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Origem, consolidação e perspectivas da Psicologia

Organizacional e do Trabalho
Resumo: Este ensaio é uma reflexão sobre a trajetória da Psicologia Organizacional e do
Trabalho (POT). O conteúdo analisa seu crescimento e introdução na sociedade. Ao longo
deste caminho, POT assumiu os fenômenos e problemas da relação entre indivíduo,
sociedade e trabalho. Hoje, POT apresenta um conjunto de produções científicas, técnicas
e culturais que integram o patrimônio conceitual e instrumental da sociedade. POT
enriqueceu a compreensão do desempenho no trabalho ao aplicar os conceitos da
Psicologia para explicar a relação entre comportamento e subjetividade. Enfrentando a
reinstitucionalização do trabalho de uma forma de emprego para uma de trabalho
autônomo precário, a POT será desafiada a compreender novos fenômenos que emergirão
dentro de seu território. Sua sólida experiência e firmeza na busca por eficácia e por
condições de existência mantém a segurança com que enfrenta a evolução da produção
econômica. POT se tornou uma especialização capaz de responder à reinstitucionalização
do trabalho agora em progresso na sociedade.

Na linguagem apropriada para algum slide de power point, a Psicologia


Organizacional e do Trabalho (POT) poderia ser definida como “a especialização da
Psicologia que produz conhecimento confiável sobre o desempenho no trabalho e
fundamenta o exercício de diversas profissões”. Este conhecimento é consistente, útil e é
tanto integrado em outras ciências aplicáveis como incorporado no bem cultural da
sociedade. Localizado dentro do território da Psicologia, esta especialização surgiu das
demandas por compreensão do comportamento na relação homem-trabalho e por
respostas para o problema do desempenho no trabalho encarado pelos trabalhadores e
gestores desde o fim do século XIX (Carroy, Oayon e Plas 2006; Malvezzi, 1988). A
busca por respostas a estas duas demandas lançou uma trajetória de pesquisas cujos
resultados produziram uma massa de conhecimento que iluminou a compreensão da
relação homem-trabalho e, como uma bola de neve, construiu a identidade de uma nova
ciência aplicada em pouco mais de duas décadas.
Em sua origem, POT foi associada com Gestão de Pessoal, mas evoluiu para
compor o estudo de todas as condições de existência relacionadas ao trabalho. Hoje, em
sua fase madura, POT investiga inúmeros fenômenos produzidos dentro do território que
se estende entre a pessoa, o trabalho e a sociedade (Harding, 2013). Reagindo aos desafios
da organização racional do trabalho coletivo no momento de intensa diferenciação da
estrutura ocupacional nas organizações, POT aprendeu a perceber as potencialidades e
necessidades presentes neste território, apropriando-as como objetos da Psicologia.
Revisar as cadeias de razões que conectaram os eventos da história da POT é o objetivo
deste curto ensaio. Este propósito emergiu da demanda pela compreensão expandida da
relação homem-trabalho, no presente momento histórico, em que o trabalho vai sendo
reinstitucionalizado da forma de empregos para a forma do chamado trabalho autônomo
precário dentro da rede de fluxos (Portnoff, 2015; Veltz, 2015).
O gênero de ensaio foi deliberadamente escolhido para esta revisão, já que os
eventos que criaram a história da POT já foram claramente definidos (Koppes & Pickren,
2007; Reuchelin, 1971), enquanto que as razões para as conexões entre elas, constituindo
seu curso como uma ciência aplicada, ainda são frequentemente debatidas. Além disso, o
ensaio histórico é uma ferramenta valiosa para a fertilização do debate entre (Buchelli &
Wadhwani, 2015) ciências e práticas que compartilham interfaces comuns. Sendo o
ensaio o gênero literário que investiga pelo exercício da interpretação das razões que
desencadearam eventos situados em ordens distintas do fenômeno, este ensaio define a
“carreira” da POT como um ramo aplicado da Psicologia dedicado à investigação das
relações entre a pessoa, o trabalho e a sociedade. Por quê e como a POT se tornou um
campo de conhecimento confiável neste território e desenvolveu sua tão conhecida
trajetória? A resposta para esta questão pode contribuir para a compreensão da
reinstitucionalização do trabalho já em andamento (Sennett, 2007). Esta
reinstitucionalização já está surgindo no enfraquecimento das organizações como o
contexto de trabalho predominante e no fortalecimento das redes de fluxos como o locus
do desempenho no trabalho (Cousin, 2007). Nessas redes, a fragmentação da produção
econômica cresce em correlação com o empoderamento das ações individuais
enfraquecendo o poder institucional que articulou e sustentou as organizações (Touraine,
2013).
Por meio da institucionalização emergente do trabalho autônomo precário, POT
encara novos desafios como é o caso com a compreensão da relação homem-trabalho na
sua interface com ferramentas de sistema (Sutherland, 2015). Esta interface já tomou
vários setores de trabalho, como acontece nas padarias automatizadas nas quais padeiros
produzem pão alimentando ferramentas de sistema sem saber como o pão é feito e sem
constituir uma equipe presencial. O trabalho está se encaminhando para uma forma de
organização “sem autor” (McDonald & Hite, 2016) na qual, mentes que criam e mãos
que executam as tarefas se tornam mais distantes, com impacto direto na estabilidade das
ligações envolvidas, na compreensão das transformações provocadas (Sartori, 2015) e no
desenvolvimento de equipes virtuais, coordenadas por redes “inteligentes” (Muller-Seitz,
2012) junto com os gestores. Portanto, a estratégia delineada para este ensaio não é a de
especular sobre o próximo passo na evolução do trabalho, nem proceder a outra revisão
histórica, mas refletir sobre as conexões entre os fatos históricos já conhecidos para
estimular a participação do leitor na construção da identidade da POT nas condições de
trabalho emergentes pela compreensão das razões que levam à criação de sua trajetória
histórica.

Origem da POT

POT nasceu e se consolidou como uma especialização da Psicologia investigando


o trabalho humano dentro da cadeia de produção econômica na forma de emprego. O
trabalho é uma atividade que revela a condição ontológica do ser humano, mas é estudada
sob o pretexto do desempenho como um elo na cadeia econômica de produção dentro das
restrições das condições concretas do tempo, espaço e tecnologia. Como expressão da
condição humana e um elo na cadeia produtiva, o desempenho humano no trabalho serve
a “dois senhores”, a eficácia da tarefa e a qualidade de vida no trabalho manifestada sob
condições tais como a satisfação de necessidades, saúde, autorrealização e emancipação.
Durante milênios, a organização do trabalho foi baseada no entendimento intuitivo
derivado da experiência e evoluiu para uma atividade sistemática sob a égide de políticas,
teorias e tecnologias que constituíram a gestão. Se a abordagem intuitiva do desempenho
na produção econômica pré-industrial se provou suficiente, mesmo de uma forma
precária, para a gestão da eficácia das tarefas e das condições de existência, a invenção
do “sistema fabril” no início do século XVIII mudou a equação entre potencialidades,
desempenho, tecnologias, tempo e espaço, ela questionou a competência da intuição
como ferramenta para a compreensão e gestão do desempenho do trabalho. A produção
econômica serializada criada pelo sistema fabril remodelou o desempenho e o
envolvimento do indivíduo no trabalho, impondo tarefas, ritmo e a demanda pela sinergia
com as máquinas. A superação da ineficácia da racionalidade intuitiva se tornou o passo
inevitável para a articulação das tarefas serializadas pela racionalidade da engenharia.
Mesmo assim, e diante das dificuldades crescentes, os gestores da produção
econômica industrial aplicaram a racionalidade intuitiva em suas companhias por mais de
um século até a implementação da tecnologia eletromecânica em meados de 1880. Dentro
desta nova tecnologia, a velocidade do desempenho e a diferenciação ocupacional
necessária clamava por competência e tarefas além do alcance do uso da intuição.
Gestores tiveram que entender o desempenho e o envolvimento pessoal do trabalhador
nos procedimentos serializados e automatizados para articular tarefas rápidas e cansativas
que exigiam sinergia. Incompetência, baixa produtividade, fadiga e vários conflitos
constituíam a rotina dos supervisores em suas tentativas de garantir produção e paz social.
Na luz dessas dificuldades, gestores espiaram por uma janela de esperança no avanço das
ciências e tecnologias empíricas aplicadas. As ciências aplicadas tais como a engenharia
e a medicina abriram seus olhos para várias possibilidades técnicas indicando, portanto,
o caminho que poderiam seguir para apoiar a administração, no momento em que a
adaptação das pessoas às suas tarefas e condições de trabalho estabeleciam grandes
desafios para os gestores. Por meio de suas práticas, as ciências aplicadas tornaram-se
fontes seguras de conhecimento em ambientes de trabalho dominados por tecnologias. A
POT surgiu da tentativa de atender essas demandas.
É amplamente reconhecido que sua origem reside nas atividades de profissionais
como L. Patrizi, E. Kraepelin e J. M. Lahy (Reuchelin, 1971) antes do final do século
XIX, e de C.S. Myers e R. Yerkes, no início do século XX. As atividades desses pioneiros
exploraram o ajustamento às tarefas, em virtude da compreensão da fadiga, de habilidades
e da aprendizagem profissional. No Brasil, o trabalho de Robert Mange seguiu o mesmo
caminho daqueles pioneiros, no Serviço de Ensino e Formação Profissional na Estrada de
Ferro Sorocabana. Do seu sucesso neste ponto de partida, a POT se desenvolveu ao
construir um quadro de referência consistente de conceitos que iluminaram a
compreensão do desempenho em apoio à sua gestão. O salto qualitativo feito nesta
compreensão revelou o potencial do conhecimento técnico e científico que rapidamente
se estabeleceu e se expandiu, assim culminando na expansão da própria Psicologia para
entender a relação entre comportamento e subjetividade para além das paredes dos
laboratórios e serviços clínicos.
Esses saltos estimularam os intercâmbios entre Psicologia e Administração,
oferecendo conhecimentos e tecnologias valiosas para o chão de fábrica, como foi
observado na esfera da educação e formação profissional (Malvezzi, 2015), duas
contribuições cruciais para a produção econômica, no período pós Primeira Guerra
Mundial. Energizado por sua interdependência entre a Administração e a Psicologia, a
POT cresceu pelo poder inercial da multiplicação das questões e problemas emergentes
do desenvolvimento tecnológico e da competitividade econômica implícita na
organização racional do trabalho dentro das organizações. Essa multiplicação e
crescimento foram claramente orientados pelo paradigma da gestão da administração
científica, que era um modelo de engenharia eficaz para as cadeias de máquinas e de
processos produtivos, mas sem as “competências” para efeitos da engenharia do
desempenho do trabalho. Nascida neste contexto, a POT ganhou sua identidade como
parte da administração de pessoal (Malvezzi, 2006).
Em menos de trinta anos, a POT enriqueceu seus resultados técnicos e científicos,
se tornou amplamente reconhecida por sua aplicação imediata e atraiu a atenção de muitos
profissionais relacionados ao desempenho no trabalho. Pesquisadores e administradores
se tornaram interlocutores regulares na busca e análise e construção da gestão (Raelin,
2012). Este diálogo aumentou a interação entre eles, alinhando sua compreensão e
atividades cujos efeitos reforçaram a aliança entre a participação acadêmica e
administrativa (Koppes & Pickren, 2007) na compreensão do desempenho no trabalho.
Este envolvimento da Psicologia com a Administração levou ao questionamento sobre
possíveis imperfeições e preconceitos ideológicos que associaram a POT às difíceis
condições rotineiras dos trabalhadores. A psicometria foi um caso emblemático nestes
questionamentos porque empoderou gestores com instrumentos que discriminaram e
enfraqueceram a influência do controle dos trabalhadores sobre a gestão. Seu sucesso
como instrumento de gestão dificultou o questionamento mais profundo dos efeitos
colaterais, presentes nas condições de existência dos trabalhadores, como discriminação
social, doenças mentais e insegurança no trabalho. O artigo de Freyd (1923) detalhando
a racionalidade dos procedimentos de seleção de pessoal baseado nas teorias de
Psicologia Diferencial expressava o reconhecimento do “hífen” ligando a Psicologia e a
Gestão de Pessoal e diminuía o questionamento sobre a Psicometria quando ele endossava
a incorporação desta tecnologia dentro da gestão com um caráter científico.
Produtividade foi uma prioridade quase inquestionável que obscureceu a exclusão
das questões existenciais relacionadas ao trabalho das agendas da POT e da Gestão. Não
obstante às críticas, o sucesso da POT atraiu novas demandas dos gestores, galvanizando
assim ainda mais o seu crescimento e ampliação como o ramo aplicado da Psicologia no
chão de fábrica onde investigava as relações interpessoais, trabalho em equipe,
comunicação, liderança, competências sociais e aspectos da qualidade de vida nas rotinas
e conflitos (Rousseau, 1997). Experimentos como os realizados na Western Electric, no
final da década de 1920, tornou a gestão sensível às variáveis sociais. Esta ampliação da
POT confirmou sua identidade como uma especialização fronteiriça, na interface entre a
pessoa, o trabalho e a sociedade e selou a compreensão do trabalho coletivo como um
fato subjetivo e social, ampliando assim a aplicação da Psicometria. Surgindo como uma
oportunidade de parceria entre pessoal acadêmico e profissional, a POT inspirou
associações científicas e laboratórios de universidades e apareceu entre tópicos de
discussão em encontros de gestores e autoridades. Sua identidade como um campo do
conhecimento de apoio à gestão que poderia ser acionada nas rotinas de desempenho
exerceu sua influência na institucionalização da profissão do “psicólogo do trabalho”. A
integração desta figura profissional na Administração ensinou os gestores a valorizar o
conhecimento sistemático da Psicologia do trabalhador e a sua participação na gestão do
desempenho. Naquele momento, a administração de pessoal era reconhecida como uma
atividade técnica, dependente do conhecimento produzido dentro do território da POT e
focada na pessoa do trabalhador.
Uma vez reconhecida como uma peça na equação gerencial, a POT foi
galvanizada pelos desafios das inovações tecnológicas na articulação de tarefas, expandiu
e se tornou o pilar da produção econômica (Coovert & Thompson, 2014), nos anos que
precederam a Segunda Guerra Mundial, confirmada pelo surgimento de outras
especializações tais como a ergonomia. Embora ainda controlada pelas exigências da
gestão, a trajetória da POT recebeu encorajamento de sindicatos, instituições
profissionais, do pessoal acadêmico, da administração pública e especialmente dos
resultados das pesquisas psicológicas. Acompanhando, durante duas décadas, a inércia
das novas exigências de ação, a POT aprofundou seus conhecimentos sobre a eficácia das
tarefas e avançou em sua consideração das questões existenciais relacionadas à qualidade
de vida. Esse avanço ainda foi insuficiente para integrar explicitamente na gestão o
equilíbrio entre o esforço pela eficácia das tarefas e pelas demandas existenciais da
condição ontológica do trabalhador (Blackler & Brown, 1978). O poder dos valores
econômicos eclipsou as críticas sobre a “mecanização” dos indivíduos como meros elos
na cadeia de produção econômica, em consonância com o paradigma do capitalismo
(Jameson, 2011). A POT estudou problemas fragmentados, procurou compreendê-los e
criou soluções técnicas sem qualquer questionamento profundo da tensão entre a eficácia
do desempenho e as demandas de bem-estar humano. Sua ação foi focada na oferta de
caminhos que guiaram a soluções para as demandas concretas que caíram em suas mãos,
sem tocar criticamente nos significados e impactos da organização do trabalho na
sociedade e no bem-estar humano (Reichman & O’Berry, 2012).
Esta fragmentação da visão da POT foi o corolário do horizonte limitado pelas
quatro paredes da empresa e do foco na adaptação do trabalhador à eficácia da produção.
Apesar destas limitações, a POT continuou a ser suficientemente aberta para reconhecer
e absorver, nos avanços da Psicologia, incorporando a complexidade da relação eu-outro
da Psicologia Social, o avanço da complexidade das estruturas subjetivas da Psicologia
da inteligência e da Psicologia da Personalidade. Essas novas incorporações mostraram
que a relação entre o trabalhador, desempenho, eficácia e existência humana eram
complexas e desafiadoras. Esta abertura e habilidade de absorver, aplicar e testar o
conhecimento produzido em outros campos especializados da psicologia enriqueceu e
aprofundou a visão da POT em relação à pessoa do trabalhador, levando-a a investir em
explorar a subjetividade dentro do entendimento do desempenho no trabalho (Bevort &
Suddaby, 2016). Deste enriquecimento resultou a ampliação dos tópicos na sua agenda,
tais como a família, o envolvimento social dos trabalhadores, as carreiras, os processos
grupais, a cultura organizacional da empresa, a dupla carreira dos casais, ergonomia e
segurança. As variáveis que afetaram o desempenho foram ampliadas e transcenderam os
limites do chão de fábrica. A Psicologia se tornou mais ampla e a POT se expandiu junto
com ela, aumentando seu alcance ininterruptamente. Hoje, a POT abrange todos os
fenômenos do território que envolve a pessoa, o trabalho e a sociedade, tais como o
teletrabalho, suicídios, a dinâmica das startups, a liderança dentro das redes sociais e a
família do trabalhador, consolidando assim seu território para além das fronteiras da
organização (Schein, 2015).
Esta trajetória da POT revela sua condição como uma ciência aplicada sem
fronteiras. As redes de interação entre a pessoa, o trabalho e a sociedade constitui a
fronteira de seu objeto, ou seja, tudo o que se relaciona ao trabalho humano. Estes três
fatores que delimitam o alcance da POT, voltam seu foco de atenção para a relação
homem-trabalho, qualquer que possa ser o contexto dentro do qual ela é
institucionalizada. Estes três marcos não são, em si mesmos, seu objeto de estudo, mas os
fatores determinantes de seu objeto, nas inter-relações que os colocam em
interdependência mútua. POT é, portanto, um campo de conhecimento que não estuda a
pessoa, ou o trabalho, ou a sociedade, mas as interfaces entre estes três elementos,
constituindo uma ciência aplicada cuja ‘raison d’être’ se encontra nos hifens de suas
interfaces, nos movimentos e propriedades dessas relações e nos seus impactos na pessoa
e na sociedade. Apesar de ser uma ciência aplicada nas relações entre elas, a POT
contribuiu para o desenvolvimento do conhecimento sobre cada uma delas. Embora se
consolide por meio de sua produção científica, técnica e cultural, está hoje presente na
eficácia do trabalho, na carreira profissional, na qualidade de vida, na justiça, na
autorrealização e na emancipação.
A ampliação do campo de aplicação da Psicologia

Neste estágio de sua trajetória, a POT tem sido então solidamente confirmada
como um ramo aplicado da Psicologia pela presença crescente de conceitos psicológicos
na compreensão do trabalho. Seu desenvolvimento subsequente foi galvanizado pela
atividade híbrida que ao integrar pesquisa e intervenção buscou a eficácia do desempenho
e a gestão das condições de existência dos trabalhadores ou, mais precisamente, da
qualidade de suas vidas. Pesquisadores e profissionais, sob a inspiração da POT, agiram
em parceria, associando a investigação e a intervenção. O Tavistock Institute of Human
Relations foi um exemplo pioneiro e emblemático desta parceria desde os anos 1940.
Rapidamente depois disso, outros projetos nasceram nos países escandinavos, na França
e no Brasil, criando uma espécie de círculo virtuoso que encorajou a busca por modelos
teóricos que deveriam basear e estimular o desenvolvimento da gestão do desempenho
com vistas à produção econômica e o preenchimento das demandas existenciais dos
trabalhadores (Fleetwood & Hesketh, 2010; Pagès, Bonetti, Gaujelac & Descendre,
1987).
Durante este estágio, a trajetória da POT não esteve livre de controvérsia, já que
o aprofundamento e o enriquecimento da compreensão do desempenho era insuficiente
para superar os problemas crônicos do chão de fábrica, ou para satisfazer os vários
paradigmas epistemológicos e ideológicos que caracterizaram a compreensão do trabalho
(Steffy & Grimes, 1992). As críticas questionavam tudo desde a autenticidade até as
limitações dos projetos de mudança organizacional (Dunnette, 1998). Embora capaz de
criar explicações plausíveis e geralmente aceitas para o amplo espectro de problemas no
trabalho, a POT era uma ciência, mas era frequentemente adotada como um instrumento
de intervenção. Sua produção técnica e científica foi aplicada por gestores e podia ser
direcionada por diferentes ideologias e diferentes interesses políticos. A POT se mostrou
ser ambidestra. O controle da aplicação e a direção dada às suas publicações escapou de
seu alcance, mesmo reconhecendo que seu conhecimento poderia ser aplicado para servir
a “dois senhores”. Áreas como a de liderança, carreira, treinamento profissional e saúde
estavam cheias de projetos que revelavam a qualidade ambidestra da POT. Hoje é fácil
verificar como a utilização de artefatos culturais produzidos no âmbito da POT inspirou
a definição de políticas públicas, alimentou o reconhecimento dos trabalhadores como
sujeitos, tal como o fez o seu desempenho como apenas mais um dente nas engrenagens
da produção. A gestão do desempenho e das condições de trabalho é conduzida pelos
administradores que tomam a POT como suas bases e a aplicam dentro de suas
racionalidades distintas. Esta lacuna entre o entendimento do fenômeno e a solução dos
problemas colocados por isso refletem as dificuldades da POT diante da turbulência
econômica, o impacto dos saltos qualitativos em tecnologia e dos sistemas órfãos criados
pelo desenvolvimento da sociedade de acordo com a lógica do capitalismo financeiro.
Desde o seu primeiro envolvimento com questões de chão de fábrica, a POT tem
oferecido conhecimento capaz de explicar o desempenho, o que foi amplamente
registrado em publicações acadêmicas, nas artes, na mídia, na legislação e em instituições
de educação e de treinamento profissional. Além desta integração com a cultura e a rotina
da sociedade, a POT foi dirigida por sociedades científicas tais como a SBPOT, a SIOP
e a EAWOP que motivaram e contribuíram para a dinâmica de suas interfaces e alianças
com outras ciências, especialmente com a Administração e políticas públicas. Esta
contribuição ampliou ainda mais o objeto e a metodologia da POT. Dentro do alcance
destas sociedades, a aplicação da POT para os “dois senhores” não sofreu nenhuma
pressão em direção ao viés da busca pela competitividade na produção das metas de
produção ou da luta entre entidades representativas de classe, e foi capaz de se dedicar
mais ao debate entre a eficácia econômica e as questões existenciais dos trabalhadores.
Além disso, estas instituições agiam como agentes da POT, mostrando seus
desenvolvimentos e as dificuldades envolvidas na sua aplicação nos campos de gestão e
políticas públicas. Uma ilustração desta atividade aparece no salto qualitativo de
pesquisadores franceses em denunciar o impacto da velocidade, da pressão pelo
cumprimento de metas de produção e dos conflitos e incertezas derivantes do capitalismo
financeiro. Este salto deu expressão à maturidade da POT com novos conceitos, como as
das “dimensões esquecidas” e da clínica do trabalho (Chanlat, 1990; Lhuilier, 2006; Lyth,
1960; Pagès et al., 1987) que enfraqueceu a rigidez das fronteiras entre a busca por
eficácia econômica e o imperativo da existência emancipada e da qualidade de vida.

O amadurecimento da POT

O amadurecimento da POT surgiu como um resultado da força de algumas teorias


que cresceram dentro da Psicologia nas quais os trabalhadores foram apresentados em sua
complexidade psicológica, em suas condições como sujeitos e protagonistas de sua
existência. Dentro das perspectivas destas teorias, a gestão do desempenho se tornou mais
complexa porque a compreensão da relação homem-trabalho implicou a participação dos
trabalhadores nas tarefas que desempenhavam, julgando, escolhendo, produzindo sentido
e, assim, crescendo. A teoria da hierarquia de necessidades de Maslow (1954), a teoria da
interface entre desempenho e personalidade de Argyris (1957), a teoria da diferença entre
racionalidade mecanicista e racionalidade humanística de McGregor (1960) e a teoria da
visão metafísica da motivação de De Charms (1968), para citar algumas das mais
amplamente divulgadas, trouxeram os trabalhadores como resultado de sua autoprodução,
implicando o domínio sobre sua própria subjetividade. Esta diferenciação mais profunda
do trabalhador já havia sido prenunciada na obra de Lewin, Homans, Rogers e Erikson,
que não foram absorvidas pela gestão por causa das dificuldades de acesso à compreensão
de seus conteúdos e de suas aplicações.
A integração dessas abordagens à pessoa no repertório teórico da POT mudou as
respostas para questões recorrentes, tais como, “Quem é o trabalhador?” e “Como o
trabalho contribui para sua existência?” Estas teorias expuseram, tornaram explícitas e
aprofundaram a compreensão da existência de estruturas subjetivas e a necessidade de
sua integração na gestão do desempenho no trabalho. A abordagem mecanicista do
desempenho pelo controle externo foi enfraquecida por essas teorias. A gestão dos
trabalhadores implicava maior diálogo e a consideração de sua subjetividade. Estas
abordagens clarificaram as fronteiras entre o reconhecimento dos trabalhadores como
recursos de produção ou como “seres humanos cheios de recursos” dotados de
potencialidades e capazes de crescer (Legge, 1995). Essas abordagens não eram apenas
opções alternativas, mas transmitiu paradigmas distintos sobre quem é o trabalhador.
Décadas mais tarde, esta distinção foi aprofundada por meio de análises epistemológicas
que sintetizaram a visão da atividade regulatória e a visão da ação criativa (Cooper, 1976).
Essas análises diferenciaram a raiz paradigmática do serviço prestado à eficácia
daquele prestado aos trabalhadores nas dimensões existenciais, o primeiro voltado para a
previsão e o controle não precisa recorrer ao debate com o trabalhador, enquanto o
segundo direcionado à exploração das potencialidades e a construção da participação do
trabalhador, vê o debate como seu principal recurso para a ação. Assim, Maslow, em sua
teoria da personalidade, distingue necessidades relacionadas às demandas funcionais da
pessoa das necessidades relacionadas às suas demandas existenciais. Ao colocar a
autorrealização no nível mais alto da motivação, ao qual o indivíduo direciona seu
desempenho, ele faz exigências explícitas que não haviam sido previamente percebidas,
embora exercessem a sua influência sobre a eficácia de suas funções. Maslow entende
que no ser humano existe tanto demandas por controle como também demandas por
criatividade e pelo sentido da vida, e que a gestão eficiente leva estes diferentes motivos
em consideração. Outro autor que enriqueceu esta interface entre eficácia e cuidado com
a existência foi De Charms quando colocou o autoconhecimento como fonte do sentido
de propósito na vida e deste como condição de eficácia. Oferecendo o conceito de força
ontológica na cadeia dos motivos que levam à eficácia, De Charms vê a força das próprias
atividades no impacto da identidade como um elemento crucial na qualidade do
desempenho porque ele traz sua dupla possibilidade, a de ser hétero e auto produtivo.
Estas teorias inovaram o conceito de gestão ao associar desempenho com
estruturas profundas, com o significado da vida e a autorregulação. Estas explicações
transcenderam os aspectos funcionais da adaptação dos trabalhadores a suas tarefas que
até então tinha sido o investimento predominante da gestão apoiado pela POT. Por meio
dessas teorias, o ser humano não é apresentado simplesmente como um executor de
tarefas, mas como sujeito de sua própria existência em razão da ligação entre os efeitos
hétero e auto produtivos do desempenho, vendo que as condições existenciais estão
implicadas nas estruturas subjetivas internas tais como o significado do trabalho, bem
como nas externas tais como as condições de trabalho. Esta sensitividade abasteceu a
abertura da POT para o aprofundamento da investigação do desempenho na sua interface
com a subjetividade, compreendida como uma estrutura profunda e complexa. Este
fermento culminou com a abertura da POT para a contribuição de abordagens tais como
a Psicanálise que ainda não tinham sido exploradas na análise do desempenho. Esta
abertura revelou a importância da diversidade dos paradigmas oferecidos pela Psicologia
e da crítica ideológica para a identificação dos valores que a POT poderia estar servindo.
A expansão dos limites da POT foi fortemente legitimada e confirmada pelos
projetos de pesquisas empíricas que desde então surgiram em laboratórios. Um dos
estudos pioneiros relacionados a esta expansão foi a investigação realizada por Lyth
(1960) sobre a relação entre as tarefas de enfermeiras e suas ansiedades inconscientes,
que tinham um impacto direto na eficácia de suas tarefas. Este estudo investigou as causas
nas estruturas subjetivas subjacentes que exerciam influência na eficácia do desempenho
pela regulação da ansiedade e pelo envolvimento do trabalhador. Na França este avanço
foi estimulado pela pesquisa empírica sobre o sofrimento envolvido no trabalho, trazendo
ainda mais claramente a porosidade das fronteiras na relação entre a gramática criada pela
organização racional do trabalho e a gramática da subjetividade humana. Os estudos de
Dejours (1988) e de Enriquez (1992) consolidaram o avanço na compreensão das ligações
entre subjetividade e gestão.
Além da expansão devida à inclusão das estruturas profundas da subjetividade, a
POT foi igualmente impulsionada por análises de carácter político decorrentes da
expressão explícita e da crítica aos valores predominantes. O trabalho de Montmollin
(1972), revelando a rotina de seleção como um instrumento de discriminação e poder,
revelava a ingenuidade da gestão quando ignorava o impacto de suas atividades nos
aspectos políticos da vida dos candidatos. Este desenvolvimento do quadro teórico de
referência da POT revelou sua distância da gestão do desempenho como um fenômeno
isolado da existência, passando a considerar a articulação da relação homem-trabalho na
inserção da pessoa no tempo e espaço mais amplo da sociedade e suas relações com
estruturas de poder. Este distanciamento criou novos predicados de identidade para a POT
que podem ser claramente vistos em seu envolvimento nos projetos de mudança
organizacional que floresceram na década de 1970 (Cherns & Davies, 1975; European
Association for Personnel Management [EAPM] 1979; Greiner, 1977; Hill 1971) com as
demandas por democracia industrial e a busca pela humanização do trabalho.
A articulação desses projetos reforçou e expandiu o reconhecimento da
subjetividade como um fator crucial na eficácia, na existência humana e no desempenho
no trabalho, analisados sob a luz da injustiça e do sofrimento. Este flanco estendeu as
fronteiras da POT ainda mais longe dentro da própria Psicologia onde procurou não só
conceitos que correspondessem aos problemas, mas também explicassem as mais
profundas estruturas subjetivas. Neste estágio da trajetória da POT, a limitação da
abordagem das demandas pela eficácia do desempenho, que tinham sido o caminho
prático ajustado à cultura gerencial, foi reconhecido em seu caráter reducionista no
equilíbrio da relação entre os trabalhadores e suas tarefas (Chanlat, 1990). O novo
equilíbrio da relação entre os trabalhadores e suas tarefas pelo reconhecimento da
dimensão existencial e das estruturas subjetivas no próprio objeto da gestão foi o resultado
desta onda de projetos dedicados à qualidade de vida no trabalho.
A consolidação desta abertura para a dimensão existencial do trabalhador tornada
viável pela concepção da adaptação às tarefas pela mediação das estruturas subjetivas,
colocou na agenda da POT temas que tinham estado previamente distantes dela, tais como
identidades, reconhecimento, contratos psicológicos, comprometimento,
autodeterminação, saúde, qualidade de vida, a clínica do trabalho, entre dúzias de outros
(Costas & Karreman, 2016). Desse ponto em diante se tornou mais difícil manter a visão
da POT como sendo uma especialização limitada à gestão de pessoal, em virtude da
magnitude das questões existenciais que se inserem em seu território. Seu objeto
transcendeu definitivamente os limites da compreensão da eficácia para focar agora ca
compreensão da relação homem-trabalho vista como a interface entre eficácia e questões
existenciais, ou seja, a integração tanto do processo regulatório do desempenho quanto
dos processos emancipatórios da dimensão existencial. Os problemas que se enquadram
no seu território se multiplicaram e as relações entre eles se tornaram visivelmente
interdependentes com o elo com a subjetividade e com a relação desta com a qualidade
de vida.
O desenvolvimento de novos modelos de gestão enfraqueceu a estrutura
hierárquica e a engenharia de tarefas colocou o envolvimento do indivíduo e das equipes
como a condição fundamental da qualidade do desempenho no trabalho reforçando a
percepção do trabalhador como sendo difícil de controlar exceto dentro das práticas que
implicam debate com ele como sujeito. O impacto deste salto se tornou visível nas
práticas de treinamento profissional que eram relacionadas à compreensão da
subjetividade, da autorregulação, das emoções e da autonomia responsável. Duas décadas
atrás, a implementação das ferramentas de sistema tais como SAP foram acompanhadas
por seminários de treinamento genericamente denominados “gestão da mudança” que são
predominantemente dedicados à participação do indivíduo no contexto do trabalho
flexível aliado às ferramentas de sistema. A POT expandirá seu objeto, transcendendo os
limites da gestão de pessoal para abranger o trabalhador participante. Este conceito não é
livre de riscos porque ele tem estimulado o desenvolvimento do trabalho autônomo
precário.
Para concluir este resumo das cadeias de causas que explicam a origem e o
processo do amadurecimento da POT, pode-se, no que foi exposto acima, observar a
trajetória por meio da qual ela construiu sua identidade como uma ciência aplicada e
patrimônio cultural da sociedade viabilizado por sua mediação na oferta da Psicologia
como caminho crucial para a compreensão e gestão da relação homem-trabalho. Como
faz parte da organização racional do trabalho, a gestão de pessoal procurou suporte na
Psicologia, reconhecida desde o início do século XX como uma ciência necessária para a
compreensão e construção do desempenho no trabalho. A POT surgiu e cresceu como
uma ferramenta da Psicologia na compreensão da relação homem-trabalho. Sua
contribuição foi inicialmente limitada pela concentração de seu foco na instrumentalidade
da gestão do desempenho.
A visão funcional deste foco limitou a interface entre subjetividade, desempenho
no trabalho, a condição humana e as macroestruturas da sociedade tais como o salto da
economia para o capitalismo financeiro, a pressão da competitividade comercial sobre as
tarefas dos trabalhadores e o enfraquecimento e a migração do emprego formal. A
percepção dos trabalhadores separados de sua dimensão existencial facilitou sua redução
a recurso da produção. A inevitável expansão dos problemas de gestão e o contínuo
amadurecimento da Psicologia como ciência à medida que superava as barreiras que
dificultavam o diálogo entre seus vários paradigmas epistemológicos abalou o foco
pragmático da POT. Reafirmando sua mediação entre a gestão da relação homem-
trabalho e a Psicologia, em sua maturidade, a POT presenteou a Administração com uma
compreensão mais detalhada e totalizante dos trabalhadores e seu desempenho, trazendo
à luz a complexidade de sua condição ontológica e suas estruturas subjetivas (Zanelli,
Borges-Andrade & Bastos, 2014).
Nos últimos cinquenta anos, desde o aparecimento dos círculos de controle de
qualidade e dos grupos semiautônomos em meados de 1960, às equipes auto gerenciáveis
e gestão por redes das empresas no século XXI, tarefas foram desenvolvidas como ações
artesanais integradas nas atividades coletivas em sinergia com as ferramentas de sistema.
No movimento inerte deste desenvolvimento, gestão e adaptação a tarefas migraram para
a participação do próprio trabalhador. Esta condição é claramente expressada no jargão
popular que é encontrado nas crenças sobre carreiras entre os trabalhadores: “se você quer
um emprego, invente-o!” A gestão e a adaptação da condição artesanal do desempenho
complicaram os métodos tradicionais de regulação externa, tais como a psicometria e a
análise do trabalho.
A organização racional do trabalho enfrenta a metamorfose da atividade projetada
na ação dos trabalhadores como protagonistas e não como operadores. Esta metamorfose
é visível a olho nu no treinamento dos trabalhadores. Hoje, formar é investir em
competências para a participação dos trabalhadores nas tarefas que exigem o artesanato,
no seu envolvimento e na sua carreira. Participação significa agir como sujeito e isto, por
sua vez, implica conhecimento das estruturas que empoderam o sujeito. Este
reconhecimento de estruturas subjetivas foi institucionalizado pela popularização do
nome “comportamento organizacional” para a POT na administração, conforme
observado em sua presença nos currículos dos cursos de MBA (Porter & Schneider,
2014). A inserção da POT ainda está distante de sua otimização, já que o desenvolvimento
da produção econômica sob a tecnologia dos Watsons, dos robôs e dos ubers diferenciará
ainda mais a demanda pelo conhecimento produzido pela Psicologia.
Qual é o objeto e as perspectivas da POT?

Para trazer este exame limitado da trajetória da POT a um fim, não é difícil de
inferir que seu território é um espaço definido de fácil identificação dentro do campo da
Psicologia e é delineado por fronteiras porosas porque está sempre aberto ao
desenvolvimento do trabalho (ver Futurible, 1995, edição Aôut-Sept), da complexidade
da sociedade e do aprofundamento da compreensão do ser humano. Sua trajetória revela
sua identidade como uma ciência fronteiriça situada entre a ampliação e a renovação do
trabalho em virtude das dinâmicas da sociedade por um lado e a expansão da Psicologia
que oferece sempre recursos maiores para a pesquisa e reflexão por outro lado. Como um
corolário, a POT sempre será uma especialização inovadora procurando expandir para
além de suas margens funcionais impostas pela inserção da relação homem-trabalho no
tempo e no espaço. Assim, a POT se desenvolve e encara novos fenômenos e problemas
tais como a compreensão dos trabalhadores periurbanos (Donzelot & Mongin, 2013), que
só surgiu neste milênio. Pesquisas sobre estes trabalhadores já estão presentes na gestão
do trabalho. Por analogia, cerca de 60 anos atrás, estabilidade no emprego, que era uma
condição e um valor crucial que caracterizava a relação de reciprocidade existente entre
pessoas e empresas, perdeu relevância diante da realidade do cenário das redes de fluxos,
e é hoje uma expectativa quase contingente, em razão da força da fluidez e da
terceirização do trabalho autônomo, na gestão por projetos.
Hoje, as condições de tempo e espaço estão passando por alterações, criando a
coexistência do trabalhador com identidades ambíguas, com múltiplas ligações e
contratos pragmáticos que caracterizam o trabalho precário. O desemprego é parte
crescente da cena da sociedade de alta tecnologia (Bejá, 2014). Hoje, o enfraquecimento
das organizações como contexto de trabalho e de sua substituição pelas redes de fluxo
que ligam trabalhadores independentes, dentro da qual a dimensão espacial não mais
define as fronteiras como fazia há décadas atrás, afeta consideravelmente a equação da
relação entre a pessoa, o trabalho e a sociedade. A colocação dentro de algumas
organizações está se tornando uma condição contingente e é mesmo o tipo de ligação que
muitos trabalhadores evitam (Lantz, 2012). Neste contexto, é o horizonte da POT
desenvolver-se junto à sociedade, expor a condição humana e enfrentar os desafios da
compreensão e dos efeitos das novas condições de tempo e espaço na relação homem-
trabalho. Seu desenvolvimento continuará como rota da especialização da Psicologia
focada nos fenômenos e problemas situados na relação entre a pessoa, o trabalho e a
sociedade, mas ampliando suas interfaces e diferenciando o fenômeno em correlação com
as dinâmicas do contexto dentro do qual ela está inserida.
É difícil saber qual fenômeno ainda existirá dentro deste espaço no tempo de duas
décadas, quais novos fenômenos emergirão e quais fenômenos perderão sua relevância
neste tempo. É claro que a tendência para a virtualização do trabalho é confirmada
novamente a cada dia que passa (Cousin, 2007) e que o processo de produção migrará
para fluxos eletrônicos, como mencionado acima, no que diz respeito à produção de pão.
Durante este desenvolvimento, o fator transcendente no objeto da POT continuará a ser a
rede de interrelações entre a pessoa, o trabalho e a sociedade. Os fenômenos presentes
nesta rede serão redefinidos pela força do desenvolvimento do contexto, mas a
delimitação de seu território por conta destes três marcos torna sua condição ontológica
clara. A POT enfrentará variações em sua inserção no tempo e no espaço, mas continuará
firmemente dentro da demarcação das fronteiras que a caracterizaram por mais de um
século.
Como o nome da POT pode mudar? Qualquer nome que expresse seu objeto será
um nome adequado. O nome POT ainda expressa os três marcos que delimitam seu
campo, pois se referem às interfaces entre eles. Delas, a palavra trabalho indica a atividade
estudada, a palavra pessoa indica o participante e a palavra organização indica a
macroestrutura que abriga as pessoas e seu trabalho. Esta macroestrutura está se
desenvolvendo em redes de fluxos. Desde os anos 1930, Sociologia, Psicologia, Filosofia,
Antropologia e Administração definiram a configuração do trabalho integrando as
estruturas complexas que o abrigam, como uma parte delas. Em sua análise histórica desta
colocação do trabalho dentro de estruturas complexas, Heyck (2014) reconhece um certo
(tecnológica, econômica e política) determinismo nela, cujo impacto na compreensão do
desempenho merece o apelido de revolução pela singularidade de seu poder. A
diminuição da percepção desse determinismo dificulta a compreensão da relação homem-
trabalho. De acordo com sua análise, a organização representa a sociedade na fronteira
tripartite, mesmo quando se desenvolve na forma de redes de fluxos. O futuro ainda é um
enigma e as organizações, apesar de enfraquecidas, continuam na imaginação coletiva
como o locus do trabalho, seja na forma de estruturas regulares ou na forma de redes de
trabalho. A organização do trabalho é uma contingência deste momento histórico, mas
em ambientes de alta tecnologia, a relação entre trabalho e sua estrutura circundante será
sempre estreita.
Sem aprofundar mais esta questão e como conclusão para este breve ensaio, uma
breve palavra sobre o futuro da POT e dos profissionais e pesquisadores que a
construíram. De uma certa forma, o futuro do trabalho começou alguns anos atrás e tem
sido caracterizado pela flexibilização dos contratos, por múltiplas tarefas artesanais, pelo
desempenho de alta-velocidade aliado às ferramentas de sistema, pelas trajetórias
altamente tecnológicas e pelas redes de fluxos. Esta gramática que abriga o trabalho tem
tornado o espaço desnecessário, o tempo acelerado e aumentou a dependência na
participação (Ginsbourger, Lichtenberger & Padis, 2011). Estas condições mostram que
o desempenho continuará a ser artesanal e aliado aos sistemas que demandam criatividade
e sinergia, ou seja, constituirá um tipo de paradoxo envolvendo participação e submissão.
Os protagonistas serão envolvidos em movimentos contínuos de adaptação em um grande
número de aspectos na construção de suas condições como sujeitos.
Tópicos como aprendizagem, contratos psicológicos, treinamento, compreensão,
identidade, a busca por significado, equipes auto gerenciáveis, autoprodução,
emancipação, saúde e qualidade de vida continuarão a ser demandas rotineiras e
significativas. Todos estão relacionados ao protagonismo individual tanto na produção
instrumental quanto na autoprodução, seja no contexto da regularidade de estruturas, das
ferramentas de sistema ou de redes de fluxos. A POT já experimentou essas demandas,
mas pode ser desafiada pela tentação e sedução do reducionismo que marcou seus anos
de consolidação. Diante deste desafio, a reflexão e o debate surgem como um antídoto
para as visões reducionistas. O hábito da reflexão junto ao diálogo dificilmente levará ao
fracasso. A POT pode ter o seu futuro nas suas próprias mãos, se refletir e dialogar para
enfrentar estes desafios, consciente de que a sustentabilidade da sociedade e a qualidade
de vida das pessoas dependem da forma pela qual a relação homem-trabalho é
compreendida e gerida. A trajetória da POT revela o potencial de fazer a diferença na
definição dessas duas tarefas.
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