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Contexto 

HISTÓRICO

A panóplia:
armas e armadura,
descrições e medidas

O Ocidente Europeu
no final do S.XIV

A violência
na sociedade
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A panóplia:
armas e armadura

No contexto em que o 3227a e os pri- falamos dum estudo anatómico cui-


meiros tratados da Kunst des Fech- dadoso em que o peso do metal des-
tens são escritos — o final da baixa cansa repartido nas diferentes par-
Idade Media — estamos a ver pro- tes do corpo; em que as peças for-
fundas mudanças na tecnologia. O mam articulações com rebites fixos
fortalecimento das vias comerciais e deslizantes para permitir um arco
para dentro e fora da Europa injeta fer- de mobilidade quase completa. Quem
ro importado de Ásia e permite o de- veste esta armadura procura poder
senvolvimento de novas tecnologias
para o processar. O crescimento dos
grémios e desenvolvimento destes
nas cidades, que também se especi-
alizam em áreas produtivas, vão fa-
zer com que exista mão de obra al-
tamente qualificada. Isto tudo vai
permitir a criação de peças de aço
(relativamente) mais uniformes e
maiores, capaz de suportar proces-
sos de temperado e fortalecimento.
Assim, onde durante a maior par-
te da idade média o capacete foi a
maior peça metálica da vestimenta
protetora na camada guerreira, va-
mos agora ver o nascimento de re-
forços em mãos, cotovelos e peito de
forma cada vez mais completa. O que
nos S.X - XII estava coberto por ma-
lha flexível, formada de milhares de
anéis entrelaçados, vai agora ser
protegido por placas metálicas for-
madas com precisão e cuidado para
criar uma segunda pele em quem as
veste. Embora também fossem pro-
duzidas muitas peças de tamanho
genérico e nem qualquer pessoa po-
Arnês do cavaleiro galego Nuno Freyre de Andrade «O Mao», findo
dia aceder a um arnês feito a medi- em 1431, repressor da primeira Guerra Irmandinha. Um excelente
exemplar de armadura do primeiro terço do século que ficou imorta-
da, os exemplares de alto nível não lizado no seu féretro do mosteiro de Monfero.
Desenho, reproduzido com autorização, da série de imagens ar-
se interessam apenas com reforçar queológicas Cavaleiros, do historiador Alfredo Erias, diretor do Mu-
seu das Marinhas. Nela podeis ver arneses, archas, espadas a uma
ou cobrir partes do corpo com metal: e duas mãos e adagas. www.alfredoerias.com
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lutar com o mínimo incomodo, can- os S. XIV e XVI representa o apogeu


saço e limitação possíveis. Estamos desta tecnologia.
a ver o nascimento do arnês branco. Em consequência, as pessoas a
Este novíssimo arnês branco se- combaterem nele necessitam adatar
rá utilizado em combate a pé e a ca- os sistemas de luta. Em séculos an-
valo, no campo da batalha e em due- teriores machados e espadas cortam
los judiciários, modificado e adapta- através de pele e roupa, e as maças
do para cada um destes propósitos transmitem os golpes através da ma-
(a pé terá mais proteção nos ombros, lha para quebrar ossos por baixo.
acavalo nas pernas, e um mesmo ar- Agora cumpre descartar a penetração
nês por vezes podia ter peças que das defesas: o metal do arnês bran-
mudar a depender do uso que lhe fos- co é em essência indestrutível. É ne-
se ser dado). O seu desenho tem va- cessário procurar os pontos vulnerá-
riações temporais e locais, mas pa- veis: onde ainda existe malha a pro-
ra a perspetiva desta análise é virtu- teger (axilas, interior dos cotovelos,
almente uniforme em toda a Europa, gorja) ou onde não há nenhuma (viri-
num momento de profunda interação lhas, rosto e palmas das mãos e pés).
entre as regiões, com grandes com- A malha pode ser penetrada e os
panhias militares a se deslocar pelo seus rebites forçados inserindo cu-
continente inteiro que levam a tecno- nhas nela: assim, vamos ver as ada-
logia com elas. gas e espadas mudar para pontas
O sucesso do arnês branco vem reforçadas, estreitas e longas. Os
dado por resultar virtualmente inex- machados e martelos e maças vão
pugnável. Com certeza, nada propor- desenvolver extremos também agu-
ciona segurança absoluta: durante çados. Mas o combate requer muita
um assédio pode ser emborcado óleo precisão nos ataques para colocar
a ferver por cima dele e vai escoar essas pontas nos reduzidos espaços
entre as aberturas, ou uma flecha po- em que podem ser ofensivas. Em
de penetrar através da oculária do vi- consequência, estamos a falar dum
sor; uma ponta de lança numa carga combate muito próximo, fechado,
de cavalaria, empurrada pelo peso do com enorme presença da luta corpo
cavalo contrário além de quem a em- a corpo para reduzir à pessoa opo-
punha, pode chegar a penetrar cer- nente e poder agir contra os pontos
tas partes do arnês, e ao chegar à lu- vulneráveis.
ta corpo a corpo, quando com Pela proteção que proporciona, o
frequência o visor é levantado ou arnês branco produz também em
mesmo desbotado para poder respi- quem o veste o abandono quase to-
rar e ver com mais facilidade, é pos- tal do escudo para a luta a pé. Além
sível receber uma ferida no rosto. da carga de cavalaria propriamente
Mas em comparação com qualquer dita, onde a lança é empunhada nu-
outro sistema de proteção pessoal ma mão e o escudo proporciona re-
para o campo da batalha que existiu forço no lado contrário, este é geral-
antes ou depois, incluídos os tempos mente descartado: o arnês protege
presentes, o arnês que evolui entre suficiente. Assim, fica uma segunda
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mão livre para empunhar armas que mas eficaz arma de apoio em qual-
crescem em comprimento. Há uma quer situação. Sendo a espada, em
certa tendência para as espadas pas- geral, um ícone da cavalaria, a espa-
sarem de uma mão para duas. Os da de duas mãos vira dalguma for-
equivalentes das maças e machados ma na máxima expressão desse sím-
— armas de haste que chamaremos bolo. Vai ser vestida como mostra de
archas, bisarmas e outros nomes — status, e utilizada nos duelos judiciá-
vão crescer até à altura de quem as rios aos que certas camadas da so-
empunha ou além. Isto permitirá uma ciedade tinham acesso para a reso-
luta corpo a corpo mais eficaz, por se- lução de certos conflitos. Por ser ves-
rem estas armas essencialmente tida em viagens e também em certos
pancas para derrubar e controlar a momentos da vida diária (mas nem
outra pessoa. Uma vez conseguido is- constantemente), vai logicamente
to, a adaga de rondel procura com constituir uma ferramenta de auto-
agilidade onde ferir. defesa quando a ocasião requer. Is-
Menção especial merece neste to vai desenvolver sistemas de luta
período a espada. Embora a versão a especializados para cada contexto:
uma mão (convenientemente aguça- Bloßfechten, empunhada de forma
da e ligeiramente alongada) vai con- «longa», para lutar com roupa «de
tinuar em uso ao longo deste perío- rua»; Harnischfechten, a pegar na es-
do, habilitado pelo abandono do es- pada encurtada, para lutar nos due-
cudo aparece um desenho novo: a los com arnês ou na guerra, etc.
espada de duas mãos. Sendo mais
Ringes guet fesser /
longa, facilita o ser empunhada co-
Gleffen Sper Swert und Messer,
mo uma pequena lança: uma mão no
cabo e outra no fio, e assim obter uma diz a Zedel. Aprende a luta corpo a
panca melhor para derrubamentos, corpo, com lança longa, lança curta
bem como mais alcanço quando for ou archa; com espada duma ou duas
necessário. Empunhada invertida mãos e adaga; a pé e a cavalo, com
(ambas as mãos no fio, o infame arnês e sem ele. Eis o conjunto de ar-
Mordschlag) comporta-se como uma mas — a panóplia — da cavalaria.
pequena archa. O cabo alongado per-
mite muitos dos jogos próprios da
adaga. Quando é empunhada com
ambas as mãos nele permite dar cu-
teladas longas, eficazes contra quem
não veste armadura, e a segunda mão
perto da maçã dá, antes que força,
maior controlo da ponta, o que per-
mite atingir alvos pequenos.
A espada de duas mãos é, assim,
uma arma versátil. Nunca a primeira
escolha — a cavalo, esta é a lança
longa; a pé, a lança curta ou archa —

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