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sumário
Déborah Scheidt (doutora) - UEPG
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Um estudo detalhado sobre o funcionamento do coro na tragédia grega figura em SCHEIDT, Déborah. A
"muralha viva" da tragédia grega: o coro e suas sutilezas. Revista NUPEM (Núcleo de Pesquisa
Multidisciplinar), v. 2, p. 49-57, 2010. Disponível em:
<http://www.fecilcam.br/nupem/revistanupem/documentos/vol2exe3ano2010/artigo03.pdf>. Acesso em:
06 jun. 2015.
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Outras duas funções do coro são a de comentarista e, ao mesmo tempo, como bem
expressa Easterling (2001, p. 163), “testemunha embutida, produzindo respostas coletivas
e normativas aos eventos da peça”.Muitos coros expressam suas próprias ideiase
sentimentos em relação aos acontecimentos que presenciam no palco, estabelecendo,
direta ou indiretamente, padrões morais, éticos e religiosos.Talvez seja essa a razão para
que a escolha mais frequente dos personagens que comporão os coros de várias tragédias
recaia sobre personagens idosos, que seriam mais experientes, ponderados e preocupados
com o bem-comum.Um exemplo fornecido por Easterling, é o dos cidadãos argivos, os
quais são até mesmo fisicamente ameaçados por suas opiniões, ao final de Agamêmnon
(Ésquilo, 2003, p. 80).
Consequência direta da função acima descrita, ainda segundo Easterling (2001, p.
163), seria a de influenciar na resposta emocional do próprio público. Em Agamêmnon,
por exemplo, o coro instiga a piedade dos espectadorespor Cassandra:
Corifeu:
Eu, todavia, não me sinto exasperado,
pois tenho pena dela. Vai, desventurada!
Apeia deste carro! Cede ao teu destino!
Recebe pela vez primeira o jugo duro! (Ésquilo, 2003, p. 56)
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o rei partiu de Londres, e a cena agora transporta-se, gentis senhores, gentis senhoras, para
Southampton. Lá é onde está agora esta casa de espetáculos, é lá onde deveis sentar-vos e assistir-
nos, e dali até a França nós vos conduziremos em segurança – e vos traremos de volta –, enfeitiçando
o nosso estreito oceano para dar-vos passagem pacífica, pois, se estiver ao nosso alcance, não vamos
ofender nem um único estômago com nossa encenação (Shakespeare, 2009, p. 41).
Porém, perdoai, damas e cavalheiros, os espíritos rasos e não-elevados que ousaram, neste tablado
que não é digno de vós, apresentar tema tão grandioso. Poderá este escasso espaço conter em si os
espaçosos campos da França? E conseguiremos nós abarrotar dentro deste círculo de carpintaria os
capacetes que aterrorizaram o próprio ar de Azincourt? (Shakespeare, 2009, p. 23).
E agora deve a nossa cena voar para a batalha, onde – senhores e senhoras, tenham dó! – iremos
desonrar o nome da Batalha de Azincourt com cinco ou seis floretes defeituosos e desprezíveis,
manuseados de qualquer jeito em ridículas rixas. No entanto, sentem-se e assistam, imaginando a
realidade onde enxergam dela imitação (Shakespeare, 2009, p. 98).
Two households both alike in dignity Duas casas, iguais em seu valor,
(In fair Verona, where we lay our scene) Em Verona, que a nossa cena ostenta,
From ancient grudge break to new mutiny, Brigam de novo, com velho rancor,
Where civil blood makes civil hands unclean. Pondo guerra civil em mão sangrenta.
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From for the fatal loins of these two foes Dos fatais ventres desses inimigos
A pair of star-cross’d lovers take their life, Nasce, com má estrela, um par de amantes,
Whose misadventur’d piteous overthrows Cuja derrota em trágicos perigos
Doth with their death bury their parents’ strife. Com sua morte enterra a luta de antes.
The fearful passage of their death-mark’d love A triste história desse amor marcado
And the continuance of their parents’ rage, E de seus pais o ódio permanente,
Which, but their children’s end, nought could remove, Só com a morte dos filhos terminado,
Is now the two hours’ traffic of our stage; Duas horas em cena está presente.
The which, if you with patient ears attend, Se tiverem paciência para ouvir-nos,
What here shall miss, our toil shall strive to mend. Havemos de lutar pra corrigir-nos.
(Shakespeare, 1997, p. 16) (Shakespeare, 1997, p. 17)
comportamento dos demais personagens e fazem crítica social,sem que, no entanto, sua
atuação influencie no desenrolar dos acontecimentos (em muitos episódios, suas falas
nem sequer são ouvidas por Lear e pelos outros destinatários de suas crítica mordaz, cf.
Ato 1, cena v).
Na verdade, o Bobo é o único personagem que – protegido por seu disfarce de
palhaço, o qual étambémconcessão de sua profissão – pode criticar abertamente o
comportamento de Lear e, ainda assim, ser carinhosamente chamado de “pretty knave”
[marotinho] (Shakespeare, 2000, p. 82-83). Suas falasservem, principalmente, para
denunciar o descaso da nobreza pelas classes inferiores, mas, principalmente, realçar as
falhas de julgamento de Lear e o caos a que seu comportamento submete toda a sociedade.
Em sua primeira aparição (Ato 1, cena iv), o Bobo oferece seu barrete (chapéu
característico) a Kent/Caio:
Why, this fellow has banish’d two on’s Sabes, esse sujeito aí baniu duas de suas filhas
daughters, and did the third a blessing against e, contra a sua vontade, abençoou a terceira; se
his will: if thou follow him thou must needs tu o segues, tens de usar o meu barrete! Olá, Tio!
wear my coxcomb. How now, Nuncle! Would I Ah! Se eu tivesse dois barretes e duas filhas!
had two coxcombs and two daughters. (Shakespeare, 2000, p. 83)
(Shakespeare, 2000, p. 82)
Percebe-se nessas falas (que parodiam, por meio de inversão, o que realmente
ocorreu) uma denúncia do mundo às avessas que se anuncia pelo ato irresponsável da
divisão do reino, um assunto-tabu em qualquer monarquia e que também aparece
inteligentemente nas falas do bobo, quando este insinua querer ter dois barretes para
dividir com as filhas.Outro tema levantado pela peça que aparece nas falas do Bobo é a
relação distorcida entre Lear e as filhas, em que a luta pelo poder e bens materiais
substituem os laços de dever e respeito entre pais e filhos:
Ao mesmo tempo em que denuncia o materialismo O Bobo deixa claro nos versos
acima, que Lear inverteu a ordem natural da sociedade ao doar suas terras e evadir-se de
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REFERÊNCIA
BURIAN, Peter. Myth into muthos: the shaping of the tragic plot. In: ______. (ed.). The
Cambridge companion to Greek tragedy. Cambridge: CUP, 2001.
ÉSQUILO. Oréstia. Tr. Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. São Paulo: Cia das Letras, 1999.
SHAKESPEARE, William. Henrique V. Tr. Beatriz Viégas-Faria. Rio de Janeiro: L&PM, 2009.
______. Rei Lear. Edição bilíngue. Tr. Aíla de Oliveira Gomes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
______. Romeu e Julieta. Edição bilíngue. Tr. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1997.
TAPLIN, Oliver. Greek tragedy in action. Los Angeles. University of California Press, 1979.
WATT, Lauchlan Maclean. Attic and Elizabethan tragedy. London: J.M. Dent & Sons, 1908.
pp. 13-17. Disponível em <http://www.theatrehistory.com/ancient/chorus001.html>Acesso em
25 mai 2007.
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