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HIRATA, Helena. Nova divisão sexual do trabalho?

Um olhar voltado
para a empresa e a sociedade. São Paulo: Bontempo, 2002.
(Coleção Mundo do Trabalho).

Márcio Teixeira Gonçalves1 

Formada em filosofia pela Universidade e trabalho doméstico, e a importância das relações


de São Paulo, Helena Hirata especializou-se em familiares, pautadas em traços culturais, na eficácia
sociologia com ênfase em comparações interna- produtiva engendrada pelas políticas internas à cada
cionais do trabalho, sobretudo nas relações que empresa, ou grupo de empresas. Como salienta a
envolvem as questões do gênero no mundo do autora, “... uma teoria das relações sociais que leve
trabalho. Atualmente é pesquisadora do Genre et em consideração a historicidade dessas relações e
Rapports Sociaux (GERS) do Centre National de seu caráter sexuado é hoje indispensável para se
la Recherche Scientifique, na França. pensar as próprias condições de sucesso de uma
Nesta obra, resultado de vinte anos de pes- organização industrial.” (p. 18).
quisas, a autora desenvolve uma série de análises Quanto à base metodológica para o desen-
que concentram algumas das questões de maior volvimento deste trabalho, a própria autora admite
relevo da sociologia do trabalho, com destaque para sua inserção na tradição francesa da sociologia do
a tecnologia envolvida nos processos de trabalho, a trabalho, que envolve:
organização do trabalho e as políticas de gestão da ·A tradição problemática da crítica do deter-
mão-de-obra, sobretudo no âmbito intra-empresas. minismo tecnológico;
No entanto, a autora vai além, ao tratar de forma · A tradição de uma sociologia da organiza-
comparativa, envolvendo pesquisas realizadas no ção e da empresa;
Brasil, na França e no Japão, as interfaces entre · A tradição da importância dada ao trabalho
trabalho, classe e gênero. de campo, às pesquisas empíricas nos locais de
Como o próprio título da obra esclarece, a trabalho.
preocupação central da autora é fornecer elementos, Com uma linguagem de fácil compreensão,
através de suas análises, para responder à questão: apesar dos termos específicos que envolvem a so-
assiste-se hoje à emergência de uma nova divisão ciologia do trabalho, a obra contém 13 capítulos
sexual do trabalho? Neste intuito, parte-se das que estão agrupados em três partes principais. Por
relações entre Norte e Sul e a divisão internacional tratar-se de um conjunto de textos cuja seleção
do trabalho decorrente destas relações, através das levou em conta tanto o fato de serem inéditos em
diferenças – no que se refere ao padrão tecnológico, língua portuguesa, como por serem os mais repre-
à gestão da mão-de-obra e à organização do tra- sentativos do conjunto das pesquisas, alguns foram
balho – identificadas entre algumas empresas que elaborados com a contribuição de co-autores, sendo
são filiais brasileiras e suas matrizes localizadas na eles: John Humphrey, Danièle Kergoat, Chantal
França e no Japão. Rogerat, Kurumi Sugita e Philippe Zarifian.
Destas relações mais gerais, chega-se às aná- Uma observação mais atenta sobre a estrutu-
lises mais específicas, que discutem, dentre outras ração geral das idéias contidas na obra, revela sua
questões, a imbricação direta entre produção e re- tentativa em analisar o trabalho e a divisão sexual
produção da força de trabalho, trabalho profissional que o envolve, considerando as imbricações exis-

 1
* Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista
(Júlio de Mesquita Filho). Rua Roberto Simonsen, 305. CEP 19060-900, Presidente Prudente, SP. Italoteixeira@hotmail.com
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tentes entre as teorias relacionadas aos processos Também, o fato de que a produtividade do
de trabalho, as teorias sobre os mercados de tra- trabalho está relacionada diretamente às soluções
balho e aquelas que envolvem o gênero. Partindo desenvolvidas, à tal finalidade, em cada país, é
desta perspectiva, a autora contribui para ampliar abordado pela autora. A partir da comparação
o leque de discussões acerca da problemática da entre os paradigmas tecnológicos, da organização
divisão sexual do trabalho, ao confirmar que os do trabalho e das políticas de mão-de-obra entre
movimentos complexos da mão-de-obra feminina os vários ramos analisados, à luz de comparações
vão além das ligações exclusivas à conjuntura do entre empresas envolvidas na divisão internacio-
mercado de trabalho, às mudanças no processo e nal do trabalho (o que ela considera como relação
na organização do trabalho, ou à subjetividade das Norte-Sul), chega-se à indicação de que a morte do
trabalhadoras. taylorismo pode ser questionada, se considera as
Para a autora, um enfoque centrado no ponto características produtivas em cada ramo industrial
de vista das relações de gênero mostra que o pro- distinto.
blema do emprego está longe de se esgotar na con- Quanto à divisão sexual do trabalho propria-
sideração do mercado de trabalho, sendo necessária mente dita, nesta primeira parte a autora a expli-
a inserção da dimensão sexuada em tais discussões cita de forma nítida, à medida em que reconhece,
a fim de aprofundar o binômio trabalho assalariado através de seus estudos de caso, que o trabalho
formal/ remunerado e informal/doméstico. mais elaborado, o qual exigia um maior grau em
Assim, ao tratar das questões que envolvem conhecimentos técnicos (ou, o trabalho “nobre), era
os estereótipos sexuados, constatou-se que as iden- atribuído principalmente aos homens, enquanto que
tidades sexuais e suas respectivas representações o trabalho manual e repetitivo (ou, “menos nobre)
sociais – da virilidade/feminilidade, por exemplo era predominantemente atribuído às mulheres.
– são amplamente utilizados nas políticas de gestão Trata-se, nos dizeres da autora, de pensar a
da mão-de-obra no meio industrial. Constatou-se dimensão cultural na gestão da empresa, tendo em
ainda, a existência de uma certa assimetria entre vista avaliar os respectivos pesos da tecnologia, da
o emprego/desemprego e o trabalho masculino e cultura e dos fatores de ordem institucional e his-
feminino. Estas análises compõem o arcabouço das tórica nas diferenças encontradas na configuração
questões levantadas, e analisadas brilhantemente das empresas em nível nacional.
pela autora e seus co-autores, sob o enfoque que As articulações que se constróem entre as re-
relaciona o processo de trabalho e a subjetividade lações familiares e a produção industrial capitalista
envolvida neste processo. de mercadorias, isto é, entre a família e a empresa,
De forma resumida, podemos dizer que a figuram entre as principais preocupações da autora
primeira parte da obra traz um enfoque do sistema na segunda parte da obra. Aqui, cabe destacar o
taylorista e das novas formas alternativas de or- quão eficazes se revelam as relações de gênero
ganização do trabalho, através dos resultados das mantidas no seio familiar, quer seja da mulher no
pesquisas empíricas de comparação entre os países papel de filha, quer seja enquanto esposa, portanto,
citados anteriormente (Brasil, Japão e França), do trabalho doméstico, para legitimar sua submis-
realizadas pela autora. Sobre este último aspecto, são e docilidade frente às políticas de gestão da
vale ressaltar que os estudos de caso centram-se em mão-de-obra intra-empresa e, em última instância,
vários ramos industriais, como o eletrônico, o do vi- à organização capitalista da produção.
dro, o têxtil e o agroalimentício. É nos capítulos que Com vários exemplos extraídos da cultura
compõem esta primeira parte da obra, que Helena japonesa, Hirata consegue unir as dimensões que
Hirata demonstra as várias faces que assume a or- envolvem a mulher enquanto gênero, o trabalho
ganização do trabalho sob o taylorismo, de acordo reprodutivo, e o trabalho na produção industrial,
com o que ela chama de cultura nacional, em cada trazendo à tona, inclusive algumas das maneiras
país considerado, comprovando que o processo de encontradas entre a mulheres orientais para se ade-
trabalho adotado (produção em série ou não) não quarem às exigências tanto do trabalho produtivo
constitui o elemento determinante. como do reprodutivo.

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Em relação ao modelo familiar para a efi- do trabalho, no qual passa-se da análise do trabalho
cácia produtiva, discute-se questões acerca do feminino, para as relações entre trabalho feminino
paternalismo empresarial que permeia as políticas e masculino (relações de gênero), e passa-se da
de gestão das grandes empresas japonesas, sendo consideração do trabalho profissional para a análise
que, em relação ao salário, tais relações paternalis- da articulação entre trabalho profissional e trabalho
tas podem apresentar configurações diferenciadas doméstico.
e fundamentos opostos conforme a mão-de-obra Fechando esta terceira parte, a autora discute
considerada for feminina ou masculina. Quanto ao duas das principais teorias acerca da divisão sexual
emprego/desemprego feminino, pode-se destacar do trabalho: como vínculo social e como relação
a importância dada à consideração das trajetórias social, a partir de uma perspectiva histórica. Na
sociais e familiares das trabalhadoras, quando a verdade, tais análises consubstanciam-se na hipóte-
discussão gira em torno dos mecanismo do mercado se de que o tempo das mudanças na divisão sexual
de trabalho. A autora, analisa de forma crítica a
do trabalho não é o mesmo envolvido nas relações
teoria do exército industrial de reserva e a teoria do
sociais de gênero, já que estas últimas não possuem,
mercado dual, por subestimarem a complexidade
nas mudanças em função dos movimentos sociais,
dos efeitos das conjunturas econômicas sobre o
seu principal mecanismo evolutivo.
emprego feminino, já que este vincula-se direta-
Diante das considerações expostas até o
mente às relações de gênero na esfera doméstica
presente, observamos que as questões levantadas
e familiar.
por este trabalho vai além do interesse exclusivo
À terceira parte, foram atribuídas as análises
dos que lidam com a sociologia do trabalho, im-
especificamente sobre a questão do gênero, entendi-
do pela autora como uma construção social, cultural portando também à todos que se envolvem, direto
e histórica das categorias feminino e masculino. É ou indiretamente, com a problemática social, entre
nesta parte que Hirata sintetiza suas opções teóricas os quais, os pesquisadores em Geografia.
e metodológicas acerca da divisão sexual do traba- Finalmente, consideramos esta obra uma
lho e das relações de sexo e gênero, pensadas no contribuição brilhante de Helena Hirata, por in-
contexto social. Também, é nesta parte que autora troduzir nas discussões acerca da organização do
chega à algumas conclusões, ligadas diretamente á trabalho, novos enfoques em relação à divisão
discussão travada nas duas partes anteriores. sexual do trabalho, ao considerar, por exemplo,
Uma delas é a de que as características do a dimensão social que permeia a problemática do
trabalho feminino nas indústrias, ao longo das gênero, considerando-o como produto direto da
duas últimas décadas, praticamente não sofreram cultura onde estão inseridas as mulheres traba-
mudanças significativas. Uma outra, refere-se à lhadoras.
ruptura, identificada por Hirata, no plano episte-
mológico e conceitual em relação à divisão sexual

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