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1

INTRODUÇÃO

Depois de fazer a Aliança com Abraão para constituir um povo


particular para Ele, em vista de toda a humanidade, Deus se revela a Moisés,
ordenando-lhe que sua Palavra fosse posta por escrito. A Palavra de Deus se
situa em um contexto e em um tempo precisos; ela é portadora das marcas do
povo (Israel) que é seu destinatário, mas sua abertura atinge todas as nações
do mundo. Cada geração tem como tarefa confrontar esta Palavra revelada
para torná-la viva e atual através da leitura e do estudo contínuo.

Este estudo percorrerá, de maneira geral, aspectos do Judaísmo e de


sua história, particularmente se ocupará da atividade do Midrash (‫ )מדרשׁ‬como
busca do significado e prática das Escrituras. Percorreremos o caminho do
Judaísmo e dos sábios de Israel por meio do Midrash, que é uma maneira de
construir, aprofundar a consciência da fé no Deus que é Um e Único. Desvelar
o Midrash é tarefa complexa e não há aqui a pretensão de esgotá-lo. O esforço
será, embora limitado, de aprofundar as raízes judaicas nas quais o
Cristianismo nasceu e se desenvolveu. Portanto, sem uma frequentação, por
parte dos cristãos, deste universo fundador judaico, o conhecimento de si
mesmo é comprometido.

Por isso, entrar em contato com o povo judeu através do estudo do


Midrash requer, de nossa parte, muita humildade, dado que entramos num
terreno que não é do nosso domínio. O trabalho será feito através da leitura
das Escrituras, de fontes da literatura judaica e pela interpretação das mesmas,
a fim de poder aprofundar a historia do povo judeu, da sua Tradição e da
maneira como este povo vive e interpreta a Palavra de Deus.

No primeiro capítulo faremos um percurso histórico intitulado História


de Israel, História de Jerusalém, para compreendermos os diferentes
momentos marcados por altos e baixos, onde Israel, como povo, embora
sujeito às dominações estrangeiras, se manteve unido sem abrir mão da sua fé
2

monoteísta. Na sequência, veremos como no período rabínico se fará essa


transição teológica na reestruturação da Teologia de Israel e pela elaboração e
compilação do trabalho literário. O segundo capítulo trata das Características
da Torá1 Oral dos Fariseus. Nele, veremos que o Midrash e sua correta
compreensão dependem de um entendimento mínimo sobre esta questão
primordial. No terceiro capítulo, investigaremos sobre a Definição e Tipologia
do Midrash: Midrash Halakhah e Midrash Haggadah, fazendo uma
aproximação com a tradição cristã. E por fim, passaremos às considerações
finais apresentando resultados do estudo feito e seu aprendizado.

1
Em hebraico, Torá escreve-se ‫תורה‬. Usaremos sempre a forma Torá, exceto nas citações
literais dos autores às quais serão mantidas na forma usada por eles.
3

CAPÍTULO I
HISTÓRIA DE ISRAEL, HISTÓRIA DE JERUSALÉM

1.1. Uma história singular em continuidade

Os diferentes momentos históricos da história de Israel dizem algo de


singular referente a este povo2. Disposto a enfrentar os contextos históricos e a
ultrapassar toda espécie de desafio, o povo de Israel sempre esteve sujeito a
diferentes intempéries históricas envolvendo religião, Terra, Identidade, política
nacional e internacional, guerras, sociedade, economia, educação, etc.
Todavia, nunca se reduziu ou se fechou em nenhum destes aspectos. Israel
sofreu na pele não somente o Êxodo do Egito, os domínios Persa, Grego,
Romano, Bizantino, Islâmico, Turco etc., mas também a catástrofe da Shoah e
o anti-semitismo ao longo da história e na atualidade. É um povo que carrega
em si a consciência histórica, comunitária e de engajamento social em favor da
promoção e defesa da dignidade humana.

O Judaísmo se constitui a partir da visão monoteísta, “a fé no Deus


ֶ tendo como base da Religião a TaNaK3 enquanto Livro Sagrado, do
Um” (‫)א ָחד‬
qual apreende sua fé e práticas religiosas, sempre pautados nos valores
humanos por meio da ética, compromisso e justiça sociais. O Judaísmo nunca
estacionou na História. Sempre acompanhou a evolução dos tempos por ter
ciência de que o Conhecimento é a chave de sobrevivência do judeu em
qualquer parte do mundo.

2
O povo Judeu ‘enquanto o primeiro portador da promessa’ de Deus permanece no centro da
história do mundo. Poder-se-ia pensar que um povo tão pequeno não pudesse ter tanta
importância. Mas cremos que em todas as épocas e hoje, especialmente, há algo de particular
neste povo, pois as grandes decisões da história do mundo estão quase sempre, de uma
maneira ou de outra, em relação com ele”. Cardeal J. Ratzinger, O sal da terra, 1997, p.242-
243.
3
A palavra TaNaK (‫)תנך‬, do hebraico, significa T= Torá ou Mikra kodesh (os 5 livros de Moisés
ou Pentateuco); N= Neviim (Profetas), K= Ketuvin (os Escritos). Consiste na Revelação divina
feita a Israel pela mediação de Moisés. Lembramos que a Torah não é vista pelo judeu e nem
pelo Judaísmo de modo restrito ao Pentateuco. Aqui, ao mencionarmos a Torá, estamos
considerando a TaNaK na sua totalidade e inclui também a Torá Oral.
4

A historiografia apresenta 4 características que definem o povo de


Israel: a. Étnica - marcada pela tradição e pela consciência étnica; b. Religiosa
– marcada por três estágios na figura dos patriarcas Abraão, Jacó e Moisés. A
partir deles o monoteísmo judaico se faz presente ao longo da história; c.
Social – marcado pelo fato de ser uma “Congregação” unida pela fé no Deus
UM. Sua base consiste mais no indivíduo do que no lugar; d. Territorial4 –
marcada pela chegada de Abraão à Terra Prometida (Canaã) por Deus a
Israel. Tendo Moisés recebido de Deus a Promessa, transmite-a a Israel:

E acontecerá que, quando o Senhor te houver introduzido na


terra dos cananeus, e dos heteus, e dos amorreus, e dos heveus, e
dos jebuseus, a qual jurou a teus pais que te daria, terra que mana
5
leite e mel, guardarás este culto neste mês .

Introduzidos na Terra prometida por Deus, Israel vai desenvolver sua


identidade sobre esta Terra. São estes os elementos constituintes da
Promessa a Abraão: Povo, Terra e Deus. Um não é compreendido sem o outro
e o plano de Deus para a humanidade passa por esta ‘tríade’. Ignorar um
destes fatores é desconhecer o todo. No livro do Deuteronômio, Israel, tendo
saído da escravidão do Egito, já experimentando a liberdade, se volta para
Deus e reconhece a terra como grande dom recebido dele:

“E nos trouxe a este lugar, e nos deu terra que mana


leite e mel” 6.

Esta manifestação histórica se dá portanto na Terra de Israel e com o


tempo será marcada pela cidade de Jerusalém e por seu Centro, lugar da
presença de Deus (Shekhinah: ‫ )שׁכינה‬por excelência7.

A Bíblia nos informa que até o século XI a.e.c, o povo de Israel


conviveu com a realidade canaanita, até o surgimento da organização liderada
por David no final do século XI e início do século X. Depois sua organização foi

4
UNESCO. Vida e Valores do Povo Judeu. São Paulo: Perspectiva. 1972, p. 4
5
Êx. 13,5.
6
Deut. 26,9
7
Ez 48,35: “E o nome da cidade será: Adonai Sham – Deus nela habita”.
5

solidificada por seu filho Salomão com o estabelecimento de seu reinado e com
a construção do Templo.

O Período do Primeiro Templo sob o reinado dos Reis situa-se entre os


anos 1020-586 a.e.c. Em 705 reina Ezequias em Jerusalém. Em 587 o rei da
Babilônia, Nabucodonosor, conquista Jerusalém e destrói o Templo, enviando
os sobreviventes ao Exílio.

O Período do Segundo Templo data entre 586 ao ano 70 e.c. Em 538


Ciro, rei da Pérsia, permite o retorno dos judeus para Jerusalém. Em 440
Neemias fortifica os muros de Jerusalém. Esdras realiza uma Grande
Assembleia na cidade. Em 332 Alexandre, o Grande, da Macedônia, amplia
seu grande império e como consequência, depois de sua morte, toda a terra de
Israel estará sob o domínio grego. Com a divisão do comando entre os
generais de Alexandre, Israel estará sob o domínio, ora dos Ptolomeus, ora sob
o domínio dos Selêucidas. Em 198 Antíocos II assume o poder e no ano 169,
Antíoco Epífanes entra em Jerusalém e saqueia o Templo. Em 164 sob o
domínio dos hasmoneus, uma família judaica onde o pai Matatias, juntamente
com seus filhos, iniciaram uma grande campanha contra a presença grega em
Terra de Israel. Este movimento tomou força e conseguiu liberar a Terra de
Israel das mãos dos gregos, restabelecendo assim o culto do Templo e
instalando da mesma forma a soberania para o povo de Israel que durou um
século.

No ano 63, Pompeu, general romano, conquista a Terra de Israel,


incluindo Jerusalém, gerando com isso uma luta entre os irmãos Hyrcanos e
Aristóbulus. Jerusalém estará durante 30 anos sob o poder dos procuradores
romanos. No ano 37 Herodes, o grande, é coroado Rei, pelos romanos, e seu
reinado abrange toda a Terra de Israel. Com Herodes inicia-se uma grande
restauração de Jerusalém e particularmente se ampliará o espaço do Templo,
construindo praças públicas, ampliando a cidadela e adicionando construções
públicas.
6

No ano 4 e.c., surge um novo marco na história: o nascimento de


Jesus, o Cristo, o Messias esperado por Israel e reconhecido como tal pelos
seus seguidores. Herodes o grande morre nos primeiros anos de vida de
Jesus. Seu império será dividido entre seus três filhos: Judá e Samaria com
Arquelaos, Galiléia com Herodes e o norte com Felipe8. No entanto, depois de
6 anos de reinado de Arquelaos, Roma viu que ele não teria o mesmo carisma
de seu pai e por medo de que ele não pudesse manter a ordem sobre
Jerusalém, Roma vai destituí-lo e nomear em seu lugar um governador
diretamente de Roma. Portanto, no período de Jesus vamos ter uma realidade
política totalmente diferente entre o norte do país e o sul. Enquanto a parte da
Galileia e o norte gozavam de uma maior liberdade, Jerusalém era diretamente
governada por Roma sob um regime muito mais severo. Nos anos 30 da era
cristã, Jesus morre e dá inicio a uma nova realidade monoteísta, dado que a
concepção monoteísta judaica vai se expandir entre as nações, através dos
seguidores judeus de Jesus9.

O período Romano é datado entre os anos 63 a.e.c, que será seguido


pelo período Bizantino e vai de 324-638. O período persa vai de 614-629. Dos
anos 638 aos anos 1099 houve o primeiro período de dominação Muçulmana.
As Cruzadas situam-se entre os anos 1099-1244. Porém em 1187 Salah Hadin
conquista Jerusalém e inicia a expulsão dos cruzados, estes permanecem mais
um século em regiões não mais importantes no país, desaparecendo
definitivamente com a chegada dos mamelucos no período de 1267-1517. O
período de dominação Turca Otomana vai de 1517-1917. Praticamente a
dominação muçulmana perdurou do século VII ao século XX, com exceção
apenas do período das cruzadas. Com a queda do Império turco, na primeira
guerra mundial, a Terra de Israel ficou sob o domínio da Inglaterra que dura até
a expulsão dos ingleses pelos judeus em 1948, com a formação do Estado de
Israel. Com a declaração do Estado de Israel, a Jordânia invade uma parte que

8
Flávio Josefo. A Guerra Judaica. Livro Segundo, IX, 1.
9
Para uma completa visão deste período, ver: M. Avi-Yonah, “Historical Geography of
Palestine”, in: The Literature of the Sages. First Part, Compedia Rerum Iudaicarum ad Novum
Testamentum, Ed. by Samuel Safrai, USA: Fortress Press. 1987, p. 78-116.
7

era reservada para constituir aí uma nação para a população local e esta parte
representa o espaço atualmente em discussão para a formação do estado
palestino.

Portanto, ao longo da história, a Terra de Israel e seu centro principal,


Jerusalém, foram palco de muitas conquistas, guerras, perseguições e
expulsões. E o povo de Israel sofreu conseqüentemente todas as catástrofes,
perseguições e domínios de todas as naturezas.

1.2. Reforma do Judaísmo: um breve percurso histórico

O movimento de estudo e ensino realizados pelos rabinos no período


do Segundo Templo dava-se principalmente nos ‘círculos farisaicos’10. A partir
do momento da destruição do Segundo Templo, ano 70 d.e.c, pelo exército
romano11, a corrente farisaica viu-se desafiada a fazer uma reorganização e
reconstrução histórica do Judaísmo, tendo como ponto de partida a cidade de
Yavné, hoje próximo a Tel Aviv.

Há um consenso sobre o fato de que o desenvolvimento de um


movimento no interior do Judaísmo já se realizava a partir do período do exílio
da Babilônia. Vivendo uma realidade sem o Templo, o povo, para não perder
sua identidade, buscou uma atividade em torno da Palavra de Deus através do
estudo e da compreensão da mesma. Esta dinâmica não cessará quando
termina o exílio e o Templo será reconstruído. Portanto, ao longo do período do
Segundo Templo, vai se constituir uma atividade em complementariedade, não

10
Existiam três correntes principais entre os judeus: os Saduceus, os Fariseus e os Essênios.
Os Saduceus eram conservadores ligados à Lei escrita; muitos eram recrutados entre os
sacerdotes que serviam no Templo: “Suas doutrinas foram seguidas somente por um pequeno
grupo, mas se apresentavam como os primeiros em dignidade”, escreve Flávio Josefo (AJ 18,
7; BJ 2, 166), o que quer dizer que eles constituíam uma casta aristocrática, embora pouco
ouvida. Os Essênios, admirados por suas virtudes, viviam à margem da sociedade e
transmitiam seus ensinamentos aos novos adeptos somente após três anos de noviciado (BJ 2,
137-138). Resta a corrente farisaica, de maior presença entre a população, a que tinha “a
reputação de fornecer os intérpretes mais rigorosos das leis” (BJ 2, 162) e entre os quais se
encontravam “os maiores sábios Judeus e os que melhor interpretavam as leis ancestrais, de
muita aceitação popular, pois elas instruíam a juventude” (AJ 17, 149).) In Hadas-Lebel, M.,
HILLEL - Un Sage au temps de Jésus, Albin Michel, 1999.
11
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos, p.521-552.
8

em oposição ao Templo e que será doravante parte da identidade do povo


judeu12.

Após o Edito de Ciro, Rei da Pérsia, ano 538, o povo judeu recebeu a
permissão de retornar à sua Terra e de reconstruir Jerusalém. Esdras e Neemias são
encarregados de conduzir o estabelecimento do povo em Terra de Israel e de
acompanhar a reconstrução de Jerusalém com o seu Templo. Ambos os sacerdotes
desempenharam papel importante; Esdras, por sua vez, cuidou da renovação
espiritual do povo, o que o levou a ser reconhecido pela comunidade judaica como
“sacerdote e escriba versado na Torah de Moisés, dada pelo Senhor, o Deus de
Israel” (Esd 7,6.12).

“Esdras era estudante da lei (sofer: não escriba) que


dobrou todos os seus esforços para ter as Leis de
Moisés existentes na prática”13.

A prática da Lei sempre foi um dos focos do Judaísmo. Desde o


momento em que Moisés e Israel receberam a Torá de Deus no Sinai,
compreenderam que aceitá-la implicaria na prática da mesma. Já Neemias,
ocupou-se mais em fazer a reforma política de Israel. Ele afirma: “Mas os
primeiros governadores, que foram antes de mim, oprimiram o povo, e
tomaram-lhe pão e vinho e, além disso, quarenta siclos de prata, como também
os seus servos dominavam sobre o povo; porém eu assim não fiz, por causa do
temor de Deus” (Ne 5,15). E no cap. 13, Neemias recorda as reformas feitas
por ele em Jerusalém. No v.11 ele questiona as autoridades jurídicas e civis:
“Então contendi com os magistrados, e disse: Por que se desamparou a casa
de Deus? Porém eu os ajuntei, e os restaurei no seu posto”.

Outro texto bíblico que comprova o esforço de renovação espiritual do


Judaísmo é encontrado em Neemias 8,8: “Liam no livro da Lei de Deus de
maneira distinta, explicando o sentido dela e faziam compreender o que era
lido”. Este período de restauração é de suma importância para a identidade e

12
Etienne Nodet et Justin Talor, Essai sur les orgines du christianisme, Cerf, 1998, pp 164-194.
13
STRACK, L. Hermann. Introduction to the Talmud and Midrash. Athenaeum, New York, 1974,
p.201.
9

auto-compreensão de Israel, a ponto de Donner considerá-lo como a hora em


que nasce o Judaísmo14. Neste período, a Torá ocupava papel central na vida
do povo de Israel:

Após a monarquia seguida em Israel, (...) ocorreu o reinado da


lei. Depois do retorno da Babilônia, a Torah tornou-se mais e mais a
norma de acordo com a qual toda a vida de Israel foi regulada na
15
exterioridade e o centro de toda vida espiritual .

Portanto, o contínuo esforço do Judaísmo por meio da interpretação e


explicação da Escritura, levará os mestres, escribas de Israel e as
comunidades ao longo de toda a história de dedicação e estudo. E o resultado
deste longo período será a compilação da literatura rabínica, cuja composição
consiste na Mishná, no Talmud16, nos Targumim e Midrashim.

1.3. O Judaísmo Rabínico

Neste período, havia uma realidade sócio-religiosa fluida na sociedade


judaica até a destruição do Segundo Templo (70 d.e.c). A partir do momento
em que a elite sacerdotal ligada ao templo perde influência, ocorre a ascensão
dos fariseus, tornando-se rapidamente os principais líderes dispostos a realizar
marcantes e profundas mudanças estruturais na base do Judaísmo17. Mas, o
que representam os fariseus neste período da história?

Eles representam o principal seguimento judaico responsável


pela reconstrução social e religiosa do Judaísmo rabínico, renascido
das cinzas após a destruição do Segundo Templo. Esse grupo
estabeleceu o elo inconfundível entre os judeus da restauração pós-
exílica, proveniente dos escribas de Esdras, e o período subseqüente
18
dos sábios da Mixná .

A cultura ou civilização judaica nasce de um universo social, étnico e


religioso complexo, alicerçados na Bíblia, firmando-se definitivamente sobre o
trabalho de promulgação da Mishná (‫ )משׁנה‬e do Talmud (‫ )תלמוד‬dos sábios de

14
DONNER, Op. cit., p.488
15
STRACK, Idem.
16
Para uma visão complete, ver: Strack, Hermann L. Introduction to the Talmud and Midrash.
Fortress Press, 1996.
17
SCARDELAI, 2008 p. 126-130.
18
Idem, 2008 p. 129
10

Israel. O estudo da Torá enquanto Palavra de Deus será progressivamente


difundida em Israel. Tal estudo constituirá um lugar especial ou escolas no qual
se instrui na Torá. A redação dos Talmudim (pl. Talmud), levará o Judaísmo a
ser considerado como Talmúdico ou rabínico, atingindo, com isso, seu grau
mais elevado da identidade como povo judeu. Tal legado consolidará a
orientação do Judaísmo até a atualidade19.

1.3.1. A Literatura Rabínica

Seguindo a devastadora derrota pelos romanos e a destruição do


Templo, os rabinos estavam convencidos de que a própria sobrevivência do
povo judeu só poderia ser alcançada através da dedicação intensificada da
Torá. Isso inclui não somente os cinco livros de Moisés (A Lei Escrita), mas
também o entendimento completo do plano divino sobre como o povo de Israel
deve viver. Isso significa que a Torá Oral à qual os rabinos mantiveram, tem
sido parte da Revelação concedida a Moisés e subseqüentemente transmitida
na fé pelos líderes de cada geração, seus sucessores.

A Torá Oral20 consiste em duas grandes divisões: Halakhah e


Aggadah. Literalmente transmitida como “lei judaica”, refere-se a todas as
atividades da vida. Aggadah refere-se aos ensinamentos não-halakhicos, tais
como declarações de grandes princípios morais e éticos. Entre os estudiosos
do século primeiro, os dois gigantes foram Hillel e Shamai, que continuamente
se enfrentaram em suas interpretações da Lei da Torá. Shamai geralmente era
extremamente rigoroso, enquanto que a abordagem de Hillel era mais liberal e
simpática. A multiplicidade de opiniões divergentes, levou vários rabinos a
organizar as suas próprias coleções de mishnayot (plural de Mishná)21.

19
Idem, Ibidem, 2008 p.130
20
É interessante perceber como a literatura rabínica é ampla em sua compreensão. Os
midrashim Halakha e Aggadá são incorporados dentro da Torah oral. Einserberg nos alerta
para um detalhe importante. Segundo este, mencionar a Tanach, os Sábios de Israel, o Talmud
como Literaturas Judaicas é tratar de modo geral da Revelação divina enquanto Palavra de
Deus que também se expressa em palavras humanas.
21
EINSERBERG, Ronald L. JPS GUIDE. Jewish Traditions. Philadelphia: The Jewish
Publication Society, 2008. p. 498-499
11

CAPÍTULO II
CARACTERÍSTICAS DA TORÁ ORAL

Quando se deu início a oralidade da Palavra? Certamente antes que a


Palavra tenha sido escrita. Assim é a evolução da Palavra de Deus.
Primeiramente há a oralidade, a compreensão, a experiência de Deus no seio
da comunidade viva. Com o tempo esta experiência de fé é posta por escrito e
uma vez que temos o texto, a oralidade desenvolve o escrito e cria novamente
sua própria realidade oral sobre o texto.

Primeiramente estamos falando da Torá, antes mesmo de falarmos de


seu aspecto escrito ou oral. No sentido mais estreito e limitado, podemos falar
da Torá escrita como o Pentateuco e de maneira mais larga de Escrituras.
Porém, para ser mais preciso, quando falamos de Torá estamos entendendo
Palavra de Deus: para a parte escrita temos as Escrituras (por isso escrita),
mas a dinâmica da transmissão da Palavra, sua interpretação e sua
atualização são também entendidas como Torá e neste caso é Torá Oral.

Para a Tradição judaica, a Palavra de Deus é Una, mas se manifesta


de duas maneiras e as duas formas têm a mesma importância e valor. A
transmissão oral em relação às Escrituras é parte integral do que está escrito,
não é uma repetição: as duas são uma. A Palavra de Deus segue as duas
formas: Escrita e Oral. Sl 62,12: “Deus falou uma vez; duas eu ouvi: que o
poder pertence a Deus”. (‫)אחת דיבר ’ה שתיים זו שמעתי‬. Assim, do ponto de vista
de quem a recebe (o povo), não há Palavra de Deus em uma única realidade:
ela se manifesta na forma escrita e na forma oral. A Palavra é escrita e oral.
Como se fossem a matéria e o espírito, mas indivisível. Este universo da
Palavra de Deus e sua dinâmica se desenvolvem, como já vimos,
especialmente no período do II Templo e no interior da comunidade judaica, o
grupo mais ligado ao povo, o grupo dos Fariseus é o portador de mais
importância desta atividade.
12

2.1. Revelação no Sinai: duas torot22

A literatura rabínica nos mostra que a Revelação divina foi dada a


Moisés sob duas formas: oral e escrita. Assim, ao trabalharmos neste capítulo
sobre a Torá oral, buscamos compreender em que ela consiste, sua amplitude
e riqueza. Iniciemos então com o Êxodo Rabá que nos informa que:

Deus disse: todas estas palavras, isto é, tudo, o escrito e o oral;


porém, no momento de pô-las por escrito, disse a Moisés: escreve
estas palavras, quer dizer, o Senhor não disse a Moisés que
23
escrevesse todas, mas somente uma parte; o resto é Torah oral .

Este comentário nos mostra que a intenção de Deus consiste em


revelar a sua Palavra por escrito, mas também permitir que a tradição seja um
veículo da sua Revelação. Isso é muito interessante à medida que Deus, ao
revelar-se ao ser humano, quer igualmente valorizá-lo em sua capacidade de
transmissão. Moisés recebeu de Deus a Palavra em suas duas formas: a Torá
escrita e a oral. E mais do que isso: Moisés recebeu e as transmitiu à
comunidade de Israel. O vínculo entre estudo da Torá e comunidade é o
espaço vital e natural da vida religiosa judaica. O princípio é que a Palavra foi
revelada à comunidade e em função da comunidade, e é, portanto, nesta
relação, que a Palavra se materializa.

A Torah, sendo o centro que irradia a vida na comunidade e


com a qual a comunidade se ocupa, faz com que todas as questões
referentes à existência sejam a ela dirigidas. A Torah será
perscrutada em todos os sentidos. Esta é a razão pela qual existe um
leque tão grande quanto diversificado de ensinamentos midráshicos.
24
A fonte inatingível da Torah será indagada incessantemente .

Essa irradiação de vida nos membros da comunidade e resposta com


sentido às perguntas que estes fazem, é o que dá autoridade e atualidade às
Escrituras. É o sentido que se abre que motiva a busca contínua e incansável
da Palavra. Daí a grande riqueza de hermenêutica midráshica, que nos leva a
considerar a Escritura como fonte inesgotável de novos sentidos.

22
Plural de Torá (‫)תורות‬
23
Êxodo Rabá 47.
24
PASSETO, Elio. Perscrutar a Torah: Literatura bíblica aos mestres de Israel.1994. p.5
13

Ben Bag Bag dizia: vira e revira [a Torah], pois tudo nela se
encontra; contempla-a, envelhece e consome-te nela, mas nunca te
25
afastes dela, pois não tens porção melhor .

Este sábio ensinamento da ética dos pais nos ensina que manter-se
conectado à Torá pela busca ávida e contínua da Palavra permite ao indivíduo
ter em suas mãos pistas de respostas existenciais que o ser humano tanto
busca enquanto ser que se questiona sobre si, sobre Deus, sobre a pessoa
humana. A oralidade da tradição está baseada na Palavra que é recebida de
Deus para alimentar toda experiência de vida do povo26. Por isso, o deleite
sobre a Torá por meio do estudo e da investigação é como estar ligado a uma
fonte inesgotável de sentidos. E afastar-se dela é como habitar o deserto seco
e árido do vazio existencial e da ausência de sentido. A Torá oral, tal como os
mestres fariseus a entenderam, possui um papel central na compreensão
desse sentido por meio do aprofundamento do dinamismo intrínseco ao
Midrash27.

“Por isso, antes mesmo da escritura cristã ser Torah


escrita [Torah she-bihtav], é também Tradição, i.é.,
Torah oral [Torah she-be’alpê]”28.

É de se entender que a Tradição cristã é tributária da oralidade como


veículo de sua própria fé. Na verdade ela nasceu no contexto da oralidade da
Palavra de Deus na qual vivia o Judaísmo. A Comissão Bíblica, no seu
documento: O povo Judeu e suas Sagradas Escrituras, na Bíblia cristã,
2002, menciona que também os primeiros cristãos viveram a experiência da
tradição oral: eles liam nas Escrituras de Israel. Os ensinamentos dos
Apóstolos sobre o acontecimento da Ressurreição de Jesus, são parte do
contexto da oralidade da Palavra de Deus sobre a Ressurreição. (cf. At 2,42)29.

25
Mishná Avot 5,22.
26
LENHARDT, Pierre. COLLIN, M. A Torah Oral dos Fariseus - Textos da Tradição de Israel.
Documentos do Mundo da Bíblia, vol 10. 2ª. ed. São Paulo: Paulus, 1997, p.9.
27
Este tema será definido e aprofundado no próximo capítulo.
28
PASSETO, 1994, p.5. A fé cristã também é herdeira deste manancial da sabedoria oral.
29
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, pg. 32
14

Essa Torá Oral dada por Deus a Moisés consiste na expressão da


mesma Palavra de Deus que, juntamente com a escrita, formam uma única
Palavra de Deus. Moisés possuía o mais alto grau de profecia e, por isso,
Deus pôde ensinar-lhe a Torá Oral de forma abrangente e detalhada30. O fator
que contribui para a recepção da Torá oral é o fato de haver uma relação de
proximidade (intimidade, amizade) entre Deus e Moisés, comprovada pela
própria Escritura: "Falava Deus a Moisés face a face, como um homem
qualquer fala a seu amigo" (Êxodo 33,11). E esta relação ‘dialogal’ possibilitará
um esvaziamento (Kênose) de Deus entregando-se, ou seja, revelando-se, se
auto-revelando no dom da Torá oral e escrita ao povo de Israel no Sinai pela
mediação de Moisés.

No Pentateuco encontramos outra passagem que se refere à


transmissão da Torá Oral. Deus disse: "Boca a boca falo com ele, claramente e
não por enigmas" (Nm. 12,8). Aqui Deus, após elogiar Moisés como homem
fiel, deixa transparecer a clareza da sua Palavra dirigida diretamente a ele.
Moisés, ao recebê-la, irá transmiti-la ao povo dentro do mesmo espírito, no face
a face e pela oralidade, com a mesma veracidade e vontade determinada.
Portanto, a Palavra de Deus se manifesta em duas formas: Escrita e Oral. As
duas são expressões da mesma Palavra e não se apresentam em grau
diferente de importância. As duas formas se interagem e permitem à Palavra
ser memorizada e ao mesmo tempo ser atualizada.

2.2 A coerência da Torá Oral

Frente ao reconhecimento da inseparabilidade das duas formas de se


manifestar da Torá, analisaremos de modo mais detalhado os elementos que
dão importância à Torá oral no Judaísmo. Faremos este caminho sob o viés da
hermenêutica de Pierre Lenhardt que a analisa num desdobramento de 3
aspectos: “a Torá oral é coerente, histórica e manifesta”31. Em nosso estudo,

30
Morashá, p.1
31
LENHARDT, 1997. p.10
15

analisaremos brevemente a dimensão da coerência da Torá para percebermos


sua relevância e pertinência.

2.2.1 A Torá Oral engloba a Torá escrita

Como vimos no capítulo anterior, Moisés ao receber a Torá no Sinai,


tem a missão de transmiti-la ao povo de Israel para que este a interiorize e a
pratique na vida. Como já vimos, essa transmissão é feita por dois caminhos: o
oral e, posteriormente, o escrito. Podemos constatar tal realidade no seguinte
escrito:

Moisés recebeu a Torah no Sinai e a transmitiu a Josué. Josué


transmitiu-a aos anciãos e os Anciãos a transmitiram aos Profetas. Os
Profetas transmitiram-na aos homens da Grande Assembleia. Estes
disseram três coisas: Sede ponderados no exercício da justiça;
32
suscitai muitos discípulos; fazei uma cerca ao redor da Torah .

Notemos primeiramente que a responsabilidade na transmissão da


Torá é feita de líder para líder. Aparecem aí: Moisés que recebe de Deus a
Torá no Sinai, Josué que recebe de Moisés a missão de conduzir o povo de
Israel até a Terra prometida para que a Palavra divina se cumprisse na história.
Josué a transmite aos Anciãos. Quem são os anciãos na história de Israel,
senão os grandes sábios, muitos deles conselheiros dos reis de Israel? E os
homens da Grande Assembleia, era uma instituição política e social cuja
origem é datada do período de Esdras.

Esta sequência na citação não é fundamentada a partir de um texto,


mas ela está em relação ao aspecto da transmissão oral na continuidade do
povo na história. Tudo o que faz o povo é transmitido de maneira escrita,
quando isso foi possível, mas, sobretudo a partir da sabedoria, costumes e
práticas que as gerações carregam.

32
Mishná Avot (Ética dos Pais) I,1-2
16

A Tradição oral dos Fariseus33 remonta ao Monte Sinai. A Palavra de


Deus revelada a Israel se manifesta de duas formas: Escrita e Oral. Esta
tradição oral que é ao mesmo tempo, Palavra de Deus, será transmitida de
geração em geração. Sua aplicação prática na vida do povo, que é um
mandamento de Deus a Moisés no dom da Torá, se dá na medida em que
Israel vai compreendendo esta Palavra.

A Torah se desenvolve em culto e ações recíprocas


inspiradas pelo amor (...). Mas essa Torah é apresentada como
Torah “subjetiva” vivida pelos homens e mulheres de Israel,
34
individualmente e em comunidade .

A Palavra de Deus é rezada e praticada por toda a comunidade e por


cada membro da comunidade de Israel, ou seja, por cada judeu
individualmente. Ela é vivida na verticalidade e na horizontalidade: servindo a
Deus por meio dos sacrifícios realizados no Templo e na oração do coração,
bem como nas relações sociais e na reciprocidade do amor ao próximo.

Portanto, a Torá oral engloba a Torá escrita. E ao englobar esta última,


a Torá oral torna-se mais elevada. A Torá oral recebida, transmitida e escrita é
vivida pelo povo judeu em sua totalidade. A comunidade de Israel, ao assumir a
Torá, toma consciência e reconhece a fidelidade do amor predileto de Deus por
seu povo. E a comunidade, ao corresponder a esta fidelidade, mantém a
autoridade da Palavra divina revelada na história35.

2.2.2. A Torá Oral precede a Escritura; ela é preferível

Além de a Torá ser mais elevada, há outros pontos que dão


importância à Torá oral. Vejamos:

“A Torah oral é o código fundamental da Aliança; ela


revela a eleição de Israel e certifica sua separação
dos outros povos”36.

33
LENHARDT, 1997, p.15
34
Idem, p.16
35
Idem, ibidem.
36
LENHARDT, 1997. p.17
17

A aliança de Deus com Israel fundamenta a continuidade histórica da fé


monoteísta judaica. Israel é separado (santo) para ser Luz dos gentios ou luz
das nações. Ou seja, para fazer o Deus UM conhecido por todos (Is 42,6). A
Torá, enquanto Dom de Deus para Israel e, posteriormente, para as nações, é
inseparável do seu amor por Israel. Tanto nas Escrituras como nos sábios de
Israel isso é confirmado. Vejamos a seguinte passagem da Mishná Avot:

Rabi Halafta, filho de Dosa, da Vila de Hananya, disse: quando


o povo se senta junto e se ocupa com a Torah, a Shechinah,
Presença de Deus, habita entre eles: Deus está na Congregação dos
37
justos .

Deus quis fazer a Aliança com Israel porque este não se exaltou acima
de Deus. Com humildade reconhece que Deus é o Senhor e ele, Israel, é o Seu
povo. O seguinte Midrash nos comprova isso de maneira muito clara:

Deus disse a Israel, Eu te amo, mas não é porque sejas mais


que os Gentios, e não porque cumpres meus mandamentos (mitzvot:
‫ )מצוות‬que eles, por eles ampliarem meu nome mais do que tu e és
você é a menor de todas as nações (Dt 7,7). Mas porque fizeste o teu
38
eu menor do que eu, por isso eu te amo .

A primeira dimensão deste diálogo é o encontro entre o povo de Deus


do Primeiro Testamento, jamais revogado por Deus. A este respeito, o Papa
João Paulo II, na sua alocução aos representantes da comunidade judaica da
Alemanha Federal, fala do povo judeu como:

"O povo de Deus da Antiga Aliança que nunca


foi revogada [anulada]39”.
37
Mishná Aboth III, 7 sobre o Sl 82, I. A Mishná é o maior e mais tardio livro. Foi escrita em
Séforis. Contém comentários de versículos bíblicos e é um texto independente, escrito em
hebraico. É o código de comportamento da comunidade. Ela ensina o que é e não é permitido
à comunidade. O término da redação final da Mishná foi no ano 210. Ela é dividida em seis
ordens. In: EINSERBERG. 2008, p.501
38
Tanh. B. ‘Ekeb, 9 fin, p. 110. O Midrash Tanhuma faz parte dos midrasmim homiléticos.
Estes são mais discursivos e estruturados em torno de sermões que expõem versículos ou
porções semanais da Torá ou de leituras para os shabatot (pl. de Shabat) e festas especiais.
In: JPS Guide, p. 508.
39
Disponível em:
http://www.sainterosalie.org/pdf/Hubert_Cauchois. O significado de revogada em destaque é
nosso. Esta alocução de João Paulo II deu-se em Mayence, Alemanha Federal, a 17 de
novembro de 1980 e ficou consagrada. Em várias outras oportunidades ele repetiu esta sua
frase magnânima. Em muitas outras oportunidades de diálogo entre judeus e católicos na
18

Deus nunca anulou sua Aliança com Israel porque, conforme as


Palavras do Apóstolo Paulo: “os dons e a vocação de Deus são sem
arrependimento (Rm 11,29). Deus não volta atrás em sua palavra dada a Israel
porque ao fazer uma aliança de amor e fidelidade com este povo, ele, o próprio
Deus, quer que esta seja para sempre, ou seja, eterna. Há uma multiplicidade
de textos bíblicos que comprovam esse querer e iniciativa de Deus para com
Israel. Esta aliança foi proclamada, pela primeira vez no livro do Êxodo e
considerada eterna.

“O Senhor lembrar-se-á sempre da sua aliança” (...).


“Redenção enviou ao seu povo; ordenou a sua
aliança para sempre40.

“E eu vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus;


e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus, que
vos tiro de debaixo das cargas dos egípcios”41.

“Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei da terra


do Egito, para ser vosso Deus. Eu sou o Senhor
vosso Deus”42.

Recentemente, a este respeito, o Papa Francisco, em entrevista à La


República, escreve fazendo um elogio ao povo judeu por ter mantido a fé,
confirmando, com isso, a eleição de Israel por parte de Deus. Ele afirma:

(...) O que posso dizer, e sou acompanhado pelo apóstolo


Paulo, é que Deus nunca deixou de acreditar na Aliança feita com
Israel e que, através das terríveis provações destes últimos séculos,
os judeus mantiveram sua fé em Deus. E por isso, nós nunca lhes
seremos gratos o suficiente, não apenas a Igreja, mas também a
humanidade", escreveu o papa. Um diálogo aberto com os não
crentes43.

prática, essa frase foi evocada por diversas vezes pelas lideranças religiosas judaico-cristãs.
Acesso em 20 abr. 2012
40
Sl 110/111 v. 3.9
41
Nm. 15,41
42
Êxodo 6,7
43
Disponível em: http://www.repubblica.it/cultura/2013/09/11/news/the_pope_s_letter-
66336961/?__akacao=1596200&__akcnt=fe5cfd78&__akvkey=312e&utm_source=akna&utm_
medium=email&utm_campaign=Boletim+261+-+Papa+e+os+judeus
Acesso em 22 set. 2013. Leia também a Carta Encíclica Lumen Fidei do Papa Francisco jun/13
19

No livro do Deuteronômio, Deus expressa sua livre escolha para fazer


de Israel o seu amado povo eleito: “Porque és povo santo ao Senhor teu Deus;
e o Senhor te escolheu, de todos os povos que há sobre a face da terra, para
lhe seres o seu próprio povo”44. A partir do momento em que a Escritura
enquanto Palavra de Deus se torna norma de vida para Israel, em família, (na
celebração do Shabat), na liturgia sinagogal e nas Festas incessantemente, ela
é comentada e atualizada em vista da prática. E é esta mesma aliança que
torna Israel um povo ‘separado’, Santo. Nisto consiste sua eleição, que é
acompanhada de uma missão particular e universal: crer e dar testemunho do
Deus UM estudando e praticando a Torá e tornando-O conhecido por todos os
povos.

Nesse sentido, os mestres de Israel realizaram esta atividade com


sabedoria ao divulgar suas descobertas estando no meio do povo e mantendo-
as pela liturgia sinagogal. O Talmud de Jerusalém (Peah II, 617ª) aborda a questão
da Torá oral, comprovando a veracidade da existência das torot. Porém nesta citação
o Talmud faz um elogio à Tora Escrita, pois é ela que comprova a existência da Tora
oral. De acordo com o livro do Êxodo, o fato de ter sido posta por escrito,
comprova a veracidade da Palavra de Deus em sua convicção profunda em
fazer uma Aliança com Israel. O Rabbi Haggai em nome do Rabbi Shemuel bar
Nahman afirma:

Foram ditas palavras oralmente e outras foram ditas por


escrito. Não saberíamos quais são as preferíveis se não estivesse
escrito. Disse mais o Senhor a Moisés: Escreve estas palavras;
porque conforme ao teor destas palavras tenho feito aliança contigo e
com Israel. (Êxodo 34,27). Assim se entende que as palavras orais
45
são preferíveis .

A seguinte citação do Talmud expressa a coerência da Torá e sua


atualização.

O que sustenta que a Torá oral é anterior à escrita é sua


necessidade prática e teológica. Assim, torna-se evidente a
46
preferência dada à Torá oral. É preferência inspirada pelo amor .

44
Deut. 14,2
45
LENHARDT, 1997 p. 20
46
Idem, p. 21
20

2.2.3. A Torá oral transmite a Torá escrita e interpreta toda a Torá

A Torá escrita é transmitida pela Torá oral, porque tendo o mestre lido
a Torá escrita, sua palavra já é Palavra de Deus47. Só pelo fato de ler48 a Torá,
o mestre torna-a oral. E o fariseu, ao afirmar:

“Toda a Torah” ele quer significar: Torah escrita e


Torah oral”49.

De acordo com o livro do Pentateuco, ‘toda a Torah’ resume-se em


amar a Deus e ao próximo50. Esse resumo é possível devido à Torá oral como
plenitude coerente e dinâmica. Graças à vivência da oralidade da Torá vivida
por homens e mulheres de diferentes épocas na história de Israel, a Torá pode
ser reconhecida como completa e perfeita. No tocante à relação mestre-
discípulo, a Torá oral deixa claro que se trata de uma relação de aprendizado
da fidelidade ao texto. Nesse sentido:

A Torá Oral tinha o propósito de ser transmitida do mestre para


o discípulo. Desta forma, o aluno não confiaria em sua própria
interpretação de um texto escrito, e buscaria esclarecimento para
51
suas dúvidas com seu mestre .

A relação mestre-discípulo no Judaísmo é um viés importante para a


compreensão do estudo da Torá. O mestre garante a fidelidade ao sentido
original da Torá oral e escrita, ou seja, aquilo que a Revelação divina quis
transmitir. Nesse sentido, o discípulo ao receber a sabedoria do mestre a

47
Idem, ibidem.
48
Fazendo estudos do Talmud com o rabino Schindler em Jerusalém, pude perceber que a
leitura da Torah é feita em voz alta para que todos a ouça. Tal leitura tem um ritmo e entonação
de voz que dá à Escritura a autoridade que lhe é própria. Esta é uma prática comum dos
rabinos nas sinagogas durante a liturgia e em estudos da Torah, bem como nas ieshivot (sing.
Ieshivá). E os discípulos (alunos), de acordo com seu nível de domínio da língua hebraica
acompanham a leitura da Torá.
49
LENHARDT, 1997, p. 26.
50
Cf. Dt 6,4-5 e Lv 19,18. Jesus, como bom judeu vai retomar a tradição judaica: Mt 22, 37-39;
Mc 12,30-31; Lc 10,27: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti
mesmo”.
51
Rabi Aryeh Kaplan. Guia do Pensamento Judaico. In: Revista Morashá, p.1
21

transmitirá e nesse processo de transmissão torna-se mestre. Além disso, A


Torá oral é o critério ‘sine qua non’ é possível o conhecimento da Escritura:

“A Torá oral, a quem ele chama de Tradição, é o


que permite o conhecimento da Escritura”52.

2.2.4. A Torá oral cumpre a Torá escrita

A Torá oral cumpre as Escrituras. Esse cumprimento é feito pela


exegese autorizada dos Sábios, o Midrash hakanin, que esclarece e sustenta a
prática dos mandamentos53. E o cumprimento da Escritura se dá em três
níveis: a. pela exegese que leva à compreensão do que a Escritura introduz; b.
pela ação, agindo em conformidade com o que a exegese ensinou. É aí que a
Torá oral se torna plenamente Torá vivida; c. pelo cumprimento das promessas
proféticas na história da salvação, sem anular os níveis anteriores54.

Notamos então que o nível da exegese, ou estudo aprofundado da


Escritura com todos os seus recursos técnicos que os exegetas utilizam,
contribui para o cumprimento da Escritura. Isso porque o exegeta ao ler e
interpretar atualiza a Palavra e seu sentido levando a comunidade a uma
correta compreensão da Palavra de Deus. Já o nível da ação ou prática da
Escritura depende da interiorização da mesma, feita por cada indivíduo e pela
comunidade que ouviram (shomiim: ‫ )שׁומיים‬a Palavra interpretada com
fidelidade pelo exegeta, pelo líder ou pelo sábio. Além disso, é neste nível que
a Torá oral se torna Torá vivida que dá sentido à existência dos fiéis.
Por isso, há muitas passagens nas quais os sábios de Israel se referem
ao estudo da Torá como caminho que leva à ação. Estudar a Palavra é pôr-se
já em direção da prática da mesma. É o que nos atesta a afirmativa de Rabbi
Akiba:

“O estudo [da Torá] é muito importante, pois leva à


ação”55.

52
Rabi Hai Gaon, idem p. 31.
53
LENHARDT. 1997 p. 33.
54
Idem, p.34
55
Sifré Deutéronomio Dt 11/13 Pisq 41 p. 85.
22

A Torá oral ao pôr a questão: “como é que eu cumpro a Escritura”


vincula a Torá oral à Torá escrita. A justificativa deve-se ao fato de que, para a
Torá oral:

“Ouvir o Senhor é ouvir a Torah Oral, a interpretação


autorizada pelos sábios, pelos Mestres. Não ouvir o
Senhor é não ouvir o Midrash dos Sábios” 56.

Portanto, poderíamos então afirmar que, em se tratando do Midrash


enquanto busca pelo significado e prática da Escritura, objeto do nosso estudo,
é necessário considerarmos os dois pilares da fé: ouvir ao Senhor e ouvir a
interpretação dos sábios de Israel para posteriormente praticá-la com retidão e
coerência. Ao agir assim, o indivíduo e a comunidade de fé estão no caminho
da busca pelo verdadeiro sentido da Escritura.

2.2.5. A Torá oral manifesta a unidade e a divindade de toda a Torá

Quem já leu toda a Sagrada Escritura, quer pelos estudos teológicos


quer pela leitura espontânea, fiel e diária, tem consciência da sua
complexidade quanto à captação da totalidade de sentidos nela intrínsecos.
Um dos recursos utilizados pelos sábios de Israel na leitura e interpretação da
Escritura é a Harizah (‫)חריזה‬, uma espécie de colar de pérolas com as palavras
da Torá escrita. Ele é empregado toda vez que a comunidade quer ensinar um
ponto importante da fé de Israel, como a ressurreição dos mortos. Em Lucas
24,1-53 Jesus faz uma harizah. Seu objetivo é abrir os ouvidos dos ouvintes
para compreender as Escrituras em relação ao sentido profundo da sua vida,
morte e ressurreição. Desse modo, para a tradição lucana: Jesus ensina como
mestre da Torá oral. Jesus, graças à harizah, faz perceber a unidade e
divindade de toda a Torá sobre os últimos acontecimentos.

A narrativa de Lucas mostra quanto o Evangelho tira a sua força da


Torá oral, que fala pela boca do mestre vivo. Esse mestre, que cumpre a
Escritura por sua exegese, é aquele que a cumpre também, na ação, morrendo

56
LENHARDT, 1997 p. 33.
23

por amor; pela sua ressurreição, finalmente ele inaugura o fim da história da
salvação em conformidade com as Escrituras57.

Mesmo com os limites da linguagem, o ser humano é apto para captar


a unidade e divindade da Revelação. Nesse sentido, o grande mestre Rabi
Aqiba afirma:

“A Torah expressa em linguagem humana, guarda a


transcendência de sua origem”58.

Do ponto de vista da unidade das Escrituras vista do apocalipse ao


Gênesis e vive-versa, a visão, reconhecimento e adesão na fé que se tem é de
uma grande Revelação: Deus é Amor. Para o Judeu, Deus é Um. Do ponto de
vista cristão, reconhecendo o patrimônio espiritual da fé no Deus UM que
herdamos do Judaísmo e a partir da hermenêutica e fé em Jesus morto [por
mãos humanas], ressuscitado e glorificado por Deus como confirmação de sua
existência totalmente entregue e obediente a Ele, esse Amor de Deus se
desdobra em Unidade (UM) e Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo). Portanto, o
Deus cristão é Uno e Trino.

2.2.6. A Torá oral é regra de vida revelada oralmente a Moisés no Sinai

Rab yehudah disse em nome de Rab Arika: “Na hora em que


Moisés subiu ao céu, encontrou o Santo, bendito seja, que estava
59
sentado e guarnecia as letras com coroas (...) .

Na perspectiva de Lenhardt, esse conto revela o rosto de Deus como


Alguém que ao enfeitar as letras da Torá com coroas nos ensina o modo com o

57
LENHARDT, 1997 p.36. Os ensinamentos de Jesus confirmam que ele era um grande
conhecedor da Torah oral e escrita, considerado posteriormente pelos estudos mais recentes
como pertencente ao grupo dos fariseus. Maccoby, Hyam, em sua obra Jesus the Pharisee.
London: Scm Press. 2003 p. 20, afirma que escritos rabínicos evidenciam uma forte afinidade
entre Jesus e os fariseus, inclusive a crença na ressurreição dos mortos. O Talmud também vê
nele reminiscências de uma figura rabínica. O autor defende a posição de que os rabinos eram
os sucessores autênticos dos fariseus (...) e que as posições haláchicas de Jesus como
registrado nos Evangelhos são intimamente paralelas às dos Rabinos.
58
Idem, pg. 37
59
TB Menahot pg. 29b. Deus enfeitava as letras da Torah.
24

qual devemos escrever os rolos da Torá e ler a Escritura: com um amor alegre.
Por isso, segundo o autor:

“Os homens devem cuidar da Torah, lê-la, copiá-la,


interpretá-la e cumpri-la!”60.

Cuidar da Torá, antes de tudo significa amá-la e recebê-la hoje,


sentindo-se nos sapatos de Moisés no Sinai. É sentir-se Moisés com tudo o
que Moisés significa em termos de responsabilidade e compromisso diante de
Deus e da comunidade. A amplitude da Torá oral exige de nós uma capacidade
de visão dialético-transcendental. Uma visão capaz de captar o passado e o
presente que abrem prospectivas para o futuro. Afirma ele:

A Torah oral é una, composta de Torah oral e Torah escrita,


constituída, antes de tudo, pela Torah oral, que precede e engloba a
Torah escrita. Desse modo, ela contém ‘regras de Moisés desde o
Sinai’, anteriores à Escritura, transmitidas e explanadas, e que
61
ficaram fora da Escritura .

Requer de nós uma visão capaz de captar inclusive a Torá oral e


escrita em sua continuidade histórica e evolução exegética, hermenêutica e
transmissão que atualizam esses eventos. O seguinte esquema, apresentado
por Lenhardt poderá nos ajudar a compreender melhor o que acabamos de
mencionar. Ele explica:

O cone é a Torá oral. Os três cubos representam a Escritura Judaica


ou TaNaK (Pentateuco, Profetas, Escritos) e deixam ao seu redor um largo
espaço. Por este espaço podem passar as regras de Moisés desde o Sinai,
representadas pelas setas. Essas regras partem de Moisés porque são
teologicamente mosaicas. (...) A comunidade responsável as pronuncia (...)
e as pratica com confiança. A Torah oral é soberana, (...) cada vez mais
ampla que a Escritura que a engloba e à qual não precisa fazer referência.
62
(...) A Torah oral engloba também a exegese que interpreta a Escritura .

60
LENHARDT, 1997 p.42
61
Idem.
62
Ibidem, p.43
25

2.2.7. A Torá oral pode dispensar a Torá escrita

“O costume dos pais é Torah”63.

Esta afirmação deixa claro que as experiências de vida e sabedoria


adquiridas pelos pais que são transmitidas à comunidade ganham importância
fundamental a ponto de a Torá escrita ficar em segundo plano. Isso porque no
Judaísmo, a tradição oral é já Torá.

2.2.8. A Torá ensina a Ressurreição dos mortos

Esta discussão sobre a ressurreição dos mortos está inteiramente


desenvolvida por Pierre Lenhardt em sua obra A Torah Oral dos Fariseus64.
Não iremos analisá-la em nosso estudo devido à sua complexidade.

Portanto, entende-se que a Torá oral é diferente da Escritura e


ultrapassa sua ‘não-escrituricidade’, por ser ela anterior à Escritura. A Torá oral
vivida prolonga a Torá oral transmitida, desenvolvida, prolongada pelas
pessoas vivas. Ou seja, a prática da Torá oral, cumpre a Torá escrita, que por
sua vez gera tradição oral. Há aqui uma espécie de dialética. Enfim, a teologia
farisaica da Torá oral fundamentada na coerência da Torá, tem como ápice o

63
LENHARDT, 1997 p. 49
64
O desenvolvimento completo sobre a ressurreição encontra-se nas páginas 49 a 58.
26

ensino da ressurreição. E o contato com este ensino irradia uma dupla luz: a
Torá como fonte da vida, deve ser vivida e, portanto, deve ser oral, antes,
durante e depois da Escritura; a Torá, porque é oral, pode ensinar a vida e dar
essa vida neste mundo e no mundo futuro.
27

CAPÍTULO III
DEFINIÇÃO E TIPOLOGIA DO MIDRASH

Vimos no capítulo anterior que a Torá oral não se opõe à Torá escrita
nem é um complemento da mesma. É neste universo da Torá, em sua forma
escrita e em sua oralidade, que se situa o Midrash65. E é justamente o Midrash
que ilumina a existência da Torá66:

“O Senhor disse a Moisés: escreve estas


palavras”67.

Nossa proposta neste capítulo é a de definir e caracterizar o Midrash.


Nesse sentido, partiremos da definição de Midrash dada por alguns autores
para podermos compreender em profundidade o seu significado e importância.
Na verdade não há uma definição única, o que nos permite apreendê-lo com
maior riqueza. Além disso, sabe-se que no Judaísmo não há conceitos
estáticos, uma vez que o trabalho rabínico sempre se interessa em dar novas e
atualizadas roupagens à interpretação da Escritura, em conexão com a
evolução dos tempos e acontecimentos do mundo. Constatamos que não há
precisão na datação do nascimento do Midrash na história de Israel e
possivelmente continuará imprecisa. Isto faz parte de um processo que se
desenvolve conjuntamente com a revelação e com a consciência que o povo
judeu adquiriu da Palavra de Deus em sua história. Entretanto, pode-se estudar
a importância do Midrash e seguir seu desenvolvimento já na própria Bíblia,
percebendo a sua ulterior evidenciação nos Mestres de Israel68.

65
O plural de Midrash é Midrashim (‫)מדרשׁים‬.
66
O plural de Torah é torot.
67
Ex. 34,27
68
PASSETO, Élio. Midrash, Scrutare la Tora. Revista Qol: Italy, v. 50, 15 columns, 1994.
Versão em português: Perscrutar a Torah: Literatura bíblica aos mestres de IsraeL, p.1
28

3.1. Definição de Midrash

A palavra hebraica Midrash, da raiz darash significa pesquisar,


investigar, explicar, interpretar. Expressa o que a exegese dos sábios
69
de Israel é: a pesquisa pelo significado da Escritura .

A raiz darash (‫ )דרשׁ‬vem do verbo LiDRoSH (‫)לדרושׁ‬, que significa


buscar e encontrar. Buscar a Palavra de Deus que implica, ao mesmo tempo,
uma investigação rigorosa e profunda. O Midrash consiste na busca e encontro
da Palavra de Deus. Afirmamos com convicção ‘encontro’, pois acreditamos
que todo aquele (a) que busca algo na Escritura encontra o que procura. E este
movimento coincide num encontro com o próprio Deus de Israel, Deus da Vida
que se revela em sua Palavra e à pessoa humana:

“Buscai [DiR’SHu - ‫ ]דירשׁוּ‬o Senhor e vivereis...”70.

“(...) A vós que buscais [DoR’SHei - ‫ ]דורשׁי‬a Deus,


que viva vosso coração”71.

Essa palavra inesgotável tem um sentido para todas as situações e


para todas as épocas72. A pessoa que mergulha no aprofundamento da Palavra
na busca pelo Senhor proporcionada pelo Midrash, experimenta mais vida.
Uma vida que começa no coração, isto é, no interior, no ser mesmo da pessoa.
Faz-se uma kavaná (‫ )כבנה‬. A kavaná é a intenção reta do coração para Deus a
fim de experimentar nEle a verdadeira vida. Isso se deve a este elemento
marcante da compreensão judaico-cristã sobre o divino, que é o Deus da Vida.

Enquanto pesquisa, investigação, explicação e interpretação da


Escritura, o Midrash exige do estudioso da Escritura, o árduo e ao mesmo
tempo prazeroso caminho da incansável busca pelo significado da Escritura.
Essa dinâmica requer do fiel a perseverança na busca pelo significado da
Palavra para sua existência e para a realidade. Essa sinergia entre busca e

69
LENHARDT, Pierre. COLLIN, M. A Torah Oral dos Fariseus - Textos da Tradição de Israel.
Documentos do Mundo da Bíblia, vol 10. 2ª. ed. São Paulo: Paulus, 1997 p.146.
70
Am. 5,6.
71
Sl.69,33.
72
LENHARDT. 1997, p.148
29

encontro desenvolve a habilidade de ir e vir nos livros que compõem a


Escritura. A Torá tem sua importância para os leitores, intérpretes e praticantes
da Palavra à medida que esta fala à realidade sempre de modo atual, em
conexão com os acontecimentos do mundo. A atualidade da Torá é um ponto
crucial para o judeu e o Judaísmo:

“O Midrash interpreta um texto ou grupo de textos


bíblicos de acordo com sua relevância
73
contemporânea” .

A relevância e significado das Escrituras dependem sempre da


abertura de visão do leitor e intérprete e de como ele está enraizado em seu
contexto. A Palavra é carregada de significados. Na seguinte definição,
notamos que aquele que entra neste dinamismo de busca da Palavra revelada
é afetado por ela, é envolvido pelo amor de Deus que a revela.
Simultaneamente, Deus também é afetado:

É o dinamismo existente entre a Palavra de Deus revelada e o


seu processo contínuo de revelação no encontro que ocorre em quem
nela busca. (...) Uma relação amorosa entre Aquele que se dá
74
revelando-se, e o homem que busca conhecê-lo melhor .

O estudo da Palavra sempre foi difundido de modo contínuo na


comunidade de Israel. Conseqüentemente, o lugar de instrução na Torá vai se
chamar beit-midrash75. Em hebraico beit-midrash significa “casa de estudo”, às
vezes também chamada bet ha-talmud, conforme atesta a Escritura:

“Aproximai-vos de mim, vós que não tendes


instrução e freqüentai a minha escola [beit-
midrah]”76.
73
SELTZER, Robert M. Povo Judeu, Pensamento Judaico I: a Experiência Judaica na História.
Rio de Janeiro: A. Koogan, 1990.
74
PASSETO, 1994 p.1
75
A exigência de estudo é obrigatória e universal para todos os judeus do sexo masculino, de
estudar a Torah data do renascimento religioso iniciado por Esdras e os Escribas no séc. V a.
E.C. O Bet-Midrash era uma casa pública de estudo. O Talmud encoraja: “Aquele que passar
da sinagoga para a casa de estudos – isto é, do serviço religioso para o estudo da Torah – será
privilegiado e verá a magestade de Deus! In: AUSUBEL, Nathan. Enciclopédia do
Conhecimento Judaico. Vol I, II e V. Tradução: Eva S. Jurkiewiecz. Rio de Janeiro: Tradição.
Biblioteca de Cultura Judaica. 1964, p.68-69
76
Eclo 51,23. (Beit Midrash: ‫)בית מדרש‬
30

O termo Midrash também indica um ‘método exegético especial’ usado


na interpretação da Escritura. Mais do que um método, é uma 'forma de
espírito', um jeito particular de se situar frente aos livros sagrados e manusear
suas páginas. Perante a Palavra de Deus e o seu Mistério, o ser humano
necessita manter uma postura de leitor e ouvinte capaz de questionar,
pesquisar, despertar em si a inquietude contínua sobre a sua interpretação77.

É intrínseco ao Midrash a livre e imaginativa interpretação,


especialmente do Pentateuco. Trata-se de diversidade de formas literárias que
constituem a riqueza do Midrash:

Havia volumes das formas literárias conhecidas dos judeus


daqueles séculos: aforismos sábios, máximas morais, provérbios
populares, metáforas poéticas, surpreendentes analogias, lendas,
78
fábulas, parábolas, alegorias e anedotas .

Por isso é que se descobriu que há um espírito intrínseco ao Midrash


que se desvela como uma audácia que consiste numa:

“Atitude de responsabilidade para com o povo ao


qual a Escritura foi dirigida”79.

Esta responsabilidade para com Israel implica numa fidelidade


interpretativa à Palavra revelada por Deus. Tal fidelidade inicia-se com o
compromisso, por parte do teólogo, exegeta e leitor, em reafirmar as
promessas e cumprimento da Palavra de Deus a Israel. Além disso, consiste
em não afirmar, por exemplo, que os cristãos são o novo povo de Deus e que
Israel foi rejeitado por Deus como povo da aliança. Ambos os povos são eleitos
de Deus. Cada um segue por caminhos diferentes, mas nenhum deles é
superior ou inferior ao outro, pois são irmãos na fé Abraâmica e nas promessas
messiânicas. Nesse sentido, o Midrash, como parte da tradição oral, é

77
Rathaus, Ariel – Leitura da Bíblia na tradição Midráshica. Uma filologia e uma historiografia
"criadoras". Revista SIDIC - vol.II - no. 2, 1976 p.2
78
AUSUBEL. 1964, p. 775-756. Os numerosos sermões alegóricos de Fílon, assim como os
que versam sobre Moisés, o shabat e os preceitos das Escrituras (...), trazem a marca
indubitável do midrash rabínico desenvolvido nas ieshivot da Judéia no final da Era do segundo
Templo.
79
PASSETO, 1994 p.1
31

assumido pelos Mestres de Israel, e caracteriza-se pelo contato com Deus


mediado pelo questionamento de sua Palavra.

“O povo não somente ouve a Palavra, mas a estuda;


não é algo externo, mas interno; não a espera
passivamente, mais vai ao encontro dela (doresh)”80.

O ser humano não se apodera da Palavra, se apropria dela, ou seja,


assimila-a para praticá-la na vida, pois o Midrash é a demonstração de uma
Palavra em processo contínuo de revelação. É uma afirmação que a Palavra foi
dada ao homem, e cabe a este conhecê-la. O objetivo do Midrash entrevê um
duplo movimento: descendente e ascendente:

Sua intenção é tanto a de trazer o céu para a comunidade


quanto a de elevar o homem ao céu. Seu objetivo é tanto o de louvar
81
a Deus quanto a de consolar Israel .

A Revelação divina sempre se deu na história neste duplo movimento


de manifestação e acolhida. Deus se revela ao ser humano entrando na sua
história e o humano abre-se a Deus para acolhê-lo, tornando-se digno do seu
amor, misericórdia e salvação. Essa acolhida é feita tanto pelo indivíduo como
pela comunidade de fé.

3.2. Caracterização do Midrash: Halakhah (‫ )הלכה‬e Haggadah (‫)הגדה‬

Há três tipos literários de Midrash: exegético, homilético e narrativo.


Um Midrash exegético contém comentários curtos em cada capítulo, cada
versículo e mesmo cada palavra de um livro inteiro da Bíblia. Pertencem a esse
grupo, o Genesis Rabbah, Êxodo Rabbah, e Lamentações Rabbah; Mekhilta
de-Rabi Yishmael, Sifra, Sifre Be-Midbar e Sifre Devarim. Um Midrash
homilético é mais discursivo e é estruturado em torno de sermões expondo em
versículos da porção semanal da Torá ou as leituras para shabat e festas
especiais. Os livros que o compõe são o Levítico Rabbah e Deuteronômio

80
Idem, Ibidem.
81
Leopold Zunz In: Ausubel, p. 177
32

Rabbah, Tanchuma; Pesikta de Rav-Kahana. O Midrash narrativo não quer


explicar a Bíblia de uma maneira direta ou ordenada. Ao invés disso, é uma
coleção de histórias e legendas individuais dos rabinos ou características
bíblicas. Alguns desses textos são conhecidos como “Bíblia reescrita”, desde
que eles embelezem a narrativa bíblica original. É o caso do Pirkei de Rabbi
Eliezer.

A partir do momento em que o Midrash atinge essas três grandes


áreas: exegese, homilia e narrativa constitui-se numa verdadeira fonte
teológico-cultural da tradição judaica. E pretende levar a cabo o trabalho
hermenêutico de compreensão do sentido das Escrituras e da Tradição oral de
Israel.

Essa consciência da responsabilidade com a Torá é uma das razões


que leva os Mestres a desenvolver o Midrash com a finalidade de preencher as
lacunas da narrativa bíblica. Por isso a necessidade de se fazer várias
discussões sobre textos bíblicos. Como por exemplo, o Midrash discute por que
Caim matou Abel. O que Isaac pensou quando seu pai Abraão o pegou para
oferecê-lo em sacrifício etc. Um dos midrashim diretamente relacionado com
textos bíblicos específicos é o Midrash Rabah, ou o Grande Midrash. Este
contém exposições dos textos dos cinco Livros de Moisés e inclui os 5 rolos ou
meguilot82.

De acordo com esta referência, notamos mais uma vez a


inseparabilidade entre exegese rabínica e investigação do texto bíblico. Os
rabinos vão usar a sabedoria de milênios para fazer uma exegese
fundamentada no rigor investigativo capaz de trazer à luz a riqueza da
mensagem divina. E embora a subdivisão dos midrashim se apresente em 3

82
Plural de meguilá. Consiste em: 1. Shir Hashirim: o "Cântico dos Cânticos" - do Rei Salomão,
que descreve o amor entre a donzela e seu Senhor, como metáfora para o amor entre D'us e o
povo de Israel; 2. Rut: descreve a história de Rut a moabita, um exemplo de uma convertida
justa. É costume lê-la em Shavuot; 3. Eichá ou Lamentações: descreve a destruição do Beit
Hamikdash (Templo Sagrado) e a devastação de Jerusalém. Disponível em:
http://www.chabad.org.br/interativo/faq/meguilot.html. Acesso em 10.02.13.
33

tipos literários, a tradição rabínica o caracteriza em dois tipos: O Midrash


Halakhah e o Midrash Haggadá.

3.2.1 Midrash Halakhah83

O substantivo Halakhah vem do verbo "ir", "caminhar" (lalechet - ‫)ללכת‬.


Enquanto relacionado, é usado apenas no sentido de ‘modo de agir’, ‘hábito’,
‘uso’, ‘costume’, e, especialmente, ‘orientação’ e norma de conduta. Desse
modo, a Halakhah, enquanto norma de conduta pretende conduzir o indivíduo
dentro daquilo que foi estabelecido como ‘reto’, correto no tocante às Leis
divinas em todos os aspectos da vida religiosa judaica, de modo que toda a
existência do indivíduo seja uma existência na Presença e vida de Deus.

Embora a Halakha se expresse de várias formas, há algo em comum


nas regras e julgamentos presentes na literatura talmúdica. A categorização
dos comportamentos e experiências formais dicotômicas, como: ‘permitido ou
‘proibido’, ‘pura’ ou ‘impura’ ‘santo’ e ‘profano’, etc84. Todavia, essa dicotomia
inerente a este aspecto da Halakhah não significa uma oposição. Estes
elementos se opõem, todavia, não se contradizem, pois em cada um deles há
algo do outro, enquanto passível de evolução ou involução. Algo que é puro
pode vir-a-ser impuro e vice-versa; o profano pode vir-a-ser sagrado e vive-
versa.

A Halakhah, como regra de comportamento, de conduta, ensina o jeito


de ser e viver às pessoas conforme as normas da Torá. Além disso, a
interpretação jurídica da Halakhah são formas rabínicas de exegese bíblica
cujo objetivo consiste em chegar, por meio de comentários, a conclusões
legais85.

83
Halakhah refere-se então, a toda a parte legal da tradição judaica, em contraste com a
Haggadá. Objetivamente significa “Lei”, mas não raro ele também tem o caráter de uma moral
pessoal e disciplina espiritual. In: ENCYCLOPAEDIA JUDAICA, Second Edition, Volume 1, Aa–
Alp [Moshe David Herr], p. 454-464.
84
Idem, ibidem
85
HARRIS, Jay M. Chapter 14: Midrash Halachah. In: KATZ. Steven T. JUDAISM - The Late
Roman-Rabinic Period. Vol. 4. Cambridge University Press: 2008, p.337
34

Os Midrashim Haláchicos são comentários de versículos legais


da Bíblia realizados pelos Tanaiim que viviam antes da morte de Judá
ha-Nasi, embora os livros tenham sido compilados na Palestina
86
depois do fim do século IV .

Os estudos situam os Tanaiim e seus materiais no período até o


terceiro século, terminando com Rabi Yehuda HaNassi, em Seforis. A halakhah
dos sábios e as realidades ordinárias da vida humana se relacionavam de
modo muito próximo87. O Midrash Halakha nos ajuda a compreender o que
significa amar ao próximo como a si mesmo; como observar o shabat que
estabelece as exigências relativas ao uso de pratos separados para carne e
leite88. Estes textos cobrem a maior parte dos livros bíblicos de Êxodo a
Deuteronômio respectivamente. (Harris, 2008 p.336).

A santificação do povo é uma das realidades muito pertinentes na


relação entre Deus e Israel. Deus, ao escolher Israel como seu povo eleito,
quis e quer que este pratique os seus mandamentos, sua Lei a fim de conduzi-
lo à santidade. Diversas passagens bíblicas confirmam esta verdade. Já no
Livro do Êxodo, Deus fala a Moisés para falar a Israel:

Certamente guardareis meus sábados; porquanto isso é um


sinal entre mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que eu
89
sou o Senhor, que vos santifica .

A narração de Gênesis e dos dois Decálogos no Pentateuco90 nos


revelam que Deus criou todas as coisas e o ser humano em 6 dias, e no sétimo
dia (Shabat91) repousou. E os mandamentos são uma forma de Israel entrar na

86
SELTZER, Robert M. Povo Judeu, Pensamento Judaico I: a Experiência Judaica na História.
Rio de Janeiro: A. Koogan, 1990 p. 246. Rabino Yehuda há-Nasi foi o editor da Mishná em sua
forma final. Ele é conhecido como "Rebbi," Mestre por excelência, e como "Rabeinu
HaKadosh," nosso Rabino Santo. Ele era o filho de Rabi Shimon ben Gamliel II, e nasceu 80
anos após a destruição do Segundo Templo. Disponível em:
http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/biography/hanasi.html. Acesso em: 03.03.13
87
SAFRAI. 2006, p.129.
88
EINSERBERG, Ronald L. Jps Guide: Jewish Traditions. Philadelphia: The Jewish Publication
Society, 2008 p.508-509.
89
Ex 31,13.
90
Gn1,1-2,4; Ex 20,2-17; Dt 5,6-21
91
Os mestres disseram no Talmud Jerusalém, Nedarim 3: “o Shabat equivale a todos os
preceitos. E o Zohar Beshalah 47 afirma que “aquele que respeita apropriadamente o Shabat é
como se tivesse cumprido toda a Torah. Ao mesmo tempo, aquele que profana o shabat é
35

santificação do sábado. Assim como Deus abençoou e santificou o sábado,


também abençoa e santifica o povo de Israel para que este o reconheça como
O Eterno e único Senhor. É por isso que Israel se lembra (‫ )זכוֹר‬e guarda (‫)שׁמוֹר‬
o Shabat para santificá-lo. Recorda a Criação, em recordação à saída do Egito,
quando Deus o fez sair da situação de escravo (ebed) do Faraó, para ser servo
(abad) do Senhor como um povo livre.

O Eterno fez os céus e a terra. O mar e tudo o que há neles em


seis dias e repousou no sétimo dia, e por isso o Eterno abençoou o
92
dia de Shabat e o santificou .

O sagrado Shabat é o grande sinal e aliança que Deus estabeleceu


com Israel. Uma aliança eterna, pois Israel ao se lembrar e guardar o Sábado
participa da santidade de Deus e santifica o próximo. Além disso, se prepara
para receber, pela misericórdia divina, após a ressurreição, a vida eterna que já
começa aqui na terra quando experimenta as delícias do shabat.

Essa profissão de fé é um dos alicerces da fé judaica e uma das


maravilhas realizadas na vida de Israel de ontem e de hoje. O Código de
Santidade nos capítulos 17-26 do Livro do Levítico é fundamental para
compreendermos as dimensões e exigências de Deus ao povo por meio de
Moisés:

“Portanto santificai-vos, e sede santos, pois eu sou o


Senhor vosso Deus”93.

Se Deus é Santo, espera de Israel seu povo, que também seja santo
como Ele. A eleição e santificação de Israel fazem deste povo uma propriedade

como se tivesse profanado toda a Torah. Isso é deduzido da frase de Esdras no livro de
Neemias 9,13-14.In: GANTZFRIEZ, Rav Shlomo. Kitzur Shulchan Aruch: O Código da Lei
Judaica Abreviado. Tradução Rabino Yossef Benzecray. Vol. I (caps. 1-97). São Paulo:
Maayanot. 2008, p. 406.
92
Êxodo 20,8-11. De acordo com o artigo, “a palavra shabat é associada a Shuv, “Retorno”,
que é a raiz de Teshuvá, que é o retorno a Deus (...). Ou seja, o shabat serve para nos
lembrar que toda a existência pertence a ele e Dele depende”. In: Morashá. São Paulo, 2013
p. 7-13.
93
Lv 20,7. Em Lv 20,26 encontramos a afirmação sobre a santidade de modo ainda mais
enfático: “Sereis consagrados a mim, pois eu, o Senhor, sou santo e vos separei de todos os
povos para serdes meu”.
36

de Deus. Entretanto não significa perder sua liberdade diante de Deus e do


mundo:
“Porque és povo santo ao Senhor teu Deus; e o
Senhor te escolheu, de todos os povos que há sobre
a face da terra, para lhe seres o seu próprio povo”94.

“E chamar-lhes-ão: Povo santo, remidos do Senhor;


e tu serás chamada: Procurada, a cidade não
desamparada”95.

O que faz de Israel um povo santo? O profeta Isaías, situado na


segunda metade do século VII a.e.c, nos ajuda a perceber esse significado.
Este está no fato de ser um povo eleito por Deus e por ter Israel aceito viver e
praticar a sua Lei e servi-Lo como o Deus UM:

Porém tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi


descendência de Abraão, meu amigo; Tu a quem tomei desde os fins
da terra, e te chamei dentre os seus mais excelentes, e te disse: Tu
96
és o meu servo, a ti escolhi e nunca te rejeitei .

Essa eleição implica numa missão: ser luz das nações para que estas
conheçam e adorem ao Deus UM. E Deus mesmo fala pela boca do profeta
Isaías:

“Eu, o Senhor, te chamei em justiça, e te tomei pela


mão, e te guardei, e te dei por aliança do povo, e
para luz das nações”97.

O seguinte Midrash do Êxodo Rabbah (Ex 20,2), explica a declaração


do Primeiro Mandamento e a aceitação da Lei de Deus e sua soberania por
parte de Israel.

Quando Deus determinou dar a Lei, nenhuma das nações,


exceto Israel, iria recebê-la: Um rei tinha um campo e ele quis dá-lo
ao inquilino para cultivá-lo. Ele chamou o primeiro e disse: você
assumirá a responsabilidade deste campo? O homem respondeu:
‘não, o trabalho é muito duro pra mim’. Similarmente ele perguntou ao

94
Dt 14,2.
95
Isaías 62,12.
96
Isaías 41,8-9.
97
Is 42,6.
37

segundo, terceiro e quarto, e eles recusaram-se. Ele chamou o quinto


homem e disse: você assumirá a responsabilidade deste campo? Ele
respondeu Sim. Sob a condição de cultivá-lo? Ele disse: sim. Mas
quando ele recebeu o campo, ele o abandonou. De quem o rei terá
raiva? Com aqueles que disseram: ‘Nós não podemos assumir isso”.
Ou com aqueles que o aceitaram, ou com aquele que aceitou, mas
deixaram a guarda com ele. Com certeza com aquele que aceitou.
Então quando Deus revelou-se no Monte Sinai, não havia uma nação
em cujas portas ele não tivesse batido, mas eles não aceitaram a Lei
e em mantê-la. Mas quando ele veio a Israel, eles disseram: ‘Tudo o
98
que Deus tem falado, faremos e a Ele escutaremos (EX XXIV, 7).
Por conseguinte, Ele justifica-se, Ele deve lhe dar ouvidos, não puni-
99
lo .

O Midrash usa a metáfora do ‘campo’ para referir-se à Torá e tudo o


que ela implica. Em meio a um contexto politeísta, ter um único Deus deveria
mesmo ser muito exigente. Aceitar o Deus Um e a sua Torá significaria assumir
a exigência da responsabilidade em manter-se fiel a Ele e às suas exigências.
Não se trata de uma tarefa fácil. Como vemos, entre cinco povos, o último, que
se tornará o primeiro, Israel, livremente aceita a proposta de Deus, ou seja, a
Sua Torá. E ao aceitá-la, aceita igualmente a responsabilidade em cuidar do
campo, em cultivá-lo. Cuidar (‫מטפּל‬: metapel) e cultivar (‫לטפּח‬: letapeach) são
verbos associados ao estudo da Torá.

3.2.2. Midrash Haggadah

Objetivamente, Midrash Haggadah significa narrativa; e o que não é


Halakhah, i.é, Lei, na tradição judaica.

“O termo Aggadá é derivado do verbo (Leagid: ‫)להגיד‬


que significa ‘dizer’, ‘explicar’, ‘narrar’”100.

O Midrash Haggadá narra, explica um conto, uma narrativa, uma


homilia. Inclui também histórias e lendas que contam a vida dos personagens
bíblicos e pós-bíblicos. E seu objetivo consiste sempre em ensinar ao homem

98
Escutar a Deus é obedecê-lo.
99
Êxodo Rabá, Yitro, XXVII, 9 (cp. [209-10]). In: MONTEFIORE, C.G; LOEWE, H. A Rabinic
Anthology. Schocken Books. New York: 1974 pg. 121.
100
Disponível em: http://www.jewishencyclopedia.com/articles/7027-haggadah. Acesso em
11.02.13
38

os caminhos de Deus. Analisemos mais de perto o conteúdo referente à parte


não-legal da literatura rabínica:
É um dos principais tipos de comentários interpretativos
encontrados no Talmud e outros antigos textos judaicos. Este é
baseado em parábola, legendas e outros caminhos não-legais de
pensamento. O midrash aggadá é um estilo de interpretação mais
completo. Ele influenciou as perspectivas das normativas bíblicas
judaicas a ponto de muitos judeus verem partes do midrash aggadá
101
como atuais histórias do texto bíblico .

O fato de o Midrash Aggadá não tratar de questões legais, possibilita


uma maior diversidade de abordagens, o que dá a estes textos mais leveza,
liberdade de pensamento e criatividade. A criatividade brota de um espírito
intrínseco ao Midrash. No tocante a este espírito, não se trata de um espírito
rebelde, mas de uma ‘audácia’102 enquanto responsabilidade para com o povo.
Os sábios de Israel vão ler as Escrituras, questioná-la e atualizá-la visando
atender ao povo. E o povo, buscando corresponder a este movimento vai ouvir,
estudar e praticar a Palavra. Ou seja, Israel vai ao encontro (doresh) da
Palavra, o que significa uma atitude ativa e não passiva. Além disso, a literatura
Aggádica:

Expressa idéias e sentimentos dos tannaim e dos amoraim.


Esse material antigo adaptado às suas necessidades consistia de
mitos que remontam aos tempos bíblicos, de cunho popular; eram
lendas de heróis nacionais como os patriarcas, os profetas e reis.
Além disso, havia histórias fantasiosas, produto da imaginação e
sabedoria dos judeus e outros restos do tesouro do folclore nas
proximidades e dos povos distantes, que foram judaizados no
103
decorrer do tempo” .

Mas como se dava de fato o Midrash Aggadah? E como era feita a


ponte entre as Escrituras e a vida dos ouvintes? Desde os tempos mais
antigos, a leitura pública da Torá e os livros proféticos ocuparam um lugar de

101
KARESH, Sara E., HURVITZ, Mitchell M. Encyclopedia of Judaism. New York: Infobase
Publishing, 2006. p.5
102
PASSETO, 1994 p.8. A audácia como impulso que leva a realizar atos difíceis ou
perigosos, sendo relacionado às Escrituras, quer significar que o trabalho na e com a Escritura
requer do estudioso o revestir-se da armadura da perspicácia intelectual e espiritual. A
responsabilidade com Deus e com Israel ao interpretar as Escrituras, requer considerá-la em
todas as suas nuances e complexidade, o que não é tarefa simplista.
103
ENCYCLOPAEDIA, p. 456
39

destaque no serviço na sinagoga. A Escritura deixa rastro desta prática no livro


de Neemias:

"Eles leram no Livro, na lei de Deus, distintamente; e


deram o sentido e os fizeram entender a leitura"104.

Ao final da leitura, uma exposição adaptada ao nível dos ouvintes era


entregue. Esta exposição continha as sementes da derashah. Além de discurso,
o derashah também é conhecido como sermão ou homilia. Era considerado como
uma continuação das atividades dos profetas, cuja missão era a de anunciar a
Palavra de Deus. Estes discursos eram feitos para as pessoas comuns, em
alguns casos gentios, que estavam presentes nas audiências da sinagoga (Ct.
R. 4,2). A derashah, às vezes, funcionava como advertências nos dias de jejum
(Ta'an 2,1;Tosef, Ta'an 1,8). Enfim, o povo se reunia nesses lugares (sot. 40a) e
se alegravam em ouvir esses discursos. Por isso foi dito:

"As delícias dos filhos do homem – são as Aggadot,


que são uma delícia das Escrituras”105.

A Aggadah eventualmente tornou-se o núcleo do discurso no qual o


pregador utilizava a ocasião para apontar as virtudes e defeitos do seu público;
expressar seus sentimentos e aspirações, para examinar os acontecimentos da
época, e julgar seus atos e os de seus inimigos. Tudo o que ele tinha que dizer
estaria ligado à parte da Escritura que acabara de ouvir:

“Portanto, os sábios de Israel liam e interpretavam


as Escrituras para que o povo as compreendesse e
pudesse aplicá-la em sua vida e crescer na fé”106.

A base do Midrash é a vida da comunidade que evolui


processualmente e o objeto é Deus que se revela. A vida do homem
é norteada pela Torah e o Midrash é instrumento de trabalho que se
107
dá no tempo .

104
Ne 8,8.
105
Eclesiastes R. 2,8
106
ENCYCLOPAEDIA, 2004, p. 458
107
PASSETO, 1994 p.9
40

Esta questão do tempo já foi desenvolvida por vários estudiosos


cristãos das Sagradas Escrituras, mas ainda não chegaram a atingir em
profundidade o real significado impresso pelo judaísmo. O que podemos
afirmar a este respeito é que o tempo faz parte da preocupação dos autores
sagrados. Isso se deve ao fato de Deus se revelar na história do ser humano,
pois o tempo nas Escrituras:

“Tem um significado para a vida que é, pelo menos,


igual à do espaço; que o tempo tem uma
significação e soberania próprias”108.

Por isso, primeiro veio a santidade do tempo, segundo a do homem e


por último, a santidade do espaço (as coisas do mundo). E conforme o livro de
Números:

“O tempo foi abençoado por Deus; e o espaço e o


Tabernáculo foram consagrados por Moisés”109.

Tempo e espaço visam levar o humano a aproximar-se de Deus para


nEle ser santificado. A santidade, segundo o judaísmo, se dá no tempo à
medida que o judeu se vincula aos eventos sagrados. Nesse sentido, aquele
que vive na Torá, experimenta o infinito, o eterno que já se faz no presente. Por
estas razões é que:

“No Midrash os fatos e as datas são intercambiáveis,


ou seja, há trocas e os personagens ultrapassam
seu tempo e são ultrapassados por si mesmos”110.

O Midrash Haggadah se serve da dupla terminologia empregada


frequentemente nas Escrituras para tirar daí um ensinamento. O que
nomeamos o “duplo chamado” de Deus a alguns personagens onde a Palavra
do Senhor é dirigida aos seus “escolhidos” para uma missão, por meio do anjo.
Um exemplo entre tantos é a narrativa do sacrifício de Isaac, o chamado se dá

108
HESCHEL, Abraham Joshua. O Shabat: seu significado para o Homem Moderno. São
Paulo: Perspectiva, 2000 p. 16-18.
109
Nm 7,1
110
PASSETO, 1994 p.8
41

no exato momento em que Abraão sacrificaria o seu próprio e único filho por
amor e fidelidade a Deus:

Abraão, Abraão. Ele respondeu: Eis-me aqui! O Anjo


disse: “não estendas a mão contra o menino”. Não lhe faças
nenhum mal. Agora sei que temes a Deus, tu não me recusaste
111
teu filho, teu único .

De acordo com Rabi Hiyya:

A palavra do Senhor foi uma expressão de amor e


encorajamento. (...) a palavra do anjo foi uma palavra de amor
e determinação porque Abraão teve que imediatamente parar o
112
que ele estava fazendo .

Deus amou Abraão por ele ter respondido com amor e fidelidade ao
cumprimento da Sua Palavra, mesmo que isso custasse a vida do seu Filho.
Abraão ama a Deus e por esta razão Deus o ama e impede que sacrifique o
seu filho. Abraão era um homem de fé e com grande capacidade de amar. A
Haggadá faz entender que Abraão é um paradigma para as gerações
vindouras. Ele representa a atitude de atenção e prontidão na resposta. A este
respeito, Rabi Eliezer ben Jacob disse:

Por ele e por [todas] as gerações. A palavra do anjo não foi


somente dirigida a Abraão naquele momento, mas a todas as
gerações. Porque não há uma geração que não tenha um Abraão;
que não tenha um Jacó; que não tenha um Moisés; que não tenha um
113
Samuel. E continua: Mas, por que Jacó, Moisés e Samuel? .

Porque Deus chama Abraão e a outros personagens duas vezes?


Quando Jacó estava para descer para o Egito, Deus apareceu a ele num sonho
e disse: “Jacó, Jacó”114. Na ocasião da sarça ardente, Deus chama Moisés:
“Moisés, Moisés”115. E no caso de Samuel, quando Deus apareceu a ele a
primeira vez, ele também o chama duas vezes: “Samuel, Samuel”116.

111
MACK, Hananel. The Aggadic Midrash Literature. Tel Aviv University. Galei Zahal, 1989, p.
82-83. Midrash Haggadah: Gn 1-18. A discussão dos rabis que enfocaremos aqui refere-se
somente ao versículo 11-12.
112
Idem
113
Idem, ibidem
114
Gen. 46,2
115
Ex 3,4
116
ISm 3,4
42

Reflitamos sobre as palavras do Rabi Eliezer Ben Jacob de que “não


há uma geração que não tenha um Abraão; que não tenha um Jacó; que não
tenha um Moisés; que não tenha um Samuel”. Em todas as narrativas, após o
chamado de Deus, a resposta daqueles que são chamados é: “Eis-me aqui!”. O
que significa disponibilidade e prontidão em fazer a vontade de Deus. Após
certo período de tempo e algumas provações, segue-se na vida dos eleitos por
Deus a Bênção, a Terra, o Povo, sempre dados por Deus. Isso quer a nível
pessoal, familiar ou coletivo. Essas conquistas serão feitas com determinação,
fé, luta e, se preciso, guerra porque se trata da sobrevivência do povo eleito de
Deus. Assim como Deus encoraja Abraão a sacrificar o seu filho Isaac, com
maior intensidade, ele abraça Abraão no amor para que o amor vença a
determinação da morte. E Deus faz Abraão amar seu filho Isaac salvando-o da
morte. Algo de muito grandioso se realiza na história de Israel por meio destes
personagens, de modo a fortalecer cada vez mais a convicção e fé no Deus
UM. E assim se prossegue a história da relação entre Deus e o povo e deste
com Deus.

Nesse sentido, tendo Israel terra e sendo um povo que tem a Bênção
de Deus, é óbvio que em cada geração surgirão novos indivíduos com as
características e lideranças de Abraão, Jacó, Moisés e Samuel e muitos outros
líderes até os profetas e no NT Jesus e os Apóstolos e algumas mulheres, a
fim de que a Aliança de Deus com o seu povo continue viva na história e na
memória de Israel e dos cristãos. Ou seja, cada judeu e cada um de nós hoje,
pode agir como Abraão, Jacó, Moisés, Samuel e outros, desde que abracemos
a palavra e a vontade de Deus e sejamos determinados a cumpri-las por amor
a Deus e ao povo e para preservar as gerações futuras. Portanto, diante de
situações de aparente morte, o Deus judaico-cristão é o Deus da Vida que
imerge na história do judeu, do cristão e de todos aqueles que se voltam para
Ele. É a partir de Deus e em Deus que se torna possível o germinar da vida na
comunidade de fé, pois a função do Midrash enquanto busca amorosa pelo
sentido profundo da palavra de Deus é como uma mãe que gera a vida que
será luz para os povos.
43

3.3. Aprendendo com a Tradição Judaica

O fato de que o cristianismo tem suas raízes no judaísmo e dele se


desenvolveu e recebeu sua seiva, é necessário um grande trabalho de
aprofundamento desta realidade. Ao longo deste trabalho pudemos sentir o
quanto se tem por fazer por parte dos cristãos; o conhecimento do judaísmo
para o cristianismo é condição sine qua non em vista do conhecimento de sua
própria identidade.

Embora muitos passos já tenham sido dados após o Concilío Vaticano


II em direção à abertura para o mundo moderno e ao diálogo com o Judaísmo,
ainda há um longo caminho a percorrer na continuidade das iniciativas já
tomadas. O chamado à missão evangelizadora, catequético-litúrgica,
educacional e teológica feita pela Nostra Aetate n.4 continua pertinente na
atualidade:

Perscrutando o Mistério da Igreja, este Sacrossanto Concílio


recorda o vínculo pelo qual o povo do Novo Testamento está
espiritualmente ligado à estirpe de Abraão. [...] Confessa que todos
os fiéis cristãos, filhos de Abraão segundo a fé [Gal 3,7], estavam
incluídos no chamamento do mesmo patriarca e que a salvação da
Igreja estava misteriosamente prefigurada no êxodo do povo eleito da
terra da escravidão. [...] Além disso, a Igreja, que reprova toda
perseguição contra quaisquer homens, lembrada do comum
patrimônio com os Judeus, não por motivos políticos, mas impelida
pelo santo amor evangélico, lamenta os ódios, as perseguições, as
manifestações anti-semíticas, em qualquer tempo e por qualquer
117.
pessoa dirigida contra os Judeus”

Muitos documentos foram publicados e alguns são resultado de


encontros, conferências e diálogos na prática. Merece atenção o grande

117
Declaração Nostra Aetate, nº 4. Muitos outros documentos foram publicados após o Concílio
que comprovam o esforço da Igreja em responder aos apelos do Concílio. Essa evolução não
se vê com a mesma intensidade no caminho do diálogo. Muitos sacerdotes ainda hoje, mantém
sua mentalidade fechada tanto ao Ecumenismo quanto ao Diálogo Católico-Judaico e inter-
religioso. Ainda há uma resistência e medo a ser superado para que o Espírito do Vaticano II
de fato se realize na história. Para citarmos alguma Documentações relevantes e mais
recentes neste âmbito que comprove a evolução, temos: 1. O mais fundamental é o
Compêndio Concílio Vaticano II; 2. Documentação Básica para o Diálogo da Igreja Católica
com o Judaísmo que contém os resultados dos encontros práticos mais recentes entre judeus
e cristãos (impresso pelas Irmãs de Sion com distribuição gratuita); 3. O Povo Judeu e Suas
Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã. São Paulo: Paulinas, 2002; 4. Os Doze Pontos de Berlim
e a História da Transformação de um Relacionamento (fruto do Encontro Internacional do
ICCJ- Conselho de Cristãos e Judeus), São Leopoldo: Oikos, 2001.
44

avanço dado pela Pontifícia Comissão Bíblica com a publicação do documento:


O Povo Judeu e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã. Documento este
que procura auxiliar os teólogos e os cristãos:

“Na busca de uma renovada compreensão entre


cristãos e judeus”118.

Nele também é feita a seguinte e fundamental afirmação que visa levar


os cristãos à tomada de consciência do seu vínculo com o Judaísmo: “O
Cristianismo nasceu, portanto, no interior do Judaísmo do primeiro século”119.
As orientações pastorais deste documento recomendam que judeus e cristãos
construam “mútuo conhecimento e estima” (...) que podem ser obtidos
sobretudo pelos estudos bíblicos e teológicos e pelo diálogo fraterno”120. E
insiste na importância do diálogo por haver para judeus e cristãos um
“patrimônio comum que os une, e é algo que se deve fortemente almejar, a fim
de eliminar121 progressivamente, de ambas as partes, preconceitos e
incompreensões, para favorecer um melhor conhecimento do patrimônio
comum e para reforçar os vínculos recíprocos”122.

E um dos mais recentes documentos, fruto do Encontro Internacional


de Cristãos e Judeus (ICCJ), Os Doze Pontos de Berlim, que são orientações
práticas para cristãos e judeus e suas comunidades, comprometidas com o
diálogo católico-judaico. Para uma visão mais ampla, enumeraremos somente
os 12 pontos: 1. Combater o antissemitismo de cunho religioso, racial ou de
qualquer outra natureza; 2. Promover o diálogo interreligioso com os judeus; 3.
Desenvolver a compreensão teológica do Judaísmo afirmando a sua
integridade específica; 4. Orar pela paz em Jerusalém; 5. Reconhecer os
esforços realizados por numerosas comunidades cristãs no final do século XX
para mudar a sua atitude em relação aos judeus; 6. Reexaminar os textos e as
liturgias judaicas à luz destas reformas cristãs; 7. Diferenciar entre a crítica
118
PONTIFÍCIA Comissão Bíblica: O Povo Judeu e as Suas Sagradas Escrituras na Bíblia
Cristã. São Paulo: Paulinas, 2001. p.14.
119
Idem, p. 17.
120
Ibidem, p. 239.
121
O acento é nosso.
122
PONTIFÍCIA, 2001 p. 244.
45

imparcial a Israel e o antissemitismo; 8. Expressar apoio ao Estado de Israel


em seus esforços para alcançar os ideais firmados na sua fundação, que Israel
compartilha com muitas nações do mundo; 9. Melhorar a educação inter-
religiosa e intercultural; 10. Promover a amizade e cooperação entre as
religiões, bem como a justiça social na sociedade globalizada; 11. Intensificar o
diálogo com entidades políticas e econômicas; 12. Criar uma rede de contatos
com todos que trabalham em prol da preservação do meio ambiente. Portanto,
esses documentos visam levar à consciência dos judeus e cristãos que além
dos estudos da literatura judaica, é necessário avançar em diálogos na prática.
Quem sabe assim, ambas as comunidades dêem-se as mãos e juntas renovem
as relações que ficaram atrofiadas por tantos eventos de separação ao longo
da história, bem como para que juntos, judeus e cristãos, contribuam para um
mundo mais humano e harmonioso, enfim, cheio de Paz, do verdadeiro
Shalom!
46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso estudo mostrou-nos que a Revelação de Deus a Israel, seu


povo, é feita através de sua Palavra e o modo como Israel a interpreta é
através do Midrash. Mesmo que Israel tenha passado por momentos históricos
de dominação política por vários impérios, sempre se mostrou um povo forte e
resistente, amparado em sua fé no Deus Um, centrado no estudo e prática da
Torá. Fé esta que rege toda a existência do povo e de cada judeu
individualmente.

Por Israel ser um povo situado e comprometido na História, vive com


outros povos e cercado por questões religiosas, étnicas, culturais, políticas,
econômicas, sociais e territoriais marcantes, os quais determinam a sua vida
em todas as dimensões. Entretanto, as questões políticas e religiosas possuem
um entrelaçamento mais forte, embora o aspecto religioso marque mais
fortemente a sua identidade como povo.

O Êxodo é o evento fundante da experiência religiosa de Deus com


Israel e vice-versa. A libertação do Egito é a referência na qual os judeus de
ontem e de hoje recordam as ações maravilhosas de Deus e sua Presença
amorosa e salvadora no meio do povo, libertando-o da escravidão do Egito e
das mãos opressoras do Faraó. Tanto na história como na vida, Israel se
manterá um povo fiel à aliança eterna, jamais revogada por Deus.

Todas as reformas feitas por Israel foram sempre marcadas por uma
centralidade: a fidelidade à Aliança que se desdobra na fé monoteísta e à Torá
que lhe foi entregue no Sinai por Deus, pela mediação de Moisés. O judaísmo
rabínico se encarregará de ler, entender, interpretar e praticar a Torá como
forma de reestruturar as bases do Judaísmo. E é dentro deste movimento de
renovação que se situa o Midrash como literatura judaica que permite a busca
amorosa da palavra de Deus para melhor compreendê-la e praticá-la na vida.
47

As duas torot: oral e escrita constituem-se como a Revelação de Deus


a Moisés no Sinai. Ambas se completam. Tradição oral e Escrituras serão os
vieises pelos quais Israel irá manter sua relação com Deus e este com o povo
de Israel. O aprofundamento da Torá Oral leva-nos a reconhecer que a sua
coerência se deve ao fato de esta abranger também a escrita, tornando-se
mais elevada. Sua recepção e transmissão também devem seguir a mesma
coerência, por se tratar da interpretação da Torá. Além disso, a Torá oral
cumpre a escrita por meio da exegese dos sábios de Israel que se empenham
em garantir a tradição e continuidade do Judaísmo e da fé judaica na história e,
ao mesmo tempo, procura manter a unidade e divindade das Escrituras. Isso
porque a TaNaK é a regra por excelência que rege a vida e prática de Israel e
suas esperanças messiânicas e crença na vida eterna por meio da
ressurreição.

Como visto, o Midrash consiste numa busca amorosa e encontro da


Palavra de Deus que implica, ao mesmo tempo numa investigação rigorosa e
profunda que coincide no encontro com o próprio Deus da vida. Tal
investigação leva-nos a descobrir novos significados inerentes às Escrituras e à
Revelação de Deus; a preencher as lacunas das narrativas bíblicas. Mas o
Midrash, enquanto busca, implica por parte de Israel numa responsabilidade e
fidelidade à Palavra, ao próprio Deus, com a comunidade e com cada indivíduo
que a lê, a interpreta e se dispõe a praticá-la na vida cotidiana. Tal
responsabilidade é dialética: Deus a entrega revelando-se; o povo e cada judeu
a recebe e se aplica ao seu estudo de modo ativo. Ao atualizá-la pelo estudo
contínuo, tanto na vida, nas famílias, na comunidade, bem como nas ieshivot e
nas sinagogas, revificam a fé do povo no Deus UM que com gratuidade se
revela e se dá a conhecer continuamente por amor. Este movimento leva a
comunidade a fazer a experiência de Deus na história e leva Deus a também
fazer a experiência do humano na história para humanizá-lo em sua dignidade
de filhos, levando-os para dentro da sua transcendência.

Por isso, a sabedoria dos sábios de Israel caracterizou o Midrash em


dois tipos literários: Halakhah e Aggadah. Embora haja diversos tipos de
48

Midrashim, há uma complementaridade entre eles. O Midrash Halakhah,


enquanto norma de conduta, pretende conduzir Israel no tocante às Leis
divinas em todos os aspectos da vida religiosa judaica. De tal modo que toda a
existência, quer do indivíduo como da comunidade, seja uma existência na
Torá e na Presença e vida de Deus, cuja conseqüência seja a santificação do
indivíduo e do povo. Por isso, a grande responsabilidade em aplicar-se com
seriedade e profundidade ao estudo da Torá e da Tradição de Israel.

De um modo menos rigoroso e com linguagem mais acessível às


pessoas, o Midrash Haggadah, enquanto narrativas e explicações das
Escrituras, vai explorar a espontaneidade e criatividade na leitura, interpretação
e compreensão da Torá. Essa tarefa realizada também pelos sábios de Israel,
longe de excluir o rigor da normatividade, dá-lhe um espírito que possibilita
ainda mais a aplicabilidade da Palavra de Deus na vida, de modo que Israel
caminhe sempre, com toda a sua liberdade, ao encontro da Palavra. E
encontrando a Palavra, Israel encontre e viva na Presença (Shekhinah) de
Deus, correspondendo com a mesma fidelidade à Aliança eterna de amor feita
por Deus.

Portanto, Deus, ao se Revelar a Israel e escolhê-lo como Seu povo, dá-


lhe uma responsabilidade que se realiza duplamente na história e no tempo.
Por um lado é chamado a Ser luz das nações para que O conheçam como o
Deus Um. Por outro lado, Israel tem a responsabilidade e não um privilégio da
transmissão da Palavra revelada, entendida e praticada.

Israel vive a Torá com prazer, com alegria, pois tem consciência
aguçada de que o estudo da Torá é uma berakhá (bênção) que trás alegria.
Escutar a Deus como quem recebe uma bênção carregada de alegria é já uma
mitzvá que cumpre um mandamento, não de escravidão, mas de amor e por
amor123. E a festa de Simchat Torá, bem expressa essa alegria. Por isso, ao
recitar O Shemá [‫לֹהינוּ יהוה ֶא ָחד‬
ֵ ‫ָאל יהוה ֱא‬
ֵ ‫ִשׂר‬ ְ - Shemá Israel, Adonai
ְ ‫שׁ ַמע י‬
Eloheinu, Adonai Echad: Escuta, Israel, O Senhor nosso Deus, o Senhor é

123
DI SANTI. Liturgia Judaica: Fontes, Orações e Festas. São Paulo: Paulus: 2004 p. 58
49

UM!], Israel revive e lembra-se das boas ações de Deus em suas vidas e na
vida da humanidade. Nesse sentido, Israel tem a missão de anunciar e
transmitir e a exigência de santificar-se no Tempo vivendo na Presença de
Deus e com os homens, como coerência de vida na Torá, como povo eleito,
como povo da Aliança. Assim, a humanização do humano depende da sua
humanização na vida da Torá, que é o próprio Deus que se revela como
Palavra.

Por fim, nós, cristãos de modo geral, temos muito a aprender com
Israel, com a tradição-literatura judaica, particularmente com os estudos do
Midrash. Uma vez que a correta interpretação e compreensão do Novo
Testamento estão entrelaçados na compreensão profunda do judaísmo e sua
Tradição, este estudo quer ser uma simples contribuição nesta direção. Tanto
teólogos, biblistas, sacerdotes, religiosos (as), seminaristas, lideranças
paroquiais e catequistas, são desafiados a dar um passo em direção à busca
amorosa da Palavra de Deus, tendo como viés os estudos do Judaísmo e da
sua Tradição, bem como da vasta e rica literatura Judaica.

Este trabalho quer seguir os caminhos traçados e os ensinamentos


dados pela Igreja a partir do Concílio Vaticano II em seu desejo profundo de
“busca de uma renovada compreensão entre cristãos e judeus”. Ambos crêem
no mesmo Deus pela fé Abraâmica e seguem por caminhos diferentes, mas
não separados. Nossa fé cristã no Deus uno e trino, tem a Jesus como judeu,
Verbo de Deus encarnado, ressuscitado, cujo Espírito está em nossa vida e
caminha conosco como O Vivente! Ele, mesmo, Jesus, no seu sangue judeu,
faz judeus e cristãos, irmãos na fé e unidos na única, diferenciada e continuada
Aliança de Amor eterno de Deus pela humanização nossa e da humanidade
tão desumanizada e desfigurada na atualidade.
50

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Você também pode gostar