por ela comercializado,
realiza prática comercial apta a causar sensação de repulsa coletiva a ato intolerável, tanto intolerável que encontra
proibição expressa em lei. 12. Afastar, da espécie, o dano moral difuso, é fazer tabula rasa da proibição elencada no art.
39, I, do CDC e, por via reflexa, legitimar práticas comerciais que afrontem os mais basilares direitos do consumidor. [...]”.
88
O art. 475 do Código Civil afirma: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se
não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

47
como abrangentes somente do dano patrimonial.89 Por essa razão, a afirmação de um dano
extrapatrimonial fundado no inadimplemento tem sido visto com reservas, tendo o STJ cunhado
o entendimento de que “o mero inadimplemento contratual não gera dano moral”.
Dessa forma, somente a situação que supera o “mero inadimplemento” poderá ensejar a
reparação desta espécie de dano, tal como se tem observado, por exemplo, nos casos envolvendo
planos de saúde ou aquisição de imóvel na planta.90 Sobre o tema, pode ser vista a doutrina de
Cavalieri Filho (2014, p. 112):

Outra conclusão que se tira desse novo enfoque constitucional é a de que


mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econômico não
configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade
humana. Os aborrecimentos deles decorrentes ficam subsumidos pelo
dano material, salvo se os efeitos do inadimplemento contratual, por sua
natureza ou gravidade, exorbitarem o aborrecimento normalmente
decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera
da dignidade da vítima, quando, então, configurarão o dano moral.

Terminamos, assim, o estudo do dano reparável e podemos, agora, passar ao


interessantíssimo estudo da responsabilidade civil nas relações de consumo.

89
Recordemos o disposto nos arts. 402 e 403 do Código Civil: “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as
perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os
lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
90
Em relação à demora na entrega de imóvel adquirido na planta, pode ser visto o decidido no Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento 1161069/RJ (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 16 de fevereiro de 2012),
cuja ementa afirma: “[...] 3. As instâncias ordinárias chegaram à conclusão de que a ocorrência de dano moral, no caso,
decorreu do não cumprimento de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, cujo atraso trouxe tensão,
ansiedade, angústia e desequilíbrio no estado emocional, circunstâncias que extrapolam o mero aborrecimento. A
valoração pretendida pela recorrente, em relação ao dano moral, é vedada pela Súmula 7/STJ. [...]”.
Quanto ao dano moral por força da negativa de cobertura, pelo plano de saúde, de uma intervenção contratualmente
prevista, pode ser recordado o decidido no Agravo Regimental em Recurso Especial 1533684/SP (Quarta Turma, Rel. Min.
Marco Buzzi, julgado em 16 de fevereiro de 2017), quando se afirmou: “[...] 3. Nos termos em que delineado no acórdão
recorrido, a hipótese em tela não traduziu mero dissabor pelo inadimplemento contratual, tendo em vista que a recusa
na negativa de cobertura do procedimento cirúrgico e fornecimento de materiais, causou aborrecimento e sofrimento
que superam os do cotidiano, passíveis de reparação. [...]”.

48
MÓDULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL
NO CDC

Este módulo será iniciado pelo estudo dos conceitos fundamentais, a saber: consumidor,
fornecedor, produto e serviço. Em seguida, serão estudados os responsáveis pelo acidente de
consumo e, logo após, os requisitos para a ocorrência da responsabilidade. Por fim, estudaremos
as excludentes desta responsabilidade, ou seja, as defesas que o fornecedor poderá alegar.

Os conceitos fundamentais do CDC


Inicialmente, deve ser recordado que a proteção do consumidor encontra assento na
Constituição da República, em especial nos arts. 5º, XXXII, e 170, V91. Além desses, o art. 48 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) previa um prazo de 120 meses para a
aprovação de “Código de Defesa do Consumidor”, prazo muito superado, uma vez que, como
sabido, o referido Código só foi promulgado em 11 de setembro de 1990 (Lei nº 8.078).92
O referido diploma (o popular CDC) teve como primeiro desafio apresentar um conceito
normativo de consumidor, uma vez que, embora tal palavra tenha sido usada pelo constituinte,
certo é que, até 1990, não encontrava uma definição precisa. O CDC, porém, não apresenta um
único conceito de consumidor, e sim quatro conceitos, sendo o primeiro chamado de

91
Os arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição da República afirmam: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; XXXII - o Estado promoverá, na
forma da lei, a defesa do consumidor [...]”; “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...]; V - defesa do consumidor; [...]”.
92
O art. 48 do ADCT dispõe: “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,
elaborará código de defesa do consumidor”.
“consumidor padrão” (ou em sentido estrito), e os demais são conhecidos como “consumidores
por equiparação” ou “consumidores equiparados”.
O consumidor padrão está previsto no art. 2º, caput, do CDC, sendo “a pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Percebe-se que, do
ponto de vista subjetivo, não há nenhuma restrição no conceito, pois qualquer “pessoa” pode ser
consumidora. Essa já é uma peculiaridade do CDC, uma vez que, em muitos países, o conceito de
consumidor é restrito à pessoa física, ou ao não profissional. Do ponto de vista objetivo, o CDC
refere-se ao produto ou serviço, conceitos também normativos, que serão estudados a seguir. Por
fim, pode ser observado um elemento teleológico no conceito de consumidor, justamente a
referência à destinação final na aquisição do produto ou no recebimento do serviço.
É justamente essa “destinação final” que desde 1990 tem suscitado debates doutrinários e
controvérsias jurisprudenciais, em especial quando se trata de enquadrar a pessoa jurídica ou o
profissional no conceito de consumidor. Na tentativa de explicar esse elemento teleológico,
surgiram duas importantes vertentes doutrinárias, a saber: os maximalistas e os finalistas.
Aqueles, pioneiros do Direito do Consumidor, afirmavam que a destinação final inclui somente
a destinação final fática do produto ou serviço, bastando, portanto, a sua aquisição. Tal concepção
tinha a grande vantagem de ampliar o alcance do CDC, em especial em uma época em que o direito
privado ainda estava em grande medida preso ao disposto no velho Código Civil de 1916. Contudo,
essa visão parecia ampliar demais o conceito de consumidor, não justificando a existência de uma lei
especial, que, por isso mesmo, só deveria ser aplicada a certas relações jurídicas.
Por essa razão, surgem os finalistas, os quais defendem que a destinação final inclui tanto
o elemento fático quanto o econômico. Assim, não basta a aquisição do produto, sendo necessário,
também, demonstrar que cessou toda a cadeia produtiva, isto é, que aquele produto ou serviço
não foi utilizado para nenhuma outra finalidade. Foram os finalistas, portanto, que fizeram, pela
primeira vez, a distinção entre consumo (quando há destinação final fática e econômica) e insumo
(quando só há destinação final fática). Para esta visão, o CDC, sendo lei especial, deve realmente
ser aplicado a um número restrito de situações, permanecendo o Código Civil (agora o de 2002)
como a lei aplicável às relações jurídicas privadas em geral.
Os tribunais seguiam ora uma, ora outra, dessas concepções, tendo o próprio STJ
permanecido dividido entre uma visão “objetiva” (muito próxima do maximalismo) e uma visão
“subjetiva” (com vínculos próximos ao finalismo).93 A Segunda Seção deste Tribunal, na tentativa
de uniformizar o entendimento das turmas, terminou por adotar uma visão mais próxima do
finalismo, afirmando, por exemplo, que não há relação de consumo entre um restaurante e
determinada empresa fornecedora do serviço de cartão de crédito, uma vez que esse serviço tem a
natureza de insumo para o serviço prestado pelo restaurante. Tal entendimento foi exarado, por

93
Sobre a evolução do pensamento das Turmas do STJ em relação ao conceito jurídico de consumidor, seja consentido
remeter a Calixto (2006, p. 315-356).

50
maioria de votos, no julgamento do Recurso Especial 541867/BA (Segunda Seção, Rel. Min.
Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. para o acórdão Min. Barros Monteiro, julgado em 10 de
novembro de 2004), que apresenta a seguinte ementa:

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE


EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO
POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE
CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE.
– A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou
jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade
negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma
atividade de consumo intermediária.
Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência
absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a
nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a
remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca.

Pouco depois desse julgado, porém, as Turmas de Direito Privado (Terceira e Quarta) passaram
a permitir que, “excepcionalmente”, se pudesse aplicar o CDC a casos em que seria discutível a
existência de destinação final do produto ou serviço. O fundamento invocado para a incidência do
CDC, nesses casos, passou a ser o reconhecimento da “vulnerabilidade” de uma das partes da relação,
ou seja, do consumidor. Em outras palavras, ainda que a aquisição do produto ou do serviço possa ter
uma finalidade aparentemente “profissional”, é possível a aplicação do CDC desde que uma das partes
venha a ser considerada vulnerável. A partir desse momento em que o foco passa a ser a
vulnerabilidade, afirma-se a adoção do finalismo “aprofundado” ou “mitigado”, sendo preferível esta
última expressão, uma vez que se afastam os rigores da “destinação final”. Exemplo da adoção dessa
nova interpretação do conceito de consumidor-padrão pode ser encontrado no julgamento do
Recurso Especial 1195642/RJ (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13 de
novembro de 2012), que apresenta a seguinte ementa:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA.


REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a
determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita
mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do
art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário
fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.

51
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo
intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as
cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o
preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser
considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele
que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma
definitiva do mercado de consumo.
3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor
por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma
aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num
processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado,
consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa
jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à
condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma
vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das
relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do
CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.
4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de
vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do
produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento
jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo)
e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo
psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao
fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade
informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de
influenciar no processo decisório de compra).
5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de
vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de
vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo.
Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de
vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a
relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme
o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei
nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a
equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.
6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por
danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando
inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade

52
de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de
telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o
referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à
consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma
vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora
frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante
aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica
mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts.
186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias
ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito
apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os
prejuízos suportados pela revendedora de veículos.
7. Recurso especial a que se nega provimento.

Observe-se, contudo, que o próprio CDC apresenta, como dito, três outros conceitos de
consumidor, os quais têm justamente por característica comum afastar o elemento teleológico
(destinação final), sendo chamados de “consumidores por equiparação”. O primeiro desses
conceitos consta do parágrafo único do art. 2º e afirma que “equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
O dispositivo tem por finalidade assegurar que a tutela do consumidor pode (e deve) ser feita
tanto individual quanto coletivamente.94 Dessa forma, conecta-se com o disposto no art. 81 do
diploma consumerista, assegurando a tutela dos direitos ou interesses coletivos em sentido amplo.
Uma situação concreta seria a defesa dos usuários de um serviço de telefonia que lançou mão de
uma prática abusiva (venda casada) para conquistar novos clientes.95
O segundo conceito de consumidor por equiparação consta do art. 17 do CDC e afirma que
“para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. A Seção aqui
tratada é a segunda do Capítulo IV do CDC, dedicada à “responsabilidade pelo fato do produto ou
do serviço”, cerne da responsabilidade civil consumerista. O referido dispositivo tem por finalidade

94
Recordemos o disposto no art. 81 do CDC: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos,
para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum”.
95
Foi o que se observou, por exemplo, no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 961976/MG
(Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13 de dezembro de 2016), cuja ementa afirma: “[...] 2. O
Ministério Público tem legitimidade processual para a propositura de ação civil pública objetivando a defesa de direitos
individuais homogêneos, mormente se evidenciada a relevância social na sua proteção.
3. no caso em apreço, a discussão transcende a esfera de interesses individuais dos efetivos contratantes, tendo reflexos
em uma universalidade de potenciais consumidores que podem ser afetados pela prática apontada como abusiva. [...]”.

53
estender a reparação dos danos decorrentes de produtos ou serviços defeituosos também em favor
daqueles que não adquiriram tais produtos ou serviços, mas se tornam vítimas destes.
O tema será aprofundado a seguir, mas, por ora, basta observar que o STJ tem precedente
exigindo que, para a aplicação dessa extensão, é necessária prévia existência de relação de
consumo, isto é, que alguém venha a ser considerado consumidor no sentido estrito do termo.96
Por fim, o terceiro conceito de consumidor por equiparação consta do art. 29 do CDC, o qual
afirma que “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Observe-se que o dispositivo está limitado
aos casos tratados nos Capítulos V e VI do CDC, ou seja, “Práticas Comerciais” e “Proteção
Contratual”. Naquele se destacam os temas das “práticas abusivas”, da “publicidade enganosa” e dos
“bancos de dados”, ao passo que neste merece ser recordado o tratamento das cláusulas contratuais
“abusivas” e a previsão do “contrato de adesão” tendo como um dos polos o consumidor.
O estudo dos conceitos de consumidor, contudo, só se completa com o estudo do conceito
de fornecedor, uma vez que só é possível falar em “relação jurídica de consumo”, não existindo
um dos polos quando não se verificar, concomitantemente, a existência do outro. Observe-se,
nesse sentido, que o conceito de fornecedor adotado pelo CDC foi o mais amplo possível, tal
como se deduz do art. 3º, que afirma:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional


ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

A clara finalidade da lei é realmente abranger o maior número possível de pessoas, físicas ou
jurídicas, e até mesmo os “entes despersonalizados”, merendo destaque, entre estes, a massa falida.

96
Esse entendimento foi exarado no julgamento do Recurso Especial 1125276/RJ (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 28 de fevereiro de 2012), cuja ementa firma: “[...] 3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor
por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da
relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação.
4. Em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de serviço de transporte, o terceiro vitimado em decorrência dessa
relação de consumo deve ser considerado consumidor por equiparação. Excepciona-se essa regra se, no momento do
acidente, o fornecedor não estiver prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relação de consumo de onde se possa
extrair, por equiparação, a condição de consumidor do terceiro. [...]”.
Observemos, porém, que o próprio comerciante – ordinariamente considerado uma espécie de fornecedor – pode vir a
ser vítima de um produto, nos termos deste art. 17. Vejamos, nesse sentido, o decidido no Recurso Especial 1288008/MG
(Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4 de abril de 2013), cuja ementa afirma: “[...] 1 -
Comerciante atingido em seu olho esquerdo pelos estilhaços de uma garrafa de cerveja, que estourou em suas mãos
quando a colocava em um freezer, causando graves lesões.
2 - Enquadramento do comerciante, que é vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor
estabelecido pela regra do art. 17 do CDC (bystander).
3 - Reconhecimento do nexo causal entre as lesões sofridas pelo consumidor e o estouro da garrafa de cerveja. [...]”.

54
Contudo, é necessário reconhecer que os tribunais realizaram uma “redução” no alcance do
dispositivo, não aceitando, por exemplo, que as pessoas de direito público, que prestam
diretamente um serviço público, sejam consideradas fornecedoras. Nesta hipótese, tem-se
considerado que, como a remuneração do serviço se dá mediante o pagamento de uma taxa, a
relação jurídica tem natureza tributária, não estando abrangida pelo CDC. Porém, caso tenha
ocorrido a delegação do serviço público, o qual passa a ser prestado por uma pessoa de direito
privado, sendo remunerado por tarifa ou preço público, possível será a incidência do CDC, sendo
o usuário do serviço um consumidor.
Veja-se, nesse sentido, o afirmado no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento
1402406/RJ (Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 16 de outubro de 2012), cuja
ementa dispõe:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO


REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. VIOLAÇÃO DOS
ARTS. 165, 458, 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO.
DEFICIÊNCIA. SÚMULA 284/STF. CDC. INCIDÊNCIA.
REGULARIDADE DA COBRANÇA COM BASE NO CONSUMO
AFERIDO PELO MEDIDOR. VERIFICAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. LEGALIDADE DA TARIFA
PROGRESSIVA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
SÚMULA 211/STJ.
1. Não se conhece de recurso especial por suposta violação dos arts. 165 e
458, II, III, e 535, I e II, do Código de Processo Civil, se a parte não
especifica o vício que inquina o aresto recorrido, limitando-se a alegações
genéricas de omissão no julgado, sob pena de tornar-se insuficiente a
tutela jurisdicional. Súmula 284/STF.
2. O enfrentamento das premissas estabelecidas pelo Tribunal de origem
sobre a ausência de comprovação da regularidade da cobrança realizada com
base no consumo apurado pelo hidrômetro, sobre a quem caberia esse ônus
probatório e o sopesamento da sucumbência recíproca implicaria o reexame
fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. Incidem as disposições do Código de Defesa do Consumidor nas
hipóteses de serviço público prestado por concessionária, pois a relação
jurídica tem natureza de Direito Privado e o pagamento é
contraprestação feita sob a modalidade de tarifa, que não se classifica
como taxa. Precedentes.

55
4. A insurgência no que se refere à legalidade da cobrança da tarifa de
forma progressiva não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, o
que caracteriza a ausência de prequestionamento. Incidência da
Súmula 211/STJ.
5. Agravo regimental não provido.

Os parágrafos primeiro e segundo deste art. 3º definem, respectivamente, produto e serviço.


O primeiro vem definido como “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Trata-
se, portanto, também de um conceito amplo, capaz de abranger praticamente toda espécie de
bem, entendido como “tudo aquilo que pode ser objeto de relação jurídica”97. Importante destacar
que não se exige que a aquisição do produto tenha sido remunerada, incluindo-se, portanto, neste
conceito, também as “amostras grátis”.98
O parágrafo segundo do art. 3º conceitua serviço da seguinte forma: “Serviço é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista”. Aqui, igualmente, verifica-se um conceito bastante amplo, somente estando
expressamente excluídas as relações de “caráter trabalhista”. Nada obstante o caráter didático da
definição, certo é que se questionou a aplicação do CDC às relações bancárias, sendo o principal
argumento o fato de a Constituição (art. 192) aparentemente exigir lei complementar para a
regulação da matéria. O STJ, porém, sempre entendeu que o CDC é sim aplicável a estas
relações, tendo confirmado esta visão com a edição do verbete 297 da sua Súmula de
jurisprudência dominante99. O tema foi igualmente debatido no STF por força da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.591 ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema
Financeiro (Consif), tendo referido tribunal afirmado que somente a regulamentação do Sistema
Financeiro exige a edição de lei complementar, podendo o CDC, na qualidade de lei ordinária,
regular a relação cotidiana entre as instituições financeiras e os seus clientes. Eis a ementa deste
julgado paradigmático (Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. para o acórdão Min. Eros
Grau, julgado em 07/06/2006):

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA


CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A

97
Sobre o tema dos Bens, seja consentido remeter a Calixto (2007, p. 153-180).
98
Também se inclui no conceito de produto o “sangue”, o qual não admite qualquer forma de comercialização
(Constituição da República, art. 199, § 4º): Recurso Especial 1322387/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,
julgado em 20 de agosto de 2013.
99
O Verbete 297 da Súmula da Jurisprudência do STJ afirma: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras”.

56
DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A
REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA
EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA
ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE
JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL.
SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.
1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência
das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é
toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final,
atividade bancária, financeira e de crédito.
3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do
Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição,
o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração
das operações passivas praticadas por instituições financeiras na
exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam
excluídas da sua abrangência.
4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva
macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.
5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de
fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual
das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de
dinheiro na economia.
6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete
às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a
definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações
passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da
intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo
Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário,
nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual
abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição
contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-
OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR
EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO
SISTEMA FINANCEIRO.
7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil
consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos

57
pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento
equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade.
8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da
Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do
sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º,
VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE
À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE
RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA.
9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa – a
chamada capacidade normativa de conjuntura – no exercício da qual lhe
incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das
instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano
do sistema financeiro.
10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação
por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.
11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional,
quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é
abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

Por fim, deve ser observado que o dispositivo só reconhece como serviço a atividade
remunerada. Contudo, essa remuneração tem sido entendida como direta ou indireta, isto é,
independentemente de um pagamento específico, tal como se verifica, por exemplo, na hipótese
de um shopping ou supermercado que não cobre nenhum valor pelo estacionamento dos veículos
dos clientes.100
Fixados os conceitos fundamentais do CDC, podemos passar ao estudo dos requisitos para
a reparação civil.

100
Vejamos, nesse sentido, o afirmado pelo STJ no julgamento do Recurso Especial 437649/SP (Quarta Turma, Rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 6 de fevereiro de 2003), assim ementado: “[...]. I - Nos termos do enunciado n.
130/STJ, ‘a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu
estacionamento’.
II - A jurisprudência deste Tribunal não faz distinção entre o consumidor que efetua compra e aquele que apenas vai ao
local sem nada dispender. Em ambos os casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do furto de
veículo.
III - A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e
segurança dos veículos estacionados no local, presumivelmente seguro. [...]”.
Na doutrina, pode ainda ser recordado o pensamento de Tartuce e Neves (2015, p. 100).

58
Os requisitos para a responsabilidade civil no CDC
Antes de iniciar, propriamente, o estudo da responsabilidade civil no CDC, é necessário um
breve esclarecimento. O diploma consumerista adotou a “Teoria da Qualidade” ao tratar dos
possíveis vícios dos produtos ou serviços. Segundo essa teoria, os vícios podem ser de três espécies:
a) vícios de qualidade por insegurança; b) vícios de qualidade por inadequação; e c) vícios de
quantidade.101 Os vícios de qualidade por insegurança são aqueles que atentam contra a saúde ou a
segurança do consumidor, sendo exemplos os smartphones que pegam fogo e os automóveis que
explodem. Tais vícios são gravíssimos, sendo tratados na seção relativa à “responsabilidade pelo
fato do produto ou serviço” (arts. 12 a 17), à qual se aplica o disposto no art. 27 do CDC, que
prevê um prazo de cinco anos para a prescrição da reparação civil, superior, portanto, ao prazo
previsto para a reparação no diploma civil (art. 206, § 3º, V).102
Os chamados vícios de qualidade por inadequação, por sua vez, são aqueles que
tornam o produto ou serviço incapazes de atingir a sua finalidade ou que reduzem o valor
destes. São, portanto, vícios menos graves, sendo tratados na Seção III do Capítulo IV,
intitulada “responsabilidade pelo vício do produto ou serviço” (arts. 18 a 25). A essa seção é
aplicável o prazo decadencial de 30 ou 90 dias para a reclamação do vício, tudo nos termos
do art. 26 do CDC.103
Por fim, são conhecidos os vícios de quantidade, os quais vêm previstos no art. 19 do CDC,
somente aplicável aos produtos, não havendo previsão para vício de quantidade no serviço. Este
vício, em suma, caracteriza-se pela disparidade entre a quantidade informada no rótulo ou
embalagem e a quantidade efetiva do produto, tal como se observa no caso de um pão vendido
como tendo 50 gramas, mas, em verdade, só possui 40 gramas.104
Nosso estudo, porém, limita-se aos vícios de qualidade por insegurança, os quais são
sinônimos do defeito normativamente previsto no art. 12, § 1º, para o “fato do produto”, e no art.

101
Sobre o tema, deve ser vista a doutrina de Benjamin (1991, p. 38-43).
102
O art. 27 do CDC afirma: “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do
produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do
dano e de sua autoria”.
O art. 206, § 3º, V, do Código Civil, por sua vez, dispõe: “Art. 206. Prescreve: [...]; § 3o Em três anos: [...]; V - a pretensão de
reparação civil”.
103
O art. 26 do CDC dispõe: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I -
trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de
fornecimento de serviço e de produtos duráveis”.
104
O art. 19 do CDC afirma: “Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto
sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações
constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir,
alternativamente e à sua escolha: I - o abatimento proporcional do preço; II - complementação do peso ou medida; III - a
substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV - a restituição
imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos”.

59
14, § 1º, para o “fato do serviço”.105 Assim, a “responsabilidade pelo fato do produto e do serviço”
(arts. 12 a 17) pode ser entendida como uma responsabilidade pelos produtos e pelos serviços
defeituosos, sendo também chamada de “responsabilidade pelos acidentes de consumo”. Tal
responsabilidade, porém, não deve ser entendida como uma responsabilidade pelo “risco da
atividade” ou pelo “risco do empreendimento”, uma vez que apresenta um pressuposto específico
– o defeito – não decorrendo da simples atividade. Por essa razão, a ausência de defeito no produto
ou no serviço, como veremos em breve, será capaz de afastar a própria responsabilidade.106
É oportuno recordar, por fim, que o conceito de defeito não é originalmente brasileiro,
tendo sido “importado” da Diretiva nº 85/374/CEE, a qual trata da “responsabilidade pelos
produtos defeituosos” no âmbito da Comunidade Econômica Europeia.107 Tal Diretiva
comunitária, que só trata de “produtos”, foi, sem dúvida, a grande fonte de inspiração do
legislador brasileiro, embora não tenha sido integralmente repetida por nossa legislação. Não foi
repetido, por exemplo, o art. 4º da norma comunitária, o qual impõe “ao lesado a prova do dano,
do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano”. Isso explica por que o estudo das “espécies
de defeito” é um tema muito comum entre os autores europeus, sendo pouco aprofundado no
Brasil, embora os autores nacionais costumem apontar como espécies de defeito, no caso de
produtos, os de “concepção”, “fabricação” e “informação” e, no caso de serviços, os de “prestação” e
de “informação”.108
Além do defeito, são também indispensáveis para a responsabilidade civil no CDC o dano e
o nexo causal entre o defeito do produto ou do serviço e o dano. Quanto a este elemento, não é
necessário nenhum novo esclarecimento além de tudo o que já foi dito anteriormente (Módulo
2), bastando recordar que, também aqui, estamos tratando do dano patrimonial e do dano
extrapatrimonial. A única observação a fazer, tratando-se de relação de consumo, é que não se tem
admitido a referência ao disposto no art. 944, parágrafo único, do Código Civil, como forma de

105
O art. 12, § 1º, do CDC afirma: “Art. 12. [...] § 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele
legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II
- o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação”. O art. 14, § 1º,
por sua vez, dispõe: “Art. 14. [...] § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele
pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II
- o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido”.
106
Não é possível, assim, concordar com Cavalieri Filho (2014, p. 544), quando afirma: “Na realidade, o Código do
Consumidor deu uma guinada de 180 graus na disciplina jurídica então existente, na medida em que transferiu os riscos
do consumo do consumidor para o fornecedor. Estabeleceu responsabilidade objetiva para todos os casos de acidente
de consumo, quer decorrentes do fato do produto (art. 12), quer do fato do serviço (art. 14). Pode-se, então, dizer que o
Código esposou a teoria do risco do empreendimento (ou da atividade empresarial), que se contrapõe à teoria do risco do
consumo” (original grifado).
107
O art. 6º da Diretiva nº 85/374/CEE afirma: “1. Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode
legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como: a) A apresentação do produto; b) A utilização
do produto que se pode razoavelmente esperar; c) O momento de entrada em circulação do produto”.
108
Para um estudo das diversas espécies de defeitos, recomendamos a leitura de Benjamin (1991, p. 61-65).
Na doutrina europeia, é válida a referência à magnífica obra de Silva (1990).

60
reduzir a reparação devida ao consumidor. Vige, assim, a regra da reparação integral do dano
sofrido pelo consumidor, o que, de resto, parece ser uma consequência do disposto no art. 6º, VI,
do próprio CDC.109
Na relação de consumo, não há nenhuma peculiaridade quanto ao tema do nexo de
causalidade, sendo suficiente remeter o leitor ao que já foi esclarecido acerca deste no item 1.4 do
Módulo 1. Inclusive as excludentes do nexo causal poderão ser invocadas, como veremos em
breve (item 3.4 deste Módulo).
Quanto à culpa, é necessário esclarecer que a responsabilidade civil no CDC é, em regra,
objetiva, dispensando esse requisito. Nesse sentido, basta a leitura do disposto no art. 12, caput e
no art. 14, caput, do diploma consumerista. Contudo, não se pode generalizar essa conclusão,
uma vez que o § 4º do art. 14 é muito claro ao afirmar que “a responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Percebemos, assim, que a lei ressalvou expressamente a responsabilidade dos “profissionais
liberais”, mantendo-a no âmbito da responsabilidade subjetiva. A razão parece ter sido econômica,
havendo o temor de que uma responsabilidade objetiva pudesse servir de desestímulo para o
exercício de alguma atividade pelos chamados “profissionais liberais”. É necessário, de todo modo,
não confundir o “profissional liberal” com o chamado “autônomo”, podendo ser dito que aquele
exerce uma atividade que exige um conhecimento qualificado, em geral de nível superior, o que
não se verifica no caso de autônomo. Foi essa, ao menos, a distinção estabelecida pelo STJ no
julgamento do Recurso Especial 1546114/ES (Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Vieira
Sanseverino, julgado em 17 de novembro de 2015), cuja ementa afirma:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.


PRESCRIÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DE SERVIÇOS.
MECÂNICO DE AUTOMÓVEL. NÃO ENQUADRAMENTO
COMO PROFISSIONAL LIBERAL, MAS COMO AUTÔNOMO.
LEGITIMIDADE PASSIVA DO CONTRATANTE DO SERVIÇO.
INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULAS
07 E 211/STJ.
1 - Ação de cobrança de serviços de mecânica de automóvel prestados em
junho de 2003, sendo a demanda proposta em fevereiro de 2010.
2 - A prescrição da pretensão de cobrança de serviço de conserto de
veículo por mecânico autônomo, por não se enquadrar na categoria de

109
Trata-se de um “direito básico” do consumidor: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]; VI - a efetiva
prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
A defesa da não incidência do art. 944, parágrafo único, do Código Civil aos danos causados no âmbito de uma relação de
consumo pode ser vista em Sanseverino (2011, p. 126).

61
profissional liberal, atrai a incidência da regra geral do art. 205 do CC
(dez anos).
3 - A regra especial do inciso II do parágrafo 5º do artigo 206 do CC
(cinco anos) tem interpretação restritiva, regulando apenas prazo de
prescrição dos serviços prestados por profissionais liberais.
4 - Considera-se profissional liberal aquela pessoa que exerce atividade
especializada de prestação de serviço de natureza predominantemente
intelectual e técnica.
5 - Afastada pelo Tribunal de origem a condição de profissional liberal
do prestador de serviços como mecânico autônomo, incide a regra geral
da prescrição decenal (art. 205 do CC).
6 - Legitimidade passiva do diretor de empresa que contrata diretamente
os serviços de conserto de veículo de propriedade da pessoa jurídica, em
especial, no caso concreto, em que se trata de mecânico autônomo.
Súmulas 211 e 07/STJ.
7 - Inocorrência de cerceamento de defesa. Sendo o juízo o destinatário
da prova (art. 130 e 131 do CPC), deve ele avaliar a sua necessidade,
considerando, inclusive, ter sido apresentada intempestivamente a
contestação.
8 - Incontroversos a realização do contrato verbal de prestação de serviço
e o inadimplemento da obrigação de pagamento do preço, desnecessária
dilação probatória para o desfecho da lide. Súmula 07/STJ.
9 - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

A referência ao profissional liberal torna oportuno o estudo dos demais responsáveis pela
reparação civil no CDC.

62
Os responsáveis pela reparação civil no CDC
Quanto aos responsáveis pela reparação civil, é interessante observar que, em relação ao fato
do produto, o CDC não repete o conceito de fornecedor do art. 3º, destacando, ao contrário, “o
fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador”. Percebemos,
assim, que foi expressamente excluído o comerciante, o qual tem a sua responsabilidade prevista
especificamente no art. 13.110 Essa escolha legislativa não é arbitrária e decorre do fato de o
comerciante ser considerado “mero entreposto” para permitir que o produto chegue,
efetivamente, ao consumidor. Em outras palavras, o comerciante também é surpreendido pela
existência de um defeito no produto, uma vez que o recebe lacrado ou embalado, sem
possibilidade de alterar o seu conteúdo.
Por essa razão, a responsabilidade recai, normalmente, sobre o fabricante, entendido como
aquele que transforma a matéria-prima em produto final. Tratando-se, porém, de produto imóvel,
será chamado a responder o construtor, nacional ou estrangeiro. O art. 12 prevê, ainda, a
responsabilidade do “produtor”, entendido como aquele que lança no mercado produtos
agropecuários. Por fim, também é prevista a responsabilidade do importador, que é aquele que
traz para o Brasil produtos fabricados no exterior. Assim, o importador aproxima-se enormemente
da figura do comerciante, só estando previsto como responsável “direto” a fim de evitar que o
consumidor brasileiro tenha de demandar o fabricante sediado no exterior.111
Além desses responsáveis “diretos” do art. 12, o art. 13 prevê, como dito, a responsabilidade
subsidiária do comerciante. Convém lembrar, porém, que, embora esta seja a expressão
consagrada, não se quer com isso afirmar que o comerciante poderá ser responsabilizado caso os
responsáveis estudados até aqui não disponham de bens suficientes. Ao contrário, o que se quer
afirmar é que o comerciante só poderá ser responsabilizado nas três hipóteses do art. 13, a saber,
quando: “I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser
identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis”.112

110
O art. 13 do CDC afirma: “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I- o
fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem
identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os
produtos perecíveis”.
111
O art. 12 do CDC dispõe: “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador
respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de
seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
Benjamin (1991, p. 56) apresenta três modalidades de responsáveis: “o real (o fabricante, construtor e produtor), o
presumido (o importador) e o aparente (o comerciante quando deixa de identificar o responsável real)”.
112
O art. 13 do CDC afirma: “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o
fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem
identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os
produtos perecíveis”.

63
Observemos que os dois primeiros incisos tratam do chamado “produto anônimo”, isto é,
aquele que não apresenta nenhuma identificação do seu fabricante, construtor, produtor ou
importador (inciso I) ou aquele em que essa identificação não é clara, servindo de exemplo o
produto que só informa o nome do supermercado e do fabricante, mas não dá maiores detalhes
deste, como endereço físico ou Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).
A terceira hipótese do art. 13 trata da má conservação de produtos perecíveis, conceito que
não deve ser confundido com o de produto não durável previsto no art. 26.113 De fato, produto
perecível deve ser entendido como aquele que exige um cuidado especial de conservação, tais
como os produtos congelados, ao passo que produto não durável é aquele de vida efêmera, tal
como um alimento já preparado.
Mais importante, porém, é destacar que, nos casos do art. 13, o comerciante poderá vir a
ser responsabilizado solidariamente com o fabricante, sendo aplicável o disposto no art. 7º,
parágrafo único, e também o disposto no art. 25, § 1º.114 Assim, se, no momento da propositura
da ação de reparação, não havia nenhuma identificação do fabricante, o comerciante demandado
não pode eximir-se dessa responsabilidade informado que é o verdadeiro fabricante do produto.
Ao contrário, poderá ser o comerciante responsabilizado, embora lhe sendo reconhecida uma ação
de regresso em face do fabricante com fundamento no art. 13, parágrafo único.115
Tal ação regressiva, aliás, é uma consequência da solidariedade, não sendo privativa do
comerciante em face dos demais responsáveis.116 Além disso, é necessário observar que esse
regresso não admite “denunciação da lide” por expressa vedação constante do art. 88, norma que
tem como finalidade assegurar a “celeridade processual” da ação movida pelo consumidor em face
de algum dos responsáveis solidários.117

113
Recordemos o disposto no art. 26 do CDC: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação
caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-
se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis”.
114
O art. 7º, parágrafo único, do CDC afirma: “Art. 7º. [...]. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos
responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.
O art. 25, § 1º, por sua vez, dispõe: “Art. 25. [...]. § 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos
responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”.
115
Recordemos o disposto no art. 13, parágrafo único, do CDC: “Art. 13. [...]. Parágrafo único. Aquele que efetivar o
pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua
participação na causação do evento danoso”.
116
É o que esclarece, em perfeita síntese, Benjamin (1991, p. 76): “O direito de regresso é uma consequência natural da
solidariedade legal estabelecida pelo Código. Sua localização é que foi infeliz. O legislador, desatento, o inseriu no bojo do
dispositivo que trata da responsabilidade subsidiária do comerciante. Ora, em uma leitura apressada, isso levaria ao
entendimento de que sua utilização valeria somente para os casos de solidariedade entre o comerciante e o fabricante,
produtor, construtor ou importador. E quando fosse o caso de solidariedade entre fornecedores de serviços (art. 14)?
Não é bem assim que o direito de regresso deve ser entendido. A regra do art. 13, parágrafo único, aplica-se por igual a
qualquer caso de solidariedade. É que o direito de regresso serve exatamente para, sem dificultar a compensação do
consumidor, impedir que um dos codevedores legais venha a pagar por algo que vá além de sua contribuição na
causação do dano. Por isso mesmo, foi ela repetida, para afastar qualquer dúvida, no art. 25, § 1º” (original grifado).
117
O art. 88 do CDC dispõe: “Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser
ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação
da lide”.

64
Essa vedação do art. 88, aliás, aplica-se também para a hipótese de fato do serviço previsto no
art. 14. Isso significa, por exemplo, que não poderá um hospital demandado pelo consumidor
denunciar a lide em face do médico, o seu preposto, tema que será explorado um pouco mais
frente (Módulo 4, item 4.2).118
Por falar em fato do serviço, é oportuno destacar que, quanto ao tema, o CDC não
apresenta qualquer restrição do ponto de vista subjetivo, entendendo-se como fornecedor aquele
previsto no art. 3º do diploma consumerista. Contudo, como dito acima, há uma restrição do
ponto de vista da natureza da responsabilidade civil, uma vez que o profissional liberal tem uma
responsabilidade de natureza subjetiva, ao passo que os demais fornecedores têm uma
responsabilidade de cunho objetivo, embora sempre fundamentada no defeito, e não na simples
prestação do serviço.
Falando em defeito, é o momento de passar ao último ponto deste Módulo com o estudo das
excludentes da responsabilidade civil no CDC.

As excludentes da responsabilidade civil no CDC


A primeira observação a fazer é que, embora o CDC tenha consagrado uma responsabilidade do
fornecedor, em regra, objetiva, não se lhe aplica o estudado “risco integral” (item 1.3), sendo
reconhecidas excludentes expressas que buscam temperar os riscos assumidos pelo fornecedor.
Comecemos pelo fato do produto.
O art. 12, § 3º, dispõe que: “§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não
será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora
haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro”. A primeira defesa, portanto, está fundamentada na “não introdução do produto no
mercado”, o que permite concluir que o fornecedor só poderá ser responsabilizado se tiver,
voluntariamente, introduzido o produto no mercado. Essa excludente visa a proteger o fabricante em

118
O STJ, porém, demorou a consolidar este entendimento, o qual encontra exemplo no julgamento do Recurso Especial
801691/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 6 de dezembro de 2011), que apresenta a
seguinte ementa: “[...] 1. A responsabilidade do hospital é objetiva quanto à atividade do profissional plantonista,
havendo relação de preposição entre o médico plantonista e o hospital. Precedentes.
2. O resultado da demanda indenizatória envolvendo o paciente e o hospital nada influenciará na ação de regresso
eventualmente ajuizada pelo hospital contra o médico, porque naquela não se discute a culpa do profissional.
3. Qualquer ampliação da controvérsia que signifique produção de provas desnecessárias à lide principal vai de encontro
ao princípio da celeridade e da economia processual. Especialmente em casos que envolvam direito do consumidor,
admitir a produção de provas que não interessam ao hipossuficiente resultaria em um ônus que não pode ser suportado
por ele. Essa é a ratio do Código de Defesa do Consumidor quando proíbe, no art. 88, a denunciação à lide.
4. A culpa do médico plantonista não interessa ao paciente (consumidor) porque o hospital tem responsabilidade
objetiva pelos danos causados por seu preposto; por isso, é inviável que no mesmo processo se produzam provas
para averiguar a responsabilidade subjetiva do médico, o que deve ser feito em eventual ação de regresso proposta
pelo hospital.
5. A conduta do médico só interessa ao hospital, porquanto ressalvado seu direito de regresso contra o profissional que
age com culpa. De tal maneira, a delonga do processo para que se produzam as provas relativas à conduta do
profissional não pode ser suportada pelo paciente.
6. Recurso especial conhecido e não provido”.

65
face dos produtos “pirateados” ou adulterados, podendo, de todo modo, ser discutido o momento a
partir do qual o produto pode ser considerado como tendo sido “introduzido no mercado”.
Esse momento parece coincidir com aquele da entrega ao transportador ou ao comerciante que
realizará a posterior venda do produto. Da mesma forma, também não se mostra razoável apresentar
defesa fundada no argumento de que a máquina que fabricou o produto estava em fase de “testes”,
uma vez que estes foram realizados por expressa decisão do fornecedor, que não teve o cuidado de
impedir a chegada do produto ao mercado consumidor.119
A segunda defesa admitida pelo citado § 3º é a inexistência de defeito no produto. Tal
excludente confirma, em primeiro lugar, que o defeito é um pressuposto inarredável da
responsabilidade civil prevista pelo diploma consumerista. Em segundo lugar, permite a conclusão
de que, se o produto, embora, corretamente utilizado, vem a causar danos ao consumidor, ele será
presumidamente considerado defeituoso. Em suma, o ônus de provar a existência do defeito não é
do consumidor, sendo do fornecedor, ao contrário, o ônus de provar que o produto não violou a
“expectativa de segurança da sociedade de consumo”.120

119
Foi o que corretamente entendeu o STJ no conhecido episódio das “pílulas de farinha”, uma vez que o fornecedor alegava
que os anticoncepcionais sem o princípio ativo foram fabricados por uma única máquina que estava em fase de testes.
Vejamos, entre outras, a decisão proferida no Recurso Especial 1120746/SC (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 17 de fevereiro de 2011), com a seguinte ementa: “[...] 1. Acontecimento que se notabilizou como o 'caso das pílulas de
farinha': cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo
consumidoras e não impediram a gravidez indesejada.
2. A alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das
consumidoras não é suficiente para afastar o dever de indenizar do laboratório. O panorama fático evidencia que essa
demonstração talvez seja mesmo impossível, porque eram tantos e tão graves os erros e descuidos na linha de produção e
descarte de medicamentos, que não seria hipótese infundada afirmar-se que os placebos atingiram as consumidoras de
diversas formas ao mesmo tempo.
3. Além de outros elementos importantes de convicção, dos autos consta prova de que a consumidora fazia uso do
anticoncepcional, muito embora não se tenha juntado uma das cartelas de produto defeituoso. Defende-se a recorrente
alegando que, nessa hipótese, ao julgar procedente o pedido indenizatório, o Tribunal responsabilizou o produtor como
se este só pudesse afastar sua responsabilidade provando, inclusive, que a consumidora não fez uso do produto
defeituoso, o que é impossível.
4. Contudo, está presente uma dupla impossibilidade probatória: à autora também era impossível demonstrar que
comprara especificamente uma cartela defeituosa, e não por negligência como alega a recorrente, mas apenas por ser
dela inexigível outra conduta dentro dos padrões médios de cultura do país.
5. Assim colocada a questão, não se trata de atribuir equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de
interpretar as normas processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis à espécie. O acórdão
partiu das provas existentes para concluir em um certo sentido, privilegiando, com isso, o princípio da proteção ao
consumidor.
6. A conclusão quanto à presença dos requisitos indispensáveis à caracterização do dever de indenizar não exige a
inversão do ônus da prova. Decorre apenas da contraposição dos dados existentes nos autos, especificamente sob a
ótica da proteção ao consumidor e levando em consideração, sobretudo, a existência de elementos cuja prova se mostra
impossível - ou ao menos inexigível - para ambas as partes.
7. Recurso especial a que se nega provimento”.
120
Sobre a presunção relativa de defeito no produto, impondo ao fornecedor o ônus de provar a sua inexistência, pode
ser visto o decidido no Recurso Especial 1306167/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 3 de
dezembro de 2013), com a seguinte ementa: “[...] 1. A Resolução n. 311, de 3 de abril de 2009, do Conselho Nacional de
Trânsito – Contran, dispõe que o air bag é "equipamento suplementar de retenção que objetiva amenizar o contato de
uma ou mais partes do corpo do ocupante com o interior do veículo, composto por um conjunto de sensores colocados
em lugares estratégicos da estrutura do veículo, central de controle eletrônica, dispositivo gerador de gás propulsor para
inflar a bolsa de tecido resistente" (art. 2º).

66
Surge, aqui, uma imensa controvérsia doutrinária, seja no Brasil, seja na Europa, uma vez
que a citada Diretiva nº 85/374/CEE não a resolveu plenamente, deixando à livre escolha de cada
país a solução para o angustiante problema.121 Estamos falando dos chamados “riscos do
desenvolvimento”, os quais podem ser entendidos como aqueles “riscos desconhecidos pelo mais
avançado estado da ciência e da técnica no momento da introdução do produto no mercado e que
só vêm a ser descobertos mais tarde, em virtude do desenvolvimento científico”. São, em outras
palavras, “riscos que o desenvolvimento técnico-científico permite descobrir”.122
Quanto ao tema, são conhecidos tristes exemplos, sobretudo na área dos medicamentos e
alimentos, sendo o caso mais emblemático a “Talidomida”, medicamento usado no final da
década de 1950 como um poderoso anestésico. Os estudos realizados posteriormente à introdução
do produto no mercado revelaram, porém, que o princípio ativo poderia atravessar a placenta,
causando sérios danos ao feto, sobretudo nos membros superiores e inferiores. Surgiu, assim, ao
redor do mundo, uma legião de portadores da “Síndrome da Talidomida”, a qual pode acarretar,
entre outras, dificuldades de locomoção, de alimentação e de higiene pessoal.
Fato é que os pais não foram informados desses riscos e, por essa razão, fizeram uso do
medicamento na qualidade de anestésico, sendo surpreendidos pela consequência nefasta. Os

2. A responsabilidade objetiva do fornecedor surge da violação de seu dever de não inserção de produto defeituoso no
mercado de consumo, haja vista que, existindo alguma falha quanto à segurança ou à adequação do produto em relação
aos fins a que se destina, haverá responsabilização pelos danos que o produto vier a causar.
3. Na hipótese, o Tribunal a quo, com relação ao ônus da prova, inferiu que caberia à autora provar que o defeito do
produto existiu, isto é, que seria dever da consumidora demonstrar a falha no referido sistema de segurança.
4. Ocorre que diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII do CDC, que prevê a inversão do ônus da prova ‘a
critério do juiz’, quando for verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º do art. 12 do mesmo Código
estabelece - de forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado – a distribuição da carga probatória
em desfavor do fornecedor, que ‘só não será responsabilizado se provar: I - que não colocou o produto no mercado; II -
que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro’.
É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º, inciso VIII, do CDC) e
inversão ope legis (arts. 12, § 3º, e art. 14, § 3º, do CDC). Precedentes.
5. No presente caso, o ‘veículo Fiat Tempra atingiu a parte frontal esquerda (frontal oblíqua), que se deslocou para trás
(da esquerda para direita, para o banco do carona)’, ficando muito avariado; ou seja, ao que parece, foram preenchidos
os dois estágios do choque exigidos para a detecção do air bag, mas que, por um defeito no produto, não acionou o
sistema, causando danos à consumidora. Em sendo assim, a conclusão evasiva do expert deve ser interpretada em favor
do consumidor vulnerável e hipossuficiente.
6. Destarte, enfrentando a celeuma pelo ângulo das regras sobre a distribuição da carga probatória, levando-se em conta
o fato de a causa de pedir apontar para hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, não
havendo este se desincumbido do ônus que lhe cabia, inversão ope legis, é de se concluir pela procedência do pedido
autoral com o reconhecimento do defeito no produto.
7. Recurso especial provido”.
121
De fato, na Diretiva nº 85/374/CEE observa-se a previsão dos riscos do desenvolvimento como uma excludente da
responsabilidade no art. 7º, alínea “e”: “Art. 7º. O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar:
[...]; e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não
lhe permitiu detectar a existência do defeito”. Contudo, no art. 15, número 1, alínea “b”, é previsto que cada Estado-
Membro da Comunidade poderá afastar referida excludente: “Art. 15. 1 . Qualquer Estado-membro pode: b) Em
derrogação da alínea e) do artigo 7º, manter ou, sem prejuízo do procedimento definido no n. 2, prever na sua legislação
que o produtor é responsável, mesmo se este provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento
da colocação do produto em circulação não lhe permitia detectar a existência do defeito”.
122
Dedicamos ao tema um estudo específico, o qual poderá ser consultado para posterior aprofundamento: Calixto (2004).

67
fabricantes, porém, alegam que não podem ser responsabilizados por algo desconhecido pela
própria ciência contemporânea à introdução do produto no mercado. Tal problemática teve
repercussões também no Brasil, podendo ser dito que foi adotada uma “repartição social dos
danos”, uma vez que os “portadores da Síndrome da Talidomida” têm direito à reparação dos
danos materiais e morais sofridos por meio de requerimento junto ao Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS).123
A solução do problema, na ausência de norma legal expressa, parece passar pelo conceito
normativo de defeito, entendido como “violação de uma legítima expectativa de segurança”. No
caso, nada obstante as valorosas opiniões em contrário, é possível reconhecer que o consumidor
tem sim violada a sua legítima expectativa de segurança, sendo o produto defeituoso e estando
presentes, portanto, todos os requisitos para a responsabilidade civil objetiva do fornecedor.
Assim, concluímos em outra sede Calixto (2004, p. 246):

A questão do enquadramento dos riscos do desenvolvimento como


hipótese específica de defeito (defeito do desenvolvimento), ou como
hipótese já subsumida em uma das três espécies de defeito aceitas pela
doutrina (defeito de concepção, defeito de informação e defeito de
fabricação), fica em segundo plano. Em verdade, mais importante é
afirmar a responsabilidade objetiva do fornecedor, aplicável em todos os
casos, e que prescinde da indagação de sua conduta e da previsibilidade ou
imprevisibilidade dos riscos, reforçando-se o caráter defeituoso do produto,
uma vez que houve reversão de uma legítima expectativa de segurança.

A terceira excludente da responsabilidade civil está fundamentada na ausência do nexo


causal entre o produto defeituoso e o dano. De fato, ocorrendo a “culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiro” (art. 12, § 3º, III), o dano não terá decorrido de defeito no produto, ainda que
este esteja presente. Embora o tema já tenha sido tratado anteriormente (Módulo 1, item 1.4), é
necessário pontuar que a chamada “culpa concorrente” do consumidor não é capaz de afastar a
responsabilidade do fornecedor, somente servindo para mitigá-la, e que o “terceiro” aqui previsto
deve ser alguém completamente estranho ao fornecedor.124

123
O pagamento de pensão mensal, no caso dos danos materiais, e de um montante específico, em parcela única, para a
reparação dos danos extrapatrimoniais, são regulados, respectivamente, pela Lei nº 7.070, de 20 de dezembro de 1982 e
pela Lei nº 12.190, de 13 de janeiro de 2010.
124
Assim, não é o comerciante um “terceiro” em relação ao fabricante, podendo este ser responsabilizado solidariamente
com aquele por força da relação jurídica que os na “cadeia de consumo”. Podem ser vistos, nesse sentido, o Agravo
Regimental no Agravo em Recurso Especial 265586/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18
de setembro de 2014), assim ementado: “[...] 1. No que se refere à alegação da recorrente de que os danos suportados
pelo autor da demanda seriam advindos de culpa exclusiva da vítima pelo evento danoso, rever o que decidido no
recurso especial requer nova incursão fático-probatória, procedimento inviável, a teor da Súmula nº 7/STJ.

68
Assim, seria uma hipótese de “culpa exclusiva” do consumidor a ingestão de produto com
prazo de validade vencido e seria uma hipótese de fato de terceiro um ato de adulteração do
produto comprovadamente ocorrido após a sua introdução no mercado pelo fornecedor.125
Estudadas as excludentes da responsabilidade na hipótese de “fato do produto”, podemos
passar ao estudo das excludentes no “fato do serviço”. Estas excludentes estão previstas no art. 14,
§ 3º, que afirma: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que,
tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.
Percebemos que, também aqui, o ônus da prova é do fornecedor, o que tem levado os tribunais a
afirmar a ocorrência de uma inversão ope legis deste ônus.126 A primeira consequência é, mais uma
vez, ser possível presumir a ocorrência de defeito no serviço que vem a causar dano ao

2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a eventual configuração da culpa do comerciante de produto impróprio para
o consumo não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da
ingestão da mercadoria estragada em desfavor do seu fabricante. [...]”; e o Recurso Especial 980860/SP (Terceira Turma,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23 de abril de 2009), com a seguinte ementa: “[...] - Produto alimentício destinado
especificamente para bebês exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido, que coloca em
risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida, causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização
por fato do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do CDC.
- O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia de produção e distribuição, razão pela qual não
podem ser tidos como terceiros estranhos à relação de consumo.
- A eventual configuração da culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade vencido não tem
o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da
mercadoria estragada em face do fabricante. [...]”.
125
O reconhecimento de que o consumo de um produto com prazo de validade vencido representa uma hipótese de
“culpa exclusiva da vítima” foi proferido pelo STJ, por maioria, no julgamento do Recurso Especial 1252307/PR (Terceira
Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Massami Uyeda, julgado em 7 de fevereiro de 2012), assim
ementado: “[...] I - Ainda que as relações comerciais tenham o enfoque e a disciplina determinadas pelo Código de Defesa
do Consumidor, tal circunstância não afasta, para fins de responsabilidade civil, o requisito da existência de nexo de
causalidade, tal como expressamente determina o artigo 12, § 3º e incisos, do Código de Defesa do Consumidor.
II - O fabricante, ao estabelecer prazo de validade para consumo de seus produtos, atende aos comandos imperativos do
próprio Código de Defesa do Consumidor, especificamente, acerca da segurança do produto, bem como a saúde dos
consumidores. O prazo de validade é resultado de estudos técnicos, químicos e biológicos, a fim de possibilitar ao
mercado consumidor, a segurança de que, naquele prazo, o produto estará em plenas condições de consumo.
III - Dessa forma, na oportunidade em que produto foi consumido, o mesmo já estava com prazo de validade expirado. E,
essa circunstância, rompe o nexo de causalidade e, via de consequência, afasta o dever de indenizar. [...]”.
126
Exemplo desse entendimento foi o decidido no Recurso Especial 1262132/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe
Salomão, julgado em 18 de novembro de 2014), cuja ementa afirma: “[...] 3. No caso, foi carreada ao recurso de apelação
cópia de "contrato padrão" que supostamente comprovaria haver limitação a impedir o sucesso do pleito deduzido pelo
consumidor. Trata-se de prova central do objeto da ação, da causa de pedir – documento substancial ou fundamental,
nos dizeres de Amaral Santos –, que devia ser levada aos autos no momento da defesa apresentada pelo réu, nos termos
do art. 396 do CPC. Prova essa que cabia ordinariamente ao requerido, uma vez que se está diante da chamada inversão
ope legis do ônus da prova em benefício do consumidor. Em se tratando de demanda de responsabilidade por fato do
serviço, amparada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência reconhece a inversão do ônus da
prova independentemente de decisão do magistrado – não se aplicando, assim, o art. 6º, inciso VIII, do CDC (REsp
802.832/MG, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Segunda Seção, DJe 21/09/2011; REsp 1.095.271/RS, Rel. Ministro
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 05/03/2013). [...]”.

69
consumidor, como no caso de uma tentativa de assalto ocorrida na saída do estacionamento de
um shopping center.127
A segunda defesa do fornecedor, tal como ocorre no fato do produto, está fundamentada na
inexistência de nexo causal entre o serviço, ainda que defeituoso, e o dano verificado. Também
aqui vale lembrar que somente a culpa exclusiva do consumidor é capaz de afastar o nexo causal,
sendo exemplo reiteradamente reconhecido o “surfista ferroviário”, diferentemente do que ocorre
na hipótese de consumidor que se porta como “pingente”, caso em que tem sido reconhecida a
culpa concorrente.128
Em relação ao fato de terceiro, talvez a hipótese mais conhecida seja a do assalto aos
passageiros, que, após alguma hesitação inicial, foi reconhecida como “um fato de terceiro
equiparável à força maior”.129 Entretanto, ainda podem ser citados os casos de roubo de bens
pessoais, ainda que ocorridos dentro do estacionamento, em relação à empresa garagista130 e o de
roubo de veículo na via pública, em relação ao restaurante que oferece o serviço de manobrista.131

127
Vejamos, nesse sentido, o decidido no Recurso Especial 1269691/PB (Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel.
para o acórdão Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 21 de novembro de 2013), assim ementado: “1. A empresa que
fornece estacionamento aos veículos de seus clientes responde objetivamente pelos furtos, roubos e latrocínios
ocorridos no seu interior, uma vez que, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de
conforto aos consumidores, o estabelecimento assume o dever – implícito em qualquer relação contratual – de lealdade
e segurança, como aplicação concreta do princípio da confiança. Inteligência da Súmula 130 do STJ.
2. Sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, não se vislumbra a possibilidade de se emprestar à referida Súmula
uma interpretação restritiva, fechando-se os olhos à situação dos autos, em que configurada efetivamente a falha do
serviço – quer pela ausência de provas quanto à segurança do estacionamento, quer pela ocorrência do evento na
cancela do estacionamento, que se situa ainda dentro das instalações do shopping.
3. É que, no caso em julgamento, o Tribunal a quo asseverou a completa falta de provas tendentes a demonstrar a
permanência na cena do segurança do shopping; a inviabilidade de se levar em conta prova formada unilateralmente pela
ré – que, somente após intimada, apresentou os vídeos do evento, os quais ainda foram inúteis em virtude de defeito;
bem como enfatizou ser o local em que se encontra a cancela para saída do estacionamento uma área de alto risco de
roubos e furtos, cuja segurança sempre se mostrou insuficiente.
4. Outrossim, o leitor ótico situado na saída do estacionamento encontra-se ainda dentro da área do shopping center,
sendo certo que tais cancelas – com controles eletrônicos que comprovam a entrada do veículo, o seu tempo de
permanência e o pagamento do preço – são ali instaladas no exclusivo interesse da administradora do estacionamento
com o escopo precípuo de evitar o inadimplemento pelo usuário do serviço.
5. É relevante notar que esse controle eletrônico exige que o consumidor pare o carro, insira o tíquete no leitor ótico e
aguarde a subida da cancela, para que, só então, saia efetivamente da área de proteção, o que, por óbvio, o torna mais
vulnerável à atuação de criminosos, exatamente o que ocorreu no caso em julgamento. [...]”.
128
Vejamos, entre outros, o decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1259799/SP (Quarta Turma, Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, julgado em 4 de setembro de 2014), assim ementado: “[...] 1. Ainda que reconhecida a hipótese de
que o evento se deu por viajar a vítima em situação conhecida como "pingente", este Tribunal Superior tem consignado
ser hipótese de culpa concorrente e não exclusiva. [...]”.
129
O tema foi pacificado pela Segunda Seção no Recurso Especial 435865/RJ (Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 9 de
outubro de 2002), assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA.
FORÇA MAIOR.
- Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte
em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido”.
130
Foi o decidido no Recurso Especial 1232795/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2 de abril de
2013), cuja ementa afirma: “[...] 1. Em se tratando de estacionamento de veículos oferecido por instituição financeira, o
roubo sofrido pelo cliente, com subtração do valor que acabara de ser sacado e de outros pertences não caracteriza caso

70
Terminamos, assim, o estudo das chamadas excludentes expressas do CDC, mas outras
hipóteses, ditas implícitas, são apontadas pela doutrina e pela jurisprudência. A mais conhecida
delas certamente é o caso fortuito ou de força maior, tema já estudado (Módulo 1, item 1.4),
bastando lembrar que somente o fortuito externo pode, efetivamente, ser reconhecido como
excludente. Sirva de exemplo o roubo ocorrido na área do posto de serviços em relação a este.132

fortuito apto a afastar o dever de indenizar, tendo em vista a previsibilidade de ocorrência desse tipo de evento no
âmbito da atividade bancária, cuidando-se, pois, de risco inerente ao seu negócio. Precedentes.
2. Diferente, porém, é o caso do estacionamento de veículo particular e autônomo – absolutamente independente e
desvinculado do banco – a quem não se pode imputar a responsabilidade pela segurança individual do cliente, tampouco
pela proteção de numerário anteriormente sacado na agência e dos pertences que carregava consigo, elementos não
compreendidos no contrato firmado entre as partes, que abrange exclusivamente o depósito do automóvel. Não se trata,
aqui, de resguardar os interesses da parte hipossuficiente da relação de consumo, mas de assegurar ao consumidor
apenas aquilo que ele legitimamente poderia esperar do serviço contratado, no caso a guarda do veículo.
3. O roubo à mão armada exclui a responsabilidade de quem explora o serviço de estacionamento de veículos.
Precedentes. [...]”.
131
Assim decidiu o STJ no julgamento do Recurso Especial 1321739/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 5 de setembro de 2013), assim ementado: “[...] 1. Ação de regresso movida por seguradora
contra restaurante para se ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado quando estava na
guarda de manobrista vinculado ao restaurante (valet).
2. Legitimidade da seguradora prevista pelo artigo 349 do Código Civil/2002, conferindo-lhe ação de regresso em relação
a todos os direitos do seu segurado.
3. Em se tratando de consumidor, há plena incidência do Código de Defesa do Consumidor, agindo a seguradora como
consumidora por sub-rogação, exercendo direitos, privilégios e garantias do seu segurado/consumidor.
4. A responsabilidade civil pelo fato do serviço, embora exercida por uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no artigo
14 do CDC.
5. O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como
causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo causal.
6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro,
não havendo prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na prestação
do serviço, para o evento danoso.
7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo causal pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a
responsabilidade civil do restaurante fornecedor do serviço do manobrista (art. 14, § 3º, II, do CDC). [...]”.
132
Eis o decidido no Recurso Especial 1243970/SE (Terceira Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 24 de abril de
2012), cuja ementa afirma: “[...] I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de
seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14,
"caput", do CDC.
II - Contudo, tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não
traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito
externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente.
III - O dever de segurança, a que se refere o § 1º, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na
segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de
combustíveis.
IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção
da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República. [...]”.

71
Para alguns autores, como visto, também os chamados “riscos do desenvolvimento” seriam
uma excludente implícita. Além desta, alguns apontam a chamada “obediência a norma
imperativa da administração pública”, a qual obteve consagração expressa na Diretiva nº
85/374/CEE, mas não foi repetida no CDC brasileiro.133 A sua ocorrência prática parece
realmente difícil, razão pela qual não merece maiores considerações.
Terminamos, assim, o estudo da responsabilidade civil nas relações de consumo, sendo
possível avançar para o último módulo do nosso curso.

133
Na Diretiva nº 85/374/CEE deve ser visto o disposto no art. 7º, “d”, que afirma: “Artigo 7º. O produtor não é responsável
nos termos do presente directiva se provar: [...]; d) que o defeito é devido à conformidade do produto com normas
imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas; [...]”.

72
MÓDULO IV – ALGUNS TEMAS DE
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL

Este curso não estaria completo se não dedicássemos algumas linhas especificamente à
chamada responsabilidade civil contratual. É o que faremos neste módulo, começando pela situação
mais genérica do inadimplemento contratual e tratando, a seguir, de duas situações específicas, a
saber: a responsabilidade civil dos médicos e hospitais e a responsabilidade civil do transportador.
Concluímos o nosso estudo com o tratamento da chamada “cláusula de não indenizar”, de
fundamental importância exatamente quando se trata da responsabilidade civil contratual.

A responsabilidade civil por inadimplemento contratual


Recordemos que a extinção dos contratos pode decorrer do cumprimento do seu objeto, do
término do prazo contratualmente previsto, por vontade das partes (resilição unilateral, quando
possível, ou pelo distrato) ou por força do inadimplemento das obrigações contratuais. Esta última é
tratada pelo Código Civil sob o nome de “resolução”, encontrando previsão genérica no art. 475,
que afirma: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.
O dispositivo, portanto, admite duas opções para a chamada parte contratual “inocente”, isto é,
aquela que não deu causa ao inadimplemento contratual: a) exigir o cumprimento forçado da
obrigação ou b) pleitear a resolução contratual. Afirma ainda que, “em ambos os casos”, poderá haver
reparação das “perdas e danos”. Esta última expressão nos obriga a revisitar o Título IV do Livro
dedicado ao “Direito das Obrigações”, o qual vem dividido nas seguintes seções: a) Disposições gerais;
b) Mora; c) Perdas e Danos; d) Juros Legais; d) Cláusula Penal; e) Arras ou Sinal.
Nas “disposições gerais” é estabelecida a regra geral (art. 389), segundo a qual “não
cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. Aqui, portanto,
não se fala do “cumprimento forçado da obrigação”, o qual, no entanto, é plenamente possível
por força do já citado art. 475. Esclarecedora, assim, a seguinte passagem de Tepedino, Barboza e
Moraes (2012, p. 122):

Além disso, no novo preceito foi incluída a possibilidade de pedir, em vez


da resolução, o seu cumprimento, e, em qualquer dos dois casos,
cumulativamente às perdas e danos. Embora não expressamente prevista
no art. 1.092 do CC1916, tal prática era considerada pacífica, por se
entender que o pedido de resolução constituía apenas um direito (direito
formativo extintivo), e não uma obrigação. Assim, seguindo a opinião
dominante, afirmava Carvalho Santos: “A parte lesada tem o direito de
escolher: ou requerer a execução, que está in obligatione, ou a resolução,
que está in facultate petitionis” (Código Civil, p. 249). Note-se que agora,
à luz do art. 475, em qualquer dos casos, caberá a indenização.

De todo modo, cabe observar que o Direito Processual Civil fixa os meios que podem ser
utilizados pelo credor para obter esse “cumprimento forçado” e toma por fundamento a natureza
da obrigação, se de dar, fazer ou não fazer.134

134
No vigente CPC, podem ser recordados os seguintes dispositivos: “DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE RECONHEÇA
A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, DE NÃO FAZER OU DE ENTREGAR COISA
Seção I
Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer ou de Não Fazer
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático
equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e
apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso
necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§ 2o O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o
disposto no art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de arrombamento.
§ 3o O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem
prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.
§ 4o No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art.
525, no que couber.
§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de
não fazer de natureza não obrigacional.
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela
provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se
determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso
verifique que:
I - Se tornou insuficiente ou excessiva;
II - O obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
§ 2o O valor da multa será devido ao exequente.

74
Além dessa classificação, é oportuno recordar a distinção entre obrigação fungível e
obrigação infungível. Aquela permite que a obrigação possa ser executada por um terceiro, a
expensas do devedor, ao passo que esta, também chamada “personalíssima”, só pode ser executada
pelo próprio devedor e, caso este insista no descumprimento, a única solução possível será a
conversão da obrigação em “perdas e danos”.135
Quanto a essas “perdas e danos”, não há muito mais a ser dito além daquilo que já foi tratado
anteriormente (Módulo 2, item 2.2). Cumpre recordar, porém, que, embora o Código Civil somente
se refira à reparação do dano material (sob as espécies dos danos emergentes e dos lucros cessantes),
certo é que se admite, como dito, também a reparação do “dano moral contratual”, ao menos quando
não ocorrer o “mero inadimplemento contratual” (Módulo 2, item 2.4).
Observemos, ainda, que o citado “inadimplemento” pode ser decomposto em, ao menos,
quatro espécies: a) total; b) parcial; c) absoluto; e d) relativo. O inadimplemento total refere-se ao
descumprimento de todo o objeto contratual, como na hipótese em que o vendedor é obrigado a
entregar um móvel, e nada é entregue. O inadimplemento parcial significa que apenas uma parte

§ 3o A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o
levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos
incisos II ou III do art. 1.042.
§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o
levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.
§ 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for
cumprida a decisão que a tiver cominado.
§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de
não fazer de natureza não obrigacional.
Seção II
Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa
Art. 538. Não cumprida a obrigação de entregar coisa no prazo estabelecido na sentença, será expedido mandado de
busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.
§ 1o A existência de benfeitorias deve ser alegada na fase de conhecimento, em contestação, de forma discriminada e
com atribuição, sempre que possível e justificadamente, do respectivo valor.
§ 2o O direito de retenção por benfeitorias deve ser exercido na contestação, na fase de conhecimento.
§ 3o Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições sobre o cumprimento de obrigação
de fazer ou de não fazer”.
135
Quanto a esta última classificação, pode ser recordado, por exemplo o disposto no art. 20, § 1º, do CDC: “Art. 20. [...]. §
1º A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor”.
O dispositivo é complementado pelo art. 84 do mesmo diploma: “Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento
da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a
tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao
juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do
autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas
necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de
atividade nociva, além de requisição de força policial”.

75
do objeto contratual foi adimplida, como no caso em que uma agência de viagens é contratada
para fornecer um pacote “aéreo mais terrestre”, e só a parte “aérea” é efetivamente prestada. Claro
que essa distinção terá repercussão no valor da indenização a ser pleiteada pelo credor.
O mesmo ocorrerá no chamado inadimplemento “absoluto” e inadimplemento “relativo”.
Tal distinção está fundamentada no “interesse da parte”, pois, no inadimplemento absoluto, a
entrega do objeto contratual já não mais é do interesse desta e, no inadimplemento relativo, ainda
haveria interesse no adimplemento.136 Por essa razão, o inadimplemento relativo é mais conhecido
por mora, a qual ocorrerá quando o devedor “não efetuar o pagamento” ou o credor “não quiser
recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer” (Código Civil, art. 394).
Também aqui o valor referente a perdas e danos será distinto conforme se trate de uma ou outra
espécie, sendo maior, é claro, na primeira situação. Por fim, por ainda ser do interesse da parte o
cumprimento da obrigação, a mora, ao contrário do inadimplemento absoluto, pode ser purgada,
nos precisos termos do art. 401 do Código Civil.137
Esta última classificação do inadimplemento permite ainda entender o tema da “cláusula
penal”, a qual pode ser prevista para o total inadimplemento da obrigação ou como penalidade
para a hipótese de mora. O regime, por certo, é distinto, pois a cláusula penal prevista para o total
inadimplemento da obrigação surge como “alternativa a benefício do credor” (Código Civil, art.
410).138 Fala-se, aqui, em “prefixação das perdas e danos”, podendo o credor simplesmente optar
pelo valor já acordado na cláusula penal. Esclarecedora, nesse sentido, a doutrina de Tepedino
(2006b, p. 53), quando afirma:

Enquanto o credor entrevê na relação obrigacional um resultado útil,


realizando gestões, em regra, para a satisfação do seu crédito, mostram-se
exigíveis as prestações vencidas cumuladas com a cláusula penal
moratória. Uma vez deflagrado o inadimplemento absoluto, quando o
credor, frustrado em sua expectativa de adimplemento, vale-se da
alternativa oferecida pelo art. 411 do Código Civil, e pretende a multa
compensatória, não é mais possível, a partir da data da rescisão, a
acumulação entre as multas moratória e compensatória. Cabem-lhe as
prestações vencidas, com a multa moratória respectiva, até a data da

136
Isso é o que se pode deduzir do disposto no art. 395, e o seu parágrafo único, do Código Civil: “Art. 395. Responde o
devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices
oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das
perdas e danos”.
137
O art. 401 do Código Civil afirma: “Art. 401. Purga-se a mora: I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação
mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta; II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o
pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data”.
138
Eis o disposto no art. 410: “Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da
obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor”.

76
rescisão contratual, e a pré-liquidação das perdas e danos, consistente na
cláusula penal compensatória. Esta, por sua vez, justamente porque as
perdas e danos dependem da performance concreta do devedor, deverá
ser aplicada de forma proporcional ao adimplemento, nos termos da
primeira parte do art. 413, do Código Civil.139

Contudo, não se pode esquecer a inovadora regra do art. 416, parágrafo único, a qual
admite que o credor possa exigir “indenização suplementar”, desde que esta tenha sido
expressamente prevista e desde que o credor faça a devida prova do montante do dano que excede
o valor da cláusula penal.140 Para a cláusula penal moratória, ao contrário, o valor estipulado
servirá como simples sanção pelo inadimplemento relativo, pois “terá o credor o arbítrio de exigir
a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal” (Código
Civil, art. 411).141 Discute-se, por fim, acerca da natureza da cláusula penal prevista “em
segurança especial de outra cláusula determinada”, parecendo mais preciso considerar que seu
regime segue aquele previsto para a cláusula penal moratória.
Para finalizar o estudo do inadimplemento, é necessário recordar uma hipótese em que as
suas consequências são afastadas, nada obstante pareça que tenha ocorrido: o chamado
“adimplemento substancial”. Nesse caso, de fato, o objeto contratual não foi totalmente entregue,
mas, por ter sido “substancialmente” prestado, afasta-se a resolução contratual, e o credor perderá
ao menos alguns dos efeitos próprios do inadimplemento.
Pensemos no exemplo da vedação à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente
quando tenha ocorrido o adimplemento substancial das parcelas do financiamento, só restado ao
credor a possibilidade de cobrar o valor das parcelas restantes.142 Trata-se, por certo, de tema

139
Recordemos, por oportuno, o disposto no art. 413 do Código Civil: “Art. 413. A penalidade deve ser reduzida
equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
140
O art. 416 do Código Civil afirma: “Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização
suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao
credor provar o prejuízo excedente”.
141
O art. 411 do Código Civil dispõe: “Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em
segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada,
juntamente com o desempenho da obrigação principal”.
142
Foi o que se observou no julgamento do Recurso Especial 1051270/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,
julgado em 4 de agosto de 2011), cuja ementa afirma: “[...] 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de
2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual ‘[a] parte lesada pelo
inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer
dos casos, indenização por perdas e danos’.
2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de
resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à
realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: ‘31
das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor

77
sujeito a ponderação, uma vez que não encontra previsão legislativa expressa e deixa sempre em
aberto o momento a partir do qual se poderá considerar como “substancialmente” adimplido o
objeto contratual. Válida, nesse sentido, a advertência de Schreiber (2013a, p. 112):

Pior que a incongruência entre decisões proferidas com base em situações


fáticas semelhantes – notadamente, aquelas em que há cumprimento
quantitativo de 60% a 70% do contrato –, o que espanta é a ausência de
uma análise qualitativa, imprescindível para se saber se o cumprimento
não integral ou imperfeito alcançou ou não a função que seria
desempenhada pelo negócio jurídico em concreto. Em outras palavras,
urge reconhecer que não há um parâmetro numérico fixo que possa servir
de divisor de águas entre o adimplemento substancial ou o
inadimplemento tout court, passando a aferição de substancialidade por
outros fatores que escapam ao mero cálculo percentual.

Essa “teoria geral do inadimplemento”, é claro, poderá ser utilizada em inúmeros contratos da
vida contemporânea. Por força da restrição de espaço, porém, somente poderemos estudar duas
espécies cotidianas: a) a responsabilidade médica e b) a responsabilidade contratual do transportador.

residual garantido’. O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e,
consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do
substancial adimplemento da avença.
4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se
afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a
extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de
meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por
exemplo, a execução do título. [...]”.

78
A responsabilidade civil dos médicos e dos hospitais
Em primeiro lugar, deve ser observado que os tribunais entendem que a relação médico-
paciente, ao contrário do que ocorre na relação advogado-cliente, é uma “relação de consumo”.143
Isso não deve levar à conclusão, porém, de que se trata de uma responsabilidade civil de natureza
objetiva, ao menos no que diz respeito à responsabilidade pessoal do médico.144 É justamente em
relação a esta que se insiste na distinção elaborada por René Demogue no sentido de que a
obrigação contratual pode ser de meio (ou meios) ou de resultado.145
Muito já se escreveu sobre o tema, mas parece possível afirmar que a distinção tem
relevância, sobretudo, do ponto de vista da prova da culpa, uma vez que, na “obrigação de meio”,
o profissional somente se compromete a realizar os melhores esforços em vista de determinada
finalidade, mas não se obriga a atingir determinado resultado. Assim, nesse caso, a demonstração
da culpa deve ser feita em relação ao desenrolar da atividade, como o equívoco no tratamento ou
na medicação empregada.
Na chamada “obrigação de resultado”, ao contrário, o profissional promete alcançar o fim
contratualmente previsto, e a sua culpa decorrerá da não obtenção deste fim, sendo, portanto,
presumida, transferindo-se para o prestador do serviço o ônus de provar que o resultado não pôde
ser atingido por outros fatores.
Essa é a doutrina mais aceita, mas é plenamente válida a advertência de Tepedino (2006a, p. 89):

Tal entendimento, a rigor, reflete a tendência mais atual do direito das


obrigações, a temperar a distinção entre obrigações de meio e de
resultado. Afinal, diga-se entre parênteses, o princípio da boa-fé objetiva,
aplicado ao direito das obrigações, iluminado pelos princípios da
dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, consagrados na
Constituição Federal, congrega credor e devedor nos deveres de cumprir
(e de facilitar o cumprimento) das obrigações. Se assim é, ao resultado
esperado pelo credor, mesmo nas chamadas obrigações de meio, não
pode ser alheio o devedor. E, de outro lado, o insucesso na obtenção do
fim proposto, nas chamadas obrigações de resultado, não pode acarretar a
responsabilidade tout court, desconsiderando-se o denodo do devedor e os

143
Em relação à não incidência do CDC na relação advogado-cliente, confirmada após alguma hesitação inicial, pode ser
visto o decidido no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 895899/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe
Salomão, julgado em 18 de agosto de 2016), assim ementado: “[...]. 1. A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de
que o Código de Defesa do Consumidor - CDC não é aplicável às relações contratuais entre clientes e advogados, as quais
são regidas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94. Precedentes. [...]”.
144
O fundamento normativo para essa responsabilidade subjetiva do médico encontra-se no art. 14, § 4º, do CDC, verbis:
“Art. 14. [...] § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Também no Código Civil pode ser recordado o disposto no art. 951, que afirma: “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950
aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência,
imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.
145
Acerca das duas espécies de obrigação, recomendamos a leitura de Rentería (2011).

79
fatores supervenientes que, não raro, fazem gerar um desequilíbrio
objetivo entre as prestações, tornando excessivamente oneroso o seu
cumprimento pelo devedor.

A partir dessa distinção, tem-se afirmado que a atividade médica encerra, como regra, uma
“obrigação de meio”, uma vez que o médico não se compromete a curar o paciente, mas sim a
reduzir-lhe o mal ou, ao menos, a atenuar a sua dor. Os tribunais, porém, criaram uma hipótese
de atividade médica com “obrigação de resultado”, a saber: a chamada “cirurgia plástica estética
ou embelezadora”. Argumenta-se que este tipo de cirurgia só é realizado por alguém que deseja
“melhorar a sua aparência”, sendo este o resultado a ser alcançado. Ao lado desta espécie de
cirurgia plástica existiria outra, denominada “reparadora”, a qual conservaria a natureza de
“obrigação de meio”.146 A criatividade jurisprudencial também já chegou ao ponto de admitir a
cirurgia plástica de natureza “mista”, uma vez que, em parte reparadora e, em parte, estética.147

146
Na doutrina, pode ser recordada a seguinte passagem de Miragem (2015, p. 578): “Outro entendimento é o que distingue
entre as espécies de cirurgia plástica, se estética ou reparadora, como critério para sua classificação das obrigações de meio ou
de resultado. Segundo tal visão, as cirurgias reparadoras permaneceriam consideradas como obrigações de meio, na medida
em que não teria como o profissional assegurar o êxito na correção ou reconstituição física pretendida pelo paciente, enquanto
na cirurgia estética a não obtenção do resultado esperado, considerando-se o fato de que o interesse específico do paciente é
uma melhora de aparência, implicaria o descumprimento de uma obrigação de resultado, importando, nesse sentido, uma
presunção de culpa do médico”.
Seguindo essa visão majoritária, podem ser citados os seguintes julgados do STJ: 1) Agravo Regimental no Recurso Especial
1468756/DF (Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 19 de maio de 2016), assim ementado: “[...] 2. Possuindo a
cirurgia estética a natureza de obrigação de resultado cuja responsabilidade do médico é presumida, cabe a este demonstrar
existir alguma excludente de sua responsabilização apta a afastar o direito ao ressarcimento do paciente”; 2) Agravo Regimental
no Agravo em Recurso Especial 678485/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19 de novembro de 2015), cuja
ementa afirma: “[...] 1. A jurisprudência desta Corte entende que "A cirurgia estética é uma obrigação de resultado, pois o
contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a
inexecução desta" (REsp 1.395.254/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15 de outubro de 2013, DJe de
29 de novembro de 2013).
2. No caso, o eg. Tribunal de origem, além de afastar a existência de qualquer excludente de responsabilidade, entendeu que o
dano estético ficou devidamente comprovado nos autos”.
147
Nesse sentido, podem ser recordados dois julgados do STJ: 1) Recurso Especial 819008/PR (Quarta Turma, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 4 de outubro de 2012), assim ementado: “[...] 1. Pela valoração do contexto fático extraído do v. aresto
recorrido, constata-se que na cirurgia plástica a que se submeteu a autora havia finalidade não apenas estética, mas também
reparadora, de natureza terapêutica, sobressaindo, assim, a natureza mista da intervenção.
2. A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias
plásticas de natureza exclusivamente estética.
3. "Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora –, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo
ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela
reparadora" (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27 de setembro 2011, DJe de 3 de
outubro 2011) ”; 2) Recurso Especial 1097955/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27 de setembro de
2011, assim ementado: “[...] 1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de
cirurgias estéticas. Precedentes.
2. Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora –, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada,
devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à
sua parcela reparadora. [...]”.
Sobre a responsabilidade civil do médico, é oportuna a referência a Kfouri Neto (2010).

80
De todo modo, embora seja bastante questionável o conceito do “belo” e do “feio”, certo é
que a afirmação de uma cirurgia plástica estética não pode transformar em objetiva a
responsabilidade do médico, a qual permanece subjetiva, embora com culpa presumida.148
É a culpa do médico que poderá fazer surgir a responsabilidade do hospital ao qual está
vinculado. Este terá, portanto, uma responsabilidade civil objetiva, mas não de forma automática,
por simples causalidade, uma vez que, segundo o entendimento mais recente, é indispensável a
demonstração da culpa do médico para a responsabilidade da pessoa jurídica (hospital). Por esse
entendimento, a responsabilidade do hospital só terá natureza verdadeiramente objetiva em
relação “ao serviço hospitalar” (hospedagem, funcionamento dos aparelhos, etc.).
Vejamos, nesse sentido, o seguinte julgado do STJ (Recurso Especial 1511072/SP, Quarta
Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 5 de maio de 2016):

RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, “a" e "c", CF/88) – AÇÃO
CONDENATÓRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL DE HOSPITAL
E INSTITUTO MÉDICO – INFECÇÃO HOSPITALAR –
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM IMPROCEDENTES
OS PEDIDOS VEICULADOS NA PETIÇÃO INICIAL, SOB O
ARGUMENTO DE QUE NÃO HOUVE DEMONSTRAÇÃO DE
CULPA DOS MÉDICOS. INSURGÊNCIA DA AUTORA. DEFEITO
NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES –
RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INTELIGÊNCIA DO ART. 14
DO CDC – RECURSOESPECIAL PROVIDO.
Pretensão condenatória deduzida em face de hospital e instituto médico,
ante os alegados danos decorrentes de infecção hospitalar, após a
realização de procedimentos cirúrgicos, que conduziram ao
comprometimento integral da visão da autora, relativamente ao olho
direito. Instâncias ordinárias que julgaram improcedentes os pedidos, ao
reputarem não demonstrada a culpa por parte do corpo médico atuante.
1. O Tribunal de origem não abordou a tese de responsabilidade do
fornecedor pela prestação defeituosa de informações à recorrente sobre os
riscos relacionados ao procedimento cirúrgico a que seria submetida,
razão pela qual incide à espécie a Súmula nº 211 desta Corte, o que

148
É o que afirma, com toda razão, Salomão (2016, p. 352): “Sob essa perspectiva, no procedimento cirúrgico para fins
estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra uma responsabilidade objetiva pelo insucesso da
cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que implica a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional
elidi-la, de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente em razão do ato
cirúrgico. Nessa linha de intelecção, são passíveis de alegação e comprovação pelo médico as tradicionais causas
excludentes da responsabilidade”.

81
inviabiliza também o conhecimento da insurgência com base na alínea
"c" do permissivo constitucional. Precedentes.
2. Como se infere do art. 14 do CDC, a responsabilidade dos hospitais e
clínicas (fornecedores de serviços) é objetiva, dispensando a comprovação
de culpa. Assim, inviável o afastamento da responsabilidade do hospital e
do instituto por infecção contraída por paciente com base na inexistência
de culpa dos agentes médicos envolvidos, como fez o Tribunal de origem.
2.1 de fato, a situação dos autos não comporta reflexões a respeito da
responsabilização de clínicas médicas ou hospitais por atos de seus
profissionais (responsabilidade pelo fato de outrem). Isso porque os
danos sofridos pela recorrente resultaram de infecção hospitalar, ou seja,
do ambiente em que foram efetuados os procedimentos cirúrgicos, e não
de atos dos médicos.
3. Dessa forma, considerando que é objetiva a responsabilidade dos
hospitais e clínicas por danos decorrentes dos serviços por eles prestados
(ambiente hospitalar), bem como que não foi elidido no caso dos autos o
nexo de causalidade entre os danos sofridos pela recorrente e a conduta
dos recorridos, é imperioso o provimento do presente recurso especial
para condená-los ao pagamento de indenização a título de dano moral,
em virtude da perda completa da visão e do bulbo ocular do olho direito
da recorrente.
4. nos termos do artigo 257 do RISTJ, é possível, nesta Corte, a fixação
de valores devidos a título de indenização pelo abalo moral sofrido pela
ora recorrente, aplicando-se o direito à espécie. Desse modo, diante das
peculiaridades do caso, revela-se razoável a quantia de R$ 100.000,00
(cem mil reais) a título de dano moral.
5. Recurso especial PROVIDO, a fim de julgar procedente o pedido
condenatório.

82
Assim, os hospitais têm, basicamente, duas claras linhas de defesa, a saber: a ausência de
vínculo entre o médico e o hospital, o que ordinariamente se observa, ou a ausência de culpa do
médico, quando vinculado ao hospital. Sirva de exemplo o seguinte julgado (STJ, Recurso Especial
1635560/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10 de novembro de 2016):

CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. ERRO


PRATICADO POR MÉDICO NÃO CONTRATADO PELO
HOSPITAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATRIBUIÇÃO AFETA
EXCLUSIVAMENTE AO HOSPITAL. AUSÊNCIA DE NEXO
CAUSAL ENTRE O DANO MORAL E A CONDUTA INERENTE
AO TRATAMENTO HOSPITALAR.
1. Ação de compensação por dano moral ajuizada em 04.03.2002.
Agravo em Recurso especial concluso ao gabinete em 22.09.2016.
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o recorrente possui
responsabilidade civil por erro médico cometido por profissional que não
possui vínculo com o hospital, mas utiliza as dependências do
estabelecimento para a realização de internação e exames.
3. Por ocasião do julgamento do Resp. 908.359/SC, a Segunda Seção do
STJ afastou a responsabilidade objetiva dos hospitais pela prestação de
serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem
vínculo de emprego ou subordinação. Precedentes.
4. A responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano
decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e
exclusivamente à instituição de saúde.
5. Quando a falha técnica é restrita ao profissional médico sem vínculo
com o hospital, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar.
6. Recurso especial conhecido e provido.

Observemos que tais exigências podem ser de difícil demonstração pelo consumidor, o qual,
normalmente, poderá socorrer-se da inversão judicial do ônus da prova, nos termos do art. 6º,
VIII, do CDC.149 Recordemos, ainda, que, demonstrado o vínculo entre o hospital e o médico, e
a culpa com que agiu este último, possível será reconhecer a solidariedade entre os responsáveis,
vedada a denunciação da lide daquele em face este.150

149
Recordemos o disposto no art. 6º, VIII, do CDC: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]; VIII - a facilitação da
defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
150
É o que afirma reiteradamente o STJ, com fundamento no citado art. 88 do CDC: Agravo Regimental no agravo em Recurso
Especial 182368/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23 de outubro de 2012), assim ementado: “[...] 2. Ação
regressiva movida por hospital em desfavor do médico. Denunciação à lide no bojo da demanda originária. Descabimento.

83
Igualmente, a culpa do médico pode ser considerada como “alargada” pela adoção da
“teoria da perda de uma chance”, o que já se tem observado em inúmeros julgados relativos à
responsabilidade civil médica.151 Contudo, por apertada maioria, entendeu-se que não responde o
médico cirurgião por ato culposo do anestesista, salvo se demonstrada a “subordinação”, outra
probatio diabolica para o consumidor.152
Analisada, em linhas gerais, a responsabilidade civil dos médicos e hospitais, podemos passar ao
estudo de outra conhecida hipótese de reparação, a saber: a responsabilidade civil do transportador.

Responsabilidade objetiva do hospital pelos danos causados por seu preposto, sendo inviável que, no mesmo processo, se
produzam provas para averiguar a responsabilidade subjetiva do médico, o que deve ser feito em ação de regresso proposta
pelo hospital. [...]”.
151
Vejamos, entre outros, os seguintes julgados do STJ: 1) Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 553104/RS, Quarta
Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 1 de dezembro de 2015, assim ementado: “[...] 1. É plenamente cabível, ainda que se
trate de erro médico, acolher a teoria da perda de uma chance para reconhecer a obrigação de indenizar quando verificada, em
concreto, a perda da oportunidade de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo decorrente de ato ilícito praticado
por terceiro. [...]”; 2) Recurso Especial 1254141/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4 de fevereiro 2012,
com a seguinte ementa: “[...] 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance
em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto
ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da
referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.
2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em
que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é
causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.
3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil
pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar
que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente
econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da
causalidade proporcional.
4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final
experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução
proporcional. [...]”.
152
Assim se lê no seguinte julgado: STJ, Embargos de Divergência no Recurso Especial 605435/RJ, Segunda Seção, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 14 de setembro de 2011, assim ementado: “[...] 3. A
divergência cinge-se ao reconhecimento, ou afastamento, da responsabilidade solidária e objetiva (CDC, art. 14, caput) do
médico-cirurgião, chefe da equipe que realiza o ato cirúrgico, por danos causados ao paciente em decorrência de erro médico
cometido exclusivamente pelo médico-anestesista.
4. Na Medicina moderna a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois
frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização
solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob
predominante subordinação àquele.
5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia,
age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais,
assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica.
Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este
responde individualmente pelo evento.
6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço
pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas - fato do
serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a responsabilidade subjetiva dos profissionais
liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro
médico deste último durante a cirurgia.
7. No caso vertente, com base na análise do contexto fático-probatório dos autos, o colendo Tribunal de Justiça afastou a culpa
do médico-cirurgião – chefe da equipe –, reconhecendo a culpa exclusiva, com base em imperícia, do anestesista. [...]”.

84
A responsabilidade civil do transportador
O estudo da responsabilidade do transportador passa, em primeiro lugar, pela definição da
natureza do transporte oferecido, se oneroso ou gratuito. De fato, como bem esclarece o art. 736
do Código Civil, “não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente,
por amizade ou cortesia”. De fato, é da natureza deste contrato a onerosidade, não sendo
considerado como típico contrato de transporte aquele realizado gratuitamente. Contudo, “não se
considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir
vantagens indiretas” (art. 736, parágrafo único, do Código Civil), como no conhecido caso em
que o transportado colabora nas despesas com o abastecimento do veículo.
Tal estado de coisas termina por influenciar diretamente a natureza da responsabilidade
civil do transportador. Em verdade, estando presente verdadeiro contrato de transporte, a
responsabilidade civil do transportador terá natureza objetiva. É o que dá a entender, embora de
forma pouco clara, o art. 734, caput, do Código Civil.153
Observemos que o dispositivo não faz referência à ausência de culpa do transportador como
causa excludente da responsabilidade, somente citando a “força maior” como possível causa para a
isenção de responsabilidade.
Ora, vimos (Módulo 1, item 1.4) que a “força maior”, ou o “caso fortuito”, afasta o nexo
causal, e, consequentemente, a própria responsabilidade, ainda que objetiva. É necessário
recordar, porém, que também aqui tem lugar a distinção entre fortuito interno e fortuito externo,
sendo exemplo do primeiro a colisão de veículos e exemplo do segundo o assalto a passageiros.154
Por essa mesma razão, deve ser lido com muita cautela o disposto no art. 735 do Código
Civil, segundo o qual “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o
passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. De fato, esse
dispositivo é a repetição literal do que está consagrado no Verbete 187 da Súmula da Jurisprudência

153
O art. 734 do Código Civil afirma: “Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas
e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização”.
154
Assim tem entendido o STJ conforme se deduz, respectivamente, dos seguintes julgados: 1) Agravo Interno no Agravo
em Recurso Especial 303132/PE (Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 17 de novembro de 2016),
assim ementado: “[...] 5. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a Responsabilidade do transportador,
em relação aos passageiros, é contratual e objetiva, somente podendo ser afastada se comprovada força maior, fortuito
externo, fato exclusivo da vítima ou fato doloso e exclusivo de terceiro (AgRg. no AREsp. 617.863/SP, Relator Ministro Raul
Araújo, Quarta Turma, julgado em 3 de fevereiro de 2015, DJe 13 de fevereiro de 2015). Hipóteses não demonstradas no
caso concreto. Incidência da Súmula 7 do STJ. [...]”; 2) Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 908814/RS (Quarta
Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 9 de agosto de 2016), com a seguinte ementa: “[...]. 3. Na esteira da
jurisprudência firmada nesta Corte, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros é contratual e
objetiva, nos termos dos arts. 734, caput, 735 e 738, parágrafo único, do Código Civil de 2002, somente podendo ser
elidida por fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima ou por fato doloso e exclusivo de terceiro - quando este
não guardar conexidade com a atividade de transporte.
4. O Tribunal local, ao apreciar as provas produzidas nos autos, foi categórico em reconhecer os requisitos ensejadores da
obrigação de indenizar, notadamente diante do descumprimento do seu dever de garantir a incolumidade do passageiro.
Nestas circunstâncias, afigura-se inviável rever o substrato fático-probatório diante do óbice da Súmula 7/STJ. [...]”.

85
do STF, o qual foi elaborado na década de 1960, tomando por fundamento o art. 17 do Decreto nº
2.681, de 7 de dezembro de 1912, que regulava a “responsabilidade das estradas de ferro”.155
Assim, por não fazer referência ao “fato de terceiro” como excludente da responsabilidade do
transportador, o STF entendeu, inicialmente, que esta não poderia ser invocada, chegando a
sumular esse entendimento. Contudo, esse mesmo tribunal, em momento posterior, já afastava os
rigores da sua súmula, admitindo que o fato de terceiro, ao menos quando equiparável à “força
maior”, deveria sim atuar como uma excludente da responsabilidade contratual do transportador.156
Esse mesmo debate pôde ser observado na jurisprudência do STJ, a qual, em um primeiro
momento, não reconheceu o assalto a passageiros como uma excludente do nexo causal, mas,
posteriormente, por maioria, fez a revisão desse entendimento.157 Assim, também o Tribunal da
Cidadania continua a afirmar que o fato de terceiro, quando “equiparável à força maior”, deverá ser
visto como uma excludente da responsabilidade objetiva do transportador, salvo pontuais exceções.158
Além do fato de terceiro “equiparável à força maior”, também será excludente da
responsabilidade a chamada “culpa exclusiva da vítima”, uma vez que também esta, como visto,
afasta o nexo causal.159 Aqui, portanto, está-se tratando da culpa daquela que se diz “vítima”, e

155
O Verbete 187, editado em 1963, da Súmula da Jurisprudência do STF afirma: “A responsabilidade contratual do
transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”.
O art. 17 do Decreto nº 2.681/1912 afirmava: “Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas
linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida,
só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas: 1ª - Caso fortuito ou força maior; 2ª - Culpa do viajante, não
concorrendo culpa da estrada”.
156
Assim, já no ano de 1980, afirmou o STF (Recurso Extraordinário 88407/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Thompson Flores,
Rel. para o acórdão Min. Décio Miranda, julgado em 7 de agosto de 1980), assim ementado: “CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO TRANSPORTADOR. ASSALTO A ONIBUS SUBURBANO. PASSAGEIRO QUE REAGE E É MORTALMENTE FERIDO.
CULPA PRESUMIDA, AFASTADA. REGRA MORAL NAS OBRIGAÇÕES. RISCO NÃO COBERTO PELA TARIFA. FORÇA MAIOR.
CAUSA ADEQUADA. SEGURANÇA FORA DO ALCANCE DO TRANSPORTADOR. AÇÃO DOS BENEFICIARIOS DA VÍTIMA,
IMPROCEDENTE CONTRA A EMPRESA TRANSPORTADORA. VOTOS VENCIDOS”.
157
Recordemos antigo julgado do STJ proclamando a responsabilidade do transportador ao não reconhecer o assalto
como um “caso fortuito”: Recurso Especial 232649/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. para o acórdão Min.
César Asfor Rocha, julgado em 15 de agosto de 2002), assim ementado: “[...] Tendo se tornado fato comum e corriqueiro,
sobretudo em determinadas cidades e zonas tidas como perigosas, o assalto no interior do ônibus já não pode mais ser
genericamente qualificado como fato extraordinário e imprevisível na execução do contrato de transporte, ensejando
maior precaução por parte das empresas responsáveis por esse tipo de serviço, a fim de dar maior garantia e
incolumidade aos passageiros. [...]”.
A revisão desse entendimento foi feita pela Segunda Seção no conhecido julgamento do Recurso Especial 435865/RJ (Rel.
Min. Barros Monteiro, julgado em 9 de outubro de 2002), assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE
COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA. FORÇA MAIOR.
- Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte
em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido”.
158
Uma dessas exceções é o fato de o ônibus ter parado fora do ponto e o “passageiro” que embarcou ter realizado o
assalto: Recurso Especial 200808/RJ (Terceira Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em 16 de novembro de
2000), assim ementado: “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. O transportador só
responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta, mas nestes se inclui o assalto, propiciado
pela parada do veículo em ponto irregular, de que resultou vítima com danos graves”.
159 Talvez a hipótese mais conhecida de “culpa exclusiva da vítima”, segundo o STJ, seja a do “surfismo ferroviário”,
entendimento reiterado desde 1995: Recurso Especial 59696/RJ (Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
julgado em 5 de setembro de 1995), cuja ementa afirma: “[...] I. APURADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS A CULPA

86
não da culpa daquele apontado como causador do dano. Esta será necessária, segundo o STJ, para
a responsabilidade do “transportador” gratuito, ou seja, quando for oferecido um transporte sem
qualquer forma de remuneração, ainda que indireta. Porém, não basta a simples culpa, sendo
necessário que esta tenha a natureza de “grave”, como chegou a sumular o Tribunal da Cidadania
(Súmula 145).160
Assim, com fundamento no revogado art. 1.057 do Código Civil, atual art. 392 do vigente
diploma, é possível afirmar que a responsabilidade do transportador gratuito tem natureza
subjetiva, não bastando, porém, a simples culpa, sendo necessário que esta seja qualificada. A sua
ocorrência, porém, sempre poderá ser questionada, pois, como vimos, a gradação da culpa é
marcada por uma elevada dose de subjetivismo.
Observe-se, por fim, que o contrato de transporte é um terreno fértil para a chamada
cláusula exonerativa da indenização, último tópico deste curso.

As cláusulas limitativas e exonerativas da reparação


A primeira observação que deve ser feita quanto a este tema é que a chamada “cláusula de
não indenizar” constitui um gênero, o qual tem por espécies a “cláusula limitativa” e a “cláusula
exonerativa”. Aquela estabelece um teto para a reparação, em geral um percentual sobre o
montante dos danos verificados, ao passo que esta afasta qualquer valor a título de reparação. Em
suma, tanto em uma hipótese como em outra, estão presentes todos os elementos para a
ocorrência da responsabilidade, mas, por força da vontade das partes, é afastada a consequência
normal da ocorrência do dano, isto é, a sua reparação.161
Por essa razão, diz-se que lugar próprio da “cláusula de não indenizar” é a responsabilidade
contratual, mas a jurisprudência tem admitido a sua ocorrência também fora do âmbito
contratual, como se observa, comumente, nas “convenções de condomínio”.162 De todo modo, a

EXCLUSIVA DA VÍTIMA, "SURFISTA FERROVIÁRIO", DESCABE ANALISAR A VIOLAÇÃO DO ART. 17 DA LEI 2.681/12, POR
DEMANDAR INEQUÍVOCO REEXAME DE PROVA, VEDADO PELO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. [...]”.
160
Recorde-se o disposto no verbete 145 da Súmula da jurisprudência do STJ: “NO TRANSPORTE DESINTERESSADO, DE
SIMPLES CORTESIA, O TRANSPORTADOR SO SERA CIVILMENTE RESPONSÁVEL POR DANOS CAUSADOS AO
TRANSPORTADO QUANDO INCORRER EM DOLO OU CULPA GRAVE”.
161
Assim afirma Pereira (2014, p. 401: “Os seus efeitos consistem no afastamento da obrigação consequente ao ato
danoso. Não contém apenas uma inversão do onus probandi” (original grifado).
162
Vejamos, nesse sentido, o decidido no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 9107/MG (Quarta Turma,
Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 18 de agosto de 2011), assim ementado: “[...] 1. Ausente a Convenção de
Condomínio, ou Regimento Interno do mesmo, inviável aferir se há previsão expressa de responsabilidade nos casos de
furto em área comum. A presença da cláusula é condição para a responsabilização do condomínio nos termos da
jurisprudência pacífica desta Corte. Precedentes. [...]”.
No mesmo sentido pode ser visto o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1102361/RJ (Quarta Turma, Rel. Min.
Raul Araújo, julgado em 15 de junho de 2010), cuja ementa afirma: “[...] 1. A Segunda Seção desta Corte firmou
entendimento no sentido de que ‘O condomínio só responde por furtos ocorridos nas suas áreas comuns se isso estiver
expressamente previsto na respectiva convenção’.
(EREsp 268669/SP, Relator o Ministro ARI PARGENDLER, DJ de 26.4.2006)

87
sua expansão para fora da seara contratual não é capaz de afastar a controvérsia acerca da sua
própria validade. De fato, esta espécie de cláusula não costuma ser bem vista nem pela doutrina
nem pela jurisprudência, tendo sido, inclusive, sumulado que “em contrato de transporte, é
inoperante a cláusula de não indenizar” (antigo Verbete 161 da Súmula da Jurisprudência
dominante do STF).
Essa concepção refratária ao instituto, porém, tem sucumbido nos últimos anos, bastando
verificar, em primeiro lugar, que o próprio Código Civil admitiu a cláusula limitativa, embora
tenha afastado a exonerativa, mesmo no contrato de transporte. É o que se deduz do disposto no
parágrafo único do art. 734 do diploma civil.163 Essa limitação, porém, está restrita aos danos
materiais, como corretamente afirmam Tepedino, Barboza e Morais (2012, p. 534):

Assim, o valor da bagagem auxilia na determinação dos danos materiais


sofridos pelo passageiro. Frise-se, ainda, que o parágrafo único do artigo
em exame não exclui a indenização por danos morais sofridos pelo
passageiro em virtude de qualquer incômodo ou humilhação que o
extravio de sua bagagem possa ter causado. (grifou-se)

Desse modo, a possível nulidade da cláusula, no que respeita aos danos materiais, deve ser
buscada em outros fundamentos normativos, e não na natureza do contrato em que porventura
inserida. Como primeiro fundamento para a nulidade, pode ser apontada a expressa previsão legal,
tal como se observa nas relações de consumo (CDC, art. 25, caput).164 Contudo, mesmo na seara
consumerista, pode ter lugar a cláusula limitativa, desde que o consumidor seja pessoa jurídica e
ocorra uma “situação justificável” (CDC, art. 51, I).165

2. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido está fundamentado no fato de que: (a) o furto ocorreu no interior de uma
unidade autônoma do condomínio e não em uma área comum; (b) o autor não logrou êxito em demonstrar a existência
de cláusula de responsabilidade do condomínio em indenizar casos de furto e roubo ocorridos em suas dependências.
3. Para se concluir que o furto ocorreu nas dependências comuns do edifício e que tal responsabilidade foi prevista na
Convenção do condomínio em questão, como alega a agravante, seria necessário rever todo o conjunto fático probatório
dos autos, bem como analisar as cláusulas da referida Convenção, medidas, no entanto, incabíveis em sede de recurso
especial, a teor das Súmulas 5 e 7 desta Corte. [...]”.
Sobre o tema assim se manifestou Dias (1980, p. 245) em trabalho específico: “Mas a opinião de que, por ausência de
contrato, não pode haver convenção de irresponsabilidade é, por sua vez, exagerada. Sem dúvida que não havendo
contrato não pode haver cláusula que, por definição, é estipulada entre várias. Contudo, a irresponsabilidade pode ser
objeto de convenção autônoma, destinada a afastar a responsabilidade extracontratual”.
163
O dispositivo afirma: “Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização”.
164
O dispositivo afirma: “Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a
obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”.
165
O art. 51, I, dispõe: “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de
qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo
entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”.

88
São ainda apontadas como causas para a invalidade da cláusula o fato de ter sido
unilateralmente disposta, e não fruto de um verdadeiro acordo de vontades. A essa conclusão se
poderia chegar, por exemplo, com fundamento no art. 424 do Código Civil o qual afirma que
“nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a
direito resultante da natureza do negócio”.
A redação pouco clara do dispositivo, porém, que delega ao intérprete a tarefa de definir o
que seria um “direito resultante da natureza do negócio”, não favorece a afirmação da invalidade
da cláusula nessa hipótese. Talvez por essa razão, o STJ, embora não se tenha referido
especificamente ao Código Civil de 2002, já reconheceu a validade da cláusula em contrato de
transporte, usualmente de adesão, desde que o contratante do serviço tenha optado por um frete
mais baixo (Recurso Especial 1076465/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 8
de outubro de 2013):

RECURSO ESPECIAL – DEMANDA AJUIZADA PELA


SEGURADORA EM FACE DA TRANSPORTADORA,
POSTULANDO O REEMBOLSO DA INDENIZAÇÃO PAGA À
SOCIEDADE EMPRESÁRIA SEGURADA, EM RAZÃO DE
AVARIAS CAUSADAS À CARGA OBJETO DE TRANSPORTE
MARÍTIMO INTERNACIONAL – SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA MANTIDA PELO ACÓRDÃO ESTADUAL,
CONSIDERADA NULA DE PLENO DIREITO A CLÁUSULA
LIMITATIVA DA OBRIGAÇÃO INDENIZATÓRIA.
INSURGÊNCIA DA TRANSPORTADORA.
1. Ação regressiva intentada em 1998 pela seguradora, na qualidade de
sub-rogada nos direitos da sociedade empresária segurada, postulando o
reembolso, pela transportadora estrangeira, do valor pago a título de
indenização securitária decorrente de danos causados durante o
transporte marítimo internacional. Ao contestar, a transportadora
pleiteou a observância da cláusula limitativa da responsabilidade
(resultante do exercício da opção pelo pagamento de frete reduzido sem
menção ao valor da carga), em caso de procedência da pretensão da parte
autora. Sentença de procedência confirmada pelo Tribunal de origem,
declarada a nulidade da referida disposição contratual, sob o fundamento
de que abusiva, por configurar preceito excludente de responsabilidade
do fornecedor inserta em contrato de adesão.
2. Validade da cláusula limitativa do valor da indenização devida em
razão de avaria da carga objeto de transporte marítimo internacional. Nos
termos da jurisprudência firmada no âmbito da Segunda Seção,
considera-se válida a cláusula do contrato de transporte marítimo que

89
estipula limite máximo indenizatório em caso de avaria na carga
transportada, quando manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da
relação jurídica, cuja liberdade contratual revelar-se amplamente
assegurada, não sobressaindo, portanto, hipótese de incidência do artigo
6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, no qual encartado o
princípio da reparação integral dos danos da parte hipossuficiente (REsp
39.082/SP, Rel. Ministro Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Ministro
Fontes de Alencar, Segunda Seção, julgado em 09.11.1994, DJ
20.03.1995). Nada obstante, é de rigor a aferição da razoabilidade e/ou
proporcionalidade do teto indenizatório delimitado pela transportadora,
o qual não poderá importar em quantia irrisória em relação ao montante
dos prejuízos causados em razão da avaria da mercadoria transportada, e
que foram pagos pela seguradora. Precedente do Supremo Tribunal
Federal: RE 107.361/RJ, Rel. Ministro Octávio Gallotti, Primeira
Turma, julgado em 24.06.1986, DJ 19.09.1986.
3. No caso concreto, à luz da orientação jurisprudencial firmada na
Segunda Seção, não há que se falar em cláusula estabelecida
unilateralmente pelo fornecedor do serviço, na medida em que, como de
costume, é oferecida ao embarcador a opção de pagar o frete
correspondente ao valor declarado da mercadoria ou um frete reduzido,
sem menção ao valor da carga a ser transportada, sendo certo que, na
última hipótese, fica a parte vinculada à disposição limitativa da
obrigação de indenizar, cuja razoabilidade e proporcionalidade deverá ser
aferida pelo órgão julgador.
4. Hipótese em que não se revela possível a utilização da técnica de
julgamento do recurso especial prevista no artigo 257 do RISTJ
(aplicação do direito à espécie). Isto porque não houve pronunciamento,
nas instâncias ordinárias, sobre as assertivas formuladas por ambas as
partes (no bojo da contestação, da réplica, da apelação e das
contrarrazões) atinentes ao tipo de frete pago pela importadora da
mercadoria transportada, bem como sobre se configurada, no caso
concreto, a irrisoriedade do teto indenizatório estabelecido no contrato
de transporte marítimo.
5. Recurso especial da transportadora parcialmente provido para,
reconhecida a validade da cláusula limitativa de responsabilidade,
determinar o retorno dos autos à origem para rejulgamento da apelação,
na parte relativa ao limite da indenização, superado o entendimento
contrário ao esposado nesta Corte Superior.

90
O mesmo se diga da afirmação genérica de que a “cláusula de não indenizar” não pode
prevalecer quando for contrária aos “bons costumes” ou à “ordem pública”. Tais conceitos, de
fato, são ainda hoje pouco claros para que possam constituir um claro impedimento à convenção
das partes. De todo modo, são conhecidas tentativas doutrinárias de conceituação da “ordem
pública”, tal como se observa, por exemplo, em Cavalieri Filho (2014, p. 594):

Os autores não fornecem um conceito seguro e preciso do que seja ordem


pública. Pode-se, todavia, entender como tal os princípios e regras de
intensa repercussão social, onde estão em jogo valores sociais e culturais.
São os princípios básicos, elementares, na constituição, manutenção e
desenvolvimento da sociedade. Questão de ordem pública é, pois, a que
envolve interesse indisponível, um interesse geral, ligado a valores de
maior relevância, vinculado aos fins sociais e às exigências do bem
comum. É a que alcança valores mais relevantes e gerais da sociedade,
não se circunscrevendo ao simples interesse dos contratantes. Enfim,
haverá questão de ordem pública sempre que a aplicação do direito
objetivo não puder ficar circunscrita às questões levantadas pelas partes.
(original grifado)

Talvez por esta razão, tenta-se aclarar o conceito de “ordem pública” por meio de referência a
outros institutos, entre os quais o dolo.166 De fato, afasta-se a validade da cláusula de não indenizar na
hipótese de atuação dolosa de um dos contratantes e não se conhece, doutrinariamente, quem se
oponha a esta conclusão. O mesmo não pode ser dito, porém, quando um dos contratantes agiu com
culpa grave, e não com dolo, pois, aqui, reina a controvérsia, havendo quem equipare as duas figuras e,
consequentemente, afaste a validade da cláusula também quando o contratante tenha agido com culpa
grave e também quem prefira restringir a invalidade somente à hipótese de dolo. A favor da
equiparação podem ser vistos Calixto (2008, cap. 4), Cavalieri Filho (2014, p. 594-595) e Avelar
(2012, p. 206-212)167. Limitando a invalidade à hipótese de dolo do devedor podem ser vistos Dias
(1980, p. 70-74) e Peres (2009, p. 168-179).
Também é corrente a afirmação de que a validade da cláusula exige alguma forma de
benefício para a vítima, como na hipótese de o transportador cobrar um valor mais baixo pelo
frete.168 Assim, o pagamento desse valor reduzido permitiria ao transportador limitar o valor da

166
Nesse sentido, podem ser vistos, entre outros, Avelar (2012).
167
Avelar (2012, p. 206-212).
168
Vejamos, nesse sentido, a doutrina de Peres (2009, p. 139-142).

91
reparação na hipótese da ocorrência de um dano. Tal situação, aliás, tem obtido o beneplácito da
jurisprudência,169 mas não parece possível, nem necessário, generalizar essa exigência.
Observemos, por fim, que a “cláusula de não indenizar”, em especial sob a espécie de
“cláusula limitativa”, tem obtido consagração legislativa, sendo a hipótese mais conhecida a do
transporte aéreo, tanto o nacional quanto o internacional.170 Tal consagração normativa, porém,
não afasta a controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a qual, porém, passa a estar centrada no
aparente “conflito de normas jurídicas”, o qual deve ser solucionado segundo as regras próprias da
hermenêutica jurídica.171
Concluímos, assim, este breve estudo acerca da responsabilidade civil na esperança de que
tenha servido tanto para a reflexão teórica quanto para a prática judicial em tão relevante, e
sempre atual, ramo do Direito.

169
Exemplo de julgado nesse sentido é o já citado Recurso Especial 1076465/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 8 de outubro de 2013.
170
Em relação ao transporte aéreo nacional, pode ser recordado o art. 257 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986,
verbis: “Art. 257. A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de
morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do Tesouro
Nacional – OTN, e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinquenta) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN.
§ 1º Poderá ser fixado limite maior mediante pacto acessório entre o transportador e o passageiro.
§ 2º Na indenização que for fixada em forma de renda, o capital par a sua constituição não poderá exceder o maior valor
previsto neste artigo”.
No que diz respeito ao transporte aéreo internacional, pode ser visto o disposto no art. 21 do Decreto nº 5.910, de 27 de
setembro de 2006, o qual internalizou o chamado “Protocolo de Montreal”: “Artigo 21 – Indenização em Caso de Morte ou
Lesões dos Passageiros
1. O transportador não poderá excluir nem limitar sua responsabilidade, com relação aos danos previstos no número 1
do Artigo 17, que não exceda de 100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro.
2. O transportador não será responsável pelos danos previstos no número 1 do Artigo17, na medida em que exceda de
100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, se prova que:
a) o dano não se deveu a negligência ou a outra ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos; ou b) o dano se
deveu unicamente a negligência ou a outra ação ou omissão indevida de um terceiro”.
171
Sobre a referida controvérsia, seja consentido remeter a Calixto (2012).

92
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Min. Nancy Andrighi. Julgado em 27 de setembro de 2011.

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______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1252307/PR. Terceira Turma. Relator: Min.
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Quarta Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 16 de fevereiro de 2012.

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Marco Buzzi. Julgado em 8 de outubro de 2013.

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Terceira Turma. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 18 de setembro de 2014.

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Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 23 de setembro de 2014.

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Luís Felipe Salomão. Julgado em 18 de novembro de 2014.

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Min. Mauro Campbell Marques. Julgado em 4 de dezembro de 2014.

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Quarta Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgado em 10 de novembro de 2015.

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102
PROFESSOR-AUTOR
Prof. Marcelo Junqueira Calixto, Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor
convidado dos cursos de Pós-Graduação da FGV e de diversas instituições de ensino. Membro do
BRASILCON, do IBDCivil e do IAB. Advogado no Rio de Janeiro, atuando nas áreas de
contencioso cível e arbitragem.

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