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Organizacional e do Trabalho
Resumo: Este ensaio é uma reflexão sobre a trajetória da Psicologia Organizacional e do
Trabalho (POT). O conteúdo analisa seu crescimento e introdução na sociedade. Ao longo
deste caminho, POT assumiu os fenômenos e problemas da relação entre indivíduo,
sociedade e trabalho. Hoje, POT apresenta um conjunto de produções científicas, técnicas
e culturais que integram o patrimônio conceitual e instrumental da sociedade. POT
enriqueceu a compreensão do desempenho no trabalho ao aplicar os conceitos da
Psicologia para explicar a relação entre comportamento e subjetividade. Enfrentando a
reinstitucionalização do trabalho de uma forma de emprego para uma de trabalho
autônomo precário, a POT será desafiada a compreender novos fenômenos que emergirão
dentro de seu território. Sua sólida experiência e firmeza na busca por eficácia e por
condições de existência mantém a segurança com que enfrenta a evolução da produção
econômica. POT se tornou uma especialização capaz de responder à reinstitucionalização
do trabalho agora em progresso na sociedade.
Origem da POT
Neste estágio de sua trajetória, a POT tem sido então solidamente confirmada
como um ramo aplicado da Psicologia pela presença crescente de conceitos psicológicos
na compreensão do trabalho. Seu desenvolvimento subsequente foi galvanizado pela
atividade híbrida que ao integrar pesquisa e intervenção buscou a eficácia do desempenho
e a gestão das condições de existência dos trabalhadores ou, mais precisamente, da
qualidade de suas vidas. Pesquisadores e profissionais, sob a inspiração da POT, agiram
em parceria, associando a investigação e a intervenção. O Tavistock Institute of Human
Relations foi um exemplo pioneiro e emblemático desta parceria desde os anos 1940.
Rapidamente depois disso, outros projetos nasceram nos países escandinavos, na França
e no Brasil, criando uma espécie de círculo virtuoso que encorajou a busca por modelos
teóricos que deveriam basear e estimular o desenvolvimento da gestão do desempenho
com vistas à produção econômica e o preenchimento das demandas existenciais dos
trabalhadores (Fleetwood & Hesketh, 2010; Pagès, Bonetti, Gaujelac & Descendre,
1987).
Durante este estágio, a trajetória da POT não esteve livre de controvérsia, já que
o aprofundamento e o enriquecimento da compreensão do desempenho era insuficiente
para superar os problemas crônicos do chão de fábrica, ou para satisfazer os vários
paradigmas epistemológicos e ideológicos que caracterizaram a compreensão do trabalho
(Steffy & Grimes, 1992). As críticas questionavam tudo desde a autenticidade até as
limitações dos projetos de mudança organizacional (Dunnette, 1998). Embora capaz de
criar explicações plausíveis e geralmente aceitas para o amplo espectro de problemas no
trabalho, a POT era uma ciência, mas era frequentemente adotada como um instrumento
de intervenção. Sua produção técnica e científica foi aplicada por gestores e podia ser
direcionada por diferentes ideologias e diferentes interesses políticos. A POT se mostrou
ser ambidestra. O controle da aplicação e a direção dada às suas publicações escapou de
seu alcance, mesmo reconhecendo que seu conhecimento poderia ser aplicado para servir
a “dois senhores”. Áreas como a de liderança, carreira, treinamento profissional e saúde
estavam cheias de projetos que revelavam a qualidade ambidestra da POT. Hoje é fácil
verificar como a utilização de artefatos culturais produzidos no âmbito da POT inspirou
a definição de políticas públicas, alimentou o reconhecimento dos trabalhadores como
sujeitos, tal como o fez o seu desempenho como apenas mais um dente nas engrenagens
da produção. A gestão do desempenho e das condições de trabalho é conduzida pelos
administradores que tomam a POT como suas bases e a aplicam dentro de suas
racionalidades distintas. Esta lacuna entre o entendimento do fenômeno e a solução dos
problemas colocados por isso refletem as dificuldades da POT diante da turbulência
econômica, o impacto dos saltos qualitativos em tecnologia e dos sistemas órfãos criados
pelo desenvolvimento da sociedade de acordo com a lógica do capitalismo financeiro.
Desde o seu primeiro envolvimento com questões de chão de fábrica, a POT tem
oferecido conhecimento capaz de explicar o desempenho, o que foi amplamente
registrado em publicações acadêmicas, nas artes, na mídia, na legislação e em instituições
de educação e de treinamento profissional. Além desta integração com a cultura e a rotina
da sociedade, a POT foi dirigida por sociedades científicas tais como a SBPOT, a SIOP
e a EAWOP que motivaram e contribuíram para a dinâmica de suas interfaces e alianças
com outras ciências, especialmente com a Administração e políticas públicas. Esta
contribuição ampliou ainda mais o objeto e a metodologia da POT. Dentro do alcance
destas sociedades, a aplicação da POT para os “dois senhores” não sofreu nenhuma
pressão em direção ao viés da busca pela competitividade na produção das metas de
produção ou da luta entre entidades representativas de classe, e foi capaz de se dedicar
mais ao debate entre a eficácia econômica e as questões existenciais dos trabalhadores.
Além disso, estas instituições agiam como agentes da POT, mostrando seus
desenvolvimentos e as dificuldades envolvidas na sua aplicação nos campos de gestão e
políticas públicas. Uma ilustração desta atividade aparece no salto qualitativo de
pesquisadores franceses em denunciar o impacto da velocidade, da pressão pelo
cumprimento de metas de produção e dos conflitos e incertezas derivantes do capitalismo
financeiro. Este salto deu expressão à maturidade da POT com novos conceitos, como as
das “dimensões esquecidas” e da clínica do trabalho (Chanlat, 1990; Lhuilier, 2006; Lyth,
1960; Pagès et al., 1987) que enfraqueceu a rigidez das fronteiras entre a busca por
eficácia econômica e o imperativo da existência emancipada e da qualidade de vida.
O amadurecimento da POT
Para trazer este exame limitado da trajetória da POT a um fim, não é difícil de
inferir que seu território é um espaço definido de fácil identificação dentro do campo da
Psicologia e é delineado por fronteiras porosas porque está sempre aberto ao
desenvolvimento do trabalho (ver Futurible, 1995, edição Aôut-Sept), da complexidade
da sociedade e do aprofundamento da compreensão do ser humano. Sua trajetória revela
sua identidade como uma ciência fronteiriça situada entre a ampliação e a renovação do
trabalho em virtude das dinâmicas da sociedade por um lado e a expansão da Psicologia
que oferece sempre recursos maiores para a pesquisa e reflexão por outro lado. Como um
corolário, a POT sempre será uma especialização inovadora procurando expandir para
além de suas margens funcionais impostas pela inserção da relação homem-trabalho no
tempo e no espaço. Assim, a POT se desenvolve e encara novos fenômenos e problemas
tais como a compreensão dos trabalhadores periurbanos (Donzelot & Mongin, 2013), que
só surgiu neste milênio. Pesquisas sobre estes trabalhadores já estão presentes na gestão
do trabalho. Por analogia, cerca de 60 anos atrás, estabilidade no emprego, que era uma
condição e um valor crucial que caracterizava a relação de reciprocidade existente entre
pessoas e empresas, perdeu relevância diante da realidade do cenário das redes de fluxos,
e é hoje uma expectativa quase contingente, em razão da força da fluidez e da
terceirização do trabalho autônomo, na gestão por projetos.
Hoje, as condições de tempo e espaço estão passando por alterações, criando a
coexistência do trabalhador com identidades ambíguas, com múltiplas ligações e
contratos pragmáticos que caracterizam o trabalho precário. O desemprego é parte
crescente da cena da sociedade de alta tecnologia (Bejá, 2014). Hoje, o enfraquecimento
das organizações como contexto de trabalho e de sua substituição pelas redes de fluxo
que ligam trabalhadores independentes, dentro da qual a dimensão espacial não mais
define as fronteiras como fazia há décadas atrás, afeta consideravelmente a equação da
relação entre a pessoa, o trabalho e a sociedade. A colocação dentro de algumas
organizações está se tornando uma condição contingente e é mesmo o tipo de ligação que
muitos trabalhadores evitam (Lantz, 2012). Neste contexto, é o horizonte da POT
desenvolver-se junto à sociedade, expor a condição humana e enfrentar os desafios da
compreensão e dos efeitos das novas condições de tempo e espaço na relação homem-
trabalho. Seu desenvolvimento continuará como rota da especialização da Psicologia
focada nos fenômenos e problemas situados na relação entre a pessoa, o trabalho e a
sociedade, mas ampliando suas interfaces e diferenciando o fenômeno em correlação com
as dinâmicas do contexto dentro do qual ela está inserida.
É difícil saber qual fenômeno ainda existirá dentro deste espaço no tempo de duas
décadas, quais novos fenômenos emergirão e quais fenômenos perderão sua relevância
neste tempo. É claro que a tendência para a virtualização do trabalho é confirmada
novamente a cada dia que passa (Cousin, 2007) e que o processo de produção migrará
para fluxos eletrônicos, como mencionado acima, no que diz respeito à produção de pão.
Durante este desenvolvimento, o fator transcendente no objeto da POT continuará a ser a
rede de interrelações entre a pessoa, o trabalho e a sociedade. Os fenômenos presentes
nesta rede serão redefinidos pela força do desenvolvimento do contexto, mas a
delimitação de seu território por conta destes três marcos torna sua condição ontológica
clara. A POT enfrentará variações em sua inserção no tempo e no espaço, mas continuará
firmemente dentro da demarcação das fronteiras que a caracterizaram por mais de um
século.
Como o nome da POT pode mudar? Qualquer nome que expresse seu objeto será
um nome adequado. O nome POT ainda expressa os três marcos que delimitam seu
campo, pois se referem às interfaces entre eles. Delas, a palavra trabalho indica a atividade
estudada, a palavra pessoa indica o participante e a palavra organização indica a
macroestrutura que abriga as pessoas e seu trabalho. Esta macroestrutura está se
desenvolvendo em redes de fluxos. Desde os anos 1930, Sociologia, Psicologia, Filosofia,
Antropologia e Administração definiram a configuração do trabalho integrando as
estruturas complexas que o abrigam, como uma parte delas. Em sua análise histórica desta
colocação do trabalho dentro de estruturas complexas, Heyck (2014) reconhece um certo
(tecnológica, econômica e política) determinismo nela, cujo impacto na compreensão do
desempenho merece o apelido de revolução pela singularidade de seu poder. A
diminuição da percepção desse determinismo dificulta a compreensão da relação homem-
trabalho. De acordo com sua análise, a organização representa a sociedade na fronteira
tripartite, mesmo quando se desenvolve na forma de redes de fluxos. O futuro ainda é um
enigma e as organizações, apesar de enfraquecidas, continuam na imaginação coletiva
como o locus do trabalho, seja na forma de estruturas regulares ou na forma de redes de
trabalho. A organização do trabalho é uma contingência deste momento histórico, mas
em ambientes de alta tecnologia, a relação entre trabalho e sua estrutura circundante será
sempre estreita.
Sem aprofundar mais esta questão e como conclusão para este breve ensaio, uma
breve palavra sobre o futuro da POT e dos profissionais e pesquisadores que a
construíram. De uma certa forma, o futuro do trabalho começou alguns anos atrás e tem
sido caracterizado pela flexibilização dos contratos, por múltiplas tarefas artesanais, pelo
desempenho de alta-velocidade aliado às ferramentas de sistema, pelas trajetórias
altamente tecnológicas e pelas redes de fluxos. Esta gramática que abriga o trabalho tem
tornado o espaço desnecessário, o tempo acelerado e aumentou a dependência na
participação (Ginsbourger, Lichtenberger & Padis, 2011). Estas condições mostram que
o desempenho continuará a ser artesanal e aliado aos sistemas que demandam criatividade
e sinergia, ou seja, constituirá um tipo de paradoxo envolvendo participação e submissão.
Os protagonistas serão envolvidos em movimentos contínuos de adaptação em um grande
número de aspectos na construção de suas condições como sujeitos.
Tópicos como aprendizagem, contratos psicológicos, treinamento, compreensão,
identidade, a busca por significado, equipes auto gerenciáveis, autoprodução,
emancipação, saúde e qualidade de vida continuarão a ser demandas rotineiras e
significativas. Todos estão relacionados ao protagonismo individual tanto na produção
instrumental quanto na autoprodução, seja no contexto da regularidade de estruturas, das
ferramentas de sistema ou de redes de fluxos. A POT já experimentou essas demandas,
mas pode ser desafiada pela tentação e sedução do reducionismo que marcou seus anos
de consolidação. Diante deste desafio, a reflexão e o debate surgem como um antídoto
para as visões reducionistas. O hábito da reflexão junto ao diálogo dificilmente levará ao
fracasso. A POT pode ter o seu futuro nas suas próprias mãos, se refletir e dialogar para
enfrentar estes desafios, consciente de que a sustentabilidade da sociedade e a qualidade
de vida das pessoas dependem da forma pela qual a relação homem-trabalho é
compreendida e gerida. A trajetória da POT revela o potencial de fazer a diferença na
definição dessas duas tarefas.
Referências