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Vida
Primeiros anos
Além da educação religiosa no cristianismo ortodoxo,[18] Dostoiévski e seus irmãos estudavam literatura e
outros estudos de humanidades desde muito cedo, sempre por influência dos pais.[19]
Os pais de Dostoiévski morreram quando o escritor ainda era muito jovem: a mãe morreu no ano de 1836[20] e
há suspeitas de que o pai foi assassinado no início de junho de 1839 pelos próprios servos de sua propriedade
rural em Daravói. A tese de assassinato é hoje muito questionada.[21]
A Gente Pobre seguiu o romance O Duplo, publicado em 1846,[31] e os seguintes contos: Senhor Prokhartchin,
publicado no volume de outubro de 1846 da revista Notas da Pátria,[32] e dois contos escritos em 1846,
Romance em Nove Cartas e Polzunkov,[33] A Senhoria, escrito entre 1846-47,[34] Coração Fraco, escrito em
1848,[35] três contos escritos entre 1847-48: O Ladrão Honesto, Uma Árvore de Natal e uma Boda, A mulher
alheia e o marido debaixo da cama[36] e Noites Brancas[37] e, ainda, o conto Netochka Nezvanova, cuja última
parte foi publicada no volume de maio da Notas da pátria no ano de 1849, sem, entretanto, conter o nome de
Dostoiévski, uma vez que ele tinha sido preso em 23 de abril.[38] Estas obras não tiveram o êxito esperado e
[39]
sofreram críticas muito negativas, inclusive de Belinski.
Nesta época,[40] desde que terminou o curso na academia militar até sua prisão, Dostoiévski entrou em contato
com alguns grupos da Intelligentsia russa, sendo os principais o Círculo Petrashevski[41] e o Círculo Palm-
Durov.[42] O primeiro era dedicado à discussão sobre literatura e humanidades em geral, centrado nas obras da
biblioteca de obras proibidas de Petrashevski,[43] obras que, segundo os registros da sociedade, Dostoiévski
consultou em várias ocasiões.[44] O segundo, o Círculo Palm-Durov, foi formado a partir do Círculo
Petrashevski e servia de fachada para radicais revolucionários, incluindo Dostoiévski,[45] o qual foi preso muito
por conta de suas atividades neste círculo,[45] em que pese as acusações terem sido direcionadas apenas ao
círculo principal de Petrashevski, uma vez que o Círculo Palm-Durov não chegou a ser descoberto pelas
autoridades.[46]
Exílio na Sibéria
Por conta do processo, Dostoiévski passou oito meses na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, onde trabalhou
escrevendo várias notas para diferentes obras.[54] As notas não sobreviveram e a única obra concluída desta
época foi O Pequeno Herói.[55] Nestes oito meses continuaram as investigações do Círculo Petrashevski, as quais
foram finalizadas apenas em 17 de setembro de 1849, quando foram enviadas ao czar, o qual ordenou a abertura
de um tribunal misto (civil e militar) para julgar, sob leis militares, 28 acusados. Destes, 15, incluindo
Dostoiévski, foram condenados no dia 16 de novembro à pena de morte por fuzilamento.
Após diversos recursos, Nicolau I perdoou muitos dos sentenciados à morte. Dostoiévski foi então condenado a
oito anos de trabalhos forçados, pena reduzida para quatro anos seguida de serviço militar por tempo
indeterminado.[56] Mesmo assim, em 22 de dezembro os prisioneiros foram transferidos e levados ao lugar da
suposta execução, a Praça Semenovski, onde suas sentenças de morte foram lidas publicamente.[57] Três
membros do grupo - Petrashevski, Mombelli e Grigoriev - foram amarrados aos postes em frente ao pelotão de
fuzilamento. Dostoiévski era um dos três próximos [58] e neste momento de aguardo disse a Nikolai Spetchniev,
o qual se encontrava atrás: -"Nós estaremos com Cristo", o revolucionário respondeu -"Um pouco de poeira".[59]
Antes do comando para o fuzilamento, entretanto, chegou uma ordem do czar para que a pena fosse comutada
para prisão com trabalhos forçados. Soube-se, depois, que a ordem havia sido assinada dias antes, mas que o
czar exigira a falsa execução - através do Príncipe Michkin de O Idiota, Dostoiévski oferece uma descrição desta
[60]
experiência de quase morte. Dostoiévski, então, recebeu os grilhões e partiu para a Sibéria poucos dias
depois.[61] É comumente aceito e afirmado pelo próprio Dostoiévski, que após a simulação da execução, ele
passou a apreciar a vida de uma maneira muito diferente da anterior, iniciando um processo de transformação
existencial, literária e política, que estaria terminada quando de seu retorno a São Petersburgo, 10 anos
depois.[6] [62][63]
Sibéria
Um dos fatos que tiveram mais impacto em Dostoiévski nessa época foi descobrir que na prisão, em que pese
diluídas as diferenças de classe, os servos não aceitavam as antigas (de fora da prisão) classes superiores como
camaradas, como iguais.[67] Dostoiévski conta como os camponeses zombavam dos intelectuais por sua falta de
destreza física nos trabalhos[68] e quando Dostoiévski, sem querer, acabou se juntando a um protesto contra a
má qualidade da comida da prisão, os prisioneiros não o aceitaram e o expulsaram, uma vez que Dostoiévski
podia comprar reforço alimentar, não pertencendo, assim, à manifestação.[69]
Foi na prisão da Sibéria que Dostoiévski sofreu seu primeiro ataque de epilepsia, doença que o acompanharia
pelo resto da vida e que também atinge vários de seus personagens, como o Príncipe Míchkin de O Idiota,
Kiríllov de Os Demônios e Smerdiákov de Os Irmãos Karamazov. As cartas que Dostoiévski enviou ao irmão
deixam claro que os ataques epilépticos iniciaram na Sibéria, em que pese ele já ter apresentado problemas
nervosos antes disso.[70]
Em fevereiro de 1854, Dostoiévski deixou a prisão na Sibéria para cumprir pena de serviço militar por tempo
indeterminado.[71]
Após libertado da prisão de Omsk, Dostoiévski foi mandado para cumprir pena servindo no exército russo no
Sétimo Batalhão do Corpo Militar da Sibéria por tempo indeterminado,[72] permanecendo por quatro anos na
fortaleza de Semipalatinsk, no Cazaquistão.[6]
Neste período, apaixonou-se por Maria Dmitriévna, mulher casada e mãe de um filho chamado Pável Issáiev
(Pasha), do qual Dostoiévski era tutor.[73] Ela sofria de tuberculose.[74] Quando Maria Dmitriévna mudou-se
com seu marido e filho para Kuinetsk, ambos trocaram cartas semanalmente e uma destas cartas ainda
sobrevive.[75] Em agosto de 1855, morreu Alexander Ivanovich Isaev, marido de Maria Dmitriévna,[76] e como
em novembro de 1855 Dostoiévski foi promovido,[76] ele pediu a amada em casamento. Não sem muitas idas e
vindas (inclusive um caso com outro homem),[77] Maria Dmitriévna aceitou, em dezembro de 1856, se casar com
Dostoiévski e em 7 de fevereiro de 1857 ocorreu a cerimônia.[78]
Na noite de núpcias, Dostoiévski sofreu uma violenta crise de epilepsia, quando
recebeu pela primeira vez o diagnóstico médico de tal doença.[79] Aproximadamente
um ano depois, em meados de janeiro de 1858, Dostoiévski entrou oficialmente com
pedido de aposentadoria do exército, a fim de receber tratamento médico.
Colocando de forma mais completa o significado da citada conversão, pode-se dizer que Dostoiévski começou
com uma crença socialista ingênua de que poderia liderar os servos como um igual - crença que sustinha antes
da condenação -, passou por uma posição de extrema repulsa em relação aos servos da prisão - causada pelo fato
de os servos não o aceitarem como igual - e chegou, finalmente, a ter fé na moral dos servos (cristianismo
ortodoxo), do povo russo, não mais, porém, como movimento político, mas como seres humanos capazes de
infinito amor[83] e, como qualquer ser humano, do infinito mal.[84] Trata-se de amor cristão, o que mostra que a
conversão também foi religiosa.[85]
A situação política que encontrou em São Petersburgo não foi conflituosa: uma vez que os impulsos
revolucionários dos literatos e de Dostoiévski tinham como principal finalidade a libertação dos servos da
Rússia e na medida em que Alexandre II, czar que assumiu o trono em 1855,[91] estava determinado a libertá-
los, tanto a Inteligência Russa como Dostoiévski estavam favoráveis ao czar.[92] No caso de Dostoiévski, também
sabemos que sua conversão, a qual o impulsionou contrariamente ao socialismo, tornavam o czar e sua política
ainda mais simpáticos (v. seção A conversão de Dostoiévski deste artigo). A abolição da servidão veio de direito
em 16 de fevereiro de 1861,[93] entretanto a trégua não durou muito, uma vez que a forma da libertação não
parecia favorecer muito os servos.[94]
Na época do retorno de Dostoiévski a São Petersburgo, isto é, no início dos anos 1860, os escritores mais
aclamados eram Tchernitchevski e Dobroliubov.[95] Ambos, assim como a maioria dos pensadores da época,
acreditavam em uma ética utilitarista e tinham uma visão inocente da ciência e do racionalismo, assim como da
possibilidade deles de desvendarem e responderem, por si mesmos, todas as questões humanas.[92]
A primeira obra publicada por Dostoiévski após seu retorno a São Petersburgo
foi a autobiográfica e de enorme sucesso Recordações da Casa dos Mortos,
baseada em suas experiências como prisioneiro,[6] [96] inaugurando este
gênero literário russo.[97] A obra chegou a ser considerada por Liev Tolstói
como o melhor livro de toda a literatura moderna.[98] Ela foi publicada no
revista O Mundo Russo (Russkii Mir): seus dois primeiros capítulos foram
publicados em 1860 e republicados no início de 1861, seguidos de três
capítulos publicados semanalmente, quando a publicação foi então
interrompida e nunca mais retomada.[99] Muito tempo depois, em 1922, foi
encontrado e publicado um capítulo esquecido das Recordações da Casa dos
Mortos, o qual tinha sido escrito para reverter uma censura governamental
Mikhail Dostoiévski, irmão de
feita à obra, porém, uma vez que a obra acabou publicada sem este capítulo, ele
Fiódor Dostoiévski, ca. 1864 ficou esquecido nos arquivos do governo.[100] Este capítulo esquecido
continha, pela primeira vez nos escritos de Dostoiévski, aquilo que seria um
dos temas de suas grandes obras: a liberdade humana como bem supremo,
contraposta, por exemplo, a uma suposta supressão total das necessidades vitais do ser humano pela utopia
socialista.[101]
Em 8 de julho de 1860, Mikhail, irmão de Dostoiévski, foi autorizado a publicar a revista literária Tempo
(Vremia), da qual seria editor juntamente com Dostoiévski, a qual foi muito bem sucedida.[102] A posição
política defendida pelos editores de Tempo era a fusão mediadora de ocidentalismo e eslavofilia,[103] podendo
por isso ser entendida como a principal referência de um novo movimento no cenário literário russo, o
Pochvennichestvo, cujos principais membros, além do próprio Dostoiévski, eram Strakhov e Grigoriev.[104] O
movimento potchvennitchestvo acreditava que a questão mais emergencial a ser tratada pelos escritores era a
síntese cultural pacífica entre os "bem educados" e a massa russa, entre ocidentalismo e eslavofilia, e não uma
revolução violenta guiada por intelectuais educados na cultura europeia, a qual teria como finalidade impor ao
povo russo um ideal de vida iluminista.[105] Na revista Tempo, além de suas próprias ficções, Dostoiévski
também publicava traduções, resenhas, comentários e alguns estudos,[106] incluindo, por exemplo, um estudo
sobre Edgar Allan Poe.[107]
Desde a autorização para a publicação de Tempo, enquanto Mikhail terminava os preparos burocráticos para
publicação da revista, Dostoiévski escrevia seu primeiro romance pós-Sibéria, o romance em folhetim
Humilhados e Ofendidos, o qual também foi agraciado com grande sucesso.[6] O romance começou a ser
publicado desde o primeiro volume de Tempo, em janeiro de 1861, continuando por vários dos seus
números.[102] Esse romance, segundo Joseph Frank, teria inaugurado um estilo melodramático que Dostoiévski
usaria mais tarde em suas grandes obras.[108] Segundo Frank, portanto, nesta época Dostoiévski fundou o
estilo[108] e o tema[101] de suas grandes obras: a dramatização da contraposição entre liberdade e racionalidade.
Neste período, Dostoiévski também começou a frequentar o círculo literário que se encontrava na casa de
Miliukov, ex-membro do círculo Palm-Durov.[109]
Em 7 de junho de 1862, partiu Dostoiévski para sua primeira viagem pela Europa (Alemanha, Bélgica, França e
Inglaterra).[110] Nesta viagem, ele jogou roleta pela primeira vez, adquirindo um vício que o acompanharia por
quase toda a vida, apesar de praticado apenas durante viagens.[111] Também foi nesta viagem que Dostoiévski
visitou o Palácio de Cristal, símbolo dos avanços tecnológicos europeus, o qual seria usado pelo autor em alguns
de seus textos posteriores.[112] Já no final de 1862, após seu retorno da Europa, Dostoiévski publicou Uma
História Desagradável e depois, como a última importante obra publicada na revista Tempo, publicou Notas de
Inverno sobre Impressões de Verão,[113] que retratava e comentava sua viagem à Europa do ano anterior.[114]
Em maio de 1863, a autorização de funcionamento da revista foi cancelada pelo governo, sob falsa acusação de
apoio à revolta polonesa.[115] Então, em abril de 1864, Dostoiévski e seu irmão Mikhail iniciaram a edição de
uma segunda revista literária, a Época (Epokha), seguindo a mesma orientação política e editorial que sua
antecessora.[116] Na Época, Dostoiévski publicaria suas Notas do Subterrâneo, dando início às suas grandes
obras.[117]
Após o fechamento da Época, da morte da primeira mulher e do seu irmão Anna Dostoiévskaia,1871 -
(sempre ao seu lado na edição das revistas), Dostoiévski entrou em uma nova Segunda esposa de Dostoiévski
fase de sua vida: ele não mais procurou se inserir no agitado movimento
político/literário russo, mas, ao contrário, se isolou a fim de escrever seus
romances de forma mais tranquila.[124] Apesar de afastado das obrigações burocráticas e sociais das revistas,
não alcançou a tranquilidade que desejava, por causa das dívidas e do seu vício em jogos.[125] Foi nestes seis
anos de isolamento social que ele escreveu as obras-primas Crime e Castigo, O Idiota e Os Demônios, além de
obras menores como O Jogador e O Eterno Marido.[124]
Planejado inicialmente para ser um simples conto, Crime e Castigo se tornou um romance de peso, uma das
obras mais importantes do autor.[126] Seus primeiros dois capítulos foram publicados, respectivamente, nos
números de janeiro e fevereiro de 1865 da revista O Mensageiro Russo, adquirindo grande fama e muita
crítica.[126] Um curioso fato, que teria aumentado em muito o interesse geral pela obra, foi o assassinato de um
agiota e seu criado visando o roubo do seu apartamento, cometido por um estudante chamado A.M. Danilov em
12 de janeiro de 1866. Este episódio era muito semelhante ao enredo do romance de Dostoiévski[127] e o sucesso
dos dois primeiros capítulos trouxe à revista O Mensageiro Russo nada menos que 500 novos assinantes.[128]
Esse fato, entretanto, não aliviou a tensão entre o escritor e seus editores, os quais continuaram demandando
diversas correções dos textos apresentados, além de apressarem constantemente a finalização do romance. Eles
recomendaram a Dostoiévski, inclusive, a contratação de uma estenógrafa para ajudá-lo com um romance que
deveria ser entregue antes mesmo de Crime e Castigo, e o qual Dostoiévski nem mesmo havia começado, o
romance O Jogador. O manuscrito de O Jogador foi entregue ao editor no dia 29 de outubro de 1866, dentro do
prazo combinado, portanto.[129][130]
A contratada como estenógrafa foi Anna Grigorievna Snitkina (futura Anna Dostoievskaia)[131] com quem
Dostoiévski se casou pela segunda vez,[132] quando Anna tinha vinte anos.[133] Não se deve confundir a esposa
de Dostoiévski com a também conhecida sua Anna Korvin-Krukovskaia: esta escreveu dois textos para a revista
Época sob o pseudônimo de Iury Orbelov, denominados Um sonho e Mikhail[134] e, apesar de ter sido pedida
em casamento por Dostoiévski, recusou o pedido.[134]
Após o casamento, para fugir da pressão dos credores, entre outros problemas, o casal resolveu viajar pela
Europa e partiu em abril de 1867. A viagem estava programada para durar alguns meses, mas acabou durando
quatro anos.[135] Eles residiram em Dresden,[136] Genebra,[137] Vevey,[138] Milão,[139] Florença[139] e novamente
em Dresden.[140] Durante a viagem, Dostoiévski jogou muito na roleta e acabou perdendo algumas vezes o seu
próprio dinheiro, assim como o de sua mulher, a qual tinha pago os custos iniciais da viagem, uma vez que
Dostoiévski estava muito endividado na época.[134] Em Geneva, no dia 5 de março de 1868, nasceu a primeira
filha do casal, Sônia[141][142][143] ou Sofia.[144][nota 4] Sônia morreu pouco tempo depois, em 12 de maio de 1868,
por causa de um gripe e foi enterrada no dia 24 de maio.[138]
Em 26 de setembro de 1870, enquanto escrevia Os Demônios, nasceu a segunda filha do casal, Liubov, [157] e em
8 de junho de 1871,[158] com o livro ainda pela metade, Dostoiévski retornou à Rússia.[159] Na viagem de retorno
apostou pela última vez na roleta.[160] Já em São Petersburgo, onde residiu após o retorno, nasceu, no dia 16 de
julho de 1871, o terceiro filho, Fiódor.[161] Procurando tranquilidade para criar os filhos, a família se mudou para
Staraia na primavera de 1872.[161] Os últimos capítulos de Os Demônios foram publicados no volume de
novembro e dezembro de 1872 da revista O Mensageiro Russo, tendo sido publicado em forma de livro no ano
seguinte,[162] editorado pelo próprio Dostoiévski e sua esposa.[163]
Outra atividade editorial de Dostoiévski foi seu envolvimento com a revista russa O cidadão, da qual se tornou
editor em 1 de janeiro de 1873.[164] Nesta revista escreveu sua famosa coluna Diário de um escritor,[165] a qual se
tornaria uma publicação separada. Durante as atividades de editoração, no início de 1874, Dostoiévski começou
a adoecer, início do que seria sua enfisema pulmonar,[166] deixando a edição da revista em abril[166] e partindo
em junho para Bad Ems na Alemanha, visando tratamento médico.[167] Em Diário de um escritor, o público
encontrava uma síntese das posições políticas do seu tempo encarnadas em personagens vividamente criados
por Dostoiévski.[168] Nestes textos, entretanto, é possível encontrar apenas uma obra ficcional completa, o conto
Bobok.[169]
Dostoiévski retornou a Staraia já melhor de saúde no dia 1 agosto de 1873, iniciando imediatamente seus
trabalhos em O Adolescente,[170] obra que publicou na popular revista Notas da Pátria,[171] tendo a última parte
do romance sido publicada no inverno de 1875.[172] A obra não foi bem recebida nem pela crítica da época nem
pela atual.[173] Nessa mesma época, mais precisamente em 10 de agosto de 1875, nasceu o quarto filho do casal,
Aleixo (em alusão a Santo Aleixo, "o homem de Deus").[172]
A fim de gerenciar a retomada do Diário de um Escritor (de 1876 a 1877),[174] agora de forma autônoma,[175]
Dostoiévski e sua família voltaram para São Petersburgo em meados de setembro de 1875.[176] Sua nova
publicação chegou a ser o periódico mais influente até então visto na Rússia[177] e com o qual Dostoiévski
alcançou uma fama nunca antes experimentada.[178] Também são dignos de nota os contos publicados neste
periódico: em fevereiro de 1876 publicou O Mujique Marei,[179] em novembro de 1876 publicou Uma Criatura
Gentil[180] e em abril de 1877 publicou O Sonho de um Homem Ridículo.[181] O último número de Diário de um
Escritor desta época foi publicado em dezembro de 1877.[182]
“ Se alguém me provar que Cristo está fora da verdade, e que na realidade a verdade está fora de
Cristo, então eu preferiria ficar com Cristo a ficar com a verdade. ”
—Dostoiévski.[183]
Fatos marcantes desta época foram o atentado, em abril de 1879, contra o czar por Alexander Soloviev e[193] a
participação de Dostoiévski, entre 5 e 9 de junho de 1880,[194] na inauguração do monumento a Alexandre
Pushkin em Moscou, onde proferiu um discurso memorável sobre o destino da Rússia no mundo;[191]
Em 3 de fevereiro de 1880, Dostoiévski foi eleito vice-presidente da Sociedade Eslava Benevolente e foi
convidado a falar na inauguração do memorial Pushkin em Moscou. Em 8 de junho, ele proferiu seu discurso,
apresentando uma execução impressionante que teve um impacto emocional significativo em seu público. Seu
discurso foi recebido com aplausos estrondosos, e até seu rival de longa data Turgueniev o abraçou. Konstantin
Staniukovich elogiou o discurso em seu ensaio "O aniversário de Pushkin e o discurso de Dostoiévski" na revista
Delo, escrevendo que "a linguagem [do discurso de Pushkin] de Dostoiévski realmente parece um sermão. Ele
fala com o tom de um profeta. Ele faz um sermão como um pastor, é muito profundo, sincero, e entendemos que
ele quer impressionar as emoções de seus ouvintes."[195] O discurso foi criticado mais tarde pelo cientista
político liberal Alexander Gradovsky, que pensava que Dostoiévski idolatrava "o povo",[196] e pelo pensador
conservador Konstantin Leontiev, que, em seu ensaio Sobre o Amor Universal , comparou o discurso ao
socialismo utópico francês.[197] Os ataques levaram a uma deterioração adicional de sua saúde.[198][199]
Após três dias de cama, porém sem dor, morreu em 9 de fevereiro de 1881[4][200] de uma hemorragia pulmonar
associada com enfisema.[201] Uma procissão fúnebre foi organizada com representantes de diversos grupos
sociais, uma grande multidão (aproximadamente 30 000 pessoas) seguiu o corpo,[202] o qual foi velado na
Igreja do Espírito Santo.[203]
“ [...] tomai sobre vossos ombros os pecados humanos, e tornai-vos responsáveis por êles.
”
—Dostoiévski.[204]
Obra
Influências e controvérsias
Jesus Cristo — Provavelmente a maior influência nos trabalhos de Dostoiévski foi a pessoa, o símbolo, de
Cristo tal como contado pela Bíblia e através da interpretação ortodoxa. Dostoiévski nunca deixou de ser
cristão e teve intenso contato com o texto bíblico na prisão, onde apenas este texto era permitido.[66]
Comentando um de seus textos, afirmou que o que ele queria dizer era a "impossibilidade de se viver sem
Cristo".[205] Além do mais, muitas de suas obras contêm reflexões sobre o cristianismo e inclusive apologia,
como é o caso de O Idiota, o tipo cristão perfeito,[206] o mito do Grande Inquisidor em Os Irmãos
Karamazov, entre outros.
Victor Hugo — Dostoiévski conhecia muito bem as obras de Victor Hugo, e sua obra O Último Dia de um
Condenado à Morte teria influenciado o autor russo no seu realismo fantástico. Segundo Dostoiévski, em
referência à obra citada, apesar de um condenado a morte não poder escrever um diário, foi exatamente
este elemento fantástico que tornou possível a descrição realista por Victor Hugo da mente de um
condenado.[207]
Friedrich Schiller — Dostoiévski entrou em contato com Schiller ainda jovem, quando seu pai lhe
apresentou Os Bandoleiros, e em 1840 ajudou seu irmão, Michail, a traduzir parte da mesma obra para o
russo. Esta obra teria, futuramente, grande influência em Os Irmãos Karamazov.[208]
Tolstói — Dostoiévski considerava Tolstói um grande escritor, ao ponto de desejar escrever um imenso
romance (A vida de um grande pecador) para fazer frente a sua obra prima, Guerra e Paz.[153] Dostoiévski
também debateu e criticou, em Diário de um Escritor, as posições políticas de Tolstói, assim como sua obra
Anna Karenina.[209] Dostoiévski se comparava muitas vezes com Tolstói também no que se refere às
condições financeiras: enquanto Tolstói tinha possibilidade financeira de escrever calmamente e publicar no
tempo correto, Dostoiévski, ao contrário, precisava escrever por dinheiro, deixando assim as obras menos
bem acabadas.[210]
Pushkin — Um vez que Pushkin tinha sido muito lido na Rússia e, por isso mesmo, muito criticado pelos
revolucionários da época de Dostoiévski, este último defendeu o poeta contra o que ele considerava o
denegrimento da arte pelo utilitarismo.[211] A defesa ocorreu publicamente quando da leitura pública por
Dostoiévski em Moscou durante os Festivais Pushkin, os quais ocorreram entre 5 e 9 de junho de 1880.[194]
Turgueniev — A controvérsia entre Dostoiévski e Turgueniev não iniciou, mas ficou clara e acentuada,
durante os festivais dedicados a Pushkin, na medida em que ambos falaram publicamente e defenderam
posições diferentes em relação ao lugar do poeta na literatura russa, refletindo a contraposição mais ampla
entre ocidentalismo e eslavofilia;[212] enquanto Turgueniev colocava Pushkin como um introdutor da cultura
europeia na Russia, mas que não chegava, mesmo assim, a se comparar aos europeus.[213] Dostoiévski
idolatrava Pushkin como a maior manifestação do espírito russo, totalmente original em relação à
Europa.[214]
Gradovski — Gradovski, apesar de aceitar a tese dostoievskiana de que a inteligentsia russa não se
aproximava do povo para aprender com ele, mas para ensinar-lhe sobre a cultura europeia, alertava que
sem este aprendizado europeu o cristianismo sozinho nunca teria libertado os servos russos (política
libertária, com a qual Dostoiévski concordava e tinha sido preso por defendê-la). Em contrapartida,
Dostoiévski alegou que teriam sido muito mais os eslavófilos que os ocidentalistas, aqueles que
contribuíram com a libertação dos servos e que, caso o cristianismo tivesse sido levado à perfeição, teria
[215]
sim libertado os servos.
Nikolai Gogol — Gogol é citado diversas vezes em O Idiota, sendo um de seus personagens, o
Podkolióssin, modelo para o personagem-tipo de Dostoiévski de mesmo nome.[216]
Temas
Joseph Frank considera que o tema mais característico e marcante das obras de Dostoiévski é a descrição das
consequências psicológicas da assunção de determinadas ideias (ideologias), como é o caso, entre vários outros,
do homem doente, o Homem do Subsolo (Notas do Subterrâneo) ao assumir a ideologia determinista.[217]
Neste sentido ainda, no período pós-siberiano, o tema recorrente de Dostoiévski foi aquele por ele mesmo
chamado de "conflito entre ideias e coração"[218] ou entre razão e fé cristã.[219] Este tema foi nomeado por
Joseph Frank de "crítica da ideologia" e explicado como a contraposição entre as ideias europeias da época,
principalmente o socialismo, e a moral cristã ortodoxa visceral do povo russo, servos principalmente.[220] Trata-
se, portanto, de tematizar sua própria conversão (v. A conversão de Dostoiévski neste mesmo artigo). Este tema
também pode ser descrito como a defesa da liberdade enquanto o bem humano supremo,[221] i.e., a
contraposição entre as leis de Cristo e as leis do ego.[222] Outro modo de denominar o mesmo tema, um modo
mais sintético, é afirmar que, no período pós-Sibéria, mais especificamente a partir de Notas do Subterrâneo, o
tema central de Dostoiévski é a superação do niilismo.[223]
Dostoiévski tinha por tema, diferentemente dos outros escritores que descreviam o círculo da família moldados
na tradição e nas "belas formas", o caos familiar, a humilhação, o sadismo, o masoquismo, a ganância, a doença,
etc.[6] Essencialmente um escritor de mitos (e às vezes comparado por isso a Herman Melville), criou um
trabalho com uma enorme vitalidade e de um poder quase hipnótico, caracterizado por cenas febris e
dramáticas, onde os personagens apresentam comportamento escandaloso, e atmosferas explosivas, envolvidas
em diálogos socráticos apaixonados, a busca de Deus, do mal e do sofrimento dos inocentes.[6]
Reinhold Niebuhr atribui a Dostoiévski um "universalimo ético" pelo qual o escritor defenderia e pregaria o
destino da Rússia como o lugar de onde partiria o reino do bem e da justiça na Terra.[224]
Estilo e estética
Ao contrário do estilo utilizado na prosa da época, Dostoiévski não se fixava muito em uma descrição fotográfica
dos personagens e do ambiente em que estavam, concentrando-se mais no enredo. Este fato teria contribuído,
segundo Joseph Frank, para a má recepção por parte da crítica da época de muitos textos de Dostoiévski.[225]
Este estilo - grande atenção para os elementos do enredo em prol da descrição fotográfica - utilizou Dostoiévski
em todos os seus grandes romances, fato que trouxe uma certa homogeneidade estilística a estas obras. Os
elementos comuns foram enumerados por Joseph Frank da seguinte maneira: a) um enredo de ação
extremamente rápido e condensado - muitos elementos ocorrendo em um breve espaço de tempo -; b) viradas
inesperadas e abruptas; c) personagens que são caracterizados mais pelos seus diálogos que pelas suas
descrições fotográficas; e d) clímax ocorrendo entre diversas cenas tumultuosas.[226]
Estudiosos como Mikhail Bakhtin têm caracterizado o trabalho de Dostoiévski como diferente do de outros
romancistas, pois ele parece não aspirar por uma visão única e vai além da descrição sob diferentes ângulos,
caracterizando-o como romance polifônico. Dostoiévski criou romances cheios de força dramática em que os
personagens e os opostos pontos de vista são realizados livremente, em violenta dinâmica.[227]
Em relação ao narrador, segundo Joseph Frank, a partir de Crime e Castigo Dostoiévski acentuou uma tradição
provinda de Jane Austen de aproximar o ponto de vista do narrador ao ponto de vista do personagem principal,
inclusive com técnicas de mudanças de tempo, retratação de memórias do personagem, entre outras.[228] Este
estilo seria continuado por Henry James, Joseph Conrad, Virginia Woolf e James Joyce, estes dois últimos
inaugurando a técnica do fluxo de consciência.[228]
O próprio Dostoiévski chamou seu estilo de realismo fantástico (não confundir com o movimento literário sul-
americano), indicando que suas obras dramatizam aspectos da realidade, a fim de, no presente, retratar o
passado e as possibilidades futuras. É o caso do Homem do Subsolo: fantástico porque improvável do exato
modo como descrito, real porque possível, e, sobretudo real-fantástico porque consequência do processo
histórico de ocidentalização da Rússia e projeção no futuro, na medida em que profetiza um tipo existencial.
Estas explicações de Dostoiévski são fornecidas, sobretudo, quando de sua análise da pintura Rebocadores do
Volga. [229]
Personagens-tipo
É do próprio Dostoiévski a afirmação do uso de personagens-tipo como estratégia literária: no início da quarta
parte de O Idiota, em uma meta narrativa pelo autor mesmo designada de "crítica jornalística",[231] ele cita o
tipo Podkolióssin como um dos mais difíceis de serem retratados na literatura.[232] Os personagens-tipo
encontrados nas obras de Dostoiévski são:
São cristãos humildes e modestos. Neste tipo enquadram-se: Príncipe Michkin, Sonia Marmeládova, Aliocha
Karamazov, Aliocha Valkovski, Coronel Rostanev (Aldeia de Stiepantchikov e Seus Habitantes) e Aleksei
Valkovski (Humilhados e Ofendidos).[233][234] Dostoiévski trabalhou o tipo Dom Quixote mais ampla e
detalhadamente através do Príncipe Michkin em O Idiota.[206]
O tipo Dom Quixote é para Dostoiévski o mais perfeito exemplo moral de cristão.[235] Uma tal comparação entre
Dom Quixote e Cristo não ocorre pela primeira vez com Dostoiévski: também Kierkegaard, Turgueniev, o
próprio Cervantes com Dom Quixote, Charles Dickens com Pickwick, e Voltaire com Pangloss estabeleceram
tais paralelos.[236][235][237] Diferentemente do que ocorre com Dom Quixote, Sr. Pickwick e Pangloss,
entretanto, Dostoiévski não utiliza a comédia para conseguir a identificação do leitor com seu personagem, ele
utiliza a idiotia ou inocência: o Príncipe Michkin é um inocente idiota.[237]
Tipo Cleópatra.
São cínicos e libertinos. Neste tipo enquadram-se Cleópatra (Notas do Subterrâneo), Svidrigáilov (Crime e
Castigo), Fiódor Karamazov (Irmãos Karamazov), Stavroguin (Os Demônios), Príncipe Valkorski
(Humilhados e Ofendidos).[238][239] O tipo Cleópatra ilustra o sadismo amoroso e erótico.[240]
Neste tipo enquadram-se Homem do subsolo (Notas do Subterrânero)[241], Mr. Golyadkin (O Duplo),[242]
Jovem esposa (Uma Criatura Gentil).[241] O tipo Homem do subsolo caracteriza o sofredor em busca de ser
amado, busca que se transforma em perversão (sadismo), por causa do egoísmo e da impossibilidade de
amar.[241]
Tipo Niilista
Neste tipo são retratados principalmente jovens com ideias europeias revolucionárias, possuindo como
princípio máximo de ação o interesse próprio - princípio sistematizado sob o título de Utilitarismo.[243] Como
exemplos, temos, em O Idiota, Antíp Burdóvskii, Vladmímir Doktorénko, Keller e Ippolít Tieriéntiev.[216]
Tipo Podkolióssin
Neste tipo enquadram-se as pessoas absolutamente comuns. Dostoiévski reconhece como antecessores deste
tipo tanto Podkolióssin de Gogol como Georges Dandin de Molière. Em O Idiota são exemplos deste tipos os
personagens: Varvára Ardaliónovna Ptítsina, Sr. Ptítsin e Gavrìl Ardaliónovitch.[216]
Posição política
Niilismo
No final de 1862 a posição de Dostoiévski, e de sua revista Tempo, por conta dos constantes ataques aos radicais
niilistas, já fora entendida por um colaborador, Pomialovski, como reacionária. A esta "acusação" teria
respondido Dostoiévski, segundo tradução de Joseph Frank: "O nosso jornal é reacionário? Não, nem mesmo
aos olhos de nossos inimigos." Frank afirma, entretanto, que a posição de Dostoiévski não pode ser entendida
como reacionária, na medida em que continuava confrontando o governo.[244] Na mesma época, 1862-1863, a
revista literária O Contemporâneo afirmava que Tempo padecia por não escolher posição.[245] No entanto,
mesmo nessa época a opinião geral não podia deixar de reconhecer que Dostoiévski era progressista,
principalmente quando se olhavam obras como Recordações da Casa dos Mortos.[246]
Segundo Joseph Frank, pode-se dizer que a matriz teórica dos niilistas russos era uma mistura de utilitarismo
inglês, socialismo utópico francês, ateísmo feuerbachniano, materialismo mecanicista e determinismo.[93] A
esse movimento se contrapôs Dostoiévski desde seu retorno da Sibéria até seu último romance, Os Irmãos
Karamazov: a estratégia artística usada por Dostoiévski em Notas do Subterrâneo, Crime e Castigo e Os
Demônios para combater o niilismo foi a apresentação de como absurda era a vida de personagens que
defendiam as teses niilistas do ponto de vista moral e psicológico.[247] (v. Frank[248])
Em Notas de Inverno sobre Impressões de Verão Dostoiévski afirma que os burgueses franceses não precisavam
temer nem a classe trabalhadora, nem os comunistas e nem os socialistas, pois nenhum grupo ocidental era de
fato contrário ao espírito burguês.[249] Para Dostoiévski, o convencimento racional almejado pelo socialismo
ocidental nunca poderia mitigar a vontade que o homem possui de liberdade, portanto, uma comunhão
constrangida nunca seria possível, só seria possível uma em que o indivíduo livremente resolve-se pela
fraternidade. Em outros termos, apenas uma ética cristã poderia chegar ao socialismo e não uma ética
utilitarista.[250]
“ [...] não vão para aprender com o povo, mas para intruí-los, instruí-los arrogantemente, com
desprezo: um passatempo puramente aristocrático. ”
—Dostoiévski.[251]
Nacionalismo e imperialismo
Embora criticasse a servidão, Dostoiévski era cético quanto à criação de uma Constituição, acreditando ser um
conceito não relacionado à história da Rússia. Ele descreveu isso como um mero "governo de cavalheiros" e
acreditava que "uma Constituição simplesmente escravizaria o povo". Ele defendeu mudanças sociais, por
exemplo, o fim do sistema feudal e o enfraquecimento das divisões entre o campesinato e as classes abastadas.
Seu ideal era uma Rússia utópica e cristianizada, de forma que "se todos fossem cristãos ativos, nenhum
questionamento social surgiria ... Se fossem cristãos, tudo se resolveria".[252]
Dostoiévski acreditava no povo russo. Era nacionalista uma vez que, para ele, a palavra nova adviria da Rússia
para o mundo.[253] Neste sentido, era contra os defensores da independência cultural da Ucrânia), em outras
palavras, era imperialista[254] e apoiava o czar (apesar de sempre ter sido a favor da liberação dos servos, v.
seção acima Detenção, julgamento e falsa execução).[255]
O seu nacionalismo não o torna apenas contrário à causa ucraniana, mas, também, contrário a qualquer causa
que, em sua perspectiva, possa ser contra a nação imperial russa, como é o caso da causa judaica.[256] Sua
posição em relação aos judeus não foi sempre contrária: a revista Tempo, da qual era editor, defendeu mais de
uma vez a causa judaica em nome do amor cristão.[257] Esta dicotomia voltou a se repetir em um artigo
publicado em Diários de um Escritor no mês de março de 1877, uma vez que Dostoiévski, ao mesmo tempo que
considerava os judeus como "um estado dentro do estado" e, portanto, prejudicial à nação russa,[258] defendia a
extensão total dos direitos civis para eles.[259]
Sua alternativa à estruturação racional da sociedade, ao niilismo, era a sociedade construída a partir do amor
entre os seres humanos, o amor cristão (o cristianismo que estaria enraizado no povo russo, i.e. o
ortodoxo).[260] Ou ainda, como resumiria Josef Bohatec: Dostoiévski defendia um imperialismo do amor, que
Conservadorismo
O local de melhor apreensão da posição política de Dostoiévski é o mito O Grande Inquisidor (parte da obra Os
Irmãos Karamazov), onde o escritor se coloca, ao mesmo tempo, contra as ideias socialistas, mais
especificamente contra o socialismo científico (posição que o fez ser visto como conservador)[262] e contra a
Igreja Católica, entendendo que ambos são frutos do niilismo i.e., do iluminismo europeu (v. também
ocidentalismo).[263] Dostoiévski representa o niilismo socialista e católico através da imagem da terceira
Tentação de Cristo, uma vez que ambos estariam atrás do poder mundano em troca do pão diário.[264] O que
não significa, em hipótese alguma, que Dostoiévski era contra a igualdade social, lembrando que ele foi inclusive
preso por defendê-la (v. neste artigo a seção Exílio na Sibéria): ele era contra uma igualdade social construída a
partir do racionalismo europeu: para ele, a fonte moral da igualdade já se encontrava na Rússia antes mesmo do
iluminismo, i.e. no cristianismo ortodoxo.[265] Dostoiévski parece mesmo nunca ter largado o sonho dos
socialistas utópicos ao qual se identificou quando jovem, como é possível conferir em O Sonho de um Homem
Ridículo.[266]
Influência
Literatura
Sobre Dostoiévski, James Joyce escreveu que "...é o homem que mais que qualquer
outro, criou a prosa moderna, e intensificou-a para o que é no momento atual. Foi o
seu poder explosivo que quebrou o romance vitoriano...".[268]
história/política e psicologia/suicídio, tal como abordada por Dostoiévski principalmente em Os Demônios, foi
uma influência central no pensamento de Camus, tendo o mesmo chegado a adaptar tal livro para o teatro no
fim de sua vida.[275][276][274][277]
Nietzsche
Friedrich Nietzsche referiu-se a Dostoiévski como "o único psicólogo, diga-se de passagem, do qual tive algo a
aprender: ele está entre os mais belos golpes de sorte de minha vida, mais até do que Stendhal."[278]. Um ano
antes de sofrer seu colapso mental (1888), Nietzsche escreveu: “Conheço apenas um único psicólogo que viveu
num mundo onde o Cristianismo é possível, onde um Cristo pode surgir a qualquer instante… É Dostoiévski. Ele
adivinhou Cristo: e ele permaneceu sobretudo instintivamente protegido de se representar esse tipo com a
vulgaridade de um Renan.”[279][280]
Psicanálise
Dostoiévski também foi uma grande influência no trabalho de Sigmund Freud, que considerava Os Irmãos
Karamazov como o melhor romance da história.[281] Tal influência, inclusive, é fortemente ressaltada por
Ernest Jones, psicanalista biógrafo oficial de Freud.[282]
“ Ele o matou e eu o incentivei a fazer isso. Quem não deseja a morte do seu próprio pai?.
”
—Dostoiévski.[283]
Religião
“ Esse quadro... esse quadro só serve para fazer muita gente perder a fé.
”
—Dostoiévski[285]
Outros
Albert Einstein escreveu: "Dostoiévski oferece-me mais do que qualquer cientista, mais do que Gauss" ("o mais
influente dos matemáticos"), descrevendo também o russo como "grande escritor religioso" que explora "o
mistério da existência espiritual".[286]
Obras cinematográficas
São muitas as obras cinematográficas influenciadas diretamente por Dostoiévski, i.e. adaptadas de suas obras,
chegando algumas listas a falar em números como 124 filmes produzidos em 31 países diferentes.[298] As obras
influenciadas indiretamente são impossíveis de serem calculadas. Abaixo encontram-se algumas obras
adaptadas diretamente de Dostoiévski a título exemplificativo:
Lista de obras
Romances
1864 — Notas do Subterrâneo (Записки из
1846 — Gente Pobre (Бедные люди) подполья)
1846 — O Duplo (Двойник. Петербургская 1866 — Crime e Castigo (Преступление и
поэма) наказание)
1848 — Noites Brancas (Белые ночи)
1867 — O Jogador (Игрок)
1849 — Netochka Nezvanova (Неточка
1869 — O Idiota (Идиот)
Незванова)
1870 — O Eterno Marido (Вечный муж)
1861 — Humilhados e Ofendidos (Униженные и
оскорбленные) 1872 — Os Demônios (Бесы)
1862 — Recordações da Casa dos Mortos 1875 — O Adolescente (Подросток)
(Записки из мертвого дома) 1881 — Os Irmãos Karamazov (Братья
Карамазовы)
Novelas e contos
1848 — Uma Árvore de Natal e uma Boda (Елка и
1846 — Senhor Prokhartchin (Господин свадьба)
Прохарчин)
1848 — A mulher alheia e o marido debaixo da
1847 — Romance em Nove Cartas (Роман в cama (Чужая жена и муж под кроватью)
девяти письмах)
1848 — Noites Brancas (Белые ночи)
1847 — A Senhoria (Хозяйка)
1849 — O Pequeno Herói (Маленький герой)
1848 — Polzunkov (Ползунков)
1859 O Sonho do Tio (Дядюшкин сон)
1848 — Coração Fraco (Слабое сердце)
1859 — Aldeia de Stiepantchikov e Seus
1848 — O Ladrão Honesto (Честный вор) Habitantes (Село Степанчиково и его обитатели)
1862 — Uma História Desagradável (Скверный 1876 — O Mujique Marei (Мужик Марей)
анекдот) 1876 — Uma Criatura Gentil (Кроткая)
1865 — O Crocodilo (Крокодил) 1877 — O Sonho de um Homem Ridículo (Сон
1873 — Bobok (Бобок) смешного человека)
Não-ficção
1863 — Notas de Inverno sobre Impressões de Verão (Зимние заметки о летних впечатлениях)
1873–1878 — Diário de um Escritor (Дневник писателя)
Notas
1. em russo: Фёдор Миха́ йлович Достое́ вский, Fyodor Mikháylovich Dostoyévsky; AFI: [ˈfʲodər mʲɪˈxajləvʲɪtɕ
dəstɐˈjɛfskʲɪj] . A falta de critérios mais definidos para a transliteração do alfabeto cirílico para o latino no
idioma português faz com que diversas variantes da grafia do nome possam ser utilizadas: além de Fiodor
Dostoiévski, pode-se encontrar, também, a versão anglicizada Fyodor Dostoievsky, e híbridos como
Dostoiévsky. Para maiores informações sobre transliteração, ver também Romanização do russo. No
sistema de WP:RUSSO, seu nome completo seria transliterado Fiódor Mikháilovitch Dostoévski, mas aqui
seu sobrenome será escrito Dostoiévski, em consistência com a forma mais frequentemente adotada pela
mídia lusófona.
2. Todas as datas deste artigo referem-se ao calendário juliano.
3. Datas conforme o calendário gregoriano. Os registros na Rússia até o final do século XIX seguiam as datas
do velho calendário juliano. Segundo a Encyclopædia Britannica
(https://www.britannica.com/biography/Fyodor-Dostoyevsky), a qual oferece ambas as datas, a outra
notação seria: (30 de outubro de 1821 — 28 de janeiro de 1881) (Morson, 2017).
4. O nome Sofia é antiga forma familiar do nome Sônia, segundo Paulo Bezerra em sua tradução de Crime e
Castigo (pag.35)
Referências
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Sítios virtuais
Em português
Em outras línguas
Ligações externas
Sociedades e organizações
«Dostoevsky.org» (https://dostoevsky.org/) (em inglês). Sociedade Internacional Dostoiévski.
«Dmd.spb.ru» (http://www.md.spb.ru/) (em russo). Museu Dostoiévski.
«Dostojewskij-gesellschaft.de» (http://www.dostojewskij-gesellschaft.de/) (em alemão). Sociedade alemã
Dostoiévski
Bibliografia on-line
«Dostoevsky Research Station» (http://www.kiosek.com/dostoevsky/contents.html) (em inglês). Página com
pesquisas sobre Dostoiévski.
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Gutenberg
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