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ISSN: 0103-166X
estudosdepsicologia@puc-
campinas.edu.br
Pontifícia Universidade Católica de
Campinas
Brasil
Resumo
A educação superior, tanto no Brasil quanto no exterior, tem sido alvo de inúmeras políticas educacionais
contemporâneas. O sistema brasileiro ampliou-se velozmente na última década, ocasionando transformações
institucionais no âmbito político-pedagógico e acadêmico, bem como no perfil dos estudantes. As mudanças têm
como foco o direito de acesso acadêmico e a democratização de oportunidades. A expansão do ensino tornou-se uma
urgente meta orientadora de decisivas ações governamentais. A consequente massificação agudizou, no espaço educativo
das Instituições de Ensino Superior, as tensões e contradições, mas, também, as potencialidades para o desenvolvimento
pessoal e as emancipações inerentes a esse contexto. Defendendo que a educação superior apresenta-se como fértil
campo para a ação da Psicologia Escolar, apresenta-se, neste artigo, um modelo de atuação baseada em cinco eixos
principais: 1) Mapeamento Institucional; 2) Escuta Psicológica; 3) Gestão de Políticas, Programas e Processos Educacionais;
4) Propostas Pedagógicas e Funcionamento de Cursos; 5) Perfil do Estudante. Essas reflexões e propostas para pesquisa
e intervenção na área, fundamentadas pela Psicologia Histórico-cultural do desenvolvimento humano, enfatizam a
mediação intencional do psicólogo no desenvolvimento dos atores educacionais. Como conclusão, destaca-se que a
intervenção institucional e coletiva do psicólogo escolar deva estar voltada tanto à conscientização e ao empoderamento
dos sujeitos, como às transformações sociais emancipadoras e ao sucesso acadêmico.
Palavras-chave: Educação superior; Prática institucional; Psicologia escolar.
The higher education, both in Brazil and abroad, has been targeted by countless contemporary educational policies.
Brazil’s educational system has improved considerably over the past decade, causing institutional changes both in the
political-pedagogical and in the academic scope, as well as in the students’ profiles. The changes aim at the right to
academic access and at the democratization of opportunities. The expansion of the education has become a top-
priority compelling goal guiding decisive governmental actions. The subsequent massification in the educational scope
of Higher Education Institutions has sharpened the tensions and contradictions, but it has also increased the potentialities
for personal development and emancipation inherent to this context. Understanding that higher education is itself
fertile ground for School Psychology to take action, this article presents an action plan based on five main axes: 1)
Institutional Mapping; 2) Psychological Listening; 3) Policies, Programs and Educational and Processes Management;
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Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde.
Campus Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências Sul, prédio Minhocão, Asa Norte, 70910-900, Brasília, DF, Brasil. E-mail:
<claisy@unb.br>. 199
O objetivo deste artigo é apresentar a Psi- diversas outras instituições - assistenciais, empre-
cologia Escolar, considerada como campo de pes- sariais, filantrópicas ou outras de cunho educativo.
quisa, reflexão, produção de conhecimento e de Igualmente, despontam contemporaneamente
intervenção profissional, inserida no contexto da modalidades de ensino que não eram foco de
educação superior, prospectando avanços ao campo atuação da área, como a educação de jovens e
científico e à atuação profissional na área. Partindo adultos, o ensino superior e a educação à distância
dessa defesa, o modelo teórico-interventivo pro- (Bisinoto & Marinho-Araujo, 2014; Marinho-Araujo,
posto por Marinho-Araujo (2009, 2014a) para subsi- 2009, 2010, 2014a, 2014b; Marinho-Araujo &
diar ações e contribuições do psicólogo escolar na Almeida, 2005).
educação superior será apresentado, revisto e A literatura nacional e internacional da área
ampliado. identifica a educação superior como um contexto
A história oficial da Psicologia no Brasil data procurado para a pesquisa em Psicologia. No entan-
de 1962, quando houve a legalização da área no to, geralmente é utilizado na coleta de dados com
âmbito científico e na prática profissional. Uma entrevistas ou aplicação de instrumentos a estu-
retrospectiva dessa história, no entanto, aponta que dantes, professores e gestores. Verifica-se, na litera-
são recentes as transformações na pesquisa, na for- tura, que ainda são pouco explorados os trabalhos
mação e na atuação vinculadas, principalmente, às que apontam a educação superior enquanto um
responsabilidades e compromissos sociais contem- campo de atuação profissional para a Psicologia
Escolar, coadunado às proposições teóricas e prá-
porâneos, demandadas ao conhecimento e à
ticas atualmente defendidas para a área. O levanta-
atuação psicológica crítica (Martín-Baró, 1996;
mento bibliográfico de teses de doutorado, disserta-
Parker, 2007). A Psicologia Escolar acompanhou
ções de mestrado e artigos de revistas científicas
essa historicidade, ressignificando construções epis-
de Psicologia e Educação, cobrindo cinco anos
temológicas, teóricas e intervenções práticas, as-
(1995-1999), realizado por Bariani, Buin, Barros e
sociando-as à parcerias institucionais e coletivas nos
Escher (2004), mostrou que, entre os temas abor-
contextos educacionais. Essas ações focaram o em-
dados, algumas práticas do psicólogo escolar na
poderamento dos atores escolares, a conscientiza-
educação superior apareciam de forma incipiente
ção de suas potencialidades e sucessos, visando
e, quando apresentados, centralizavam o enfoque
transformações sociais para muitos. da atuação no aluno. Mais recentemente, Maroldi
A escola tem sido amplamente defendida (2012) e Nunes, Alves, Ramalho e Aquino (2014)
na área como contexto privilegiado para a atuação realizaram uma análise bibliométrica e uma pesquisa
C.M. MARINHO-ARAUJO
do psicólogo escolar. No entanto, é possível verificar das produções científicas da Psicologia Escolar dis-
que a Psicologia Escolar, na última década, vem ponibilizadas, por exemplo, nas Bases de Dados da
comparecendo com mais expressividade em diver- Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia Brasil. Nesses
sificados espaços institucionais, como creches, cur- levantamentos, o ensino superior não é apontado
sos de línguas, escolas de medidas socioeducativas, como contexto de atuação profissional do psicólogo
orfanatos, associações socioculturais, organizações escolar.
não governamentais, serviços públicos de educação Nas produções acadêmicas nacionais, as
200 e saúde, empresas de pesquisas, de assessorias e contribuições mais efetivas que relatam a especi-
significadas em função dos contextos, tempos e es- nente reflexão sobre os aspectos institucionais opor-
paços, considerando os sujeitos e suas características tunizada pelo mapeamento, realizado de forma
pessoais e profissionais ao longo da ação psicoló- ampla, sistemática, dinâmica e contínua ao longo
gica. Como é inerente a toda ação da Psicologia de todo o processo nos meses de trabalho, leva a
Escolar, essas também devem ser atividades pre- constantes e renovados direcionamentos do plane-
viamente discutidas, explicadas e negociadas com jamento e das práticas dos psicólogos em sua
os gestores e demais profissionais das IES. Detalha- atuação com o coletivo da escola. Como exemplos
-se, a seguir, sugestões operacionais para o deli- para a operacionalização dessa dimensão sugere-
204 neamento do trabalho em cada uma dessas dimen- -se:
envolvimentos pessoais, suas escolhas e sentimen- comprometida eticamente. Esta deverá auxiliar uma
tos, mobilizados no espaço intersubjetivo. intervenção competente que não adapte, adeque,
Para que essas complexas vozes sejam com- normatize e naturalize esses fenômenos, mas que
preendidas, o psicólogo não poderá prescindir de os recoloque enquanto manifestações legítimas de
um arcabouço teórico advindo dos conhecimentos sujeitos que criam e recriam, vivem e revivem, dina-
científicos de sua área. Mas, também deve aliar à micamente, seus próprios processos de desenvolvi-
fundamentação teórica uma sensibilidade para per- mento enquanto trabalham o ensino e a apren-
206 ceber e perscrutar processos intersubjetivos dizagem.
Acredita-se que neste eixo de atuação o psi- Com relação à esse eixo de atuação, o psi-
cólogo escolar assessoraria diversificadas ações cólogo escolar poderia colaborar na análise das
ligadas à gestão institucional. Essas ações poderiam diretrizes e parâmetros curriculares que norteiam o
ir desde a elaboração do Projeto de Desen- trabalho pedagógico em cada curso, juntamente
volvimento Institucional e do Projeto Pedagógico aos coordenadores pedagógicos e professores,
Institucional até o acompanhamento dos procedi- acompanhando o processo de ensino e apren-
dizagem na vinculação às Diretrizes Curriculares
mentos avaliativos, fazendo parte da Comissão
Nacionais (DCN) (Brasil, 2003). Esse profissional
Própria de Avaliação prevista no Sistema Nacional
poderia atuar, especialmente, no que diz respeito
de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (Brasil,
às concepções de aprender e ensinar; e à definição
2004), colaborando no planejamento e execução
e aos indicadores de objetivos, conteúdos e orienta-
da autoavaliação institucional. Dependendo da na-
ções didáticas para as diferentes áreas de conheci-
tureza administrativa da IES, sua localização, ca-
mento. Poderia, ainda, sob outra ótica e também
racterísticas e demandas, a Psicologia Escolar po- em parceria com coordenadores, analisar os Projetos
derá acompanhar os variados programas e projetos Pedagógicos dos Cursos, visando a assessoria à
educacionais que, ao serem implementados, podem processos de desenvolvimento de competências
gerar alterações às dinâmicas instaladas. para o corpo docente e discente e à organização
Além destas, o psicólogo escolar poderá par- do currículo de forma ampliada (fundamentos e
ticipar, acompanhar ou coordenar algumas outras pressupostos, atividades pedagógicas, matriz cur-
ações como: processo de gestão institucional e ricular, seleção e integração de conhecimentos e
indicadores de compromisso social presentes nas competências). Essas análises ajudariam a evidenciar
relações entre instituição e sociedade (projetos, as concepções subjacentes e orientadoras de educa-
campanhas, ações); projetos de acolhimento e infor- ção, ensino, desenvolvimento, aprendizagem e pro-
mações aos calouros; programas de ambientação cessos de avaliação que os profissionais possuem,
a novos docentes e funcionários; assessoria à defi- favorecendo a conscientização e intencionalidade
nição e reformulação dos perfis docentes, discentes nas práticas educativas.
e técnicos; programas de formação continuada para Em algumas Instituições de Ensino Superior,
docentes, coordenadores de cursos e funcionários motivadas pelas diretrizes para a avaliação institu-
técnico-administrativos; e políticas internas de apoio cional prevista no SINAES (Brasil, 2004), foram im-
ao desenvolvimento individual ou institucional. plantados os Núcleos Docentes Estruturantes. Esse
Espera-se, por fim, com as reflexões e mo- Brasil. Presidência da República. (2005). Lei nº 11.096,
de 13 de janeiro de 2005. Institui o ProUni - Programa
delo apresentados neste artigo, que a implemen-
Universidade para Todos. Brasília: Ministério da Edu-
tação das políticas públicas contemporâneas na cação.
educação superior brasileira anunciem um oportuno Brasil. Presidência da República. (2007). Decreto n° 6.096,
espaço profissional e de pesquisa para a Psicologia de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio
Escolar. Entre as práticas emergentes da área, esse a Planos de Reestruturação e Expansão das Univer-
sidades Federais - REUNI. Brasília: Ministério da Edu-
é um importante contexto a ser agregado, visando
cação.
o acompanhamento crítico, o estudo do impacto
Brasil. Presidência da República. (2012). Decreto n° 7.824,
dessas conjunturas sociopolíticas e sua influência de 11 de outubro 2012. Regulamenta a Lei nº 12.711,
no perfil, na aprendizagem e no desenvolvimento de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso
nas universidades federais e nas instituições federais
C.M. MARINHO-ARAUJO
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