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PRÉ-HISTÓRIA DE PORTUGAL

JOÃO LUÍS CARDOSO


ISBN: 978-972-674-664-5
João Luís Cardoso

PRÉ-HISTÓRIA DE
PORTUGAL

Está associado a este manual,


um ficheiro com as figuras

Universidade Aberta
2007

© Universidade Aberta
Capa: Escavação da anta do Malhão (Alcoutim, 2002). Foto de J. L. Cardoso

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TEXTOS DE BASE; N.º 303


ISBN: 978-972-674-664-5

© Universidade Aberta
JOÃO LUÍS CARDOSO

Professor Catedrático da área de Estudos Históricos da Universidade Aberta, onde obteve a Agregação no ramo de História,
Especialidade de História Antiga, disciplina de Pré-História, no ano de 2000. Na Universidade Aberta, é Coordenador do Curso
de 1.º Ciclo em História e do Curso de 2.º Ciclo em Estudos do Património. É Presidente do Conselho Científico (desde 2006), e
Coordenador-Geral da Avaliação da Universidade (desde 2000). Foi Coordenador da área da História, na Universidade Aberta
(2002), até à entrada em vigor dos Estatutos da Universidade.
É Membro do Conselho Nacional de Educação, em representação da Academia Portuguesa da História, integrando a
3.ª Comissão Especializada Permanente – Ensino Superior e Investigação Científica. Membro da Comissão Científica de diversas
revistas científicas de arqueologia, nacionais e internacionais, de carácter arqueológico, bem como de numerosas reuniões
realizadas em Portugal e no estrangeiro.
É director da revista "Estudos Arqueológicos de Oeiras", editada pela Câmara Municipal de Oeiras, com quinze números
publicados anualmente desde 1991, órgão científico do Centro de Estudos Arqueo-lógicos do Concelho de Oeiras, de que é
Coordenador desde a sua criação, em 1988. Vogal e Relator da Sub-Comissão Externa de Arqueologia (da Comissão Externa de
História), no quadro da Avaliação do Ensino Superior em Portugal (2000/2001), promovida pela Fundação das Universidades
Portuguesas (FUP), através do Conselho Nacional para a Avaliação do Ensino Superior (CNAVES).
Membro da Comissão Interuniversitária de Arqueologia (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), em
representação da Universidade Aberta, desde 1999.
Colaborador da Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo (1997-2003), para a área da Arqueologia e
Pré-História.
Membro do júri do Prémio Gulbenkian de Arqueologia (2001).
Vogal da Comissão de Avaliação dos Projectos candidatos ao Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA) do Instituto
Português de Arqueologia (2002).
Membro do Conselho Científico do Museu Geológico (secção de Arqueologia), do Instituto Nacional de Engenharia,
Tecnologia e Inovação desde 2004.
Avaliador da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos Projectos de Bolsas para Mestrado, Doutoramento e
Pós-Doutoramento, submetidos a financiamento na área da Arqueologia (2005).
Realizou as primeiras prospecções arqueológicas em 1970, no povoado pré-histórico de Leceia (concelho de Oeiras), então
ainda totalmente por explorar. Ali viria a desenvolver um ambicioso programa de escavações anuais, entre 1983 e 2002, que
conferiram importância internacional àquele notável povoado pré-histórico. Alargou, progressivamente, o campo dos seus
interesses no domínio da Arqueologia, incluindo o seu currículo a direcção de escavações de estações do Paleolítico Médio,
Paleolítico Superior, Neolítico, Calcolítico, Idade do Bronze, Idade do Ferro e épocas ulteriores, tanto na região de Lisboa, como
na Beira Interior e no Alto Algarve Oriental, abarcando grutas, povoados pré-históricos fortificados e mais de uma dezena de
monumentos megalíticos, de índole funerária ou ritual e de necrópoles de diversas épocas. Interessou-se, igualmente, pela
Arqueologia africana, tendo realizado escavações na ilha de S. Vicente (República de Cabo Verde) em 1998 e em 2005. Ao longo
dos últimos trinta e dois anos, ascenderam a mais de cem as campanhas de escavações arqueológicas que dirigiu em diversas
regiões do centro e do sul do actual território português.
Dando prioridade à abordagem pluridisciplinar da Arqueologia, dedicou-se a áreas científicas afins, então quase
desconhecidas em Portugal, orientando as primeiras dissertações de mestrado e de doutoramento que em Portugal se realizaram
no âmbito da Arqueozoologia.
É autor de cerca de 400 trabalhos, publicados nas principais revistas de Arqueologia de Portugal, bem como em Espanha,
França, Itália, Inglaterra e Alemanha, capítulos de livros e actas de reuniões científicas da especialidade, incluindo dezena e meia
de livros de sua autoria.
Foi distinguido com o prémio Professor Carlos Teixeira, da Academia das Ciências de Lisboa (1993) e, na Academia
Portuguesa da História, com os Prémios Possidónio Laranjo Coelho (1998), Aboim Sande Lemos (2000 e 2002), Pedro da Cunha
Serra (2005) e Joaquim Veríssimo Serrão (2007).
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EVOLUÇÃO

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,


Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo


Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...

Hoje sou homem – e na sombra enorme


Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...


Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

Antero de Quental

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Pré-História de Portugal

11 Apresentação e Objectivos Gerais

21 I PARTE
23 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

25 1. Antecedentes Históricos

47 II PARTE
49 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

53 2. As Primeiras Indústrias: O Acheulense Inferior Arcaico

63 3. O Paleolítico Inferior Pleno: O Acheulense

85 4. O Paleolítico Médio e o Mustierense


88 Estações dos arredores de Lisboa
91 Terraços do vale do Tejo e dos seus afluentes da margem esquerda
91 Foz do Enxarrique (Vila Velha de Ródão)
92 Vilas Ruivas (Vila Velha de Ródão)
92 Vale do Forno (Alpiarça)
93 Arneiro Cortiço (Benavente)
94 Terraço de Santo Antão do Tojal (Loures)
95 Terraços da margem esquerda do estuário do Tejo
97 Outras estações de ar livre da região centro
97 Estrada do Prado (Tomar)
100 Ribeira da Ponte da Pedra, ou Ribeira da Atalaia (Vila Nova da Barquinha)
101 Estações dos arredores de Rio Maior
101 Estações do litoral ocidental
102 Grutas da Estremadura e áreas adjacentes
102 Gruta da Buraca Escura (Pombal)
102 Gruta do Caldeirão (Tomar)
103 Gruta da Oliveira (Torres Novas)
105 Gruta da Furninha (Peniche)
107 Gruta Nova da Columbeira (Bombarral)
110 Gruta e Pedreira das Salemas (Loures)
111 Gruta da Figueira Brava (Setúbal)
113 Grutas do Maciço Hercínico
113 Gruta do Escoural (Montemor-o-Novo)
114 O Algarve
115 Ecologia, economia, bases de subsistência e padrões demográficos

125 5. O Paleolítico Superior


129 Aurignacense
131 Gravettense
134 Solutrense
137 Magdalenense

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142 Manifestações artísticas e funerárias do Paleolítico Superior
142 Arte rupestre
145 Arte móvel
146 Rituais funerários

149 6. O Mesolítico
151 Períodos Pré-Boreal e Boreal
151 Litoral da Estremadura
156 O Maciço Calcário
159 O Período Atlântico
159 O Maciço Calcário
160 Litoral da Estremadura
162 Concheiros do vale do Tejo
177 Concheiros do vale do Sado
181 O Mesolítico Final dos vales do Tejo e do Sado: estudo comparado
185 A componente macrolítica das indústrias fini- e pós-glaciárias: o
Languedocense, o Ancorense e o Mirense
188 O Mesolítico do litoral do Baixo Alentejo e costa vicentina
194 O Mesolítico do vale do Guadiana
195 O Mesolítico do litoral minhoto
197 O Mesolítico em outras regiões do país

199 III PARTE


201 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

205 7. O Neolítico Antigo


207 Estremadura e sul do País
218 Centro interior e norte do País

225 8. A Consolidação do Sistema Agro - Pastoril no Decurso do V e do IV


milénios a.C.

237 9. Manifestações Funerárias Neolíticas não Megalíticas

251 10. O Megalitismo no Território Português


253 Megalitismo funerário
253 Alto e Baixo Alentejo
265 Alto Ribatejo e Beira Interior
268 Beira Alta
273 Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes
281 Litoral centro: a região de Lisboa e a da Figueira da Foz
284 Algarve
286 Megalitismo não funerário
286 Menires
293 Cromeleques

297 11. Arte Megalítica

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309 IV PARTE
311 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

317 12. A Emergência das Primeiras Sociedades Complexas Peninsulares

319 Difusionismo versus indigenismo: o caso dos povoados fortificados da


Estremadura
326 Faseamento do Calcolítico da Estremadura
336 Metalurgia do cobre e comércio transregional
345 Calcolítico do Sudoeste
347 Alto Alentejo
351 Baixo Alentejo
357 Algarve
360 Calcolítico do centro e do norte

377 13. Manifestações Funerárias do Calcolítico


379 Aspectos arquitectónicos
385 Símbolos e rituais

393 14. O “Fenómeno” Campaniforme


398 Estremadura
398 Povoados
405 Necrópoles
409 Alentejo
409 Povoados
414 Necrópoles
416 Centro e norte
422 Aspectos sociais, económicos e culturais

429 15. A Transição do Calcolítico para a Idade do Bronze

435 16. A Arte Pós-Paleolítica de Ar Livre e de Abrigos Rupestres e as Estelas-


-menires e Estátuas-menires do Calcolítico e da Idade do Bronze
437 Complexo do vale do Tejo
440 A Arte dos abrigos sob-rocha
442 Arte esquemática do noroeste peninsular
446 Arte rupestre de ar livre em outras regiões
447 Estelas-menires e estátuas-menires do Calcolítico e da Idade do Bronze

451 17. O Bronze Pleno


453 Alentejo e Algarve: o Bronze do Sudoeste
462 Estremadura
467 O centro interior e o norte

473 18. O Bronze Final


476 Centro interior e norte
476 Povoamento, actividades económicas e organização social

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492 Necrópoles e rituais
497 Estremadura e Ribatejo
497 Povoamento, actividades económicas e organização social
507 Necrópoles e rituais
511 Alentejo e Algarve
511 Povoamento, actividades económicas e organização social
514 Necrópoles e rituais
518 Epílogo. O território português no quadro das solidariedades atlanto-
-mediterrâneas do Bronze Final

521 Bibliografia Geral

527 Bibliografia Especializada Seleccionada

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Apresentação e Objectivos Gerais

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O manual de Pré-História de Portugal da Universidade Aberta tem como
objectivo principal conferir ao estudante uma visão geral e coerente, numa
perspectiva eminentemente cultural, da evolução da ocupação humana do
território português desde os tempos mais recuados do Paleolítico até ao
Bronze Final. A circunscrição do âmbito da disciplina ao espaço geográfico
português, torna mais fácil a integração das doutrinas expostas na realidade
imediata e mais sugestiva e aliciante a aprendizagem: com efeito, crê-se ser
mais motivador para o estudante compreender, por exemplo, o processo de
neolitização do território que bem conhece, do que os mecanismos
explicativos do mesmo fenómeno na Indochina, como poderia ser o caso se
se tratasse, simplesmente, de uma disciplina de “Pré-História”.

As constantes alusões à Pré-História universal seriam, outrossim, dispersivas


e pouco relevantes para a caracterização da realidade em apreço. Por exemplo,
na Mesopotâmia, o fim da Pré-História deu-se há cerca de 5000 anos; no
Norte da Europa, há cerca de 1000 anos e em outras regiões do globo
continuaria ainda, não fosse a presença europeia: nenhuma destas realidades
tem objectivamente quaisquer relações entre si, sendo problemática a
organização de exposição com sequência lógica.

Mesmo com temática menos vasta, como é o caso, não é viável nesta disciplina
o tratamento circunstanciado de certas matérias, sobretudo as que revestem
aspectos práticos, como as técnicas de escavação ou de prospecção, os
cuidados de recolha no campo de materiais arqueológicos e os métodos de
registo gráfico e fotográfico de estruturas, materiais e estratigrafias. Estes
assuntos poderiam ser tratados numa disciplina do tipo “Introdução à
Arqueologia”, enquanto numa outra disciplina, que poderia designar-se de
“Pré-História Peninsular”, se integraria a realidade do nosso território num
contexto geográfico-cultural alargado. Também excluída, pelos motivos
apontados, fica a Hominização, a qual, em certas Faculdades, constitui a
parte essencial, quase exclusiva, de uma disciplina susceptível de ser
designada por “Génese e Evolução da Humanidade”, resultante da
semestralização das antigas disciplinas de Pré-História, de carácter anual,
como a da Universidade Aberta.

Na Universidade Aberta, o estudo da Pré-História tem natural seguimento


no da Proto-História, o qual também se reporta apenas ao território português;
uma e outra, em especial a segunda, encontram na disciplina de Civilizações
Pré-Clássicas, um bom complemento de aprendizagem, tratando, em parte,
de realidades e acontecimentos históricos que foram coevos daqueles que
decorreram nesta verdadeira finisterra e dos quais nos chegaram, no decurso
da Pré e da Proto-História, longínquos ecos. Em boa harmonia, a
Proto-História deverá iniciar-se onde termina o ensino da Pré-História. O
critério adoptado até ao presente na Universidade Aberta foi o de fazer do

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Bronze Final um período de transição, sendo tratado tanto neste manual de
Pré-História como nos materiais de aprendizagem da Proto-História. Crê-se
que em manual de Pré-História, o Bronze Final deve ser detalhadamente
tratado, sem esquecer a preocupação pelo equilíbrio interno global do manual;
com efeito, o Bronze Final, sendo das etapas cronológico-culturais mais curtas
– apenas uns escassos 500 anos – é, por via da riqueza informativa disponível,
um dos que suportaria uma abordagem mais longa e complexa. Crê-se que o
limite entre o que se deve dar em uma e outra das referidas matérias poderá,
futuramente, passar por conferir à Proto-História, apenas os aspectos da
ocupação território português no Bronze Final relacionados com as
informações das fontes escritas antigas, naturalmente entrosadas na realidade
arqueológica (material) recuperada, objecto de desenvolvido tratamento no
presente manual de Pré-História.

No caso português, os critérios, aliás, têm variado ao longo dos tempos: os


escassos manuais de ensino em língua portuguesa revelam tal
heterogeneidade. Com efeito, as “Lições de Pré-História”, de Jorge de
Alarcão, em edição ciclostilada não datada, para uso dos alunos universitários
(particularmente da Universidade de Coimbra), da década de 1960 (a última
referência bibliográfica é de 1966), trata matérias até à Idade do Ferro,
inclusivé; a “Pré-História de Portugal” de M. Farinha dos Santos (2.ª Edição
de 1972, 3.ª Edição de 1985) segue critério idêntico. Em obras mais recentes
(“Portugal Pré-Histórico – seu enquadramento no Mediterrâneo”, de O. da
Veiga Ferreira e M. Leitão (1.ª Edição de 1981) fez-se coincidir o final da
Pré-História com o campaniforme, excluindo-se, portanto, a Idade do Bronze,
que pertenceria já à Proto-História (em consonância com critério muito
praticado por pré-historiadores franceses), enquanto que, no volume da Nova
História de Portugal, coordenado por Jorge de Alarcão (1.ª Edição de 1990),
aquele limite corresponde ao Bronze Final, inclusivé. Tal foi o critério
adoptado neste manual, o qual se sucede ao publicado pela Universidade
Aberta, em 1992, da autoria de Armando Coelho da Silva, Luís Raposo e
Carlos Tavares da Silva, correspondendo a boa síntese dos conhecimentos
então vigentes.

Enfim, em 2002, veio a lume a “Pré-História de Portugal”, da Editorial Verbo,


do autor do presente Manual. Embora a organização das matérias agora
expostas tenha seguido os critérios gerais então adoptados – e outra não
poderia ser a alternativa – os conteúdos são significativamente diferentes,
bem como a extensão e o pormenor com que as matérias se expuseram, como
convinha a matéria leccionada a alunos universitários.

O progresso dos conhecimentos, nalguns casos espectacular, observado na


Arqueologia Pré-Histórica no decurso da última década, reflecte-se em quase
todos os domínios da matéria exposta, facto bem expresso nas fontes

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bibliográficas utilizadas; daí que haja a certeza de uma também rápida
desactualização, ao menos em alguns deles.

Outros poderiam ter sido, entretanto, os critérios de tratamento de algumas


matérias, os quais dependem, naturalmente, dos próprios autores: seja como
for, importa, em obra de síntese e de estudo, apresentar imagens aliciantes e
visualmente sugestivas, criteriosamente seleccionadas, partindo,
naturalmente, do princípio que é impossível ilustrar todos os aspectos referidos
no texto.

A bibliografia constante no final deste volume encontra-se apresentada em


dois grandes grupos: a geral e a especializada, de relevância circunscrita à
matéria tratada em cada um dos capítulos. A primeira, correspondente a lista
reduzida ao mínimo, destina-se a complementar a aprendizagem dos mais
interessados, dado o carácter auto-suficiente que se pretendeu conferir à
aprendizagem com base no manual. A bibliografia especializada foi também
objecto de apertada selecção, indicando-se apenas os trabalhos considerados
mais relevantes sobre a temática tratada, que correspondem a pequena parte
das menções contidas no texto, para não sobrecarregar desmesuradamente a
listagem bibliográfica. Mas os leitores poderão, em bases de dados
disponíveis, localizar as pretendidas obras, se a tão longe chegar o seu
interesse.

De qualquer modo, tanto o primeiro como o segundo grupo de referências


bibliográficas, não poderão ser entendidos como de consulta obrigatória pelo
estudante, longe disso: destinam-se sobretudo a facultar aos mais interessados
a informação necessária ao desenvolvimento dos seus conhecimentos,
eventualmente após a realização da própria disciplina, servindo, deste modo,
como informações que poderão consultar em qualquer altura, explorando
apenas uma ou outra área científica, das que integram o Programa, mais do
seu agrado ou interesse.

Importante para o sucesso do ensino de qualquer disciplina é a motivação


dos estudantes, que passa, por um lado, pela escolha do curso corresponder
a uma opção vocacional e não meramente circunstancial e, por outro, pelo
empenho que, tanto o aluno como o professor, dispensam às tarefas de
aprendizagem/ensino. Esta realidade tanto é válida para o ensino presencial
como para o Ensino a Distância. No caso particular da Pré-História,
exceptuando os estudantes das variantes de Arqueologia das licenciaturas
em História, ou das novas licenciaturas em Arqueologia, organizadas nas
Faculdades de Letras de Lisboa e do Porto, naturalmente com motivação
acrescida, os estudantes de História possuem, frequentemente, uma ideia
deturpada e pouco abonatória daquilo que vão aprender: seres primitivos,
lutando entre eles, contra o frio e as feras, fazem ainda parte de um imaginário
colectivo que é difícil redimir. Ao contrário, a Pré-História poderá constituir

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um poderoso elemento para a formação de todos, conferindo conhecimentos
básicos da realidade arqueológica e patrimonial do País, incentivando a
intervenções cívicas relevantes, para além de proporcionar à maioria dos
alunos uma dimensão até então insuspeitada da nossa realidade histórica.

A modificação daquelas ideias-feitas passa, no tocante ao Ensino a Distância,


pela observação de diversos pressupostos genericamente apresentados no
parágrafo anterior e que são, naturalmente, válidos para o caso concreto desta
disciplina. Não se pretende formar arqueólogos, nem isso é o objectivo dos
alunos inscritos: incentive-se o aluno a desenvolver o gosto pela Pré-História,
privilegiando a realização de fichas das actividades sugeridas; motive-se a
prática de leituras complementares, acompanhadas eventualmente por
indagações feitas no terreno, que podem revestir formas muito variadas, desde
inquéritos às populações tendo em vista a identificação de vestígios
arqueológicos, até à pesquisa de documentação publicada na Imprensa Local,
à qual dificilmente se tem acesso fora da área respectiva: e ter-se-ão
plenamente atingido os objectivos do ensino/aprendizagem de uma disciplina
cuja prática, por limitada que seja, e sem revestir carácter obrigatório, torna
mais motivadora a própria aprendizagem da matéria teórica. Tais acções,
favorecidas nos casos em que os estudantes se encontram familiarizados com
o próprio meio onde vivem (por dele fazerem parte intrínseca) ou nos casos
em que prestam serviço na “província”, contactando com muitos jovens que
podem carrear elementos arqueológicos de efectivo interesse, contribuem
para reforçar a ligação afectiva à região ou às suas gentes – quase sempre
meramente circunstanciais – ao mesmo tempo que propiciam trabalhos de
potencial valia científica, desde que devidamente enquadrados pela própria
Universidade.

Outra vertente de real interesse na ligação à Universidade é a da participação


em trabalhos arqueológicos de campo (prospecções e escavações arqueoló-
gicas) nas quais os alunos se mostram altamente motivados, empenhados e
úteis, sentindo-se, depois, muito mais à vontade e nas matérias a estudar, ou
na discussão das já estudadas. A participação em visitas de estudo a museus
e a estações arqueológicas constituem outros tantos modos de consolidação
dos conhecimentos teóricos adquiridos, se bem que as dificuldades da sua
concretização sejam evidentes para os alunos do interior mais isolados.

Enfim, a realização de seminários ou encontros informais sobre História Local


ou Regional, nos quais a Arqueologia e a Pré-História detêm importante
papel, organizados aos fins-de-semana, constituem verdadeiras acções de
formação, de validade indiscutível e baixos custos, podendo até dar algum
lucro (destinado à impressão das actas, por exemplo), caso se estipule um
preço de inscrição acessível. O Encontro de Arqueologia e História Regional
da Península de Setúbal, organizado pela Universidade Aberta em colaboração

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com a Câmara Municipal do Seixal em Maio de 1999, cujas Actas se
encontram publicadas pela Universidade Aberta, constituiu bom exemplo
de adesão dos alunos de História da Universidade Aberta a uma iniciativa
concreta neste domínio, onde a Pré-História da referida região foi devidamente
valorizada. Os cerca de cento e cinquenta participantes, na sua maioria alunos
da Universidade Aberta, comprovaram a valia da realização de tais eventos,
a que se seguiu o Colóquio Internacional “Os Púnicos no Extremo Ocidente”,
igualmente organizado pela Universidade Aberta, em Outubro de 2000 e, já
em Junho de 2004, o Colóquio “Evolução geohistórica do litoral português e
fenómenos correlativos. Geologia, História, Arqueologia e Climatologia”,
cujas Actas foram igualmente publicadas, e onde a participação de alunos da
Universidade Aberta foi também muito positiva. Há que procurar redobrar
esforços para aumentar a integração e interacção dos alunos com a
Universidade e os seus professores. Está-se consciente de que se trata de um
ensino massificado, com largas centenas de estudantes inscritos anualmente
nesta disciplina; mas, por isso mesmo, iniciativas como as referidas,
promovidas em articulação com os órgãos do poder local das diferentes
regiões do País – já que a Universidade Aberta tem expressão nacional –
terão significado acrescido, podendo conduzir a interessantes resultados.

Bem pode dizer-se do Ensino a Distância, tanto quanto do presencial, que,


só o estudo cuidadoso, continuado e empenhado conduz a bons resultados,
independentemente da idade, estatuto social ou local de residência de cada
um dos alunos da Universidade Aberta: o seu esforço é também um acto de
cidadania, condizente com a sociedade democrática em que vivemos.

O estudo da Pré-história deverá situar-se preferencialmente no início da


Licenciatura, conferindo aos alunos os conhecimentos essenciais que lhes
permitam compreender os fenómenos sociais que enformaram a marcha das
sucessivas comunidades humanas que ocuparam o território português:
primeiro, organizadas em bandos de caçadores e recolectores; depois, após
aquela que foi a maior das revoluções havidas na história humana – a
agricultura – agrupadas em tribos, onde os laços do sangue continuavam a
ser determinantes (sociedades tribais), mas que, mercê de rápida evolução,
culminaram com a consolidação das sociedades complexas e com a
estratificação social atingida no final da Pré-história. Estava-se, então, no
alvor de uma nova era, a das sociedades com escrita, a qual, no território
português, surge talvez no século VIII ou na primeira metade do seguinte,
em monumentos funerários, expressivos da necessidade de perpetuação das
elites então existentes. Concretizava-se uma diferença essencial face aos
períodos anteriores: na administração dos territórios dos proto-estados
emergentes, o poder já não residia na comunidade mas naqueles que a
dirigiam, detendo a escrita papel essencial em tal âmbito.

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Trata-se de um continuum, raramente se verificando rupturas com a realidade
pré-existente, sem negar o papel de contributos exógenos, nalguns casos
determinantes. Deste modo, é importante que o estudante, no termo desta
disciplina, tenha apreendido as principais linhas de força que ditaram e
caracterizaram a estrutura das sucessivas comunidades que ocuparam o
território português. Mais importante do que saber datas precisas, aliás
inviáveis em Pré-História e Proto-História, importa que os conteúdos deste
manual, relativos a uma área frequentemente menosprezada, em parte fruto
do véu de desconhecimento que tradicionalmente ainda paira sobre realidades
humanas tão longínquas, sirvam para melhorar a cultura geral dos estudantes
e, deste modo, contribuam para a compreensão da sua própria realidade:
com efeito, o ensino universitário pressupõe aquisição de conhecimentos;
mas a integração destes no quotidiano de quem aprende, faz parte, não já da
sua preparação para o exame, mas do processo da sua própria formação como
cidadão consciente. Sem a Pré-História, a adequada compreensão da História,
através das disciplinas subsequentes do Curso, tornar-se-á mais difícil.

A visão formativa e sintética, que se crê adequada a disciplina geral como


esta, não poderá ignorar que a Pré-História ou a Proto-História se fazem a
partir de evidências materiais recolhidas no terreno: a reconstituição da
realidade humana passa obrigatoriamente pelo conhecimento dos
paleoambientes e dos recursos potencialmente disponíveis em dada região,
que determinaram os próprios modelos de exploração ou de povoamento
adoptados em cada época. Sendo certo que o próprio sucesso das comunidades
humanas dependeu, pelo menos até ao início do Neolítico, dos recursos
naturais susceptíveis de se obterem pela caça/recolecção, torna-se evidente a
importância do conhecimento das características passadas dos respectivos
territórios (água, solos, climas, floras, faunas, em suma, da paisagem como
um todo, em permanente evolução) para a interpretação económica e social,
nas suas diversas componentes. Verifica-se, assim, uma das principais
características da Pré-História: tratando essencial-mente do conhecimento
do Homem, a começar pela recolha ou o registo dos dados, obtidos em
escavação, baseia-se, numa primeira etapa do conhecimento, em áreas
científicas diversas, com destaque para as Ciências da Terra. Tal realidade
obriga a um diálogo permanente do arqueólogo com uma multiplicidade de
fontes de informação, em ordem à reconstituição paleossocial e paleocultural,
que deverá ser o ponto de chegada, a síntese, elaborada à luz de modelos das
Ciências Humanas e Sociais, especialmente da História. No entanto, o
estudante desta disciplina não deverá ignorar que, em Pré-História, só os
factos de observação são realidades perenes: as interpretações que deles se
possa fazer variará, forçosamente, consoante o aperfeiçoamento das doutrinas
ou o surgimento de novas formas e técnicas de abordagem da realidade
material recuperada. É até possível que a mesma soma de elementos suscite
interpretações diversas, por parte de pré-historiadores contemporâneos,

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fazendo uso de modelos diferentes: nisso reside uma das riquezas da
reconstituição arqueológica, que não deverá ser encarada como fraqueza,
desde que devidamente fundamentada.

Importa, no entanto, ter ciente que uma das condições para a qualidades dos
modelos, é a própria a qualidade dos dados utilizados: assim se afirma o
pré-historiador, primeiro como produtor primário de dados científicos, depois
como seu manipulador, prática onde deverá integrar os elementos resultantes
de trabalho pluridisciplinar cujo pleno significado na perspectiva da
reconstituição humana lhe cumpre valorizar. Trata-se, enfim, de conhecer o
homem pré-histórico a partir dos testemunhos materiais das suas actividades,
tanto as quotidianas como as de carácter religioso ou funerário, tão
heterogéneas quanto diversos foram os gestos e comportamentos que
estiveram na sua origem. Conhecimento irremediavelmente incompleto e
fragmentário: disso há que ter plena consciência.

Tendo presente o que ficou dito, espera-se que o estudante, de posse dos
elementos facultados pela leitura deste manual, complementados
eventualmente pela bibliografia sugerida, desenvolva as suas capacidades
críticas de análise e de síntese da informação disponível, incentivadas pelos
objectivos de aprendizagem indicados para cada capítulo, bem como pelas
actividades sugeridas, as quais podem entender-se como extensão dos
conhecimentos entretanto adquiridos, visando a sua consolidação. O que é
essencial, repita-se, é que os alunos comprendam a natureza dos processos,
eminentemente sociais, que determinaram a evolução das sociedades
pré-históricas que ocuparam o território hoje português, estudadas a partir
dos restos materiais conservados no solo.

O Programa apresentado deve constituir um elemento de orientação fiável


para a aquisição de conhecimentos por parte dos alunos, afinal o seu objectivo
mais imediato.

Na organização deste vasto Programa, tendo em consideração que se trata de


disciplina semestral que inclui a Proto-História, houve critérios que
determinaram a eleição de certas matérias e o tratamento mais superficial de
outras. Assim, por exemplo, no tocante aos métodos de datação, embora seja
desejável que o estudante saiba quais são os de aplicação mais usual em
Arqueologia e quais as limitações de cada um deles, não seria possível tratar
todos com a profundidade requerida pela complexidade de alguns deles,
remetidos para outras leituras. Da mesma forma, não serão tratados os
mecanismos biológicos da hominização, embora se refiram os principais
protagonistas de tal evolução, em estreita correlação com a crecente
complexidade dos produtos do seu génio criativo. As razões são óbvias:
trata-se de matéria de evidente complexidade, sobre a qual os próprios
especialistas não reúnem muitas vezes consenso, a que acresce a rápida

19
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evolução dos conhecimentos produzidos. Da mesma forma, evitou-se o
tratamento teórico das diversas correntes de pensamento e prática
arqueológica (Arqueologia comportamental, experimental, processual,
espacial, estruturalista, marxista, teórica, etc.), embora a bibliografia geral
refira diversos trabalhos recentemente produzidos em Portugal, susceptíveis
de serem lidos com proveito por estudantes mais interessados. Com efeito,
não se crê vantajosa a discussão destas matérias numa disciplina geral de
Pré-História e Proto-História de Portugal, na qual seriam, forçosamente,
tratadas antes de os estudantes poderem, sequer, ter uma ideia do objecto da
discussão, produzindo-se provavelmente, na maioria deles, escusado
desalento. Teve-se presente, em contrapartida, a necessidade de apresentar
as matérias como o resultado de um longo processo de maturação, que, em
Portugal, se iniciou em meados do século XIX, entrosando-se directamente
na história das ideias e das mentalidades: por isso se considerou necessário o
desenvolvimento, em parágrafo próprio, da história das investigações
pré-históricas em Portugal, das origens aos nossos dias (e não apenas até ao
princípio do século XX, como tem sido usual). É importante que o estudante
compreenda a trajectória e vicissitudes das investigações neste domínio, as
quais explicam, em grande parte, a natureza dos conhecimentos actuais e as
assimetrias, ainda verificadas, entre as diversas regiões do País, no tocante
ao conhecimento do seu passado pré-histórico.

Nota importante: Os elementos sobre cronologia absoluta obtidos pelo


método do radiocarbono, indicam-se em "anos BP" (BP = "Before Present")
e em "anos a. C.", correspondendo, neste último caso, a anos de calendário,
calculados depois da calibração dos resultados, em "anos BP", recorrendo a
qualquer uma das curvas de calibração desenvolvidas desde a década de 1980.
As datas, depois de calibradas, são expressas através de um intervalo de
confiança, o qual, na presente obra, se refere sempre a uma probabilidade
próxima de 95% (2 sigma); tal significa que a data real se deve encontrar,
com a referida probabilidade, dentro daquele intervalo de confiança.

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I. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A I Parte constitui uma introdução à matéria tratada. É nesse âmbito que se


integra a história breve das investigações pré-históricas em Portugal. Importa
que o estudante compreenda, numa perspectiva histórica, a emergência da
Pré-História como disciplina científica, tanto à escala europeia como em
Portugal; que ela é a resultante da aplicação de vários saberes; e que para o
pré-historiador importa a recuperação de todos os testemunhos materiais
susceptíveis de informarem sobre o passado humano de determinada
comunidade, ou conjunto de comunidades. Trata-se do conceito de "cultura
material", baseado no registo artefactual, de incidência geográfica e
cronológica, incluindo o seu aproveitamento para a interpretação paleossocial,
indissociável de um determinado quadro geo-ambiental.

De entre as actividades que o estudante poderá desenvolver, destaca-se a


seguinte:

- traçar a biografia de um arqueólogo português, inserindo-a no contexto


científico da época, ou, em alternativa, narrar a história da investigação
arqueológica de uma determinada área geográfica precocemente
investigada.

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1. Antecedentes Históricos

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É lugar comum dizer-se que a Pré-História corresponde ao período da história
humana antes da invenção da escrita. Isto significa que os seus documentos
de estudo são aqueles que o grande arquivo da terra põe à disposição de
quem se disponha a explorá-lo. Trata-se do arqueólogo, que se ocupa,
mediante a aplicação de métodos adequados, da recuperação científica de
tais vestígios, correspondentes à presença de comunidades humanas pretéritas,
entretanto conservados na terra.
Assim sendo, facilmente se compreende que as balizas cronológicas referentes
ao mais longo período da história da Humanidade sejam díspares, consoante
a área geográfica em causa: ainda hoje existiriam numerosas sociedades
(bosquímanos, papuas, aborígenes australianos, esquimós, etc.) com uma
economia de caça/recolecção pura (correspondente na Europa ao Paleolítico
e ao Mesolítico), não fossem os contactos entretanto havidos com os Europeus
e a aculturação rápida e quase sempre desarmoniosa daí resultante.

Com a descoberta do Novo Mundo, a velha Europa teve os primeiros contactos


com populações com costumes bem mais primitivos que os seus, o mesmo
se verificando com a África negra. Dispondo de termos de comparação
directos, observados e descritos pelos viajantes, começou a despontar nas
elites europeia renascentistas a ideia da existência de uma Humanidade
primitiva, anterior à época Clássica, aliás patente nos enigmáticos
monumentos do Egipto faraónico, já antigos no tempo dos Gregos. Embora
os séculos XVI e XVII correspondam ainda a uma época de total
desconhecimento da Pré-História, a redescoberta das civilizações clássicas
levou à leitura de autores como Lucrécio, que já indicava uma idade em que
depois da utilização da pedra, se tinha descoberto o uso do bronze e, finalmente
o do ferro, para a confecção de armas e utensílios. É também no sentido de
atribuir uma alta antiguidade, por vezes sacralizada, aos instrumentos líticos,
que autores romanos referem o uso de instrumentos de sílex: Tito Lívio refere
que, antes de combater, os Horácios procediam a um ritual onde o animal a
imolar era retalhado por sílices; e Heródoto menciona facas de sílex, utilizadas
nos embalsamamentos egípcios; a própria Bíblia menciona o uso de facas de
sílex utilizadas na prática da circuncisão. Neste mesmo sentido, começaram
produzir-se obras sobre as então consideradas mais recuadas provas da
humanidade primitiva. É o caso da Metallotheca Vaticana, da autoria de
Mercati (1541-1593), director do Jardim Botânico do Vaticano, escrita em
1535 mas apenas impressa em 1717, na qual se apresenta pela primeira vez
uma terminologia aplicada às indústrias líticas pré-históricas, baseada nas
informações fornecidas pelas populações primitivas actuais, que ainda as
utilizavam no seu quotidiano; assim, o termo Ceraunea cuneata referia-se
aos machados de pedra e o de Ceraunea vulgatis às pontas de flecha. É nessa
linha de trabalho, que também se insere a obra do padre jesuíta Lafitau (1724),
um estudo comparativo entre os costumes dos índios norte-americanos e os

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dos primeiros tempos da Humanidade, decritos pelos autores antigos,
particularmente por Homero, na Odisseia.

Um ano antes (1723), Jussieu apresentou uma Memória à Academia Real


das Ciências de Paris intitulada Da origem e utilização das Pedras de Raio.
Por pedras de Raio eram e ainda hoje são designados, pelas gerações
campesinas mais antigas do nosso País, os machados de pedra polida, que
acreditam caídos do céu, correspondendo à ponta do raio, cujo impacto os
escondeu na terra, onde são frequentemente recuperados no decurso dos
trabalhos agrícolas. É nesta obra que, verdadeiramente, são lançados os
fundamentos para uma tipologia comparada de tais artefactos, concluindo o
autor que a Europa já havia sido habitada por populações que fabricavam
armas e utensílios iguais aos ainda então em uso no Novo Mundo,
correspondendo-lhes, por isso, estádios civilizacionais comparáveis.

Outros autores franceses do século XVIII também se distinguiram na procura


do conhecimento das raízes mais longínquas do passado histórico da Europa,
tomando como comparação a realidade etnológica oferecida pelos povos
primitivos, à época cada vez melhor conhecidos: é o caso de Mahudel, que
alargou a classificação dos utensílios pré-históricos para sete tipos ou
variedades, ainda que fortemente condicionado pela cronologia bíblica, a
qual apenas é posta em causa no século XIX. É a fase dos pioneiros e dos
coleccionadores de antiguidades, muito influenciados pelos autores clássicos
e pela cronologia bíblica nas suas interpretações do passado pré-histórico
europeu: ainda que tivessem presentes os princípios da Etnologia comparada,
conducentes a trabalhos inovadores como os referidos, faltava-lhes o suporte
científico, sem o qual não passavam de meros exercícios especulativos, mais
ou menos eruditos.

Alguns portugueses do século XVIII também não foram indiferentes aos


testemunhos pré-históricos, embora dessem, como seria de esperar, maior
importância aos vestígios da antiguidade clássica, mais fáceis de identificar
e de estudar, proporcionando, além disso, fértil campo para cultivar e
desenvolver os mais diversos e eruditos considerandos, por vezes fantasiosos,
sobre tais vestígios.

Gerónimo Contador de Argote publicou, no segundo volume das suas "Memo-


rias para a Historia Ecclesiastica do Arcebispado de Braga" (Lisboa, 1734),
bela gravura sobre cobre, datada de 1735, representando, ao gosto barroco
da época, um painel insculturado, com representações artísticas esquemáticas
e abstractas, patente em uma rocha sobre o Douro no "termo da villa de
Anciaens". Trata-se da célebre estação de arte rupestre do Cachão da Rapa,
integrável no ciclo artísitico esquemático do Calcolítico/Idade do Bronze da
região galaico-portuguesa, a qual foi redescoberta por J. R. dos Santos Júnior
e por este publicada convenientemente, dois séculos volvidos (Santos Júnior,

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1934). Ao que se saiba, a gravura setecentista corresponde à primeira
representação da arte pré-histórica europeia; só isso, além da sua beleza
artística, justificaria que fosse internacionalmente conhecida, como merece;
o injustificado esquecimento explica-se, como em outros casos, pela periférica
posição de Portugal no âmbito da circulação de ideias, desde o século XVII
até aos nossos dias, inviabilizando adequada divulgação de certas criações
científicas excepcionais, como é o caso da obra em causa. Fig. 1

Portugal dispunha, então, de uma Academia Real dedicada aos estudos


históricos, a Academia Real da História Portuguesa, fundada em 8 de
Dezembro de 1720 por D. João V, uma das mais antigas da Europa no seu
género, com o objectivo de realizar "a Historia Ecclesiastica destes Reynos,
e depois tudo o que pertencer a Historia delles, e de suas Conquistas". A
Academia funcionou com grande pujança e actividade, vindo porém a sua
actividade a decair, cessando as manifestações publicas ao longo da segunda
metade so século XVIII, sem, no entanto, jamais se declarar oficialmente
extinta.

Logo no ano seguinte ao da criação, a 17 de Agosto de 1721, é publicado um


"Alvara de Ley" que previa a obrigação de, tanto as entidades privadas como
públicas, com destaque para as Câmaras Municipais, promoverem a defesa e
salvaguarda de bens patrimoniais móveis e imóveis, desde que com interesse
para a História pátria, incluindo os da antiguidade. Assim se determinava:

... que daqui em diante nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade, e


condição que seja, desfaça, ou destrúa em todo, nem em parte, qualquer
edificio, que mostre ser daquelles tempos, ainda que em parte esteja
arruinado; e da mesma sorte as estatuas, marmores, e cippos, em que
estiverem esculpidas algumas figuras, ou tiverem letreiros Phenîces,
Gregos, Romanos, Goticos e Arabicos; ou laminas, ou chapas de qualquer
metal, que contiverem os ditos letreiros, ou caracteres; como outro-si
medalhas, ou moédas, que mostrarem ser daquelles tempos, nem dos
inferiores até o reynado do Senhor Rey D. Sebastiaõ.

Tais disposições, como é evidente, não abrangiam os testemunhos


pré-históricos, ainda então completamente desconhecidos como tal: a maior
antiguidade é atribuída à presença fenícia. No documento "Reflexoens sobre
o estudo Academico", datado de Lisboa de 18 de Dezembro de 1720,
estabelecia-se que as matérias seriam divididas pelos académicos por ordem
cronológica, "escrevendo o primeiro as memorias da antiga Lusitania atè a
Conquista dos Romanos ...". Com o objectivo de se recolherem informações
de todo o reino sobre as matérias do âmbito académico, organizou-se um
extenso questionário, cujas respostas deveriam ser enviadas ao Secretário da
Academia.

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© Universidade Aberta
Os resultados que entretanto se obtiveram, no respeitante à Pré-História, foram
em parte objecto de uma memória, publicada em 1733, de Martinho de
Mendonça de Pina e de Proença, sobre as antas, que atribuiu a altares. No
ano seguinte, o Padre Afonso da Madre de Deus Guerreiro apresentou à
Academia um inventário de 315 monumentos desse tipo, o qual infelizmente
se perdeu.

Logo no início do século XIX despontou, com bases científicas, a Geologia,


ciência nova vocacionada para o estudo da Terra e para o conhecimento das
características e antiguidade dos seres vivos que a habitaram, com base nos
vestígios conservados nos terrenos. Contudo, os próprios dados geológicos
observados em diversos países, tanto do Velho como do Novo Mundo,
serviram, inicialmente, de argumento para rebater a a ideia de uma alta
antiguidade da espécie humana. Os mais sólidos considerandos nesse sentido
foram aduzidos por Cuvier, célebre paleontólogo francês, que demonstrou
que os restos supostamente humanos (conforme julgava Scheuchzer) de um
indivíduo atingido pelo Dilúvio Universal, encontrado no século XVIII nos
calcários mesosóicos dos Alpes suíços – o Homo diluvii testis – pertenciam
na verdade a uma salamandra. Cuvier, que se notabilizou pelas reconstituições
anatómicas de espécies extintas há muitos milhões de anos, com base nas
suas semelhanças anatómicas com animais vivos, lançando as bases da
Anatomia Comparada, postulou que a evolução da crosta terrestre fora pautada
por curtos períodos de convulsões generalizadas (a teoria catastrofista), muito
anteriores à presença do Homem, visto que, de entre os milhares de restos
observados oriundos de camadas geológicas anteriores às da época actual,
jamais reconheceu um que se pudesse atribuir à espécie humana. Na sexta
edição da sua obra mais conhecida, "Discours sur les révolutions de la surface
du Globe", editada ainda em vida do Autor, este é taxativo a tal respeito
(Cuvier, 1830, pp. 135, 136):

Il est certain qu’on n’a pas encore trouvé d’os humains parmi les fossiles
(...).
Je dis que l’on n’a jamais trouvé d’os humains parmi les fossiles, bien
entendu parmi les fossiles proprement dits, ou, en d’autres termes, dans
les couches régulières de la surface du globe; car dans les tourbières, dans
les alluvions, comme dans les cimetières, on pourrait aussi bien déterrer
des os humains que des os de chevaux ou d’autres espèces vulgaires (...);
mais dans les lits qui recèlent les anciennes races, parmi ls palaeothériums,
et même parmi les éléphants et les rhinocéros, on n’a jamais découvert le
moindre ossement humain.

Nestes termos, facilmente se compreende a polémica que estalou em França,


onde a autoridade de Cuvier era indiscutível, quando se pretendeu, pela
primeira vez, comprovar a antiguidade da espécie humana, pela associação
de produtos da sua actividade – os artefactos talhados em sílex – com restos

30
© Universidade Aberta
de espécies extintas, nos depósitos aluviais do vale do Somme, perto de
Abbeville, onde, por essa mesma época, começaram a ser recolhidos em
grande quantidade. Com efeito, tais peças, ocorriam associadas a restos de
espécies extintas – precisamente elefantes e rinocerontes, entre outras,
realidade que, poucos anos antes, fora negada por Cuvier – primeiro por
Casimir Picard, logo depois por Boucher de Perthes, que se pode considerar
verdadeiramente o primeiro pré-historiador; este justo título baseia-se na sua
monumental obra, "Antiquités celtiques et antédiluviennes", publicada em
Paris, em três volumes, entre 1847 e 1864.

Face a estes resultados, a Academia das Ciências de Paris decidiu nomear


uma comissão, a qual, não obstante as diligências de Boucher de Perthes,
nunca se deslocou ao terreno. O empenho deste não esmoreceu. Em 1859,
uma delegação de geólogos ingleses visitou os locais em causa e, de
impugnadores, passam a defensores das descobertas; entre eles destaca-se
Charles Lyell, que, depois de ter publicado os "Principles of Geology
(1.ª Edição, 1833), que o celebrizou, deu à estampa outra obra directamente
ligada à discussão da antiguidade do Homem, "The geological evidences of
the antiquity of Man" (Londres, 1863). Ainda em 1859, Albert Gaudry
apresentou à Academia das Ciências de Paris uma comunicação em que
admitiu a coexistência do Homem com espécies extintas, cujos restos
apareciam associados; uma evidência, para nós hoje incontroversa, arrastar-
se-ia de modo inconclusivo por décadas, nos meados do século XIX, tendo
suscitado a mais viva das polémicas e ocupado os mais brilhantes especialistas
de então. Em Portugal, ainda no último quartel do século XIX se publicava,
com o patrocínio do clero conimbricense, obra que negava a simples existência
do Homem Pré-Histórico, bem como a das três Idades, da Pedra, do Bronze
e do Ferro, entretanto já claramente demonstradas (Azevedo, 1889).

Como declarou Carlos Ribeiro (1873, p. 3), a propósito desta questão, Fig. 2

Ainda em 1860 a Academia Real das Sciencias de Paris se assustou por tal
fórma com a nota que lhe apresentára o respeitavel paleontologista E. Lartet
sobre a antiguidade geologica da especie humana, que se absteve de a
publicar, e apenas consentiu que nos seus compte-rendus se fizesse menção
do título.

Em 1863, um fragmento de mandíbula humana – que mais tarde se verificou


ser moderna – foi encontrada em Moulin-Quignon, Abbeville. Quatrefages
considerou-a da mesma época dos depósitos onde jazia. Então, a situação
inverte-se: enquanto a comunidade científica francesa começava a aceitar a
autenticidade das descobertas de Boucher de Perthes, os sábios ingleses
recuaram. Falconer, antes defensor, escreveu uma carta ao jornal "The Times",
declarando, em seu nome e no de outros que o tinham acompanhado em
1859, que se tinha enganado. Este volte-face não era estranho à polémica

31
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que se instalara em Inglaterra naquele mesmo ano de 1859, aquando da
publicação da 1.ª Edição da célebre obra de Charles Darwin "On the Origin
of Species". A opinião pública, em parte instigada pela Igreja Anglicana,
constrangia a comunidade científica. E, no entanto, a realidade arqueológica
não se afigurava incompatível com a tradição bíblica, no concernente ao
Dilúvio Universal. Como bem assinalou M. Farinha dos Santos (Santos, 1980,
p. 254),
O Dilúvio existiu, reflectindo, na memória colectiva, um grande
acontecimento natural que ocorreu há milénios, a última glaciação e suas
esmagadoras consequências (...).

Modernas investigações, conduzidas nas décadas de 1980 e de 1990,


mostraram que, entre 13 000 e 11 000 anos antes do presente, o nível marinho
na costa portuguesa, subiu cerca de 60 m, alagando bruscamente vastos
territórios, então ocupados por bandos de caçadores-recolectores do
Paleolítico Superior. É fácil imaginar os profundos impactes que o fenómeno
induziu na vivência das populações, obrigadas a alterar drasticamente, e em
curto espaço de tempo, o seu quotidiano e bases de subsistência. O mesmo
terá ocorrido mais tarde, logo no início do período pós-glaciário, que
inaugurou nova época geológica, o Holocénico: cerca de 10 000 anos atrás,
o contínuo aquecimento climático provocou nova subida do nível do mar, de
cerca de 40 m em apenas 2000 anos, o qual, há cerca de 8000 anos, atingia a
batimétrica -20 m (Dias, 1987; Dias et al., 1997), induzindo novas
perturbações na vida das populações ribeirinhas, as quais se terão conservado
na memória colectiva de algumas comunidades mais atingidas do oriente
mediterrâneo, dando origem ao mito diluviano.

Não se esqueça, por outro lado, que as preocupações de concatenar os


progressos científicos com os dogmas da Igreja preocupou desde o início do
século XIX vários sábios, e não apenas os teólogos. De entre os Portugueses
daquela época que se interessaram pela discussão de tão sensível assunto,
merece referência especial o Marechal-Duque de Saldanha, que, na sua obra
"Concordancia das Sciencias Naturaes e principalmente da geologia com o
Genesis, publicada sucessivamente em Viena de Austria (1845) e em Roma
(1863), declarou (Saldanha, 1845, p. 48):

Mas a possibilidade de serem as regioens que o homem habitava


submergidas não é uma idea nova de Cuvier, não é uma supposição gratuita;
porque, se a sciencia prova evidentemente que muitas das regioens que os
homens hoje habitam já foram mares, que os mares occupam agora terrenos
que já foram habitados pelos homens é um facto provado pelas palavras de
Moises, que clara e positivamente assim affirma no v. 3 c. 14 do Genesis:
"Todos estes Reis se ajuntáram no Valle das Arvores, aonde agora é o Mar
Salgado".

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© Universidade Aberta
Nesta obra, o autor admitiu, portanto, a existência de uma Humanidade
antediluviana, aliás suportada pelo texto sagrado.

Compreende-se, pois, a importância do achado da mandíbula de


Moulin-Quignon, que, imediatamente, deu origem à constituição de uma
comissão paritária anglo-francesa para avaliar a sua pretensa antiguidade.
Em Maio, os seus membros reuniram-se no Muséum National d’Histoire
Naturelle de Paris; sem que se tivesse chegado a acordo, resolveram deslocar-
se ao local da descoberta. As dúvidas então desvaneceram-se, como consta
do acórdão final, redigido por Milne-Edwards (Cardoso, 1993). Eis como
um erro científico pode, em certas circunstâncias, ser benéfico para o
progresso dos conhecimentos, já que a creditação do achado incentivou outras
investigações.

Data também dessa época a afirmação da Arqueologia nos Países Nórdicos,


onde os testemunhos de várias épocas se conservaram excelentemente nas
turfeiras, exibindo características próprias, sem influências das culturas
clássicas, uma vez que ali jamais chegaram Gregos ou Romanos. Foi, no
entanto, no Norte Escandinavo, que o texto de Lucrécio, sobre a existência
das três idades sucessivas na marcha da Humanidade: da Pedra; do Bronze;
e do Ferro foi, pela primeira vez, cabalmente confirmado por Thomsen (1848)
e estas depois subdivididas por Worsaae, tornando evidentes a qualidade e o
avanço da arqueologia nórdica.

Por todo o lado, os nacionalismos encontravam-se então em plena afirmação.


Não espanta que as descobertas arqueológicas também fossem utilizadas
para os justificar, legitimando prioridades ou diferenças, sem esquecer que
os primórdios da Humanidade a todos dizia respeito, sendo, assim, um
contributo que todas as nações cultas deviam prestar para viverem em
comunhão com as restantes (Ribeiro, 1873, p. 91).

Era este o espírito que animava, também em Portugal, os pioneiros da Segunda


Comissão Geológica, desde o momento da sua criação, em 1857. Não
ignoravam os progressos produzidos na Arqueologia além-fronteiras: disso
é prova a abundante correspondência de âmbito arqueológico trocada com
os seus pares (Cardoso & Melo, 2001) e, ainda, a abundância de citações que
pontua as suas obras, resultado de leituras que denotam a actualização dos
seus conhecimentos.

Deste modo, os trabalhos de Carlos Ribeiro (1813-1882), Pereira da Costa


(1809-1889) e Nery Delgado (1835-1908) vieram provar que, também em
Fig. 3
Portugal, à semelhança de outros países europeus onde os estudos pré-
históricos tinham começado há mais tempo e se encontravam mais
desenvolvidos, era possível alcançar o conhecimento de um passado humano
muito para além dos documentos escritos, ou da tradição oral, apoiado nos

33
© Universidade Aberta
testemunhos materiais que nos chegaram, os quais eram então pela primeira
vez retirados dos vastos arquivos das grutas e dos terrenos onde jaziam, e
interpretados com base, respectivamente, nos métodos estratigráfico e
tipológico, afinal os mesmos que, hoje ainda, presidem às modernas
escavações arqueológicas. Cabe, porém, a Nery Delgado, a autoria, em 1865,
da primeira escavação arqueológica em uma gruta ocupada pelo homem
pré-histórico, onde os testemunhos paleontológicos de espécies extintas
aparentemente coexistiam com os arqueológicos. O rigor científico seguido
Fig. 4 por Nery Delgado, tanto na escavação da gruta da Casa da Moura (Óbidos)
como na vizinha gruta da Furninha (Peniche), em 1880, deram origem a
monografias, decorrentes de técnicas de escavação, que, ainda hoje, se podem
considerar modelares. Tal conclusão é com efeito apoiada pela forma como
as peças se encontram individualmente etiquetadas, com menção das
Fig. 5
respectivas camadas e profundidades de colheita, sendo ainda visíveis outras
indicações, no caso da gruta da Casa da Moura, que mostram ter sido o
espaço escavado previamente dividido por quadrícula, em relação à qual foram
referenciadas as peças encontradas. O título da monografia arqueológica
publicada apenas dois anos volvidos (Delgado, 1867), desde logo evidencia
a principal preocupação do autor, aliás em sintonia com uma das questões
científicas mais candentes, a que já se fez referência: a demonstração científica
da antiguidade da espécie humana. O próprio título: "Da existencia do Homem
no nosso solo em tempos mui remotos provada pelo estudo das cavernas –
primeiro opusculo. Noticia acerca das grutas da Cesareda" é bem expressivo
de tal preocupação, em total sintonia com o espírito dos seus colegas que,
por toda a Europa, procuravam coligir provas daquela antiguidade. Nesta
obra, é notório o cuidado dispensado à própria exploração, decapando os
depósitos camada por camada, prática a que não era estranha a sua formação
geológica, como acontecia com a maioria dos pré-historiadores europeus da
sua época:

Levantando o entulho, uma camada após outra, fácil nos foi recolher todos
estes objectos, sabendo-se sempre a altura a que tinham sido achados n’um
ou n’outro ponto da gruta. (DELGADO, 1867, p. 46).

Caso esta publicação tivesse atingido um público mais alargado, talvez o


célebre morfotipo humano moderno, designado por "Cro-Magnon", fosse
conhecido por designação portuguesa (Zilhão, 1993), dada a hipótese de
uma calote craniana humana poder provir do depósito inferior e, deste modo,
ser do Paleolítico Superior (Nery Delgado dá-o como oriundo da parte mais
profunda do entulho remexido mas já de época neolítica). Apesar de tudo, e
tendo presentes as reservas quanto à sua verdadeira antiguidade, já na época
fora dado o merecido realce a esta peça. É o caso de W. Boyd Dawkins que,
na sua bem conhecia obra, "Cave Hunting, researches on the evidence of
caves respecting the early inhabitants of Europe", publicada em Inglaterra

34
© Universidade Aberta
em 1874, apresenta uma desenvolvida referência não só a esta descoberta,
mas aos trabalhos efectuados na gruta e principais resultados publicados.

A importância internacional granjeada ao tempo pelas investigações


arqueológicas desenvolvidas pela Segunda Comissão Geológica de Portugal
encontra-se bem evidenciada pela já aludida correspondência trocada entre
os seus dirigentes, a qual se estendia, frequentemente, à troca de espécimes
arqueológicos entre as diversas instituições. É essa prática, então comum,
que justifica o envio a John Evans, eminente arqueólogo inglês, de uma
colecção de objectos pré-históricos portugueses (Cardoso & Melo, 2000,
carta n.º 8), entre os quais alguns da Casa da Moura. Essas peças ainda hoje
se encontram expostas, no Ashmolean Museum, Cambridge.

Anteriormente, no ano de 1863, efectuaram-se as primeiras escavações


arqueológicas nos concheiros mesolíticos ribeiras de Magos e de Muge
(concelho de Salvaterra de Magos), afluentes da margem esquerda do rio
Tejo, por iniciativa de Carlos Ribeiro, seu descobridor, cujos resultados foram
publicados por F. Pereira da Costa (Costa, 1865). De igual forma, o título
geral da publicação, "Da existencia do Homem em epochas remotas no valle
do Tejo – primeiro opusculo. Noticia sobre os esqueletos humanos descobertos
no Cabeço da Arruda", evidencia a preocupação da demonstração da
antiguidade do povoamento do território hoje português. Pereira da Costa
denota pleno domínio do objecto do seu estudo, mostrando-se completamente
informado dos progressos efectuados além fronteiras neste tipo de depósitos,
confirmando a alta valia científica do seu trabalho, que um diferendo com
Carlos Ribeiro, seguido da extinção da Segunda Comissão Geológica, cuja
direcção com aquele partilhava (em 1868), viria a pôr termo, apesar de só
falecer vinte anos depois (1889). A monografia dedicada ao concheiro
mesolítico do Cabeço da Arruda, corresponde, pois, à primeira obra de carácter
científico relativa a uma estação pré-histórica portuguesa (1865).

Volvidos três anos (1868), F. Pereira da Costa apresentou sob o título genérico
"Noções sobre o estado prehistorico da Terra e do Homem" – igualmente
esclarecedor quanto às preocupações últimas a atingir – a obra "Descripção
de alguns dolmins ou antas de Portugal". Assim se inauguravam os estudos
sobre o Neolítico em Portugal, com continuidade nas monografias
apresentadas por Carlos Ribeiro à Academia Real das Sciencias de Lisboa
em 1878 sobre o povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras) e, em 1880, sobre
os monumentos megalíticos da região de Belas (Monte Abrão e Pedra dos
Mouros, a gruta artificial de Folha das Barradas e a tholos do Monge (ambos
no concelho de Sintra).

Plenamente comprovada na Europa a antiguidade quaternária (ou


antediluviana) da espécie humana na década de 1860, importava ir ainda
mais longe na busca das origens. É nessa preocupação, comum a

35
© Universidade Aberta
investigadores diversos da Europa Ocidental, que se devem inscrever as
investigações de Carlos Ribeiro sobre o "Homem terciário português". Com
efeito, Carlos Ribeiro contava-se entre os poucos pré-historiadores de então
que tinham contribuído, com achados efectivos, para a discussão do Homem
Terciário, instalada na Europa da segunda metade do século XIX. Remontam
a 1866 as primeiras publicações de peças líticas supostamente talhadas – os
"Eólitos" – num primeiro opúsculo sobre a geologia das bacias sedimentares
do Tejo e do Sado; tendo em vista os conhecimentos de então, os respectivos
depósitos foram dados por quaternários. Em 1871, Carlos Ribeiro
reconsiderou a inclusão no Quaternário destes depósitos, apesar das peças
supostamente talhadas neles encontradas, dos quais os mais relevantes se
desenvolviam na região de Ota, na margem direita da bacia do Tejo. A análise
estratigráfica, com base em critérios estritamente geológicos, conduziu-o a
incluí-los no Terciário, sendo, consequentemente, terciária, a época dos
Fig. 6 pretensos artefactos (Ribeiro, 1871). Tal foi a relevância científica dada aos
mesmos, que, no ano seguinte (1872), uma selecção dos melhores foi
apresentada por Carlos Ribeiro na Sexta Sessão do Congresso Internacional
de Antropologia e de Arqueologia Pré-Históricas, reunida em Bruxelas. Os
resultados foram, no entanto, recebidos globalmente com cepticismo,
levantando-se dúvidas, ou sobre a autenticidade das peças apresentadas,
cumulativamente, sobre a idade dos próprios terrenos que, para alguns
congressistas, poderiam ser mais recentes do que julgava Carlos Ribeiro. O
esclarecimento desta questão motivou outra intervenção, também publicada
nas respectivas Actas (Ribeiro, 1873, a, b). Não desanimou, porém, o nosso
geólogo. Por ocasião da Exposição Internacional de Paris, de 1878, Carlos
Ribeiro levou consigo 98 exemplares que então ali foram expostos. Deste
conjunto, Gabriel de Mortillet, separou vinte e dois, nos quais admitiu
vestígios irrefutáveis de trabalho humano, chegando mesmo a reproduzir
seis deles em 1879 e, depois, em 1885, no seu manual, de larga difusão
internacional, "Le Préhistorique" (Mortillet, 1885, p. 99, nota 1). Também
em 1885, E. Cartailhac publicou oito de tais exemplares e, mais tarde, três
(Cartailhac, 1886, Fig. 6-11). Começava, pois, a dar frutos, a persistência de
Carlos Ribeiro: era o próprio que, a tal respeito, declarava, em 1871, o
seguinte:

A indifferença, e mais ainda a opposição que, no animo da maior parte das


pessoas dedicadas ao estudo des sciencias e de litteratura, encontraram as
descobertas relativas ao homem primitivo ou ante-diluviano, tiveram
diversas causas entre as quais podemos mencionar: a duvida que se
manifesta sempre em receber factos e descobertas novas, quando se não
harmonizam ou estão em desaccordo com as idéas geralmente recebidas;
os preconceitos e o fanatismo cego que muitos homens teem pelas theorias,
preferindo antes morrer abraçados a ellas do que prestar homenagem à
evidencia dos factos e à verdade; e por fim a pouca vontade do maior
numero em trocar os gozos e confortos domesticos pelos incommodos

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© Universidade Aberta
inevitaveis das viagens e explorações, quando teem um fim puramente
scientifico (Ribeiro, 1871, p. 33).

A predisposição da comunidade científica para a discussão mais


pormenorizada desta questão tinha sido, no entanto, conseguida. Estavam,
assim, reunidas as condições para se efectivar em Lisboa, em 1880, a Nona
Sessão do Congresso Internacional de Arqueologia e de Antropologia Fig. 7
Pré-Históricas. À sessão de abertura, compareceram as altas individualidades
da vida do País, a começar pelo rei D. Luís, protector do Congresso e pelo
rei D. Fernando, seu Presidente de Honra. O tema principal era a observação
detalhada dos materiais recolhidos e a visita ao local dos achados. Dos 393
congressistas inscritos, estiveram presentes 156, sendo estrangeiros 47 %
dos que compareceram, representando 12 dos 18 países a que pertenciam na
globalidade (Gonçalves, 1980).

Mesmo em obras de divulgação, ecoou a importância da reunião: Oliveira


Martins incluiu logo na 2.ª Edição dos "Elementos de Anthropologia" Fig. 8
numerosos extractos das comunicações apresentadas, e o impacto no seio da
população foi efectivo: basta recordar os numerosos apontamentos de Raphael
Bordallo Pinheiro, constituindo verdadeira reportagem caricaturada dos
principais intervenientes, nas páginas de "O António Maria", de 23 e de 30
de Setembro, portanto sobre o próprio acontecimento. Carlos Ribeiro é tratado
com admiração: "...o nome deste forte e honrado trabalhador ficará gloriosa-
mente ligado para todo o sempre a um dos mais importantes factos da sciencia
europeia n’este seculo", enquanto o Arq. Possidonio da Silva, o fundador e
Presidente da Real Associação dos Archeologos Portuguezes, sediada nas
ruínas do antigo Convento do Carmo, é displiscentemente apresentado como
"o organizador de um basar de prendas velhas no museu archeologico ...".
Assim, jocosamente, se traçava a diferença entre os arqueólogos com
formação científica que se dedicavam aos estudos da Pré-História, no âmbito
do Positivismo da época, e os antiquários, herdeiros dos seus homólogos do
século XVI, dados às mais eruditas especulações estéticas, em torno da beleza
artística de alguns dos testemunhos do passado que chegaram até nós, no
quadro do movimento Romântico. Fig. 9

A 21 de Setembro de 1880, Carlos Ribeiro apresentou a comunicação


"L’Homme tertiaire en Portugal" (Ribeiro, 1884), a única a que o Rei
D. Luís assistiu. No final, foi constituída uma comissão, a qual reuniu, após
a excursão à região de Ota, realizada no dia seguinte. Nela, já não participou
Carlos Ribeiro, devido à doença de que viria a falecer dois anos depois. Foi
então recolhida uma lasca de sílex, considerada inquestionavelmente talhada,
retirada do interior do depósito conglomerático, para além de muitas outras,
que jaziam à superfície.

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© Universidade Aberta
Reunida a Comissão, o resultado saldou-se a desfavor da intencionalidade
do talhar das peças consideradas como recolhidas in situ e portanto da
legitimidade do "Homem terciário português", por seis votos contra cinco.
Virchow, o eminente professor de Antropologia da Universidade de Berlim e
declarado opositor da autenticidade das descobertas, na qualidade de
presidente da Comissão, encerrou o memorável debate – pormenorizadamente
transcrito por P. Choffat (Choffat, 1884) – nos seguintes termos (p. 118):

Personne ne demandant la parole, la séance va être levée. Ce n’est par une


méthode scientifique que de trancher les questions a la majorité des votants.
Il faut donc remettre la décision à un autre Congrès.

Declarado defensor do Homem terciário português, Gabriel de Mortillet,


autor da obra de larga divulgação "Le Préhistorique", levou tal convicção ao
extremo de baptizar o autor destes supostos artefactos (os eólitos), com o
nome científico de Anthropopithecus ribeiroi (Mortillet, 1885, p. 105),
convicção ainda mantida em 1905 pelo próprio, na edição mais recente da
referida obra.

O nome arrevezado desta latinização forçada não passou despercebido ao


humor ácido de Camilo Castello-Branco, num livrinho intitulado "O General
Carlos Ribeiro recordações da mocidade" (Castello-Branco, 1884).

A questão do Homem terciário português, no que a Portugal diz respeito, só


foi cabalmente resolvida em 1942, por H. Breuil e G. Zbyszewski, tomando
como ponto essencial de referência uma observação de Nery Delgado que,
ulteriormente procedeu a escavações na Ota, com o objectivo de recolher
peças in situ, nos depósitos terciários assinalados por Carlos Ribeiro, mas
sem que lhe tivesse sido possível recolher uma única em tais circunstâncias
(Delgado, 1900/1901). Trata-se de um exemplar de sílex, recolhido à
superfície e indubitavelmente talhado, apresentando uma forte concreção
ferruginosa aderente, inexistente nos exemplares oriundos do interior dos
depósitos terciários. Assim sendo, Breuil e Zbyszewski admitiram a
existência, na Ota, de dois conjuntos: um, constituído por eólitos desprovidos
de trabalho humano, em regra com arestas boleadas, recolhidos in situ; outro,
que integrava peças semelhantes e ainda exemplares com arestas vivas,
inquestionavelmente trabalhados, de diversas épocas, por vezes com
concreções ferruginosas aderentes. Esta característica indicava que provinham
de coberturas detríticas mais modernas, de época quaternária, constituídas
por arenitos ferruginosos, entretanto quase totalmente desmantelados pela
erosão (Breuil & Zbyszewski, 1942). Foi num retalho destes depósitos, por
certo, que um dos congressistas de 1880 recolheu a lasca de sílex que tanta
sensação tinha causado. Compreendem-se, assim, as dificuldades sentidas
por Carlos Ribeiro, com os rudimentares conhecimentos geológicos da época,
em diferenciar os dois depósitos sedimentares sobrepostos, tanto mais que o

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© Universidade Aberta
mais moderno apenas se encontraria pontualmente conservado. Assim, o
ilustre pioneiro da pré-história portuguesa recolheu, entre muitos eólitos
naturais, outras peças efectivamente trabalhadas, só que oriundas de camadas
sedimentares mais modernas, já quaternárias. Assim se esclareceu
definitivamente uma questão que apaixonou investigadores e se manteve por
esclarecer por mais de sessenta anos. O progresso científico não se faz apenas
com sucessos: há erros, como o do Homem terciário, que resultaram, como
atrás se disse, mais do que muitas descobertas retumbantes, em benefício da
própria ciência. A questão em causa, além de ter chamado a atenção
internacional para a investigação que então se desenvolvia em Portugal na
área da Pré-História, teve, internamante, a vantagem de despertar a opinião
pública, criando condições para que outros, trabalhando em diversas regiões
do País, pudessem desenvolver as suas próprias investigações.

Uma das mais importantes consequências, no plano científico, da célebre


reunião de Lisboa, foi a criação da Cadeira de Antropologia, Paleontologia
Humana e Arqueologia Pré-Histórica, em 1885, na Universidade de Coimbra:
era, na verdade, a síntese programática da própria actuação da Segunda
Commissão Geologica 1857. Foi seu primeiro "lente proprietário" Bernardino
Machado, a quem se deve, enquanto Ministro, a fundação, em 1893, do
“Museu Ethnologico Portuguez”, o actual Museu Nacional de Arqueologia,
sob a direcção de José Leite de Vasconcellos.

Com efeito, a década de 1880 foi fértil na afirmação da arqueologia


pré-histórica em Portugal, devido ao prestígio resultante da referida reunião
científica para os arqueólogos portugueses.

É assim que, em parte, se explica a notável actividade de António dos Santos


Rocha (1853-1910), o qual, na área de Pré-História, procedeu à identificação
Fig. 10
e escavação de diversos monumentos megalíticos e estações de carácter
habitacional da região da Figueira da Foz, publicados em belas monografias
entre 1888 e 1900. O seu labor no domínio estrito da Pré-História – pois que
se estendeu também a outras épocas, com importância igual ou superior –
desenvolveu-se, também, no Algarve: aqui, notabilizou-se pela exploração
de diversas necrópoles pré-históricas, umas calcolíticas, como é o caso do
conjunto de tholoi de Monte Velho, Portimão, ou já da Idade do Bronze, de
que é exemplo a necrópole de cistas do Vidigal, Monchique, ambas publicadas
postumamante, em 1911. Instituidor de uma sociedade científica que adoptou
o seu nome – a "Sociedade Archeologica Santos Rocha", com sede na Figueira
da Foz – a esta se deve a edição de um Boletim, onde se publicaram numerosas
referências a achados ou monumentos pré-históricos ou, até, trabalhos
monográficos de maior vulto, como os relativos a algumas das sepulturas
colectivas do tipo tholos de Alcalar, Portimão (Rocha, 1901) e da Quinta do
Anjo, Palmela (Cruz, 1906), com base nas explorações efectuadas por

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© Universidade Aberta
iniciativa de Carlos Ribeiro, pelo colector da Comissão Geológica António
Mendes.

No Algarve, entretanto, tinha-se destacado aquele que pode considerar-se


como o primeiro arqueólogo profissional português, já que, por vários anos,
Fig. 11 foi pago pelo Governo para proceder ao levantamento arqueológico daquela
Província, projecto que, infelizmente, não teve o necessário e merecido
seguimento: trata-se de S. P. M. Estácio da Veiga (1828-1891). Em sua vida,
vieram a lume quatro volumes das "Antiguidades Monumentaes do Algarve",
entre 1886 e 1891, relativos apenas aos tempos pré-históricos, mas que bem
evidenciam a actualização dos conhecimentos científicos do autor e o seu
Fig. 12 talento. No Minho, regista-se F. Martins Sarmento, embora a sua actividade
no âmbito da Pré-História tenha sido pouco relevante.

A importância e relevância que foram concedidas além fronteiras,


especialmente depois do Congresso de 1880, às descobertas pré-históricas
efectuadas em Portugal, justificou a incumbência que o Governo Francês
atribuiu a um dos congressistas que mais se distinguiu nos debates, E.
Cartailhac, para redigir uma síntese sobre a pré-história peninsular, a qual
veio a ser publicada em Paris, sob o título "Les âges préhistoriques de
l’Espagne et du Portugal" (Cartailhac, 1886).

Por essa época, despontava para a Arqueologia, em Lisboa, José Leite de


Vasconcellos (1858-1941), que, desde 1886, desempenhava as funções de
Conservador da Biblioteca Nacional. Fundador e primeiro Director do "Museu
Ethnologico Portuguez", em 1893, este foi instalado no ano seguinte em
dependência da Comissão Geológica, como complemento da galeria de
Antropologia e de Arqueologia Pré-Histórica, transferindo-se depois para as
instalações que ainda hoje ocupa, no Mosteiro dos Jerónimos, em Belém
(Lisboa). A função desta instituição era a de promover, por todo o País, a
recolha (e ulterior exposição) dos elementos susceptíveis de retratar o Povo
Português, desde as suas origens. Projecto de carácter eminentemente
nacionalista – de acordo, aliás, com a época que se vivia – a pujante actividade
Fig. 13 no domínio da Pré-História ali desenvolvida pelo seu criador e principais
colaboradores – de que é justo destacar, entre outros, Vergílio Correia e Félix
Alves Pereira – encontra-se expressivamente documentada no órgão do
Museu, "O Archeologo Portuguez", fundado em 1895. Criando uma rede
espalhada por todo o território nacional de correspondentes, de que é exemplo,
entre outros, A. I. Marques da Costa, que desenvolveu importantes estudos
de índole pré-histórica na região de Setúbal, (como a reescavação das notáveis
grutas artificiais da Quinta do Anjo ou a exploração dos povoados pré-
históricos vizinhos da Rotura (também já referenciado por Carlos Ribeiro) e
de Chibanes (Palmela), Leite de Vasconcellos viabilizou a publicação de
numerosos contributos relativos a estações ou achados pré-históricos, um

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© Universidade Aberta
pouco de todo o lado, constituindo ainda hoje aquela revista um repositório
informativo de consulta indispensável. Boa parte da investigação assim
desenvolvida, encontra-se compilada no volume I das "Religiões da
Lusitania", da autoria de Leite de Vasconcellos, publicado em 1897, não por
acaso no âmbito das comemorações da chegada de Vasco da Gama à Índia.
Trata-se de notável contributo para o conhecimento da religiosidade do
homem pré-histórico, a partir dos respectivos testemunhos, conservados em
território português.

O objectivo de valorizar a identidade nacional, através do estudo das tradições


populares e das raízes – mesmo as mais profundas – do povo português,
remontando à Pré-História, tinha, pela mesma altura, idêntica expressão no
Porto, através do grupo da "Portugalia", revista editada por Ricardo Severo e
Rocha Peixoto, a qual, entre 1899 e 1908 inseriu diversos artigos dedicados
à pré-história, como o importante estudo sobre as grutas de Alcobaça, de M.
Vieira Natividade.

Porém, na segunda década do século XX as actividades esmoreceram, ainda


que tivesse despontado no Porto, pela via da Antropologia Física, um novo
alento no âmbito dos estudos pré-históricos: com efeito, em 1918, fundou-se
a Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, na esteira imediata do
legado dos homens da "Portugalia", animada sobretudo por A. A. Mendes
Corrêa (1888-1960). Nas décadas seguintes, este Professor da Faculdade de
Ciências, a par de diversos colaboradores, como J. R. dos Santos Júnior e
R. de Serpa Pinto, desenvolveram importantes trabalhos de investigação
pré-histórica, centrados na região a norte do Douro (Minho, Douro Litoral e
área transmontana), bem como nos concheiros de Muge, que voltaram, na
década de 1930, a ser de novo explorados (designadamente, o concheiro do
Cabeço da Amoreira). Esta iniciativa encontrava-se estreitamente ligada à
demonstração cabal, através da recolha de mais e melhores materiais humanos,
da famosa teoria de Mendes Corrêa, consubstanciada na existência de um
tipo de características australóides, supostamente originário do continente
africano, o Homo afer taganus. Com efeito, esta hipótese era apoiada na
época por eminentes arqueólogos, como H. Obermaier e P. Bosch-Gimpera,
que admitiam ter sido o estreito de Gibraltar transposto no decurso de
Mesolítico por populações do norte de África.

A intensa actividade de Mendes Corrêa, durante as décadas de 1920 a 1940,


teve o seu contraponto em Manuel Heleno (1894-1970) sucessor de Leite de
Vasconcellos à frente do Museu Etnológico desde 1929 e na cátedra de
Arqueologia da Faculdade de Letras de Lisboa desde 1933. As investigações
que efectuou nas décadas de 1930, 1940 e 1950, valeram-lhe uma acumulação
de elementos informativos que, infelizmente, jamais chegou a publicar como
devia. De entre as suas descobertas maiores, são de referir as seguintes: na

41
© Universidade Aberta
década de 1930, no Alto Alentejo, especialmente nos concelhos de
Montemor-o-Novo de Estremoz e de Coruche, veio a escavar cerca de
trezentos monumentos megalíticos, cujos resultados científicos apoiaram a
teoria, arrojada para a época, dominada por doutrinas difusionistas, de uma
origem e evolução locais do fenómeno megalítico, demonstrada tanto a nível
dos espólios como das correspondentes arquitecturas funerárias; depois, na
região de Rio Maior, explorou e escavou vasto conjunto de estações que lhe
proporcionaram uma sequência contínua, pela primeira vez obtida, de todo o
Paleolítico Superior, incluindo o Epipaleolítico. Tais indústrias revelavam
nítida filiação nas suas homólogas europeias, o que lhe pemitiu afastar
cabalmente a hipótese das pretensas influências norte-africanas, pelo que
respeitava àquelas épocas; enfim, na década de 1950, encetou extensas
escavações nos importantes concheiros do vale do Sado, descobertos na
década de 1930 por Lereno Antunes Barradas. Uma curta síntese, publicada
em 1956, dá ideia da vastidão das suas explorações de campo e do valor
incalculável dos elementos assim coligidos (Heleno, 1956). Natural opositor
de Mendes Corrêa, até pela diferença de temperamentos, de formação
científica e de origem – um, no Porto; o outro, em Lisboa – também Manuel
Heleno procurou desenvolver as suas actividades com colaboradores que
congregou no Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia, que,
desde 1935, mas sem periodicidade, editou a revista "Ethnos" (o último
volume publicou-se em 1979).

Na verdade, as associações científicas que, em Portugal, se constituiram desde


a segunda metade do século XIX, pouca pujança demonstraram, no âmbito
das investigações pré-históricas, situação que persistiu no decurso das
primeiras décadas do século seguinte. Apenas a Associação dos Arqueólogos
Portugueses, mercê da actividade de escassos pré-historiadores, com destaque
para Joaquim Fontes, Eugénio Jalhay e Afonso do Paço, se afirmava em tal
domínio: entre muitos outros trabalhos de merecimento, destaca-se a
escavação do notável povoado de Vila Nova de São Pedro (Azambuja),
descoberto por Hipólito da Costa Cabaço, cujo início se verificou em 1937 e
se prolongou ininterruptamente pelos vinte anos e cinco seguintes.

Ao mesmo tempo, raros investigadores desenvolviam trabalho próprio, quase


sempre desacompanhados e com falta de meios. Também neste campo a
actuação de Mendes Corrêa foi relevante: mercê da criação do Centro de
Estudos de Etnologia Peninsular, unidade de investigação do Instituto de
Alta Cultura anexo à Faculdade de Ciências do Porto, conseguiu reunir as
condições necessárias para o apoio, tanto institucional, como material, de
muitos arqueólogos, que deles necessitavam: foi o caso, entre outros, de
J. Camarate França e de E. da Cunha Serrão (que desenvolveu em colaboração
com E. P. Vicente, meritórios trabalhos de campo nos povoados da Parede

42
© Universidade Aberta
(Cascais) de Olelas (Sintra) e, sózinho, um importante projecto de arqueologia
regional no concelho de Sesimbra).

Entre os que publicaram, ao longo do século, trabalhos de mérito no campo


da Pré-História, merece destaque Abel Viana (1896-1964). Os seus primeiros
estudos em tal domínio datam dos inícios da década de 1930. Mas foi apenas Fig. 14
a partir da década de 1940, com a colaboração de Georges Zbyszewski e,
depois, de O. da Veiga Ferreira, que o seu labor adquiriu maior intensidade.

O exemplo esforçado de Abel Viana evidencia a fragilidade das estruturas


oficiais que apoiavam a investigação em Portugal no domínio da Arqueologia,
e, especialmente, da Pré-História. Com efeito, a instituição que, no século
anterior, tinha protagonizado época alta da investigação pré-histórica – a
Comissão Geológica de Portugal – apenas nos inícios da década de 1940
começou a ressurgir do marasmo em que caíra, em boa parte devido à acção
de colaboradores externos e, no que concerne aos estudos pré-históricos e à
geologia do Quaternário, graças à contratação, em Janeiro de 1941, de Georges
Zbyszewski (1909-1999), que acabou por se radicar definitivamente em
Portugal. Após a chegada de Henri Breuil, eminente pré-historiador francês,
no domínio da arte rupestre e das indústrias paleolíticas, em Abril de 1941,
que permaneceu em Portugal até Novembro de 1942, rapidamente se
organizou e levou à prática um vasto programa de investigações que constituiu
os alicerces, dos estudos subsequentemente desenvolvidos das indústrias do
Paleolítico Inferior e Médio do território português. Os trabalhos iniciaram-se Fig. 15
pelo reconhecimento das praias quaternárias do litoral da Estremadura e dos
terraços fluviais do vale inferior do Tejo, prolongando-se, depois, ao litoral
minhoto e baixo-alentejano e, finalmente, ao Algarve. A excepcional
produtividade desta colaboração encontra-se consubstanciada em numerosos
artigos científicos, e, especialmente, na volumosa obra, publicada em dois
tomos, pelos Serviços Geológicos de Portugal, intitulada "Contribution à
l’étude des industries paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la
géologie du Quaternaire" (Breuil & Zbyszewski, 1942, 1945). O notável
manancial de registos de campo sobre o Paleolítico Inferior e Médio
encontra-se expressivamente sumariado, em 1948, por V. Rau, interessada,
ainda que fugazmente, pelos estudos do Paleolítico (Rau, 1948).

Após a partida de Breuil de Portugal, jamais G. Zbyszewski deixou de se


ocupar do estudo e publicação de indústrias do Paleolítico Inferior e Médio,
recolhidas, na maior parte, na companhia de O. da Veiga Ferreira (1917-1997), Fig. 16
no decurso dos levantamentos geológicos de que ambos estavam incumbidos.
Personalidade excepcional, com um vasto campo de interesses que permiram
a abordagem de múltiplos temas de índole arqueológica, no concernente à
Pré-História, mercê da colaboração desde cedo estabelecida nas décadas de
1940 e de 1950, entre outros, com Abel Viana e Georges Zbyszewski, O. da
Veiga Ferreira realizou estudos da mais alta valia científica, que não podem

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deixar de se registar. O primeiro, por ordem cronológica, foi o que
correspondeu à exploração das necrópoles megalíticas das Caldas de
Monchique, as quais detêm, no contexto arquitectónico funerário do sul
peninsular, evidente originalidade, no respeitante à arquitectura dos sepulcros:
trata-se de cistas cobertas por tumuli, isoladas ou agrupadas, sob o mesmo
montículo artificial. A sua cronologia, com origens prováveis no Neolítico
Médio regional, teve o seu auge no Neolítico Final. Algumas foram
reutilizadas ou mesmo construídas no Calcolítico, como indica o achado de
um machado de cobre, envolto num pano de linho, no túmulo 1 da necrópole
de Belle France.

Outro dos contributos maiores das parcerias científicas dinamizadas por


O. da Veiga Ferreira, foi a descoberta, exploração e publicação de cerca de
uma vintena de sepulturas colectivas calcolíticas do tipo tholos no Baixo
Alentejo, região onde eram até então totalmente desconhecidas. Foi, assim,
documentada uma área intermédia do território português, entre o litoral
algarvio e a Estremadura, no respeitante à distribuição geográfica de tais
monumentos. Estes resultados vieram, assim, colmatar uma lacuna geográfica,
dando credibilidade à teoria, que apresentou com Abel Viana no IV Congresso
de Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas, reunido em Madrid em 1954,
da progressão, de sul para norte, desde a Andaluzia à Estremadura portuguesa,
de prospectores e metalurgistas do cobre, os quais estiveram na origem da
difusão do Calcolítico. Trata-se da hipótese que recentes datações absolutas
pelo radiocarbono vieram dar razão. O próprio estatuto autónomo que os
autores atribuem à Idade do Cobre é de destacar, em clara e corajosa oposição
à desvalorização que, à época, os arqueólogos espanhóis lhe atribuíam,
inserindo-o na ambígua designação de "Bronce I", termo que o tempo acabou
por eliminar, e bem, da terminologia arqueológica pré-histórica.

Bastariam os resultados dos trabalhos enunciados para situar os seus autores


em lugar destacado na arqueologia portuguesa. O. da Veiga Ferreira estendeu,
na década de 1950 e nas seguintes, as suas investigações a outras épocas.
Merecem destaque as escavações realizadas nos concheiros de Muge (entre
1952 e 1966), em colaboração com o especialista francês do mesolítico Jean
Roche (sucessivamente nos concheiros da Moita do Sebastião, Cabeço da
Amoreira e, finalmente no Cabeço da Arruda), dando assim seguimento às
explorações dos seus ilustres antececessores do século XIX (Carlos Ribeiro
e Francisco de Paula e Oliveira) e do século XX (Mendes Corrêa, Rui de
Serpa Pinto e J. R. dos Santos Júnior), já atrás referidos. No início da década
de 1960 O. da Veiga Ferreira desenvolveu outras parcerias, o que lhe permitiu
escavar as grutas das Salemas (Loures) e a gruta Nova da Columbeira
(Bombarral), a primeira com indústrias do Paleolítico Superior e a segunda
com abundantes materiais mustierenses, em ambos os casos recolhidos in
situ. Em 1965 obteve o "Doctorat de l’Université" pela Sorbonne (Faculdade

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de Ciências de Paris), sendo o primeiro português a doutorar-se com um
tema de Pré-História: "La Culture du Vase Campaniforme au Portugal".

Datam ainda da década de 1950 e de inícios da seguinte as escavações que


efectuou em colaboração com Georg Leisner e Vera Leisner (antas de
Montargil) e, mais tarde, apenas com esta última (monumento da Praia das
Maçãs, Sintra). Aquele casal de arqueólogos alemães, de há muito em
Portugal, mercê das sua notável obra "Die Megalithgräber der Iberischen
Halbinsel", parte dela apenas publicada por V. Leisner ou já a título póstumo
(Leisner & Leisner, 1943, 1956, 1959; Leisner, 1965, 1998) tinha-se
notabilizado pelo estudo exaustivo de monumentos megalíticos e respectivos
espólios do Sul e Oeste da Península Ibérica.
Fig. 17
Mais tarde, mercê de novas colaborações, que passou a animar e a orientar,
com G. Zbyszewski, nos Serviços Geológicos de Portugal (aquela que foi
por outros designada "Escola dos Serviços Geológicos"), O. da Veiga Ferreira
teve ensejo, já na década de 1970, de escavar diversas estações neolíticas e
calcolíticas, de grande relevo para a Pré-História portuguesa. Nesses trabalhos,
não se poupava a esforços, nem limitava o número daqueles que com ele
colaboravam. É assim que se compreendem os estudos no domínio da
Pré-História, que desenvolveu com Fernando de Almeida, Catedrático da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que se viria a dedicar,
sobretudo, à Arqueologia Clássica (data de 1962 o seu doutoramento, com
uma dissertação sobre a arte visigótica em Portugal), e com Manuel Farinha
dos Santos (1923-2001), Assistente de Pré-História no mesmo
estabelecimento de ensino entre 1959 a 1968.

A actuação de Farinha dos Santos como docente universitário pautou-se


sempre pela sua preocupação em conferir aos alunos um ensino
eminentemente prático, pois só assim sabia ser possível formar profissionais
competentes e empenhados. Privilegiou, deste modo, as aulas no Museu
Nacional de Arqueologia (então anexo à Faculdade de Letras de Lisboa),
dando oportunidade aos alunos de manusearem materiais arqueológicos,
ao mesmo tempo que os incentivava a acompanhá-lo, a si ou a outros
arqueólogos, em trabalhos de campo.

Com efeito, a disciplina de Pré-História, tornada obrigatória para os alunos


da licenciatura em História, inaugurada naquela Faculdade no ano lectivo de
1960/1961, foi entregue, desde o início, àquele arqueólogo, mantendo-se a
de Arqueologia, de há muito existente, sob a regência de Manuel Heleno. Tal
criação afigurou-se, então, um passo indispensável, e irreversível, para
definitivamente institucionalizar a Pré-História no âmbito dos estudos
superiores em Portugal, retirando-a de uma certa marginalidade, que o
amadorismo, com que era até então geralmente praticada, favorecia.

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Defensor e praticante da multidisciplinaridade na investigação em
Pré-História, Farinha dos Santos foi professor de muitos dos que, tendo sido
seus alunos na década de 1960 na Faculdade de Letras, actualmente detêm
importantes responsabilidades no domínio da investigação arqueológica (e,
em particular, da Pré-História), em Portugal.

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II. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A II Parte refere-se às comunidades de caçadores-recolectores que ocuparam


o nosso território desde as origens – ainda de cronologia incerta e polémica
– até ao final do Mesolítico. Trata-se de evolução muito diversificada,
protagonizada por múltiplas comunidades, biológica e culturalmente muito
diferentes entre si. Importa que o estudante saiba entender essas diferenças,
as quais, aliás, serão objecto de estudo. De facto, a ocupação humana do
território português, respeitou estratégias diferentes, desde os inícios do
Paleolítico até ao fim do Mesolítico, em estreita articulação com as
características económicas das respectivas comunidades e na directa
dependência das capacidades tecnológicas de exploração/captação dos
recursos potencialmente disponíveis (realidade que remete, uma vez mais,
para o conhecimento das condicionantes naturais vigentes em cada época).

Dentro de um quadro cronológico que deverá estar sempre presente, poderão


apresentar-se diversos objectivos principais de aprendizagem.

Para o Paleolítico Inferior Arcaico, importa conhecer as diversas teorias sobre


a chegada das primeiras comunidades humanas ao território português no
quadro europeu actualmente conhecido, respectiva cronologia absoluta e
critérios em que se fundamenta a identificação das indústrias, incluindo a
discussão dos argumentos pró e contra a sua autenticidade. Cumpre ter
presentes as características geológicas dos locais mais importantes e a
respectiva distribuição geográfica.

No respeitante ao Paleolítico Inferior Pleno, o estudante deverá conhecer a


tipologia, terminologia e técnicas de fabrico dos artefactos mais típicos
(incluindo as características fisicas dos seus autores), distribuição geográfica,
nomes das estações arqueológicas mais importantes (designação, localização,
aspectos estratigráficos, cronológicos e tipológicos); o estudante deverá ser
capaz de as relacionar entre si, bem como ter a percepção dos padrões
possíveis a que obedeceu a ocupação geral do território português, tendo
presentes os conhecimentos actuais.

O conhecimento do Paleolítico Médio apresenta-se pouco homogéneo, em


parte pela falta de investigação de vastas zonas do interior do território. O
estudante deverá conhecer as principais características do complexo
mustierense, designadamente as inovações tecnológicas introduzidas no talhe
da pedra (talhe levallois); saber reconhecer os principais tipos de artefactos
mustierenses e as características antropológicas dos seus autores (homem de
Neandertal); conhecer as balizas cronológicas destas indústrias, e os aspectos
que revestiu (em especial no território português) a transição do Paleolítico
Inferior para o Paleolítico Médio. É agora possível identificar estratégias de
ocupação e de exploração dos territórios e dos recursos, realidade que o aluno

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deve ser capaz de descrever, acompanhada dos aspectos de organização social
dos grupos correlativos. Estes considerandos articulam-se, naturalmente, com
a realidade material conhecida. Por isso, importa que saiba localizar as
principais estações, conhecendo as suas principais características, bem como
as dos conjuntos artefactuais respectivos.

Um dos aspectos específicos de maior interesse prende-se com a muito


discutida extinção dos últimos neandertais e das eventuais relações que
estabeleceram com os homens do Paleolítico Superior (já de características
modernas), assunto que entronca directamente na investigação portuguesa
da actualidade (os derradeiros bandos de neandertais ter-se-iam refugiado
nas zonas setentrionais peninsulares, incluido o território português), questão
que é de relevante interesse no âmbito europeu.

Para o Paleolítico Superior, cuja emergência e progressão no território


peninsular o estudante deverá conhecer, são ainda mais evidentes as
assimetrias no registo arqueológico existente, que resultarão mais de falta de
informação, do que da efectiva ausência de povoamento. A única região
razoavelmente conhecida é a Estremadura, mercê da concentração das
investigações ali realizadas. Os resultados obtidos até ao presente permitem
ao estudante cumprir os seguintes objectivos de aprendizagem: sucessão
tecno-industrial e principais aspectos dos complexos reconhecidos,
designadamente ao nível dos artefactos típicos que integram cada um deles
(Aurignacense, Gravettense, Solutrense (e Proto-Solutrense) e Magdalenense;
principais estações portuguesas e suas características (incluindo ocorrências
de estações do Paleolítico Superior fora da Estremadura, especialmente as
recentemente reconhecidas na região do Côa, mas também no Alentejo e no
Algarve); o quotidiano, a organização social, as bases de subsistência e as
estratégias de ocupação/exploração de territórios, por vezes de características
muito diferenciadas entre si; e, ainda, o fenómeno artístico e funerário
emergente, serão igualmente outros tantos objectivos do estudo e
aprendizagem.

As adaptações humanas processadas no tardi- e no pós-glaciário deverão ser


familiares ao estudante, em especial da zona litoral do Minho; da Estremadura;
e da costa alentejana e algarvia ocidental, bem como das zonas vestibulares
dos grandes rios (em especial o Tejo e o Sado). Deverá conhecer a
problemática das relações possíveis entre indústrias de base macrolítica
(Ancorense, Languedocense) e as indústrias microlíticas, das quais as mais
antigas são de tradição fini-paleolítica. Deverá ter presente o padrão e a
sazonalidade do povoamento; as bases de subsistência; a evolução verificada
na implantação geográfica e geomorfológica dos principais sítios; e a
respectiva cronologia absoluta, que baliza a referida evolução.

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Com efeito, é possível traçar a evolução da ocupação humana nas três áreas
costeiras referidas desde o Paleolítico Superior Final até o Mesolítico Tardio,
período no decurso do qual se assiste à forte implantação humana no fundo
dos estuários (Tejo e Sado): neste sentido, importa que o estudante conheça
as principais estações e suas características, associando esta informação à
natureza da própria utensilagem: tipos de artefactos principais e respectiva
distribuição no espaço e no tempo.

As actividades sugeridas sobre a parte da matéria relativa às comunidades de


caçadores-recolectores paleolíticas e mesolíticas deverão reflectir a grande
riqueza e diversidade da informação disponível. Assim, a título meramente
exemplificativo, indicam-se as seguintes (deixando ao estudante a liberdade
de desenvolver outras, pelas quais sinta especial interesse):

- a questão das indústrias arcaicas pré-acheulenses no território


português: síntese dos conhecimentos (compilação de artigos
científicos) e aspectos considerados mais relevantes para a análise da
questão (procurando assim despertar a sua reflexão crítica sobre os
dados disponíveis);

- síntese regional, com base na bibliografia disponível sobre a ocupação


paleolítica de uma dada região, com a qual o estudante se sinta mais
motivado ou à vontade (particularmente propícias são a região de
Lisboa e, em geral a Estremadura, os vales do Tejo e do alto Guadiana
português e boa parte do litoral estremenho);

- a questão dos últimos neandertais e a importância dos elementos


carreados para a sua discussão resultantes das escavações em estações
estremenhas: entre outras, a Gruta Nova da Columbeira (Bombarral);
a gruta das Salemas (Loures); e a gruta da Figueira Brava (Setúbal)
ou, em alternativa, elaborar quadros-síntese comparativos sobre cada
uma destas estações, acompanhados de conclusões gerais;

- compilar informação relativa à ocupação fini-paleolítica e mesolítica


do litoral minhoto; do litoral da Estremadura; ou da costa sudoeste,
tratados separadamente, constituindo deste modo pequenos ensaios
temáticos de arqueologia regional;

- historiar a marcha das descobertas, escavações e publicações nos


concheiros do vale do Tejo e procurar, em cada um dos períodos
considerados da investigação, identificar o que de mais importante
foi feito em termos científicos (quando, como, onde e por quem),
para o conhecimento arqueológico de cada um deles;

- concheiros mesolíticos dos vales do Tejo e do Sado: principais


semelhanças e diferenças;

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- indústrias de base macrolítica fini- e pós-paleolíticas do território
português: breve síntese e discussão, não esquecendo a sua relação
com as indústrias microlíticas contemporâneas.

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2. As Primeiras Indústrias: O Acheulense Inferior Arcaico

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A parte setentrional do litoral da Estremadura, até à região de Pombal, já na
Beira Litoral, conheceu, no final do Pliocénico e início do Quaternário,
evolução paleogeográfica representada pela seguinte sucessão litostratigráfica
(Cardoso, 1984):

- na base, correspondente ao início do movimento transgressivo


marinho, observam-se conglomerados, logo seguidos de depósitos
arenosos, lumachélicos, assentes em formações mesosóicas (Caldas
da Rainha), ou já terciárias (Pombal). O conteúdo desta lumachela
indica o início do Pliocénico Superior;

- na parte média da sucessão, a sedimentação, agora de características


flúvio-marinhas, prossegue, correspondendo ao enchimento de uma
vasta planície litoral de características deltaico-estuarinas. Os depósitos
encontram-se desprovidos de fósseis, predominando areias finas e
micáceas, depositadas em ambiente de baixa energia, de planície litoral
e atingem algumas dezenas de metros de espessura máxima. A parte
superior deste complexo corresponde à deposição de materiais em
fase já regressiva. Assim se explica a presença de turfas e lignitos,
testemunhos de densa cobertura florestal em ambiente pantanoso e
lacustre, com drenagem deficiente, embora atingida, ciclicamente, por
descargas torrenciais violentas, correspondentes a sedimentos muito
grosseiros e mal calibrados. Este episódio foi considerado ou do final
do Pliocénico ou já do início do Quaternário (Zbyszewski, 1959);

- o terceiro e último termo da sucessão encontra-se representado por


areias grosseiras com passagens conglomeráticas, cujos elementos
mais característicos correspondem a pequenos seixos de quartzito,
achatados e bem rolados, com a forma e tamanho de amêndoas.
Representam nova fase transgressiva, sobre os depósitos anteriores,
que culminou à altitude actual (não necessariamente a original) de
cerca de 200 m, correspondendendo a plataforma vasta e regular,
delimitada do lado oriental pelos contrafortes da serra dos Candeeiros
(plataforma de Aljubarrota). Representa, provavelmente, a primeira
fase transgressiva quaternária. No litoral atlântico marroquino estes
depósitos afiguram-se equivalentes dos do Mogrebiano, hoje registado
a altitudes próximas dos 200 m. Estes depósitos têm equivalente em
pequenos retalhos detríticos, cartografados na região a norte da serra
de Sintra, constituido verdadeiros relevos residuais, a altitudes também
próximas dos 200 m, culminando a orografia da referida região.

À fase regressiva seguinte, no decurso da qual o mar vai retirando, progres-


sivamente, da faixa anteriormente imersa, corresponde o "Calabriano típico",
com ressurgimento da "fauna fria", coeva da glaciação de "Donau",
infelizmente não conservada nos depósitos portugueses, devido às suas

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características geoquímicas e texturais desfavoráveis. É a tal época que se
deverão reportar os sucessivos avanços e recuos do mar, mas de tendência
geral regressiva, os quais deram origem a diversos níveis de praias elevadas,
escalonadas actualmente no litoral da Estremadura entre os 200 m e os 100 m
de altitude, sob a forma de pequenas rechãs ou relevos residuais. Serão
equivalentes do Moulouyano do litoral marroquino (Penalva, 1984).
Encontra-se especialmente bem representado o nível de 150 m de altitude,
em relação ao qual se reportam os achados de indústrias arcaicas de seixos
lascados e de lascas, por vezes encontrados in situ em tais depósitos, também
presentes na península de Setúbal. A caracterização de tais sítios, ou ao menos
dos mais importantes deles, será apresentada adiante.
Na serra do Bouro, em corte da estrada nacional a norte de Foz do Arelho,
recolheu-se uma lasca, sobre seixo de quartzito, que é inquestionavel-
Fig. 18 mente trabalhada em boa parte da sua periferia, no depósito detrítico grosseiro
calabriano, a cerca de 160 m de altitude (Cardoso, 1984, 1996; Raposo &
Cardoso, 2000).

Mais a sul, assume especial importância a estação da Seixosa (Encarnação,


Mafra). Em corte existente junto ao cemitério da povoação, foram recolhidas
in situ na cascalheira de elementos de quartzo e de quartzito, a cerca de 150
m de altitude, numerosos exemplares sobre seixos, supostamente talhados
(Zbyszewski et al., 1981/1982). Aos tipos de talhe mais elaborados segundo
a classificação de P. Biberson (Biberson, 1967) – série I.5 em diante –
pertencem 4 exemplares, de um total de 210 peças. O talhe bidireccional –
de intencionalidade menos incontroversa que o anterior, por ser mais
elaborado, série II. 4 em diante – encontra-se representado por
13 em 37 exemplares.

Os resultados obtidos na Seixosa devem ser confrontados com os relativos


às jazidas paleolíticas onde tais estudos estatísticos foram conduzidos com
maior detalhe na análise tipológica de seixos lascados. De facto, mercê
desses trabalhos, desenvolveu-se uma tipologia sucessivamente melhorada
(Santonja & Querol, 1978). Deve referir-se, especialmente, o número de
levantamentos, ou de talhes, já que é considerado por alguns como
critério essencial para aferir a intencionalidade com que aqueles foram
produzidos.

Aceitando, como atrás se disse, a equivalência do nível marinho da Seixosa


ao Moulouyano – ciclo que, segundo P. Biberson (Biberson, 1973, 1976),
seria equivalente dos Membros D e G da Formação de Shungura (Omo,
Etiópia), teríamos, para os materiais supostamente talhados da Seixosa, uma
idade cujo limite inferior poderia atingir 2 a 2,4 Milhões de Anos, ainda
assim mais recente que os mais antigos artefactos recolhidos no Afar, Etiópia
(Roche, 1980).

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Sítios mais recentes, atribuíveis ao ciclo saletiano (designação derivada do
planalto marroquino de Salé), situáveis entre 1,2 e 1 Milhões de Anos,
forneceram indústrias líticas, salientando-se a jazida de Souk-el-Arb.

Em qualquer dos casos, tanto as indústrias da África Oriental, como as


marroquinas supra mencionadas, consistem essencialmente em seixos
trabalhados por um número variável de levantamentos, cuja posição na peça
e respectivo número parece não dever ser excessivamente valorizado, tendo
em vista a constituição de uma tipologia (Roche, 1980). Com efeito, no estado
actual dos conhecimentos sobre tais indústrias, parece forçado o
estabelecimento de uma tipologia morfológica ou funcional:

Rien ne nous autorise à affirmer, en l’état actuel de nos connaissances, que


l’on puisse voir dans ce long apprentissage artisanal autre chose que la
volonté de "sortir" de la matière première un bord taillé plus ou moins
développé, et des éclats (Roche, 1980, p. 193).

Indo ao encontro da opinião de F. Bordes (Bordes, 1970), segundo a qual a


estabilidade de formas apenas aconteceu no decurso do Acheulense, a autora
conclui: "on peut alors parler de standardisation dans les gestes, et non dans
les formes". É deste modo que se encontra justificado o próprio termo
"Pré-Acheulense", no qual cabem as indústrias arcaicas sobre seixos ou lascas
em causa: "Pré-Acheuléen désigne pour nous une période et c’est en ce sens
que nous l’employons" (op. cit., p. 49).

A época da descoberta da Seixosa, na segunda metade da década de 1970,


foi fértil em outros achados na mesma região litoral da Estremadura, mercê
de programa orientado e metodicamente levado à prática. Assim foi o caso
da descoberta da jazida do Alto de Leião (Paço de Arcos, Oeiras), situada em
plataforma detrítica residual, também a cerca de 150 m de altitude, quase
totalmente apagada pela erosão. Os seixos de quartzito, intactos ou
trabalhados, em ambos os casos com rolamento marinho, dispersavam-se à
superfície de afloramentos basálticos, correspondendo ao resíduo de
coberturas detríticas que outrora se estenderam sobre tais terrenos, hoje
totalmente desaparecidas. Os seixos trabalhados, se bem que de exclusiva
recolha superficial, ostentam rolamento pela água sobre as superfícies
lascadas. Sendo impossível uma origem em áreas de cotas mais elevadas,
que pudesse justificar o boleamento destas superfícies, é forçoso concluir-se
que este se deve à acção da água, aquando do estacionamento do mar no
local. Por tal motivo, sendo incontroverso o lascamento intencional que alguns
dos seixos ostentam, o Alto de Leião foi incluído no conjunto das estações
pré-acheulenses, de idade calabriana (Cardoso & Penalva, 1979). Pela própria
posição culminante dos restos destes antigos depósitos marinhos, o rolamento
exibido por tais artefactos não poderá ter outra origem que não a acção do Fig. 19
mar calabriano.

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As jazidas da Península de Setúbal (Azevedo et al., 1979) são as únicas, a
par da serra de Bouro e da Seixosa, a disporem de elementos fiáveis de datação
Fig. 20 geológica, mercê da recolha de materiais in situ. Conquanto o número destes
seja reduzido, estão presentes elementos análogos aos anteriores, sobre
pequenos seixos achatados de quartzito, igualmente recolhidos em leitos
conglomeráticos interestratificados em sedimentos arenosos grosseiros,
exactamente como em Seixosa, de carácter litoral (Formação de Belverde).
Pelas respectivas características sedimentológicas e estrutura, estes depósitos
correspondem, do ponto de vista paleogeográfico, a vastas praias arenosas,
formadas na confluência de dispositivo flúvio-deltaico, correspondente a um
Fig. 21 paleo-Tejo, francamente aberto ao Oceano. Tendo presente o movimento de
subsidência que caracterizou a península de Setúbal no decurso do
Quaternário, tais depósitos, até pelo seu peso próprio, sofreram ulteriormente
assentamentos significativos, o que explica as altitudes máximas de
110-120 m a que hoje se encontram, mas que, primitivamente seriam
semelhantes às que correspondem aos depósitos já referidos, em torno de
150 m. A Formação de Belverde pode ser, deste modo, também reportada ao
Calabriano. Sobre ela, assenta uma espessa série de arenitos vermelhos, com
passagens conglomeráticas essencialmente constituídas por elementos de
quartzo mal rolados; corresponde a depósito continental, formado em clima
seco, com descargas detríticas grosseiras relacionadas com períodos de
enxurradas violentas, a que foi dado o nome de Formação de Marco Furado.
A respectiva idade, por critérios geológicos e pedológicos, não deverá
ultrapassar o Vilafranquiano Médio (Azevedo, 1982), entre 1 e 1,5 Milhões
de Anos. Uma grande lasca alongada de quartzo, recolhida in situ num desses
leitos detríticos grosseiros, exposto em corte junto do cemitério da Baixa da
Banheira (Barreiro), conserva uma das faces ocupada pelo plano de separação,
com bolbo e plano de percussão cortical, na base, sendo a outra face
Fig. 22 igualmente ocupada por extensa superfície de separação, com a mesma
orientação e sentido, possuindo retoques num dos bordos laterais (Cardoso,
1996, Fig. 18). Trata-se, pois, de um artefacto de intencionalidade
inquestionável.

Os elementos registados em território português e acima caracterizados nas


suas linhas gerais sugerem – caso se aceite a autenticidade dos artefactos e a
cronologia geológica dos respectivos depósitos, à falta de elementos mais
consistentes, como fósseis ou restos de hominídeos, de conservação inviabi-
lizada pela natureza dos depósitos – uma presença humana muito antiga,
culturalmente pré-acheulense, em época em torno de 1,5 Milhões de Anos.
Naturalmente que esta conclusão deverá ser devidamente enquadrada nos
últimos conhecimentos adquiridos sobre tal presença em solo europeu. Assim,
no decurso da última década, a argumentação utilizada por alguns
investigadores europeus assumiu aspectos radicais e não conciliáveis, entre
os defensores de "cronologias curtas" e os de "cronologias longas".

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Para os primeiros, não estaria provada a existência de um estádio pré-
acheulense na Europa, nem este seria provável, do mesmo modo que a
presença humana seria problemática para épocas anteriores a meio milhão
de anos. Tal foi a posição defendida em 1993 no workshop de Tautavel pelos
editores das respectivas actas (Roebroeks & Van Kolfschoten, 1995). O artigo
de L. Raposo e M. Santonja, que respeita a sintese sobre a Península Ibérica,
é também concordante com aquele ponto de vista, não ultrapassando os
indícios mais recuados, para os autores, os inícios do Plistocénico Médio, há
cerca 730 000 anos. Porém, em nota final, adicionada ao texto da
comunicação, em Março de 1995, os autores já admitiam outras datas mais
antigas que a indicada, com base nos testemunhos entretanto descobertos,
tanto em Venta Micena, entre 1,6 e 0,9 Milhões de Anos como em Atapuerca,
Burgos, com cerca de 0,8 Milhões de Anos. Sendo partidários de uma
"cronologia curta", ideia aliás dominante entre os participantes da referida
reunião, esta nota final prenunciava a tendência que se veio a desenhar, logo
a seguir, no congresso realizado em Orce, em 1995, cujas actas se publicaram
em 1999. O seu editor declarou, a propósito, o seguinte (Gibert Clols, 1999,
pp. 12-13):

Sin duda alguna la "Short chronology" há muerto, com todas sus variantes
y redeondeos. Debemos trabajar ahora com la perspectiva de la "Long
chronology" y la continuidad en la ocupación humana de Europa a partir
de los 2 milliones de años, o antes.
(...) postulamos que Homo sale de Africa a los 2,4 millones de años y
coloniza: Europa por Gibraltar (y quizás también por Mesina o el istmo de
Estambul), Oriente Medio (yacimiento de Yron, com 2,4 millones de años),
Caucaso (Dmanisi) y Asia (Longgupo ?). Según esta hipótesis pueden
encontrarse restos humanos en el Plio-Pleistoceno de Italia, de Grecia, de
Rumania, de Turquia ..., es decir, todos los países ribereños del
Mediterráneo. Creemos también que hay una edad limite: la que coincide
com la formación del género Homo y las crisis climáticas (de 2,6-2,4
millones de años).
Neste mesmo sentido concorreram os dados entretanto obtidos em Atapuerca
(Burgos), cuja relevância justificou a reunião de Burgos de 1996, cujas actas
se publicaram em 1998. Com efeito, a existência de indústrias líticas arcaicas,
sobre seixos e lascas, associadas a restos humanos anteriores a Homo erectus
(o qual foi baptizado de Homo antecessor) e a datação paleomagnética,
anterior a 780 000 anos (limite mais recente para o período de polaridade
inversa detectado no locus TD 6, fazem deste sítio o mais antigo dos
inquestionavelmente datados do território europeu, talvez apenas com
equivalente em Fuente Nova 3, da bacia de Guadix-Baza, ainda provavelmente
mais antigo, que forneceu mais de uma centena de artefactos recolhidos em
níveis pertencentes à biozona Allophaiomys bourgondiae (Bermúdez de
Castro, 1998).

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Em conclusão: as decobertas recentemente efectuadas na Península Ibérica,
que vieram revolucionar o que até ao presente era geralmente admitido sobre
a antiguidade da presença do género Homo em solo europeu, devem ser
equacionadas numa envolvente geográfica mais alargada. Assim, o Homo
antecessor, representado em Atapuerca, poderá representar, não o primeiro,
mas o último elo de uma população europeia cuja presença teria de ser muito
anterior. Tal hipótese, que deverá manter-se em aberto, parece, no estado
actual dos conhecimentos, de rejeitar; importantes para a discussão desta
questão, nos termos em que ela deve, por ora, ser colocada, são os sítios de
Dmanisi, na Geórgia, muito perto do limite oriental do continente europeu, e
o de Ubeydiya, no vale do rio Jordão, em Israel. Neste último, definiu-se
uma sequência estratigráfica muito rica em indústrias líticas e em restos
faunísticos, onde se misturam espécies africanas, asiáticas e europeias. Com
base nas características da referida associação, a ocupação do sítio foi situada
entre 1,4 a 1,5 Milhões de Anos. A presença de bifaces, ao longo de toda a
sequência, mostra que o Acheulense, de clara origem africana, já então existia
às portas da Europa. Estando também presente no Norte de África
(Casablanca) há pelo menos 1 M.a., a ausência de bifaces nas estações
peninsulares da mesma época dá que pensar, permanecendo em aberto várias
hipóteses: uma delas, explicaria a presença de indústrias arcaicas até época
relativamente tardia pelo facto de ter havido uma penetração de origem
norte-africana em tempos pré-acheulenses – pelos antepassados do Homo
antecessor, admitidos por alguns – só voltando o continente a ser de novo
colonizado em fase avançada do Acheulense. É no quadro da discussão desta
possibilidade que o já referido sítio de Dmanisi adquire acrescida importância.
Localizado no início da década de 1990, tornou-se rapidamente conhecido
pela recolha de uma mandíbula humana arcaica. Um limite ante-quem foi
obtido pela datação radiomética de uma camada lávica subjacente, entre 2 e
1,5 Milhões de Anos. Actualmente, admite-se cronologia superior a
1,5 Milhões de Anos, cruzando os elementos radiométricos (incluindo também
correlações paleo-magnéticas), biostratigráficos, a identificação de novos
restos humanos e a classificação tecno-tipológica das indústrias líticas
(Gabinia et al., 2000). O estudo dos notáveis restos humanos ulteriormente
recolhidos permitiu, por outro lado, constatar as diferenças relativamente a
H. erectus asiático ou a H. heidelbergensis (o H. erectus europeu) e a
proximidade do morfotipo pré-erectus africano, representado por Homo
ergaster. Quanto à indústria lítica, conhecendo-se actualmente mais de um
milhar de peças, de onde se encontram ausentes os bifaces, e não existindo
limitações à sua presença de ordem cronológica ou inerentes à natureza da
matéria-prima disponível, é admissível atribuir a sua ausência a factores
culturais.

Em suma, no estado actual dos conhecimento sobre o povoamento mais antigo


da Europa, e da Península Ibérica em particular, parece aceitável uma

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aproximação das duas posições extremas, antes referidas: nem cronologias
demasiado "curtas", como a de 500 000 anos, já contrariada pelos achados
entretanto realizados, nem cronologias "longas" em demasia, da ordem dos
2 Milhões de Anos. É de admitir uma convergência em torno de 1,5 Milhões
de Anos a 1 Milhão de Anos. detendo, neste âmbito, importância incontornável
os sítios de Atapuerca TD 6 e de Fuente Nueva 3.

No que ao território português diz directamente respeito, a ausência de datas


radiométricas, bem como de elementos biostratigráficos, impede que se
promova uma reapreciação mais fundamentada dos dados disponíveis, noutros
moldes daqueles com que foram expostos anteriormente. Porém, o avanço já
efectuado em tal domínio (Raposo & Cardoso, 2000), relativamente à situação,
aparentemente eriçada de dificuldades quase incontornáveis traçada em 1970
por V. Oliveira Jorge e E. da Cunha Serrão (Serrão & Jorge, 1970), foi mais
importante daquele que, à partida, poderia parecer: os locais encontram-se
em boa parte já identificados e, nalguns casos, podem invocar-se testemunhos
positivos a favor da sua efectiva importância na discussão desta questão,
decorrente das peças recolhidas e dos contextos geológicos respectivos.

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3. O Paleolítico Inferior Pleno: O Acheulense

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O território português, no decurso do Plistocénico Médio, globalmente
situável entre cerca de 730 000 e 130 000 anos, conheceu sucessivas presenças
de grupos de hominídeos que, embora sem serem acompanhados até ao
presente quaisquer restos antropológicos, deixaram abundantes testemunhos
directos da sua presença através das correspondentes indústrias líticas.

Podem, assim, identificar-se zonas de maior concentração de estações, devido


sobretudo, às melhores condições de conservação dos respectivos depósitos:
as praias levantadas do litoral e os terraços quaternários dos principais vales
fluviais. Importa, deste modo, caracterizar de uma forma sucinta as condições
geo-ambientais que presidiram à formação de tais depósitos.

As praias levantadas, escalonadas a altitudes variáveis ao longo do litoral,


são testemunho directo do estacionamento do nível do mar, a cotas superiores
à actual, durante períodos de tempo suficientemente longos, susceptíveis de
terem produzido tais acumulações, que a erosão não apagou por completo.
Existem igualmente rechãs de erosão, talhadas pela acção mecânica das ondas,
em trechos litorais correspondentes a rochas suficientemente brandas para
serem assim modeladas, que, nalguns casos conservam ainda de forma clara
tais características. Um dos casos mais evidentes é o do litoral meridional da
serra da Arrábida. Ali, foi possível definir diversos níveis de rechãs de erosão,
associados a restos de depósitos detríticos mais ou menos grosseiros, com
fragmentos de conchas de moluscos marinhos, cuja conservação só foi
possível pelas condições geoquímicas favoráveis (trata-se de rochas
carbonatadas). A correlação de tais níveis altimétricos com a cronologia dos
tempos quaternários foi de há muito tentada, tomando como princípio
metodológico a teoria glácio-eustática de Déperet, a qual postula que a varição
do nível do mar é directamente proporcional à quantidade de água retida sob
a forma de gelo tanto nos continentes, como nas calotes polares. Assim sendo,
os retalhos conservados actualmente a maiores altitudes, serão, naturalmente
mais antigos que os existentes a cotas mais baixas. Porém, este modelo não
tem em conta as movimentações verticais ou angulares (movimentos
basculantes) da crosta terrestre, devidas a fenómenos tectónicos de carácter
e extensão mais ou menos localizados. Esta circunstância desaconselha que
o método altimétrico seja aplicado de forma indiscriminada, como por vezes
ocorreu, para a datação absoluta dos depósitos de praias levantadas.

Um dos exemplos mais flagrantes das limitações decorrentes da aplicação


generalizada da teoria eustática à datação dos depósitos fluviais – mesmo
daqueles cuja formação foi condicionada directamente pelo nível de base
marinho – é o de Algoz (Silves). Trata-se de um espesso depósito de terraço,
de interesse paleontológico, que foi atribuído, pela altimetria, ao último
período interglaciário (Zbyszewki, 1950). Porém, o estudo detalhado das
faunas, conduziu a uma idade muito anterior, situável no Bihariano, anterior

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à glaciação de Günz, cerca de dez vezes mais antiga (cerca de
1 Milhão de Anos) daquela que lhe tinha sido atribuída (Antunes et al., 1986).

Seja como for, o recurso ao critério altimétrico, na falta de outro, para o


conhecimento da cronologia de certos depósitos quartenários, constitui uma
aproximação que não deve ser à partida posta de lado, sendo útil, sobretudo,
quando se estudam vastos trechos litorais, onde as correlações entre níveis a
diversas cotas permite uma visão de conjunto, necessária ao estabelecimento
da idade relativa dos respectivos depósitos. Esta realidade é igualmente válida
para o caso dos depósitos ou rechãs rochosas actualmente submersas, pois o
nível marinho actual deve ser visto, apenas, como um episódio temporário,
no contexto das variações eustáticas quaternárias.

No caso dos terraços fluviais, tem sido usual a sua separação em duas
principais categorias: os terraços cuja formação se pode associar directamente
às variações do nível marinho de base, correspondentes à parte vestibular e
ao curso inferior dos grandes rios, como o Tejo, que acabam em grandes
estuários ou deltas interiores; e os terraços relacionados com oscilações locais,
dependentes directamente de condicionantes essencialmente climáticas, sem
possiblilidade de correlação fora do âmbito geográfico regional.

A realidade geoclimática que condicionou a formação dos terraços fluviais


é, naturalmente, muito mais complexa que a susceptível de se poder
caracterizar em obra de síntese como esta. Em qualquer caso, o clima
desempenha papel fundamental no mecanismo da formação de terraços
fluviais. Assim, nas fases climáticas de forte pluviosidade, como as vigentes
nas latitudes portuguesas durante os períodos glaciários, o coberto vegetal
seria abundante, o que desfavorecia a erosão das encostas (biostasia). Os
fundos dos vales seriam fortemente escavados, em consequência de uma
dupla acção: as fortes precipitações, o fraco abastecimento em sedimentos
dos cursos de água devido à baixa erosão das encostas e, sobretudo, um nível
de base oceânico muito baixo em relação ao qual os cursos de água
procuravam estabelecer o seu novo perfil longitudinal de equilíbrio (situação
em que a erosão é equilibrada pela sedimentação). Pelo contrário, nos períodos
interglaciários, sob condições climáticas menos pluviosas, a erosão nas
encostas aumentava, devido à fraca protecção oferecida pelo coberto vegetal,
acumulando-se os sedimentos nos fundos dos vales, produzindo a sua
colmatação, devido ao fraco poder erosivo dos respectivos cursos de água,
determinado pelo altos níveis de base marinhos, que não promoviam o
escavamento dos leitos fluviais.

Este mecanismo pode funcionar isoladamente, liberto dos condicionalismos


impostos pelas variações dos níveis de base marinhos, o que acontecia na
maior parte dos vales dos grandes rios peninsulares, determinando a formação
de terraços de origem estritamente climática.

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Enfim, o facto das sucessivas praias ou terraços fluviais se encontrarem
encaixados uns nos outros, sendo mais antigos os que se encontram a altitudes
mais elevadas e mais afastados do leito actual dos cursos de água, decorre
em parte de um outro fenómeno paralelo, o da isostasia, correspondente ao
soerguimento generalizado da crosta terrestre, em virtude da erosão,
aliviando-a progressivamente do peso dos próprios sedimentos, primeiro
removidos e depois evacuados pelos cursos de água, ao longo de todo o
quaternário (Texier, 1979). Um bom exemplo desta realidade é fornecido
pela cronologia absoluta, obtida por método radiométrico (U/Th) e pelo
paleomagnetismo, dos terraços do Guadalquivir perto de Sevilha (in Raposo
& Santonja, 1995):

- entre o nível de terraço T3 (169 m) e o T4 (142 m) pode situar-se o


evento de inversão magnética da polaridade terrestre de Jaramillo
(950 000/890 000 anos);

- o nível de terraço T6 com polaridade normal, inscreve-se no episódio


de Brunhes;

- alguns depósitos lacustres, relacionados com o nível de terraço T10


(55 m) foram datados da Fase Biwa (300 000 anos);

- por último, o depósito carbonatado de Las Jarillas (no topo do nível


de terraço T10 (29 m) foi datado de 80 000 anos.

No quadro descritivo anterior, no qual têm de ser compreendidas quase todas


as estações do Paleolítico Inferior com maior relevância do território
português, avultam, no vale do Tejo, as estações da região de Alpiarça, as
primeiras que foram objecto de um estudo crono-estratigráfico e arqueológico
completo e detalhado.

G. Zbyszewski, aquando do seu estudo clássico sobre a geologia do


quaternário da região de Alpiarça (Zbyszewski, 1946), apresentou modelo
evolutivo teórico de um grande vale fluvial, como é o do rio Tejo no sector
estudado, que importa dar a conhecer, para melhor se compreender o contexto
estratigráfico da ocorrência dos materiais paleolíticos correlativos (sem tomar
em consideração outras variáveis, como as de carácter tectónico, as quais
podem intervir de diversas formas):

De uma forma geral, durante os períodos de transição de uma fase glaciária


à interglaciária seguinte (depositos trangressivos de início de um ciclo
sedimentar) dá-se um aumento das precipitações e, com o degelo, do aumento
da carga sólida e da competência do transporte, correspondendo à
sedimentação de materiais essencialmente grosseiros. Pelo contrário, a
passagem de uma fase interglaciária à glaciária seguinte (depósitos regressivos
do fim de um ciclo sedimentar), é marcada por uma secura progressiva do

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clima, acompanhada por uma diminuição da capacidade de transporte.
A erosão e a carga sólida, ao diminuirem, conduzem à sedimentação de
materiais detríticos cada vez mais finos. Assim, cada terraço é constituído
por depósitos que integram um ciclo sedimentar completo, o qual se inicia
pelos depósitos formados por um movimento trangressivo (início de ciclo),
concluindo-se com os resultantes do movimento regressivo seguinte (fim de
ciclo). A sucessão deste mecanismo, numa mesma secção de um vale fluvial,
pode conduzir à sobreposição de depósitos de diversos ciclos, tornando
complexa a respectiva interpretação estratigráfica, a qual pode ser visualizada
através do seguinte modelo interpretativo, para a região de Alpiarça:

1. Depósitos de início de ciclo. Os depósitos da base dos terraços


superiores e dos altos terraços (entre 65 e 75 m de altitude) são pouco
Fig. 23 reconhecíveis. Os conglomerados da base do terraço médio (altitudes
variáveis, em torno de 25 a 30 m) foram observados em Vale do Forno
e Vale de Atela, possuindo uma coloração acastanhada, com
impregnações ferro-manganesíferas. Encontravam-se, com frequência,
nos cortes expostos em Vale do Forno (destruídos aquando da
construção de uma albufeira de recreio, na década de 1980), indústrias
do Acheulense Antigo, patinadas e roladas.

2. Depósitos de meio de ciclo. São os terraços médios aqueles que exibem


os melhores testemunhos estratigráficos. Durante este período, que
G. Zbyszewski correlacionou com o máximo trangressivo verificado
no interglaciário de Mindel-Riss, na terminologia alpina, com
cronologia absoluta cerca de 300 000/250 000 anos, a região
encontrava-se sob um regime de estuário, directamente influenciado
pelo nível marinho; a sedimentação inicia-se por areias grosseiras,
denotando diminuição acentuada do transporte, relativamente ao
período anterior. Recolheram-se peças do Acheulense Antigo e Médio
(na terminologia de Breuil e Zbyszewski), com pátine eólica acentuada,
que confirma um clima mais seco. A parte central desta sequência
Fig. 26
sedimentar corresponde a um depósito de argila cinzento-esverdeada,
visível em Vale do Forno e Vale de Atela, que corresponde a um
máximo trangressivo. O rio deveria então correr num largo vale mal
drenado, de esteiros pantanosos, onde os vegetais apodreciam
lentamente. A análise de tais restos conduziu à identificação de folhas
de salgueiro, de nenúfares e impressões de rizomas, atribuíveis a um
Fig. 27 clima temperado/ quente. Estava-se, pois, na plenitude da transgressão.
Estas argilas do terraço médio contêm indústrias do Acheulense Médio
com faces e arestas vivas, cuja boa conservação foi proporcionada
pela fina granulometria dos depósitos que as embalavam. Foram
recolhidas em diversos locais (Vale de Cavalos, Quinta da Comenda,
Vale do Forno e Vale de Atela). Sucede-se nível de areias, que indica

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uma modificação climática tendente a um aumento das precipitações
e do transporte fluvial. Estes depósitos forneceram indústrias do
Acheulense Superior, com forte patina eólica, avermelhadas pela
oxidação, indicando um clima com grandes estações secas, seguidas
de períodos pluviosos mais intensos.

3. Depósitos de fim de ciclo. A chegada de elementos mais grosseiros


(de areias grosseiras a seixos miúdos), anuncia o aumento crescente
do poder de transporte, resultante de um novo acréscimo das
precipitações. A maior parte dos elementos que entram na constituição
destes depósitos provêm, na região de Alpiarça, dos contributos
subaéreos oriundos da parte superior das encostas, a montante, e das
dejecções mais ou menos torrenciais dos afluentes laterais, formando
verdadeiros cones de dejecção sobre o vale principal. Em tais depósitos,
encontraram-se indústrias do Acheulense Final, que antecedem o
acréscimo do abaixamento do nível de base marinho, relacionado com
novo período glaciário (que G. Zbyszewski reportou à glaciação de
Riss, entre 250 000 e 120 000 anos).

Convém não esquecer que esta sequência interpretativa se baseou em


evidências de terreno directamente observadas. Assim, embora estas se devam
considerar imutáveis, já as ilacções que sobre tais observações se
apresentaram, são naturalmente passíveis de serem discutidas e,
eventualmente, corrigidas. Assim, na sequência dos trabalhos pioneiros
realizados por G. Zbyszewski, L. Raposo e colaboradores encetaram nova
etapa de estudos sobre o Paleolítico Inferior da região de Alpiarça na década
de 1980.

A exploração da estação de Milharós inscreve-se neste programa de trabalhos.


A indústria compõe-se de bifaces de diversos tipos, machados, raspadores,
seixos talhados núcleos e lascas, com ou sem utilização (Raposo, Carreira &
Salvador, 1985). Dos 314 artefactos identificados, 151 foram recolhidos na
escavação, oriundos do um nível arqueológico bem definido, embora já numa
posição secundária. Do ponto de vista tipológico, o conjunto pode ser
incorporado no Acheulense Final, mais exactamente no chamado Micoquense, Fig. 32
dadas as características morfológicas dos bifaces, onde avultam os
micoquenses típicos, e os lanceolados, para além de outros tipos. Comparando
os bifaces de Milharós com os de outros conjuntos acheulenses peninsulares,
verifica-se, com efeito, a sua clara inclusão no seio das indústrias acheulenses
mais evoluídas: assim, enquanto as indústrias mais recuadas do Acheulense
(Acheulense Antigo e Médio), representadas por estações como Pinedo
(Toledo), El Sartalejo (Cáceres) e Galisancho (Salamanca), virtualmente sem
bifaces lanceolados ou micoquenses, os conjuntos acheulenses mais modernos
(Acheulense Superior e Final), possuem-nos em número significativo, como
San Isidro e Arenero del Oxígeno (Madrid) (Raposo, 1996). A correlação do

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nível arqueológico exposto pela escavação em Milharós com a sequência de
1946 de G. Zbyszewski conduziria a integrá-lo no Riss inicial (camada 7), o
que é manifestamente inviável, dadas as caracterísitcas tipológicas apontadas,
que indicam o Acheulense Final. Assim, o ambiente regressivo, como foi
caracterizado por G. Zbyszewski (depósito de fim de ciclo) estaria
correctamente diagnosticado, mas a cronologia deverá ser revista, situando-a
no início da fase glaciária würmiana.

As caracterísitcas tipológicas dos bifaces de Milharós diferem nitidamente


dos recolhidos nos níveis da base do terraço médio, atribuídos por
G. Zbyszewski ao Acheulense Antigo. Na verdade, é por demais evidente
uma evolução tipológica no Vale do Forno entre ambos estes conjuntos
artefactuais, aspecto já salientado pelo próprio autor do estudo de 1946:

on remarque tout d’abord que dans les horizons inférieurs de la terrasse


moyenne les types sont limités presque toujours aux objects piriformes,
fusiformes et cordiformes. Ils sont taillés suivant une technique trés
primitive qui caractérise les industries abbeviliennes et acheuléennes
anciennes. Au contraire dans les niveaux géologiques plus élevés des
terrasses moyennes les séries sont marquées par l’épanouissement de
formes infiniment plus variées, de techniques de plus en plus evoluées,
parmi lesquelles on trouve des objects micoquiens de travail parfait
(Zbyszewski, 1946, p. 229).

Luís Raposo salientou, justamente, a preocupação em atingir uma forma


perfeita e simétrica, conceptualmente pré-existente no espírito do artífice, o
que revela inegáveis preocupações estéticas e não apenas funcionais.
O cuidado do fabrico revela-se também na técnica utilizada, com recurso
frequente a percutores ou retocadores elásticos, de madeira endurecida ou de
osso, permitindo trabalhos de regularização sobre os bordos das peças. Os
resultados evidenciam, pois, dentro de certos limites, o primado da tipologia
sobre as limitações da matéria-prima disponível: o quartzito disponível, se
bem que qualitativamente inferior ao sílex, proporcionou peças igualmente
belas e tipologicamente afins às confeccionadas, noutras paragens, naquela
matéria-prima como é o caso dos exemplares recolhidos nos terraços do
Manzanares (Madrid).

Ao contrário, os bifaces grosseiros, parciais e de bordos irregulares de perfil


sinuoso, recorrendo quase exclusivamente ao percutor duro, recolhidos nas
cascalheiras inferiores do terraço médio, são compatíveis com o Acheulense
Inferior, coevo da formação de tais depósitos, que G. Zbyszewski atribuiu ao
início do ciclo trangressivo de Mindel-Riss, em torno de 300 000 anos.

A evolução tipológica do instrumental lítico acheulense detectada em


Alpiarça, foi, de forma idêntica, observada noutros sítios onde se procedeu a
uma análise tipológica das indústrias, cruzada com a informação

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crono-estratigráfica correspondente. Mas tais situações são, por enquanto,
excepcionais no que se refere à investigação do Paleolítico Inferior em
Portugal. É disso exemplo a escavação realizada na estação da Quinta do
Cónego (Leiria). Trata-se de um terraço médio do rio Lis, a cerca de 25 m
Fig. 29
acima do leito actual do rio, e deste modo, correlacionável com os terraços
médios de Alpiarça. A sua espessura não ultrapassa 1 m, assentando
directamente no substrato jurássico. J. P. da Cunha-Ribeiro, que ali procedeu
a escavações, identificou um conjunto acheulense, recolhido in situ na
cascalheira da base do terraço. Desta forma, a cronologia destas peças pode
aproximar-se da do conjunto acheulense da base do terraço médio de Alpiarça.
Na verdade, os bifaces oriundos desta camada são de tipologia primitiva,
com formas espessas e um elevado número de peças parciais, tal como o
verificado nos bifaces homólogos de Alpiarça, estando totalmente ausente a
técnica dita "levallois", juntamente com o claro predomínio de lascas de
primeira geração, isto é, extraídas directamente dos seixos em bruto. Tais
características da utensilagem fazem-na corresponder a um momento precoce
do Acheulense, comparável, na região de Leiria, a outros materiais recolhidos
noutros terraços do vale do Lis, cuja base também se situa a altitudes
semelhantes em relação ao leito actual daquele rio: é o caso do terraço (Q 2)
da Quinta da Carvalha (Cunha-Ribeiro, 1990/1991; 1992/1993).

A este conjunto acheulense, sucede-se, no mesmo sítio, um outro,


tipologicamente mais recente, oriundo da parte superior do mesmo terraço,
constituída por coluviões, onde já se encontra presente o talhe "levallois", a
par de machados (hachereaux) de técnica mais evoluída. Com efeito, a
presença deste talhe, confere aos conjuntos acheulenses onde ocorre um cunho
de evidente modernidade, globalmente assimilável ao Acheulense Superior.
É correlacionável com os materiais acheulenses dos níveis médios,
essencialmente argilosos, do terraço médio do Vale do Forno, onde ocorrem
abundantes bifaces e machados (hachereaux), a par de núcleos "levallois".

Importa descrever a referida técnica de talhe em pormenor, dada a sua


evidente importância para o conhecimento das tecnologias paleolíticas.
Trata-se de uma técnica de lascamento de núcleos – no caso seixos de quartzito
disponíveis localmente – tendo em vista a obtenção de lascas de forma
pré-determinada, as quais seriam depois utilizadas para diversas funções,
depois de transformadas ou não. Deste modo, a partir do núcleo inicial,
produzia-se uma série de lascamentos periféricos, proporcionando múltiplos
planos de percussão, utilizados depois para o lascamento centrípeto da face
oposta do núcleo (a dorsal). Depois, em determinado local da periferia do
núcleo assim preparado, usualmente uma das extremidades, obtinha-se, por
pancada ali efectuada, a obtenção de uma grande lasca, sobre a face dorsal,
cujo formato era condicionado pela própria morfologia do núcleo,
pré-determinada. Trata-se de uma lasca "levallois", com duas faces: uma, de

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lascamento, correspondente à superfície de separação do núcleo; outra, de
preparação, conservando parte dos negativos de lasca previamente destacados
da face dorsal do núcleo. O objectivo essencial, era, deste modo, a obtenção
de uma lasca, de tamanho e configuração pré-definidos, a qual poderia possuir
a configuração de uma ponta, ou mesmo de lâmina; neste último caso, a
lasca seria obtida a partir de cristas produzidas na massa nuclear, ou orientadas
segundo uma nervura-guia, conferindo um contorno alongado, mais ou menos
triangular, à lasca pretendida.

A técnica de lascamento "levallois" exigia, naturalmente, um elevado poder


de abstracção, de modo a conceber mentalmente o produto pretendido. Nesta
medida, a capacidade técnica apenas acompanhou o desenvolvimento mental
do artífice, cuja habilidade, aliás, já era suficientemente conhecida na época,
como se comprova pela confecção de belos bifaces regulares, dos quais os
anteriormente referidos de Milharós são apenas o último elo de um
desenvolvimento muito anterior. A técnica ou talhe "levallois" afirmou-se,
com efeito, no Acheulense Superior, persistindo em épocas ulteriores do talhe
da pedra.

Outro sítio paleolítico clássico, com interesse estratigráfico, que forneceu


peças de técnica "levallois" foi o de Mealhada. Os depósitos quaternários
situam-se ao longo do curso do rio Cértima, afluente do Vouga. O seu
atravessamento em profundidade, aquando da abertura de poços, ou mesmo
da construção de edifícios, proporcionou, em diversas épocas, a recolha de
materiais paleolíticos, faunísticos e florísticos. Relacionam-se com um terraço
baixo, bem conservado junto à povoação de Mealhada. Segundo Joaquim
Fontes (Fontes, 1915-1916), foram seis os poços executados entre 1879 e
meados de 1880 cuja estratigrafia se registou, com base na qual se pode
admitir a existência de dois conjuntos sedimentares: o mais antigo, assente
no substrato mesosóico, é constituído por depósitos essencialmente argilosos,
com curtas passagens arenosas; o mais moderno, corresponde a uma
sedimentação detrítica mais grosseira, representada por acumulações
areníticas a conglomeráticas, evidenciando maior competência no agente de
transporte. Segundo as indicações disponíveis, tanto os restos de grandes
mamíferos, como alguns dos artefactos paleolíticos, provêm do conjunto
sedimentar mais antigo, correlacionável com ambiente flúvio-lacustre.
Considerado anterior à última fase glaciária (Würm), face à presença de Pinus
sylvestris e de Betula, C. Teixeira admitiu um clima mais frio que o actual,
que relacionou com o fim da penúltima glaciação (Riss) (Teixeira,
1943/1944). Este investigador refere ainda impressões de folhas de salgueiro
(Salix sp.) e pólenes de loendro (Rhododendron), que são compatíveis com
as condições temperadas/frias indicadas por aquelas duas espécies.

Mais tarde, G. Zbyszewski (Zbyszewski, 1971, p. 31) considerou tais


depósitos como pertencentes à segunda parte do último período interglaciário

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(Riss/Würm), avançando a possibilidade de ser contemporâneo do "começo
da glaciação würmiana ou ainda de um interestádio da mesma", (Zbyszewski,
1977, p. 35). Recentes revisões permitiram melhorar o conhecimento da idade
dos depósitos em causa. Com efeito, este é um dos casos que contraria as
conclusões de ordem cronológica caso fosse aplicada directamente a teoria
eustática: correspondendo tais depósitos a um baixo terraço fluvial, a sua
idade deveria corresponder, como admitiu G. Zbyszewski, ao último período
interglaciário, ou quando muito, ao início da última glaciação, e não a época
anterior, como é o caso. Trata-se, assim, de mais um exemplo (a somar ao já
anteriormente referido, de Algoz), que bem ilustra os cuidados a ter em conta
na atribuição da cronologia dos depósitos exclusivamente com base na
altimetria actual.

A ulterior identificação (Antunes, 1986) de um resto de tigre de dentes de


sabre (Homotherium latidens), reforça a idade ante-würmiana, bem como a
presença de um cavalo de grande porte (Cardoso, 1993). Por outro lado, a
tipologia dos materiais líticos – designadamente daqueles cuja origem
estratigráfica é conhecida (Antunes, Cardoso & Faure, 1988), indica o
Acheulense Superior, compatível com a fase glaciária de Riss, estando
presente a técnica "levallois". É, deste modo, provável que o conjunto argiloso
se tenha formado durante um interestádio daquela fase glaciária,
relacionando-se o conjunto detrítico mais grosseiro que se lhe encontra
sobreposto, com o final daquela fase glaciária. Esta hipótese permitiria, deste
modo, explicar a cronostratigrafia do terraço médio de Alpiarça,
compatibilizando-a com os resultados obtidos em Milharós: assim, a
correlação entre as argilas da parte média do terraço médio de Alpiarça e as
argilas da parte inferior dos depósitos fluviais da Mealhada, permitiria a
atribuição das primeiras a época rissiana, correspondente a melhoria das
condições climáticas, com a instalação de um clima mais quente, e a presença,
entre as espécies de maior porte, de elefante e de hipopótamo. A região
constituiria, então, vasta área deprimida, cortada por cursos de água de planície
aluvial, com trechos mal drenados e alagadiços. As correlações estratigráficas
entre Alpiarça e a Mealhada permitem propor as seguintes conclusões:

- para a cascalheira inferior do terraço médio de Aliarça, atribuída por


G. Zbyszewski ao Mindel, uma época correlativa do início do Riss;
esta atribuição não parece ser contrariada pela tipologia das peças,
ainda que estas possam ser algo arcaizantes;

- para os depósitos médios argilosos, do mesmo terraço, uma cronologia


intra-rissiana, correspondente a uma fase interstadial, identificada na
Europa Ocidental pelos roedores e pelos pólenes (J. Chaline, in
Lumley, 1976);

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- enfim, os níveis superiores mais grosseiros, presentes também na
Mealhada, correlativos da estação de Milharós, seriam do final do
Riss, época em que as condições climáticas voltaram a deteriorar-se.

Esta hipótese, ao comprimir no tempo a formação do terraço médio no decurso


do Riss, não é incompativel com a sucessão técnico-tipológica das indústrias
encontradas, incluindo o conjunto de Milharós, que poderia perfeitamente
integrar-se no final do Riss. Admite-se, porém, que esta proposta deve ser
equacionada a uma escala mais alargada, susceptível de a poder confirmar.

No próprio vale do Tejo, tanto a jusante como, sobretudo, a montante da


importante garganta epigénica constituída pelas Portas de Ródão, desenvolve-
-se um importante dispositivo de terraços, avultando o terraço médio, com
as estações de Monte do Famaco e de Vilas Ruivas, com achados in situ.
Ainda que seja discutivel uma datação tão recuada (Mindel convencional)
para as mais antigas indústrias líticas ali presentes (Raposo, 1987), até pela
falta de recorte tipológico das escassíssimas peças recolhidas in situ e pelas
evidentes limitações dos elementos disponíveis para a datação deste terraço,
na ausência de faunas ou de elementos geocronológicos absolutos (que só
surgem na vizinha estação de Foz do Enxarrique, já do Paleolítico Médio),
importa ter presente a notável abundância de materiais, quase todos de
superfície, que configura uma presença humana de grande intensidade no
decurso do Acheulense, extensível, aliás, a outros vales fluviais do actual
território português.

É o caso do vale médio do Guadiana português, na região de Elvas/Campo


Maior, bem como do curso inferior do rio Caia, seu tributário da margem
direita. Também aqui, a superfície do terraço – neste caso são terraços baixos,
de 8 a 15 m acima dos leitos dos referidos rios, e de características puramente
locais, como os de Vila Velha de Ródão, tornando problemáticas correlações
com outras áreas geográficas – se encontra juncada de indústrias acheulenses.
Algumas estações individualizadas por Lereno Antunes Barradas, seu
descobridor (Barradas, 1939), na esteira das recolhas de Henri Breuil, aquando
da sua primeira estadia em Portugal (Breuil, 1917) não são mais do que
zonas com maior concentração de artefactos. As peças ostentam mais ou
menos rolamento, mas tal característica não poderá ser utilizada como critério
de datação, nem sequer relativa, dada a origem superficial das recolhas. Porém,
Fig. 24 é crível que pesquisas mais aturadas proporcionassem peças in situ, cuja
tipologia poderia concorrer para a pretendida datação dos depósitos. De entre
todas as peças, avultam os triedros. Trata-se de um artefacto de caracterísiticas
arcaicas, com grandes levantamentos obtidos a partir das superfícies primitivas
dos seixos por percussão directa de grandes percutores duros, formando peças
espessas, de secção triangular; nalguns casos, parecem existir formas de
transição para os bifaces parciais (sublinha-se, "de transição" mas não "de
evolução", o que faria pressupor, erradamente, a ideia pré-concebida de serem

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os triedros anteriores aos bifaces). Entre estes, encontra-se uma grande
variedade formal, dominando, porém, os bifaces integráveis em estádio antigo
do Acheulense, a que poderiam pertencer, também, os triedros. Este grupo
tipológico foi objecto de um estudo monográfico, tendo-se demonstrado a Fig. 25
sua predominância no sul (Caia e, sobretudo Guadiana), já que no vale do
Tejo são muito menos abundantes, o mesmo se verificando em estações mais
a norte (Zbyszewski & Penalva, 1988). Tal realidade reforçou a convicção
dos citados autores da sua origem norte-africana, através da transposição do
estreito de Gibraltar, no decurso do Acheulense, na esteira da proposta de
H. Alimen (Alimen, 1975). C. Penalva, aliás, já anteriormente tinha sido
autor de semelhante proposta relativamente a outro instrumento caracterísitico
acheulense, o machado (ou "hachereaux", termo traduzido em português por
"machadinho").
Com efeito, os machados acheulenses ("hachereaux") possuem uma presença
insistente nos inventários e, se mais não ocorrem, tal se deve às limitações
impostas pela matéria-prima, que requeria a disponibilidade de volumes
nucleares de grandes dimensões – no caso do território português, quase
exclusivamente seixos quartzíticos – já que se trata de um artefacto sobre
lasca, possuindo um gume terminal transversal (que justifica a designação
funcionalista adoptada). É, com efeito, um tipo artefactual presente desde o
Acheulense antigo, nas estações do Guadiana, como em Monte da Faia –
avultando, sobretudo, os grandes núcleos para a sua obtenção, que ali são
relativamente comuns – até ao Acheulense Final (de que é exemplo a estação
de Milharós). Sem jamais se afigurarem peças comuns, os machados ocorrem,
com certa insistência, nos níveis médios do terraço médio do Vale do Forno,
Alpiarça, com 8 exemplares (5,1 %) (Zbyszewski & Cardoso, 1978), e no
nível mais antigo do dispositivo de terraços do vale do Lis (correspondendo
à base de um terraço médio, cerca de 25 m acima do nível actual do leito do
rio Lis), com 7 exemplares, ou 7,9 % dos utensílios identificados
(Cunha-Ribeiro, 1992/1993). Como se disse atrás, este nível poderá
correlacionar-se com o nível basal de Alpiarça e, deste modo, pertencer ao
Riss. Este instrumento atinge o limite setentrional do território português,
estando presente no acheulense do litoral minhoto, tal como os triedros
(Meireles & Cunha-Ribeiro, 1991/1992).
As conclusões de J. P. Cunha-Ribeiro, relativamente às características do
Acheulense da pequena bacia hidrográfica do rio Lis, salientam, para além
da presença de "hachereaux" – que como se viu tem sido e continua a ser
invocada por diversos autores como indício da origem africana do Acheulense
da Península Ibérica (Bordes, 1968, 1971; Alimen, 1972; Freeman, 1975;
Penalva, 1978; Villa, 1981, 1993) – a tipologia dos bifaces, espessos e
frequentemente irregulares, que é sem dúvida um aspecto generalizável aos
conjuntos acheulenses portugueses – e um índice de talhe "levallois" nulo,
nalguns casos, muito baixo, noutros.

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A presença de triedros e de "hachereaux", em particular destes últimos, tem
sido considerada como uma das características mais salientes das indústrias
acheulenses peninsulares, mesmo nos conjuntos mais evoluídos, como o de
Milharós, onde os exemplares tecnicamente mais simples, segundo a
classificação de J. Tixier são, no entanto, maioritários.

Importante contributo para o conhecimento da presença de indústrias acheulenses


no interior do país é o recente estudo dedicado aos terraços e conjuntos artefactuais
do vale do Caia, infelizmente publicado apenas sob a forma de relatótio de provas
académicas (Monteiro-Rodrigues, 1996). O autor identificou diversas estações,
nalguns casos com materiais recolhidos in situ, tanto no Alto como no Baixo Caia,
das quais se destacam as seguintes ocorrências:

- no Alto Caia, a Formação Fluvial F2, desenvolvendo-se 10-12 m acima do


nível do leito do rio (cotas medidas a partir da base do correspondente
terraço). Apesar de corresponder, essencialmente, a recolhas superficiais,
foi possível relacionar tais materiais com os identificados em corte
estratigráfico, observado na jazida 2 do Monte da Faia. Com base nas três
séries de desgaste isoladas – mais uma vez, com o recurso ao clássico
"método das séries, de Breuil e Zbyszewski – ao autor pareceu justificável
a comparação da série com maior desgaste (EF 1) com outros conjuntos do
Acheulense Inferior ibérico, designadamente os de Pinedo, em Toledo,
Monte Famaco, em Vila Velha de Ródão e o do terraço Q2 do rio Lis, atrás
mencionado, representando o mais antigo conjunto paleolítico de todo o
Guadiana. Sendo exclusivo o recurso ao percutor duro, para o talhe de seixos
de quartzito, o grupo mais abundante é o das lascas (47,3%), seguindo-se
os núcleos (28,4% e os bifaces (14, 3%). Os seixos afeiçoados correspondem
apenas a 1,4% dos artefactos; esta baixa percentagem é condizente com a
observada no terraço Q2 do rio Lis, mas afasta-se da realidade detectada
em Pinedo, onde tal grupo é o mais importante, com 39% do total dos
artefactos;

- em contrapartida, a série menos rolada (EF 3) encontra paralelos em pelo


menos três estações do Acheulense Médio peninsular: El Prado e El
Martinete, no vale do Guadiana e Quinta do Cónego, no vale do rio Lis.
Parece, deste modo, confirmar-se a validade do "método das séries", desde
que aplicado a conjuntos numericamente representativos, como aliás foi
postulado desde o início da sua utilização.
No Baixo Caia, S. Monteiro-Rodrigues identificou cinco formações fluviais,
escalonadas a altitudes crescentes a partir do leito actual do rio, as quais corres-
pondem, como refere, a depósitos de antiguidade também crescente. Na formação
mais alta, cuja cascalheira da base se situa cerca de 50 m acima do referido leito
(FF1), não se detectaram quaisquer materiais lascados.

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Na formação intermédia (FF2), situada entre 28 e 34 m acima do leito actual,
recolheram-se peças talhadas, as quais, pelo seu estado físico, foram organizadas
em três séries, para além de exemplares com duplas pátines, com significado
cronológico. Mais uma vez, se denota a pouca importância dos seixos afeiçoados,
numa indústria produzida em quartzito, com recurso apenas ao percutor duro. O
autor, embora admitindo a sua inclusão no Acheulense, chama a atenção para a
ocorrência de materiais atribuíveis ao Mustierense de Tradição Acheulense em
diversos locais do outro lado da fronteira, cuja relação com as indústrias em causa
seria possível.

Na formação seguinte (FF3), cuja base se desenvolve entre 20-22 m acima do leito
do Caia, efectuaram-se colheitas de superfície em diversos locais, que constituem
verdadeiras estações; as conclusões foram individualizadas da seguinte forma:
- estação do Caia (estrada internacional): colecção inteiramente constituída
por seixos de quartzito, talhados por percutor duro, onde se encontram
sobretudo representados os produtos de talhe de primeira geração (lascas
corticais) e núcleos, reflectindo esquemas operatórios simples; trata-se de
uma zona de abastecimento e talhe primário da matéria-prima;
- estações de Sortes da Godinha, Herdade da Comenda, Monte Campo – NW,
Ponte da Ajuda e Monte de D. João: destas estações, algumas foram já
referidas no estudo de Lereno Antunes Barradas (BARRADAS, 1939).
Apenas a última forneceu materiais que podem ser directamente
relacionados com o interior do terraço, constituindo um conjunto
homogéneo, apesar de possuírem dois estados físicos relativamente
diferenciados. Não existem dúvidas do seu posicionamento dentro do
Acheulense, dada a existência de um biface (amigdalóide) e de dois triedros.
A FF4, é a formação fluvial seguinte com materiais paleolíticos; corresponde a
retalhos a uma cota entre os 9 e os 11 m. Avultada presença abundante de lascas de
primeira geração, como se verificou em outras formações de terraço mais antigas,
o que pressupõe a existência de oficinas de preparação, aliás favorecidas e explicadas
pela própria abundância de matéria-prima, sob a forma de seixos rolados de
quartzito. Os núcleos estão representados pelos grupos operatórios mais simples;
os de maior complexidade parecem relacionar-se com as séries de menor rolamento,
facto que constitui mais um argumento a favor da validade a aplicação deste método
de seriação cronológica. Os utensílios sobre lasca apresentam, como nos casos
anteriores, fraca representação. No grupo dos bifaces, predominam os parciais
espessos (incluindo as peças unifaciais) e, no que toca aos seixos talhados,
observa-se uma maior abundância, face a outras estações da região atrás referidas;
são exclusivamente talhados, como os restantes utensílios, com o recurso ao percutor
duro. Parece, deste modo, tratar-se de uma indústria acheulense, aliás confirmada
pela tipologia dos bifaces.
Tendo presentes os três grupos de séries, de acordo com o desgaste superficial
correspondente, verifica-se que a mais abundante é a de desgaste intermédio (EF2),
com 221 artefactos, correspondendo à mais antiga (EF1) e à mais recente (EF 3),
respectivamente, 82 e 194 artefactos. No conjunto, verifica-se que as lascas são

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sempre o conjunto mais numeroso; os bifaces, sempre presentes, atingem o máximo
na série mais antiga (7,3%), o mesmo se verificando no grupo dos seixos afeiçoados
(8,5%). Sendo de integrar, globalmente, como é opinião do autor, os três
subconjuntos em causa no Acheulense Antigo, por comparação com outros
atribuídos a tal época (Caia – F2; rio Lis; e Pinedo, cf. Monteiro-Rodrigues, 1996,
Quadro 94), verifica-se que as "modificações técnicas entre EF1, EF2 e EF3 ter-se-ão
processado no seio de um mesmo contexto "cultural" (op. cit.,
p. 357).
Por último, FF5 corresponde à formação mais recente, com terraços cuja base se
desenvolve apenas 3-4 m acima do leito do rio. Na sua maior parte, os materiais,
de recolhas de superfície em diversos retalhos deste depósito, apresentam-se
profundamente boleados (78,5%). Esta facto sugere que se trata de peças
relacionadas com níveis mais altos de terrraços que, por arrastamento e transporte,
vieram depositar-se à superfície ou mesmo no seio dos depósitos mais baixos,
como elementos detríticos remobilizados.

A extensa análise de trechos deste estudo de índole regional justifica-se, já


que se trata de um dos raros contributos publicados em época recente, com
recurso a técnicas de estudo actualizadas, sobre materiais paleolíticos de
estações em terraços fluviais do território português. Deve ser salientado,
em abono dos estudos promovidos anteriormente sob a égide de G.
Zbyszewski, desde o tempo de H. Breuil, que o autor se viu também obrigado
a recorrer ao tão discutido e polémico "método das séries", validado, mais
uma vez, pelos próprios resultados obtidos.

De uma forma geral, e antes de se passar à abordagem das estações do litoral,


verifica-se que a distribuição dos sítios acheulenses no território português
corresponde aos cursos dos grandes rios e seus afluentes. A explicação para
tal é simples: por um lado, os vales fluviais desde sempre constituiram vias
de penetração e de circulação de grupos humanos, favorecidas pela suas
características geomorfológicas e ainda por ali abundarem os recursos
naturais, a começar pela água e, também, por serem tais domínios ricos de
matérias-primas propícias ao talhe, resultantes da acumulação de materiais
detríticos grosseiros em terraços fluviais ao longo dos referidos vales. É essa
realidade que explica, por exemplo, a grande abundância de indústrias
acheulenses na bacia do Douro Médio (região de Salamanca) e a sua quase
ausência, exceptuando a zona vestibular com o oceano, no vale do referido
rio, em território português.

A relação dos terraços fluviais com as praias levantadas do litoral, dificilmente


se pode estender muito para montante das zonas vestibulares respectivas. No
concernente ao território português, são de referir os terraços do rio Minho,
que se relacionam com as praias levantadas do litoral adjacente; mais para

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Sul, para além do Douro, também na embocadura do Tejo, nas vizinhanças
de São Julião da Barra (Oeiras), se encontram representados terraços médios,
atribuíveis ao Tirreniano (a cerca de 20 m de altitude), aonde se recolheu in
situ um conjunto de seixos afeiçoados atribuíveis ao Acheulense Superior
(Breuil & Zbyszewski, 1945; Zbyszewski et al., 1995). Enfim, na zona do
paleoestuário do rio Guadiana, também se recolheram peças paleolíticas in
situ atribuíveis ao Acheulense. Foi Mariano Feio (Feio, 1946), o primeiro a
chamar a atenção para o corte de Aldeia Nova, perto de Vila Real de Santo
António e para o seu modo conjugado de formação, de tipo flúvio-marinho.
Mais tarde, foi proposto um "modelo de sedimentação deltaica, talvez
resultante de enchimento progressivo de um estuário pré-existente, em estreita
dependência de acarreios continentais grosseiros ..." (Cardoso, Raposo &
Medeiros, 1985, p. 183). As peças talhadas mais antigas – as únicas que por
ora interessam, conquanto em número escasso e tipologicamente
incaracterísticas – provêm de uma camada cascalhenta, relacionável com o
início de um período glaciário, talvez do último. Mas tais peças, muito roladas,
são claramente anteriores, inscrevendo-se no grupo dos seixos afeiçoados
coevos do Acheulense, os quais dominam largamente nas estações paleolíticas
do litoral.

Com efeito, apesar de, nas estações paleolíticas atrás referidas, estarem
invariavelmente presentes seixos afeiçoados por talhe uni ou bifacial, onde
estes se apresentam com maior expressão, constituindo nalguns casos a
totalidade da utensilagem, é nas jazidas correlacionadas com as praias
levantadas quaternárias existentes ao longo do litoral português, conferindo
a tais conjuntos um aspecto particular, que H. Breuil e G. Zbyszewski,
surpreendidos com tão evidente arcaísmo e outros particularismos
morfológicos supostamente de natureza geográfica, baptizaram de
"Lusitaniano":

La deuxième partie de cette étude porta sur les plages d’Estremadura, depuis
Peniche juqu’à Setúbal. C’est dans cette région que Breuil définit les
industries paléolithiques de "style" lusitanien", représentées par de
nombreux galets de quartzite de petite taille, tronqués à l’une de leurs
extrémités par une ou deux tailles très simples et très primitives.

Ficava, deste modo, justificada a criação deste novo termo, o qual, doravante,
passaria a designar as indústrias desprovidas de bifaces que, de Leixões a
Vila Real de Santo António se distribuem abundantemente pelas praias
quaternárias, "imprimant à l’ensemble du vieux paléolithique des côtes
portugaises un aspect inattendu ..." (Breuil, Vaultier & Zbyszewski, 1942).

Porém, seria mesmo inesperado que tais indústrias não contivessem bifaces?
E justificar-se-ia a criação de um termo próprio, na ausência daqueles
artefactos acheulenses? Quanto à segunda questão, a resposta é fácil: é

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considerada por muitos condição essencial para a aplicação do termo
"Acheulense" a existência de bifaces; estaremos nas condições já definidas
por V. Oliveira Jorge (Jorge, 1972), que presidiram a designações de índole
cultural, como a de "Conjuntos industriais de seixos afeiçoados". Mas, se se
atribui ao termo Acheulense um significado essencialmente cronológico, à
semelhança do perfilhado para o termo Pré-Acheulense, tal como ele foi
anteriormente definido, então é óbvio que as indústrias essencialmente sobre
seixos afeiçoados da costa portuguesa poderão receber a designação de
acheulenses. Aliás, a generalização da ausência de bifaces em tal domínio
geográfico é abusiva: nalguns casos, estes ocorrem, e, até, com bom recorte
tipológico, em associação com as indústrias de seixos afeiçoados, nos locais
onde as características da matéria-prima tal permitia: é o caso dos belos bifaces
do Acheulense Superior de Lourinhã, recolhidos por I. e H. Mateus. É, pois,
nas limitações impostas pelo material disponível que se deve reportar a maior
ou menor presença de bifaces, e não a qualquer outro constrangimento, como
julgavam Breuil e Zbyszewski, de natureza cultural invocando a paralisia da
engenhosidade, determinada pela pouco exigente vida do litoral (cf. Breuil,
Vaultier & Zbyszewski, 1942). Este aspecto detém evidente importância: se
é certo que a natureza da matéria-prima, por si só, não constitui factor
incontornável na obtenção de instrumentos clássicos, como os bifaces, mesmo
daqueles confeccionados em rochas muito desfavoráveis como o quartzo, de
que se conhecem, não obstante, exemplares de grande qualidade, já o tamanho
das massas nucleares originais foi determinante para a possibilidade da sua
obtenção, tal como a de outros artefectos acheulenses, como é o caso dos
"hachereaux" sobre lasca, como já anteriormente se referiu. Sobre o
significado da ausência ou escassez de bifaces nestas praias levantadas,
transcreve-se o seguinte trecho, a propósito de uma situação semelhante
(Cunha-Ribeiro, 1992/1993, p. 110):

(...) já em 1977, A. Jelinek sugeria a possibilidade de se poder atribuir à


utilização de seixos rolados de quartzito como matéria-prima preferencial
o aspecto algo fruste dos bifaces do Acheulense do Sudoeste da Europa,
bem como a presença de "hachereaux" e o baixo índice levallois que aí se
registava (...). Eliminavam-se dessa forma os pressupostos que levaram a
considerar a existência de uma província cultural distinta no Sul da Europa,
pressupostos esses que atribuíam a tais características um significado
exclusivamente cultural.

Desta forma, ficaria, no caso português, legitimada a aplicação do termo


Acheulense às indústrias litorais, sobre pequenos seixos, onde os bifaces,
apesar de excepcionais, quando ocorrem, apresentam formas clássicas.
Aliás, a maior ou menor presença de bifaces – até à sua completa ausência –
em conjuntos acheulenses, em consequência do volume das massas líticas
disponíveis para a sua preparação, foi situação cabalmente discutida no litoral

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minhoto: com efeito, na formação marinha M 10, contemporânea do último
período interglaciário, cerca de 96% dos seixos diponíveis para o fabrico de
utensílios situam-se entre 16 e 45 mm, o que explica a total ausência de
bifaces ou de "hachereaux"; em contrapartida, na formação M 9, onde apenas
16 % dos seixos se situa entre aqueles limites dimensionais, ocorrendo 17 %
nas classes superiores a 91 mm, observa-se "uma macro-utensilagem mais
diversificada, na qual estão presentes, além de seixos talhados, outros tipos
de utensílios, tais como bifaces, "hachereaux", triedros, etc. (...)" (Meireles
& Cunha-Ribeiro, 1991/1992, p. 39).

Em suma, parecem deste modo esbater-se as diferenças culturais que suposta-


mente existiriam entre as estações acheulenses do interior do país,
concentradas ao longo dos vales fluviais mais importantes, com depósitos
quaternários correlativos, e as suas congéneres do litoral, até porque, em
alguns casos, como Milharós, é significativa a percentagem de seixos talhados
associados a bifaces (Raposo, Carreira & Salvador, 1985).

As vastas áreas do interior do país onde ainda não foram identificadas


indústrias acheulenses, corresponderão a zonas que, devido à dificuldade de
obtenção de matérias primas, mesmo de baixa qualidade, não foram ocupadas
com intensidade.

Uma das grutas que forneceu alguns materiais acheulenses, e, ainda assim,
em posição derivada, é a da Nascente do rio Almonda. Com efeito, numa das
galerias, foi recolhido um conjunto de cerca de 50 bifaces (a chamada "Galeria
dos Bifaces") e de mais de uma centena de lascas, a maioria de quartzito,
mas também de quartzo e de sílex, constituindo três concentrações,
correspondendo à redistribuição de materiais oriundos da superfície por
gravidade. As três datações pelo U/Th, obtidas sobre peças dentárias de cavalo,
aparentemente associadas às referidas concentrações de materiais, indicam
um intervalo de tempo entre 120 000 e 200 000 anos, compatível com as
características tecno-tipológicas das peças recolhidas (Zilhão & McKinney,
1995).

Mais recentemente, numa outra cavidade cársica do sistema subterrâneo do


Almonda, foi explorada, em 1997 e em anos subsequentes, outra galeria, a
chamada Galeria Pesada, numa área perto da antiga entrada (Marks et al.,
2002). Tal escavação propiciou a recolha de uma associação lítica até ao
presente desconhecida na Península Ibérica, consistindo em raros bifaces
tipicamente acheulenses, e uma presença importante de utensílios foliáceos
bifaciais, bifaces plano-convexos de pequenas dimensões assimétricos, para
além de outros tipos, como raspadores de quartzo. Estas indústrias
encontraram-se conjuntamente com restos de cervídeos e de equídeos, cujas
marcas de corte indicam aproveitamento sistemático por parte dos grupos

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humanos que ocuparam a cavidade, no Paleolítico Inferior/transição para o
Paleolítico Médio, a qual coincide igualmente com a passagem do Plistocénico
Médio para o Plistocénico Superior; com efeito, as indicações cronométricas
provisórias, indicam um intervalo de tempo entre 240 000 e 180 000 anos.

A importância desta associação industrial resulta do facto de constituir, até o


presente, a mais variada das conhecidas em qualquer contexto da mesma
época da Península Ibérica, exceptuando, talvez, Atapuerca, na província de
Burgos (Marks, 2005), onde ocorrem produções micoquenses mais antigas
que as identificadas na Europa Central e Oriental. Essa parece ser também a
realidade documentada na Galeria Pesada.

No conjunto, parece evidenciar-se um faseamento do Acheulense português


em três estádios, em particular no Vale do Tejo, mas também no litoral norte
do País, eventualmente correlacionáveis, onde os estudos estratigráficos e
tipológicos mais se desenvolveram. Mas é a região de Alpiarça que, de todas
as estudadas modernamente, mais do que a do Lis, pela riqueza da informação
estratigráfica e arqueológica, mais informações fornece sobre as três fases
em que o Acheulense pode ali ser subdividido, todas elas dominadas pela
presença de artefactos essencialmente talhados em quartzito e em quartzo. O
uso do sílex acantona-se essencialmente à região de Lisboa e de Rio Maior,
o que não impediu, noutras regiões, a feitura de peças de recorte absolutamente
característico.

É constante a associação de bifaces e de "hachereaux", mais raramente de


triedros, a artefactos sobre lasca, e o surgimento da técnica "levallois", ainda
que muito residualmente, no segundo estádio (Acheulense Médio). A
existência de seixos afeiçoados é também uma situação generalizável aos
três estádios considerados, com quantitativos muito variáveis. A aplicação
do percutor brando permitiu a confecção de bifaces regulares, lanceolados
ou mesmo micoquenses, os quais, sendo conhecidos em datas recuadas na
Galeria Pesada (Almonda), se tornam mais frequentes na fase final do último
estádio (Acheulense Final), contrastando com os bifaces grosseiros e
irregulares, do tipo amigdalóide, de contorno sinuoso e talhado a percutor
duro, das fases anteriores.

Do ponto de vista da cronologia absoluta, crê-se não ser possível adiantar


com segurança, como tem sido usual, uma cronologia mindeliana para os
conjuntos mais antigos: com efeito, os elementos estratigráficos são escassos
(base do terraço médio de Alpiarça e base do terraço Q2a do vale do Lis) e
não autorizam uma datação tão antiga (que no entanto seria aceitável para os
altos terraços de Alpiarça, cujos depósitos não ofereceram materiais in situ).

Os conjuntos dos níveis médios de Alpiarça, atribuíveis ao Acheulense


Superior, com belos bifaces e "hachereaux", possuem paralelo em outras

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estações com estratigrafia do Baixo Tejo, sendo de destacar a do Cabeço da
Mina, Salvaterra de Magos, objecto de uma escavação pioneira, a primeira
efectuada numa estação paleolítica de ar livre em Portugal (Corrêa, 1940) e
a de Samouco, Alcochete (Zbyszewki & Cardoso, 1978).

Enfim, o conjunto mais moderno registado na região de Alpiarça, em


Milharós, pertence, como já foi atrás referido, ao Acheulense Final; nele é
patente a manutenção de indústrias com bifaces, onde já se encontra presente
(ainda que vestigialmente) a técnica "levallois", talvez coevas de outras, já
de características mustierenses (Raposo, 1996), que se começavam a
desenvolver por essa época no Baixo Tejo, como Santo Antão do Tojal
(Loures), denunciando um conservadorismo tecnológico que conviria ver
mais claramente caracterizado. Neste âmbito se insere também a estação do
Casal do Azemel, Leiria, integrável, tal como a sua vizinha do Casal de Santa
Maria, provavelmente já no último período glaciário (Cunha-Ribeiro, 2000).
A escavação de uma área de 135 m², proporcionou a recolha de 3432 peças
talhadas. No conjunto, trata-se de uma indústria onde dominam os utensílios
sobre lasca, sugerindo uma aproximação das indústrias do Paleolítico Médio,
mas ainda integrável no Acheulense Final, devido à presença de bifaces e de
"hachereaux"; o talhe "levallois" é também vestigial. Entre as peças sobre
lasca, ocorrem em grande quantidade peças bifaciais plano-convexas, de
produção padronizada, com gumes convexos e regulares, facilmente
reaviváveis, as quais, sublinham a originalidade da indústria desta estação
no quadro regional actualmente conhecido; com efeito, só têm paralelo em
conjuntos além-Pirenéus, inseríveis no Micoquense. Esta realidade parece,
assim, mostrar o muito que ainda se terá de fazer, tomando como ponto de
partida escavações em sítios mais promissores, necessariamente com um
quadro geocronológico bem conhecido à partida, sobretudo os já reconhecidos
na região do Baixo Tejo, seguidas do estudo exaustivo dos materiais. Só
assim será possível conhecer com maior detalhe não só as caracterísiticas
evolutivas do Acheulense no território português, mas também as modalidades
de que se revestiu a sua transição para os conjuntos industriais do Paleolítico
Médio (transição ou ruptura?).

Para uma adequada caracterização da presença humana em Portugal no


decurso do Paleolítico Médio – globalmente situável entre o último período
interglaciário cerca de 120 000 a 100 000 anos e cerca de 28 000 anos BP,
importa partir da caracterização sumária dos sítios mais importantes
reconhecidos em território português, a partir da qual se procederá a uma
síntese dos conhecimentos actualmente disponíveis, bem como das principais
questões que tal conhecimento suscita, na actualidade, com evidente projecção
internacional, designadamente a questão da extinção dos últimos neandertais
e as modalidades da sua substituição pelo Homem moderno.

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4. O Paleolítico Médio e o Mustierense

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Para o conhecimento da presença humana no actual território português no
decurso do Mustierense – o único complexo cultural do Paleolítico Médio
até agora reconhecido e caracterizado neste espaço geográfico (Bicho, 2004)
– cujo terminus se terá verificado cerca de 35 000 anos, em datas calibradas
antes da nossa era limite que, actualmente, recolhe o consenso geral, importa
proceder à caracterização sumária dos sítios mais importantes até ao presente
reconhecidos. Este exercício suportará a discussão das principais questões,
conducente, na parte final deste apartado, a uma síntese conclusiva sobre os
padrões de exploração e de ocupação dos territórios, em estreita articulação
com a evolução das características paleoclimáticas e paleogeográficas dos
ambientes em que decorreram as actividades humanas.

Embora algumas das grutas com ocupações mustierenses tenham sido


adequadamente escavadas ainda no século XIX, como é o caso da gruta da
Furninha, e os materiais cuidadosamente registados de acordo com os níveis
em que foram recolhidos (Delgado, 1884), no decurso do século XX
assistiu-se ao decréscimo do interesse pela escavação de grutas, em benefício
do estudo das indústrias líticas de superfície, ou de estações de ar livre, via
de regra desprovidas de indicações estratigráficas. Esta realidade foi motivada
por duas ordens principais de razões: por um lado, a impossibilidade de se
efectuarem prolongadas e metódicas explorações em grutas, resultante da
falta objectiva de arqueólogos com competência e disponibilidade para tal;
por outro lado, a ausência de vias de financiamento que as suportassem
impediu a formação de investigadores que, em colaboração com especialistas
de outras nacionalidades, pudessem encetar de forma consequente esta linha
de investigações, como sucedeu em Espanha. Assim, o estudo de materiais
paleolíticos em Portugal ficou limitado, desde os princípios do século XX e
até aos inícios da década de 1960, aos resultados das colheitas de superfície,
de baixo investimento e segundo metodologia que poderia ser rapidamente
apreendida por qualquer amador em poucas horas, o que motivou a
multiplicação das colheitas. Foi o caso das ricas estações paleolíticas dos
arredores de Lisboa, adiante tratadas, objecto de intensas colheitas desde a
descoberta da célebre estação de Casal do Monte, às portas de Lisboa, em
1909, por Joaquim Fontes. Esta linha de estudo de materiais paleolíticos foi,
no início da década de 1940, fortemente incentivada pela presença de H.
Breuil em Portugal (entre Junho de 1941 e Novembro de 1942), legitimando
a valia de tal tipo de colheitas, com a adopção de um método que resolvesse
as limitações decorrentes da ausência de elementos estratigráficos: trata-se
do já referido "método das séries", baseado tanto na tipologia como no estado
físico das indústrias; assim, quanto maior fosse o desgaste superficial dos
exemplares, incluindo a identificação da sobreposição de sucessivas acções
erosivas (água, vento), maior seria a sua antiguidade, partindo do princípio
que todos estiveram sujeitos às mesmas condições, desde que foram
abandonados à superfície do solo. Sem pretender discutir os méritos e

87
© Universidade Aberta
limitações deste critério trabalho, que continuou a ser aplicado em Portugal,
durante os sessenta anos seguintes, devido ao labor de G. Zbyszewski,
discípulo de Breuil, verifica-se que foi ele que, quase em exclusivo, presidiu
às classificações das indústrias do Paleolítico Inferior e Médio em Portugal
até aos inícios da década de 1980, quando despontou pequeno conjunto de
investigadores que, embora com formações científicas diferentes, conse-
guiram mobilizar, pela primeira vez, e por diversas formas, os financiamentos
mínimos necessários à investigação prolongada de depósitos de gruta ou de
estações de ar livre.

Apesar da escassez de recursos humanos, é neste período, que abarca os


últimos 25 anos, que se produziram os avanços mais significativos no
conhecimento do Paleolítico Médio em Portugal, aliás indissociável das
investigações produzidas no Paleolítico Superior, que progrediram
paralelamente, tendo em consideração que os sítios, ou eram os mesmos, ou
se situavam na mesma área geográfica, especialmente o Maciço Calcário da
Estremadura e áreas limítrofes, onde abundam as cavidades de origem cársica
com distintas ocupações, justificando assim a sua investigação integrada.

Os estudos que actualmente prosseguem sobre o Paleolítico Médio em


Portugal, tiveram a sua imediata antecedência, nos inícios da década de
1960, nas escavações da Gruta das Salemas (Loures), logo seguida pela da
Gruta Nova da Columbeira (Bombarral), ambas por iniciativa dos Serviços
Geológicos de Portugal, o único organismo oficial que detinha recursos e
técnicos adequados para promover tais investigações e, mesmo assim, de
forma circunstancial e limitada, encontrando-se subordinada às investigações
relacionadas com os levantamentos geológicos do País, a cargo da referida
Instituição. Mesmo assim, foi com as escavações realizadas naquelas duas grutas,
em que se destacou O. da Veiga Ferreira, que se inaugurou a investigação
moderna do Paleolítico Médio e do Paleolítico Superior em Portugal.

4.1 Estações dos arredores de Lisboa

Datam de finais do século XIX as primeiras recolhas de materiais paleolíticos


nos arredores de Lisboa, primeiro na serra de Monsanto, onde a abundância
de sílex, que ali ocorre sob a forma de nódulos nos calcários duros do
Cretácico, possibilitou o talhe de muitas centenas de milhares de peças, em
oficinas que laboraram ao longo de boa parte do Paleolítico, prolongando-se
por tempos pós-paleolíticos. Contudo, as sucessivas explorações dos calcários
cretácicos, na referida serra, em especial após o grande megassismo de 1755,
fizeram desaparecer boa parte dos vestígios ali existentes. Deste modo, onde
as colheitas mais profícuas se revelaram foi na vasta área ocupada por solos

88
© Universidade Aberta
basálticos que, de uma forma quase contínua, se desenvolvem desde a região
de Cascais, até à de Loures, formando um longo arco de círculo em torno da
capital, com uma maior concentração de ocorrências na região de Amadora e Fig. 33
de Benfica: por tal motivo, a extensa mancha paleolítica reconhecida nesta
região tem sido designada por Paleolítico do Complexo Vulcânico de Lisboa.

Em 1932, A. do Paço, cartografou 94 sítios paleolíticos em torno da capital;


tal inventário foi actualizado ulteriormente, mas sem alterações de maior
(Jalhay & Paço, 1941). Muitos desses sítios tinham sido anteriormente
identificados por Vergílio Correia e por Joaquim Fontes que, em 1912, mas
seguindo investigações independentes, apresentaram as primeiras sínteses
sobre tais estações, demonstrando a riqueza paleolítica da região. Deve-se,
aliás, a Joaquim Fontes, a identificação da primeira e certamente mais
importante estação desta região, o Casal do Monte, em 1909, por ele
prontamente publicada no ano seguinte. Foi, aparentemente, este autor o
primeiro a utilizar o termo "Mustierense" em Portugal ("época de Moustier"
e "tipo do Moustier"), em 1912, ao estudar alguns exemplares recolhidos nas
estações dos arredores de Lisboa, declarando ter seguido a nomenclatura de
G. e A. de Mortillet.; animado pelo interesse que despertaram além-fronteiras
as suas descobertas, dada a escassez de elementos então conhecidos sobre o
Paleolítico Inferior e Médio do território português, Joaquim Fontes
apresentou, nesse mesmo ano, à 8.ª Sessão do Congresso Pré-Histórico de
França, reunido em Angoulême, a primeira síntese sobre o Mustierense em
Portugal. Neste trabalho, caracterizam-se os principais tipos de instrumentos
mustierenses, com base nas colheitas efectuadas nas estações dos arredores
de Lisboa, mencionando-se a Gruta da Furninha, como a única estação de
interesse estratigráfico então conhecida, com base nas escavações ali
efectuadas por Nery Delgado em 1879, adiante mencionadas.

Com a revisão sistemática do Paleolítico da região de Lisboa, por H. Breuil


e G. Zbyszewski, foram estudados, de forma exaustiva, os milhares de
utensílios recolhidos anteriormente, muito aumentados por colheitas próprias,
permitindo assim a identificação de uma ampla sucessão de indústrias, desde
o Acheulense Inferior a tempos pós-paleolíticos. Tão grande abundância de
indústrias é explicada pela larga diacronia de tal sucessão; pelo isolamento
geográfico, já que se trata de uma quase península, limitada pelo Oceano a
Oeste, pelo estuário do Tejo a sul e a nascente pelo vale do Tejo; e, sobretudo,
pela disponibilidade de matéria-prima, representada essencialmente pelo sílex
do Cretácico, e, em menor grau, pelos seixos de quartzo e de quartzito,
oriundos de antigas coberturas do Plio-Plistocénico, hoje quase totalmente Fig. 34
desaparecidas.

Tendo presentes as características técnico-tipológicas da utensilagem, o auge


da presença humana deve ter-se verificado no decurso do Mustierense. Nessa
altura, os terrenos basálticos, de morfologia pouco acidentada, retendo

89
© Universidade Aberta
água a pouca profundidade, e provavelmente com densa cobertura arbustiva,
pontuando manchas florestais circunscritas, corresponderiam a domínios
privilegiados para a caça, favorecidos ainda pelo clima pouco rigoroso,
explicado pela baixa latitude e pela proximidade oceânica. Com efeito,
a abundância destes acampamentos de ar livre, em detrimento da ocupação
de grutas, quase sempre de carácter esporádico, indica a existência de um
clima globalmente benigno, no decurso de boa parte da última glaciação.

Tão acentuada é a dispersão de materiais paleolíticos á superfície, que, às


concentrações localmente observadas, todas elas invariavelmente desprovidas
de interesse estratigráfico, foi negado o estatuto de verdadeiras estações
arqueológicas. E não o são, com efeito, no sentido tradicional do termo,
querendo-as fazer corresponder a distribuições delimitadas de artefactos, com
posição estratigráfica bem definida:

"Celles-ci se trouvent largement dispersées sur toutes les surfaces


accessibles aux recherches et ne sauraient réelement, quoique plus dense
en certains points, être localisées en vraies stations" (Breuil & Zbyszewski,
1942, p. 32).

Actuadas pela gravidade e por movimentos de massa pós-deposicionais mais


ou menos difusos, as peças dispersaram-se pelas encostas, enquanto que,
nos altos, a erosão pôs a descoberto os afloramentos basálticos e, no fundo
dos vales, os sedimentos finos cobriram os níveis mais antigos, com materiais
paleolíticos. Esta realidade não contradiz, contudo, a existência de manchas
com evidentes concentrações de artefactos, separadas por áreas onde eles
não ocorrem, como já Joaquim Fintes tinha claramente sublinhado, no seu
trabalho de 1912.

Na mais recente síntese dedicada ao Paleolítico do Complexo Vulcânico de


Lisboa (Cardoso, Zbyszewski & André, 1992), demonstrou-se a dependência
entre a natureza das matérias-primas utilizadas e as fontes geológicas regionais
Fig. 35
potencialmente disponíveis. Assim, enquanto que, nos domínios mais
ocidentais desta mancha paleolítica, próximos dos nódulos de sílex existentes
nos calcários duros e recifais cretácicos (Cenomaniano superior), é esta a
matéria-prima que predomina, no sector central, correspondente à maior
concentração de materiais, verificada na área de Amadora e Benfica,
observa-se o aumento da utilização do quartzito e do quartzo, localmente
disponíveis em retalhos de depósitos detríticos Plio-Quaternários. Enfim, na
zona mais oriental, na área de Loures, são os seixos de quartzo filoneano que
dominam, oriundos dos depósitos detríticos terciários. Tais factos mostram
que, não obstante a assinalável mobilidade destes grupos e as escassas dezenas
de quilómetros que separam a zona oriental da ocidental desta região, a
confecção dos artefactos era feita localmente, à medida das necessidades e
de forma oportunista, com recurso às rochas localmente disponíveis.

90
© Universidade Aberta
4.2 Terraços do vale do Tejo e dos seus afluentes da margem
esquerda

4.2.1 Foz do Enxarrique (Vila Velha de Ródão)

Situada a montante da anterior e das Portas de Ródão, e em relação com um


terraço baixo do Tejo de 5-10 m, atingido ciclicamente pelas cheias do rio,
reconheceu-se um único nível arqueológico, escavado em cerca de 150 m²,
constituído por sedimentos finos que permitiram, pela precipitação do
carbonato de cálcio, a conservação dos restos faunísticos correlativos da
ocupação humana (Raposo, Silva & Salvador, 1985). Na verdade, a associação Fig. 45
do conjunto faunístico – com veado, cavalo, auroque, coelho, rinoceronte e
elefante (Cardoso, 1993; Brugal & Raposo, 1999), dominando largamente
as duas primeiras espécies – à ocupação humana foi questionada por J. Zilhão;
contudo, é o mesmo autor que admite, ulteriormente, que, ainda que os restos
das espécies de maior porte, como elefante e rinoceronte, possam corresponder
a uma acumulação natural, a que se somariam os restos de carnívoros, como
hiena, raposa e eventualmente o urso, já os restos remanescentes, sobretudo
de veado, que ascendem a cerca de 90% do total, evidenciam marcas de
corte e de fogo, pelo que a sua manipulação antrópica é inquestionável (Zilhão,
2006). Desta forma, mesmo tendo em consideração estas reservas,
ulteriormente muito mitigadas pelo próprio, considera-se como globalmente
válida, a referida associação faunística com os materiais líticos exumados,
indício do estacionamento de pequeno grupo humano naquele sector da
margem do rio, na confluência com afluente da margem direira da ribeira do
Enxarrique.

A média ponderada das três datações pelo U/Th realizadas sobre dentes de
cavalo (2) e de auroque (1), deu o resultado de 33 600 anos ± 500 anos BP.
No conjunto lítico, talhado em grande parte no local, configurando a existência
de um "work camp", é dominado pelo aproveitamento dos seixos de quartzito
localmente disponíveis em grande quantidade, nas cascalheiras do terraço
ali existente.

Foram recuperados cerca de 10 000 artefactos, infelizmente ainda não estu-


dados em pormenor. É frequente a técnica levallois, seja sob a modalidade
centrípeta na exploração dos núcleos, seja sob a modalidade de levantamento
preferencial de uma lasca ou ponta, estando presentes todas as etapas da
cadeia operatória da sua preparação e lascagem, bem como os produtos deles
obtidos, em boa parte utilizados tal qual, dada a raridade de utensílios
retocados.

O sítio da Foz do Enxarrique, pela grande quantidade de materiais que


forneceu, pelas suas caracterísiticas estratigraficas e cronologia absoluta e

91
© Universidade Aberta
ainda pela valiosa informação faunística ali reunida, constitui um dos mais
importantes sítios do Paleolítico Médio Final de ar livre da Península Ibérica.

4.2.2 Vilas Ruivas (Vila Velha de Ródão)

Duas datações de pelo método da termoluminiscência deram a média


ponderada de 54 000 anos +12 000; -11 000 anos BP, relacionada com a
ocupação da superfície de um retalho de terraço quaternário a jusante das
Portas de Ródão com uma cota de 32 m acima do nível das águas do Tejo
(Raposo, 1995). A indústria pertence ao Paleolítico Médio, estando presentes
núcleos levallois e discóides, e os correspondentes subprodutos, para além
de escassos utensílios retocados (raspadores e denticulados). O interesse
principal do sítio decorre de ali se terem conservado duas estruturas em arco,
talvez correspondendo ao embasamento de paraventos, protegendo prováveis
estruturas de combustão (lareiras-calorífero) evidenciadas pela acumulação
de termoclastos. Também se identificaram quatro estruturas negativas, de
planta circular, com cerca de 20 cm de diâmetro, que poderiam ser
interpretadas como buracos de poste. Luís Raposo não hesita quanto à origem
antrópica destas estruturas, não só pela sua configuração, mas porque são
constituídas por seixos transportados para o local, dada a natureza fina,
arenosiltosa, do depósito geológico subjacente. A estação de Vilas Ruivas
pode, assim, conotar-se com o estacionamento de um grupo que explorava
os recursos cinegéticos da região adjacente ao grande rio peninsular,
construindo lareiras e utilizando a abundante matéria-prima disponível
localmente (sobretudo seixos rolados de quartzito) para transformação no
local ("working camp site"); já para J. Zilhão, seguindo o modelo
etnoarqueológico de L. Binford estar-se-ia perante um acampamento de caça,
atribuindo as duas estruturas em arco a "hunting blinds" (Zilhão, 1992),
salientando a sua semelhança com as documentadas nos sítios gravettenses
do Côa, cerca de 150 km para Norte (Zilhão, 2001).

4.2.3 Vale do Forno (Alpiarça)

Os termos médios da sequência sedimentar do terraço médio do vale do Tejo


na região de Alpiarça, em Vale do Forno, forneceram materiais característicos
do Acheulense Superior, atrás referidos; situar-se-ão já em época tardia deste
tecnocomplexo, entre o Riss Final e o Würm Antigo, de acordo com as
datações radiométricas realizadas em dois dos seus níveis, VF 7 e VF 8

92
© Universidade Aberta
(Raposo, 1995). Fica assim delimitado o limite cronológico inferior do
Mustierense em Portugal, pelo menos naquela região, sem prejuízo de, noutras
áreas geográficas, já se poderem encontrar presentes tais indústrias; mas a
falta de datações absolutas impede a discussão adequada desta questão em
termos científicos.

Uma das estações exploradas, Vale do Forno 8, atribuída ao Acheulense


Superior e situada por Luís Raposo no Riss Final, forneceu, em associação
com exemplares típicos acheulenses, como bifaces e machados, numerosos
artefactos sobre lasca, que remetem para o Paleolítico Médio, de sílex e de
quartzito, como pontas de Tayac, raspadores, denticulados, furadores e núcleos
discóides com planos de percussão preparados, os quais possuem estreitos
paralelos nas estações da margem esquerda do estuário do Tejo, situadas
mais a jusante: "This allows the inclusion of these assemblages into a wider
idea of the Middle Palaeolithic, despite the presence of techno-typological
characteristics very different from the real Mousterian industries" (Vega
Toscano, Raposo & Santonja, 1999). No entanto, tratando-se de um nível
sedimentar formado em ambiente fluvial e não de um verdadeiro solo de
habitat, falta demonstrar a efectiva contemporaneidade de ambos os conjuntos
aludidos, o de características acheulenses e o constituído por artefactos sobre
lasca. Seja como for, a sucessão de indústrias encontradas in situ no complexo
sistema de terraços do Baixo Tejo na região de Alpiarça permitirá, quando se
recolherem dados mais completos, a discussão da transição das indústrias do
Paleolítico Inferior para o Paleolítico Médio, à semelhança do verificado em
outros grandes sistemas fluviais peninsulares, como os vales do Manzaneres
e do Tormes.

4.2.4 Arneiro Cortiço (Benavente)

H. Breuil e G. Zbyszewski, na obra de síntese sobre os terraços quaternários


do Baixo vale do Tejo e das indústrias paleolíticas correlativas, publicaram
diversos materiais paleolíticos relacionados com os terraços do rio Almansor,
afluente da margem esquerda do Tejo, embora só uma pequena parte tenha
sido recolhida in situ (Breuil & Zbyszewski, 1945). Mais tarde, o segundo
dos autores, na companhia de O. da Veiga Ferreira, identificaram outros locais
na mesma região; em quatro desses locais, foram efectuadas recolhas in situ,
nos depósitos de cascalheiras do baixo terraço (Q4, entre 8 e 20 m); os
materiais, exclusivamente sobre seixos e lascas de quartzito, foram
classificados entre o Acheulense Superior e o Mustierense.

Estas ocorrências, como muitas outras, não mereceriam especial atenção em


trabalho de síntese como este, por se tratarem de recolhas e observações
pouco desenvolvidas, subordinadas à actividade daqueles dois investigadores,

93
© Universidade Aberta
feitas no decurso dos levantamentos geológicos de que estavam incumbidos,
não fosse o caso de se encontrarem na imediata antecedência de uma
importante intervenção arqueológica, que lhes conferiu significado acrescido.
Com efeito, no âmbito da mitigação dos impactos ambientais decorrentes da
construção da Autoestrada A13, foram identificados diversos locais na mesma
região com indústrias paleolíticas dispersas à superfície e seis com interesse
estratigráfico, dos quais um, Arneiro Cortiço, até então inédito, mereceu
trabalhos de escavação.

Situa-se este local a 19 m de altitude, num retalho de terraço da margem


esquerda do rio Almansor. As sondagens efectuadas conduziram à recolha
de 510 artefactos com indicação estratigráfica (Gaspar & Aldeias, 2005).
Trata-se de uma indústria do Paleolítico Médio, orientada para a obtenção
de lascas, aproveitando quase exclusivamente seixos rolados de quartzito,
sendo a relação núcleo/lasca de 1/5. O aproveitamento da matéria-prima é
muito expedito, o que se justifica pela grande abundância desta, atapetando
largas extensões da superfície dos sucessivos terraços ali identificados.

A existência de seixos afeiçoados é residual, bem como a de utensílios sobre


lasca, denotando situação idêntica à de outros contextos da mesma época do
baixo vale do Tejo. A relação de 61 peças por m² denuncia a forte actividade
de talhe no local ou em zona muito próxima, o que é mais um elemento
identitário das estações da área em apreço. Infelizmente, não se procedeu à
datação do depósito, pelo que a cronologia da estação só pode ser inferida
pela condições geológicas, semelhantes à da estação de Conceição, perto de
Alcochete, adiante tratada.

4.2.5 Terraço de Santo Antão do Tojal (Loures)

No baixo terraço de 10-15 m de Santo Antão do Tojal, Loures, no vale do rio


Trancão, em cortes expostos pela abertura de canais de rega na década de
1930, foram observados materiais mustierenses, aparentemente associados
à presença de carvões e de ossos de cavalo e de elefante, animais que poderiam
ter sido capturados e esquartejados na periferia da área lacustre então ali
existente, conforme o admitido por G. Zbyszewski.

Uma datação efectuada sobre ossos de elefante pelo método do U/Th, deu o
resultado de 81 900 anos; +4000/-3800 anos BP (Raposo, 1995), compatível
com a presença das referidas peças mustierenses.

O registo disponível para a região em apreço conduziu este autor a propor


modelo explicativo para a ocupação e a exploração dos recursos existentes

94
© Universidade Aberta
naquela região, no decurso do Mustierense: assim, enquanto as margens da
vasta bacia aluvionar do Tejo eram ocupadas por acampamentos residenciais
de ar livre especializados na caça e esquartejamento de grandes mamíferos
(cavalo, elefante), as grutas e abrigos, que se desenvolvem no topo das colinas
calcárias que dominam as referidas baixas aluvionares seriam utilizadas
mais esparsamente, no decurso de actividades cinegéticas. A natureza das
matérias-primas é local: com efeito, nos terraços baixos abundava o quartzito
e o quartzo, enquanto nos maciços calcários, onde se abrem tais grutas e
abrigos, existe o sílex, sob a forma de nódulos de boa qualidade, propícios
ao talhe e intensamente explorados para o efeito. Algumas destas cavidades,
com efeito, denotam ocupação, em geral de fraca intensidade: é o caso da
Gruta do Correio-Mor (Loures), onde se identificou, em estratigrafia, uma
indústria mustierense sobre nódulos de sílex, na base de uma sequência
arqueológica essencialmente holocénica, e da Gruta da Ponte da Laje (Oeiras),
sobre a ribeira do mesmo nome, na qual a utensilagem assume características
idênticas.

4.2.6 Terraços da margem esquerda do estuário do Tejo

O sistema de terraços da sequência plistocénica do Baixo Tejo possui a sua


expressão mais notável na região de Alpiarça, onde a sua largura atinge mais
de uma dezena de quilómetros, constituindo o mais vasto complexo de
depósitos quaternários existente no território português. Os terraços da região
mais a jusante, que actualmente se desenvolvem na área do estuário, devem-se
às oscilações do nível marinho, como anteriormente se disse, embora deva
ser revisto o enquadramento geocronológico proposto na década de 1940
(Zbyszewski, 1946) e até hoje ainda globalmente utilizado, na falta de uma
reinterpretação completa e fiável de toda a sucessão observada.

Aos depósitos do terraço médio, estão subordinadas diversas estações de


interesse estratigráfico, indício do estacionamento de numerosos grupos
humanos que se dispersavam à superfície daquele, cerca de 25 m acima do
nível do Tejo actual, sendo, deste modo, atribuível ao último período
interglaciário da cronologia tradicional.

Em Cascalheira (Alcochete), embora ocorram utensílios sobre lasca (pontas


e lâminas levallois, raspadores, denticulados, facas de dorso e outros),
dominam largamente os núcleos discóides, de lascamento centrípeto, ditos
mustierenses, os quais ascendem a mais de 500, constituindo o maior conjunto
até ao presente recolhido em Portugal (Carreira & Raposo, 1994).
Estreitamente afim de Cascalheira é a estação do Alto da Pacheca, situada
nas proximidades e igualmente relacionada com o mesmo nível de terraços

95
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(Cardoso & Monjardino, 1976/1977), onde avulta, também, a notável
abundância de núcleos mustierenses. No âmbito da sequência estratigráfica
definida no terraço médio de Alpiarça, a cascalheira do topo do terraço médio,
observada tanto em Cascalheira como no Alto da Pacheca, coroando uma
série arenosa com intercalações argilosas pode correlaciona-se com o começo
da fase regressiva, com aumento da capacidade de transporte e de
escavamento do leito do Tejo, verificada no início da última glaciação,
atribuição que se afigura compatível com a tipologia das indústrias
encontradas.

Mas a estação paleolítica melhor conhecida da margem esquerda do estuário


do Tejo é a de Conceição (Raposo & Cardoso, 1998 a), relacionada com um
nível de terraços mais baixos, situados entre os 8 e os 10 m acima do nível do
Tejo, no local da estação arqueológica, subindo depois, gradualmente, até
atingir cerca de 15 m. Trata-se, pois, do terraço baixo, na terminologia de G.
Zbyszewski aplicada aos terraços do Baixo Tejo. Escavações de emergência
Fig. 46 ali realizadas, no âmbito da construção dos acessos à ponte Vasco da Gama,
permitiram a identificação de um nível cascalhento, existente na parte mais
alta da sequência, na parte superior do qual jaziam, em grande abundância
peças lascadas desprovidas de rolamento, indício de que seriam penecontem-
porâneas da formação do referido depósito. Tendo presente a sua implantação
em um baixo terraço, a cronologia da estação da Conceição seria mais recente
que a das duas anteriores, hipótese que foi precisada através de duas datas
radiométricas, obtidas por OSL. Assim, uma camada fina, argilosiltosa,
correspondente à parte inferior da sequência, relacionada com fase de enchimento
do vale, desprovida de indústrias, deu o resultado de 74 500 anos BP (+11 600;
–10 400 anos), enquanto a camada de areias eólicas, que recobria imediata-
mente a parte superior da cascalheira onde as peças jaziam, foi datada de
27 200 anos BP (± 2500 anos), a qual pode conotar-se com a degradação
climática antecedente do máximo glaciário (ca. 18 000 anos BP). Deste modo,
a cronologia a que respeita a estação da Conceição, fica enquadrada pelos
dois resultados obtidos. No entanto, a estratigrafia indica que a época da
ocupação do Paleolítico Médio deve ser próxima da data mais recente,
dado o estado fresco ostentado pela superfície das peças, indicando o seu
rápido recobrimento pelo depósito eólico. Por outro lado, a formação da
cascalheira, recobrindo o depósito de areias flúvio-marinhas subjacente, pode
relacionar-se com o início de episódio regressivo, coevo do período de
degradação climática que conduziu, mais tarde, à deposição das areias eólicas
observadas no topo da sequência. A ser assim, a cronologia da ocupação
humana seria idêntica à da Gruta da Figueira Brava, adiante referida, cerca
de 36 000 anos a. C.

A análise tecno-tipológica dos largos milhares de peças recolhidas, mostrou


que área foi intensamente frequentada devido à abundância e qualidade da

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matéria-prima disponível, largamente dominada por seixos de quartzito,
utilizados como núcleos, desde as massas iniciais, até os núcleos discóides
sobre calotes de seixo, ditos mustierenses. Está presente a técnica "levallois",
conducente também à obtenção de lascas, utilizadas tal e qual, ou
transformadas em diversos utensílios, sobretudo denticulados e entalhes, mas
também alguns raspadores e raros furadores. É de salientar a grande
normalização dos procedimentos técnicos, com base numa economia de gestos
face à função pretendida. Tal realidade é exemplificada pela abundância dos
"núcleos discóides sobre calote de seixo", caso limite da simplificação, em
que se aproveita a morfologia do seixo natural para dele se extrairem,
directamente, as lascas predeterminadas requeridas, sem necessidade de
recorrer a acções de formatação e de preparação dos planos de percussão,
através de levantamentos preliminares a partir do reverso.

Em síntese, a estação da Conceição, integra claramente o conceito de "área


de fabrico", o "work camp" dos autores anglo-saxónicos, a partir da qual se
terá procedido à exportação de produtos de talhe pré-formatados, para
utilização noutros locais, ou em circuitos itinerantes de captação de recursos. Fig. 47
Com efeito, a quase exclusiva utilização do quartzito, muito abundante no
próprio local, conduziu à obtenção de apenas 3% de instrumentos,
contrastando, pela escassez, com a elevada percentagem de núcleos, que
atingem 24,3 % do total dos artefactos.

4.3 Outras estações de ar livre da região centro

4.3.1 Estrada do Prado (Tomar)

Trata-se de sítio de ar livre relacionado com um terraço médio do rio Nabão.


A indústria, muito abundante, parece que se desenvolvia em sucessivos níveis
de ocupação, embalada em depósito fino que, no conjunto, atingia cerca de
2 m de potência. Infelizmente, das escavações apenas foi publicado curta
notícia preliminar, pouco consentânea com a importância da estação e da
quantidade e diversidade dos materiais líticos, em sílex, quartzito ou quartzo.

Recente análise global da indústria lítica recolhida nas duas campanhas


efectuadas na estação (1981 e 1982), permitiu compulsar cerca de 3000
artefactos, encontrando-se os artefactos em finos leitos formados em ambiente
fluvial de baixa energia, correspondente à deposição de argilas.

A utensilagem mostra a utilização de suportes muito diversos: quartzito,


quartzo, xisto, arenito e sílex, em quantidades apenas conhecidas para esta
última matéria-prima, correspondente a 20 % do total, tendo sido também a

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única matéria-prima que foi objecto de caracterização adequada. A análise
dos 584 artefactos identificados, mostrou que a exploração dos núcleos (27
exemplares) foi feita recorrendo à técnica "levallois" e à variante discóide
(centrípeta). Alguns núcleos apresentam-se esgotados, pelo facto do sílex
ser uma matéria-prima escassa na adjacência imediata da estação. As lascas
exibem alto grau de facetas na face dorsal, bem como elevada incidência de
transformação em utensílios, situação relacionada com a intensidade de
exploração dos núcleos, observando-se preferência pelas lascas de maiores
dimensões no âmbito da referida transformação, que atinge 173 objectos,
correspondendo a 29,6 % do total dos artefactos de sílex.

Santa Cita (Tomar)

Trata-se de estação, tal como a anterior, relacionada com terraço fluvial da


margem direita do rio Nabão, conservado na confluência com a ribeira da
Bezelga, no caso um terraço fluvial baixo, o sexto e último a formar-se (T6b),
de uma sequência definida a nível regional. Embora não existam, de momento,
dados cronométricos para a datação deste depósito, nem da ocupação
mustierense a ele associada, é natural que a derradeira fase da formação de
terraços tenha decorrido durante um interstadial wurmiano: A sua cronologia
foi situada entre 60 000 e 40 000 anos, correspondendo a oscilação climática
positiva, dentro de fase avançada do Mustierense, de acordo com as
características das indústrias (Lussu et al., 2001).

A escavação, motivada pela construção de importante eixo viário, foi, após


uma primeira intervenção de Nuno Bicho, orientada para diversos objectivos,
entre os quais a da recuperação e conservação das estruturas arqueológicas
identificadas, sendo de destacar a moldagem de um solo de habitat.

A sequência geral estabelecida no decurso dos últimos trabalhos arqueoló-


gicos efectuados indica a presença de dois níveis mustierenses: o mais
moderno (B1), intercala-se em depósito fino, atribuído ao topo da formação
do terraço plistocénico, correspondendo à passagem de um nível de argila
vermelha com marcas de pedogénese a um nível siltoso amarelado; existem,
no entanto, materiais arqueológicos no nível B2, mais recente, permitindo,
em alguns casos, remontagens com materiais do nível B1. O conjunto
arqueológico mais antigo encontra-se sob este depósito fino, assentando no topo
de depósito conglomerático do terraço, com indústrias ainda nos seus locais
originais de deposição (topo do C1). Esta paleosuperfície foi objecto de
preservação por moldagem.
Trata-se, pois de dois horizontes sobre os quais se efectuaram, em períodos
distintos, mas próximos, diversas actividades humanas. Com efeito, esta
conclusão é indicada pela existência de remontagens, em ambos os níveis,
de peças em quartzo, quartzito e sílex. Não se conservou nenhum resto

98
© Universidade Aberta
faunístico nem carbonoso. Dominam os seixos de quartzo e de quartzito,
existentes localmente, no conglomerado do terraço, sendo o sílex muito mais
escasso.

Os estudos anteriores de Nuno Bicho dedicados a esta estação arqueológica,


conduziram a conclusões diferentes sobre as características das duas
ocupações mustierenses: assim, o nível mais antigo, com cerca de 5000
artefactos, denotaria ocupação intensiva do local, conotada com uma
hipotética estrutura de habitat, constituída por 5 buracos de poste que definiam,
segundo o autor, circuito trapezoidal. No nível superior observou-se a
concentração de pequenos núcleos de materiais, que, no total, não ultrapassam
cerca de 100 peças.

Apesar de não se ter atribuído a quaisquer dos níveis mustierenses o


significado de solos de ocupação, as conclusões dos estudos tecnológicos e
do aprovisionamento da matéria-prima foram confirmadas no estudo já acima
citado (Lussu et. al., 2001): em todas as matérias-primas identificadas –
quartzo, quartzito e sílex, por esta ordem – estão presentes as sucessivas
fases das cadeias operatórias, estando presente a técnica discóide, mais
raramente a "levallois" (claramente utilizada no nível mais moderno, incluindo
uma ponta "levallois"), indicando o talhe local, tanto dos seixos, como dos
blocos ou nódulos daquelas diversas matérias-primas.

Tal como já anteriormente se tinha verificado noutros casos, o sílex foi a


matéria-prima mais exaustivamente aproveitada, sobretudo no nível mais
moderno, certamente em resultado da sua especial aptidão no âmbito da plena
adopção da técnica "levallois", rocha que proviria de duas áreas afastadas
de mais de 10 quilómetros de distância. Assim, apesar da escassez da
amostragem disponível no nível superior, parece observar-se a associação
quartzito/quartzo no nível inferior, substituída pela associação quartzito/sílex,
no superior (Bicho & Ferring, 2001), facto que justificaria a acentuada
separação observada entre os dois conjuntos.

A análise detalhada da utensilagem lítica recolhida em ambos os níveis,


permitiu identificar raspadores, denticulados e entalhes, entre outros (Bicho
& Ferring, 2001).

As características de implantação da estação, em local estratégico do vale do


Nabão, abundante de água e de matérias-primas, podem explicar as duas
ocupações mustierenses que ali foram definidas, relacionadas, segundo os
autores, com verdadeiros solos de ocupação, situação muito pouco frequente
em estações de ar livre. Deste modo, o local poderá ter-se comportado, como
sítio de carácter logístico, à semelhança da Foz do Enxarrique ou de Vilas
Ruivas.

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© Universidade Aberta
4.3.2 Ribeira da Ponte da Pedra, ou Ribeira da Atalaia (Vila Nova da
Barquinha)

Na encosta direita do vale da ribeira da Atalaia, que desagua no rio Tejo, a


pouca distância, identificaram-se inúmeros inúmeros artefactos paleolíticos,
expostos à superfície, em virtude da erosão actual, que entalha profundamente
a sucessão dos depósitos sedimentares plistocénicos ali existentes. As
escavações interessaram a base do terraço médio (Q3) da rede fluvial do
Tejo, bem como a parte superior do terraço baixo (Q4-1 ou Q4a); os resultados
obtidos neste último local são os que interessam considerar no presente
apartado, dado que os materiais recolhidos na base do Q3 pertencem ao
Paleolítico Inferior (encontra-se totalmente ausente a técnica de lascamento
centrípeto dos núcleos, "levallois" ou discóide). Entre a parte superior do
terraço baixo e a base do terraço médio, foram assinaladas importantes
coberturas de coluviões antigos, cuja escavação proporcionou, até o ano de
2000, de apenas 134 artefactos, entre os quais um núcleo de tipo discóide e
dois bifaces, dos quais um de características arcaicas (Grimaldi & Rosina,
2001), o que sugere a mistura de sedimentos e materiais de diversas idades,
em consonância com a própria natureza coluvionar do depósito.

O prosseguimento das escavações incidiu na superfície do terraço baixo,


atribuído, tal como em Santa Cita, a uma formação interstadial da última
glaciação. A identificação de um paleossolo nela existente, contendo uma
estrutura de combustão, conduziu ao alargamento da área explorada; a
presença daquela estrutura (e provavelmente de outras, ainda não
identificadas), constitui razão suficiente para que se tenha incluído este sítio
entre os potencialmente mais interessantes do território português. Trata-se
de uma construção de contorno sub-circular, com 0,90 x 1,50 m, definida em
todo o seu perímetro por elementos pétreos locais, possuindo alguns marcas
nítidas de rubefacção pelo calor. O interior encontrava-se preenchido com
sedimentos acinzentados os quais, por baixo dos termoclastos, se dispunham
em leitos horizontais. A raridade desta ocorrência justificou a sua moldagem.

A quase totalidade dos materiais recuperados neste sector da escavação, se


bem que ainda não estudados em pormenor, foram atribuídos ao Paleolítico
Médio: são seixos de quartzito, de origem local, proporcionando lascas, em
geral não transformadas, seixos afeiçoados e núcleos, estando presentes peças
bifaciais, a técnica "levallois" e a sua variante discóide, ao contrário do
verificado na base do terraço médio, que é, como se disse, muito mais antiga.

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4.3.3 Estações dos arredores de Rio Maior

A abundância de sílex de qualidade, sob a forma de nódulos de sílex isolados,


nos depósitos detríticos neogénicos da região de Rio Maior foi aproveitada
em sucessivas épocas, desde o Acheulense até tempos sub-actuais, neste
último caso para a preparação de pedras de isqueiro (pederneiras). Grandes
massas de sílex castanho-avermelhado foram, assim, aproveitadas no
Mustierense, para a confecção de utensilagem sob lasca, estando presente o
talhe "levallois", incluindo belos núcleos, porém sempre de recolha superficial,
à falta de escavações, que até o presente, na região, não têm sido direccionadas
para esta época (Cardoso & Norton, 1995).

4.3.4 Estações do litoral ocidental

Recentes prospecções ao longo do litoral centro conduziram à identificação,


na praia de Mira-nascente, de uma ténue ocupação mustierense, documentada
por lascas, núcleos e produtos de debitagem em sílex, denotando a técnica
"levallois" (Haws et al., 2006). A ocupação ter-se-á efectuado na ante-praia,
em ambiente arenoso, situando-se actualmente a cerca de 35 m de altitude.
Tendo presente o carácter regressivo do nível marinho na época, a presente
posição da estação foi interpretada pelos autores como sendo o resultado de
fenómenos tectónicos mais ou menos localizados na área em causa.

Uma datação sobre carvões, contidos em leito de cinzas carbonosas integrado


na mesma unidade geológica, mas cuja relação com o local anterior não se
encontra, contudo, esclarecida, deu o resultado não calibrado de 36 000 ±
7500 anos BP, resultado próximo ao obtido para o depósito, também ele
situado sobre litoral actual de Vale da Janela (Ferrel, Peniche), localizado
mais a sul: 38 000 + 1 700; - 1 400 anos BP, onde se identificou uma associação
florística denunciando clima fresco, húmido e ventoso (Diniz, 1993).

A descoberta desta estação sugere uma realidade até ao presente quase


desconhecida, a da existência e mesmo frequência de ocupações de época
mustierense; com interesse estratigráfico, nesta faixa litoral, somando-se aos
diversos materiais conhecidos desde a década de 1940, a maioria colhidos à
superfície das cascalheiras de praias quaternárias cujos retalhos se
desenvolvem sobretudo para sul, ao longo do litoral actual (Breuil &
Zbyszewski, 1945).

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4.4 Grutas da Estremadura e áreas adjacentes

No território português, avultam as grutas de origem cársica existentes nas


diversas formações calcárias da Estremadura, de idade mesosóica e, mais
raramente, no barrocal algarvio, bem como em alguns afloramentos calcários,
de idade paleozóica do interior do país. Mas é claramente o espaço geográfico
litoral que, da serra da Arrábida, a Sul, se desenvolve, para Norte, até à serra
de Sicó, nas proximidades de Pombal, que mais volume de informação
forneceu para o conhecimento do povoamento do actual território português
no decurso do Paleolítico Médio. Por ordem cronológica da execução dos
respectivos trabalhos arqueológicos, destacam-se as ocorrências que a seguir
se caracterizam.

4.4.1 Gruta da Buraca Escura (Pombal)

Esta gruta, situada em plena serra de Sicó, forneceu, nos níveis arqueológicos
mais profundos, correspondentes ao Conjunto 3, subjacente à ocupação
gravettense, peças de sílex e, sobretudo, de quartzo leitoso, do Paleolítico
Médio (Aubry & Moura, 1994).

A fauna, muito abundante, inclui carnívoros, o que levanta a dúvida da


importância atribuída à actividade cinegética humana, na constituição da
referida acumulação. Já o mesmo não se verifica quanto à fauna exumada na
área de uma fogueira, ou na sua envolvência, a qual, conjuntamente com as
estruturas identificadas em Vila Ruivas, constituem os mais antigos
testemunhos estruturados paleolíticos seguramente reconhecidos no território
português. Ali, identificaram-se esquírolas de ossos longos de grandes
mamíferos, microfauna, uma falange e um astrágalo de cabra montês (Capra
pyrenaica) e um incisivo de cavalo juvenil (Equus caballus).

4.4.2 Gruta do Caldeirão (Tomar)

Trata-se de uma cavidade cársica escavada sob a direcção de João Zilhão


entre 1979 e 1988. Sob a sequência do Paleolítico Superior, que conferiu
merecida importância arqueológica a esta gruta, foi identificada uma
sequência Mustierense, com cerca de 1 m de potência (Camadas N a L),
associadas a um extenso período de melhoria climática, cobertas pela Camada
K, com espessura média de 0,45 m. Esta camada encontrava-se separa das
anteriores por uma descontinuidade bastante marcada, provavelmente de

102
© Universidade Aberta
carácter erosivo, atribuída ao episódio de Denekamp (Zilhão, 1997, Fig. 9.3).
O bloco de camadas N a L possuía escassos artefactos, de mistura com restos
abundantes de carnívoros, especialmente de hiena, pelo que a sua formação
foi conotada essencilmente como devida à acção daquele e de outros
carnívoros (Davis, 2002). Também a Camada K forneceu materiais de
tipologia exclusivamente mustierense, encontrando-se presente a técnica
"levallois", ainda que em escasso número, associados a abundantes restos
ósseos; tal situação sugere, igualmente, uma acumulação natural, talvez em
resultado da actividade das hienas; uma datação directa sobre osso forneceu
o resultado não calibrado de 27 600 ± 600 anos BP, a que corresponde a data
calibrada de ca. 32 400 a. C. (Zilhão, 2006). Tal cronologia, depois de ter
sido aceite pelo autor, foi neste seu último trabalho posta em causa,
considerando que a sua idade deverá ser próxima, por extrapolações de ordem
paleoclimática, a ca. 35 000 anos. Por outras palavras, a cronologia da camada
mustierense mais moderna da Gruta do Caldeirão não se encontra de
momento definida, admitindo-se que possa ter havido intrusão do único osso
datado desta camada a partir da camada Jb, já do Paleolítico Superior Inicial,
dado que uma amostra recolhida na parte média desta última camada, com
cerca de 0,22 m de potência, deu o resultado de 30 800 anos.

Observa-se decréscimo da utilização do sílex, dos níveis mais antigos para


os mais modernos; assim, nas Camadas O-L mais de 40 % dos artefactos são
de sílex, contrastando com a ocupação mustierense mais moderna (Camada
K), com apenas 13 %. Contudo, a escassez de artefactos nesta camada conduz
a limitar o significado destes resultados. As camadas L a N não forneceram
roedores; a pesquisa destes resultou positiva na camada mais moderna da
sequência mustierense (Camada K); concluiu-se a partir do seu estudo (Póvoas
et al., 1992), pela existência nas redondezas de espaços abertos bastante
secos (com Allocricetus bursae e elevada presença de Microtus arvalis)
coexistindo com áreas florestadas (com Apodemus sylvaticus e Eliomys
quercinus).

4.4.3 Gruta da Oliveira (Torres Novas)

O sistema cársico do rio Almonda, actualmente ainda em curso de formação,


conduziu à abertura, pelas águas de circulação, de sucessivas cavidades a
altitudes decrescentes e sucessivamente mais modernas, no maciço rochoso
que se integra na zona do "arrife" da serra de Aire, dominando, para sul,
vasta planície formada por sedimentos terciários e quaternários.

A gruta continua (2007) em curso de escavação, sob a direcção de João Zilhão,


pelo que ainda não se conhecem os resultados definitivos dos trabalhos,

103
© Universidade Aberta
iniciados na década de 1990. Os primeiros resultados publicados referem-se
a depósito atribuído inicialmente a um cone de dejecção, o "cone mustierense",
localizado em 1989, correspondente a uma acumulação secundária de
sedimentos efectuada no interior do sistema cársico, acima da entrada actual
da gruta do Almonda, por colapso de uma galeria situada a um nível superior,
idêntico ao da gruta onde presentemente se desenvolvem os trabalhos,
designada por Gruta da Oliveira.

O referido depósito continha grande quantidade de restos faunísticos e


indústrias líticas (cerca de 250 artefactos), as quais são maioritariamente de
sílex (50%), com índice "levallois" alto e bastantes utensílios retocados
(raspadeiras, denticulados, facas de dorso), relacionado com a ocupação da
entrada da desaparecida gruta. A fauna, exclusivamente constituída por
ungulados (apenas um resto de carnívoro em 240 fragmentos de ossos de
veado, cavalo, cabra montês, rinoceronte, coelho e tartaruga) pode, assim,
ser atribuída à acção cinegética do correspondente grupo humano ali sedeado,
tanto mais que cerca de 20% de tais restos se afiguram queimados.
Obtiveram-se duas datações pelo U/Th de um dente de cavalo, cuja média
ponderada foi de 61 500 anos BP, compatível com as características tipoló-
gicas do conjunto lítico (Zilhão & McKinney, 1995). Trata-se, pois, de um
depósito correspondente à mais antiga ocupação mustierense da gruta, a qual,
no total, atinge 6 m de potência, encontrando-se selada por uma espessa
camada estalagmítica.

A ocupação mustierense mais moderna corresponde à Camada 8 da sequência


geral, datada entre 38 000 e 37 000 a. C. (Zilhão, 2006). Ao contrário do
verificado no "cone mustierense", a utensilagem, onde está presente a técnica
"levallois" é sobretudo de quartzito, seguido pelo sílex e, finalmente, pelo
quartzo. Esta tendência para a subrepresentação do sílex acentua-se ainda
mais nas camadas mais profundas (Camadas 9, 10, 11 e 12). Na Camada 9,
a tecnologia de talhe radial torna-se mais abundante, face à Camada 8, com
cerca de 54% do total das peças classificadas; em ambas as camadas,
observa-se que a utilização de matérias-primas como o quartzito e o quartzo
não terão resultado em peças de inferior qualidade, produzidas por meios
tecnológicos mais expeditos, como é vulgarmente aceite em contextos
mustierenses peninsulares (Marks, Monigal & Zilhão, 2001). Ao contrário,
é nos quartzitos de grão fino, mais do que no sílex, que melhor se evidenciou
a aplicação de uma apurada técnica "levallois", realidade que se encontra
indirectamente expressa pelo facto de o tamanho das lascas de quartzito não
excederem, em média, as de sílex. Assim, a gruta da Oliveira, confirma o
que já era sabido dos estudos anteriormente realizados na Gruta da Figueira
Brava e na Gruta Nova da Columbeira, sublinhando a sempre importante
presença do quartzo e do quartzito nas associações mustierenses do território
português.

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© Universidade Aberta
As camadas mais profundas apresentam-se muito abundantes em indústrias
líticas, embora estas ainda não se encontrem devidamente estudadas, sendo
anteriores à data determinada para a Camada 9, 44 000 – 43 000 a. C, atingindo
provavelmente as mais antigas a cronologia do "cone mustierense". Nestas
camadas mais antigas, recolheu-se em grande quantidade restos de tartaruga
e de coelho, com marcas de fogo, indício seguro que foram objecto de
consumo humano (informação pessoal de João Zilhão).

A sedimentação afigura-se contínua até à Camada 9; entre esta e a Camada


8, depositou-se uma crosta estalagmítica, indicando descontinuidade
importante na sedimentação. Esta situação pode conotar-se com mudança
climática: assim, enquanto a partir da Camada 10 certas espécies indicam
paisagens abertas e clima de tendência temperada-fria (cabra montês, cavalo
e rinoceronte), tais espécies encontram-se ausentes da Camada 8, onde o
veado é o único grande ungulado presente, entre os cerca de 300 restos
identificados, notando-se fraca presença de carnívoros (raposa, leopardo, e
urso) e, sobretudo, a ausência de hiena; tais observações, conjugadas com as
frequentes marcas de corte e de fogo nos restos de veado, conduzem a
atribuí-los à actividade cinegética humana. Ao nível dos pequenos mamíferos,
Apodemus sylvaticus e Eliomys quercinus atingem, em conjunto, cerca de
96% dos roedores, indicando clima mediterrâneo (Zilhão, 2006). Foi este
ambiente que explica, por outro lado, a existência de restos de tartaruga e de
coelho, cuja presença é particularmente abundante nas camadas mais antigas
da sequência, através de restos queimados que não deixam dúvidas quanto à
origem antrópica da sua presença. Trata-se de evidência que indica a captura
não selectiva de recursos, na adjacência imediata da gruta.

Com efeito, a redução do território de captação de tais recursos, no decurso


do Mustierense, encontra-se sugerido (Zilhão, 2001), pela redução de
utilização do sílex, entre a ocupação datada mais antiga, correspondente ao
"cone mustierense", onde, dos 250 artefactos recuperados, cerca de 50% são
de sílex, 30 % de quartzito e 20 % de quartzo e as ocupações mustierenses
mais modernas, representadas pelas Camadas 8 a 12.

Três restos humanos, recolhidos nestes níveis mais profundos, são atribuíveis
a Neandertais, dada a tecnologia lítica associada ser claramente a mustierense.

4.4.4 Gruta da Furninha (Peniche)

A formação desta gruta, aberta actualmente sobre o mar, relaciona-se com


plataforma de abrasão marinha a cerca de 15 m acima do nível do mar. O
enchimento de um algar vertical, com cerca de 10 m de altura, existente no

105
© Universidade Aberta
seu interior é, assim, mais recente que aquele episódio marinho, atribuído
ao último interglaciário (Breuil & Zbyszewski, 1942). A escavação, realizada
em 1879 por J.F. Nery Delgado (Delgado, 1884) respeitou as melhores normas
científicas vigentes à época, tendo sido cuidadosamente registada a
estratigrafia e a posição de todas as peças líticas e ósseas recuperadas, que
ainda hoje se conservam no Museu Geológico e Mineiro, em Lisboa. A
sequência plistocénica era constituída, na base, por um nível de cascalheira,
com escassos restos faunísticos, sucedendo-se um espesso conjunto
sedimentar, separado da cascalheira da base por uma crosta estalagmítica,
evidenciando descontinuidade na sedimentação; esta sucessão era constituída
por sete níveis ossíferos, separados por episódios de abandono constituídos
por areias eólicas.

O conjunto lítico mais numeroso provém do terceiro e do segundo níveis


ossíferos. No nível 3 recolheu-se um biface alongado do Acheulense Superior,
de sílex, não rolado. A tipologia das peças de sílex associadas inscreve-se
sobretudo no Mustierense, denunciando misturas provocadas pelas correntes
de circulação no interior da gruta; tais misturas foram assinaladas por Nery
Delgado e valorizadas ulteriormente por Joaquim Fontes, que procedeu a
uma revisão dos materiais líticos, com a identificação de exemplares
mustierenses (Fontes, 1916, Pl. 1), mais tarde confirmada por Breuil e
Zbyszewski.

A existência de instrumentos mustierenses, conjuntamente com materiais


osteológicos, explica-se pela existência de remeximentos, dado não ser
plausível a coexistência de homens com grandes carnívoros, essencialmente
representados pela hiena raiada (Hyaena hyaena prisca) e um lobo de pequeno
tamanho (Canis lupus lunellensis), identificados pelo autor (Cardoso, 1993).
Prova disso é o facto, sublinhado por Fontes, de se ter recolhido no segundo
nível ossífero metade de um rádio de Canis lupus que não terá sofrido
transporte assinalável, enquanto que a outra metade se recolheu 1,30 m mais
acima, já em outro nível ossífero. Apesar de ser certa a existência de
remeximentos, não existem dúvidas quanto à contemporaneidade, nesta gruta,
do Mustierense com a hiena raiada.

Uma datação por U/Th situou a formação desta sequência em 80 880 (+ 42


420; -31 260 anos BP); apesar do elevado grau de incerteza, este resultado é
compatível com a atribuição da abertura da gruta ao último período
interglaciário ou a interstadial do começo da última glaciação, bem como
com as indústrias mustierenses nela recolhidas.

A parte superior da acumulação, correspondente a um nível com 1,5 m de


potência, era constituída por areias eólicas, finas e micáceas, correlativas do
pleniglaciário (ca. 18 000 anos BP), quando o litoral se encontrava afastado
de vários quilómetros, deixando a descoberto vasta planície litoral arenosa,

106
© Universidade Aberta
varrida pelo vento. As escassas indústrias recolhidas do Paleolítico Superior,
são conotáveis com esta última fase de enchimento do algar, entre as quais
duas folhas de loureiro solutrenses e uma lâmina de dorso, separadas por
H. Breuil e G. Zbyszewski em 1942 do conjunto lítico da necrópole neolítica
ulteriormente instalada no interior da gruta.

4.4.5 Gruta Nova da Columbeira (Bombarral)

Explorada em 1962 por O. da Veiga Ferreira, Camarate França e G.


Zbyszewski, constitui uma das mais completas e ricas sucessões estratigráficas
Fig. 36
mustierenses identificadas em Portugal, cujo controlo estratigráfico, e, por
consequência, as associações artefactuais pertencentes a cada uma das
camadas identificadas, se encontram claramente definidas.

A gruta, enquadrada numa paisagem constituída por calcários duros do


Jurássico, encontra-se aberta a meia altura da encosta esquerda do vale Roto,
profundamente entalhado na paisagem cársica. Trata-se de galeria estreita e
alta, com cerca de 20 m de comprimento por 3 a 4 m de largura média,
atingindo cerca de 10 m de altura. A estratigrafia observada em sucessivos
cortes verticais, é constituída por um máximo de 10 níveis, separados quase
sempre por uma fina película estalagmítica, indicando possível paragem na
sedimentação e na ocupação do local. Em 1971 realizou-se nova intervenção,
por iniciativa de Jean Roche, com o objectivo de registar uma sucessão
estratigráfica mais detalhalhada; os vinte níveis então observados no sector
entre os 11 m e os12 m da entrada da gruta correspondem ao desdobramento
da descrição feita anteriormente, tendo-se efectuado duas datações nas
camadas correspondentes à base da sequência, com os seguintes resultados
não calibrados de: 26 400 ± 750 anos BP (Camada 7) e 28 900 ± 950 anos
BP (Camada 8), correspondendo ao intervalo calibrado de 34 000 – 31 000 a. C.
Tais resultados, ainda que muito recentes para o esperável para uma ocupação
mustierense, não justificam as limitações apontadas por alguns autores.

Com efeito, aquelas duas camadas e, especialmente, a Camada 8,


correspondem à mais intensa ocupação humana da cavidade, sublinhada
pela presença de uma importante acumulação de carvões e cinzas, em
resultado de combustões prolongadas então realizadas, cuja presença se
encontrava devidamente individualizada e não contaminada, do ponto de
vista estratigráfico (Ferreira, 1984; Cardoso, Raposo & Ferreira, 2002). Deste
modo, repita-se, não parece existirem razões válidas para rejeitar os resultados Fig. 42
obtidos, os quais, aliás, se apresentam concordantes com a correspondente
estratigrafia.

107
© Universidade Aberta
À Camada 8, com 2433 artefactos, sucede-se a Camada 7 com 1880; a Camada
6 possui apenas 677, número que decai para apenas 56 e 107, respectivamente
nas Camadas 5 e 4, as mais modernas da sequência contendo indústrias líticas,
sem contudo se negar a possibilidade de a gruta continuar, esporadicamente
a ser ocupada, durante um intervalo de tempo impossível de determinar, mas
que não ultrapassaria escassas centenas de anos.

Em conclusão, as Camadas 8 e 7 correspondem aos "principais horizontes


de frequentação humana da gruta e os únicos em que é possível admitir a
hipótese da ocorrência de ocupações consistentes, de carácter residencial
continuado" (Raposo & Cardoso, 1998 b).

Fig. 39 A totalidade das indústrias líticas integra-se num Mustierense de denticulados,


rico de raspadores de debitagem "levallois" e fácies levalloisense.

Merece ainda referência, dada a escassez e até a controvérsia de ocorrências


similares, a presença de alguns ossos intencionalmente partidos e utilizados
como instrumentos, como se deduz, nalguns casos, pelas marcas de utilização
que conservaram (Barandiarán & Ferreira, 1971; Cardoso, Raposo & Ferreira,
Fig. 44
2002).

Ao nível do aproveitamento das matérias-primas, verifica-se assinalável


diversidade, ao longo de toda a sequência, a qual revela uma tendência
evolutiva no sentido do aumento da utilização do sílex, com a correlativa
diminuição do quartzo e a manutenção, a níveis estáveis, do quartzito. Porém,
está-se longe de atribuir este aumento de importância percentual do sílex a
um aumento dos territórios de captação de recursos; a geologia da área
circundante mostra que o sílex poderia ser obtido sob a forma de nódulos ou
de seixos rolados nos relevos calcários entre os quais o maciço em que se
abre a própria gruta, enquanto o quartzo e o quartzito abundam nos terrenos
adjacentes que se estendem até o oceano. Por outro lado, o aumento da procura
do sílex não é acompanhado de uma melhoria do seu aproveitamento: as
taxas de transformação em utensílios finais diminui, ao contrário do verificado
com o aproveitamento do quartzo e, sobretudo, do quartzito. Assim, a maior
procura do sílex não prejudica, mas antes estimula, o uso e rentabilização de
outras matérias-primas, não correspondendo a um padrão evolutivo
prenunciando o Paleolítico Superior, antes sublinhando a "mustierização"
da utensilagem, fenómeno de certo modo também diagnosticado na gruta da
Oliveira, como atrás se referiu.

É evidente alternância da utilização da gruta, por homens e predadores: com


efeito, as camadas que mais intensa ocupação humana revelaram, foram
também aquelas que menor número de restos de carnívoros continham; assim,
na Camada 8, com elevadas concentrações carbonosas em resultado de
prolongadas fogueiras, apenas se reconheceu um rádio de lobo e, na Camada

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© Universidade Aberta
7, somente três restos de hiena, contrastando com a abundância de indústrias
líticas, a que já se fez referência; inversamente, as camadas que se
apresentaram mais ricas de restos de carnívoros, na parte média do
enchimento, continham escassas indústrias líticas. Enfim, nos níveis
superiores, quase desprovidos da presença humana, abundam os restos de
aves, incluindo rapaces, com todo o cortejo de presas que normalmente lhes
estão associadas.

A composição da fauna de grandes mamíferos (Cardoso, 1993) sugere a


existência de condições climáticas globalmente temperadas, com algum frio
e secura, propícias à existência de Capra pyrenaica (cabra montês), favorecida
pelos domínios pedregosos envolventes, que se integram no âmbito dos
relevos montanhosos estremenhos de baixa altitude e forte influência oceânica.
A existência de numerosos dentes de leite de rinoceronte (Stephanorhinus
hemitoechus) indica uma caça oportunista, com a captura de animais jovens,
mais débeis. Contudo, como a totalidade dos exemplares desta espécie se
acantona na Camada 6, correspondente a um covil de hiena, é mais certo que
tais restos correspondam à actividade deste carnívoro.

O elemento faunístico de maior interesse é a presença de tartaruga terrestre


(Testudo hermanni) sendo, de longe, a estação portuguesa que maior
quantidade de restos desta espécie forneceu (Jimenéz Fuentes, Cardoso &
Crespo, 1998). A preferência desta tartaruga terrestre vai para as zonas litorais,
de altitudes não superiores a 500-600 m, com vegetação arbustiva e arbórea
de características mediterrâneas. Na actualidade, a sua distribuição circum-
mediterrânica parece estar sobretudo condicionada pelas exigências térmicas
estivais e não tanto pelas temperaturas e pluviosidades invernais. Ainda que
os adultos suportem temperaturas até 10° ou mesmo 20° C negativos, o seu
desenvolvimento embrionário exige temperaturas elevadas, com um óptimo
em torno dos 30° C. Como se reproduz durante o Verão, e a incubação dura
cerca de 2,5 meses, necessita, entre Junho e Agosto/Setembro, de temperaturas
que não se afastem muito do referido óptimo. Foi devido certamente à não
verificação desta condição que a espécie se extinguiu no território português,
muito antes de findar a última glaciação, não tendo resistido à degradação
climática verificada logo após a ocupação da gruta. Dos 349 restos
identificados, 338 provêm da Camada 8, que é a que maiores indicadores da
presença humana possui; não existem dúvidas quanto à sua captura pelos
humanos, aliás muito fácil, facto que esteve na origem da rápida extinção da
espécie.

Importa sublinhar a ausência de moluscos marinhos, indicando a exploração


dos recursos potencialmente disponíveis no território imediatamente adjacente
à gruta, os quais seriam objecto de aproveitamento oportunista, não
especializado; a importância dos depósitos antrópicos nela conservados faz
crer numa modalidade de ocupação reiterada, de tipo residencial.

109
© Universidade Aberta
Em conclusão: ainda que a informação cronométrica mereça esforços
adicionais no sentido da sua revisão/conformação, a abundância de indústrias
líticas e sua exclusiva atribuição ao Mustierense; a riqueza das associações
faunísticas reconhecidas, bem como a relação que foi possível estabelecer
entre ambos os conjuntos, ao longo da sequência estratigráfica estudada,
Fig. 41 uma das mais completas para o Mustierense do actual território português;
e, por último, a descoberta de um dente humano no topo da Camada 9, em
contacto com a Camada 7, num sector onde localmente faltava a Camada 8,
o qual viria a ser atribuído, pelas suas características, a um neandertal
(Ferembach, 1964/1965; Antunes et al., 2000), constituem elementos que
fazem desta gruta uma estação de referência do Mustierense Final Ibérico.

4.4.6 Gruta e Pedreira das Salemas (Loures)

A primeira, explorada em 1961, ficou celebrizada pela sucessão do Paleolítico


Superior nela identificado. Na base do enchimento, observou-se um nível
arqueológico, atribuível ao Paleolítico Médio, com materiais pouco
característicos, geologicamente associados a um conjunto faunístico, também
ele resultante de remobilizações, no interior da cavidade, durante um intervalo
de tempo indeterminado. Uma datação obtida sobre um conjunto de tais restos
– revelando, assim, uma idade média do conjunto – deu o resultado de ca.
25 000 anos (Antunes et al., 1989), que se afigura demasiado moderno para
as indústrias em causa, apesar de incaracterísticas. Foi dali que proveio,
também, um dente humano decidual (Ferembach, 1962), que recente revisão
Fig. 41 veio confirmar pertencer a um neandertal (Antunes et al., 2000).

Perto, observou-se uma sucessão estratigráfica acumulada num profundo algar


existente nos calcários cretácicos recifais, seccionado pela frente de uma
pedreira; o nível da base, com abundantes restos faunísticos, continha também
conjunto de materiais mustierenses obtidos sobre blocos de sílex esbran-
quiçado, disponíveis localmente, jamais estudados em pormenor. Um
conjunto de ossos de grandes mamíferos foi datado, pelo radiocarbono,
obtendo-se uma média calibrada de ca. 34 600 a. C. (Zilhão, 2006). Conquanto
o conjunto faunístico datado possua apenas uma relação geológica com os
materiais mustierenses, não parecem existirem dúvidas quanto à
contemporaneidade de ambas as deposições; deste modo, dá-se esta data
como válida para a ocupação mustierense dos relevos calcários culminantes
da região.

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4.4.7 Gruta da Figueira Brava (Setúbal)

Abrindo-se directamente sobre o mar, esta gruta, escavada nos calcarenitos


miocénicos do flanco meridional da serra da Arrábida, a Oeste do Portinho
da Arrábida, foi objecto de diversas campanhas de escavações nos finais da
década de 1980 (Antunes, 1990/1991). A entrada do antigo abrigo foi sendo
progressivamente colmatada por precipitações de carbonato de cálcio, as quais Fig. 37
a estreitaram, até ao seu quase desaparecimento, correspondente à sua
configuração actual. O interior só foi explorado em pequena parte; mas o
registo estratigráfico, faunístico e arqueológico, evidencia a importância da
estação. A sequência estratigráfica na zona escavada é constituída por
materiais remobilizados, ainda que de curta distância, de outras zonas do
interior da gruta. Fig. 38
A base da sequência corresponde ao conglomerado da praia de 5-8 m, bem
conservado na parte externa da gruta, como aliás em todo o litoral meridional
da Arrábida, o qual foi atribuído ao início da última glaciação (Teixeira &
Zbyszewski, 1949). Contudo, duas recentes datações radiométricas de conchas
existentes no depósito lumachélico-conglomerático do Forte da Baralha, a
Oeste de Sesimbra indicam uma cronologia calibrada muito mais recente
que a anteriormente considerada, ca. 37 000 e 38 000 a. C. (Pereira &
Angelucci, 2004). Tendo a ocupação do abrigo sido datada, depois de
calibrada, em cerca de 36 000 a. C., com recurso a valvas de mexilhão –
conclui-se aquela teria decorrido imediatamente a seguir à formação daquele
depósito conglomerático, encontrando-se, deste modo, o nível do mar muito
próximo do nível actual. Porém, estes resultados têm de ser encarados como
correspondentes a idades mínimas dos referidos depósitos. Com efeito,
naquela época o nível do mar situar-se-ia aproximadamente 60 m abaixo do
actual. O resultado apresentado por aqueles dois autores afigura-se também
incompatível com o próprio registo faunístico identificado na Gruta da
Figueira Brava, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque seria
impossível, na situação de o mar bordejar a entrada da gruta, a captura de
grandes mamíferos, como o elefante/mamute, auroque, rinoceronte ou cavalo,
incompatíveis com o domínio de montanha prevalecente na zona emersa da
Arrábida; tais espécies só poderiam ser capturadas na vasta planície litoral
posta então a descoberto, prolongando-se para Este, pelo estuário do rio Sado
(Antunes & Cardoso, 2000). Em segundo lugar, porque o referido nível
fossilífero encerra abundantes restos de Patella safiana, molusco de evidente
cunho meridional, actualmente abundante no litoral marroquino, mas não no
litoral português. A indicação de águas mais quentes, fornecida por esta
espécie, é incompatível com a indicação fornecida pelos moluscos da Gruta
da Figueira Brava, de onde se encontra ausente, não obstante o curto intervalo
cronológico que separa ambas as ocorrências, com base nas datas obtidas.

111
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Deste modo, as datas publicadas em 2004 para o nível de 5-8 m do Forte da
Baralha devem ser encaradas com a maior reserva, até porque tentativas
anteriores do mesmo laboratório, conduzidas por equipa que integrava o autor,
sobre material idêntico e da mesma proveniência, foram inconclusivas, por
falta de colagénio.

A camada conglomerática da base, constituída sobretudo por seixos de


calcários jurássicos, foi identificada no interior da gruta, directamente assente
no substrato miocénico. A este conglomerado sucede-se uma série de finos
leitos carbonosos, resultantes da lixiviação e transporte de produtos de
combustão de lareiras, de outros locais da cavidade, os quais também se
observam no exterior actual da gruta. Segue-se uma camada vermelha, muito
fossilífera, com abundantes indústrias líticas, resultante de processo
semelhante, atravessada em algumas zonas por finos leitos esbranquiçados,
de carbonato de cálcio, que sugerem paragens episódicas na sedimentação
(Camada 2). A parte superior desta camada, exibe remeximentos, com
materiais romanos e árabes, de mistura com restos de mamíferos domésticos,
conchas e aves, encontrando-se a série descrita selada superiormente por
uma bancada estalagmítica, cuja formação prossegue na actualidade.

Do ponto de vista arqueológico, foram estudados cerca de quatro milhares


de artefactos, ou cerca de dois milhares e meio, excluídas as esquírolas de
talhe (Cardoso & Raposo, 1995; Raposo & Cardoso, 2000 b, 2000 c). No
conjunto, a indústria lítica apresenta um carácter expedito, sem artefactos de
assinalável recorte tipológico devido à má qualidade das rochas,
esmagadoramente de origem local: trata-se de seixos de quartzo filoneano,
recolhidos nas formações do Jurássico Superior, tal como alguns de jaspe.
Excepcionalmente, ocorrem peças de sílex, com origem provável na serra de
S. Luís, a alguns quilómetros de distância, o que mostra a exploração pontual
dos recursos geológicos disponíveis num aro geográfico mais alargado, até
cerca de 10 km de distância. O talhe expresso por núcleos centrípetos discóides
de tipo mustierense, é largamente dominante; entre os utensílios retocados,
predominam os raspadores, seguidos dos denticulados e entalhes. Segundo
Fig. 40 os critérios de diagnose tipológica tradicionais aplicados a conjuntos do
Paleolítico Médio, a indústria da Figueira Brava corresponde a um
Mustierense Típico, rico em denticulados, com debitagem não-"levallois" e
fácies não levalloisense, sendo meramente residuais os utensílios do tipo
Paleolítico Superior.

A implantação da gruta, outrora sobre uma vasta planície litoral actualmente


submersa, e a proximidade da serra, que se desenvolve logo nos domínios
imediatos, confere-lhe uma situação de ecótono, favorável à exploração de
vários biótopos, desde o litoral aos ambientes montanhosos de baixa altitude,
situação que se afigura idêntica à observada nas restantes grutas estremenhas
com ocupações mustierenses significativas.

112
© Universidade Aberta
Face ao exposto, a ocupação humana identificada possui carácter residencial,
associada à exploração sistemática e não especializada dos diversos recursos
alimentares disponíveis nas imediações. A este propósito, salienta-se a
abundância de espécies marinhas, indicando a recolecção ao longo do litoral
rochoso ou arenoso, tanto na zona exposta entre marés como no domínio
infralitoral, incluindo a captura de crustáceos. A área de captação e de
exploração de recursos naturais não excederia a envolvência da estação, com
excepção do sílex esbranquiçado e por vezes zonado, o qual proviria da serra
de São Luís, a cerca de 10 km em linha recta. Mas a escassez desta
matéria-prima (161 produtos de debitagem e núcleos, num total de 3848
peças e 21 instrumentos, num total de 358) (Raposo & Cardoso, 2000 b),
atesta bem a escassa exploração deste recurso, apesar das suas evidentes
vantagens face à má qualidade das rochas locais, reforçando o carácter
localista, ainda que prolongado, desta ocupação humana.
Tal como na Gruta Nova da Columbeira, reconheceram-se ossos Fig. 43
intencionalmente partidos e utilizados. A presença humana nesta cavidade
encontra-se ainda ilustrada por um dente definitivo humano, cujas
características o remetem para neandertal (Antunes et al., 2000).

Deste modo, a gruta da Figueira Brava detém importância similar à anterior-


mente descrita, no quadro da caracterização da presença dos últimos
neandertais no território peninsular.

4.5 Grutas do Maciço Hercínico

4.5.1 Gruta do Escoural (Montemor-o-Novo)

Esta é a gruta mais meridional com testemunhos de uma ocupação do


Paleolítico Médio. Trata-se de uma cavidade cársica descoberta
acidentalmente em 1963 por um tiro de pedreira, celebrizada pela arte parietal
paleolítica que, pouco depois, ali viria a ser identificada e adiante estudada.
A existência de materiais de quartzo leitoso do Paleolítico Médio, recolhidos
nas escavações então realizadas sob a direcção de M. Farinha dos Santos,
incluindo núcleos de diversa tipologia e lascas retocadas, foram observados
pelo signatário no Museu Nacional de Arqueologia em 1989; deve-se, de
qualquer modo, a M. Farinha dos Santos e não aos que ulteriormente vieram
a assumir a direcção dos trabalhos arqueológicos, a identificação da ocupação
mustierense na gruta, através de "uma bola e dezenas de esferóides (...)"
recolhidos na brecha exterior da gruta (Santos, 1985, p. 140), pelo que a
presença de uma ocupação do Paleolítico Médio já não era inédita aquando

113
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da reescavação da gruta, entre 1989 e 1992. Foram, então, recolhidos
abundantes artefactos de quartzo, junto ao local já assinalado por Farinha
dos Santos, mas dentro da gruta, na zona que corresponde de facto à sua
entrada primitiva (Silva et al., 1991).

A grande quantidade de restos de hiena, associados aos respectivos coprólitos,


que formam nível com assinalável continuidade no interior da gruta,
correlativo da referida ocupação paleolítica, mostram que a presença humana
na cavidade seria impraticável durante longos intervalos de tempo, devendo
reportar-se à acção deste e de outos carnívoros, como o leopardo, a maioria
dos restos de ungulados identificados (Cardoso, 1993).

Uma datação realizada pelo método do U/Th sobre um dente de veado,


recolhido no corte estratigráfico realizado em 1992 nos referidos depósitos
do interior da gruta, deu o resultado de 48 900 anos BP (+5800; -5500 anos),
a qual é compatível com as características da indústria lítica, que aguarda
ainda conveniente publicação.

4.6 O Algarve

Uma importante área geográfica, até há pouco quase completamente


desconhecida, era o Algarve. Apesar de indústrias mustierenses (ou, de modo
geral, do Paleolítico Médio), estarem, de há muito, ali documentadas,
especialmente na zona de sotavento, devido aos trabalhos pioneiros de
H. Breuil, G. Zbyszewski e A. Viana, na década de 1940, a maioria dos
achados resultou de colheitas superficiais, sem prejuízo de algumas estações
terem fornecido exemplares característicos, com destaque para a presença
de núcleos discóides de talhe centrípeto sobre seixos de quartzito, matéria-
prima disponível em grande abundância nas cascalheiras quaternárias que
orlam o litoral actual (Viana & Zbyszewski, 1949). Recentemente, do
programa de estudos, centrado no barlavento, dirigido por N. Bicho, resultou
um primeiro esboço sobre a estratégia de ocupação e de exploração dos
recursos bióticos e abióticos no decurso do Paleolítico Médio (Bicho, 2004).
Assim, encontraram-se locais de ar livre na bordadura de lagoas temporárias,
como Lagoa Funda 1, 2 e 3 e Lagoa do Bordoal, a altitudes que não
ultrapassam 150 m, a que se somam locais actualmente litorais, como Praia
da Galé, e outros, como Vale Boi (abrigo sob rocha a cerca de 3 km do litoral
oceânico) e gruta de Ibne Amar, sobre o estuário do rio Arade, defronte de
Portimão.
A fauna não se conservou nos sítios de ar livre. Apenas a gruta de Ibne Amar
e Vale Boi forneceram indicadores económicos quanto às estratégias de
subsistência. Na primeira, importa sublinhar a presença de restos de peixe e

114
© Universidade Aberta
de moluscos, a par da captura de mamíferos terrestres de médio porte (veado,
asinino e coelho), denunciando uma caça pouco especializada, compatível
com o largo espectro dos recursos capturados, dos quais (tal como se verificou
em outras grutas da Estremadura, acima descritas, também fazia parte a
tartaruga terrestre (Testudo sp.), e o coelho. A presença de restos de peixes,
denuncia o largo espectro da estratégia de exploração adoptada. A alta
densidade desta ocupação humana é indicada pelo facto de, tendo apenas
sido investigado 1 m², se terem recolhido mais de 200 artefactos, de
características mustierenses, a par da diversidade de matérias-primas
utilizadas, com predomínio do quartzo, mas também com sílex, quartzito e
até calcário (um núcleo discóide).

A outra estação que forneceu restos faunísticos foi a de Vale Boi. Trata-se de
um abrigo sob rocha situado de um dos lados de um amplo vale, a 2 km do
litoral, cujos níveis inferiores à ocupação mais antiga do Paleolítico Superior,
separados por 0,35 m de sedimentos, forneceram artefactos incaracterísticos
atribuíveis ao Mustierense, de quartzo, sílex e quartzito. Tais materiais estavam
associados a ossos queimados, a maioria de coelho, e a conchas. Uma vez
mais se evidencia o aproveitamento de caça miúda, bem como uma estratégia
de recolecção litoral, de evidente âmbito local, cujo expoente maior se
encontra representado pela Gruta da Figueira Brava.

O aproveitamento das rochas duras denuncia também estratégias de


aprovisionamento locais, exceptuando-se o sílex que, nalguns casos, poderia
provir de cerca de 30 km de distância. Identificaram-se duas explorações de
sílex desta época (Vale Santo 3 e Curva do Belixe), perto do extremo ocidental
da região, explorando os nódulos existentes nos calcários jurássicos, atingindo
por vezes cerca de 20 cm de diâmetro (Bicho, 2004). Em ambos os sítios, só
foram encontrados núcleos, indicando que os produtos de debitagem,
transformados ou não, seriam exportados para outros locais, como
provavelmente a estação da Praia da Galé, a cerca de 30 km de distância.

4.7 Ecologia, economia, bases de subsistência e padrões demográficos

No decurso do Paleolítico Médio, foram reconhecidos importantes sítios,


tanto de ar livre, como grutas e abrigos sob rocha. Os primeiros encerram
fortes limitações à sua adequada caracterização, devido à erosão que os actuou,
impedindo a conservação de extensas estratigrafias, bem como de elementos
faunísticos. É possível que a sua ocupação tenha sido, na maioria dos casos,
intensa e prolongada, de tipo residencial, dada a abundância dos vestígios
dispersos, na maior parte dos casos, por vastas áreas. É o caso das estações
dos arredores de Lisboa, onde o sílex foi intensamente aproveitado, bem

115
© Universidade Aberta
como, no lado oposto do grande estuário do Tejo, as estações de Cascalheira
e de Conceição, entre outras ali existentes, explorando intensamente a
abundante matéria-prima localmente disponível, constituída pelos seixos
rolados de quartzito carreados pelo Tejo a partir do Maciço Antigo. No entanto,
a falta de informação, devido à escassez de escavações em extensão, impede
conhecer a organização do espaço habitado, respectivos limites e eventual
existência de áreas de actividades específicas.

As duas estações de ar livre situadas no alto Tejo português (região de Vila


Velha de Ródão) possuem características aparentemente distintas, tendo
presentes os dados publicados: assim, tanto a estação da Foz de Enxarrique,
como a de Vilas Ruivas, parecem corresponder preferencialmente a
acampamentos de tipo logístico, sobretudo a segunda, não só pela menor
quantidade dos testemunhos inventariados, mas também pela especialização
de actividades, do foro cinegético: é o que mostra, por um lado, a esmagadora
percentagem de ossos de veado com marcas de corte e fractura, na Foz do
Enxarrique, implantada em pequena plataforma na confluência do Tejo com
a ribeira de Enxarrique, sítio propício a um estacionamento temporário
especializado, ciclicamente atingido pelas cheias do Tejo; e, por outro lado,
as estruturas, atribuíveis a lareiras, segundo Luís Raposo (Raposo, 1995) ou
a tapumes de caça, segundo João Zilhão (Zilhão, 2001) (hunting blinds, na
terminologia de L. Binford), em Vila Ruivas, a par da fraca concentração de
materiais ali observada.

No que respeita às grutas, a importância das sequências estratigráficas de


algumas delas, como a Gruta da Oliveira e a Gruta Nova da Columbeira
indicam estações de tipo residencial. Também a Gruta da Figueira Brava
parece denunciar esta modalidade de ocupação, sem, naturalmente ser de
momento possível, em qualquer caso, determinar a duração de cada presença
humana, nem, na maioria dos casos, caracterizar a sua eventual ocupação
sazonal. No entanto, se certos sítios indicam curta ocupação, pela escassez
dos restos encontrados e a pobreza do registo estratigráfico – é o caso da
Lapa dos Furos, onde foram apenas identificados sete artefactos,
correspondendo a data calibrada de 40 000 a. C. a terminus post quem para a
ocupação do mustierense (Zilhão, 2006) – já a Gruta da Figueira Brava foi
seguramente ocupada na Primavera e Verão, dada a abundância de juvenis
de coelho claramente objecto de captura pelos humanos. A alternância da
ocupação desta gruta com carnívoros, tal como o observado em outras grutas
nesta época (Gruta do Caldeirão, Gruta do Escoural) é um dado adquirido,
exemplarmente evidenciado na Gruta Nova da Columbeira pelo registo
estratigráfico conservado.

A área de captação de recursos – incluindo a matéria-prima para a confecção


de artefactos – foi sempre circunscrita à zona envolvente de cada sítio, e
baseava-se em caça não especializada, com nítido predomínio de mamíferos

116
© Universidade Aberta
de porte grande a médio, à época comuns nos respectivos biótopos, como o
auroque e o cavalo, característicos de espaços abertos, ou o veado,
correspondente a áreas mais florestadas. A ausência notória de certas espécies,
como o javali, prende-se sobretudo com a dificuldade da respectiva captura.

Reconheceram-se seis dentes deciduais de rinoceronte (S. hemitoechus) na


Camada 6 da Gruta Nova da Columbeira; porém, como nesta camada a
ocupação humana é ténue, a presença da espécie poderá atribuir-se a acção
de grandes predadores; o mesmo é válido para um fragmento de osso maxilar
com dois molares gastos até à raiz, da Gruta da Figueira Brava,
correspondendo a indivíduo senil. Foi este, aliás, o padrão evidenciado na
Lorga de Dine, no extremo norte transmontano, com grandes predadores
aparentemente associados a numerosos dentes lacteais de rinoceronte,
desconhecendo-se ocupação humana compatível (Cardoso, 1993).

Seja como for, a caça pelo Homem de grandes mamíferos, está claramente
documentada pelo auroque (eventualmente pelo elefante, em Santo Antão
do Tojal), encontrando-se alguns dos seus ossos fracturados intencionalmente
e até, como na Gruta da Figueira Brava, transformados em diversos
instrumentos (Cardoso, 1993, Est. 13, n.º 5).

A caça de presas de porte médio, como o veado e a cabra montês está também
documentada, tanto na Gruta Nova da Columbeira, como na Gruta da Figueira
Brava); porém, em ambas, o veado constitui a maioria dos restos (com quase
60% na primeira e 34% na segunda); outras espécies, como o cavalo e a
cabra montês, encontram-se presentes em ambas as estações, mas em
quantidades diferentes, devido à natureza dos respectivos biótopos (o
contributo dos predadores não se pode quantificar, mas seria pouco
significativo, a ter em consideração o número de restos conservados,
especialmente nas Camadas 8 e 9 da Gruta Nova da Columbeira, como
anteriormente se sublinhou). A presença exclusiva do veado entre a fauna
caçada na Gruta da Oliveira, nos níveis mustierenses mais modernos datados,
depois de calibrados, entre 38 000 – 37 000 a. C. indica a existência de um
clima temperado, talvez mais quente que o correspondente à presença da
espécie nas duas grutas supracitadas, ambas ligeiramente mais recentes,
respectivamente 36 000 a. C. para a Gruta da Figueira Brava e 34 000 –
31 000 a. C. para a Gruta Nova da Columbeira, em datas calibradas, a
aceitar-se este resultado, pelas razões atrás expostas. Nessa época, o clima
seria mais fresco que o actual, dada a presença, em ambas, da cabra montês.
A ser assim, a degradação climática no sentido de um progressivo arrefeci-
mento, ter-se-ia iniciado naquela época, conduzindo, cerca de 18 000 anos
antes do presente ao pleniglaciário.

Tem interesse assinalar a presença frequente de tartaruga terrestre, que atinge


o maior quantitativo na Camada 8 da Gruta Nova da Columbeira, justamente

117
© Universidade Aberta
aquela que denuncia maior incidência antrópica. A origem humana da sua
presença é, pois, inquestionável. A mesma conclusão é extensível aos restos
desta espécie provenientes dos níveis mais profundos da Gruta da Oliveira,
os quais se apresentam incarbonizados, tal como os de coelho aos quais se
encontram associados. Na verdade, ambas as espécies afiguram-se abundantes
na generalidade das grutas com ocupação humana mustierense – assinalada
igualmente na Gruta de Ibne Amar (Bicho, 2004) – ainda que em quantitativos
variáveis, evidenciando uma prática paralela de captura sistemática de
pequenos animais, que parece ter sido generalizada no Mustierense Final do
território português.

Por outro lado, importa sublinhar a importância da recolecção de moluscos


ao longo do litoral, apenas expressiva, naturalmente, nos sítios mais próximo,
deste, como a Gruta da Figueira Brava e a Gruta de Ibne Amar, onde também
se documentou a prática da pesca. Na primeira, as capturas marinhas
estenderam-se aos crustáceos e a mamíferos marinhos, como o golfinho
comum (Delphinus delphis) e a foca anelada (Pusa hispida), representados
cada um por apenas um indivíduo; podem corresponder ao aproveitamento
secundário pelo homem de animais arrojados à costa (ou capturados nesta,
no caso da foca), indicando a presença desta última espécie um clima mais
fresco que o actual. Esta realidade é bem expressiva da importância da
componente dos recursos marinhos recolectados e consumidos na gruta, por
ora um caso único no território português, atendendo á variedade e abundância
dos restos conservados.

Do exposto, conclui-se não se poder confirmar a afirmação de Nuno Bicho


(Bicho, 2004), segundo a qual o padrão de povoamento no Algarve durante o
Mustierense seria muito diferente do da Estremadura, com base na presença,
no Algarve, de pequenas presas (tartaruga e coelho), associadas a fauna
aquática: verificou-se que tal associação se verifica também na Estremadura
e, quanto ao contributo aquático, a mais importante evidência situa-se
precisamente nesta região, e não naquela.

O facto de, na Gruta Nova da Columbeira, distanciada cerca de 10 km do


litoral actual, não se ter registado esta prática, indica que os correspondentes
territórios eram, de facto, de dimensões circunscritas, neles se procedendo a
uma economia de caça e recolecção não especializada, nos moldes atrás
descritos.

Tais territórios poderiam ter variado em extensão no decurso do tempo.


Tomando como elemento de comparação as percentagens de peças de sílex –
rocha que, pelas suas características seria preferível a todas as outras –
verificadas ao longo das duas mais completas sequências estratigráficas
estudadas, verifica-se decréscimo da utilização do sílex na Gruta da Oliveira,
entre a ocupação mais antiga e as mais modernas, ao longo do Mustierense;

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© Universidade Aberta
concluiu-se, deste modo, que os respectivos territórios de captação de recursos
teriam sofrido redução na sua extensão (Zilhão, 2001, Fig. 2). No entanto, a
observação da referida figura evidencia apenas o declínio da presença do
sílex entre o conjunto recuperado no "cone mustierense" e o conjunto das
Camadas 8 a 12; como bem assinalou N. Bicho (Bicho, 2004), a evolução
verificada nesta última sequência é positiva, verificando-se aumento
consistente entre a Camada 11 e a Camada 8. Do mesmo modo, na Gruta
Nova da Columbeira, embora o total dos artefactos de sílex sofram um
aumento ao longo do tempo, o total dos utensílios desta rocha mantém-se
próximo da estabilidade (Cardoso, Raposo & Ferreira, 2002, Fig. 18). Assim
sendo, a conclusão da redução dos territórios de aprovisionamento, com base
no referido critério, não se afigura válida. Atente-se ainda na duvidosa
legitimidade de um tal indicador: na Gruta Nova da Columbeira foi real o
aumento da utilização do sílex; mas este aumento não se encontra relacionado
com uma efectiva necessidade de abastecimento de matéria-prima de
qualidade superior, uma vez que o número de utensílios nela fabricados não
aumentou, ao contrário do verificado precisamente com o quartzo e o
quartzito, conforme já anteriormente se assinalou.

A escassez de artefactos de sílex no conjunto da Gruta da Figueira Brava,


apesar de esta rocha se encontrar presente nos calcários jurássicos da Serra
de S. Luís, a cerca de 10 km de distância em linha recta, de onde poderiam
provir alguns dos exemplares recolhidos – apenas 161 núcleos e produtos de
debitagem em 3848 exemplares, ou 21 instrumentos num total de 358 –
conduziu João Zilhão a considerar um território de captação de recursos
circunscrito; contudo, deve salientar-se a baixa visibilidade deste recurso no
caso em apreço, por ocorrer em finos leitos interestratificados nos calcários,
expostos apenas em época recente, aquando da abertura de extensas frentes
de pedreira; deste modo, a sua escassez não poderá ser utilizada para suportar
aquela conclusão, embora esta seja certamente a mais provável.

Seja como for, devem também ter-se em consideração outras variáveis, como
trocas entre-grupos, ou aspectos culturais que conduziam à preferência por
determinado tipo de rocha, sem excluir, naturalmente, a efectiva mobilidade
destas comunidades e, com ela, o tamanho dos correspondentes territórios;
são estes factores, que, actuando em conjunto explicarão, por exemplo, a
quase exclusiva utilização do quartzo no Mustierense, substituído pelo sílex
nas ocupações do Paleolítico Superior da Gruta do Escoural.

A conclusão geral que, no actual estado de conhecimentos, se poderá avançar


é a de que, no Mustierense, os territórios deveriam ser relativamente
circunscritos, o que não impedia uma elevada mobilidade dos respectivos
grupos no seu interior, condizente com a diversidade dos recursos encontrados.

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No Algarve, as estações até agora conhecidas não se situam a mais de 10 km
do litoral actual (Bicho, 2004), o que se compreende, pelo facto de o interior
algarvio, em boa parte, se encontrar, então, ocupado por denso coberto
florestal, dificultando a circulação e a prática da caça; seriam excepção as
linhas de água, que, tal como na Estremadura, constituíam boas vias de
penetração e de circulação, favorecendo a presença da caça e, deste modo, o
estacionamento de grupos em acampamentos ao ar livre, realidade que se
encontra particularmente evidenciada pelos testemunhos encontrados no vale
do Tejo e seus afluentes ou sub-afluentes, como o rio Nabão, na região de
Tomar.

De acordo com os dados faunísticos atrás aludidos, o clima seria globalmente


temperado, até 38 000 – 37 000 a. C. (datas calibradas) e de tipo mediterrâneo,
sendo o litoral estremenho dominantemente ocupado por pinheiros e
Ericaceae, seguidos por Quercus, Corylus, Myrtus, Ilex e Myrica,
evidenciando paisagem aberta, ventosa e clima fresco e húmido (Diniz, 1993);
estes elementos completam-se com a informação fornecida pelo helicídeo
Cepaea nemoralis, recolhido em grande abundância na Lapa dos Furos
(Tomar), datadas de cerca de 40 000 a. C., indicando clima insolado, em
ambiente moderadamente florestado (Callapez, 1999); tais condições
conheceram leve modificação até ca. 34 000 – 31 000 a. C., coincidindo
com o final do Mustierense, admitindo como válidas as datas, depois da
calibração, da Gruta Nova da Columbeira. Com efeito, embora a presença
da tartaruga, na maioria das grutas estudadas (Gruta Nova da Columbeira,
Gruta da Oliveira, Gruta de Ibne Amar, Gruta da Figueira Brava) indique
Primaveras e Verões suficientemente quentes para permitirem a incubação
dos ovos, mas não demasiado secos, a presença de cabra montês aponta para
clima mais fresco e talvez mais húmido, em determinados períodos.

A Gruta da Figueira Brava, onde ocorre a cabra montês em efectivos


importantes (cerca de 22% do total dos grandes mamíferos), corresponde ao
mais importante conjunto de indicadores paleoclimáticos para a caracterização
do clima há cerca de 36 000 a. C.: todos os moluscos pertencem a espécies
que ainda vivem na região, uns com distribuição atlântica mais meridional,
outros mais setentrional; entre estas, a larga predominância de Patella vulgata,
actualmente comum no litoral da Galiza e das Astúrias, a qual é substituída
no litoral central e meridional português por P. intermedia, cuja presença é
escassa no conjunto, sugere a existência de águas mais frias que as actuais; a
avifauna é um valioso indicador: assim, além de diversas espécies extintas,
existem 3 espécies de clima mais frio que o actual e 2 espécies de clima
mediterrâneo incompatíveis com clima frio; a maioria das espécies indica
clima temperado, nelas se incluindo 3 espécies que, nidificando hoje em dia
em regiões mais setentrionais, poderiam encontrar-se na região em período
de invernia. A conclusão a extrair, é a existência, na época, de um clima mais

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frio que o actual, mas com verões suficientemente quentes e insolados, que
permitiam a presença de espécies mediterrâneas. O estudo dos insectívoros,
quirópteros e lagomorfos recolhidos forneceu conclusões compatíveis com
as anteriores: associação de elementos mediterrâneos com elementos nórdicos,
indicando clima mais frio que o actual, e terrenos mais ou menos florestados
e rochosos; também os roedores sugerem clima temperado fresco, realidade
não muito diferente da obtida através do estudo da microfauna da Camada K
da Gruta do Caldeirão: a presença de Allocricetus bursae nesta camada,
testemunha a mais vasta extensão alguma vez registada para oeste desta
espécie, cuja migração se encontra relacionada com o arrefecimento climático
reportado àquela época. Ao contrário, o estudo dos roedores da Camada 8 da
Gruta da Oliveira levou à conclusão que, há cerca de 38 000 – 37 000 a. C.,
existiria um clima mediterrâneo na região; deste modo, também os pequenos
mamíferos conduzem à conclusão de ter existido um arrefecimento climático
progressivo, no decurso do Mustierense Final em Portugal.

A não ocupação precoce do Centro, Sul e Ocidente da Península Ibérica


por parte da primeiras populações biologicamente modernas até há cerca de
34 000/36 000 a. C., dever-se-á à acção conjugada de dois factores: a sua
eventual dificuldade de adaptação aos respectivos ambientes naturais e,
sobretudo, a circunstância desses ambientes serem ocupados por populações
biologicamente progressivas (não no sentido de uma aproximação à entidade
sapiens sapiens, mas no sentido estritamente biológico e dentro de um quadro
de referência neandertalense), embora porventura tecnológica e culturalmente
menos evoluídas. Nestes termos, seria de esperar que a dimensão dos
territórios respectivos jogasse um papel decisivo: territórios mais pequenos
e geograficamente acessíveis poderiam originar todo o tipo de fenómenos de
aculturação e/ou o rápido decréscimo populacional e extinção da população
menos equipada; territórios maiores e geograficamente mais inacessíveis,
suscitariam a manutenção de traços culturais próprios e a sobrevivência até
mais tarde das populações antigas, que disporiam de espaços reprodutivos
suficiente vastos. Tal terá sido o que aconteceu respectivamente a Oriente
(Grécia e Itália) e a Ocidente (Portugal e Espanha mediterrânica). As próprias
associações faunísticas, especialmente no caso ibérico, onde se documenta a
sobrevivência de uma antiga mega-fauna relíquia até períodos muito recentes.
É o caso, por exemplo, da ocorrência de elefante antigo, Palaeoloxodon
antiquus, há cerca de 33 000 a. C., no sítio da Foz do Enxarrique, depois
substituído por uma fauna banal, de tipo moderno, ilustrando um desses
endemismos, constituindo a população neandertalense apenas mais um
elemento de uma realidade cuja explicação plena passa pela inclusão em
amplo quadro geográfico e natural. Aliás, a função como área refúgio
desempenhada pelo actual território português já vinha de muito antes:
relembre-se, a tal propósito, a presença em grande quantidade de Hyaena
hyaena prisca (a antecessora da hiena raiada africana actual), bem como de

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subespécie arcaica de lobo, de pequeno tamanho (Canis lupus lunellensis),
na gruta da Furninha (Peniche), no início do último período glaciário (cerca
de 80 000 anos atrás), enquanto que, na Europa além Pirenéus, tais subespécies
apenas se encontram registadas até ao interglaciário de Mindel-Riss, não
conseguindo sobreviver aos rigores do frio rissiano, com início há cerca de
250 000 anos.

A última década e os primeiros anos da actual correspondeu ao


desenvolvimento de modelos teóricos para explicar a tardia sobrevivência
de populações neandertais no sul e sudoeste peninsular. Esta realidade seria,
pelo menos em parte, explicada por razões ecológicas e preferências
comportamentais dos dois grupos humanos em presença e configura a
hipotética realidade que João Zilhão designou como a "fronteira do Ebro",
linha geográfica imaginária que teria separado de forma estável a região a
norte daquele acidente orográfico, povoada por homens de tipo moderno, do
resto do território peninsular povoado pelos derradeiros Neandertais ibérico.

Em 2002, tal modelo era assim exposto: "Entre cerca de 36 000 e cerca de
30 000 BP, a depressão do Ebro parece ter constituído uma fronteira
biocultural estável (...). No presente, essa depressão corresponde também à
fronteira que separa os domínios faunísticos ibérico e euro-siberiano, e os
dados disponíveis indicam que, no intervalo de tempo em causa, terá
desempenhado um papel biogeográfico semelhante: a sul, a Península Ibérica
estaria dominada pelo bosque temperado, enquanto, a norte, dominavam as
paisagens abertas de tipo estepe-tundra. As populações de tipo moderno que
penetraram na Europa ao longo do corredor danubiano desenvolveram
adaptações culturais a estes ecossistemas. Quando, com a deterioração das
condições climáticas globais (…), tais ecossistemas se estenderam para sul,
essas populações começaram a dispersar-se por toda a península,
misturando-se com os neandertais e gerando as populações mestiças de que
descendia a criança do Lapedo" (Zilhão & Trinkaus, 2002, p. 567).

Contudo, o modelo demográfico baseado na separação duradoura e estável


entre os dois grupos populacionais teve, também em data mais recente, a sua
crítica fundamentada, partindo de uma análise crítica da evidência
radiométrica disponível (Jöris, Álvarez Fernández & Weninger, 2003). Os
autores verificaram existir nítido desvio entre as datas radiocarbónicas obtidas
sobre ossos e sobre carvões, sendo estas mais modernas vários milhares de
anos; em consequência deste facto, concluiram que não existem provas da
perduração de indústrias do Paleolítico Médio no Sudoeste da península
Ibérica durante as fases mais antigas do Aurignacense, conclusão que
contraria o modelo da "Fronteira do Ebro" que distinguiria, como acima se
disse, as indústrias do Mustierense tardio no Sudoeste, por oposição ao
Aurignacense Inicial no Nordeste; com efeito, os dados cronométricos

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disponíveis implicariam um modelo de dinâmica populacional que se contrai
durante as fases áridas e de frio mais intenso e se expande durante as fases
interestadiais, mais quentes, dando a ideia de um desenvolvimento regional
do Aurignacense do Sudoeste europeu a partir das indústrias do Mustierense
Tardio realizadas pelos Neandertais; tais indústrias de transição, contudo,
estão completamente ausentes do território português, onde o Aurignacense
está de momento apenas representado no seu estádio evoluído. De comum,
com o anterior modelo, o facto de a inter-penetração geográfica dos territórios
ocupados respectivamente pelos dois grupos humanos, depender de causas
climáticas. Importa, naturalmente, proceder à análise crítica desta nova visão
das modalidades de transição do Paleolítico Médio/Superior na Península
Ibérica, a qual foi já objecto de uma primeira discussão e análise crítica, em
estudo já várias vezes referido (Zilhão, 2006).

Certamente outros contributos serão apresentados num futuro próximo, em


consequência do interesse que a investigação deste tema tem despertado no
decurso dos últimos anos. Com base em novos elementos, obtidos a partir
das escavações actualmente em curso, incluindo Portugal, produzir-se-ão
por certo novos resultados.

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5. O Paleolítico Superior

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Apesar da segunda monografia arqueológica publicada em Portugal ser
dedicada a uma importante estação do Paleolítico Superior – a gruta da Casa
da Moura, Óbidos (Delgado, 1867) – as respectivas indústrias ficaram muito
tempo por identificar como tal, à semelhança do que aconteceu com as peças
da mesma época recolhidas na gruta da Furninha, Peniche (Delgado, 1884).
Com efeito, a semelhança com materiais mais modernos era evidente, tendo
sido com eles confundidos. Foi apenas em 1918, no decurso da primeira
estada em Portugal de Henri Breuil, que este reconheceu, de entre os materiais
das colecções da antiga "Commissão Geologica de Portugal", recolhidos na
gruta da Casa da Moura, diversos fragmentos de zagaia de osso, que lhe
sugeriram integração no Magdalenense Antigo, acompanhadas de um
conjunto de artefactos de sílex, atribuíveis também ao Magdalenense. Breuil
concluía esta primeira nota sobre a presença do Paleolítico Superior em
Portugal da seguinte maneira:

On voit que la connaissance du Paléolithique supérieur en Portugal est


encore rudimentaire: on possède juste assez de documents pour pouvoir
affirmer son existence, et c’est tout (Breuil, 1918, p. 37).

A referência a indústrias do Paleolítico Superior só voltou a ter lugar, em


Portugal, a partir da segunda metade da década de 1930, aquando das
explorações de Manuel Heleno na região de Torres Vedras (Heleno, 1950) e
de Rio Maior (Heleno, 1956), descobertas que, conjuntamente com outras
entretanto realizadas (Roche & Trindade, 1951), incluindo a revisão de
materiais antigos (Breuil & Zbyszewski, 1942; Roche, 1951), deram origem
às primeiras sínteses de conhecimentos (Ollivier, 1945).

Para o relançamento dos estudos do Paleolítico Superior, na década de 1960,


contribuiram decisivamente as escavações realizadas em 1959 e em 1960 na
gruta das Salemas, Loures. Foi então identificada uma sucessão estratigráfica Fig. 52
constituída por oito camadas, as quais foram agrupadas em quatro níveis ou
unidades fundamentais (Zbyszewski et al., 1961; Roche et al., 1962;
Zbyszewski, 1963; Ferreira, 1964, 1966; Roche & Ferreira, 1970; Zbyszewski
et al., 1980/1981), que eram os seguintes, de cima para baixo:

Nível 1 – terras cinzento-escuras, localmente negras. Corresponde à


instalação de uma necrópole no Neolítico (potência entre 0,50 m e
1,00 m);

Nível 2 – terras cinzentas, menos escuras, em falta em diversos locais:


existia apenas nas secções 4-5; 7-8; e 10-11. Solutrense (potência de
0,15 a 0,20 m);

Nível 3 – terras amarelas, às vezes castanhas ou avermelhadas.


Desenvolve-se da entrada da gruta à secção 18. Perigordense (espessura

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média de 0,25 m, com máximo de 0,35 m (secção 9) e mínimo de
0,10 m (secções 6 e 7);
Nível 4 – "terra rossa" com fauna de grande porte, tendo colmatado a
base da fissura, cuja espessura não pôde ser determinada. Continha
indústria pouco típica, provavelmente do Paleolítico Médio.

Esta trancrição justifica-se, porquanto foi a primeira vez que, em Portugal,


se registou a presença de indústrias do Paleolítico Superior em estratigrafia,
Fig. 53 e, até, revelando sucessivas ocupações.

A tipologia dos materiais exumados não oferecia dúvidas quanto à sua


integração no Solutrense, época a que, ulteriormente foi atribuído a totalidade
do espólio paleolítico (Zilhão, 1987). Mas é o mesmo autor a considerar,
mais tarde, a existência de vários conjuntos, industriais, mercê da revisão
efectuada do material lítico. Assim, J. Zilhão isolou um pequeno lote de
peças proto-solutrenses (pontas de Vale Comprido), antecedido de um outro,
de idade gravettense, onde integrou, globalmente, o conjunto considerado
anteriormente como perigordense, incluindo uma notável zagaia de osso
peniano de urso; enfim, o conjunto do Solutrense Superior, integraria boa
parte das peças que já antes foram assim consideradas, com destaque para
um belo conjunto de pontas de pedúnculo e aletas e pontas de pedúnculo
lateral, tanto de tipo mediterrânico como franco cantábrico (Zilhão, 1997).
Com efeito, a associação de ambas as tipologias de pontas solutrenses na
gruta das Salemas, foi prontamente valorizada por arqueólogos do país
vizinho, aonde o estudo das indústrias do Paleolítico Superior se encontrava
mais desenvolvido, chamando-se a atenção para a extensão, até ao extremo
ocidental peninsular, da ocorrênca de peças de tipo levantino ou ibérico (Ripoll
Perelló, 1964/1965). Outra das consequências desta importante escavação
foi a procura, nos materiais de antigas escavações, de peças de tipologia
afim, o que foi conseguido: assim, na gruta da Casa da Moura, identificou-se
um lote de pontas de seta com pedúnculo e aletas, deste modo associadas a
Fig. 57 uma ocupação solutrense da gruta, que se vinha somar à presença do
Magdalenense anteriormente admitida (França, Roche & Ferreira, 1961);
também nas grutas do Poço Velho, Cascais, se identificaram uma "folha de
loureiro" muito alongada, de filiação franco-cantábrica e uma ponta de
pedúnculo e aletas, de calcedónia, de filiação levantina (Ferreira, 1962). Por
Fig. 58 outro lado, a relevância das descobertas efectuadas na gruta das Salemas,
propiciou a apresentação de duas novas sínteses, uma dedicada ao Solutrense
(Ferreira, 1962) e outra ao Paleolítico Superior português (Roche, 1964). A
estes trabalhos, um outro se viria a juntar, pouco tempo volvido, relativo ao
Fig. 50 conjunto das belas folhas de loureiro da jazida de Monte da Fainha,
Évoramonte (Roche, Ribeiro & Vaultier, 1968), cuja natureza funcional nunca
se conseguiu esclarecer. As investigações esmoreceram nos anos seguintes;
prova dessa realidade encontra-se espelhada na última síntese de

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conhecimentos realizada antes da retoma das investigações em Portugal, no
final da década de 1970 (Zbyszewski, Leitão & Ferreira, 1999/2000).

Data dessa época o início das escavações da gruta do Caldeirão (Tomar), por
iniciativa de João Zilhão; ali vieram a recolher-se importantes testemunhos,
em estratigrafia, de sucessivas ocupações do Paleolítico Superior, que
impunham estudo actualizado. Ao mesmo tempo, o referido arqueólogo,
iniciou, no Museu Nacional de Arqueologia, o estudo sistemático dos
materiais das escavações de Manuel Heleno, tanto na região de Torres Vedras
como na de Rio Maior. O sucesso de tal linha de trabalhos justificou o
desenvolvimento, na década de 1980, ainda por iniciativa de João Zilhão, de
parcerias com especialistas norte-americanos, de que resultou não só uma
maior visibilidade internacional dos resultados entretanto obtidos,
potenciando novas e frutuosas colaborações, particularmente as de carácter
pluridisciplinar, mas também a formação, nas universidades norte-americanas,
de uma nova geração portuguesa de especialistas no Paleolítico Superior de
Portugal, que actualmente desenvolvem actividades, num efeito multiplicador,
que conduziu, nos últimos vinte anos, a notáveis progressos, sem paralelo
em nenhum outro período da nossa Pré-História, no mesmo intervalo de
tempo – apesar de ser, também, aquele que se encontrava mais carecido de
estudos actualizados, a par do Paleolítico Inferior e Médio.

Deste modo, no território português, encontra-se actualmente representada a


sequência cultural clássica que caracteriza, globalmente, todo o Paleolítico
Superior da Europa Ocidental. É essa sequência de indústrias, bem como as
jazidas mais importantes e as respectivas cronologias que as balizam, que
irão de seguida ser objecto de análise.

5.1 Aurignacense

No estado actual dos nossos conhecimentos, e no que ao território peninsular


diz respeito, parece ser total a correlação entre as indústrias do Aurignacense
e a emergência do Homem Moderno (H. sapiens sapiens).

A presença de indústrias aurignacenses (da estação epónima francesa, a gruta


de Aurignac, na região do Alto Garona) no território português, encontra-se
directamente associada à dos primeiros homens modernos que o ocuparam.
Foi João Zilhão que, de forma mais substantiva e consistente, mais contribuiu
para a aceitação da sua presença – descontando a atribuição, por ser errónea,
da cronologia aurignacense proposta para a estação do Rossio do Cabo, no
litoral de Torres Vedras (Roche & Trindade, 1951) – através da identificação
de artefactos por si considerados caracterísiticos do Aurignacense,

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especialmente as lamelas de tipo Dufour, subtipo Dufour, pequenos micrólitos,
estreitos e muito alongados, com extremidade em ponta, produzida por
retoques semiabruptos alternados.

Trata-se de artefactos totalmente desconhecidos nas indústrias paleolíticas


mais modernas, tanto no território português, como em França, onde foram
definidas (Zilhão, 2001).

Segundo o referido arqueólogo (Zilhão, 1996, 1997), tais indústrias estariam


presentes em sítios de ar livre, com destaque para os da região de Rio Maior
(Vale de Porcos I e II e Vascas), a que se poderia juntar o sítio da Chainça, na
Fig. 51 mesma área, recentemente publicado (Thaker, 2001). No caso das grutas,
João Zilhão admite, pelo mesmo critério, a sua presença nas do Escoural
(Montemor-o-Novo), Pego do Diabo e Salemas (Loures). O enquadramento
cronoestratigráfico destas ocorrências, nalguns casos isoladas a posteriori,
como é o caso do Escoural e das Salemas, é deficiente. Apenas uma datação
de radiocarbono poderá, com reservas, ser relacionada com a presença de
seis lamelas Dufour na Camada 2, datada de 28 120 (+ 860; - 640) anos BP.
Esta indústria corresponderia, assim a um Aurignacense evoluído, que se
prolongaria até cerca de 26 000 anos BP, dando passagem às indústrias do
Gravettense antigo. A confirmar-se a real presença de indústrias aurignacenses
nesta gruta, que são postas em dúvida, nos termos em que foram definidas,
por N. Bicho (Bicho, 2000), bem como a datação ali obtida (Bicho, 2005),
teríamos uma presença humana que se estenderia da área estremenha ao Alto
Alentejo, e, por certo, a outras regiões do País, onde ainda não foi identificada,
talvez não por ali não existirem, mas por ainda não terem sido objecto de
aturados trabalhos de prospecção.

Para N. Bicho, as estações consideradas como do Aurignacense por J. Zilhão


– Vascas e Vale de Porcos – e também Chainça, seriam já do Gravettense.
Por outro lado, a estratigrafia da gruta do Pego do Diabo, descrita por João
Zilhão, mereceu-lhe as maiores reservas, já que teriam sido recolhidas,
segundo N. Bicho, fragmentos de cerâmica ao longo de toda a sequência.

A posição crítica de N. Bicho estende-se, mesmo, à própria aceitação da


existência de indústrias aurignacenses no território português, com base em
argumentos cronológicos. Com efeito, se o final do Mustierense se verificou
cerca de 27 000 anos BP e o Gravettense ascende a idêntica cronologia,
então não haveria possibilidade de intercalar, entre ambas, o Aurignacense.
Caso contrário, teríamos a co-existência, num mesmo território, de três
culturas diferentes, o que seria inviável, por ser caso único (Bicho, 2005).

Em consequência, a reapreciação da questão da existência do Aurignacense


em território português é assunto em aberto, e de evidente relevância no
quadro do estudo do Paleolítico Superior, acompanhando de perto a própria

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revisão da operacionalidade do conceito "Aurignacense" a nível europeu
(Zilhão & D’Errico, 2003).

Entretanto, novas estações recentemente publicadas, como a de Gândara do


Outil, no Baixo Mondego, atribuível a uma fase recente de Aurignacense,
com base em análise tecno-tipológica aprofundada (Almeida, Aubry & Neves,
2005) poderão relançar a discussão, em Portugal, também no que respeita à
transição Paleolítico Médio – Paleolítico Superior, visto o primeiro se
encontrar também representado na referida área geográfica, como atrás se
frisou.

5.2 Gravettense

Trata-se de designação derivada do sítio epónimo de La Gravette, na


Dordonha. Em Portugal, o registo arqueológico permitiu identificar um
Gravettense Antigo, entre cerca de 26 000 e 24 000 anos BP e um Gravettense
Final, entre 24 000 e 22 000 anos BP, o qual incluiria o fácies estremenho
Fontesantense.

O Gravettense Antigo, encontra-se representado por várias estações de ar


livre, na região de Rio Maior (Estrada da Azinheira; Vale Comprido: Barraca
e Vale Comprido: Cruzamento; e Vascas), bem como por estações de gruta
(Caldeirão, Casa da Moura e Salemas).

O Gravettense Final, encontra-se presente também na área de Rio Maior, por


estações de ar livre (Cabeço de Porto Marinho II, Picos, Terras do Manuel e
Vascas) e de gruta (Buraca Escura, Casa da Moura). De um modo geral, as
indústrias gravettenses integram micrólitos com dorso (retoque abrupto num
dos bordos), que ocorrem em grande quantidade, para além de outros tipos,
de maiores dimensões, como raspadeiras e buris, tanto sobre lâminas como
sobre lasca. A ocorrência de grandes pontas de La Gravette, registadas
nalgumas estações de gruta exploradas no século XIX, como a Ponte da
Lage, Oeiras e a gruta do Furadouro, Cadaval (Cardoso, 1995, Fig. 6, n.os 5 e Fig. 56
6), poderiam, segundo J. Zilhão (Zilhão, 2000), representar uma fase média
do Gravettense, ainda não adequadamente caracterizada.

Na Estremadura, o estádio terminal do Gravettense, de afinidades proto-


magdalenenses, parece ser imediatamente anterior ao Fontesantense (do sítio
Fig. 51
epónimo de Fonte Santa, Torres Novas), cuja cronologia, à falta de elementos
cronométricos absolutos para as estações onde se encontra até ao presente
representado, poderá ser provisoriamente situada cerca de 23 000 anos BP.
As características peculiares desta indústria, definida por João Zilhão, advêm

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principalmente da presença dominante de pontas líticas, de tipo especial
(Pontas de Casal do Felipe, estação de ar livre da região de Rio Maior, a
Fig. 51 outra das estações fontesantenses até ao presente conhecidas), consideradas
o fóssil director do Fontesantense. Trata-se de uma ponta utilizada como
armadura, "simétrica, em que o ápice está situado sobre o eixo de debitagem
e resulta da convergência de dois bordos modificados pela aplicação de um
retoque bilateral abrupto executado sobre suportes laminares ou lamelares
(...)" (Zilhão, 1997, p. 195).

O Fontesantense seria, deste modo, coevo do Gravettense Final,


imediatamente anterior, como se referiu, ao Gravettense Terminal, de
afinidades protomagdalenenses. Aquele é caracterizado pela presença de
lamelas de dorso truncadas, tendo a sua presença sido enriquecida, no território
português, pelas recentes escavações de sítios de ar livre no vale do Côa,
como Olga Grande 4, com estruturas de combustão muito bem conservadas
(Aubry, 1998). Aqui, as características tipológicas da indústria lítica, apesar
de ser dominada pelo cristal de rocha, não se diferenciam, significativamente
das congéneres estremenhas (Zilhão, 2001). É, assim, mais uma vez, posto
em evidência o primado da tipologia sobre a matéria-prima disponível, o
qual foi já atrás mencionado a propósito das indústrias acheulenses do Baixo
Tejo.

Mas a presença do Gravettense em Portugal, nos últimos anos, foi


particularmente enriquecida pelas descobertas dos sítios de características
habitacionais de ar livre do vale do Côa. As escavações entretanto ali realizadas,
evidenciaram estruturas de combustão muito bem conservadas, especialmente
no sítio de Olga Grande 4, situável entre 23 000 e 22 000 anos BP.

A sepultura infantil do Gravettense Antigo conhecida por "menino do


Lapedo", Lagar Velho (Leiria), adiante tratada, conjuntamente com a
sequência estratigráfica de carácter habitacional identificada no abrigo de
Lagar Velho são outros tantos contributos de primeira grandeza para o
conhecimento do Gravettense português. Aqueles níveis, representando
sucessivos estádios ocupacionais, poderão ser integráveis no Gravettense
Médio, ainda não devidamente caracterizado em Portugal, tendo presentes
as datações já obtidas, entre 23 000 e 23 500 anos BP (Zilhão, 2001), para
além de outras, mais modernas, adiante tratadas.

As indústrias do Gravettense estão, pois, representadas por um número já


significativo de estações, tanto de gruta como de ar livre, estendendo-se a
sua presença, para além da Estremadura, à região do Côa e, também ao
Algarve, onde uma estação de ar livre, no sítio de Vala, Silves, foi recentemente
identificada e escavada, em resultado de trabalhos de minimização do impacte
da construção da via do Infante (Zambujo & Pires, 1999), a que se somou a

132
© Universidade Aberta
identificação e escavação da estação do Vale Boi, Vila do Bispo, por uma
equipa liderada por N. Bicho; a ocupação do Gravettense foi datada em cerca
de 24 300 anos BP. Estas últimas descobertas, mostram que o que se conhece
actualmente no interior do território, é uma ínfima parte da informação ainda
por conhecer, o que só será possível com prospecções aturadas e dirigidas
para a identificação de tão ténues vestígios.

O sítio de Vala deu um conjunto lítico caracterizado pela presença de pequenas


pontas crenadas de dorso, lamelas de dorso e pontas de dorso curvo espesso, as
quais parecem representar uma fase (tecnocomplexo) solutreo-gravettense. Neste
caso, poderiam ser correlacionadas com a transição do Gravettense para o
Solutrense, que J. Zilhão admitiu ter-se processado no território português, que
assim se assumiria como sendo um dos focos difusores do Solutrense, a nível
europeu. Com efeito, para o autor referido, as indústrias do tipo Vale Comprido –
Encosta (do sítio epónimo de ar livre do concelho de Torres Novas), situáveis entre
21 000 e 20 500 anos BP, corporizariam a transição para o Solutrense
(Protosolutrense ou Solutrense Inferior), sendo caracterizadas pela presença da
ponta de Vale Comprido, que poderia constituir o protótipo da ponta de face plana
e retoque invasor do Solutrense Médio, datável de cerca de 20 500 anos BP (Zilhão,
1997, 2001). Os dados empíricos actualmente disponíveis, parecem indicar que a
transição do Gravettense para o Solutrense seria preferencialmente corporizada
por três etapas: a etapa Gravettense Final, com afinidades protomagdalenenses, já
atrás mencionada, a que se seguiria o Gravettense Terminal de tipo Aurignacense
V (definido por F. de Almeida a partir do estudo tecnológico sistemático de
conjuntos líticos da Estremadura), e, finalmente, o Protosolutrense (ou Solutrense
Inferior). Naturalmente, esta é apenas uma hipótese de trabalho a ser corrigida ou
melhorada a partir de sequências estratigráficas mais completas e datações absolutas,
por enquanto muito insuficientes.

O sítio de Vale Boi corresponde a um abrigo relacionado com uma escarpa de


calcários jurássicos, embora os vestígios se dispersem por uma área de encosta
superior a 10 000 m2 , a cerca de 2 km do litoral algarvio, configurando
acampamento. A implantação do sítio pode relacionar-se com a disponibilidade de
nódulos de sílex (em local distante cerca de 2 km) que, a par do quartzo e do
quartzito – outras rochas conhecidas localmente – foi aproveitada para a produção
de artefactos. Contudo, existem artefactos gravettenses de sílex cujas características
não são as mesmas das variedades disponíveis na região. As peças em osso estão
representadas por zagaias, cuja tipologia as aproxima de exemplares da região
valenciana, afastando-se dos conhecidos mais a norte (Bicho, 2004). Outro aspecto
que tende a afastar o Gravettense de Vale Boi do da Estremadura portuguesa, é o
tamanho das conchas utilizadas como adorno (Littorina, mariae, mais pequena
que L. obtusata, a qual ocorre, não obstante, no Solutrense de Vale Boi), bem
como a percentagem de conchas perfuradas, diferença que se esbate, também, no

133
© Universidade Aberta
Solutrense, face ao padrão verificado na área estremenha. Todas estas diferenças –
a que se poderiam juntar outras – sugerem que se está perante um "grupo
étnico-social diferente do que se conhece no Gravettense da Estremadura" (op.
cit., p. 380), denotando, em contrapartida, maiores afinidades com o Levante
Espanhol, hipótese que poderia explicar o povoamento do Algarve, a partir do
litoral levantino e andaluz, há cerca de 27 000 anos BP.

5.3 Solutrense

Pelas características de algumas das suas principais produções, facilmente


identificáveis, foi o tecnocomplexo do Paleolítico Superior mais estudado,
antes dos novos contributos para o conhecimento deste último, a partir dos
inícios da década de 1980. Tal realidade espelha, talvez, uma outra, a do
efectivo acréscimo da presença humana no território português, relativamente
às épocas anteriores. Tal como se verifica com outro tecnocomplexo do
Paleolítico Superior, o Aurignacense, anteriormente tratado, também para o
Solutrense não se lhe conhece uma origem ou foco difusor primordial. O
interesse de ambos reside precisamente no facto de, uma vez afirmados, se
terem difundido a uma velocidade que, com base na nossa perspectiva e na
capacidade dos métodos de datação radiométricos actualmente disponíveis,
diríamos "instantânea", como assinalaram recentemente dois autores (Zilhão
& D’Errico, 2003), a propósito da questão da origem do Aurignacense:
"Rather than a "problem", this fact is instead a major source of information
on the demographic and social properties of the human occupation network
in place during that specific time interval and in that specific geographical
range". Trabalho recente de João Zilhão aponta a Península Ibérica como a
possível origem do Solutrense, mas trata-se de hipótese que carece de maiores
bases materiais de demostração; em alternativa, foi admitida a existência de
duas componentes bem diferenciadas: assim, enquanto o Protosolutrense e o
Solutrense antigo estariam ligados às fases mais recentes do Gravettense
além Pirenéus, já o Solutrense recente poderia ser originário da Espanha,
por migração do Norte de África, no decurso da fase mais árida da glaciação
(Otte & Noiret, 2002).

O Protosolutrense da Estremadura portuguesa seria caracterizado pela ponta


de Vale Comprido, situável cerca de 21 000 a 20 500 anos BP, a qual teria
evoluído, pela extensão dos retoques cobridores, primeiro a uma das faces
(pontas de face plana), depois cobrindo ambas as faces, já no Solutrense
Médio, situável cerca de 20 500 a 20 000 anos BP, dando origem a magníficas
peças bifaciais, ditas "folhas de loureiro", mas sem pontas pedunculadas, as

134
© Universidade Aberta
quais só aparecem no Solutrense Superior. Aquela designação resulta de a
sua morfologia se aproximar do contorno lanceolado das folhas daquela
árvore. O retoque atinge, então, grande perfeição, sendo produzido por pressão
orientada, de levantamentos alternos, a partir de ambos os bordos dos suportes, Fig. 51
sobre lasca ou laminares. No Protosolutrense, a ocupação das grutas
multiplica-se, na Estremadura, enquanto os sítios de ar livre abundam,
especialmente na região de Rio Maior, mas também na região do Côa (Salto
do Boi, Cardina I), recentemente descobertos.

A sequência estratigráfica de alta resolução de Lagar Velho, permitiu situar a


lacuna do Solutrense Inferior, para a qual continuam a faltar contextos
arqueológicos datados.

Seja como for, a aparente tendência de progressão da ocupação do território,


prossegue no Solutrense Médio, estendendo-se ao Alto Alentejo, onde são
conhecidos diversos tipos de sítios, tanto de gruta – como é o caso da gruta
do Escoural, Montemor-o-Novo – como de ar livre, exemplificados pela
estação de Monte da Fainha – Évoramonte, onde se recolheram
ocasionalmente (na abertura de um poço) mais de vinte exemplares de "folhas
de loureiro" constituindo um conjunto homogéneo, em espaço reduzido,
correspondente talvez a uma sepultura ou, mais simplesmente, a esconderijo
ou depósito.

É nesta época que se reconheceram as primeiras estruturas domésticas –


descontando as escassas evidências do Paleolítico Médio (lareiras da Gruta
Nova da Columbeira, Bombarral e de Buraca Escura, Pombal, entre outras)
– como é o caso da lareira escavada por João Zilhão na Lapa do Anecrial
(Porto de Mós), integrada em nível proto-solutrense datado de cerca de
21 500 anos BP, relacionada com o estacionamento de um pequeno grupo
humano, que ali terá apenas pernoitado, o tempo suficiente para se alimentar
de coelhos e outros animais mais corpulentos e ter talhado alguns objectos
de sílex. F. Almeida conseguiu mesmo proceder à remontagem de núcleos,
que foram objecto de trabalho no decurso daquela curta presença,
espalhando-se, pelo antigo solo da cavidade, as lascas e outros subprodutos
do talhe então processado.

A reconstituição da organização territorial observada no decurso do Paleolítico


Superior, designadamente no Solutrense, é proporcionada pela já razoável
informação de sítios reconhecidos especialmente na Estremadura, e ainda
pela análise petrográfica dos artefactos de sílex dos sítios recentemente
escavados no vale do Côa. Relativamente a estes últimos, foram encontradas
variedades de sílex que só se conhecem nos calcários do maciço estremenho,
tanto na região do Baixo Mondego, a cerca de 150 km de distância em linha
recta, como, ainda mais para sul, na região de Rio Maior ou da Baixa
Estremadura. Para esta última área foi apresentada, em 1987, por João Zilhão,

135
© Universidade Aberta
um ensaio de reconstituição paleodemográfica, o primeiro a ser apresentado
para o Paleolítico Superior em Portugal. A informação entretanto recolhida,
mercê de intensos trabalhos de prospecção e de escavação, conduziu o referido
autor a sucessivos aperfeiçoamentos do modelo proposto. Assim, João Zilhão
admitiu, com base em paralelos etnográficos actuais e tendo presentes as
condições prováveis geoambientais da época que, no decurso do Paleolítico
Superior, a densidade populacional na actual Estremadura não ultrapassaria
0,05 habitantes por km²; admitindo que cada bando fosse constituído por
cerca de 25 indíduos, número considerado como óptimo, a cada um deles
corresponderia um território de 400 a 500 km². Este pressuposto, faria com
que a Estremadura estivesse compartimentada, ou partilhada, por diversos
bandos, tendo presente que, no pleniglaciário, ou em época próxima, entre
21 000 e 18 000 anos BP, correspondente ao Solutrense Superior, o litoral
ocidental estender-se-ia, nalguns casos entre 40 e 50 km para lá da linha de
costa actual, correspondente a um abaixamento do nível marinho de cerca de
120 m. Nestas circunstâncias, a degradação climática então observada,
conduziu objectivamente a uma melhoria das bases de subsistência, já pelo
aumento dos próprios territórios de caça, já, sobretudo, pelo desenvolvimento
de um coberto vegetal mais aberto, favorável à multiplicação das manadas
de grandes herbívoros, como o auroque e o cavalo. Assim, as grutas, situadas
no maciço calcário, seriam utilizadas como sítios sazonais ou logísticos,
enquanto que os acampamentos de ar livre se desenvolveriam de ambos os
lados daquela linha de relevos.

João Zilhão admitiu que os diversos bandos, relacionados com as principais


bacias hidrográficas da região, se subordinassem a três grandes grupos,
eventualmente de raízes étnicas diferenciadas, relacionados directamente com
as fontes da matéria prima disponíveis (especialmente do sílex): o mais
setentrional, ocuparia a área do Mondego; o central, corresponderia à região
mais importante do maciço calcário; o mais meridional, abarcaria a área da
baixa Estremadura, no interior da qual existiriam trocas entre bandos, como
parece comprovar-se pela existência de peças confeccionadas em sílex da
região de Cambelas, no litoral de Torres Vedras, na gruta das Salemas (Loures)
e na estação de ar livre de Terras do Manuel (Rio Maior).

Servindo o território português de charneira entre o domínio oeste europeu


atlântico e as regiões ribeirinhas do Mediterrâneo, seria de esperar encontrar
nele e, em especial na Estremadura, a área geográfica que melhores condições
detém nesta perspectiva, a reunião de tais influências, no decurso do
Paleolítico Superior. Tais indícios são, com efeito, evidentes, no Solutrense
Fig. 49 Superior. Assim, na gruta das Salemas reconheceram-se, na mesma unidade
estratigráfica, pontas de pedúnculo lateral de tipo mediterrâneo ou levantino,
associadas a pontas de pedúnculo lateral, de características franco-cantábricas,
também presentes na Gruta do Correio-Mor (Loures) ambas com as mesmas

136
© Universidade Aberta
funções (pontas de arremesso). Esta é uma prova da rápida expansão de tipos
específicos, oriundos de áreas culturais diversas, revelando a sua coexistência,
na mesma região, a efectiva coexistência de raízes culturais diferentes.

De registar, no âmbito das actividades desenvolvidas nos últimos anos, a


descoberta de Solutrense no barlavento algarvio, em Vale Boi (Vila do Bispo),
sítio já anteriormente referido. A parte superior da acumulação foi formada
entre o Protosolutrense e o fim do Magdalenense; uma datação,
correspondente a esta última sequência, de 17 600 anos BP, foi atribuída ao
Solutrense Final. Os depósitos do Paleolítico Superior revelaram milhares
de restos ósseos de grandes mamíferos, fauna malacológica, utensilagem
sobre osso, conchas marinhas perfuradas utilizadas como elementos de
adorno, para além de pendentes, já presentes, mas com outras características,
nos níveis gravettenses. Tais restos evidenciam, no decurso do Paleolítico
Superior, em estações próximas do litoral, a diversificação da captação dos
recursos alimentares, comprovados pela fauna caçada (veado, auroque, javali,
cavalo, coelho e cabra), associada também à obtenção da gordura animal a
partir da medula óssea (que ulteriormente poderia ser armazenada por muitos
meses). No entanto, dá-se o desaparecimento total da fauna de moluscos
marinhos, talvez em resultado da alteração do nível do mar, com a regressão
da linha da costa, talvez cerca de 20 Km para ocidente. A presença de conchas
perfuradas de Littorina obtusata, no Protosolutrense e no Gravettense, a par
de pontas de zagaia análogas a outras identificadas na Estremadura e em
outas estações peninsulares, bem como a presença de pontas pedunculadas
de tipo Parpalló, atestam a plena integração das sucessivas comunidades que
ocuparam a estação, situada no extremo sudoeste peninsular, durante o
Solutrense, numa rede transregional de intercâmbios a longa distância (Bicho,
2003), tanto com a Estremadura, como com a região levantina.

5.4 Magdalenense

O Magdalenense corresponde ao último tecnocomplexo cultural do Paleolítico


Superior. É aquele onde se verifica a plena afirmação da máxima economia
da matéria-prima, com a miniaturização de boa parte da utensilagem lítica.
Outras razões podem invocar-se para esta realidade, como a maior eficácia e
leveza do equipamento, e a sua mais rápida e fácil produção.

O Magdalenense português pode ser subdvidido em diversas etapas


cronológicas, caracterizadas sucessivamente por aspectos tipológicos
específicos. Assim, o Magdalenense Antigo, situável entre 16 000 e 15 000
anos BP, está datado em Cabeço de Porto Marinho, no concelho de Rio Maior,
que, na verdade, agrega um conjunto de sítios de ar livre diferenciados, tanto

137
© Universidade Aberta
espacialmente como cronologicamente, escavado entre 1987 e 1993 por uma
equipa co-dirigida por João Zilhão e A. E. Marks.
Fig. 59 Encontra-se também datado na gruta do Caldeirão (Tomar) consubstanciando,
assim, a ocupação sincrónica de ambos os tipos de habitat, como
anteriormente. A produção lítica era dominada pela grande quantidade de
vários tipos de raspadeiras e pela produção de lamelas, transformadas por
retoque em armaduras microlíticas de artefactos compósitos, cujas
características são hoje impossíveis de conhecer.

O Magdalenense Antigo é de difícil caracterização, à falta, por enquanto, de


contextos e datações. Já o mesmo não se verifica com o Magdalenense
Superior, a que Nuno Bicho faz corresponder 13 sítios, tanto de ar livre –
com destaque para a presença na área de Cabeço de Porto Marinho – como
de gruta: entre eles, destaque para Buraca Grande, na área da serra de Sicó,
Pombal; gruta do Caldeirão, Tomar; Lapa do Picareiro, Minde; e Lapa do
Suão, Bombarral. Mais recentemente, foi publicada a importante estação de
gruta da Lapa dos Coelhos, Torres Novas.

Dispõe-se de dois importantes conjuntos de datas de radiocarbono: o da Lapa do


Picareiro e o do Cabeço de Porto Marinho, os quais situam rigorosamente esta fase
entre 12 500 e 11 500 anos BP. A ocupação finimagdalenense tem antecedentes na
cavidade, visto encontrar-se sobreposta a uma outra, mais antiga, atribuída ao
Gravettense Final (Bicho et al., 2003). Neste mesmo trabalho, foi atribuída ao
Epipaleolítico a ocupação mais recente, datada pelo radiocarbono em 8300 anos
BP. No conjunto dos recursos bióticos explorados, é interessante verificar a presença
de numerosos restos de peixes (infelizmente não discriminados por unidades
culturais, no trabalho referido), dos quais só uma pequena parte foi objecto de
estudo. Os ciprinídeos encontram-se apenas representados por um resto
(provavelmente de barbo), enquanto os clupeídeos, com 250 restos, podem repartir-
se por diversos grupos (carapaus, sardinhas, sáveis, savelhas). Em qualquer dos
casos, mesmo admitindo que os sáveis pudessem subir os cursos de água a partir
do litoral oceânico adjacente, actualmente distanciado cerca de 10 km, o percurso
até à Lapa do Picareiro não seria, à data, inferior a 30 km, agravado pelas
características geomorfológicas do terreno. Esta situação faz com que se tenha de
admitir, por um lado, um grupo humano especializado na pesca, tanto fluvial como
litoral, talvez diferenciado do grupo que praticava a caça (aliás bem representada
na gruta), e, por outro, técnicas de conservação (recorrendo eventualmente ao sal),
que eram também aplicadas aos moluscos recolectados: nas ocupações
tardiglaciárias e epipaleolíticas, reconheceram-se restos de Mytilus, Cerastoderma,
Venerupis decussata, Scrobicularia plana, Pecten, Littorina obtusata e Nassarius
reticulatus, as duas últimas utilizadas apenas como elementos de adorno. A origem
destas espécies evidencia também a exploração do litoral oceânico, incluindo praias

138
© Universidade Aberta
rochosas e fundos arenosos, bem como ambientes estuarinos, realidade que
é compatível com o registo ictiológico encontrado. Esta tendência para a
diversidade na exploração dos recursos, aliando a caça à pesca e à recolecção,
corresponde a uma linha evolutiva que, já vislumbrada no Paleolítico Superior
Final, se vai acentuar, na região estremenha, logo no início do pós-glaciário
(Epipaleolítico).

A Lapa dos Coelhos dista apenas cerca de 4 Km da Lapa do Picareiro, pertencendo


ao sistema cársico das grutas da nascente do Rio Almonda. Nela, foram identificados
materiais em estratigrafia pertencentes ao Magdalenense Superior, a que
corresponde a data de 12 240 anos ± 60 BP; tal como o verificado na Lapa do
Picareiro, identificaram-se restos ictiológicos, com dominância de espécies de água
doce, onde se incuem a truta, o salmão e o barbo (Almeida et al., 2004). As indústrias
líticas encontram-se representadas por buris, raspadeiras simples e duplas sobre
lâmina, e – aspecto inédito – numerosos elementos com dorso retocado sobre lamela,
de quartzo.

O Magdalenense Final, datado nesta estação em 11 660 ± 60 anos BP, encontra-se


representado por um notável conjunto artefactual, que inclui uma diversificada
produção lítica, com afinidades da identificada na estação de superfície do Rossio
do Cabo, no litoral (da área de Torres Vedras (Zilhão, 1997) e um conjunto de
adornos constituídos por contas de conchas de duas espécies: Littorina obtusata
(marinha, presença residual) e Theodoxus fluviatilis (de água doce, largamente
dominante, sendo 15 delas perfuradas).

No Magdalenense Final, que encerra o ciclo do Paleolítico Superior, cuja


cronologia se situa entre 11 600 e 10 000 anos BP, observa-se uma ainda
mais acentuada dispersão de sítios, do Douro ao Algarve, ocupando uma
grande variedade de biótopos e de ambientes naturais, correspondentes, a
uma diversificação da exploração de recursos naturais, como bem acentuou
Nuno Bicho (Bicho, 2000). Com efeito, conhecem-se sítios magdalenenses
de ar livre, correspondentes tanto a vales fluviais, como a zonas planálticas,
de montanha e litorais, para além de grutas e abrigos sob rocha, todos eles
reconhecidos de há menos de vinte anos para cá, o que evidencia a pujança
da investigação desde então efectuada nesta área, em Portugal.

Reconheceram-se, igualmente, vários fácies, definidos pela tecnologia e


tipologia líticas, tal como já se verificava no Magdalenense Antigo (Zilhão,
1997). Na generalidade, abundam as pequenas raspadeiras, bem como os
buris, mas o que caracteriza, sobretudo, a utensilagem, é a predominância
dos micrólitos, incluindo geométricos, pontas de dorso e lamelas de retoque
marginal do tipo Dufour (mas de um subtipo diferente do reconhecido no

139
© Universidade Aberta
Aurignacense, atrás referido), elementos que seriam montados em artefactos
compósitos, incluindo zagaias e flechas. A miniaturização faria, pois, sentido,
se entendida como consequência do aumento do recurso ao arco, arma
neurobalística já conhecida pelo menos desde o Solutrense Superior, como
indicam as pontas de seta pedunculadas com aletas encontradas em diversas
grutas do maciço calcário, de tipo mediterrâneo, como as das grutas da Casa
Fig. 56 da Moura (Óbidos), Caldeirão (Tomar) e Salemas (Loures), para além de
pontas de menor tamanho e peso, com forte pedúnculo e aletas incipientes,
de que se conhecem representantes nas grutas das Salemas e da Ponte da
Lage, Oeiras (Cardoso, 1995).

O crescente recurso ao arco pode ser entendido, por seu turno, como a
consequência directa de uma maior mobilidade dos grupos humanos,
especialmente dos caçadores, que, para percorrer percursos cada vez mais
extensos, teriam de socorrer-se de equipamentos progressivamente mais leves,
e também mais eficazes. Tal foi o resultado a que conduziu o aparente aumento
demográfico então verificado – a crer no acréscimo dos sítios conhecidos –
com a consequente pressão sobre os recursos e a necessidade de aumentar as
áreas de captura correspondentes.

Importa, porém, fazer uma ressalva às conclusões supra apresentadas, que


vão no sentido de um contínuo aumento demográfico desde o Paleolítico
Superior Inicial até ao Magdalenense Final. Embora os dados de terreno tal
sugiram, a crítica de João Zilhão a este modelo – aliás extensivo também ao
território do país vizinho – é legítima: não só os sítios de ar livre mais antigos
foram mais intensamente afectados pela erosão – como de facto se verificou
na região de Rio Maior/Arruda dos Pisões, onde os conjuntos aurignacenses
e do Gravettense Antigo aparecem em posição derivada, no seio de depósitos
aluvionares grosseiros – como também, e sobretudo, são as ocupações mais
modernas, tanto em depósitos estratificados de grutas ou abrigos, como,
sobretudo, as de ar livre, as que mais fáceis são de identificar e de explorar,
por se encontrarem mais acessíveis, aumentando, com a idade dos depósitos,
as probabilidades de os mesmos se encontrarem mal conservados, em virtude
da sua anterior erosão. Deste modo, as conclusões acima apresentadas, não
podem ser entendidas como dados absolutos; o tempo se encarregará de as
aperfeiçoar, com a continuação das prospecções orientadas para a identificação
de ocorrências do Paleolítico Superior de ar livre, especialmente nas zonas
do interior do País, de longe as ainda menos conhecidas: as espectaculares
descobertas de arte rupestre do Vale do Côa, a que se seguiu a identificação
dos correspondentes locais de estacionamento daquelas populações, dos quais,
até 1994, nada ainda se sabia, são a contraprova que os grandes vazios
geográficos actualmente existentes, podem não passar de simples lacunas de
conhecimento. Esta realidade é sublinhada também pelas recentes descobertas
no vale do Guadiana, na zona de Reguengos/Mourão, no âmbito dos estudos

140
© Universidade Aberta
relacionados com o empreendimento de Alqueva. Dos nove sítios com
ocupações do Paleolítico Superior, o Magdalenense é o período melhor
representado (Almeida, Araújo & Ribeiro, 2002).

Deve ainda fazer-se menção à utensilagem óssea do Paleolítico Superior


encontrada em Portugal. Foram há muito reconhecidos fragmentos de zagaias
de osso, robustas e maciças, recentemente inventariadas (Cardoso & Gomes,
1994). Trata-se de peças de integração muitas vezes imprecisa, pela falta de
recorte tipológico, agravada, nos casos de antigas recolhas, desprovidas de
informações estratigráficas. Encontra-se neste caso o conjunto recolhido na
gruta da Casa da Moura (Óbidos) que João Zilhão atribuiu ao Gravettense Fig. 55
(Zilhão, 1997): nele, estão representadas duas zagaias de extremidade
proximal monobiseladas, e estriadas, destinadas a aumentar o atrito à
respectiva fixação do cabo, bem como outros dois exemplares provavelmente
afeiçoados em ossos penianos, de carnívoros diferentes. A existência destas
zagaias monobiseladas e estriadas, homólogas de exemplares magdalenenses,
justificou a sua atribuição a esta etapa cultural do Paleolítico Superior por
H. Breuil (Breuil, 1918, p. 37).

Da gruta das Salemas provêm cinco peças, das quais duas apenas com a falta
da extremidade distal; destas, uma é também executada em osso peniano
(neste caso de urso), e foi atribuída logo após a descoberta, ao nível
perigordense identificado na gruta (Roche, Ferreira & França, 1961). J. Zilhão,
reconheceu igualmente a existência desse nível, que integrou no Gravettense,
ao qual pertenceria a referida peça, conjuntamente com duas outras pequenas
zagaias (Zilhão, 1997, Fig. 25.2). Já a outra zagaia quase completa provém
do nível solutrense: trata-se de peça estreita e alongada, finamente trabalhada.
Fig. 54
Outra gruta que forneceu uma importante associação de peças ósseas, foi
a da Buraca Grande, provenientes de um contexto estratigráfico datado de
17 850 ± 200 anos BP, e atribuível ao Solutrense Superior. Trata-se de pontas
de zagaia em geral curtas e largas, num caso decorada (Aubry & Moura,
1994, Est. VI).

Enfim, há ainda a destacar o conjunto de zagaias de osso recentemente obtido


nas escavações de Vale Boi (Vila do Bispo), tanto em contextos gravettenses
como solutrenses, actualmente em estudo.

141
© Universidade Aberta
5.5 Manifestações artísticas e funerárias do Paleolítico Superior

Arte rupestre

Durante largos anos, a única manifestação de arte rupestre paleolítica


reconhecida em Portugal era a da gruta do Escoural, Montemor-o-Novo. Ali,
foram reconhecidas, em 1963, pinturas de características arcaicas, a vermelho
e a negro, representando os contornos de equídeos e bovídeos, para além de
figuras híbridas, as quais foram desde logo reportadas ao Paleolítico Superior
Fig. 64 (Santos, 1964). Mais tarde, foram reconhecidas também gravuras rupestres
(Santos, 1967), reproduzindo equídeos com destaque para um painel em que
o busto de uma égua, voltada à esquerda, domina uma representação similar,
mas de pequeno tamanho; o conjunto foi, por isso, interpretado como
manifestação de uma cena de maternidade (Santos, 1967; Santos, Gomes &
Monteiro, 1980). Foram, também, reconhecidas diversas gravuras
geométricas, representando reticulados e tectiformes. No conjunto, estando
presentes na gruta indústrias atribuíveis ao Aurignacense – as já referidas
Fig. 65 lamelas Dufour – e solutrenses, representadas por um fragmento de folha de
loureiro e, ainda, por diversas pontas de zagaia (Gomes, Cardoso & Santos,
1990), parece crível situar as referidas manifestações em um ou ambos os
referidos períodos. Este assunto foi tratado em várias publicações. Em 1980,
fazendo a síntese dos conhecimentos – que não progrediram
significativamente desde então – o descobridor do sítio e seus colaboradores,
admitiram a existência de dois conjuntos: ao mais antigo, integrável no estilo II
de Leroi-Gourhan, pertenceriam as grandes cabeças de bovídeos, talvez
acompanhadas de algumas representações geométricas, localizadas em geral
em zonas de boa visibilidade no interior da gruta; o estilo III de
Leroi-Gourhan, englobaria figuras zoomórficas, em geral de pequenas
dimensões, multiplicando-se então os signos e figuras abstractas, recorrendo
sobretudo à técnica da incisão fina, situadas em zonas de menor visibilidade
(Santos, Gomes & Monteiro, 1980, p. 238). Nestes termos, tendo presente a
correlação cultural dos estilos definidos por Leroi-Gourhan com as sucessivas
culturas do Paleolítico Superior, verificar-se-ia uma frequência da gruta desde
o Gravettense (estilo II), até ao Magdalenense Antigo, passando pelo
Solutrense. Sendo, porém, apenas o Solutrense, o único período cultural que
é comum ao registo parietal e material, crê-se ser aquele a que, com maior
probabilidade, se poderá atribuir a ocupação ou frequência da gruta pelo
homem do Paleolítico Superior.

Mas a grande descoberta de arte paleolítica europeia dos últimos tempos foi
a do vale do Côa, a ponto de Henri de Lumley, a ter considerado como uma
das mais importantes jamais feitas desde que a Pré-História existe como tal
(Lumley, 1995). A importância científica deste conjunto artístico, foi ainda

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recentemente confirmada, ao ter sido promovido pela UNESCO à categoria
de "Património Mundial de Humanidade".

O rio Côa, correndo na globalidade do seu trajecto, de sul para norte, é


tributário da margem esquerda do rio Douro, onde desagua, perto de Vila
Nova de Foz-Côa. Ao longo dos últimos 17 km do seu curso, identificaram-se,
desde meados da década de 1990, cerca de duas dúzias de núcleos de arte
rupestre, totalizando cento e sessenta e quatro painéis decorados, e vários Fig. 61
milhares de gravuras (Baptista, 1999), cujo cômputo final está ainda longe
de conhecido, mas que se podem estimar em cerca de cinco mil. Ao mesmo
tempo, desenvolveram-se intensos trabalhos de prospecção, que conduziram
à localização de mais de duas dezenas de sítios de estacionamento humano e
à escavação de vários deles, numa região onde, até inícios da década de
1990, uns e outros eram totalmente desconhecidos.

Esta notável descoberta só foi possível mediante os estudos de impacte


ambiental relacionados com a construção do aproveitamento hidroeléctrico
da barragem de Foz-Côa: o que significa a probabilidade de muitas outras
regiões interiores do País poderem encerrar ocorrências de importância, que
só trabalhos de pormenor, como os ali realizados, poderão um dia revelar.

A originalidade da arte rupestre paleolítica do Côa começa, antes de mais,


por ter sido produzida ao ar livre, contrariando a ideia, antes generalizada,
de apenas ocorrer em cavernas. Deste 1981, porém, que tinha sido dada a
conhecer a primeira manifestação de arte paleolítica ao ar livre, em Mazouco,
no Alto Douro (Freixo de Espada à Cinta), correspondente à representação
de um cavalo, tipologicamente afim do Estilo III de A. Leroi-Gourhan,
remetendo-o assim para o Solutrense ou Magdalenense. A existência de
manifestações rupestres paleolíticas de ar livre foram, em 1988, reforçadas
pela descoberta de painéis insculturados, com representações zoomórficas,
na região vizinha de Siega Verde (Salamanca), num contexto afim do de
Foz-Côa.

No vale do Côa estão presentes principalmente três períodos artísticos, um do Fig. 62


Paleolítico Superior antigo, reportável ao Gravettense, entre cerca de 22 000
e 20 000 anos BP; outro, mais moderno, atribuível ao Magdalenense Final,
entre 12 000 e 10 000 anos BP, ambos conotáveis com os cerca de vinte
sítios de ar livre já conhecidos (Aubry, 2000), enquanto que o Solutrense é o Fig. 63
período pior representado.

Descoberta recente foi a existência, na estação de Fariseu, de um painel


insculturado recoberto por depósitos arqueológicos, cujo nível mais recente
remonta ao Magdalenense (Aubry & Baptista, 2000): trata-se de uma prova
adicional da antiguidade paleolítica destas gravuras.

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As representações foram obtidas tanto por abrasão como por incisão, ou
ainda por abrasão e raspagem, por vezes associada às técnicas anteriores.
Quanto à temática, dominam cavalos e auroques, sendo menos frequentes
os veados e as cabras-monteses, e excepcionais outras representações, como
peixes (na Canada do Inferno e em Penascosa), ou a figura humana, presente
no painel 2 da ribeira de Piscos. Mais recentemente, foram noticiadas novas
descobertas, na rocha 24 da ribeira de Piscos, com numerosas reprsentações
antropomórficas, o que constitui elemento de grande raridade na arte do
Paleolítico Superior, sabendo da aversão dos artistas daquele tempo na
reprodução da figura humana. Foram obtidas por finas linhas incisas e
pertencem à última fase artística deste complexo, ou seja, ao Magdalenense
Final, com paralelos da mesma época na arte parietal franco-cantábrica.

Nalguns casos, como na estação de Faia, encontraram-se restos de auroques


pintados, sobre finos traços incisos, que teriam servido de guias, à semelhança
do verificado recentemente na gruta do Escoural (García et al., 2000), onde
a pintura parece ter sido antecedida, por vezes, de um esboço feito a traço;
com efeito, foi notado que as pinturas, a negro, do painel principal da Sala 1,
representando um cavalo e parte de um auroque, foram previamente gravados.

Entre os sítios mais importantes do vale do Côa, conta-se a Canada do Inferno,


perto do local da barragem projectada, e, mais a montante, a Penascosa e a
Quinta da Barca, situados defronte um do outro, em ambas as margens do
Côa. A sua acessibilidade e conexão com antigas praias fluviais, propícias à
existência de acampamentos de ar livre, faz crer que se trate de uma arte
essencialmente doméstica, muito embora se conheçam grandes representações
de auroques, com mais de 2 m de comprimento, em painéis verticais,
dominando a ribeira de Piscos, que poderiam ter a função de marcadores de
territórios, de carácter profano ou sagrado.

Uma das características peculiares à arte do Côa, é a de evidenciar a


preocupação pelo movimento (Baptista, 2000): para o efeito, recorreu-se à
sucessão da mesma figura, em diversas posições, bem patente em cenas de
acasalamento de cavalos ou auroques, ou aplicada à representação da cabeça
de veados, auroques ou cabras-monteses.

A prova de que a arte rupestre do Côa não é caso isolado reside nos numerosos
achados – por enquanto apenas ocorrências esparsas – de insculturas rupestres
a céu aberto, distribuídas por vasta área do interior do país, desde o Nordeste
transmontano ao vale do Guadiana (apenas na margem espanhola), passando
pela Beira Baixa: é o caso do cavalo do vale do Ocreza, no concelho de
Mação (Zilhão, 2001; Baptista, 2001) e, mais recentemente, das figuras
identificadas na margem direita do Zêzere, no sítio do Poço do Caldeirão, do
concelho do Fundão (Baptista, 2003). Aqui, sobre afloramento xistoso,
identificou-se painel gravado por picotagem em superfície horizontal,

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possuindo três representações semi-naturalistas de equídeos, orientados todos
para o mesmo lado e voltados para o rio. Outra rocha, ao lado da anterior,
ostenta dois capríneos afrontados, aproveitando-se parcialmente a micro-
morfologia da superfície rochosa para sublinhar particualridades anatómicas
do corpo dos animais. Tal aspecto já se tinha observado na arte do Côa,
designadamente nos cavalos da Rocha 1 da ribeira de Piscos e na representação
de peixe patente na Rocha 5 de Penascosa. Cronologicamente, as duas rochas
são distintas, tendo presente o estilo e a técnica com que se executaram as
figuras.

Arte móvel

A arte móvel do Paleolítico Superior português é muito pobre, encontrando-se


esparsamente representada por escassas ocorrências. João Zilhão apresentou,
em 1989, uma síntese do que então se conhecia (Zilhão, 1989), na qual incluiu
os objectos de indumentária que, naturalmente, não são de considerar em tal
conjunto. Destacava-se, então, um seixo achatado de xisto, com o
comprimento de 74 mm, gravado em ambas as faces, da gruta do Caldeirão;
numa delas, o autor admitiu a representação de um possível cervídeo,
enquanto na oposta encontrar-se-ia gravado um motivo antropomórfico.

Mais recentemente, foram encontradas duas provas muito mais concludentes


e importantes da arte móvel paleolítica. Trata-se de duas plaquetas de xisto,
recolhidas em estratigrafia na estação de arte rupestre do vale do Côa de
Fariseu (García Diez & Aubry, 2002). A primeira, exibe um notável reportório,
incluindo representações gravadas de equídeos, de cervídeo e de possível
bovídeo, para além de diversas linhas e zoomorfos de difícil interpretação ou
classificação; reporta-se ao final do Magdalenense; a segunda, com apenas
uma representação zoomórfica, atribuível a um bode montês, relaciona-se
com a ocupação do local no decurso do Magdalenense Antigo ou do
Protosolutrense. A importância desta duas peças deve ser valorizada no
contexto peninsular, onde ocupam um lugar de primeira importância. Mais
recentemente, foram noticiadas, na mesma estação, cerca de 65 exemplares
análogos, ainda não estudados devidamente, que A. M. Baptista admitiu
corresponderem a ensaios artísticos do que se iria gravar nas rochas, a menos
que constituíssem um depósito votivo em santuário rupestre (Baptista, 2006,
Diário de Notícias de 18/03).

No Algarve, assinala-se a recente descoberta de placa gravada, datada do


Solutrense, recolhida em Vale Boi, sítio de carácter habitacional já atrás
mencionado (Bicho, 2006).

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Rituais funerários

Já anteriormente foi referida a sepultura paleolítica do "menino do Lapedo",


pertencente a criança de cerca de 5 anos, tumulada na base de um depósito
plistocénico de carácter antrópico do abrigo sob rocha do vale do Lapedo, no
lugar de Lagar Velho (Leiria).

A descoberta, feita no decurso de prospecção arqueológica, foi seguida


imediatamente pela respectiva escavação. Do esqueleto, apenas o crâneo se
encontrava em muito mau estado, fragmentado em centenas de pedaços que,
porém, permitiram colagem e reconstituição parcial. A escavação meticulosa
a que se procedeu, permitiu reconstituir o ritual de enterramento: assim, antes
de se ter efectuado a deposição do cadáver, em um covacho pouco fundo,
aberto no chão da base do abrigo, acendeu-se no local uma fogueira ritual,
feita de uma só ramada de pinheiro; o cadáver, envolto numa pele, polvilhado
de ocre vermelho, talvez também extensivo à pele, foi então colocado em
decúbito dorsal, acompanhado de uma porção de coelho, colocado entre as
pernas e, portanto, também no interior da pele. Depois de feita a deposição,
Fig. 60 o espaço circundante foi envolvido de nacos de carne de veado, conforme
mostram os restos ósseos encontrados. Como adornos, a criança possuía na
cabeça um ornamento, com caninos perfurados de veado – como sugere a
presença de quatro desses elementos junto dos fragmentos cranianos – e um
colar, que incluía uma conta feita em concha perfurada de Littorina obtusata.

O uso do ocre vermelho é pratica ritual funerária conhecida além-Pirenéus,


que sugeria para esta sepultura uma cronologia gravettense, a qual, com efeito,
foi confirmada pelas datas de radiocarbono obtidas: assim, para o carvão da
fogueira, os restos de veado e para uma vértebra de coelho, obtiveram-se,
respectivamente, os valores de: 24 860 ± 200 anos BP; 24 660 ± 260 anos
BP, 24 520 ± 240 anos BP; e 23 920 ± 220 anos BP. No conjunto, são as
datas do ramo vegetal e da vértebra de coelho que se afiguram mais fiáveis,
situando a deposição entre 24 500 e 25 300 anos BP (Zilhão, 2001), sendo,
por conseguinte, contemporânea da fase mais antiga da arte do Côa. Do ponto
de vista cultural, os elementos arqueológicos referidos são plenamente
compatíveis com o Gravettense; em particular, as características dos adornos,
sugeriram a existência de uma província cultural unindo a Península Ibérica,
a Aquitânia e o Midi francês (Zilhão & Trinkaus, 2002).

A importância desta sepultura, uma das poucas conhecidas e sem dúvida a


mais completa sepultura infantil do Paleolítico Superior europeu, é ainda
acrescida pelas considerações que se deduziram a partir do respectivo estudo
antropológico (Duarte et al., 1999; Trinkaus, Zilhão & Duarte, 2001). Assim,
foram verificados certos caracteres neandertalóides, ao mesmo tempo que
outros evocavam claramente o Homem moderno. Tais circunstâncias
conduziram os citados autores a admitir que os últimos neandertais – dos

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quais já anteriormente se traçou a trajectória e principais características da
sua presença no território português – não teriam, simplesmente, desaparecido
sem descendentes; ao contrário, o seu património genético dissolveu-se no
seio das novas populações recém chegadas, fazendo, deste modo, parte
integrante da nossa ancestralidade. Esta hipótese, invocada pelas
características físicas do "menino do Lapedo" – que ora indicam o Homem
Moderno, ora sugerem a manutenção de traços neandertais – carece de ser,
naturalmente, testada com base em outras descobertas da mesma faixa crono-
lógica, que se venham futuramente a efectuar. Em todo o caso, fica por explicar
cabalmente a já aludida descontinuidade absoluta entre as indústrias do
Paleolítico Médio (Mustierense) e as do Paleolítico Superior (Aurignacense),
facto que se encontra em contradição com a pretensa continuidade expressa
pela sepultura do Lapedo, a menos que, conforme foi recentemente defendido,
se tenha verificado uma "interacção desequilibrada em favor dos grupos
modernos": enquanto, no plano biológico, resultou uma população
miscigenada, no plano cultural (arqueológico) houve, simplesmente, uma
substituição, em benefício das indústrias mais evoluídas e, por conseguinte
mais eficazes. Com efeito, as indústrias que correspondem a esta fase de
pretensa coexistência, como já anteriormente se salientou – os
tecnocomplexos Aurignacense e Gravettense – não possuem, no território
português, quaisquer traços herdados do tecnocomplexo anterior
(Mustierense).

Outras grutas, ou abrigos sob rocha, deram, ainda que em poucas quantidades
e em estado muito fragmetário, outros restos humanos do Paleolítico Superior:
estão neste caso as grutas da Lapa da Rainha, Vimeiro (Almeida et al., 1970)
e do Caldeirão, Tomar (Trinkaus, Baley & Zilhão, 2001; Zilhão & Trinkaus,
ed., 2002), denunciando a existência de sepulturas nas proximidades dos
espaços habitados no interior de grutas e abrigos, como é o caso da sepultura
do Lapedo, adjacente a zona habitada.

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6. O Mesolítico

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O estudo dos tempos mesolíticos no território português suscitou, desde os
primórdios da investigação arqueológica em Portugal, grande interesse por
parte dos pré-historiadores, tanto portugueses como estrangeiros. A grande
atenção dispensada à exploração dos concheiros de Muge, desde a época da
sua descoberta, esteve na origem da primeira monografia editada em Portugal
sobre uma estação pré-histórica, da autoria de F. Pereira da Costa, em 1865
(Costa, 1865). A riqueza da informação disponível, a quantidade de trabalhos
e monografias – mais de cem – até agora dedicadas a estas estações, bem
como as informações novas que carrearam para o conhecimento do
Mesolítico, à escala europeia, justificou a apresentação de uma desenvolvida
síntese dos conhecimentos adquiridos, articulados com outros dos concheiros
do vale do Sado. Tais conhecimentos foram, a partir da década de 1980,
completados, no concernente às comunidades recolectoras e caçadoras, não
só com os obtidos no litoral estremenho, em parte suas antecessoras, mas
também com os resultados das estações que, do Mira se estendem ao cabo
vicentino, também objecto de discussão neste capítulo.

Persistem, não obstante os cento e quarenta anos de estudos e publicações,


lacunas do conhecimento que importa colmatar. Tal é o caso da análise
micro-espacial e funcional dos diferentes concheiros que integram os
complexos mesolíticos de Muge e do vale do Sado, para além de estudos de
índole paleoecológica e paleoambiental, só muito recentemente iniciados
em moldes interdisciplinares (van der Schriek et al., 2002/2003), nesta que
é uma das principais áreas do Mesolítico europeu.

6.1 Períodos Pré-Boreal e Boreal

6.1.1 Litoral da Estremadura

Actualmente, conhecem-se cerca de uma dezena de concheiros, que se


desenvolvem ao longo do litoral estremenho: sendo quase totalmente
desconhecidos há cerca de vinte anos, as duas últimas décadas correspon-
deram a um significativo acréscimo de trabalhos de campo, por parte de
equipas multidisciplinares, que conduziram já à publicação de alguns deles,
bem como a algumas sínteses, sucessivamente ampliadas e melhoradas Fig. 71
(Araújo, 1998; González Morales & Arnaud, 1990; Arnaud, 2002; Araújo,
2003), que bem espelham o rápido progresso dos conhecimentos adquiridos
neste sector específico do litoral.

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Merecem destaque as seguintes estações:

Ponta da Vigia (Torres Vedras) – trata-se de uma estação que se desenvolve


sob as dunas modernas, dispersando-se em diversos núcleos com maiores
concentrações de materiais. Reconheceram-se, também, diversas lareiras,
em associação com indústrias líticas, as quais integram grande diversidade
de artefactos, a maioria de sílex e de cunho microlítico (raspadeiras, furadores,
lamelas e lâminas, denticulados, buris, pontas, triângulos, trapézios e
segmentos), outros de base macrolítica, sobre seixos rolados, de talhe
unifacial. Uma data de radiocarbono deu o resultado de 8730 ± 110 anos BP,
a que corresponde o intervalo, calibrado, para cerca de 95% de probabilidade,
de 8020-7508 a. C. (Zilhão et al., 1987). Recentes trabalhos de campo neste
sítio (Zambujo & Lourenço, 2003), permitiram a identificação de outras
estruturas de combustão, e a recolha de uma grande quantidade de carvões,
cuja datação confirmou a cronologia já conhecida para a estação: 8850 ± 90
anos BP; e 8670 ± 80 anos BP (a que correspondem, respectivamente, os
seguintes intervalos calibrados, para cerca de 95 % de confiança, de
8041-7588 a. C. e de 7932-7507 a. C.). A análise antracológica deste material
carbonizado (Van Leeuwaarden & Queiroz, 2003), permitiu a identificação
de uma única espécie arbórea, o pinheiro bravo, constituindo na época
assinaláveis manchas florestais, sobretudo nos interflúvios de solos arenosos
e nas dunas estabilizadas ao longo do litoral, situação que não diferia muito
daquela que, actualmente, se pode verificar neste trecho litoral. O incremento
da temperatura e da humidade, desde o Dryas III, está na origem da expansão
de manchas florestais, especialmente de pinheiro bravo, como as existentes
à data nesta região.

Magoito (Sintra) – as condições geológicas observadas na Ponta da Vigia


repetem-se em outros sítios, onde a presença humana foi detectada, embora
de forma menos evidente: é o caso da duna de Magoito, correspondendo a
uma potente camada anegrada, com assinalável desenvolvimento horizontal,
com escassas indústrias e fauna malacológica, selada por uma sequência
dunar com 20 m de espessura. As três datas obtidas pelo radiocarbono sobre
conchas (berbigão, lapas, outros moluscos), indicam o início do Pré-Boreal:
9590 ± 80 anos BP; 9410 ± 120 anos BP; 9530 ± 100 anos BP; 9500 ± 90
anos BP (Soares, 2003), sendo confirmadas pela data estatisticamente idêntica
sobre madeira incarbonizada: 9490 ± 60 anos BP, correspondente ao intervalo
calibrado de 8951-8355 a. C., para cerca de 95 % de probabilidade. Nestes
termos, a sequência dunar fóssil assente no nível do concheiro epipaleolítico
é já holocénica, confirmando uma primeira datação de radiocarbono publicada
no início da década de 1980 (Daveau, Pereira & Zbyszewski, 1982).

S. Julião (Ericeira, Mafra) – trata-se de concheiro situado junto do litoral


actual entre Magoito e Ponta da Vigia; as características geológicas são
idênticas, mas a informação recolhida é mais rica, tendo-se identificado duas

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áreas diferenciadas, uma delas caracterizada por uma espessa acumulação
de conchas, umas estuarinas, outras características de litoral rochoso, como
o actual. As datas obtidas para os dois núcleos ocupacionais, mostram, como
seria de esperar, uma presença mais prolongada no concheiro mais compacto
e com maior potência de detritos acumulados, entre cerca de 8170 ± 80 e
7610 ± 80 anos BP, correspondentes, respectivamente, aos intervalos
calibrados para cerca de 95 % de probabilidade de 7423-6817 a. C. e
6553-6224 a. C. Neste concheiro reconheceu-se, segundo N. Bicho, a presença
de Littorina littorea (Bicho, 2000), pequeno molusco que é considerado de
águas frias, tendo desaparecido do litoral do golfo da Biscaia cerca de
2500 anos antes. Neste estudo procurou-se abordar o antigo coberto vegetal
que existiria na zona e identificar a madeira usada como combustível nas
lareiras epipaleolíticas ali identificadas (Queiroz & Van Leewaarden, 2002).

Analisaram-se 526 amostras, constituídas por porções de material vegetal


carbonizado recuperados das antigas estruturas de combustão. Os conjuntos
antracológicos estudados, reflectem, deste modo, a lenha utilizada nestas
estruturas, onde as principais espécies usadas foram: o pinheiro, o carrasco,
a azinheira, o zambujeiro, o medronheiro e a urze branca.

Os resultados obtidos permitem elaborar considerações acerca do antigo


coberto vegetal. Assim, aquele era maioritariamante constituído pelo pinheiro
bravo (Pinus pinaster) que correspondia à principal formação vegetal,
cobrindo os interflúvios dunares e cordões litorais e zonas de planalto, mais
expostas.

Existia a possibilidade da presença de matos esclerófilos, cobrindo parte das


vertentes calcárias declivosas, demonstrados pelas amostras de carvão de
Quercus coccifera (carrasco), Arbutus unedo (medronheiro), Daphne gnidium
(trovisco).

A presença de carvão de urze e queiró (Erica arborea, Erica umbellata,


Erica sp.) indica a ocorrência regional de urzais; trata-se de espécies arbustivas
relacionadas com formações vegetais menos estabilizadas.

O contexto antracológico de S. Julião é, pois, fundamentalmente dominado


pela presença de vegetação mediterrânica (zambujal; carvalhal marcescente;
azinhal; matos esclerófilos), típica do Holocénico Médio, particularmente
após cerca de 8000 anos BP. Esta realidade tinha antecedentes na região, já
que a análise de mais de quatrocentos fragmentos de madeira carbonizada,
recuperados nas estruturas de combustão datadas de cerca de 11200 BP de
Cabeço de Porto Marinho III (nível superior), Rio Maior, mostrou uma
associação de cunho mediterrânico, constituída por Pinus pinaster/pinea,
Quercus ilex/suber, Arbutus unedo e Olea sp. (Bicho, 2000).

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Toledo (Lourinhã) – a norte da estação anterior e a cerca de 3 km do litoral
actual, situa-se o concheiro de Toledo; as escavações efectuadas (Araújo,
1998), permitiram identificar acumulação faunística onde também coexistem
moluscos estuarinos ou litorais, de fundos arenosos ou vasosos (berbigão,
lamejinha, amêijoa, ostra, navalheira) com espécies de litoral rochoso, como
o mexilhão e a lapa.

Ao contrário do verificado nos sítios anteriores, foram encontrados restos de


mamíferos caçados, como o veado, o javali, o corço e o coelho, bem como
restos de crustáceos e de peixes. É provável que tal realidade se explique por
condições de conservação mais favoráveis, a par de uma maior área
investigada, face às dos sítios anteriores; mas é também possível uma
explicação de carácter económico, decorrente da existência de um espectro
mais alargado na captação de recursos alimentares. É ainda possível uma
outra explicação: situando-se este sítio em zona de ecótono, mais francamente
relacionada com o interior do território do que com o litoral atlântico, é
natural que os recursos consumidos reflictam tal realidade, somada a uma
maior estabilidade na ocupação, que possuiria um cunho menos sazonal que
as anteriores. Com efeito, as datas de radiocarbono indicam que a ocupação
do local se efectuou um pouco antes das duas anteriores, sendo coeva da
Ponta da Vigia: 8820 ± 80 anos BP; 8620 ± 70 anos BP e 8740 ± 90 anos BP,
datas que, depois de calibradas, correspondem aos intervalos, para cerca
de 95% de probabilidade, de 8028-7585 a. C.; 7729-7581 a. C.; e
7928-7584 a. C. Esta estação, onde também se identificaram estruturas de
combustão, forneceu materiais líticos com um baixo índice de transformação,
além de diversos adornos sobre concha.
Fig. 72 É provável que as estações mesolíticas mais importantes do litoral estremenho
até agora conhecidas e acima sumariamente descritas – a que se poderão
somar outras, da mesma época, implantadas no mesmo trecho litoral, como
Vale Frade, Cabeço do Curral Velho, e Pinhal da Fonte (Araújo, 2003) –
sejam uma ínfima parte das existentes, entretanto destruídas, dada a sua alta
sensibilidade, ou ainda por descobrir, sob os extensos mantos de areias dunares
que cobrem boa parte dos trechos litorais da região. Seja como for, indicam
uma insistente presença humana, constituindo o elo de ligação com a ocupação
fini-paleolítica da região, representada pelas estações magdalenenses de Vale
da Mata, Torres Vedras, situada sobre a foz do Sizandro (Zilhão, 1997) e de
Rossio do Cabo, também pertencente ao mesmo concelho (Roche & Trindade,
1951; Zilhão, 1997). As condições geológicas destas jazidas (sob as dunas
modernas) do Paleolítico terminal, são semelhantes às que caracterizam os
sítios epipaleolíticos, do Pré-Boreal e do Boreal em apreço.

As características económicas e a estrutura social das comunidades do final


do Paleolítico, parece manterem-se nos primeiros tempos pós-glaciários. Com
efeito, já no decurso do Magdalenense, se observava a crescente importância

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dos recursos aquáticos na alimentação, a qual poderá ser correlacionada com
uma eventual escassez da caça, resultante da pressão cinegética anterior, face
ao provável aumento demográfico. Pode ser que tal escassez tenha sido
determinada por causas naturais, designadamente climáticas: tanto quanto
se pode concluir pelos dados paleoclimáticos disponíveis, o clima, na
Estremadura, seria tendencialmente temperado no Pré-Boreal, passando
progressivamente a quente e seco, no Boreal, condições que favoreceriam,
aparentemente, a presença da caça.

No entanto, são estas mesmas condições climáticas, aparentemente favoráveis


ao desenvolvimento da caça, que estarão na origem do desenvolvimento de
vastas massas florestais, sobre as dunas litorais, com abundância de pinheiro
bravo, que teria então colonizado a faixa entre o Oceano e os contrafortes do
maciço calcário. Esta situação conduziria à redução da biomassa de grandes
mamíferos, a qual, conjuntamente com a trangressão marinha (provocada
pelo aquecimento climático global), teria forte impacto negativo na área dos
territórios de captação de recursos, com reflexo na diminuição da
biodiversidade.

Esta realidade pode ter determinado a opção pelo recurso à componente


aquática na alimentação, presente em todos os sítios mencionados, até então
pouco importante ou mesmo desprezada. Embora actualmente estejam
situados, na sua maioria, sobre a linha de costa ou pouco afastados dela, tal
não era a situação à época da sua ocupação. Apesar da rápida subida de nível
do mar, a linha de costa situava-se, ainda, a mais de 30 km de distância. A
escassa potência estratigráfica e a baixa densidade de artefactos observada,
sugere ocupações sazonais, durante as quais se procedia, em regime intensivo,
à recolecção. Na verdade, a presença de moluscos estuarinos indica que, na
época, as estações se situavam nas cabeceiras de estuários, que confluíam
com o Oceano muito mais para ocidente.

Importa salientar que nas estações do final do Paleolítico Superior da mesma


região parece não se ter recorrido à exploração destes mesmos recursos, ao
menos de forma tão intensiva e sistemática, embora a submersão da plataforma
e, com ela, a de possíveis estações do Magdalenense eventualmente situadas
mais perto do litoral, impeça maiores certezas. Assim, parecem determinantes
as causas climáticas, que criaram, no Pré-Boreal e no Boreal, uma dependência
estrutural crescente pelos recursos aquáticos, dependência que se agravou
de forma óbvia no período Atlântico, muito embora as faunas terrestres de
grande porte tenham continuado a existir e a ser capturadas.

Tratou-se de período de assinaláveis mudanças, com a reformulação de toda


uma estratégia da base económica, à qual se poderá associar eventual declínio
demográfico. Se, como tudo indica, as estações litorais eram de carácter
sazonal, a constatação desta simples realidade obriga a aceitar a existência

155
© Universidade Aberta
de outras, e, com elas, a existência de elevada mobilidade, associada a tais
pequenos grupos humanos de caçadores-recolectores, entre o litoral e o
interior, percorrendo vastos territórios de exploração; com efeito, a transição
de Dryas III para o Pré-Boreal, cerca de 10 000 anos BP, foi abrupta, podendo
ter-se verificado em apenas vinte anos, conforme estudos recentes realizados
nas calotes polares da Gronelândia. Ou seja, em menos de uma geração, a
temperatura média subiu entre 5 a 10° C, com a consequente subida
catastrófica do nível marinho e, por conseguinte, da brusca modificação da
base económica das populações ribeirinhas que o frequentavam.

Assim sendo, o recurso a formas de subsistência só aparentemente menos


elaboradas que as vigentes no Paleolítico Superior resultou, simplesmente,
da necessária adaptação a novas condições ambientais, determinadas pela
crescente proximidade do litoral, tradicionalmente uma faixa rica de recursos
facilmente colectáveis, por via do movimento transgressivo em curso, e
também pela redução dos territórios de caça, devido ao incremento,
anteriormente aludido, das manchas de floresta temperada de cunho atlântico.

6.1.2 O Maciço Calcário

Em pleno maciço calcário, em grutas ou abrigos sob rocha, o padrão de


subsistência das respectivas populações nestes primeiros tempos do
pós-glaciário, correspondentes ao Pré-Boreal e Boreal revela ainda muitas
lacunas; as estações reconhecidas poderiam, simplesmente, corresponder aos
locais ocupados pelos mesmos grupos na parte restante do ano ocupavam o
litoral.

Caso enigmático é o da gruta de Aljustrel, ou do Casal do Papagaio (Fátima),


situada a cerca de 400 m de altitude e actualmente a 35 quilómetros do litoral,
distância que na época seria ainda maior, cerca de 40 km.

A exploração ali realizada (Arnaud & Bento, 1988), evidenciou uma espessa
acumulação de conchas de moluscos estuarinos, de mistura com alguma fauna
caçada de médio e pequeno porte (veado, coelho e lebre; a raposa e o texugo
crê-se que ocupariam naturalmente o local). A datação obtida para conchas
de berbigão da parte média do depósito, deu o resultado de 9710 ± 70 anos
BP, a que corresponde o intervalo calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade,
de 9051-8610 a. C.; outra, mais moderna, corresponde à data de 9650 ± 90 anos
BP (intervalo de 8582-8081 a. C.). Estes resultados integram a formação do
depósito arqueológico no início do período Pré-Boreal, por populações cujo
padrão de subsistência se afigurava idêntico ao das suas vizinhas ribeirinhas,
semelhança que a assinalável distância que as separa torna assaz insólita

156
© Universidade Aberta
(Gonzalez Moralez & Arnaud, 1990); esta realidade obriga a admitir, no
quotidiano de então, certos comportamentos ditados por critérios não
estritamente funcionalistas (Arnaud, 2002); seja como for, as provas materiais
recolhidas – onde não faltam diversas contas de colar do molusco marinho
Theodoxus fluviatilis – provam a relativa facilidade e rapidez com que se
efectuavam, à época, as deslocações ao litoral, sendo certo que os restos de
moluscos encontrados testemunham actividades alimentares, de produtos
comestíveis facilmente degradáveis e que, portanto, teriam de ser consumidos
rapidamente. Por certo, tal seria possível, utilizando-se os vales dos cursos
de água que desaguam no Oceano, como vias de circulação prioritárias.

Mais para norte, deve assinalar-se a gruta da Buraca Grande, em plena serra
de Sicó (concelho de Pombal), a qual forneceu, na sua camada 8, uma indústria
lítica constituída por raspadeiras sobre lasca e sobre núcleo, lamelas de retoque
marginal e núcleos. Estes materiais encontram-se datados através de várias
análises de radiocarbono sobre madeira incarbonizada (7580 ± 30 anos BP;
8120 ± 70 anos BP; 8445 ± 20 anos BP e 8680 ± 40 anos BP, correspondentes
aos intervalos calibrados, para cerca de 95% de probabilidade de,
respectivamente, 6456-6367 a. C.; 7298-6775 a. C.; 7535-7434 a. C.; e
7898-7544 a. C. (Aubry, Fontugne & Moura, 1997; Araújo, 2003). Deste
modo, como se admite que esta ocorrência mesolítica não seja única, visto
estar acompanhada por outras, também datadas da mesma época (Boreal),
como o Abrigo da Pena de Mira e o Abrigo Grande das Bocas, este último no
concelho de Rio Maior, pode concluir-se que a presença humana em domínios
interiores e montanhosos da Estremadura – designadamente em grutas ou
abrigos, como os referidos – foi uma realidade talvez mais insistente que a
sugerida pela escassa informação presentemente disponível.

A recente publicação da estratigrafia e das indústrias líticas recolhidas por Manuel


Heleno no Abrigo Grande das Bocas (Bicho, 1995/1997), permitiu confirmar
anteriores observações daquele arqueólogo, visto aparentemente ter havido uma
sequência na ocupação do local desde o final do Paleolítico até ao início do Atlântico:
as datações mostram uma sequência coerente com a estratigrafia, desde a "Camada
Fundo", datada de 10110 ± 90 anos BP, passando pela Camada 0 (9880 ± 220 anos
BP), pela Camada 2 (9900 ± 70 anos BP) e pela Camada 1 (7130 ± 120 anos BP),
embora se verifique uma inversão dos valores das Camadas 1 e 2, que N. Bicho
procurou explicar. No conjunto, os materiais das camadas em causa representa
uma sucessão de ocupações, do Magdalenense terminal ao Mesolítico, este último
limitado ao topo da Camada 1 e à base da Camada 2, visto a parte superior dessa
camada possuir já materiais do Neolítico Antigo. A importante sequência
tardiglaciária mostrou assinalável diversidade de tipos de ocupação, onde a
importância do contributo aquático na alimentação parece aumentar de forma

157
© Universidade Aberta
coerente: assim, enquanto que na camada mais antiga ("Fundo") se evidencia uma
fauna de grandes mamíferos variada, com cavalo, auroque, veado, cabra-montês e
camurça, correspondente a uma ocupação prolongada do abrigo, tal variedade
diminui drasticamente na Camada 0 (apenas com auroque, cavalo e javali), mas
onde, ao contrário, se assinalou fauna marinha, representada por conchas de berbigão
e de lapa, correspondendo a estacionamentos menos prolongados. A ausência de
fauna caçada na camada seguinte (Camada 1), é compensada pela abundância de
grande quantidade de conchas, o que levou N. Bicho a admitir que o grupo
responsável por tal acumulação teria vindo da costa, estabelecendo no abrigo um
acampamento de carácter funcional, especializado na produção de micrólitos,
aproveitando para o efeito o sílex, disponível a cerca de 1 km de distância.

Os resultados obtidos no Abrigo Grande das Bocas, tal como em outras


estações da Estremadura do Magdalenense Final – embora as características
dos sítios tenham desempenhado papel determinante no espectro faunísitico
correspondente – mostram que se verificou acréscimo da componente aquática
na alimentação, o qual se acentuou no pós-glaciário.

Esta realidade encontra-se, também, espelhada nos resultados das escavações


efectuadas na Lapa do Picareiro, Minde, em pleno Maciço Calcário, na serra
de Aire. Com efeito, o nível pós-glaciário ali detectado, no topo de uma
sequência que se inicia em pleno Paleolítico Superior, datado de 8310 ± 130
BP, denota uma incidência muito inferior na fauna caçada de grandes
mamíferos que as camadas subjacentes: embora continuassem a ser
capturados veados, javalis e auroques, a referida rarefacção é acompanhada
da emergência de moluscos litorais, os quais só ocorrem a partir da Camada
G, datada de 12320 ± 90 anos BP. Nas ocupações do tardiglaciário e do
pós-glaciário, estão presentes o mexilhão, o berbigão, a amêijoa a lamejinha
(Scrobicularia plana), bem como a vieira e pequenos búzios (Nassarius
reticulata) que, a par de conchas de Littorina obtusata, eram usados como
ornamentos (Bicho et al., 2003). O conjunto destas espécies evidencia
assinalável diversidade de biótopos litorais, marinhos e estuarinos, obrigando
a admitir uma presença insistente em tais domínios, não necessariamente
por parte das comunidades que frequentavam a gruta. Importa ainda salientar
a presença de fauna ictiológica – novidade sem dúvida devida à técnica de
escavação adoptada – estando presentes duas famílias, Ciprinidae,
correspondente à exploração dos cursos de água (barbos) e Clupeidae, que
inclui a sardinha, o sável e a savelha, podendo os dois últimos serem
capturados em cursos de água.

O percurso de transporte a partir do litoral ou de um antigo estuário, não


seria inferior a 30 km, podendo mais provavelmente atingir os 50 km de
marcha, o que faz supor a existência de técnicas de conservação do marisco
e do peixe até ao local de consumo, como já anteriormente se sublinhou.

158
© Universidade Aberta
Ao contrário das anteriores, por ser em campo aberto, a estação de Areeiro III, Rio
Maior, forneceu uma abundante indústria lítica e estruturas de combustão
semelhantes às encontradas na Ponta da Vigia e, como aquelas, datadas do início
do período Boreal (Zilhão et al., 1996; Bicho, 2000). As quatro datações sobre
madeira carbonizada deram os seguintes resultados e intervalos calibrados,
para cerca de 95 % de probabilidade (Araújo, 2003): 8380 ± 90 anos BP (7546-
-7097 a. C.); 8570 ± 130 anos BP (7929-7314 a. C.); 8850 ± 50 anos BP (8023-
-7705 a. C.); e 8860 ± 80 anos BP (8038-7644 a. C.).

Consubstanciam-se, deste modo, três tipos principais de estações mesolíticas


no Pré-Boreal e Boreal da Estremadura entre cerca de 10 000 e 7 500 anos
BP (Zilhão, 1992; Araújo, 2003), além de outros, como a Penha Verde, em
plena serra de Sintra.

1. concheiros a céu aberto, no litoral;


Fig. 73
2. grutas e abrigos sob rocha, no maciço calcário, por vezes com intensas
acumulações de conchas, formando excepcionalmente concheiros;

3. vastas estações de ar livre em áreas deprimidas, longe do litoral.

6.2 O Período Atlântico

6.2.1 O Maciço Calcário

Que o abandono do maciço calcário, no decurso do Atlântico, não foi total, é


o que revela a ocupação da Buraca Grande, na serra de Sicó, Pombal, que
continuou a ser ocupada do período anterior, bem como o concheiro do Forno
da Telha, Rio Maior, escavado na década de 1930 por Manuel Heleno. Um
estudo recente (Araújo, 1993) veio mostrar as semelhanças da indústria
microlítica do Forno da Telha com a recolhida no concheiro do Cabeço da
Amoreira (Muge) – designadamente pela presença de triângulos com espinha
dorsal, os ditos "triângulos de Muge" – as quais são sublinhadas por ambas
as estações possuírem idêntica cronologia: com efeito, a média de duas
datações de radiocarbono obtidas no Forno da Telha, corresponde ao valor
corrigido de 7040 ± 145 anos BP, ou 6170-5630 a. C., que se situa entre o valor
médio da ocupação dos concheiros do vale do Tejo. Por outro lado, o estudo
da fauna do Forno da Telha evidenciou uma economia de recolecção de largo
espectro, tal como a identificada no vale do Tejo: às conchas de moluscos
estuarinos somam-se diversos dos mamíferos selvagens conhecidos em Muge,

159
© Universidade Aberta
os quais, por ordem de importância decrescente, em termos de número de
restos encontrados são os seguintes: veado; auroque; javali; corço; coelho; e
cavalo. O espectro faunístico detectado, a natureza do sítio, as características
da indústria lítica e, enfim, a cronologia absoluta, levam a admitir que esta
estação constituísse um prolongamento ocidental do sistema de povoamento
do vale do Tejo, então florescente, o qual, deste modo, não funcionaria em
regime fechado, totalmente avesso a contactos exógenos, dos quais, aliás,
dependia parte do aprovisionamento de matérias-primas: é o caso do sílex,
presente nos concheiros de Muge, oriundo justamente da margem direita do
Tejo e, em parte, da região de Rio Maior, onde este sítio se localiza.

6.2.2 Litoral da Estremadura

Não se conheciam, até época recente, ocorrências do período Atlântico na


faixa litoral actual, ao contrário do verificado no Pré-Boreal e Boreal. Com
efeito, só em 2004 foi publicado o núcleo C do concheiro de São Julião
(Mafra), cuja cronologia, obtida por cinco determinações de radiocarbono,
mostra a sua formação a partir do início do período Atlântico: a data mais
antiga obtida, 7270 ± 90 anos BP corresponde ao intervalo calibrado, para cerca
de 95% da probabilidade, de 6370-5930 a. C., enquanto à data mais moderna
6820 ± 100 anos BP, corresponde o intervalo de 5890-5540 a. C. (Soares , in
Sousa, 2004). A ocupação do local, que ascende ao período Boreal, ter-se-á
verificado intermitentemente e em áreas adjacentes, por cerca de um milhar de
anos (núcleos A e B).

As duas espécies de moluscos mais abundantes – o mexilhão (Mytilus sp.) e o


berbigão (Cerastoderma edule) revelam a exploração de carácter misto, tanto do
biótopo estuarino, como do ambiente francamente oceânico e de litoral rochoso; a
presença residual de Littorina littorea, gastrópode de águas mais frias que as actuais,
tem paralelo no registo do coberto vegetal. Com efeito, o estudo antracológico dos
carvões recolhidos nas lareiras mostrou a presença vestigial do pinheiro silvestre,
relíquia da fase mais fria imediatamente anterior, já então quase totalmente
substituído pelo pinheiro bravo, que ocupava as áreas dunares, tal como hoje
acontece.

O enquadramento do núcleo C do concheiro de São Julião, tendo presente os


dois modelos principais disponíveis – mobilidade logística ou mobilidade
residencial – aproxima-se claramente do primeiro; sendo assim, importa, no
entanto sublinhar, que não se conhece na região qualquer acampamento-base,

160
© Universidade Aberta
de cunho residencial, que lhe possa corresponder. Assim, é também lícito
admitir um modelo intermédio, representado por pequenos grupos de alta
mobilidade, baixo grau de permanência e elevada especialização funcional,
aspectos que se verificam no sítio em causa (Sousa, 2004). É provável que
tão grande raridade de ocorrências similares se deva, em parte à transgressão
marinha, que poderá ter ocultado muitas estações (mas, sendo assim, não se
compreende porque apenas estas não ocorrem, ao contrário das mais antigas).

A variação do nível do mar no decurso do tardiglaciário e dos primeiros


tempos holocénicos, é conhecida, nos seus traços gerais, mercê sobretudo
dos trabalhos de Geologia Marinha desenvolvidos por J. M. Alveirinho Dias
e colaboradores (Dias et al., 1997, 2000), como já no capítulo inicial desta
obra se teve ocasião de referir. Tem interesse conhecer em detalhe tal variação.

Findo o período mais frio da glaciação, a ascensão do mar foi, de início lenta; há
cerca de 16 000 anos BP, o nível do mar estabilizou em torno da batimétrica -100
m, onde permaneceu cerca de 3000 anos. Porém, entre 13 000 e 11 000 anos BP,
observaram-se importantes modificações no clima e no regime oceânico. A corrente
do Golfo, penetrando até ao mar de Barrents, teria promovido a rápida fusão dos
gelos defronte da frente atlântica europeia e o recuo da frente polar, que
anteriormente se havia instalado ao nível da Península Ibérica, para o Atlântico
norte-ocidental. A temperatura da água no actual litoral português seria semelhante
à actual, com correspondência no rápido movimento transgressivo então verificado,
que levou o mar para a batimétrica -40 m. Ou seja, em apenas 2000 anos, o mar
subiu cerca de 60 m, alagando bruscamente vastos territórios anteriormente
ocupados por diversos grupos humanos. É óbvio o impacte de tal fenómeno sobre
o quotidianos de tais comunidades, obrigadas a alterar, em tão curto espaço de
tempo, o seu quotidiano e lugares habitados.
No decurso dos primeiros tempos do Holocénico, a subida do nível marinho
continuou, devida ao rápido aquecimento global verificado no hemifério norte,
com a consequente fusão dos gelos retidos nos glaciares. Cerca de 10 000 anos BP,
aquela subida, no que ao litoral atlântico português diz respeito, foi de cerca de
40 m em apenas 2000 anos, atingindo há cerca de 8000 anos BP, a cota de -20 m.
E a subida continuou, paulatinamente, até o mar atingir, cerca de 5000 anos BP, o
nível actual onde, com pequenas oscilações, se manteve até à actualidade.
Nessa época, o clima seria tendencialmente temperado (Pré-Boreal, entre
10 000 e 8800 anos BP), passando progressivamente a quente e seco (Boreal, entre
cerca de 8800 e 7500 anos BP). Tais condições parecem apontar para uma regressão
nas manchas florestais, em resultado da subida da temperatura e da diminuição da
humidade (optimum climaticum), favorecendo o desenvolvimento de vastas
pradarias e zonas abertas, onde auroques e cavalos poderiam encontrar as condições
adequadas de desenvolvimento, a par de javalis e veados nas zonas mais arborizadas,
favorecendo a economia alimentar das populações, que continuaram organizadas
em bandos de caçadores/recolectores, porém certamente mais numerosos que os

161
© Universidade Aberta
anteriormente constituídos, devido ao provável aumento demográfico então
verificado. É neste contexto que se irão desenvolver as primeiras formas de
povoamento semi-sedentárias, consubstanciadas pelos concheiros do vale do Tejo,
a seguir apresentados, já do Atlântico.

6.2.3 Concheiros do vale do Tejo

No início do Atlântico, cerca de 7500 anos BP, verifica-se a formação rápida


dos concheiros do vale do Tejo, essencialmente distribuídos ao longo de
dois afluentes da sua margem esquerda, a ribeira de Muge e a ribeira de
Magos. Como se referiu, os seus imediatos antecessores situam-se, de acordo
com as datas de radiocarbono disponíveis, no litoral atlântico, correspondendo
às estações acabadas de estudar. Tal realidade fora já preconizada por J. Roche,
muito antes de se dispor de elementos de datação absoluta e, muito menos,
de um conhecimento arqueológico adequado da região em causa. Crê-se que
aquela afirmação se baseava, sobretudo, na estação do Rossio do Cabo, que
J. Roche publicou em 1951, em colaboração com L. Trindade e que considerou
como aurignacense, muito embora, mais tarde, se viesse a verificar pertencer
ao Paleolítico Superior Final, alteração que não influencia em nada o modelo
proposto. Ter-se-ia, de acordo com o referido modelo, processado uma
deslocação populacional para uma nova área, o vale do baixo Tejo, muito
mais favorável a uma economia de caça-recolecção que o litoral atlântico,
em consequência das rápidas alterações ambientais nele verificadas, menos
acentuadas naquela região.

A existência destas notáveis acumulações, das quais as mais importantes


atingem cerca de 5 m de espessura, ilustram a importância e desenvolvimento
de uma economia de subsistência, onde avulta o contributo alimentar dos
moluscos, tendência manifestada de forma cada vez mais evidente desde o
Pré-Boreal, como atrás se disse.

Os primeiros concheiros do baixo vale do Tejo foram descobertos por Carlos


Ribeiro em 1863, como o próprio refere, em 1867 (Ribeiro, 1867, p. 714):

Lorsq’ en 1860 s’agitait entre les savants la question de l’homme dans la


terre, je me souviens d’avoir donné, comme membre directeur de la
Commission Géologique du Portugal, des instructions aux collecteurs aux
ordres de cette Commission, pour bien explorer les vallés du Tage et du
Sado, dans le but d’y recueillir des données qui puissent jetter quelque
lumière sur la question des oscillations de notre sol pendant la période
post-tertiaire et nous éclairer sur celle de la présence de l’homme dans nos
régions, dans les temps préhistoriques.

162
© Universidade Aberta
Estava, assim, justificada, com a preocupação que então agitava a comunidade
científica, a saber, a antiguidade da espécie humana, a razão de ser das
referidas indagações de campo.
Em 1882, com o falecimento de Carlos Ribeiro, a direcção dos trabalhos de
campo foi confiada a Francisco de Paula e Oliveira; mas o prematuro
falecimento deste impediu o desenvolvimento dos trabalhos, os quais, ainda
assim, deram origem a um importante artigo, já publicado postumamente
(Oliveira, 1888/1892).
Foram os seguintes os concheiros mesolíticos reconhecidos no século XIX
no vale da ribeira de Muge: na margem direita, Moita do Sebastião e Cabeço
da Amoreira; na margem esquerda, Fonte do Padre Pedro (desaparecido) e
Fig. 77
Cabeço da Arruda. No vale da ribeira de Magos, também tributária da margem
esquerda do Tejo, a jusante da anterior, foram identificados os concheiros de
Cova da Onça e Monte dos Ossos, sinónimo do topónimo de Quinta da
Sardinha e de Arneiro do Roquete. Todos eles pertencem ao actual concelho
de Salvaterra de Magos.
Fig. 74
É de destacar a importância que o estudo científico dos concheiros conheceu
a nível internacional, logo no século XIX. Prova disso, é a reunião em Lisboa,
em Setembro de 1880, da IX Sessão do Congresso Internacional de
Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas, no qual a discussão dos resultados
das explorações até então efectuadas constituiu um dos pontos mais
importantes da reunião. Com efeito, importava situar os concheiros das
ribeiras de Muge e de Magos no quadro cultural dos tempos pré-históricos
então vigentes. Uma das questões a debater, era, precisamente a seguinte:
Comment se caractérise l’âge néolithique en Portugal?

– Dans les kioekkenmoeddings (nome nórdico para "restos de cozinha


pré-históricos", ou "concheiros") de la valée du Tage (...)
etc...

A tal propósito, Carlos Ribeiro sublinhou, nas conclusões da comunicação


por si apresentada, que "On n’a jamais rencontré dans ces
Kioekkenmoeddings le moindre indice de poterie qui puisse être attibuée à
l'époque de leur formation", o mesmo se verificando para qualquer objecto
de pedra polida susceptível de se relacionar com os conhecidos nas estações
neolíticas (Ribeiro, 1884, p. 289), do mesmo modo que sublinha a total
ausência de animais domésticos, à excepção do cão.
Estas afirmações indicavam claramente uma época ante-neolítica para a
ocupação dos concheiros – o actual Mesolítico – cuja real existência era
ainda posta em dúvida, na época, por importantes arqueólogos, como Émile
Cartailhac (cf. Compte-Rendu, 1884, pp. 289, 290). Mas a indiscutível
demonstração daquela realidade, feita por Carlos Ribeiro, teve, vista a mais

163
© Universidade Aberta
de cento e vinte anos de distância, uma importância muito superior àquela
que, na época, lhe foi concedida. Com efeito, não sendo paleolíticos, nem
neolíticos, os concheiros de Muge deveriam ser integrados numa etapa
cultural, então ainda mal definida, mas para cuja creditação foram
testemunhos essenciais.

No século XX, as prospecções continuaram, tendo sido encontrados vestígios


de mais concheiros no vale da Fonte da Moça, correspondente a ribeira
tributária do Tejo a montante da ribeira de Muge (Santos, Rolão & Marques,
1990). Na ribeira de Magos, identificaram-se os concheiros de Cabeço dos
Fig. 80 Morros, Magos de Baixo (destruído) e Cabeço da Barragem, também
desaparecido, cartografados por A. do Paço (Paço, 1938). Em nenhum deles
foram efectuados trabalhos arqueológicos. Apenas no Cabeço dos Morros se
encetaram escavações, em 1997, que prosseguem, contradizendo informação
Fig. 83 que o davam como totalmente desaparecido (Breuil & Zbyszewski, 1947).
As investigações, no século XX, centraram-se nos três concheiros mais
importantes do vale da ribeira de Muge (Moita do Sebastião, Cabeço da
Amoreira e Cabeço da Arruda), na década de 1930, através de equipa da
Fig. 76 Faculdade de Ciências do Porto, constituída por A. A. Mendes Corrêa, Rui
de Serpa Pinto e J. R. dos Santos Júnior; nas décadas de 1950 e 1960, tais
escavações foram prosseguidas por J. Roche e O. da Veiga Ferreira, sob a
égide do Instituto de Antropologia da Faculdade de Ciências do Porto e
Fig. 79 respectivo Centro de Estudos de Etnologia Peninsular e dos Serviços
Geológicos de Portugal. No decurso desta fase dos trabalhos, efectuou-se a
escavação em extensão do que restava do concheiro da Moita do Sebastião,
que anteriormente tinha sido arrasado até à base, e procedeu-se à realização
Fig. 82 de importantes cortes estratigráficos nos concheiros de Cabeço da Amoreira
e de Cabeço da Arruda. O historial destes trabalhos foi já detalhadamente
apresentado (Cardoso & Rolão, 1999/2000). Ao mesmo tempo,
desenvolveram-se estudos de Antropologia Física, no seguimento dos
publicados no século XIX, agora por iniciativa de Mendes Corrêa e seus
colaboradores. Aquele, que era reputado especialista na matéria, tomando
por base o material das antigas escavações de Carlos Ribeiro e de Nery
Delgado, discutiu as origens étnicas daquelas populações. No seu entender,
estas integrariam um grupo "of meridional origin, agreeing with the route of
Tardenoisian civilization" (Corrêa, 1919a, p. 122). As pretensas peculiaridades
antropológicas do tipo humano em causa, dominantemente dolicocéfalo,
justificaram a arrevezada designação, por si proposta, de Homo afer taganus,
aliás não conforme às regras da nomenclatura biológica. Ainda em defesa da
origem africana das populações mesolíticas de Muge, declarou, no mesmo
ano de 1919, em outro artigo, o seguinte (Corrêa, 1919b, p. 134):

O que é indubitável é que alguns dos primeiros habitantes da Ibéria tinham


uma origem meridional, visivelmente africana, sendo impressivas as

164
© Universidade Aberta
relações entre o Capsiense do Norte de África e algumas civilizações do
Paleolítico Final e do pré-Neolítico do sudoeste europeu.

Esta opinião de Mendes Corrêa, rebatida na época pelo antropólogo francês


H. Vallois, a quem o tempo viria a dar razão, granjeou-lhe, contudo, renome
internacional. Com efeito, os trabalhos que ulteriormente se efectuaram,
confirmaram a existência de caracteres protomediterrâneos na população de
Muge, onde os indivíduos cromagnóides também ocorrem, ainda que sejam
de menor tamanho e mais gráceis que as formas clássicas do Paleolítico
Superior francês; mestiços entre ambos os morfotipos referidos completam
o quadro detectado na Moita do Sebastião, o único conjunto até ao presente
objecto de estudo antropológico sistemático e desenvolvido, carecendo,
todavia, de actualização (Ferembach, 1974, p. 135).

Outro aspecto que passou a interessar os estudiosos da década de 1930 foi o


estabelecimento de uma cronologia relativa para os concheiros de Muge.
Assim, Mendes Corrêa (Corrêa, 1933), em trabalho de síntese sobre os
concheiros, tendo presente a menor diferença de cotas do concheiro do Cabeço
da Arruda relativamente ao nível de base local, representado pela ribeira de
Muge, face às cotas do Cabeço da Amoreira, mais elevadas, admitiu que o
primeiro fosse mais moderno. Em abono desta conclusão, invocou também
outros argumentos.

Tais considerandos, que apontavam, segundo Mendes Corrêa, para uma


diferente idade dos dois sítios, seriam ainda corroborados por argumentos
de índole arqueológica, designadamente a extrema raridade de trapézios no
Cabeço da Amoreira, contrastando com a sua abundância no Cabeço da
Arruda.

Porém, até época recente, não foi possível destrinçar com segurança a
diacronia das respectivas ocupações, no quadro das datações realizadas, as
quais evidenciam uma assinalável sobreposição da presença humana em todos Fig. 79
eles (Arnaud, 1987). Adiante se fará a síntese possível desta situação, com
base nos elementos actualmente disponíveis.

Ao nível da organização espacial, têm também interesse as observações de


Rui de Serpa Pinto (Pinto, 1932), sobre o processo de formação dos próprios Fig. 82
concheiros (no caso, o do Cabeço da Amoreira):

Os cortes efectuados na encosta oriental do Cabeço por duas largas


trincheiras (...) mostram que havia dois lares ("foyers") acumulando os
restos de alimentação em montões mamelonares num pequeno espaço
durante a existência da estação, reunidos pouco a pouco num só de grandes
dimensões que recobre o cabeço natural. As camadas apresentam-se assim
onduladas, acompanhando o relêvo destas montureiras com algumas
discordâncias.

165
© Universidade Aberta
Estas observações são indispensáveis à interpretação dos mecanismos
antrópicos que presidiram à formação destas acumulações, os quais têm sido
relegados para segundo plano.

Na década de 1940, os concheiros de Muge continuaram a ser objecto de


estudo, por parte de H. Breuil e G. Zbyszewski, a partir dos espólios das
escavações do século XIX conservados no Museu do Instituto Geológico e
Mineiro (Breuil & Zbyszewski, 1947). Os autores defendem que os concheiros
não seriam verdadeiros lugares habitados: estes distribuir-se-iam pelas suas
vizinhanças imediatas, encontrando-se ainda por descobrir. Aqueles,
corresponderiam a simples depósitos de actividades domésticas, sendo
utilizados também como necrópoles. É interessante assinalar que esta opinião
contraria a de todos os autores, anteriores ou ulteriores, que se interessaram
pela questão, com apenas uma excepção (Antunes & Cunha, 1992/1993).
Outra questão que abordaram foi a da presença, associada às indústrias
microlíticas, de uma componente macrolítica, sobre seixos lascados de
quartzito, acrescentando tal facto nada ter de especial, visto ambos os
conjuntos de utensílios cobrirem actividades e finalidades diferenciadas,
justificando-se, pois, a sua coexistência. Retomar-se-á este interessante
assunto adiante, quando se abordar a questão das indústrias macrolíticas fini-
e pós-glaciárias.

O estudo dos concheiros, na década de 1940, teve continuidade nos trabalhos


conduzidos por J. Roche, logo do início da década seguinte. Assim, em 1951,
veio a lume monografia dedicada ao concheiro do Cabeço da Amoreira
(Roche, 1951), com base no estudo parcial dos registos e espólios recolhidos
na década de 1930, nas sucessivas campanhas ali realizadas sob a direcção
de Mendes Corrêa. Como conclusões principais apresentadas pelo referido
autor, são de reter as seguintes:

1. Existência, nos níveis mais antigos, de peças arcaizantes, de tipologia


paleolítica, que o autor relacionou com os contactos havidos entre os
habitantes dos concheiros e as populações do maciço calcário
estremenho, onde as primeiras se abasteceriam do sílex; esta hipótese,
que pressupunha um continuum entre ambas as áreas culturais, ou
seja, coexistência entre o final do Paleolítico Superior e o Mesolítico
de Muge, foi ulteriormente rejeitada pelas datas obtidas pelo método
do radiocarbono adiante referidas.

2. Evolução técnica e tipológica das indústrias, constituindo o conjunto


proveniente dos níveis médios do concheiro termo intermédio de uma
evolução cujos extremos se encontram representados pelos conjuntos
dos níveis profundos e superficiais. Prova dessa evolução seriam as
percentagens sempre crescentes de microburis, ao longo da sequência
estratigráfica.

166
© Universidade Aberta
3. O estudo tipológico comparativo das indústrias presentes nos concheiros
do Cabeço da Amoreira, Cabeço da Arruda e Moita do Sebastião,
levou o autor à conclusão de ser o primeiro anterior aos restantes,
"principalement en raison de l’abondance de formes trapèzoïdales",
muito escassas no primeiro. Esta conclusão vinha, assim, em apoio
do parecer dos investigadores que anteriormente tinham abordado a
questão da cronologia relativa destas estações (Mendes Corrêa, Serpa
Pinto, H. Breuil e G. Zbyszewski), com base também em argumentos
de ordem arqueozoológica e geomorfológica, mas até então não apoiados
pelo radiocarbono, que só viria a ser aplicado algum tempo depois à
discussão desta questão.

4. Por último, é interessante notar que Jean Roche ignorou por completo
a questão das eventuais afinidades entre as indústrias do Cabeço a
Amoreira e as indústrias norte africanas do Capsense, tão caras aos
mais influentes pré-historiadores peninsulares das décadas anteriores.
Ao contrário: as suas comparações encaminham-se para o sudoeste
francês e, em menor grau, para a região levantina, afirmando-se deste
modo partidário de Breuil, que desde cedo reconheceu tratar-se de
uma indústria azilo-tardenoisense (Breuil, 1918), rejeitando, deste
modo, uma filiação cultural extra-europeia. Breuil, mais tarde,
reconheceu nestas produções mesolíticas certas particularidades
técnico-industriais, tendo criado o termo "Mugiense", integrando-se
no conjunto das indústrias mesolíticas europeias, como o
Tardenoisense (Breuil & Zbyszewski, 1947). Também, neste particular,
J. Roche se manifesta de acordo com Breuil; na conclusão do seu
trabalho, declara: "L’industrie des amas coquilliers de Muge forme
un ensemble original qui aurait pû être appelé de ‘Mugien’" (Roche,
1951, p. 55).

Sem dúvida que uma das questões científicas principais debatidas nas
primeiras décadas do século XX foi a pretensa filiação da origem africana
dos habitantes mesolíticos de Muge cujo principal mentor foi Mendes Corrêa,
como já anteriormente se referiu. Este tinha subjacente a ideia de um antigo Fig. 66
povoamento da Ibéria por grupos humanos norte-africanos, defendido na
década de 1920 pela maioria dos arqueólogos de nomeada, como
H. Obermaier (Obermaier, 1925, p. 373), P. Bosch-Gimpera (Bosch-Gimpera,
1922, p. 33) e L. Pericot (Pericot, 1923, p. 21). Como notas discordantes, as
posições de J. M. Santa-Olalla, que, embora aceite influências africanas
inquestionáveis, tanto em tipos étnicos como industriais, renuncia
definitivamente a explicar as indústrias de micrólitos geométricos mesolíticas
pelas pretendidas influências capsenses norte-africanas (Santa-Olalla, 1946,
p. 48). Em Portugal, Manuel Heleno apresenta-se como o mais consequente
(mesmo o único) defensor da origem europeia das populações mesolíticas

167
© Universidade Aberta
do vale do Tejo. Com efeito, ao longo da segunda metade da década de 1930
encontrou, na região de Rio Maior, provas concludentes, não apenas quanto
à filiação europeia do Paleolítico Superior português como, ainda, no
respeitante à passagem da última fase deste para o Neolítico Antigo, através
dos níveis selados epipaleolíticos por si encontrados no Abrigo Grande das
Bocas, Rio Maior, a cujo espólio, recentemente estudado por N. Bicho, já
anteriormente se fez referência.

O estudo de J. Roche sobre o concheiro do Cabeço da Amoreira de 1951,


antecedeu o reinício, em 1952, das escavações no concheiro da Moita do
Sebastião, interrompidas desde 1880. O autor reforça, com base em critérios
Fig. 83 tipológicos (dominância de trapézios), arqueozoológicos e geomorfológicos,
a maior modernidade deste concheiro, face ao Cabeço da Amoreira, o que
em si mesmo não era novidade. Facto mais relevante é a referência a fundos
de cabana e a fossas culinárias: "La construction soignée des fonds de cabanes
Fig. 84 destinés à la réserve de coquillages montre une organisation qui, alliée à
l’outillage de type tardenoisien evolué, donne à ce kjoekkenmoedding un
cachet plus récent que celui du Cabeço da Amoreira" (Roche, 1952, p. 149).

Foi a primeira vez que se apresentaram referências a fossas escavadas no


sedimento da base do concheiro, interpretadas como silos de armazenamento,
realidade com evidente importância na análise do padrão de permanência
humana no local. O autor estava, ainda, consciente da relevância que teria
uma análise feita pelo método do radiocarbono, o que foi conseguido pouco
tempo volvido à implementação do método, constituindo a primeira datação
absoluta de uma estação pré-histórica portuguesa (Roche, 1957).

Um primeiro estudo sobre a utensilagem lítica obtida nas escavações do


concheiro da Moita do Sebastião foi publicado em 1958 (Roche, 1958). Duas
conclusões avultam: a primeira, é o definitivo abandono de pretensas origens
norte africanas, que não se revelavam nas características tipológicas da
utensilagem, confirmando anteriores conclusões a propósito do espólio do
Cabeço da Amoreira. A segunda, resultante da antecedente, é a admissão de
uma origem autóctone para a cultura mesolítica de Muge, apesar das aludidas
diferenças na utensilagem entre os diferentes concheiros.

Este estudo antecedeu de perto a monografia sobre as escavações efectuadas


na Moita do Sebastião (Roche, 1960), a mais completa de uma estação
mesolítica até ao presente publicada em Portugal, muito valorizada pelo facto
de se ter podido reconstituir algumas das práticas funerárias. Assim, foi
identificada a posição dos objectos de adorno, integrando colares, braceletes
ou peitorais, constituídos por conchas, bem como a presença de sepulturas,
onde os inumados, sobretudo em decúbito dorsal, parece terem sido cobertos
de ocre, o que sugere a existência de rituais complexos. Nas conclusões,
além de se reforçarem aspectos já tratados anteriormente (ausência de

168
© Universidade Aberta
influências norte-africanas), importa salientar a originalidade que Jean Roche
defendeu para o Mesolítico do vale do Tejo: em abono da origem local da
cultura mesolítica de Muge, salienta a existência, a apenas 30 km de distância Fig. 84
de "un important foyer culturel dans la région comprise entre Rio Maior et
Torres Vedras, oú il existe de nombreux gisements datant du Paléolithique
Supérieur et peut-être du Mésolithique. On sait de façon à peu prés certaine
que le silex utilisé à Muge provient de là. Il est fort possible que les habitants
de nos trois concheiros soient venus de cette région ou tout au moins, aient
entretenu des rapports constants avec elle pour les nécessités de leur Fig. 85
économie" (Roche, 1960, p. 140). Foi, pois, J. Roche o primeiro arqueólogo
a assinalar não só a origem local do Mesolítico do vale do Tejo, mas, ainda,
a propor uma origem para os habitantes dos concheiros no litoral da actual
Estremadura, proposta que estudos recentes parecem corroborar, de acordo
com os elementos atrás descritos, convenientemente alicerçados em datações
absolutas, ao tempo desconhecidas.

As conclusões deste importante estudo salientam a análise dos aspectos


relacionados com o habitat e a organização social das populações em apreço.
O autor refere a existência de estruturas de planta semi-circular,
correspondentes a pára-ventos, observadas na base do concheiro e defendeu
a presença, em cada momento de ocupação do sítio, de um número restrito
de habitantes, utilizando apenas, de cada vez, uma cabana, cujos testemunhos
foram encontrados (buracos de poste escavados no solo). Mas a humildade
do quotidiano destas populações não deverá ser confundida com atraso social
ou cultural; contrariando a evidência mais imediata, declarou, a tal propósito:
"Il serait imprudent de conclure que les habitants du concheiro étaient des
sauvages médiocrement doués en se basant uniquement sur les restes matériels
que le temps a bien voulu nous laisser récolter" (Roche, 1960, p. 142). Com
efeito, o dia-a-dia destas comunidades, circunscritas em boa parte à região
ribeirinha da ribeira de Muge, ao contrário de testemunhar um aparente
retrocesso face às suas antecessoras paleolíticas, essencialmente caçadoras,
corresponde, simplesmente, a boa adaptação às condições de vida e à captação
dos recursos potencialmente disponíveis na área envolvente, de forma a
garantir, com um mínimo de dispêndio e de esforço, a adequada subsistência.

Dos derradeiros estudos de J. Roche sobre os concheiros de Muge, salienta-se


o publicado de colaboração com O. da Veiga Ferreira (Roche & Ferreira,
1972/1973). Baseados nas duas datações então conhecidas para cada um dos
três concheiros mais importantes do vale do Tejo – Moita do Sebastião,
Cabeço da Amoreira e Cabeço da Arruda – concluíram que a ocupação dos
mesmos foi simultânea, porém com inícios diferenciados, pela ordem com
que foram referidos. A esta conclusão, que hoje pode ser detalhada, como
adiante se verá, adiciona-se uma outra, esta inequívoca, a de que o Mesolítico
de Muge "était un phénomène tardif qui a évolué sans être apparément

169
© Universidade Aberta
influençé par des apports alochtones. Cet isolément peut s’expliquer par un
contexte géographique très particulier" (op. cit., p. 473).

É neste contexto de isolamento geográfico e auto-suficiência que tem de ser


interpretada a ocorrência de cerâmicas neolíticas encontradas na parte superior
dos concheiros de Muge (Ferreira, 1974), nas escavações efectuadas por
Carlos Ribeiro no ano de 1880 e por Paula e Oliveira em 1884 e 1885, com
nítidas afinidades com as cerâmicas do Neolítico Antigo evolucionado da
Estremadura: o facto de serem apenas as camadas mais recentes a possuírem
tais fragmentos, leva a admitir que, na derradeira etapa da ocupação, as
populações dos concheiros possam, enfim, ter estabelecido alguma interacção
com as comunidades neolíticas, estabelecidas já há cerca de 500 anos no
maciço calcário, desde inícios da segunda metade do VI milénio a. C. Seja
como for, a ocorrência de tais cerâmicas é consistente, não resultando de
ocasionais intrusões posteriores (embora prováveis no Cabeço da Amoreira,
onde se recolheram escassos fragmentos de cerâmicas lisas). Com efeito,
são esclarecedoras as observações do próprio Mendes Corrêa sobre a posição
que ocupavam tais fragmentos cerâmicos no referido concheiro: "Aparecem
alguns fragmentos cerâmicos, mas que, sem dúvida, se devem considerar
provenientes de intrusões ulteriores" (Corrêa, 1934, p. 7 da sep.).

Os restos faunísticos recuperados nas escavações efectuadas no concheiro


da Moita do Sebastião, foram objecto de estudo. A fauna malacológica, de
crustáceos e de peixes foi estudada por O. da Veiga Ferreira (Ferreira, 1956).
O conjunto denuncia águas salgadas, bem como origens diversas, tanto do
litoral atlântico rochoso ou arenoso, como de fundos estuarinos mais vasosos,
certamente existentes no próprio local dos concheiros. Repetindo
considerações anteriormente apresentadas por R. de Serpa Pinto (Pinto, 1932),
com base em determinações de Augusto Nobre, refere semelhanças entre os
conjuntos malacológicos dos concheiros de Cabeço da Arruda e de Moita de
Sebastião, os quais evidenciariam algumas diferenças face ao conjunto do
concheiro do Cabeço da Amoreira. Tais diferenças consubstanciar-se-iam na
ausência, neste último, de mexilhão (Mytilus edulis), espécie muito abundante
nos dois primeiros, e na presença de Natica hebraea, molusco que, sendo
muito raro no Cabeço da Amoreira, indica águas, mais quentes, que na
actualidade, visto corresponder a espécie de distribuição essencialmente
mediterrânea e do Atlântico Sul. Tal conclusão é corroborada pela ocorrência
do caranguejo Uca tangeri nos três concheiros em apreço, espécie que
actualmente se conhece apenas nos leitos vasosos do litoral alentejano e
algarvio (Saldanha, 1995; Macedo et al., 1999).

Os grandes mamíferos, conquanto tenham sido abordados logo na primeira


monografia publicada sobre o concheiro do Cabeço da Arruda (Costa, 1865),
só voltaram a ser monograficamente descritos por G. Zbyszewski, com base

170
© Universidade Aberta
nos materiais recuperados no concheiro da Moita do Sebastião, nas escavações
de 1952 e 1953 (Zbyszewski, 1956): identificaram-se restos de auroque,
veado, corço e javali, a que se poderia somar o cavalo (presente no Cabeço
da Arruda, onde foi assinalado por Pereira da Costa).

Desta forma, ter-se-ia continuado, na Estremadura, a actividade cinegética


que, ao que parece, teria conhecido, no final do Plistocénico e nos primeiros
tempos holocénicos, provável abrandamento, por alterações dos biótopos,
com a expansão das manchas florestais, propiciadas por alterações climáticas
e pela transgressão marinha, a que já antes se tinha feito referência.

Os grandes mamíferos encontram-se abundantemente representados nos


concheiros do vale do Tejo por espécies que denotam a presença de bosques,
talvez de coníferas, dada a presença do esquilo (Sciurus vulgaris), assinalado
com certa abundância. É o caso do javali, do corço e do veado. Tais manchas
florestais coexistiam com espaços abertos, forrados de gramíneas, propícios
à existência do auroque, espécie de maior porte que é muito frequente nos
concheiros, associada ao cavalo (mais raro, talvez devido apenas a maior
dificuldade de captura), ao coelho e à lebre, também presentes nos inventários
faunísticos.

O interesse pelos estudos faunísticos, como indicadores paleoecológicos,


económicos e até sociais foi retomado em Portugal na década de 1980. O primeiro
desses estudos deve-se a A. Lentacker que procurou identificar a totalidade dos
grupos faunísticos presentes numa parte dos conjuntos do Cabeço da Amoreira e
do Cabeço da Arruda conservados na Faculdade de Ciências do Porto (escavações
da década de 1930, dirigidas por Mendes Corrêa, e da década de 1960, sob a direcção
de J. Roche). A importância dos grandes mamíferos na alimentação não é uniforme,
no conjunto dos três concheiros: no Cabeço da Amoreira por importância
decrescente é a seguinte: veado, javali, e auroque; ao contrário, no Cabeço da
Arruda, o auroque é de longe a espécie com mais importância na alimentação e o
mesmo parece ter-se verificado, talvez de forma menos evidente, no concheiro da
Moita do Sebastião (Zbyszewski, 1956).

No concernente às informações paleocológicas, destaca-se a presença da raia


(Myliobatis sp.), já referida por Veiga Ferreira, bem como de espécies da família
Sparidae, como a dourada (Sparus aurata), que frequentam os estuários sobretudo
de Junho a Setembro; também o megre (Argyrosomus regius), durante a desova, de
Abril a Agosto, frequenta os estuários, migrando por vezes os juvenis até as águas
doces. É interessante assinalar ainda a presença de esturjão (Acipenser sturio), em
ambos os concheiros, espécie de carácter igualmente sazonal, que subia o Tejo, no
final do Inverno, para a desova.
No grupo das aves, são mais comuns as de zonas húmidas, como seria de prever.
A presença de peixes preferencialmente capturados na Primavera e Verão, a par de

171
© Universidade Aberta
aves, frequentadoras sazonais da região no Outono e Inverno, bem como a
distribuição etária aparentemente indiferenciada das espécies de mamíferos
presentes, designadamente coelho, veado, e auroque, sugere a ocupação peri-anual
dos concheiros.

No conjunto, os concheiros eram habitados, ao longo de todo o ano, como


parece concluir-se dos resultados dos estudos faunísticos e situavam-se
próximo de estuário, de fundo areno-vasoso, a montante de um litoral com
trechos rochosos, e com zonas húmidas dispersas, mal drenadas, como
acontece actualmente, com desenvolvidos espaços abertos, pontuados de
manchas florestais de características mistas, constituídos por pinheiros e
caducifólias.

A evolução paleoambiental do vale da ribeira de Muge foi objecto de estudo


recente (Van der Schriek et al., 2003).

Uma das causas do abandono da economia de caça e recolecção patenteada


pelas populações dos concheiros pode residir nas alterações ambientais e,
com elas, no desaparecimento dos recursos aquáticos – designadamente a
malacofauna – que constituía a reserva alimentar menos sujeita a variações e
contingências. Com efeito, com a progressão do movimento transgressivo
marinho, o leito da ribeira de Muge, cujo fundo se situava cerca de vinte a
vinte e cinco metros abaixo da cota actual no final do tardiglaciário
(10 000 anos BP), foi progressivamente colmatado de sedimentos, sobretudo
desde o início do pós-glaciário, modificando-se paulatinamente o ambiente
estuarino pré-existente, tão propício à existência dos recursos acima descritos.
A superfície topográfica junto ao Tejo, no período inicial de instalação dos
concheiros estaria a cerca de 4,20 m de profundidade; já então a máxima
influência das marés se não fazia sentir na zona: é o que indica a data de
7490 ± 180 anos BP obtida sobre material vegetal colhido àquela
profundidade. Cerca de 2220 ± 80 anos BP, já o fundo do vale se situava a
cerca 1, 55 m de profundidade, indicando que a sedimentação foi rápida no
decurso da ocupação humana dos concheiros, já então abandonados.
Formou-se em certos locais um paleossolo escuro, rico de matéria orgânica,
indício de um toalha freática superficial e de uma paragem na sedimentação.

Uma sondagem efectuada no fundo do vale da ribeira de Muge, a meio


caminho entre os concheiros de Cabeço da Arruda e da Moita do Sebastião,
mostrou que, entre os 4 e os 2 m de profundidade, a vegetação evidencia
nítido declínio do pinhal, comparativamente ao período anterior, situando-se
o início desta zona cerca de 7500 anos BP. Em Alpiarça, foi identificado
idêntico declínio no espectro polínico, embora em época ulterior, cerca de
5000 anos BP. É nesta época que ocorrem os primeiros indícios de água

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© Universidade Aberta
doce, com a presença de plantas como Typha e Nymphea, e o desaparecimento
de Jadammina e Trochammina, foraminíferos aglutinados que denunciam a
influência directa das marés, embora existissem lagunas salgadas nas
proximidades, dada a alta presença de Chenopodiaceae.

Pode, pois, concluir-se que o sector terminal da ribeira de Muge antes da sua
confluência com o Tejo, se encontrava ainda directamente sujeito à influência
das marés, na época de instalação dos concheiros, embora tal influência
estivesse em fase de amortecimento acentuado, devido ao progressivo
assoreamento do paleoestuário, o qual determinou o abandono dos concheiros,
cerca de 5000 anos BP. É provável que o rápido assoreamento de um vale
mal drenado como aquele, tenha propiciado a conservação de importantes
estruturas arqueológicas, actualmente enterradas.

A alteração do biótopo estuarino ali existente, com a inerente redução da


abundância e diversidade de recursos disponíveis, que anteriormente se
estendiam por vasta área até cerca de 70 km a montante da embocadura do
Tejo, devido à transgressão flandriana, esteve na origem do abandono da
forma de organização económica e social adoptada pela população dos
concheiros, adaptando-se, pela força das circunstâncias, a novas formas de
vida, incluindo a agricultura e o pastoreio, aliás praticadas havia cerca de
500 anos pelas suas vizinhas do Maciço Calcário.

No entanto, a grande abundância de conchas existentes, aliás justificativa da


própria designação destes montículos artificiais, com nítido predomínio de
espécies salobras, como a lamejinha (Scrobicularia plana) e o berbigão
(Cerastoderma edule), pode induzir em erro sobre o seu verdadeiro papel na
alimentação, dado o superior valor calórico da carne obtida de qualquer das
espécies caçadas. Com efeito, as análises bioquímicas efectuadas sobre
amostras ósseas humanas de antigos habitantes destes concheiros, vieram
mostrar que estes mantinham uma dieta constituída por alimentos de origem
aquática e terrestre em partes iguais, o que confirma a diversidade de fontes
alimentares utilizadas (Lubell et al., 1994).

A informação arqueológica e arqueozoológica é muito mais pobre


relativamente aos concheiros da ribeira e Magos, a jusante de Muge e
igualmente tributária da margem esquerda do Tejo. No conjunto dos
concheiros assinalados na década de 1930, apenas do Cabeço dos Morros se
publicaram os trabalhos de escavação efectuados, primeiro sob a direcção de
M. Farinha dos Santos e J. Rolão e, depois, só por este último; as faunas
foram objecto de estudo preliminar (Detry, 2002/2003a). No conjunto,
apresentam-se muito mais escassas que as dos concheiro de Muge, embora
repesentadas pelas mesmas espécies de grandes mamíferos. Contabilizando
o número de restos identificados de cada espécie com o correspondente peso
médio de carne utilizada, verifica-se que o maior contributo pertence ao javali,

173
© Universidade Aberta
seguido do veado, do auroque e, finalmente do cavalo. É interessante verificar
que o cavalo, no Cabeço dos Morros, é muito mais importante que nos
concheiros de Muge. Enfim os lagomorfos, ainda que possuindo uma
quantidade de biomassa muito inferior à dos grandes mamíferos, poderiam
constituir uma reserva sempre acessível, como os recursos aquáticos,
sobretudo em períodos de maior penúria, devido à sua fácil captura. As aves
estariam nas mesmas circunstâncias; cerca de metade das espécies
identificadas relacionam-se directamente com zonas húmidas, denunciando
também a importância destas na paisagem de então, não totalmente
desaparecidas, na actualidade, na região.

Importa registar a existência do cão, primeiro animal doméstico na Pré-História


do continente europeu, cujos primeiros restos foram assinalados por Carlos Ribeiro
e, depois, por F. de Paula e Oliveira, nos concheiros do vale do Tejo (Ribeiro,
1884; Oliveira, 1888/1892); mais tarde, foi identificado nas escavações realizadas
por O. da Veiga Ferreira e J. Roche, na década de 1960, no concheiro do Cabeço da
Amoreira. Enfim, no concheiro das Amoreiras, no vale do Sado, foi recuperado,
em 1985, um esqueleto quase completo de cão doméstico, ainda em conexão
anatómica (Arnaud, 1986), a que se junta um outro exemplar, das escavações antigas
de um concheiro do vale do Tejo, publicado em 2002 (Cardoso, 2002), talvez a
Cova da Onça, que se manteve inédito. Uma datação pelo radiocarbono, confirmou
a sua idade mesolítica: para 95% de probabilidade, o intervalo calibrado obtido foi
de 6010-5850 a. C. O cão desempenharia, pois, nos concheiros mesolíticos dos
vales do Tejo e do Sado, um papel de guarda e de ajudante do homem, incluindo a
participação na caça e, talvez, também na pesca, justificando-se assim que, em
condições normais, não fosse comido, como sugere a presença dos dois esqueletos
supra mencionados. A hipótese de se tratar de um animal no estado selvagem
sugerida por Mendes Corrêa (Corrêa, 1933), pelo facto de não ter encontrado ossos
roídos de grandes mamíferos caçados entre o espólio recolhido, não se confirma.
Com efeito, no decurso da revisão das faunas dos concheiros de Muge (Detry, inf.
pessoal, a quem se agradece), foram encontradas extremidades de ossos longos de
javali, com vestígios de terem sidos fortemente roídos, o que é indício indirecto da
presença daquele carnívoro. A ocorrência destes dois esqueletos, que mereceram
enterramento, em dois concheiros diferentes, reflecte a existência de rituais
funerários, tendo paralelo em dez sepulturas homólogas identificadas nas necrópoles
mesolíticas de Skateholm I e II, sobre a costa báltica escandinava, acompanhando
setenta e sete sepulturas humanas (Larsson, 1990). Em pelo menos dois casos, os
enterramentos foram acompanhados de oferendas funerárias idênticas às que eram
depositadas em sepulturas humanas, incluindo rituais de ocre vermelho. Mas a
realidade seria ainda mais complexa, visto dois dos canídeos terem sido
intencionalmente mortos e colocados em duas sepulturas humanas, sugerindo
acompanharem os seus antigos donos na morte. Noutros casos, eram apenas partes
de esqueleto que se associaram às sepulturas humanas, em resultado de um

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© Universidade Aberta
desmembramento intencional, sugerindo desta forma a existência de uma relação
completamente diferente entre ambos os inumados.

O esqueleto completo de um cão de um dos concheiros de Muge, parece


corresponder a um animal intencionalmente abatido, como se deduz das lesões
cranianas nele observadas, enquanto que o cão do concheiro do Cabeço das
Amoreiras parece ter sido esquartejado, visto ocorrer aparentemente Fig. 75
incompleto, de acordo com a foto publicada (Arnaud, 1986, p. 81). Trata-se,
pois, de uma temática que merece ser desenvolvida, pelas informações que
poderá trazer sobre os rituais funerários das comunidades mesolíticas dos
concheiros, temática ainda pouco estudada. A este respeito, têm interesse as
observações apresentadas por J. Roche relativas ao concheiro da Moita do
Sebastião (Roche, 1960): o ocre vermelho, de que se recolheram muitos
nódulos, seria polvilhado sobre os corpos dos mortos ou serviria para pinturas
rituais nos vivos, que nalguns casos tingiram as conchas, utilizadas como
adorno; estas, na sua larga maioria, encontraram-se junto das sepulturas,
sobre os cadáveres. Merecem destaque as centenas de contas de Neritina
fluviatilis perfuradas, as quais, nalgumas sepulturas da Moita do Sebastião,
pela sua disposição, indicam terem pertencido a braceletes, colares, peitorais Fig. 88
e diademas. Em pelo menos duas sepulturas deste concheiro, os rituais de
ocre vemelho foram acompanhados de rituais de fogo, com pequenas
fogueiras de ramagens, ou mais intensas, visto num caso o calor produzido
ter calcinado superficialmente o osso craniano. A associação de restos
alimentares a algumas das sepulturas deste concheiro é outra evidência de
práticas rituais e do papel atribuído à alimentação: assim, um dos corpos foi
depositado sobre uma cama de amêijoas (Ruditapes decussatus) por abrir;
outro, foi envolvido por grande quantidade de helicídeos não perfurados (Helix
pisana) e um terceiro por numerosas conchas de lamejinha (Scrobicularia
plana).

As investigações desenvolvidas até ao presente nos concheiros do vale do


Tejo conduziram à recolha de cerca de trezentos esqueletos, situando-os entre
uma das ocorrências mais relevantes do Mesolítico europeu. Neste cômputo
geral, incluem-se os recém identificados materiais da Cova da Onça,
resultantes das escavações do século XIX ali realizadas; trata-se de um dos
concheiros da margem direita da ribeira de Magos, cujos restos ascendem a
32 indivíduos, sendo 5 não adultos, ainda não estudados em pormenor (Cunha
& Cardoso, 2002/2003). Esta situação não é de estranhar, porquanto, mesmo
nos conjuntos mais conhecidos, apenas uma parte deles foi estudada. Das
conclusões obtidas sobre a população da Moita do Sebastião (Lubell, Jackes
& Meiklejohn, 1989), salienta-se que esta se apresentava menos robusta e
mais pequena que a população portuguesa actual; que a esperança média de

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© Universidade Aberta
vida à nascença não ultrapassaria os 30 anos e que um terço da população
terá morrido antes dos vinte anos, taxa que se afigura relativamente baixa,
comparativamente à realidade de outras estações europeias mesolíticas.
Assim, pode concluir-se que as condições de vida seriam relativamente boas,
propiciadas por bases de subsistência disponíveis e variadas na própria área
adjacente; contudo, esta realidade poderá encontrar-se algo distorcida. Com
efeito, não só é muito alta a incidência de hipoplasias ambientais no esmalte
dos dentes definitivos (que indicam "stress" alimentar), mas também a
provável existência de conflitos entre grupos supostamente antagónicos
(Antunes & Cunha, 1992/1993), talvez resultantes de situações de carência
alimentar. Parecem ter existido, por outro lado, a aceitar as conclusões do
referido estudo, situações e práticas de violência, realizadas no vivo. Esta
realidade encontra-se de alguma forma confirmada por outras evidências
peninsulares, até pictográficas, da existência de guerra em épocas semelhantes
no levante ibérico (Mesolítico/Neolítico Antigo em diante): é o caso das
admiráveis pinturas rupestres de Molino de las Fuentes, Minateda e Combate
de Les Dogues, incluindo cenas que, sem dificuldade, poderiam se
interpretadas como de execução de inimigos capturados (Cova Remigia).

De qualquer modo, esta realidade não contraria a existência do nicho


ecológico privilegiado para a vida humana, tendencialmente sedentária,
oferecido pelo fundo do então estuário do Tejo, correspondente à confluência
Fig. 78 das ribeiras de Magos e de Muge. Ali, onde as águas salobras ainda chegavam,
devido ao efeito das marés, os recursos existentes chegariam para satisfazer
as necessidades essenciais destas comunidades recolectoras de largo espectro;
isso justifica por um lado a longevidade do modo de vida mesolítico ali
Fig. 81 verificado, bem como o seu evidente sucesso.

Importa salientar, com efeito, que, dos 186 sítios mesolíticos inventariados
na Europa em 1984 (Meiklejohn et al., 1984), em apenas 80 foram recolhidos
restos humanos. Desses 80, apenas 7 tinham séries incluindo mais do que
Fig. 84 10 indivíduos, sendo o Cabeço da Arruda, a Moita do Sebastião e o Cabeço
da Amoreira três deles (além do concheiro da Cova da Onça).

A área relativamente abrigada, rica de recursos e pouco habitada, constituída


então pelo fundo do paleoestuário do Tejo, desde o início do Atlântico, terá
sido propícia a uma maciça ocupação humana, por despovamento do litoral
atlântico do maciço calcário que lhe fica contíguo (Zilhão, 1992), ainda que,
como é natural, tal despovoamento não tenha sido total, o mesmo acontecendo
com o litoral ocidental; deve ter-se sempre presente o perigo de generalizações
simplificadoras de uma realidade arqueológica que foi certamente muito mais
complexa do que aquela que, agora, é susceptível de ser identificada, com
base nos esparsos vestígios até agora detectados.

176
© Universidade Aberta
A razão para tal fenómeno demográfico seria simples de perceber: com o
estabelecimento de condições de fixação para uma vida proto-sedentária –
pela primeira vez ocorrem verdadeiros cemitérios constituídos nos próprios
concheiros, indicando uma "ancoragem" efectiva da população a território
bem definido – deixaria de se justificar o povoamento de uma outra região,
onde o quotidiano seria por certo muito mais penoso. Bastaria lembrar a
disponibilidade quase ilimitada de peixe e de moluscos existentes na área
adjacente aos concheiros – alguns deles encontrados ainda por abrir, indicando
práticas de armazenamento, ainda que de curta duração, corroboradas pela
existência, na Moita do Sebastião, de "silos de armazenagem" – para se
compreender a opção pela recolecção, mantida por cerca de um milénio,
quando, em outras regiões próximas, menos favoráveis, designadamente o
próprio Maciço Calcário, já se tinha afirmado a economia neolítica.

A cronologia dos concheiros de Muge encontra-se balizada entre cerca de


7500 e 6500 anos BP, ou, em anos de calendário, aproximadamente, entre
cerca de 6200 e 5200 a. C. Recentes datas de radiocarbono, vieram dar maior
precisão a estes resultados, por possuírem controlo estratigráfico. Assim, as
duas datas obtidas, respectivamente, para a base e o topo do concheiro do
Cabeço da Arruda, situaram-no entre 7040 ± 60 BP e 6620 ± 60 anos BP, a
que correspondem, respectivamente, os intervalos, em anos de calendário,
para cerca de 95 % de probabilidade, de 6015-5770 e 5656-5237 a. C. Em
comparação, o Cabeço da Amoreira parece ser de fundação mais recente e
ter sido mais precocemente abandonado: as duas datas obtidas para a base e
ao topo da sequência, são as seguintes: 6630 ± 60 anos BP e 6550
± 60 anos BP, as quais correspondem aos intervalos de 5664-5433 a. C., para
a fase mais antiga e 5596-5368 a. C. para a mais recente (Van der Schriek et
al., 2002/2003). O concheiro da Moita do Sebastião parece ser o da fundação
mais antiga, cerca de 6200 a. C., a única que foi datada.

6.2.4 Concheiros do vale do Sado

Em articulação com os concheiros do baixo vale do Tejo encontram-se os


detectados no baixo vale do Sado; as ligações entre ambas as regiões eram,
aliás, facilitadas pela suavidade dos relevos e pela rede hidrográfica, que
permitia um contacto quase contínuo entre a bacia hidrográfica do Sado e os
afluentes da margem esquerda do Tejo. Esta realidade encontra-se reforçada
pela cronologia absoluta, que aponta para uma contemporaneidade genérica
na ocupação daqueles dois grandes núcleos humanos.

Descobertos os primeiros concheiros do vale do Sado na década de 1930 por


Lereno Antunes Barradas (Barradas, 1936), as explorações só se iniciaram

177
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nos finais da década de 1950, prolongando-se até inícios da seguinte, por
iniciativa de Manuel Heleno, que assim procurou colmatar uma lacuna nas
colecções do Museu Nacional de Arqueologia, então por si dirigido, que até
então não possuía espólios de qualquer concheiro do Mesolítico. Porém,
como era frequente com escavações realizadas sob a direcção daquele
arqueólogo, aos trabalhos de campo não se seguiam as necessárias
publicações, pelo que aqueles se mantiveram inéditos. Nos inícios da década
de 1970, Manuel Farinha dos Santos, que tinha sido assistente de Manuel
Heleno e que já anteriormente tinha localizado no vale do Sado dois novos
concheiros, o Barranco da Moura e a Fonte da Mina, publicou, de colaboração
com J. Soares e C. Tavares da Silva, alguns espólios dos concheiros do Cabeço
do Pez (Santos, Soares & Silva, 1974), bem como os materiais campaniformes
do concheiro da Barrada do Grilo, que não interessam ao caso em apreço. Já
na década de 1980, J. M. Arnaud organizou um programa de investigações
que conduziu a novas escavações em diversos concheiros (Cabeço do Pez,
1983; Cabeço das Amoreiras, 1985 e 1986; e Poças de São Bento, 1987 e
1988), bem como à publicação de trabalhos de síntese e de outros, relativos
à história das descobertas (Arnaud, 2000).

Dos 11 concheiros conhecidos, apenas se efectuaram escavações, ou simples


sondagens, nos concheiros de Arapouco, Amoreiras, Vale de Romeiras,
Cabeço do Pez (com a maior área escavada, ascendendo a 635 m²) e Poças
de São Bento. No conjunto, recolheram-se restos de 32 a 36 indivíduos em
Fig. 74 Cabeço do Pez, 32 em Arapouco, 25 em Vale de Romeiras, cerca de 15 em
Poças de São Bento, 6 em Amoreiras e apenas um no concheiro de Várzea da
Mó (Cunha & Umbelino, 1995/1997). Trata-se, pois, de efectivos que, embora
excepcionais à escala europeia, se apresentam muito inferiores aos registados
nos concheiros de Muge.

Os resultados preliminares dos estudos antropológicos conduzidos pelas duas


autoras salientam a existência de populações homogéneas, com alturas médias
idênticas às dos indivíduos de Muge, bem como alimentação parecida,
denunciada por séries dentárias com grande abrasão, relacionada com o
intenso consumo de marisco carregado de areia. Tal como nos concheiros do
vale do Tejo, ao nível dos moluscos, predomina o berbigão (Cerastoderma
edule), logo seguido pela lamejinha (Scrobicularia plana). Esta realidade
resulta da preferência da primeira das espécies por fundos mais arenosos, ao
contrário da segunda, que é dominante em depósitos vasosos. Na actualidade,
os locais em que se apanha o berbigão situam-se cerca de 50 quilómetros a
jusante dos concheiros (Barradas, 1936), o mesmo se verificando no vale do
Tejo, facto revelador da extensão da progressão, para montante, da cunha de
água salobra, à época da formação dos concheiros.

O desenvolvimento destes concheiros, ao longo do baixo Sado e dos seus


afluentes laterais, denuncia uma estratégia de ocupação do território e de

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© Universidade Aberta
exploração dos respectivos recursos análoga à patenteada na mesma época,
no vale do Tejo. Mas, ao contrário destes, parece evidenciar-se um papel
mais diferenciado, com existência de concheiros principais, que constituiriam
acampamentos-base, com uma ocupação mais estável e permanente. É o caso
do concheiro do Cabeço do Pez, mais a montante – o único que conheceu
uma intensa ocupação, no Neolítico Antigo evolucionado, atestando a
manutenção da sua importância – enquanto noutros, sobretudo os situados
mais a jusante, apenas se registou uma fauna de moluscos (Poças de São
Bento, Arapouco, Cabeço do Rebolador), atestando a sua frequência sazonal,
sobretudo nos meses de Primavera e Verão. Com efeito, os restos de grandes
mamíferos, no concheiro do Cabeço do Pez, totalizam cerca de 1700 peças;
as cinco espécies mais relevantes na dieta alimentar, são as seguintes, por
ordem decrescente de número de restos identificados (Arnaud, 1987): veado
(70%); javali (26%); auroque (3%); corço (0,5%); e cavalo (0,5%). Uma
recente revisão deste conjunto faunístico (Detry, 2002/2003 b), conduziu ao
cálculo do número mínimo de indívíduos presentes de cada espécie, incluindo
os leporídeos: assim, na totalidade do seis níveis artificiais em que foi
subdividida a acumulação, desde a superfície até cerca de 1,25 m de
profundidade, identificaram-se restos correspondentes a 30 coelhos; 23 lebres;
13 javalis; 20 veados; 1 corço; 2 auroques; e um cavalo. Comparativamente
com os resultados arqueozoológicos obtidos no vale do Tejo, evidencia-se
uma nítida dominância do veado, à custa da diminuição dos efectivos de
auroque, enquanto que as quantidades de javali são, globalmente, comparáveis
nos dois conjuntos.

A posição dos concheiros relativamente ao enchimento aluvionar moderno,


ulterior ao seu abandono, é variável; assim, existem sítios, como a Barrada
das Vieiras, com uma área de cerca de 100 m², apenas 2 m acima da várzea;
o de Vale de Romeiras, com cerca de 400 m², situa-se sobre aquela cerca de
20 m e outros ainda se encontram a maiores altitudes, entre os 40 e os 50 m.
O concheiro das Poças de São Bento, a cerca de 3,5 quilómetros do Sado,
em plena aplanação terciária corresponde, não obstante, a uma das maiores
acumulações de conchas, com uma área superior a 4000 m². Um contributo
significativo e ainda não aproveitado, foi a localização de quatro novos locais,
no decurso do levantamento geológico da folha do Torrão (Cardoso &
Gonçalves, 1992).

As datações de radiocarbono até ao presente realizadas mostram que os


concheiros do vale do Sado, embora denunciando alguma diacronia entre si,
se inscrevem, globalmente, ao longo do VI milénio a. C. e no primeiro quartel
do V milénio a. C. (designadamente o do Cabeço das Amoreiras), pelo que
são globalmente contemporâneos dos concheiros de Muge, cujas balizas
cronológicas foram anteriormente indicadas.

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As datas conhecidas apontam o concheiro de Arapouco como o mais antigo, com
uma data centrada em 7040 ± 70 anos BP para a sua parte média, correspondendo
ao intervalo calibrado com cerca de 95 % de probabilidade de 5992-5715 a. C.,
enquanto o Cabeço do Pez teria a sua última ocupação em torno de 6150 ± 70 anos
BP, correspondendo a um intervalo já plenamente neolítico (5214-4805 a. C.),
cronologia que, aliás, se encontra em sintonia com a abundância de cerâmicas do
Neolítico Antigo ali recolhidas. O concheiro das Amoreiras, possui ainda cronologia
mais moderna, visto às duas datas obtidas (5990 ± 75 anos BP e 5990 ± 80 anos
BP) corresponderem intervalos que atravessam todo o primeiro quartel do V milénio
a. C. (respectivamente 5060-4718 a. C. e 5064-4715 a. C.), cronologia a que
corresponde, em outros contextos, o Neolítico Antigo evolucionado. Com efeito,
neste concheiro ocorreram abundantes fragmentos de cerâmicas neolíticas, não só
na camada superficial mas também no próprio estrato do concheiro. De entre os
cerca de sessenta fragmentos recolhidos, destaca-se a presença de vários com
decoração cardial,oriundos dos níveis inferiores do concheiro (Arnaud, 2000), o
que configura a existência de interação entre os habitantes mesolíticos do sítio e
as populações já neolitizadas do litoral (Arnaud, 1986). Esta realidade difere da
reconhecida nos concheiros do Tejo, porquanto os fragmentos neolíticos ali
encontrados – dos quais nenhum é cardial – se circunscrevem à parte superior das
acumulações e jamais ao interior destas, sugerindo que, somente na fase final das
diversas ocupações, os respectivos habitantes teriam interagido com as populações
neolíticas do Maciço Calcário estremenho.

Tendo presentes os ainda escassos estudos das indústrias líticas realizadas


para os conjuntos exumados nos concheiros do Sado, evidencia-se a larga
predominância de matérias-primas locais, de fraca qualidade, incluindo rochas
siliciosas de precipitação química, que nada têm a ver com a boa qualidade
Fig. 86 do sílex dos concheiros de Muge. Esta realidade poderá ter, de alguma forma,
determinado a tipologia dos produtos de debitagem, onde predominam
largamente micrólitos geométricos de pequenas dimensões, ainda que com
diferenças quantitativas entre os diversos locais representados: em Arapouco,
Vale de Romeiras e Poças de São Bento, dominam os trapézios, enquanto
que os segmentos de círculo (crescentes) são os elementos mais abundantes
no concheiro das Amoreiras e os triângulos ocorrem sempre em percentagens
inferiores (Arnaud, 2002). Até ao presente, o único conjunto objecto de estudo
tipológico completo e actualizado foi o recolhido no concheiro das Poças de
São Bento, nas escavações da década de 1980 (Araújo, 1995/1997).

Apenas 5,2% dos artefactos deste concheiro (incluindo lascas e resíduos de


talhe) foram transformados em utensílios, com predomínio dos trapézios
(35,9%), seguidos dos segmentos de círculo (13,6%) e dos triângulos (6,7%).
Mas as diferenças tipológicas observadas não foram susceptíveis de se

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© Universidade Aberta
relacionarem com a diacronia das diversas ocupações; em alternativa, tais
diferenças, tal como nos concheiros da região de Muge, poderiam dever-se,
simplesmente, a actividades específicas neles desenvolvidas, que assumiriam
características diferenciadas e especializadas.

Mesmo na região de Muge, a visão evolucionista, admitida por Jean Roche,


que supunha a substituição de trapézios (dominantes na Moita do Sebastião)
por triângulos (prevalecentes no Cabeço da Amoreira) é contrariada não só
pelas datações de radiocarbono obtidas, que vieram mostrar uma larga
sobreposição cronológica na ocupação dos três concheiros mais importantes,
mas também pelo facto de o concheiro do Cabeço da Arruda, apesar de ser
em grande parte contemporâneo do Cabeço da Amoreira e mais tardio do
que os níveis basais da Moita do Sebastião (os únicos datados deste
concheiro), ter mostrado uma nítida dominância dos trapézios sobre os
triângulos.

Importa sublinhar que as datações obtidas não possuem suficiente precisão


para garantir a efectiva ocupação simultânea dos três concheiros mais
importantes da ribeira de Muge, sendo, por outro lado, dificilmente explicáveis
as diferenças tipológicas observadas, com base em tradições distintas das
respectivas populações, dada a curta distância que separa os três concheiros:
a descontínua frequentação dos mesmos, afigura-se mais adequada à
explicação da realidade arqueológica observada.

6.2.5 O Mesolítico Final dos vales do Tejo e do Sado: estudo comparado

Não possuindo, como se referiu, as datações radiométricas, suficiente rigor


para discernir diacronias da ordem das várias dezenas de anos, tempo mais
do que suficiente para se produzirem as diferenças tipológicas observadas
entre os diversos locais, ao nível da utensilagem lítica, mas sem renunciar a
uma especialização funcional sincrónica como justificação possível
– relembre-se que os micrólitos são apenas elementos de instrumentos
compósitos onde se encontrariam encastoados, cujas características
morfológicas permanecem de todo desconhecidas – importa referir recente
estudo de síntese de G. Marchand (Marchand, 2001).

Tal estudo valorizou a evolução tipológica em função da cronologia, actuali-


zando as conclusões obtidas por J. Roche para o vale do Tejo. Com efeito,
tomando como ponto de partida o estudo pormenorizado dos materiais de
dois pequenos concheiros do vale do Sado, escavados por ordem de Manuel
Heleno – Várzea da Mó e Cabeço do Rebolador – o autor foi levado a concluir
que as diferenças observadas nas características das indústrias teriam
significado cronológico, embora este nem sempre se possa demonstrar.

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© Universidade Aberta
Invocando opinião de J. Vierra, segundo a qual a evolução da tipologia das
"armaduras" no Mesolítico da costa sudoeste é independente da
funcionalidade dos sítios, o autor apresentou a seguinte evolução cronológica,
Fig. 86 constituída pelas três fases principais seguintes:

Fase 1 – Situada entre 6100 e 5900 a. C. Encontra-se representada no


concheiro da Moita do Sebastião e, com reservas, nos concheiros
do vale do Sado de Arapouco e de Vale de Romeiras. Dominam
nitidamente os trapézios assimétricos de diversos tipos, ocorrendo
subsidiariamente triângulos, especialmente no último;

Fase 2 – Situada na primeira metade do VI milénio a. C.; foi uma fase breve,
caracterizada pelo aparecimento dos característicos triângulos com
espinha, no Cabeço da Amoreira, ditos "triângulos de Muge", cuja
ocorrência diminui, segundo J. Roche, da base para o topo do
referido concheiro, ao contrário dos segmentos (crescentes), que
variam em proporções inversas. Por outro lado, enquanto nos
concheiros considerados das Fases 1 e 3 são os triângulos escalenos
que dominam, no conjunto dos triângulos, neste concheiro os
triângulos isósceles são os mais numerosos.

As particularidades referidas levam a admitir que a ocupação do


Cabeço da Amoreira corresponde essencialmente a fase intermédia
na história dos concheiros do Tejo. Assinale-se que, neste
concheiro, a fraca evolução tipológica, conjugada com a potência
da estratigrafia observada, indica uma ocupação intensiva durante
um curto intervalo de tempo, associada a fraca mobilidade,
característica que também é extensiva aos restantes concheiros da
ribeira de Muge, como atrás se referiu;

Fase 3 – Do ponto de vista tipológico, é nesta fase que se observa o


desenvolvimento da importância dos segmentos (crescentes) e dos
trapézios, em detrimento dos triângulos, com aparente predomínio
dos primeiros sobre os segundos, nas fase finais de ocupação: é o
que se conclui do verificado no Cabeço das Amoreiras, o mais
recente dos concheiros do vale do Sado. Nesta derradeira fase,
situável entre 5600 e 5000/4800 a. C., verifica-se nítido declínio
da presença humana na região de Muge, ao contrário do observado
tanto no vale do Sado, como no litoral do Baixo Alentejo (região
que será adiante caracterizada), onde aquela se mantém. Não
espanta que, deste modo, lhe seja atribuída um significativo
números de concheiros: no Sado, Várzea da Mó, Cabeço do
Rebolador, e Poças de São Bento, para além do acima referido e,
no litoral alentejano, Fiais e Vidigal, entre outros.

182
© Universidade Aberta
No conjunto, de acordo com G. Marchand, não se detectam diferenças
significativas entre a tipologia das armaduras dos concheiros do Tejo e do Sado,
salvaguardando as características impostas pela matéria-prima destas últimas,
essencialmente rochas locais de inferior qualidade: dominam, globalmente,
os trapézios e os triângulos, com fraca presença de triângulos escalenos.

As comparações efectuadas ao nível da indústria lítica, podem ser


desenvolvidas a outros campos. No concernente ao tipo humano, conclui-se
que era idêntico, como de seria de esperar. Também idênticas são certas
modificações dentárias observadas, de índole económica: é o caso, já atrás
referido, da forte abrasão dentária, observada em ambas as regiões, devida
por certo à ingestão de mariscos carregados de grãos de areia, depois de
directamente assados sobre o lume ou recorrendo a pedras aquecidas.

Quanto às sepulturas, estas apresentam-se mais comuns na parte inferior dos


concheiros do Tejo; no Sado, a fraca potência das acumulações, não permitiu
evidenciar de forma tão nítida a posição dos enterramentos, mas estes
concentrar-se-iam, também, na zona inferior das acumulações. No entanto, a
posição em que os cadáveres foram depositados difere sensivelmente. Assim,
enquanto na Moita do Sebastião, no Cabeço da Arruda ou no Cabeço da
Amoreira, os corpos eram sobretudo depositados em decúbito dorsal, com
pernas e braços flectidos ou não (variante mais rara), como se conclui dos
desenhos de campo de O. da Veiga Ferreira e das fotos recentemente
publicadas (Cardoso & Rolão, 1999/2000), nos concheiros do Sado a posição Fig. 87
era, por via de regra, em decúbito lateral, com os braços e pernas flectidos
(posição fetal), de carácter evidentemente ritual.

No concernente a estruturas de carácter habitacional, no Sado apenas se


identificaram no concheiro das Poças de São Bento, em 1987, correspondentes
a diversas depressões escavadas no subsolo, atribuídas a "buracos de poste"
(Arnaud, 2000, 2002). Idênticas estruturas negativas se encontraram no vale
do Tejo, nas escavações realizadas em 1954 no concheiro da Moita do
Sebastião, conotáveis com uma provável cabana de planta sub-rectangular
(Roche, 1960, Fig. 26), já atrás mencionada, a par de outras, identificadas na
base do mesmo concheiro e relacionadas com lareiras em "cuvettes" e assim
classificadas pela presença de cinzas e de carvões (Cardoso & Rolão,
1999/2000, Fig. 25). A existência de outras fossas, preenchidas por bivalves
ainda por abrir, levaram alguns autores a interpretá-las como depósitos
alimentares, funcionando como reserva. Contudo, se tivermos em
consideração o rápido processo de degradação destes mariscos, facilmente
se conclui que tais depósitos não poderiam significar o carácter sedentário
das respectivas populações, que terá de ser – como foi – justificado por outras
vias.

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© Universidade Aberta
A riqueza documental do concheiro da Moita do Sebastião explica-se: com
efeito, foi o único sítio do vale do Tejo que foi objecto de escavações em
extensão, motivadas por um arrasamento dos níveis médios e superiores com
maquinaria, relacionados com a construção de diversas instalações agrícolas;
nos outros sítios intervencionados, J. Roche privilegiou a realização de cortes
estratigráficos, em detrimento da investigação em área, impedindo-o deste
modo de conhecer as modalidades de ocupação e organização do espaço
habitado.

No vale do Sado, as escavações realizadas por iniciativa de Manuel Heleno


desenvolveram-se em extensão, tomando como princípio metodológico a
decapagem por camadas artificiais. Mas a potência era em geral fraca e a
importância dos sítios menor que a dos anteriores, pelo que não se obtiveram
informações relevantes, a tal propósito.

Os concheiros dos vales do Tejo e do Sado indicam uma evidente estabilidade


da ocupação humana, de características peri-anuais. Para isso concorreria a
facilidade de recursos localmente disponíveis, a benignidade climática e,
até, um certo isolamento geográfico, propiciado pela vastidão dos terrenos
da charneca ribatejana que os envolvem, os quais se espraiam insensivelmente
pelo Alto Alentejo, sendo delimitados do lado oposto pelo vale do Tejo, e
zonas adjacentes ribatejanas do outro lado do rio, região também pouco ou
nada povoada. Situação de ainda maior isolamento corresponderia ao vale
do Sado.

As indústrias líticas destes dois complexos populacionais, conquanto já não


revelem quaisquer tradições tecno-tipológicas do final do Paleolítico Superior,
conservam a tendência microlítica já então evidenciada. O microlitismo foi,
deste modo, não só um processo resultante da crescente economia da
matéria-prima, como a resposta à necessidade de um equipamento de caça/
pesca cada vez mais especializado e leve. Com efeito, o provável
prosseguimento do aumento demográfico, realidade que foi uma constante
no decurso do Paleolítico Superior, somado a uma nítida tendência para a
sedentarização em determinados locais mais propícios de alguns vales fluviais,
bem como a provável diminuição dos recursos caçados – de que teria
resultado, justamente, a adaptação recolectora verificada logo no início do
pós-glaciário – obrigou a uma mobilidade cada vez mais evidente, levando
as populações sediadas nos concheiros a uma árdua tarefa cinegética, feita
cada vez a maior distância dos sítios habitados: a atracção centrípeta exercida
no povoamento por tais locais é indicada pela escassez de povoamento
conhecido na sua envolvência, sem prejuízo de se reconhecerem abundantes
indústrias de base macrolítica nas regiões circundantes, que não repugna
admitir serem em parte, coevas dos concheiros, como se evidencia pela
cartografia publicada por A. do Paço relativamente à região dos vales das
ribeiras de Muge e de Magos (Paço, 1938). A abundância de tais indústrias,

184
© Universidade Aberta
foi confirmada plenamente por ulteriores trabalhos, tanto naquela região,
como no Sado, pelo que se justifica um maior detalhe na sua abordagem.

Apesar de serem abundantes as indústrias sobre seixos da região da margem


esquerda do Baixo Tejo, são escassas as referências estratigráficas a elas
associadas. Uma das excepções corresponde à estação do Moinho de
Benavente, descoberta em Dezembro de 1940 (Breuil & Zbyszewski, 1942,
p. 303). Com efeito, foi ali observada a sobreposição de areias dunares
modernas, com indústrias de sílex reportáveis ao Mesolítico, a um nível mais
grosseiro e consolidado, de cor amarelada, possuindo, na sua parte mais alta,
"une couche de sable noir à matières organiques, cendres et traces de
manganèse, avec un abondant matériel languedocien", cuja espessura total
atingia 1,80 m. Estas indústrias, adiante caracterizadas, são, pois, anteriores
ao Mesolítico Final (afim dos concheiros de Muge) podendo integrar-se, ou
no final do Paleolítico, ou já no começo do Holocénico (Mesolítico inicial
ou Epipaleolítico). São caracterizadas pela presença, quase exclusiva, de
seixos de talhe remontante, uma das características técnico-tipológicas que
têm sido invocadas na definição destas indústrias fini- e pós-glaciárias, as
quais serão a seguir caracterizadas.

6.3 A componente macrolítica das indústrias fini- e pós-


-glaciárias: o Languedocense, o Ancorense e o Mirense

É no âmbito das indústrias mesolíticas que se têm vindo a descrever, que


importa referir a presença de indústrias de base macrolítica, sobre seixos
rolados de quartzito, as quais têm sido encontradas por vezes nos próprios
concheiros. Trata-se de materiais que abundam nas formações mais modernas
dos terraços do vale do Tejo, em geral embalados em areias eólicas de época
tardia, fini ou já pós-glaciária, conotáveis com as importantes formações
dunares do litoral, da mesma época, como é o caso da imponente duna fóssil
de Magoito, atrás referida.

Estas indústrias ocorrem, com grande frequência, na periferia dos concheiros


e poderiam corresponder a tarefas desenvolvidas pelas populações neles
residentes, com carácter expedito, como a preparação das carcaças dos animais
abatidos (daí a frequência de seixos talhados) ou o abate de árvores,
recorrendo-se a pesados seixos lascados: trata-se das indústrias ditas
"languedocenses", as quais, todavia, possuem uma componente sobre lasca
que tem sido menosprezada, em grande parte resultante de a larga maioria
dos artefactos serem de colheitas de superfície, passando despercebidas as
peças não nucleares, de menores dimensões.

185
© Universidade Aberta
O termo Languedocense foi criado em 1937 por Henri Breuil para designar
uma indústria sobre seixos recolhida à superfície dos terraços do vale do
Garona (França). Caracterizaria tais indústrias, entre outros, um artefacto
executado sobre seixo achatado, retocado em toda a sua periferia (o "disco"
languedocense). O Languedocense, na perspectiva do seu criador, teria
assinalável longevidade, já que o seu estádio mais antigo seria contemporâneo
do Acheulense, do Mustierense e ainda do Aurignacense, atingindo o seu
estádio mais recente, o Neolítico. Idêntico critério foi aplicado em Portugal,
no estudo das indústrias de base macrolítica, por Henri Breuil e
G. Zbyszewski, no decurso da estada do primeiro, em Portugal, entre meados
de 1941 e finais de 1942, em que tiveram a oportunidade de recolher e estudar
milhares destas peças (Breuil & Zbyszewski, 1945). Assim, por exemplo, no
estudo das indústrias de base macrolítica do litoral do Alentejo, consideram
a presença de um Languedocense Antigo, contemporâneo da última etapa do
Acheulense, de um Languedocense Médio, coevo do Paleolítico Médio, e de
um Languedocense Superior, correlativo do Paleolítico Superior (Breuil &
Zbyszewski, 1946). Tratar-se-ia, pois, de acordo com os referidos autores,
de um tecno-complexo sempre anterior ao Mesolítico, exactamente a época
em que aquele deverá ser preferencialmente incluído, segundo os
conhecimentos actuais.

Mais tarde, em França, L. Méroc evidenciou a falta de representatividade


dos discos, que foram fabricados, em certas circunstâncias, até tempos
históricos; (o mesmo viria a suceder, em Portugal, com os clássicos "pesos
de rede" que, de elementos integrantes do Languedocense (ou dos seus
equivalentes regionais como o Ancorense, e o Mirense), passaram a ser
atribuídos aos tempos históricos, visto não se terem encontrado in situ, em
formações quaternárias não remexidas do litoral minhoto, o mesmo se
devendo verificar no litoral alentejano.

Os factos referidos, que bem evidenciavam a falta de definição clara do


significado histórico-cultural do termo, visto ser insustentável que uma cultura
arqueológica se mantivesse por tão longo período cronológico e suportada
por tão débeis e discutíveis provas materiais, levaram a que aquele termo
fosse abandonado em França. Outro tanto não sucedeu em Portugal.

G. Zbyszewski adoptou, nas dezenas de anos seguintes à sua colaboração


com H. Breuil, e sem quaisquer modificações assinaláveis, os critérios
metodológicos, classificativos e de nomenclatura de Henri Breuil. Assim,
ainda em 1974 em estudo de síntese sobre o Paleolítico português, considerou
o Languedocense como derivado directamente do Acheulense, sendo
contemporâneo do Mustierense e, depois, do Paleolítico Superior, ocorrendo
em regiões onde a matéria-prima disponível não permitia o fabrico de
indústrias típicas daquelas fases culturais (Zbyszewski, 1974). A ser assim,
não passaria de um fácies industrial particular do Paleolítico Médio e do

186
© Universidade Aberta
Paleolítico Superior, "cavalgando" as divisões clássicas de há muito
estabelecidas, um pouco à semelhança do defendido pelo mesmo autor,
conjuntamente com H. Breuil, para o "Lusitaniano", termo criado para
designar as indústrias frustes sobre seixos do litoral português. Mas os critérios
susceptíveis de justificarem esta designação jamais foram suportados por
uma inequívoca definição estratigráfica, baseada em conjuntos fechados,
homogéneos e numerosos, devidamente enquadrados do ponto de vista
cronológico. Com efeito, a identificação baseava-se apenas na ocorrência de
certos artefactos nucleares sobre seixo, considerados mais característicos,
como as raspadeiras espessas, raspadores em "D", os seixos raspadores, e os
discos talhados em toda a periferia, de talhe invariavelmente unifacial, muito Fig. 67
inclinado ("en gradin"), dando às superfícies lascadas um aspecto escamoso.
Ao referido conjunto haveria que somar, no litoral alentejano, os machados
mirenses, tipo particular de utensílio cujo nome deriva do rio Mira, a norte
do qual, sobre o litoral, se recolheram os primeiros exemplares: "Le hachereau Fig. 68
de l’Acheuléen, retaillé sur grand éclat, évolue vers une hache dont les flancs
sont écrasés par percussion, que, pour les trouver plus évoluées autour de
l’embouchure du Rio Mira, nous avons appelé "miriennes" (Breuil &
Zbyszewski, 1946, p. 332). Outra peça característica desta região litoral é o Fig. 69
pico, dito "proto-asturiense" por ser considerado mais antigo que os picos do
Asturiense do litoral cantábrico, indústria que, ao contrário do Languedocense,
se encontra melhor definida sob os pontos de vista cultural cronológico e
tipológico, desde a época do seu criador, o conde de la Vega del Sella, no
início do século XX. Picos de pequenas dimensões foram também encontrados
no vale do Tejo, na região de Muge, embalados em areias eólicas fini- ou já
pós-glaciárias (Corrêa, 1940) e na década de 1920, no litoral minhoto, dando
aqui origem a uma designação nova: o Ancorense, nome derivado de Vila
Praia de Âncora, zona onde eram numerosos os achados de uma abundante
macro-utensilagem sobre seixos rolados, sobretudo de quartzito, de que eram
sem dúvida os elementos mais sugestivos (Pinto, 1928).
H. Breuil e G. Zbyszewski pouca atenção dispensaram às peças sobre lasca,
mais difíceis de identificar em recolhas de superfície, as quais, só muito
tardiamente e numa tentativa pouco suportada do ponto de vista crono-
estratigráfico, L. Raposo e A C. Silva, tiveram algum tratamento; a tal
trabalho, apesar das insuficiências apontadas, reconhece-se o mérito de ter
chamado a atenção para a complexidade de abordagem destas produções
líticas (Raposo & Silva, 1984).

Com efeito, peças de técnica e de tipologia languedocense ocorrem em


múltiplas áreas geográficas e contextos, o que retira qualquer significado
cultural ao termo: ainda recentemente se verificou que, no sector do vale do
Guadiana interessado pelos estudos de minimização de impactes
arqueológicos decorrentes da construção da barragem de Alqueva, se

187
© Universidade Aberta
reconheceu a ocorrência de peças de talhe remontante, de tipologia
languedocense em praticamente todas as épocas, desde as da chamada
"Pré-História recente", até às do Paleolítico Antigo, passando pelas do
Paleolítico Superior e Epipaleolítico (Almeida, Araújo & Ribeiro, 2002);
em resumo: o Languedocense corresponde a designação com larga tradição
no quadro da história das investigações portuguesas, devendo o seu uso ser
sempre entendido no estrito âmbito tecno-tipológico mencionado, desprovido
portanto de qualquer significado cultural ou cronológico. Já o termo Mirense,
com uma distribuição geográfica mais restrita ao litoral baixo-alentejano e
algarvio ocidental (costa vicentina) e um âmbito cronológico melhor definido,
responde de modo mais satisfatório aos requisitos para se poder considerar
como um termo com significado cultural próprio, tanto mais que pode ser
directamente relacionado com uma população cujas bases económicas são
conhecidas, como adiante se verá. No nosso país, admite-se que, no estado
actual dos conhecimentos lhe possam corresponder as indústrias de base
macrolítica e de época fini e pós-glaciária da costa sudoeste, representadas
por determinados tipos de artefactos e de técnicas de talhe, incluindo uma
componente sobre lasca a qual, até época recente, foi praticamente ignorada.
É esse conjunto industrial que será caracterizado a seguir.

6.3.1 O Mesolítico do litoral do Baixo Alentejo e costa vicentina

Depois dos intensos trabalhos de campo realizados na década de 1940 acima


referidos nos seus traços gerais, prosseguidos mais tarde, nas décadas de
1970 e de 1980, só em 1985 se iniciaram escavações em extensão numa
estação dita "mirense", designação que, como atrás se referiu, se aplica aos
conjuntos industriais de base macrolítica do litoral baixo alentejano.
De entre os muitos locais promissores, evidenciados por notáveis
concentrações de artefactos macrolíticos à superfície, atribuídos, dada a sua
abundância a "oficinas de talhe" (Zbyszewski, Leitão & North, 1971), avulta
a estação de Palheirões do Alegra, perto do Cabo Sardão (Odemira),
porventura a mais importante das até ao presente localizadas, tendo também
sido a única onde se efectivaram escavações, entre 1985 e 1987 (Raposo,
1994).
O horizonte arqueológico, que se desenvolvia numa vasta extensão sob as
dunas modernas, encontrava-se exposto em grande extensão, em consequência
da deslocação dos corpos dunares pela acção do vento. As concentrações de
materiais lascados in situ, detectadas à superfície, correspondiam a estruturas
de combustão: localizaram-se dezoito dessas estruturas, algumas delas
contendo carvões. Duas datações radiocarbónicas deram os resultados de

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© Universidade Aberta
8400 ± 70 anos BP e 8802 ± 100 anos BP, a que correspondem os intervalos
calibrados para cerca de 95% de probabilidade de, respectivamente, 7543-
-7268 a. C. e 8033-7548 a. C. Foram os primeiros elementos cronométricos
obtidos para toda a vasta região litoral, que, de Sines se estende ao litoral
meridional do Algarve. Estes resultados vieram a situar no Boreal a
correspondente ocupação humana, reforçando a cronologia epipaleolítica que,
desde a década anterior, tinha sido atribuída às referidas indústrias.

O conjunto dos cerca de 33 000 artefactos recolhidos incluía, no capítulo da


macro-utensilagem, as peças consideradas mais características do Mirense:
para além das lascas, obtidas a partir de núcleos, eram abundantes os seixos
talhados, incluindo-se neste conjunto, ainda que em número reduzido, peças
como os discos ou mesmo os machados mirenses.

Mas a principal novidade desta estação foi a identificação de um pequeno


lote de peças de sílex, coevas das anteriores, com características afins do
Magdalenense Final: integram-no raspadeiras de diversos tipos (circulares,
unguiformes, em extremo de lasca ou de lâmina), que é o grupo mais
abundante (17%), os buris (diedros direitos, de ângulo sobre truncatura, etc.),
que atingem 13 %; e as pontas microlíticas de diversos tipos. De notar a
ausência de geométricos, pois apenas se recolheu um trapézio, já fora do
horizonte arqueológico.

A estação dos Palheirões do Alegra demonstrou, de modo concludente, que


a utensilagem de base macrolítica, típica do litoral baixo alentejano, possuía
também uma componente microlítica de sílex, compatível com as indústrias
fini-paleolíticas. Aliás, tal componente tinha sido já assinalada em 1946,
através da identificação de raspadeiras nucleiformes ou circulres e buris de
ângulo, concluindo-se que: "Il n’est pas douteux qu’une influence,
vraisemblablement paléolithique supérieure, est venue ici mêler ses élèments
au fond lusitano-languedocien préexistant" (Breuil & Zbyszewski, 1946,
p. 333, 334).

As raízes paleolíticas desta indústria epipaleolítica foram, mais tarde, demons-


tradas cabalmente (Soares & Silva, 1993). É o caso da estação da Pedra do
Patacho, anteriormente designada por Semáforo de Milfontes, onde H. Breuil
e G. Zbyszewski haviam já recolhido um fragmento de machado mirense e
dois picos de tipo asturiense (Breuil & Zbyszewski, 1946). Apesar de ser
escassa e pouco significativa a indústria lítica ali recolhida ulteriormente –
confinada a lascas expeditas, utilizadas tal e qual – ela afigurava-se adequada
às necessidades da pequena comunidade que, ali sediada sazonalmente,
explorava intensamente os recursos aquáticos existentes ao longo do litoral.
O correspondente território de captação foi reconstituído, tendo presente a
natureza das espécies presentes (lapas, mexilhões, amêijoas, ostras, berbigões,
lamejinhas (Scrobicularia plana) e gastrópodes marinhos (Littorina littorea)

189
© Universidade Aberta
e a posição do nível marinho, estabelecida cerca de 50 a 60 m abaixo do
nível actual, com base em data de radiocarbono obtida sobre conchas, que
depois de corrigida deu o seguinte resultado: 10 400 ± 90 anos BP (Soares,
1995). Trata-se, pois de uma presença litoral que se pode situar no final do
tardiglaciário, Dryas III, de características frias e secas. Tal é a indicação
fornecida pela presença de Littorina littorea, espécie também presente no
concheiro, mais moderno, de São Julião (Mafra), no litoral da Estremadura,
a que já anteriormente se fez referência.
A estação da Pedra do Patacho (ou do Semáforo de Milfontes) é, pois, a
antecessora do final do Palelítico Superior, no litoral baixo alentejano, dos
concheiros que, tanto no Pré-Boreal e Boreal, como no Atlântico, se viriam
a multiplicar na mesma região, à semelhança do verificado no litoral da
Estremadura.
Investigações conduzidas na mesma área por J. M. Arnaud, interessando
pequenos núcleos do mesmo concheiro situados perto do núcleo referido,
permitiram outras datas de radiocarbono, com os seguintes resultados:
10 740 ± 60 anos BP; 10 380 ± 100 anos BP; e 10 450 ± 60 anos BP. Estes
resultados são, de facto, estatisticamente idênticos entre si e ao anteriormente
apresentado.
Em resumo, nos finais do tardiglaciário e nos primeiros tempos pós-glaciários,
as populações que viviam no litoral baixo alentejano possuíam um modo de
vida próprio, baseado essencialmente na recolecção sazonal, e um
instrumental lítico dominado por peças adequadas a tal quotidiano, nas quais
a componente macrolítica era dominante, mas onde persistia, ainda que
discretamente, uma produção microlítica, sobre sílex, de características
fini-paleolíticas.
A produção de machados mirenses, por vezes encontrados em grande quanti-
dade, possibilitou a definição de uma tipologia específica: é o caso da estação
do Monte dos Amantes, Vila do Bispo (Cardoso & Gomes, 1997). Esta
ferramente especializada pressupõe uma economia não apenas baseada na
exploração dos recursos marinhos, mas também voltada para os recursos
terrestres, no caso a exploração de madeiras, propiciadas pelo
desenvolvimento da floresta (com provável destaque para o pinheiro bravo),
no Pré-Boreal e Boreal, que então, à semelhança do verificado no litoral da
Estremadura, também ocuparia manchas significativas ao longo da costa
sudoeste.

Dispõe-se de informação sobre a evolução do coberto vegetal no decurso do


Holocénico na Península de Setúbal e para a planície litoral desde Grândola a
Sines, abarcando a região do Carvalhal e a área das lagoas de Melides e Santo

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© Universidade Aberta
André. Foi possível articular a evolução paleoclimática com o desenvolvimento da
morfologia litoral, além da história do impacte humano o qual, naturalmente, sai
em grande parte do âmbito deste Manual (Mateus, 1992; Queiroz, 1999).

No período entre 10000 e 8000 anos BP, o clima seria mais húmido do que o actual
e, tal como noutras regiões litorais, corresponde-lhe a expansão máxima do pinheiro
bravo (Pinus pinaster), nos interflúvios arenosos não consolidados, o qual substituiu
o pinheiro silvestre, sendo abundante nas terras altas da área do Carvalhal,
desaparecendo ali, gradualmente, depois de 6000 anos BP. O clima seria algo mais
frio que o actual.
Nos vales e substratos mais ricos e consolidados, verifica-se a expansão dos
carvalhais marcescentes (Quercus faginea), constituindo formações extensas até
cerca de 3000 anos BP. Assinala-se a presença de carvalhais decíduos e do vidoeiro
(Betula) associados aos sistemas ribeirinhos, indicando temperaturas mais frias
que as actuais (carácter supramediterrânico).
No período seguinte, ulterior a 8000 anos BP, sucede-se clima mais seco que o do
período anterior, marcado pela expansão regional da vegetação de carácter meso e
termomediterrânico, e pelo acentuar da terrestrialização nas terras baixas palustres,
como a Lagoa Travessa. Cerca de 7650 ± 50 anos BP, a paisagem florestal era
caracterizada pela associação Quercion faginea, Oleo-Ceratonion e pinheiros, com
tendência para estes últimos, na região do Carvalhal, serem substituídos por matos.
As árvores perenifólias esclerófilas ganham terreno (o zambujal, o sobreiral, o
pinhal manso), devido ao aumento progressivo da secura, sendo favorecidas, no
final deste período, pelas comunidades humanas do Calcolítico e, depois, da Idade
do Bronze. Cerca de 6560 ± anos 70 BP, surgem mudanças drásticas na região das
terras altas do Carvalhal, Grândola, onde se desenvolve vasta área de vegetação
aberta composta por matos.
Esta evolução climática e do coberto vegetal foi acompanhada de transgressão
marinha, a qual estabilizou cerca de 5500 anos BP; este período de estabilidade
prolongou-se até cerca de 4150 anos BP; ulteriormente, e já em épocas fora do
âmbito deste capítulo, observou-se alternância de fases regressivas e transgressivas,
até à actualidade.
Neste contexto, os primeiros sinais do impacto humano no desenvolvimento da
vegetação, embora ainda fracos e difusos, datam de há cerca de 6000 anos BP,
sendo testemunhados por um decréscimo ligeiro da cobertura florestal climácica
nos interflúvios. É possível que este primeiro impacto antrópico se relacione com
a actividade humana da desflorestação, como sugerem os machados mirenses acima
mencionados. Na região do Carvalhal, Grândola, foi identificado um primeiro
provável impacto de natureza antrópica na vegetação no Mesolítico Final/Neolítico
Antigo, correspondendo a decrécimo dos quatro principais tipos arbóreos presentes
(Pinus, Quercus decidual, Olea e Alnus), recuperando porém de tal brusca redução
todos os grupos, exceptuando Pinus (Mateus, 1992).

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O concheiro de Samouqueira I (Camada 3), sobre o litoral de Porto Covo, já
do Atlântico, corresponde ao sítio mais moderno com machados mirenses, o
que não deixa de ser interessante se se admitir que tais artefactos serviriam
sobretudo para o abate de árvores e o ulterior trabalho da madeira; uma datação
deu o resultado de 7140 ± 70 anos BP, a que corresponde o intervalo, calibrado
para cerca de 95% de probabilidade, de 6117-5833 a. C. (Soares & Silva,
2003). Nesta estação, foram escavados restos de dois esqueletos humanos
cujas características se afiguram próximas do conjunto da Moita do Sebastião,
apesar de as condições paleoambientais serem muito diferentes (Lubell &
Jackes, 1985). Um dos restos humanos, datado de 6370 ± 70 anos BP,
corresponde ao intervalo, calibrado para cerca de 95% de probabilidade, de
5480-5220 a. C., o qual se sobrepõe, cronologicamente, à presença de
populações já neolitizadas na região; com efeito, a referida data parece ser
demasiado tardia para um contexto mesolítico, razão pela qual foi considerada
como neolítica (Soares & Silva, 2003), situação que é corroborada pela
estratigrafia; as diversas modificações patológicas patentes nos restos ósseos,
atestam fortes limitações na marcha e no dia-a-dia, indicando uma sociedade
que podia manter indivíduos que pouco ou nada contribuíam para a subsistência
do grupo, bem pelo contrário.

No estado actual dos conhecimentos, o padrão demográfico dominante no


Pré-Boreal e Boreal deste trecho litoral, parece corresponder a pequenos
sítios de estacionamento temporário e recorrente, ao longo de centenas de
anos, situação ilustrada no já mencionado acampamento de Palheirões do
Alegra, conforme sugerem as duas datações obtidas, que se encontram
separadas por um intervalo de algumas centenas de anos. A esta estação
podem juntar-se outras, igualmente datadas, como os concheiros de Montes
de Baixo e do Castelejo, que foram ocupados na transição para o período
Atlântico e no decurso deste, ulterior a 7500 anos BP (Silva & Soares, 1997).

As características sazonais da ocupação do concheiro de Montes de Baixo,


Odesseixe, cuja primeira ocupação datada (existem outras, mais antigas,
provavelmente pertencentes ao Boreal) remonta ao início do período
Atlântico: 7530 ± 70 anos BP, correspondente ao intervalo de 6461-6183 a.
C., para uma probabilidade de cerca de 95%, encontra-se evidenciada pela
presença do ouriço do mar, cujas gónadas atingem a maturidade no final do
Inverno, inícios da Primavera; tal não significa, porém, que fosse essa a única
época de ocupação do sítio, no ciclo anual.

O concheiro de Castelejo situa-se já no litoral ocidental algarvio, no concelho


de Vila do Bispo. A fauna recolhida revela duas estratégias de subsistência:
assim, enquanto que, nos níveis mais antigos, cuja data mais recuada é
7970 ± 60 anos BP (intervalo calibrado de 7039-6605 a. C., para cerca de
95% de probabilidade) são abundantes as conchas de lapa e de gastrópodes
marinhas (Monodonta lineata), associados a raros ossos de mamíferos,

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sobretudo coelho e a restos de peixes, nos níveis médios, já claramente do
período Atlântico, datados a partir de 7450 ± 90 anos BP (intervalo calibrado
de 6452-6048 a. C., para cerca de 95% de probabilidade), e até 7170 ±
70 anos BP, a fauna está exclusivamente representada por restos de
invertebrados marinhos, predominando as conchas de lapas e de mexilhão.
Assim, de uma exploração de banda larga de recursos (caça, pesca e
recolecção), evoluiu-se para uma actividade especializada, só de recolecção,
no decurso da ocupação recorrente do concheiro, verificada ao longo de cerca
de 500 anos (Silva & Soares, 1997).

Também o concheiro de Armação Nova, junto do cabo de São Vicente, cuja


cronologia é próxima dos níveis médios do concheiro anterior (Soares &
Silva, 2003), evidencia uma hiperespecialização no crustáceo cirrípede
Pollicipes cornucopia (percebe). Trata-se, pois, de acampamentos sazonais,
articulados com acampamentos de base situados mais para o interior, como
o concheiro de Fiais, Odemira.

Pode, assim, concluir-se que, no decurso do Atlântico, na costa sudoeste,


prosseguiu a exploração dos recursos costeiros, a par da dos recursos terrestres
e cinegéticos, pertencendo a este período mais de uma dúzia de sítios
reconhecidos entre o cabo de Sines e o de São Vicente, correspondendo a
mais de 100 km de costa, com penetrações para o interior, ao longo do rio
Mira.

No vale daquele rio, destaca-se o já referido concheiro de Fiais, Odemira


(González Morales & Arnaud, 1990), actualmente a cerca de 10 km do litoral,
no limite de uma zona planáltica com altitudes próximas de 100 m. As oito
datações pelo radiocarbono obtidas, situam a respectiva ocupação entre
7010 ± 70 anos BP e 6180 ± 110 anos BP, a que correspondem os intervalos
calibrados, para cerca de 95 % de probabilidade de, respectivamente 6075-
-5668 a. C. e 5321-4836 a. C. As escavações evidenciaram zonas especiali-
zadas na preparação de peças de caça, cuja importância é sublinhada pelos
milhares de restos de veado, javali, corço e auroque encontrados, alguns
deles ainda em posição anatómica. O espectro faunístico identificado aponta
o veado como a espécie mais abundante (70%), seguido do javali (14%),
corço (10%) e auroque (6%). A estes, soma-se uma grande variedade de
recursos aquáticos (marinhos e estuarinos), indicando um local de estaciona-
mento peri-anual, correspondente a uma exploração de largo espectro de recursos
naturais, consoante a época do ano. Tratava-se, pois, de um acampamento de
base, implantado estrategicamente em zona de écotono, entre o litoral e o
interior do território.

Esta estação do período Atlântico dever-se-ia articular com outros sítios, de


ocupação mais episódica, situados mais perto do litoral: é o que parece sugerir
o concheiro do Vidigal, cuja ocupação foi coeva do anterior: 6640 ± 90 anos

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BP e 6030 ± 180 anos BP (a que correspondem os intervalos calibrados de
5668-5348 a. C. e 5330-4510 a. C., para cerca de 95% de probabilidade),
respectivamente para a camada basal e para os níveis médios do concheiro.
Situado a 1 km do mar e a 10 km a norte do estuário do Mira, a sazonalidade
na ocupação deste sítio parece mais evidente: uma análise dos anéis de
crescimento das vértebras de peixe sugeriu que a pesca era sobretudo
efectuada nas estações quentes, Verão e Outono (Arnaud, 2002).
Ocasionalmente, eram capturados, por ordem de importância na alimentação,
veados, auroques e javalis (Straus, Altuna & Vierra, 1990). Outros concheiros,
implantados junto do litoral, como o de Samouqueira I (Camada 3), já referido,
junto a Porto Covo, parecem identificar-se com as características do concheiro
de Vidigal: seriam sítios de ocupação sazonal, do período Atlântico,
funcionalmente idênticos aos do litoral vicentino, explorando sobretudo os
recursos aquáticos, no decurso de uma parte do ano. Assim sendo, o modelo
demográfico, na região basear-se-ia, tal como no extremo sudoeste, em
acampamentos-base, situados mais para o interior, onde se encontra
documentada a caça de grandes mamíferos, tal como nos concheiros dos
vales do Tejo e nalguns dos do Sado (auroques, cabra montês, javali e veado,
são os mais importantes) e sítios de ocupação sazonal, e de carácter
especializado, junto ao litoral.

Veremos que, no Neolítico Antigo, o padrão de ocupação humana definido


no Mesolítico na costa sudoeste é insensivelmente continuado, sem quaisquer
evidentes indícios de ruptura.

6.3.2 O Mesolítico do vale do Guadiana

Trata-se de região onde Abel Viana, na década de 1940, tinha procedido a


numerosas recolhas de seixos afeiçoados, em especial a jusante do Ardila, a
maioria integrável no conjunto "languedocense" das indústrias macrolíticas
fini e pós-paleolíticas em apreço. Trata-se de colheitas de superfície, que
não mereceriam particular destaque, não fosse a escavação recente de um
local ter proporcionado elementos crono-estratigráficos e faunísticos: com
efeito, o sítio da Barca do Xerez de Baixo, Reguengos de Monsaraz (Almeida,
Araújo & Ribeiro, 2002; Araújo & Almeida, 2003), proporcionou a
identificação de estratigrafia, com evidência de um nível arqueológico com
termoclastos, carvões, ossos queimados e estruturas de combustão e de uma
associação lítica incluindo núcleos, lascas, lamelas, lâminas e esquírolas,
num total de 341 artefactos. Trata-se de associação constituída por materiais
macrolíticos, com a quase ausência de elementos leptolíticos, a que se juntam
restos faunísticos (cavalo e veado). Uma datação deu o resultado de 8640

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± 50 anos BP, a que corresponde o intervalo calibrado para cerca de 95% de
probabilidade, de 7883-7535 a. C., resultado que vem, uma vez mais,
confirmar a anterioridade das indústrias de base macrolítica, a par das do
litoral minhoto e da costa sudoeste (o Ancorense e o Mirense), face às
indústrias mesolíticas dos concheiros do Tejo e do Sado: nestas, a componente
microlítica e geométrica dominante, muito embora também ocorram, tal
tipo de peças, como se referiu a propósito dos concheiros de Muge.

6.3.3 O Mesolítico do litoral minhoto

A realidade cultural definida na costa sudoeste e corporizada pelo Mirense,


tem provável equivalente, no litoral minhoto, numa indústria definida por
Rui de Serpa Pinto, em 1928 e por ele designada de Ancorense, derivada de
Vila Praia de Âncora, em cujas imediações se recolheram abundantes
testemunhos, ao longo do litoral (Pinto, 1928). Nos anos seguintes, o seu
criador haveria de manter justificadas dúvidas sobre a cronologia destas
indústrias de base macrolítica, tendo presente a falta de sequências
cronoestratigráficas resultantes de um programa de pesquisas geológicas de
terreno. Tal realidade motivou evidentes indefinições quer quanto ao estatuto
de tais indústrias, quer quanto à respectiva cronologia, em parte resultante
de, na maioria dos casos, serem recolhas fora de contexto, nas praias actuais,
com a mistura de peças de épocas muito distintas, resultante da erosão dos
depósitos onde jaziam, pelas acções naturais, das vagas e também das
resultantes da actividade humana. Tais dúvidas não vieram a ser
satisfatoriamente resolvidas, embora tivessem sido vários os pré-historiadores
portugueses que sobre o assunto se debruçaram. Para a maioria, era ponto
assente serem as indústrias do litoral minhoto mais antigas que as do litoral
asturiano: daí a designação de pré-asturienses (ver, por exemplo, Jalhay,
1933a); com efeito, estabeleceu-se, na opinião de diversos investigadores,
ainda que por razões hoje desprovidas de significado, que tais indústrias
teriam resultado de uma migração de sul para norte, ao longo do território
peninsular e, em particular, da sua fachada ocidental: tal era a opinião de E.
Jalhay e de Mendes Corrêa (Corrêa, 1940), influenciando, por essa via, a
posição adoptada por Breuil e Zbyszewski, ao designarem os picos por eles
recolhidos na costa sudoeste de "pré-asturienses". Considerando que as
indústrias do litoral cantábrico, que representavam o Asturiense, eram
mesolíticas, pois assentavam directamente sobre os níveis azilienses, as
portuguesas teriam, com grande probabilidade uma idade paleolítica. Tal
posição era defendida mais claramente por H. Breuil e seus colaboradores (Breuil
et al., 1962): ao estudarem os materiais da importante estação de Carreço,
Viana do Castelo, consideraram uma filiação directa das indústrias de base
macrolítica das séries mais recentes no Acheulense: trata-se do

195
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Languedocense, termo que como se viu, não tem actualmente significado
cronológico-cultural, o qual se prolongaria por épocas pós-paleolíticas; é
Fig. 70 significativa, a seguinte passagem a tal respeito:
Les pièces proto-asturiennes, notamment certaines formes de pics,
apparaissent dès l’Acheuléen ancien, antérieur à la mer tyrrhénienne
(interglaciaire Mindel-Riss) quoique très rares encore à cette époque.
Ces pièces se multiplient progressivement. Elles ne sont pas encore très
fréquentes au début du Languedocien, quoiqu’on en trouve un certain
nombre à l’état roulé dans les dépôts grimaldiens (interglaciaire
Riss-Würm).
Elles deviennent par contre très abondantes dans les industries rollées par
la mer flandrienne à laquelle elles sont nettement antérieures." (op. cit.,
p. 128).

Não espanta, pois, na sequência da linha de investigações já claramente


delineada desde 1928 por Joaquim Fontes, que trabalhos de cronostratigrafia
fina, exigindo escavações nos sítios arqueológicos mais promissores, levados
a cabo por J. Meireles, G. Soares de Carvalho e F. S. Lemos, conduzissem a
resultados que desenvolveram a essência das concepções de H. Breuil e
colaboradores, a saber: a integração fini-paleolítica das indústrias por este
designadas como languedocenses; e a descendência das mesmas do
Acheulense regional. Assim, dos trabalhos de campo produzidos, resultaram
conclusões que foram sendo progressivamente afinadas e precisadas: em 1982,
J. Meireles referia que, dos trabalhos arqueológicos efectuados na estação
paleolítica de Vila Praia de Âncora, tinha resultado a identificação de "três
unidades lito-estratigráficas contendo instrumentos líticos" (Meireles, 1982,
p. 59), sem contudo se arriscar a precisar a respectiva idade.
Mais tarde, em estudo de síntese dos avanços entretanto conseguidos, ao
mesmo tempo que se negava a validade do termo "Languedocense", referia-
-se que o designativo de Asturiense se deveria reservar unicamente para a
região cantábrica; enfim, mencionava-se a posição estratigráfica claramente
definida e aparentemente in situ de uma indústria lítica, que associa a uma
macro-utensilagem, constituída essencialmente por seixos afeiçoadas unifaciais,
seixos afeiçoados bifaciais e picos, uma desenvolvida utensilagem sobre lasca,
perfeitamente individualizada (Carvalho, Meireles & Lemos, 1983-1984,
p. 17), embora ainda nada se avançasse quanto à respectiva integração cultural.
Mais tarde, J. Meireles reafirma as mesmas conclusões (Meireles, 1986),
mantendo-se a indefinição de integração crono-estratigráfica das indústrias
em causa, sem prejuízo de se terem identificado, em estratigrafia, materiais
acheulenses, mais antigos, na jazida do Forte do Cão. Esta seria concretizada
pelo próprio, anos volvidos. Assim, foi possível identificar em depósitos
atribuíveis a uma fase de degradação climática do último período glaciário
(por certo posterior a 20 000 anos BP) uma indústria in situ constituída, ao

196
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nível da macro-utensilagem, por abundantes seixos talhados unifaciais e picos,
igualmente de talhe unifacial, bilateral convergente e/ou sub-paralelo,
acompanhada de utensilagem sobre lasca em proporções idênticas (Meireles,
1994). Caracterizada tal indústria do ponto de vista tecno-tipológico e definido
com adequado rigor o seu enquadramento regional, o autor considerou
estarem, pela primeira vez, reunidas as condições para se aplicar com
propriedade o termo Ancorense, que assim passará a designar uma indústria
do Paleolítico Superior do litoral minhoto, com suposta origem no Acheulense
regional, e com perdurações tardias, representadas pelas indústrias recolhidas
in situ em formações mais modernas, fini ou já pós-paleolíticas.

Estas conclusões eram já anunciadas pelo próprio em trabalho anterior,


conjuntamente com J.-P. Texier (Texier & Meireles, 1987), ao associarem as
indústrias com picos do tipo "Asturiense" ao Würm antigo e ao Würm recente,
na imediata continuidade das indústrias acheulenses regionais, com bifaces
e "hachereaux", do Riss Superior.

Uma última observação sobre as indústrias do litoral minhoto prende-se com


a respectiva funcionalidade: a correlação clássica entre picos e os
mariscadores, que assim os utilizavam exclusivamente para a extracção de
moluscos do litoral rochoso (lapas, mexilhões) foi questionada, entre outros,
por E. Jalhay, que sem negar a sua utilização à colheita de mariscos, aponta
a utilização no trabalho da madeira (Jalhay, 1933 b), tal como acontecia, no
sul, com os machados mirenses, aqui completamente desconhecidos.

6.3.4 O Mesolítico em outras regiões do país

Como já anteriormente se referiu, as indústrias macrolíticas fini- e pós-


glaciárias de seixos talhados são muito abundantes em diversas áreas
geográficas do interior do território para além das mencionadas, com destaque
para o vale do Tejo, em virtude da abundância de matéria prima disponível,
sob a forma de seixos de quartzito, de boa qualidade. Com efeito, crê-se que
a sua produção assumiu frequentemente um carácter oportunista, resultante
de tarefas simples, que seriam efectuadas por artefactos fáceis de fabricar,
sendo rapidamente abandonados, finda a necessidade para a qual foram
criados. Tal facto explica assim a sua abundância, sempre nas imediações de
fontes de matéria-prima, correspondentes a cascalheiras quartzíticas, tanto
quaternárias como mais antigas.

A já aludida falta de enquadramento estratigráfico adequado, por se tratar de


recolhas superficiais (em certos casos em conexão com depósitos pedológicos
ou dunares holocénicos do litoral, como se verifica na estação da Ponta do

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Cabedelo, Costa da Caparica) se, por um lado, impede que se lhes atribua
um significado arqueológico específico, não deixa, por outro, de lhes sublinhar
a relativa modernidade.

A única excepção a esta generalizada indefinição, corresponde à estação do


Prazo (Vila Nova de Foz Côa), recentemente descoberta.

Com efeito, no interior do país, é praticamente desconhecida a ocorrência de


indústrias mesolíticas de base geométrica. Esta realidade pode dever-se a
duas ordens de razões: por um lado, a ausência efectiva de povoamento fora
da área litoral e dos estuários dos principais rios; por outro, à falta de
investigação direccionada para a identificação de estações mesolíticas, que,
tal como as do Paleolítico Superior ou do Neolítico Antigo, requer a
constituição de equipas especializadas na prospecção de testemunhos que, a
maior parte das vezes, se não evidenciam facilmente no solo. Provavelmente
ambas as explicações são válidas; contudo, recentes desenvolvimentos
parecem dar mais razão à última (sem invalidar a anterior), como se deduz
da identificação da estação do Prazo, Freixo de Numão. Ali, reconheceu-se
uma presença mesolítica do período Atlântico, sucedendo-se a presenças
anteriores dos períodos Pré-Boreal e Boreal, correspondentes à ocupação do
local por grupos de caçadores recolectores do início do Mesolítico
(Monteiro-Rodrigues & Angelucci, 2004). A ocupação mesolítica mais
moderna com uma utensilagem sobre rochas de origem local, de quartzo e
quartzo hialino), incluindo micrólitos trapezoidais, foi datada pelo
radiocarbono em 7353 ± 50 anos BP, correspondente ao intervalo, calibrado
para cerca de 95 % de confiança, de 6351-6020 a. C. (Monteiro-Rodrigues,
2000). Mesmo que este resultado não se tenha em conside-
ração, por eventual influência do efeito de "madeira fóssil", envelhecendo
artificalmente a ocupação arqueológica, outras datas, igualmente do contexto
mesolítico (camada 4 a), embora mais recentes que a anterior, apontam, de
qualquer modo, para um hiato de cerca de 800 anos face às datas obtidas
para a ocupação neolítica sobrejacente; os valores obtidos foram: 6710
± 50 anos BP e 6950 ± 50 anos BP, correspondentes aos seguintes intervalos
calibrados, para cerca de 95% de probabilidade: 5710-5531 a. C. e
5971-5727 a. C. sendo, por conseguinte, coevas das ocupações dos concheiros
do Tejo e do Sado, já anteriormente estudados. A utensilagem desta presença
mesolítica não difere, significativamente, das características do conjunto
neolítico, sugerindo uma continuidade cultural, de carácter regional..

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III. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A III Parte do Programa refere-se à origem e desenvolvimento das sociedades


camponesas, assunto que se situa cronologicamente entre meados do VI
milénio a. C e os finais do IV/inícios do III milénio a. C. A diversidade e
quantidade da informação arqueológica correspondente aumenta
exponencialmente, quando comparada à da parte anterior do Programa. Esta
situação impõe alguma disciplina na definição de objectivos, procurando
separar o que "é preciso" saber, do que é meramente acessório, na perspectiva
desta disciplina. Crê-se necessário que se retenham os seguintes objectivos
como fulcrais desta aprendizagem:
- os diversos modelos desenvolvidos para explicar o fenómeno da
neolitização no território português. A discussão respectiva deverá
fazer uso comparado: da cronologia absoluta e distribuição geográfica
das ocorrências; das características de implantação dos sítios habitados
e seu significado (sazonal ou permanente), face às dos sítios
mesolíticos anteriormente existentes nos mesmos biótopos; e do
respectivo registo arqueológico, com destaque especial para a tipologia,
técnicas e padrões decorativos das cerâmicas, que têm sido valorizadas
no estabelecimento de sequências cronológico-culturais (diferenciação
entre o Neolítico Antigo Cardial e o Neolítico Antigo Evolucionado).
O restante registo material não pode ignorar-se: importa conhecer os
padrões tecno-tipológicos da indústria lítica (de modo a caracterizar a
continuidade/substituição das indústrias mesolíticas antecedentes,
além da existência de diferenças regionais com incidências culturais),
bem como a utensilagem de pedra polida (utilizada na desflorestação
e no amanho da terra) ou os ecofactos, susceptíveis de confirmar a
prática da agricultura (sementes), além da presença de animais
domésticos, que são conhecidos logo desde os primórdios do Neolítico;
- as transformações sociais decorrentes da adopção progressiva de uma
agricultura permanente, substituido a agricultura incipiente, ou
itinerante, dos primeiros tempos neolíticos, culminando com a adopção
de inovações tecnológicas ainda no final do IV milénio a. C. – a
chamada Revolução dos Produtos Secundários – que conduziu ao
incremento da sedentarização das populações em torno dos locais
habitados, circundados por territórios que foram sendo,
progressivamente, objecto de investimentos colectivos cada vez
maiores, por deles depender, de forma também crescente, o sustento
de toda a comunidade;
- a compreensão da emergência e plena afirmação do fenómeno
megalítico. A abordagem deste assunto passa, por um lado, pela análise
do sistema de povoamento, resultante de aspectos económicos: a

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crescente complexidade social e o aumento demográfico é susceptível
de se poder relacionar com o tamanho dos monumentos megalíticos e
com a diversidade e significado dos espólios funerários respectivos.
Trata-se de compreender a própria diferenciação social emergente, a
qual, naturalmente, revestiu aspectos particulares nas diversas áreas
geográficas do actual território português. Importa, deste modo, que se
tenha adquirido uma noção geral das características da evolução
arquitectónica dolménica nas áreas onde o fenómeno se encontra
estudado, em particular no Baixo Alentejo litoral; em Reguengos de
Monsaraz; na Beira Baixa e na Beira Alta; e na região do Douro litoral
(serra da Aboboreira, Amarante), sem esquecer outros núcleos
dolménicos (Alto Algarve Oriental (Tavira, Alcoutim); Monchique;
Coruche, Montemor-o-Novo, Arraiolos, Pavia, Évora, Ponte de Sor;
Elvas; Crato-Nisa; Beira Litoral (distrito de Aveiro); Minho e diversas
áreas transmontanas.

Importa igualmente atender ao megalitismo não funerário (menires isolados


e cromeleques), no universo simbólico das sociedades camponesas, seu
significado e distribuição geográfica das principais ocorrências. Daquele
universo também fazem parte outro tipo de sepulcros, como as grutas naturais
e artificiais (sobretudo na Estremadura), cujo conhecimento, incluindo os espólios
funerários, importa ter presente. Alguns rituais funerários foram reconstituídos
com base no registo material: tumulações primárias e secundárias, rituais de
descarnação dos cadáveres e utilização do ocre vermelho: as principais
ocorrências devem ser conhecidas. A arte destas sociedades, em rápida
evolução, pode revestir, também, diversas facetas: santuários ao ar livre (Côa
e Tejo), arte megalítica (menires e estelas-menires), insculturas e pinturas
em dólmenes e santuários rupestres: deve o aluno preocupar-se em ter de
cada um destes temas uma noção geral quanto às características e natureza
dos elementos representados e seu provável significado, a cronologia absoluta
e a respectiva distribuição geográfica.

Como actividades favoráveis à consolidação dos conhecimentos adquiridos,


podem referir-se, entre outras, as seguintes:

- modelos comparados de povoamento no Neolítico Antigo e no


Neolítico Final da Estremadura e do Sul do país;

- tentativas de estabelecimento de correlação, à escala regional, entre


povoados e dólmenes: exemplos do território português;

- aspectos da evolução da arquitectura megalítica, proposta para a região


do Baixo Alentejo litoral e sua correlação com a evolução dos espólios
funerários; cronologia absoluta e integração cultural. O mesmo
exercício pode ser aplicado à região megalítica de Reguengos, à região

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da Beira Baixa, à Beira Alta ou à necrópole polinucleada da serra da
Aboboreira (Amarante);

- grutas artificiais da Estremadura utilizadas como necrópoles: principais


ocorrências, arquitecturas, rituais funerários, espólios e sua integração
cronológica-cultural; o mesmo exercício pode ser aplicado às
necrópoles em grutas naturais da mesma região;

- arte dolménica: definição do conceito, significado, distribuição geográ-


fica, integração cronológico-cultural;

- elaborar uma síntese sobre a circulação de matérias-primas no


Neolítico Final no Centro e Sul do território português e sua incidência
nos processos de interacção cultural então estabelecidos;

- evidências arqueológicas da Revolução dos Produtos Secundários no


Neolítico Final e consequências económicas, sociais e nos sistemas
de povoamento.

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7. O Neolítico Antigo

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7.1 Estremadura e sul do país

Para explicar a génese e desenvolvimento do Neolítico no território português


têm-se apresentado, nos últimos anos, diversas teorias, baseadas em evidências
materiais que, sendo essencialmente as mesmas, foram perspectivadas de
modos diferentes; no âmbito da investigação portuguesa, a evidência material
reunida nos últimos anos, deu origem a dois modelos distintos, que
sinteticamente podem designar-se como indigenista e difusionista.

A sua validação tem-se confrontado especialmente na zona litoral meridional


do país (Baixo Alentejo e barlavento algarvio). Tal como em outras regiões
da bacia mediterrânea, os seus aspectos fundamentais podem resumir-se do
seguinte modo:

1. o modelo difusionista postula a colonização por via marítima de


territórios localizados e bem circunscritos, por parte de pequenas
comunidades portadoras da agricultura e de animais domésticos; estes
núcleos, por sua vez, serviriam como pólos difusores de tais
"novidades" à escala regional, do que resultaria a progressiva ocupação
de outros domínios geográficos;

2. o modelo indigenista defende, ao contrário, a gradual aculturação de


populações mesolíticas, expressa pela aquisição, por parte destas, de
novas tecnologias produtivas. Assim garantiriam sua própria sobre-
vivência, colmatando prováveis carências alimentares, devidas
eventualmente a alterações ambientais, ou a um excesso demográfico
através da adopção, após prévia aprendizagem, do complexo processo
de produção de elementos, tanto de origem vegetal como animal.

Saliente-se que as duas vias não são incompatíveis; a simples realidade de


terem provavelmente coexistido, na referida área geográfica, as duas maneiras
de viver, durante cerca de meio milénio, mostra bem que as modalidades da
sua substituição, serão bem mais complexas do que a simples evidência dos
factos de observação sugere. O modelo indigenista não contradiz a
possibilidade de populações em estádios culturais mais avançados poderem,
em condições favoráveis, desenvolverem práticas de pura recolecção, sem
por isso se poderem considerar "mesolíticas"; ou seja, a adopção do novo
sistema económico não foi linear, ou monofilético, existindo recorrências e,
além disso, ritmos de neolitização diferentes.

O modelo indigenista, desenvolvido por C. Tavares da Silva e por Joaquina


Soares, tendo como área experimental de observações a costa sudoeste, mas
que nada impede poder ser estendido a outras áreas geográficas, pressupõe,
como essencial ao processo de mudança, a dinâmica interna inerente às
próprias populações residentes, as quais teriam adoptado as inovações

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associadas à neolitização de modo progressivo, segundo ritmo próprio, ditado
pela própria necessidade. As condicionantes que conduziram à adopção, por
parte destas populações, de uma economia de produção, teriam sido
essencialmente de ordem endógena. Podem ser invocados factores como o
crescimento demográfico em regime de sedentarização acentuada, como era
aquele que caracterizava as populações do final do Mesolítico, que, contudo,
circulariam entre acampamentos de base peri-anuais e acampamentos
sazonais, junto ao litoral; nos vales do Tejo e do Sado, dadas as maiores
distâncias que as separavam da costa atlântica o estacionamento seria ainda
mais estável. Tais circunstâncias teriam conduzido a uma pressão crescente
sobre os recursos natuais potencialmente disponíveis na respectiva área de
captação envolvente, os quais, por seu turno, devido à transgressão flandriana,
teriam sofrido assinaláveis modificações e talvez mesmo uma redução
significativa, devido às áreas ribeirinhas terem sido então rapidamente
inundadas, com a colmatação progressiva dos vales e dos estuários por
sedimentos finos, tornando impraticáveis algumas actividades recolectoras
até então ali realizadas. Teria existido, pois, uma ruptura
demográfico-ecológica (Soares, 1996) na origem da nova ordem económica.
Neste sentido, tal realidade teria conduzido à apropriação, por parte destas
populações em "stress" alimentar, de elementos tecnológicos exógenos, então
em rápida circulação pelo sul do continente europeu: a adopção da
domesticação de certas espécies (ovelha, boi) e de plantas (cereais, como o
trigo e a cevada) seria acompanhada de novos artefactos (machados, enxós),
fazendo uso de novas tecnologias, como o polimento da pedra, para além
das produções cerâmicas, até então desconhecidas. Em suma: a assimila-
ção/adopção das novidades do chamado "pacote" neolítico terá sido motivada,
segundo a autora, por um desequilíbrio demográfico/ecológico o qual já vinha
de trás, explicando-se deste modo a economia de largo espectro do Mesolítico
tardio, com a exploração intensiva dos recursos marinhos, a que anteriormente
pouco se recorria.

Tais adopções ter-se-iam dado paulatinamente, apenas na medida em que


elas se revelassem úteis ou necessárias à vida das comunidades, que,
progressivamente, as incorporaram no seu quotidiano. Naturalmente, para
que tal fosse possível, seria necessário a existência de contactos inter-grupos,
por um processo não completamente explicado (exogamia?), mas que
privilegiaria a transmissão de tais "novidades" por transmissão através dos
contactos estabelecidos entre sucessivos grupos vizinhos, em estádios de
desenvolvimento semelhantes (difusão por osmose).

Em abono da validade deste modelo, pode ser invocada a aparente


continuidade do modo de vida patente nalgumas das primeiras comunidades
neolíticas face às suas antecessoras mesolíticas. É o caso do concheiro de
Medo Tojeiro (Odemira), correspondente a um estacionamento sazonal junto

208
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à costa, onde se evidenciou uma economia de curto espectro, da qual estavam
completamente ausentes quaisquer vestígios da domesticação animal e da
agricultura, visto as bases de subsistência serem exclusivamente de origem
marinha (Silva, Soares & Penalva, 1985; Soares, 1995) . A recolha de um
machado de pedra polida e de elementos cerâmicos, é compatível com uma
data de radiocarbono obtida: 6440 ± 140 anos BP. Este estacionamento
temporário pode-se correlacionar com o acampamento de base de
Samouqueira, estação que comporta dois núcleos, um mesolítico
(Samouqueira I), outro já do Neolítico Antigo (Samouqueira II); entre ambos,
transparecem mais continuidades do que rupturas (Soares, 1995). Deste modo,
estar-se-ia, segundo a referida autora, perante um modo de vida e de economia
em tudo comparável ao vigente no Mesolítico Final, no qual as bases de
subsistência – caça, pesca e recolecção – foram sendo gradualmente
substituídas por uma agricultura muito incipiente e pela criação de gado.
Prova de que a transição não foi linear, segundo um modelo estritamente
evolucionista, é a sobreposição cronológica observada na referida região entre
as estações onde se evidenciou um modo de vida estritamente mesolítico e
as primeiras comunidades neolíticas: no núcleo mesolítico de Samouqueira
I, encontraram-se dois esqueletos humanos, de cronologia já neolítica
(Camada 2, sobreposta à Camada 3, claramente mesolítica), cujo estudo
evidenciou a ausência de rupturas biológicas face às cracterísticas dos seus
homólogos neolíticos do concheiro da Moita do Sebastião; por outro lado, a
já atrás mencionada presença de indivíduos com graves limitações físicas,
pressupõe uma comunidade semi-sedentária, com laços fortes, cimentados
pelo parentesco, entre os seus membros, que antecedeu a emergência na região
do Neolítico Antigo. Tais indícios sugerem que as comunidades da transição
do Mesolítico para o Neolítico Antigo da costa sudoeste conheceram uma
apreciável redução da sua mobilidade territorial, baseada provavelmente em
núcleos familiares constituídos por sete a oito indivíduos (Soares, 1995).

Acampamentos de base mesolíticos como a Samouqueira I exibem, por outro


lado, apreciáveis semelhanças com outros acampamentos de base do Neolítico
Antigo, dos quais o mais paradigmático é o de Vale Pincel I (Sines), onde se
recolheram fragmentos de cerâmicas com decoração cardial, consideradas
dos primórdios do Neolítico Antigo. De facto, as datas de radiocarbono
obtidas, publicadas por J. Soares em 1997, fariam de Vale Pincel I uma das
estações mais antigas conhecidas do Neolítico Antigo do território português:
6700 ± 60 anos BP. Por tal motivo, a sua correlação com a ocupação neolítica
do sítio foi ulteriormente questionada (Zilhão, 1998), autor que já anterior-
mente tinha refutado todo o modelo atrás exposto de J. Soares: para João
Zilhão, todos os sítios mencionados como neolíticos por J. Soares, sejam
acampamentos de base (Samouqueira I) sejam os concheiros considerados
sazonais, formados junto do litoral (Medo Tojeiro, Vidigal), são na verdade
mesolíticos, correspondendo-lhes datas entre 7000 e 6000 anos BP, e. deste

209
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modo, globalmente contemporâneos dos concheiros mesolíticos do vale do
Sado. Por outro lado, as mais antigas presenças neolíticas verificadas nessas
duas áreas – Sado e litoral alentejano – seriam já epicardiais, ou seja,
documentadas por cerâmicas decoradas mais recentes que as decoradas pela
aplicação do bordo da concha de Cardium (berbigão), sem embargo de,
esporadicamente, estas também ocorrerem (Zilhão, 1997).
Fig. 89
Na verdade, este autor tem defendido um modelo totalmente diferente para
explicar a emergência das comunidades neolíticas no território português,
baseado na difusão não apenas de novos materiais (pedra polida, cerâmica) e
de novas tecnologias (a domesticação de plantas e de animais), como na
presença das próprias populações exógenas, suas portadoras. Esta discussão
aliás, não se iniciou na década de 1990: já nos inícios da década anterior, J.
Morais Arnaud, ao discutir o processo de transição do Mesolítico para o
Neolítico no vale do Sado e no litoral alentejano, ou seja, da mudança do
trinómio caça-pesca-recolecção para a fórmula que aos três itens se adicionou
a pastorícia e a agricultura (pois se tratou de uma adição, não de uma
substituição), tinha equacionado as duas perspectivas, sem, contudo, optar
por qualquer delas. O autor não deixa, de assinalar a presença, logo nas
camadas basais do concheiro das Amoreiras, no vale do Sado, de vários
fragmentos de cerâmicas cardiais; as duas datas de radiocarbono obtidas,
são estatisticamente idênticas, situando tal ocupação em torno de 5990
± 75 anos BP (data que calibrada para cerca de 95% de confiança corresponde
ao intervalo de 5060-4720 a. C.) (Arnaud, 2002). Tal realidade leva a admitir
uma convivência da comunidade mesolítica sediada no concheiro com as
populações neolíticas, existentes nas áreas circundantes. Com efeito, a
presença de recipientes cerâmicos em ambientes plenamente mesolíticos pode
significar, simplesmente, uma simples transferência de tecnologia, sendo certo
que as populações mesolíticas, nas centenas de anos anteriores, já tinham
necessidade de efectuar o armazenamento de produtos; o vasilhame cerâmico
seria, deste modo, de utilização imediata, sem ser acompanhado de outros
itens do "pacote neolítico", que, na verdade, ainda não seriam necessários,
às populações sediadas nos concheiros.

Também significativa, deste ponto de vista, é a presença abundante de


cerâmica no nível médio do concheiro do Cabeço do Pez (Alcácer do Sal),
aparentemente associada à indústria mesolítica (Santos, Soares & Silva, 1974),
mas de onde se encontram ausentes os animais domésticos, indicando um
modo de vida estritamente mesolítico, visto também não terem sido
encontradas evidências directas da actividade agrícola. Esta situação é tanto
mais de salientar quanto é certo ter-se a ocupação do referido concheiro
desenrolado entre 5200-4790 a. C. e 5440-5080 a. C. (6050 ± 70 anos BP e
6350 ± 80 anos BP, respectivamente). Estes resultados são compatíveis com
a tipologia dos recipientes cerâmicos, de onde estão completamente ausentes

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as cerâmicas cardiais, mais antigas, sendo integráveis no chamado Neolítco
Antigo Evolucionado, com a manutenção de um modo de vida mesolítico,
mas já com elementos da cultura material neolítica.

O modelo difusionista valoriza certos trechos do território, especialmente


litorais, e pouco povoados até então; no Algarve, tal realidade encontra-se
suportada por dois sítios habitados de ar livre do barlavento algarvio; trata-se
da estação da Cabranosa (Vila do Bispo) (Cardoso, Carvalho & Norton, 1998)
e do sítio de Padrão, também no mesmo concelho (Gomes, 1994). As duas
datas de radiocarbono obtidas em uma lareira escavada em Padrão (6540
± 60 anos BP e 6420 ± 50 anos BP), correspondentes aos intervalos calibrados
para cerca de 95% de probabilidade de, respectivamente, 5481-5305 e
6627-5375 a. C.), conjugadas com a data obtida em Cabranosa: 6550
± 60 anos BP (5621-5369 a. C.), são coerentes e homogéneas, indicando
uma presença neolítica dos meados do VI milénio a. C., situável entre as Fig. 90
mais antigas presenças neolíticas em território português, conjuntamente com
os sítios do Maciço Calcário estremenho, adiante tratados.

Contudo, a importância dos dois sítios algarvios é desigual. Com efeito, as


evidências recolhidas naquele último local demonstram a existência de uma
presença humana compatível com um povoado ou acampamento-base de
uma comunidade que, sediada no extremo sudoeste da Península Ibérica,
praticava já um modo de vida de tendência sedentária, com a presença de
animais domésticos (cabra e/ou ovelha).

É o que indica a associação: pedra polida + animais domésticos (mandíbula


de ovino ou caprino) + cerâmica, constituido frisante exemplo do "pacote"
neolítico em época inicial daquela etapa cultural.

Esta constatação impunha a realização de um estudo desenvolvido na


perspectiva da integração cultural da estação e do seu próprio significado, no
contexto geográfico regional e supra-regional em que se insere.

O exercício comparativo efectuado permitiu concluir que a produção cerâmica


(que inclui vasos cardiais produzidos localmente, ascendendo a 20% das
formas identificáveis) se distingue, a vários títulos, das produções homólogas
do Neolítico Antigo do litoral alentejano e da Andaluzia Ocidental. Também
ao nível dos conjuntos de pedra lascada se detectaram diferenças entre o
material recolhido na Cabranosa e, de modo mais geral, os das estações
algarvias, face à realidade conhecida das estações do litoral alentejano, na
passagem do Mesolítico para o Neolítico.

Os elementos referidos afiguram-se de importância significativa na discussão


dos modelos possíveis que presidiram à neolitização do litoral meridional
português. No estado actual dos conhecimentos, afigura-se provável a
existência simultânea de duas comunidades culturalmente distintas na referida

211
© Universidade Aberta
orla litoral: uma, mesolítica, de há muito estabelecida em ecossistemas litorais,
praticando uma economia sazonal de caça-pesca-recolecção; outra, já
Fig. 93 neolítica, estabelecida na faixa litoral algarvia, com uma economia já de
produção (pelo menos a pastorícia e, muito provavelmente a agricultura, como
sugerem os pequenos sachos de pedra polida, produzidos em rochas locais),
Fig. 91 portadora de uma cultura material exógena, onde avulta a cerâmica, com
decoração cardial.

Outras estações do litoral do barlavento algarvio do Neolítico Antigo, mas


Fig. 92 sem cerâmicas cardiais, foram muito recentemente objecto de investigação e
de datação (Bicho, 2000), indicando um período imediatamente posterior à
presença de cerâmicas cardiais, situável nos últimos séculos do VI milénio
a. C. e primeiro quartel do milénio seguinte, posterior, portanto à cronologia
de Cabranosa e de Padrão.

Estes factos reforçam a hipótese de existência de dois grupos humanos


diferenciados, realidade talvez ainda mais nítida no extremo sudoeste do
Fig. 94
que na Estremadura, um deles exógeno, a quem se ficaria a dever a rápida
difusão dos elementos da cultura material aludida provavelmente, através
das pessoas que os fabricaram. Admitida esta hipótese, é-se levado a concluir
que a progressão teria sido rápida; em apenas uma geração, segundo os
cálculos apresentados por João Zilhão, o espaço entre o golfo de Génova e o
estuário do Mondego poderia ser coberto, bordejando o litoral (Zilhão, 2001).

Este modelo é, quanto a nós, preferível ao modelo indigenista preconizado


por C. Tavares da Silva e J. Soares, já atrás exposto.

Além de parecer encontrar-se mais de acordo com a informação arqueológica


recolhida – mormente na Cabranosa – a sua aceitação parece ainda respeitar
um dos pressupostos estabelecidos por J. Zilhão, o da existência de hiato no
povoamento das respectivas regiões. Com efeito, a cronologia mesolítica
dos concheiros do litoral algarvio de Rocha das Gaivotas: 6890 ± 75 anos
BP (correpondente ao intervalo calibrado para cerca de 95 % de probabilidade
de 6637 – 5969 a. C., ) e de Armação Nova, com 4 datas, entre 7740
± 70 anos BP e 6970 ± 90 anos BP (intervalos calibrados de, respectivamente,
6687 – 6441 a. C. e 6009 – 5669 a. C.), situa a sua ocupação na imediata
antecedência da ocupação neolítica do Padrão e da Cabranosa; com efeito,
importa sublinhar que:

1. não existe sobreposição estatística entra as datas de um e outro grupo,


para cerca de 95% de probabilidade, o que significa que, aquando da
chegada dos influxos neolíticos, a região do barlavento algarvio deveria
estar, efectivamente, despovoada;

2. mesmo que se verificasse sobreposição de datas, sendo a ocupação


daqueles concheiros sazonal, poderiam obervar-se frequentemente

212
© Universidade Aberta
interregnos de largos meses, ou mesmo anos, na frequentação humana
de tais locais, reunindo-se as condições para a implantação ex-novo
das primeiras comunidades neolíticas na região, o que não impede a
existência, em outras zonas, de comunidades ainda mesolíticas, como
anteriormente se referiu.

Deste modo, mesmo que existisse uma população local mesolítica (de qualquer
forma, sempre de carácter sazonal e de baixíssima densidade), não existe nenhum
argumento decisivo para que a colonização marítima neolítica da costa vicentina –
e, por acrécimo, do maciço calcário estremenho – não se tenha efectuado nos moldes
propostos. Sem dúvida que, da interacção desta nova presença resultou, a breve
trecho, o abandono da economia mesolítica, por adopção de novas tecnologias
que, embora de implementação mais complexa, proporcionavam, uma vez
adquiridas, melhores benefícios com menores custos. Tal adopção não parece,
contudo, ter sido provocada pelo aumento da dificuldade na captação de recursos
marinhos por via do seu esgotamento, no litoral da costa vicentina: com efeito,
como foi recentemente verificado, a especialização mesolítica na recolecção de
moluscos marinhos aludida não conduziu a qualquer "stress" da população de Thais
haemastoma, espécie que, sendo recolectada no Mesolítico, o continuou a ser,
com a mesma cadência, no Neolítico (Stiner, 2003). Dito por outras palavras, apesar
dos dados relativos à zona sul portuguesa serem ainda demasiado escassos para
uma discussão fundamentada da questão, o argumento da rarefacção de recursos
ou o da pressão demográfica, por aumento do número de habitantes, não parece
dever ser invocado como "motor" da transformação económica e social das
respectivas populações.

Muitos séculos depois de já plenamente neolitizadas, as populações conti-


nuaram a acorrer sazonalmente ao litoral para, com um mínimo de esforço,
dele retirarem o seu sustento diário, não fazendo muito sentido o estabeleci-
mento de uma fronteira rígida entre as bases económicas mesolíticas e as
subsequentes, do Neolítico. Vários milhares de anos depois, as jazidas de
Cerradinha, Santiago do Cacém e de Pontes de Marchil, Faro que, apesar de
pertencerem ao Bronze Final, correspondem a populações que, durante uma
determinada época do ano encontravam, nas actividades de pura recolecção
litoral, as bases da sua subsistência, sem embargo de possuirem uma economia
complexa, que nada tem a ver com a mesolítica.

Os trabalhos efectuados sob a direcção de João Zilhão na gruta do Caldeirão


(Tomar) forneceram-lhe os primeiros argumentos de base material para a
construção do seu modelo difusionista na região do Maciço Calcário. Com
efeito, foi ali detectada uma associação constituída por cerâmicas cardiais,
elementos de pedra polida e restos de animais domésticos (ovelha), que

213
© Universidade Aberta
atestam a precoce neolitização da região no decurso da segunda metade do
VI milénio a. C., como indicam as duas datas de radiocarbono correspondentes
(6330 ± 80 e 6230 ± 80 anos BP) (Zilhão, 1992). A presença de uma ocupação
remontando aos primórdios do Neolítico Antigo, com cerâmicas cardiais,
foi, aliás, comprovada por outras estações do maciço calcário estremenho,
desde o paleo-estuário do rio Mondego, como as estações de ar livre de Várzea
do Lírio e de Junqueira (Figueira da Foz), exploradas por A. dos Santos
Rocha (Jorge, 1979), ou o Cabeço das Pias, Torres Novas (Carvalho & Zilhão,
1994), até estações em abrigos, como o de Pena d’Água, Torres Novas
(Carvalho, 1998), ou grutas, como a de Eira Pedrinha (Corrêa & Teixeira,
1949), a Buraca Grande (Moura & Aubry, 1995), e a gruta do Almonda
(Zilhão, Mauricio & Souto, 1991). Nesta última gruta, segundo os critérios
adoptados em recente síntese (Carvalho, 2003), as únicas datas com elevado
grau de fiabilidade, são as que resultaram da análise em acelerador (MAS)
de dois adornos e de osso humano no algar do Picoto, recuperados em
desobstrução de galeria, onde surgiram associados a cerâmicas incisas: os
resultados obtidos e os correspondentes intervalos calibrados, para cerca de
95 % de probabilidade, são os seguintes: 6445 ± 45 anos BP
(5477-5321 a. C.); 6445 ± 45 anos BP (5477 – 5321 a. C.); e 6000
± 150 anos BP (5285 – 4545 a. C.). Importa referir que, na cartografia dos
sítios do Neolítico Antigo do maciço calcário, parece evidente a valorização
do povoamento da zona do arrife, que separa a planície, percorrida por
afluentes e subafluentes do Tejo, da região mais montanhosa da serra de
Aire; tal localização tem uma leitura económica: assim, enquanto nas zonas
baixas se praticaria sobretudo a agricultura, nas partes altas era o pastoreio
sazonal e a caça que dominava. Contudo, das estações conhecidas, apenas
em uma foram recolhidos restos faunísticos de ovelha ou cabra; esta situação,
a par de ali também se terem encontrado duas espécies de murídeos de origem
extra-europeia (Póvoas, 1998), ausentes do registo faunístico anterior ao
Neolítico, no território português – Mus spretus e Mus musculus – dá que
pensar sobre a efectiva origem destas populações dos primórdios do Neolítico
Antigo.

Estudo recente sobre o ADN das populações mesolíticas e neolíticas do


território português permitiu verificar que, embora as populações do Neolítico
Antigo não evidenciem derivação directa a partir de agricultores do Médio
Oriente, existiu de facto uma descontinuidade entre o Mesolítico e o Neolítico,
concluindo-se que, na transição para o Neolítico em Portugal terá havido
algum tipo de colonização (Chandler, Sykes & Zilhão, 2005).

Foram evidências desta natureza que consubstanciaram a teoria de uma


colonização por via marítima muito antiga da região, cerca de meados do
VI milénio a. C., de acordo com as datas de radiocarbono obtidas, por
populações oriundas do litoral mediterrâneo, através de uma navegação de

214
© Universidade Aberta
cabotagem. A razão aduzida para a fixação nesta região calcária destas
comunidades exógenas residiria, por um lado, nas semelhanças ecológicas e
ambientais que esta teria com as áreas de origem e, por outro, com o facto de
ela se encontrar muito pouco ocupada ou mesmo desabitada, visto se
desconhecerem, quase em absoluto, presenças do Mesolítico Final. Em abono
desta afirmação, existem, além das datas absolutas, outros argumentos. Assim,
é notória a semelhança decorativa entre recipientes recolhidos na Galeria da
Cisterna, do sistema cársico do Almonda, caracterizados pelos elementos
"barrocos" de técnica cardial e exemplares recolhidos nos níveis inferiores
da Cova de l’Or (Valência), como J. Zilhão bem evidenciou em 2001. Tal
semelhança encontra-se ainda reforçada pelas datas de radiocarbono de ambas
as estações, dos inícios da segunda metade do VI milénio a. C.,
estatisticamente idênticas às obtidas para as estações de Cabranosa e Padrão,
acima referidas.

Assim, com base nas datas disponíveis para o território português, parece
verificar-se o início do Neolítico Antigo, tanto na costa vicentina como no Maciço
Calcário, quase simultaneamente, em meados do VI milénio a. C., em
resultado da chegada de grupos de neolíticos, por via marítima, oriundos do
Mediterrâneo.

Importaria verificar, no quadro supra descrito, se a eventual presença de


grupos humanos exógenos, no território português, a partir de meados do
VI milénio a. C., teria expressão económica, para além de cultural. Deste
modo, investigaram-se os teores em isótopos estáveis de carbono e de azoto
de ossos humanos das grutas do Caldeirão e da Casa da Moura, pertencentes
ao Neolítico Antigo e do concheiro da Moita do Sebastião, pertencente ao
mesolítico (resultados apresentados em Zilhão, 1990). Verificou-se existirem
assinaláveis diferenças na alimentação de ambos os conjuntos. Assim,
enquanto que o conjunto Casa da Moura/Caldeirão cai dentro da área do
gráfico correspondente a alimentação de carnívoros terrestres, já o conjunto
da Moita do Sebastião, partilha o campo destes com o dos animais marinhos
comedores de invertebrados, e nalguns casos, mesmo no domínio exclusivo
destes últimos. Outras diferenças do foro antropológico foram apresentadas
ulteriormente por João Zilhão (Zilhão, 1997), mas as amostragens disponíveis,
por diminutas, podem retirar-lhes representatividade.

Do período de quase 500 anos em que se observou coexistência sem


sobreposição territorial entre os grupos neolíticos cardiais da Estremadura e
os grupos mesolíticos do vale do Tejo, entre cerca de 5500 e cerca de
5000 anos a. C., evoluiu-se para outra realidade, da qual as cerâmicas cardiais
já não faziam parte, situável entre cerca de 5000 e 4750 anos a. C. É nessa
altura que, finalmente, se deverá ter produzido interacção entre as
comunidades neolitizadas e as derradeiras comunidades mesolíticas sediadas
nos concheiros, conforme atestam as cerâmicas do Neolítico Antigo

215
© Universidade Aberta
Evolucionado, encontradas nas camadas superiores dos concheiros do vale
do Tejo (Ferreira, 1974), bem como nos concheiros do vale do Sado (Arnaud
2002), a que anteriormente se fez referência, bem como de locais que
forneceram vasos completos, talvez de cunho ritual.
Fig. 96
Observa-se então uma generalizada ocupação das grutas da Estremadura,
cujo paradigma é a gruta da Furninha, Peniche, de onde provém magnífico
vaso decorado, associado a outras cerâmicas epicardiais que estão na origem
Fig. 97 do chamado "horizonte da Furninha", definido na primeira síntese dedicada
ao Neolítico Antigo português e na qual já se postulava a existência de um
Neolítico Antigo Cardial, antecedente do referido "horizonte" (Guilaine &
Ferreira, 1970). Ao mesmo tempo, dava-se a ocupação de territórios em zonas
Fig. 98
de portela ou de montanha, como o povoado de Salemas, Loures, que
controlaria uma das passagens entre o domínio calcário e as terras baixas, de
alta fertilidade (Cardoso, Carreira & Ferreira, 1996) e o povoado de São
Pedro de Canaferrim, Sintra, situado em plena serra de Sintra (Simões, 1999):
A implantação de ambos reflecte, provavelmente, a importância crescente
da pastorícia na economia destas populações dos inícios do V milénio a. C.
da região de Lisboa. Porém, o povoado de Salemas denuncia, tal como outros
situados da mesma época conhecidos na zona do Arrife, Torres Novas (Zilhão
& Carvalho, 1996), a implantação em zona ecótono: dali se poderia aceder,
como se disse, às terras baixas, propícias a uma agricultura primitiva, e por
outro, ao domínio mais pedregoso e montanhoso, potencialmente aproveitado
para a pastorícia.

As terras baixas confinavam, a sul, como estuário do Tejo, cujos afluentes da


margem norte propiciaram, na confluência com aquele, importantes esteiros
penetrados por água salobra, muito ricos em recursos facilmente recolectados.
É o que comprova dois locais recentemente publicados, a Encosta de
Sant’Ana, junto do Martim Moniz, em pleno centro histórico de Lisboa, e o
Palácio dos Lumiares, no Bairro Alto. em ambos os casos, a tipologia das
cerâmicas recolhidas sugere uma fase adiantada do Neolítico Antigo
Evolucionado, comprovada pelas datas radiométricas disponíveis, senão
mesmo já do Neolítico Médio, abarcando o período da segunda metade do
V milénio – primeiro quartel do IV milénio a. C. (Carvalho, 2005; Valera,
2006). A economia então vigente nos dois sítios, baseada fortemente na
recolecção de moluscos no estuário do Tejo, tem equivalente, na margem
oposta do estuário, no sítio do Gaio, junto à linha de água actual, no concelho
da Moita (Soares, 2004); e outros sítios existirão, ainda por descobrir, ou já
recobertos, pela crescente urbanização da área em apreço.

Por outro lado, recentes descobertas do interior do Alto Alentejo vieram


colocar a possibilidade de a neolitização se ter dado a partir da Baixa
Andaluzia, ao longo do vale do Guadiana, progredindo depois para ocidente,
ao longo de territórios de fácil circulação, favorecida pelo aparente

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© Universidade Aberta
despovoamento verificado no Mesolítico. Com efeito, embora se conhecessem
de há muito materiais cerâmicos cardiais da gruta do Escoural (Santos, 1970),
aos quais se somaram mais recentemente outros elementos (Araújo & Lejeune,
1995), a verdade é que, até à década de 1990, pouco se sabia das vastas áreas
entre o Sado, o Tejo e o Guadiana. A descoberta da estação da Valada do
Mato, Évora e a sua sequente exploração,veio demonstrar a existência, no
Alentejo Central de um povoamento do Neolítico Antigo, no primeiro quartel
do V milénio a. C.: dispõe-se de uma data de radiocarbono, 6030 ± 50 anos BP,
a qual, calibrada para cerca de 95 % de confiança, corresponde ao intervalo
de 5040-4780 a. C. (Diniz, 2001). Entre o espólio recolhido, avultam as
cerâmicas decoradas, impressas e incisas, incluindo a técnica do
puncionamento arrastado, também dita "boquique" e impressões cardiais,
associadas a decorações plásticas. Ao nível da indústria lítica, predominam
os micrólitos, com trapézios e crescentes de sílex, de nítidas afinidades
mesolíticas. Com efeito, tais afinidades foram sublinhadas por M. Diniz,
configurando uma efectiva interacção, no seu entender, entre o substrato
indígena mesolítico, representado pelas últimas populações dos concheiros
do Tejo e do Sado e os grupos neolíticos recém-chegados à região, com a
absorção, por parte destes, da cultura material mesolítica. Tal mecanismo,
no entender da autora, poderia ter-se efectuado através do influxo de mulheres,
oriundas das comunidades indígenas neolíticas (Diniz, 2004). Mas o
conhecimento da rede de povoamento encontra-se prejudicada, dada a falta
de estações do Neolítico Antigo comparáveis, na mesma área geográfica,
exceptuando o sítio habitacional de Xarez 12, Reguengos de Monsaraz,
investigado muito recentemente no âmbito dos trabalhos de minimização
dos impactes produzidos pelo empreendimento de Alqueva.

Nesta estação, identificaram-se trinta e três fornos culinários, de argila, cujas


características, estado de conservação e raridade, são de evidente relevância no
âmbito do Neolítico Antigo peninsular (Gonçalves, 2002). O espólio lítico é
caracterizado por uma abundante indústria microlítica, do Mesolítico Final/
Neolítico Antigo constituída por lamelas, trapézios, triângulos, crescentes, núcleos
e escassa macro-utensilagem sobre massas de quartzo e de quartzito. O seu estudo
poderá, deste modo, melhorar o enquadramento das indústrias microlíticas
recolhidas na Valada do Mato. Ao nível da cerâmica, ocorrem exemplares lisos e
decorados e, entre estes, impressões cardiais. Porém, a ausência de estudo mais
detalhado que a simples notícia da sua existência, bem como o desconhecimento da
cronologia absoluta do sítio, impedem, por ora, considerações mais desenvolvidas.

Podemos, em resumo, considerar a existência, no faseamento do Neolítico


Antigo do centro litoral (Estremadura) e sul (Alentejo e Algarve) do actual

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território português, uma primeira fase, entre 5500 e 5000 anos a. C.,
caracterizada pela presença de cerâmicas cardiais. No entanto, estas, podem
por vezes não ocorrer – caso da gruta do Correio-Mor, Loures com duas
datações semelhantes à do conjunto cardial da gruta do Caldeirão e onde as
decorações cardiais se encontram substituídas por outros motivos impressos,
como o puncionamento arrastado ("boquique") (Cardoso, Ferreira & Carreira,
Fig. 95 1996), que pervive.

Numa segunda fase do Neolítico Antigo – o chamado Neolítico Antigo


Evolucionado, situável entre cerca de 5000 e 4500 anos a. C., desenvolve-se
uma profusão de estilos decorativos, fazendo uso de técnicas diversificadas,
como a do puncionamento arrastado, ou "boquique" neolítico, a das incisões
finas ou rombas, (organizadas no característico motivo "em espiga", também
chamado em "falsa folha de acácia", para o diferenciar da "folha de acácia"
do Calcolítico) a impressão de matrizes de morfologia variada; crescentes,
triângulos, cuneiformes, ovaladas e as decorações plásticas, como os mamilos
lisos ou decorados e os cordões em relevo, rectilíneos ou serpentiformes,
formando por vezes complexos reticulados, especialmente em vasos de
grandes dimensões, ditos "de provisões". Tais cerâmicas ocorrem com
abundância em numerosas grutas naturais da Estremadura, utilizadas como
necrópoles – como a já referida gruta da Furninha, Peniche – estendendo-se
o seu uso ao interior alentejano e à costa sudoeste, e, como se disse, ocorrendo
também na parte superior dos concheiros do vale do Tejo e nalguns do Vale
do Sado. Podemos, pois, dizer, que, no final do Neolítico Antigo, uma boa
parte do centro litoral e do sul do actual território português se encontrava já
ocupada, ou em vias de o ser, por parte de grupos humanos de base familiar,
ainda com assinalável mobilidade, praticando uma agricultura itinerante de
corte e queimada, e um pastoreio de subsistência de ovinos e caprinos, talvez
também já de bovinos, em fase de crescente sedentarização em determinados
territórios.

7.2 Centro interior e norte do país

Até aos meados da década de 1980, julgava-se que o primeiro povoamento


pós-paleolítico de toda a vasta região interior centro e norte do país
correspondesse à construção dos monumentos megalíticos mais antigos. Com
efeito, só a partir de 1978, mercê do vasto programa de escavações em
dólmenes da serra da Aboboreira, no Douro Litoral, conduzido por V. O.
Jorge, se encontraram escassos materiais líticos e cerâmicos, oriundos das
terras das mamoas de alguns daqueles monumentos, então de difícil integração
cronológico-cultural, os quais se juntavam a outros, de tipologia igualmente

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© Universidade Aberta
pré-megalítica, recolhidos em zonas abertas da mesma região, como no
Tapado da Caldeira, Baião e em Lavra I, Marco de Canaveses (Jorge, 1980;
Sanches, 1988, 2003), da primeira metade do V milénio a. C. Trata-se de
pequenos sítios, ocupando encostas abrigadas, possuindo lareiras escavadas
no saibro, como as identificadas no primeiro daqueles sítios, onde se
recolheram cerâmicas lisas e decoradas e alguns micrólitos. De referir que,
na parte mais alta da serra da Aboboreira, se encontraram solos selados por
algumas mamoas, conservando buracos de poste, fossas e cerâmicas, caso
dos dólmenes de Chã de Santinhos e de Mina do Simão, situáveis na viragem
do V para o IV milénio a. C. (Bettencourt, 2004).

Tais presenças, remontando genericamente ao Neolítico Antigo Evolucionado,


cerca de 400 anos mais modernas que as suas congéneres da Estremadura,
antecedem, pois, as mais antigas manifestações megalíticas conhecidas no
norte do País, as quais vieram depois a ganhar substancial importância.

O panorama actualmente conhecido nesta vasta região – Beiras,


Trás-os-Montes e Alto Douro – mercê de trabalhos desenvolvidos desde a
última década, parece indicar que as cerâmicas cardiais não chegaram ali:
destas, não se conhecem de momento outras ocorrências para além do estuário
do Mondego. No que respeita à região do Alto-Douro, terá existido – com Fig. 99
base na escassíssima informação disponível – uma efectiva lacuna entre o
Mesolítico e o Neolítico Antigo, conforme foi concludentemente demontrado
em recente trabalho (Carvalho, 2003), estando este representado, desde as
suas etapas mais antigas, por animais domésticos (ovinos e ou caprinos), na
estação do Prazo, Freixo de Numão e por leguminosas e cereais produzidos
pelo homem, no Buraco da Pala, Mirandela. Tal situação sugere que, no
actual território português a neolitização se deu, genericamente, de sul para
norte e do litoral para o interior, o qual, tal como no interior alentejano, se
poderia encontrar despovoado, ou quase: é excepção, até ao presente, o já
referido nível mesolítico da estação do Prazo, Freixo de Numão. Outra via
de penetração possível para atingir a região transmontana, seria através das
vastas terras da meseta, a partir do Alto Guadiana, ou, em alternativa, através
do Alto Ebro, dali passando ao Alto Douro espanhol.
Entre as estações de carácter habitacional do Neolítico Antigo, remontando
ao primeiro quartel do V milénio a. C., objecto de escavação e de publicação
em época recente, merecem destaque as publicadas por A. F. Carvalho no
Baixo Côa (Carvalho, 1999). Trata-se dos sítios de Quinta da Torrinha e de
Quebradas (estação que o próprio, ulteriormente, considerou com reservas,
cf. Carvalho, 2003). Ambas as estações se encontram implantadas em zonas
planálticas, integrando, entre o espólio, indústrias microlíticas e cerâmicas
decoradas, estando presentes as técnicas incisa, impressa e os puncionamentos
soltos (em Quebradas) e arrastados, tipo "boquique", na Quinta da Torrinha,
características compatíveis com o Neolítico Antigo Evolucionado. De referir

219
© Universidade Aberta
que o pequeno tamanho dos recipientes sugere grupos com assinalável
mobilidade, de carácter sazonal, ligados à pastorícia (como indica a presença
de resto de ovino) e à caça (presença de geométricos utilizados como pontas
de projéctil). Recolheu-se, também, um machado em pedra polida (em
Quebradas) o qual, conjuntamente com fragmentos de mós manuais (na
Quinta da Torrinha), completa o "pacote" neolítico em ambas identificado.
Esta realidade é, pois extensível a diversas estações de carácter habitacional
da região dúrico-transmontana. No já referido sítio do Prazo (Freixo de
Numão), a ocupação do Neolítico Antigo, foi datada com base em duas
amostras de carvões recolhidos numa lareira e em osso queimado, cujos
resultados mutuamente se confirmam: 5640 ± 50 anos BP e 5735 ± 50 anos BP
(carvões) e 5760 ± 40 anos BP (osso queimado), a que correspondem os
intervalos calibrados, para cerca de 95 % de probabilidade de:
4581-4355 a. C.; 4709-4459 a. C. e 4711-4499 a. C. Esta cronologia é idêntica
à obtida em outros sítios adiante referidos, de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Estes resultados são de inegável importância para a discussão dos mecanismos
difusores da neolitização no ocidente peninsular: assim, pode hoje afirmar-se
com segurança que o início do Neolítico Antigo na região se terá verificado
na primeira metade do V milénio a. C.
A indústria lítica do Prazo , com lâminas, lamelas e geométricos (crescentes),
apresenta-se em continuidade com a do Mesolítico, presente no nível
subjacente, o mesmo se verificando com a tipologia das estruturas
habitacionais identificadas (fossas e estruturas de combustão). Ao nível
decorativo da cerâmica, estão presentes, tal como na Quinta da Torrinha, as
decorações incisas em espinha, ou formando motivos geométricos, ocorrendo
também decorações muito barrocas, associando elementos plásticos
(mamilos) à técnica do puncionamento arrastado ("boquique").

Tal como se verificou nas duas estações anteriores – Quebradas e Quinta da


Torrinha –, deverá tratar-se de um estacionamento sazonal, temporário, em
relação com a posição do sítio entre as plataformas somitais que ocupam
vastas áreas da região e a incisão fluvial do Côa; trata-se de zona propícia à
prática de uma agricultura itinerante, ao pastoreio (presença de ovinos ou
caprinos) e à caça (javali, veado, coelho). Está-se, pois, perante uma economia
de largo espectro, onde a agricultura aparentemente detinha um papel pouco
relevante, em contraste com a estação em gruta do Buraco da Pala, Mirandela,
onde tal actividade foi exuberantemente demonstrada, na mesma época, como
adiante se verá. Deste modo, tal como se verificou no sul do território
português, também nesta área, do interior norte, é admissível a existência de
uma evolução não linear, antes marcada por diversos ritmos, no processo de
neolitização: enquanto em certas zonas transmontanas já se detinha um pleno
controlo das espécies cerealíferas, que seriam intensamente cultivadas, noutras
zonas era ainda o padrão económico baseado na caça e na recolecção que

220
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dominaria, como admitem M. J. Sanches e S. Monteiro-Rodrigues (Sanches,
1997, 2003; Monteiro-Rodrigues, 2002). Seja como for, trata-se sempre de
sítios de permanência muito limitada, evidenciada pela fragilidade dos
vestígios habitacionais conservados e pela reduzida importância dos depósitos
produzidos.

Uma das excepções a este padrão de ocupação e de exploração do território é o


Buraco da Pala, Mirandela. As datas de radiocarbono obtidas para a base do nível
IV (lareira), indicam uma ocupação abarcando, essencialmente, o
V milénio a. C.: 5860 ± 30 anos BP e 5840 ± 140 anos BP (correspondendo,
respectivamente, aos intervalos calibrados, para cerca de 95 % de probabilidade,
de 4797-4621 a. C. e 5035-4365 a. C.). A ocupação ali identificada prolongou-se
até ao terceiro quartel do milénio seguinte (Sanches, 2000). Estão presentes cereais
e leguminosas (cevada, trigo, fava), desde a base da sequência, de índole ocupacional
(presença de buracos de poste), de onde proveio também uma enxó de pedra polida.
Esta descoberta é de excepcional importância, a nível peninsular, permitindo, pela
primeira vez, demonstrar a efectiva domesticação das principais espécies
cerealíferas, logo no decurso do Neolítico Antigo, naquela região interior, as quais
constituem, até o presente, a única prova directa da prática da agricultura naquela
época, em todo o território português.
Quase metade da cerâmica é decorada (com impressões diversas, punciona-
mentos simples ou arrastados (boquique), e incisões, para além de motivos plásticos,
como cordões em relevo formando reticulado, motivo bem conhecido no Neolítico
Antigo da Estremadura. As indústrias líticas revelam acentuado microlitismo, como
nos outros contextos supra mencionados, nalguns casos com vestígios de uso que
indicam aproveitamento como lâminas de foices, comprovando indirectamente a
cerealicultura.
Em outra gruta da região, Fraga d’Aia, concelho de S. João da Pesqueira, onde se
identificaram ovinos e/ou caprinos, as datas disponíveis indicam uma ocupação
inciada mais cedo, em meados do VI milénio a. C., prolongando-se por todo o V
milénio a. C., atingindo a primeira metade do seguinte (Jorge, 1991; Sanches,
1997, 2000). Contudo, cronologia tão recuada mereceu, recentemente, sérias
reservas (Carvalho, 2003). Com efeito, o autor considera tais datas "inutilizáveis",
dado o carácter de palimpsesto do delgado depósito sedimentar onde foram
recolhidas as amostras de carvão, bem como as contradições existentes entre
diferentes datas oriundas da referida camada, podendo as datas mais antigas
corresponderem a carvão fóssil, como aliás já tinha sido admitido por M. J. Sanches
(Sanches, 1997): nestas condições, só as datas mais recentes serão de reter,
correspondendo ao V milénio a. C. Também aqui se recolheram cerâmicas incisas
e impressas (motivos simples ou arrastados), do mesmo grupo das anteriores,
indústrias microlíticas, três enxós e elementos de mós manuais.

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Na região do Douro Litoral, salienta-se a estação de Lavra I (serra da
Aboboreira, Marco de Canavezes), a qual documenta a frequência daquela
área atlântica por populações do Neolítico Antigo. Tratar-se-ia de um sítio
de estacionamento sazonal, com fraca densidade de espólio, disperso por
grande área, possuindo grandes estruturas de combustão circulares, escavadas
no saibro, preenchidas por materiais carbonosos. As cinco datas de
radiocarbono obtidas a partir de amostras recolhidas naquelas estruturas são
muito homogéneas, indicando a sua utilização entre meados do VI e os meados
do V milénios a. C. (Sanches, 1997, 2000, 2003). O escasso espólio
arqueológico é sobretudo importante pela cerâmica, onde se reconheceu a
técnica do puncionamento arrastado ("boquique"), formando grinaldas, ou
em "espiga" ou "falsa folha de acácia", bordos denteados, decorações incisas
e plásticas.

Na bacia do Alto Mondego, Beira Alta, mercê de um programa de pesquisas


iniciado há mais de vinte anos, é hoje possível indicar diversos sítios de
carácter habitacional reportáveis ao Neolítico Antigo, com início nos
primórdios do V milénio a. C. (Valera, 1996, 1998; Senna-Martinez & Pedro,
ed., 2000). É o caso da Quinta do Soito, Nelas, de área muito reduzida,
relacionada, aparentemente com o talhe da pedra (sobretudo o quartzo); da
sala 2 do Complexo 1 do Penedo da Penha, Canas de Senhorim, constituído
por um aglomerado caótico de grandes penedos graníticos; do Buraco da
Moura de São Romão, Seia, igualmente constituído por um conjunto de
cavidades formadas por grandes blocos graníticos, perto do fundo do apertado
vale da Caniça; do sítio de Carriceiras, Carregal do Sal, implantado numa
das encostas do vale da ribeira de Cabanas, com um possível "buraco de
poste" e uma estrutura em fossa, provavelmente uma lareira, estruturas a que
foi possível associar cerâmicas decoradas (motivos plásticos e incisos) e uma
indústria lítica de tendência microlítica, com geométricos, buris, micro-buris
e lamelas. Esta ocupação foi considerada como integrando o final do Neolítico
Antigo regional, tal como o sítio do Folhadal (Nelas), correspondente a uma
implantação doméstica representada por duas cabanas, das quais se conservam
parte dos pisos e os respectivos "buracos de poste", uma delas munida de
estrutura de combustão. É interessante referir que esta implantação antecedeu
(não se sabe se em continuidade) a construção, no espaço adjacente, de um
monumento megalítico de corredor curto, a Orca de Folhadal.

No conjunto, as cerâmicas recolhidas nestes sítios da Beira Alta têm nítidas


afinidades técnico-estilísticas com as suas congéneres do Douro e de
Trás-os-Montes; por outro lado, apresentam, igualmente, estreitas analogias com
materiais da Estremadura, recolhidos em grutas naturais, a maioria resultantes de
escavações antigas, sem contextos estratigráficos conhecidos, como o Algar de
João Ramos, Alcobaça (Cardoso & Carreira, 1991), a Casa da Moura, Óbidos

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(Carreira & Cardoso, 2001/2002), e a gruta do Carvalhal, Alcobaça (Spindler &
Ferreira, 1974), entre outras. Trata-se de recipientes de colo alto, por vezes de
parede rentrante, com fundo parabolóide, e decorações feitas a punção rombo ou
impressas, ocorrendo também as decorações incisas e com punção arrastado
("boquique"), em vários motivos, incluindo grinaldas. Tal realidade, insuspeitada
até época recente, permite considerar a existência de uma ligação entre o
interior-centro e a parte mais setentrional da Estremadura, a qual seria assegurada
através da região do Alto Mondego.

Na Beira Baixa, Raquel Vilaça identificou, igualmente, uma presença


atribuível ao Neolítico Antigo Evolucinado no povoado de altura do Monte
do Frade, Penamacor, com cerâmicas decoradas possuindo evidentes
analogias com os conjuntos mencionados (Vilaça, 1995, Fig. 3). Tal
descoberta, que não corresponderá certamente a ocorrência isolada,
inscreve-se numa realidade que parece cada vez mais evidente: a de que, no
decurso do V milénio a. C., tal como se verificou na Estremadura, também o
norte e o interior-centro do país se encontravam ocupados, ainda que de
forma pouco intensa, mas globalmente homogénea, por populações
neolitizadas, produzindo, de forma cada vez mais acentuada, os seus próprios
recursos alimentares através de uma agricultura e pastoreio em geral
incipientes, de tipo itinerante de corte e queimada, respeitando ritmos próprios,
em estrita dependência das condicionantes naturais inerentes aos territórios
a que, cada vez mais, se encontravam circunscritas.

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8. A Consolidação do Sistema Agro-Pastoril no
Decurso do V e do IV Milénios a. C.

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Nos finais do V milénio a. C, a ocupação do território, em termos gerais,
seria ainda caracterizada por grupos itinerantes, de base familiar, talvez
constituídos por pouco menos de uma dezena de pessoas. Com efeito, o
reforço dos laços familiares (ou de parentesco) seria condição essencial para
a manutenção da coesão do grupo, indipensável ao êxito de uma economia
agro-pecuária, em face de crescente afirmação.

Tal é a realidade que a informação arqueológica parece confirmar, ao


evidenciar a cada vez maior dependência dos recursos produzidos – tanto os
de carácter agrícola como pecuário – conduzindo, deste modo, a uma
insensível sedentarização das populações. Com efeito, desde que as
comunidades se tornaram produtoras das suas próprias bases de subsistência,
passaram a estar delas cada vez mais dependentes, relegando a componente
de recolecção e de caça para um lugar cada vez mais secundário na economia
alimentar.

Vale a pena uma referência ao registo polínico identificado na área da lagoa


de Carvalhal, Melides: de acordo com José Mateus, no final do V milénio a. C.
foram ali identificados pólenes de cereais, correlacionados com campos
cultivados (Mateus, 1992, p. 98); já anteriormente, na mesma região, na
transição do Mesolítico para o Neolítico Antigo, se tinha verificado o declínio
de certas espécies arbóreas, sem que tal possa ser correlacionado com
modificações naturais; em consequência, o referido autor admitiu que aquele
declínio se possa dever à pressão antrópica (deflorestação por corte e
queimada).

Só dificilmente se poderá admitir com base no registo arqueológico de carácter


habitacional – ver-se-á que, no concernente ao fenómeno megalítico o
faseamento é mais nítido – a existência de um Neolítico Médio, com início
nos meados do V milénio a. C., de tal modo que se torna problemática a
separação arqueográfica (ou seja, com base na tipologia dos materiais
arqueológicos) entre o Neolítico Médio e o chamado Neolítico Antigo
Evolucionado, o qual é caracterizado, essencialmente, pelas altas percentagens
de cerâmicas decoradas, que deixam progressivamente de se observar.

Numa perspectiva essencialmente cronométrica, poderá, no entanto, situar-se


o Neolítico Médio entre os meados do V milénio a. C. e os finais do primeiro
quartel do milénio seguinte, ou seja, entre cerca de 4500 a. C. e 3750 a. C.,
correspondendo-lhe, deste modo, um intervalo de cerca de oitocentos anos.
Graças ao critério cronométrico, com base em datações de rádio-carbono,
foi possível fazer atribuir ao Neolítico Médio algumas das ocupações
registadas em território português. Em tão longo intervalo de tempo,
observa-se evidente continuidade quanto ao tipo de implantação dos sítios
habitados face aos da fase anterior: tanto no Alentejo litoral, como no Alto
Alentejo, trata-se de locais potencialmente conotados com os construtores

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das primeiras estruturas verdadeiramente megalíticas de índole funerária as
quais serão tratadas no capítulo seguinte.

É o caso dos pequenos povoados de Pipas e da Quinta da Fidalga, no concelho


de Reguengos de Mosaraz, e da Fábrica de Celulose, no de Mourão, podendo
os dois primeiros serem um pouco anteriores (Neolítico de tradição antiga)
(Soares & Silva, 1992). Com efeito, as escavações ulteriormente realizadas
por aqueles dois arqueólogos, tanto em Pipas como no povoado da Fábrica
de Celulose, no âmbito da minimização dos impactes arqueológicos
decorrentes da construção do empreendimento de Alqueva, revelaram
ocupações do Neolítico Médio, ainda que pouco prolongadas e com uma
tecnologia lítica que, no primeiro dos sítios mencionados evoca o Neolítico
Antigo. A cerâmica, pouco abundante, integra, em ambos os sítios, formas
simples, sendo comuns os pequenos vasos esferoidais ou ovóides de bordo
ligeiramente inclinado para o exterior. A decoração é predominantemente
constituída por um sulco horizontal localizado imediatamente abaixo do
bordo, considerada pelos autores característica do Neolítico Médio; "nas
Pipas, estão ainda presentes impressões obtidas através de espátula e punção,
e incisões organizadas em xadrez ou em bandas de traços oblíquos e paralelos"
(Silva & Soares, 2002, p. 176).

Estes e outros povoados, ainda por identificar e escavar, corporizam o


Neolítico Médio do Alto Alentejo Oriental, correlacionável com a fase de
arranque do pleno megalitismo, representada pela Anta 1 do Poço da Gateira,
Reguengos de Monsaraz, à qual será dado oportunamente o devido destaque.
A esta fase pode, também, reportar-se o "habitat" de Patalim
(Montemor-o-Novo), onde, a par de vasos com o característico sulco abaixo
do bordo, ocorrem cerâmicas decoradas de tradição no Neolítico Antigo
regional.

Esta etapa cultural é pois, caracterizada, tal como a anterior, por implantações
em espaços abertos e regulares, constituídos por areias, as quais eram
facilmente agricultadas com os pequenos sachos de pedra polida, tal como
se tinha anteriormente observado nas estações do Neolítico Antigo, como a
de Cabranosa. Porém, ao contrário do verificado nessas estações, a cerâmica
lisa é agora quase exclusiva, sendo comum, como se disse, os esféricos e as
taças decoradas apenas por um sulco situado logo abaixo do bordo, revestidos
a almagre.

A preferência por solos arenosos e nas proximidades de linhas de água,


sugerindo a prática da agricultura, não invalida que, em determinadas épocas
do ano, não se continuasse uma economia de pura recolecção, em zonas
particularmente aptas a tal prática: é o caso dos concheiros da Comporta,
Grândola, cuja fase mais antiga, representada pelo concheiro do Pontal foi
datada, para cerca de 95% de probabilidade, entre 3909-3640 a. C. (Silva et.

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al., 1986). De entre os materais arqueológicos, destaca-se a cerâmica,
representada esmagadoramente por recipientes lisos, alguns com sulco abaixo
do bordo; as raras decorações – cordões plásticos segmentados, mamilos e
matrizes impressas – sugerem reminiscências no Neolítico Antigo
Evolucionado do Alentejo litoral.

No Algarve, foram identificadas duas estruturas de combustão, sob o


monumento funerário n.º 7 de Alcalar. Portimão, de idade calcolítica.
Inicialmente consideradas como estando relacionadas com as práticas rituais
de consagração do local antes da construção megalítica, as três datas de
radiocarbono entretanto obtidas sobre fragmentos de madeira de Quercus
vieram mostrar que, na verdade, eram muito mais antigas, remontando a
meados do V milénio a. C.; note-se, porém, que estas estruturas não se
deveriam encontrar isoladas, tendo-se conservado apenas por constituirem
covachos escavados no solo, preenchidos por blocos de sienito, utilizados
como conseradores do calor (lareiras – calorífero). É interessante notar que a
maioria destes blocos corresponde a fragmentos de dormentes de mós
manuais, o que atesta, inquestionavelmente e importância da agricultura
cerealífero naquela região, em meados doV milénio a. C. As datas obtidas
foram as seguintes (Morán & Parreira, 2004, pp. 90-91):

lareira 1: 5640 ± 100 anos BP e 5810 ± 40 anos BP; lareira 2: 5690


± 40 anos BP, as quais, para cerca de 95% de probabilidade correspondem,
respectivamente, aos intervalos de 4770-4260 a. C.; 4775-4546 a. C.; e
4670-4405 a. C., sendo, deste modo, cerca de dois mil anos mais antigas que
a construção do monumento funerário que as cobria.

No território a norte do Tejo, são por ora pouco relevantes os testemunhos de


carácter habitacional do Neolítico Médio. Contudo, já o mesmo não acontece
ao nível dos testemunhos funerários, particularmente evidenciados pelas
construções megalíticas do centro e norte do país, adiante referidas: tal
situação evidencia a natureza muito discreta das presenças habitacionais, e
por isso só detectadas com estudos de terreno de grande minúcia, ou na
sequência de escavações motivadas por outras razões.

A partir do segundo quartel do quarto milénio a. C., assiste-se à plenitude da


arquitectura megalítica, que se prolonga pelo menos até finais do milénio;
tal época de florescimento de uma das manifestações pré-históricas que mais
mão-de-obra requeria, evidencia o aumento demográfico então verificado.
Esta situação não poderá desligar-se de melhorias técnicas introduzidas no
sistema produtivo: por um lado, a crescente utilização da força de tracção
animal, representada sobretudo pelos bovídeos domésticos, uma das espécies
mais constantes nos raros contextos do Neolítico Final objecto de estudos
arqueozoológicos, por vezes muito bem representada, como se verificou no

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povoado pré-histórico de Leceia, Oeiras (Cardoso & Detry, 2001/2002), entre
outros; por outro lado, é de admitir, no Neolítico Final, a introdução de
inovações tecnológicas, como o arado que, associado ao aproveitamento da
força de tracção animal, possibilitou, pela primeira vez, a lavoura de maiores
talhões agrícolas, com maior eficácia que a propiciada pelos pequenos sachos
ou outros dispositivos rudimentares até então utilizados, com a consequente
melhoria das produções.

Assim se explica que numerosos bucrâneos, simbolizando bovídeos e,


dubitativamente, um arado e um carro (outra inovação propiciada pela
atrelagem), àqueles associados, se encontrem representados no santuário
exterior do Escoural, Montemor-o-Novo (Gomes, Gomes & Santos, 1983,
1994). Trata-se de insculturas ao ar livre, efectuadas na superfície de grandes
penedos, ulteriormente cobertas pelas muralhas de um povoado calcolítico
edificado no alto do outeiro. A sua cronologia remete-nos para o Neolítico
Final ou, quando muito, para os primórdios do Calcolítico. Seja como for, a
extraordinária profusão de bucrânios mostra a importância dos grandes
bovídeos domésticos na economia da época, em fase de acelerada
transformação: de uma etapa agro-pastoril incipiente, seguiu-se, rapidamente,
no decurso da primeira metade do IV milénio a. C., a intensificação das
actividades produtivas, as quais devem ter assumido carácter generalizado
por todo o território.

É esta realidade que explica a relativa abundância, na Beira Alta (distrito de


Viseu), de sítios domésticos, atribuíveis ao Neolítico Final (entre cerca de
3700 e 2900/2800 a. C.) e ao Calcolítico (todo o III milénio a. C.), numa
região onde, até há bem pouco tempo, eram totalmente desconhecidos: é o
caso das estações de Ameal – VI (Oliveira do Conde), Murganho 2 (Nelas),
Quinta Nova e Mimosal (Carregal do Sal), já objecto de escavações
(Senna-Martinez, 1996). Trata-se, invariavelmente, de sítios abertos,
implantados em rechãs ou encostas pouco acentuadas, sobranceiros a vales
preenchidos com solos de alta fertilidade, cujas datas de radiocarbono, para
um intervalo de cerca de 95 % de confiança, indicam ocupações entre a
segunda metade do IV milénio a. C. e os começos do milénio seguinte (para
Ameal – VI, dispõe-se de quatro datas de radiocarbono, as quais calibradas
para cerca de 95 % de probabilidade, situam a referida ocupação entre
3501-3108 a. C. e 2890-2500 a. C.; para Murganho 2, a única data de
radiocarbono indica um intervalo entre 3084 e 2889 a. C.).

No conjunto destes pequenos sítios habitados, merecem destaque os resultados


obtidos em Ameal – VI, onde se identificaram duas cabanas, definidas no
seu perímetro por numerosos buracos de poste; uma delas, no seu interior,
possuía diversas sub-unidades domésticas, incluindo uma fogueira, uma fossa
e uma "fossa-forno", correspondente provavelmente a uma lareira-calorífero.

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© Universidade Aberta
Também no norte do país se documentou recentemente, mercê de estudos
sistemáticos de terreno de Susana O. Jorge e de M. J. Sanches (Jorge, 1986;
Sanches, 1997), a existência de sítios domésticos, cuja escassez contrasta,
tal como na Beira Alta, com a informação relativa à arqueologia funerária da
mesma época.

Em Trás-os-Montes e Alto Douro, existem vários povoados inseríveis no IV milénio


a. C.: Barrocal Alto I (Mogadouro) situa-se na primeira metade do referido milénio,
prolongando-se a presença humana até meados do milénio seguinte: três datas de
radiocarbono indicam, para cerca de 95 % de probabilidade, os intervalos de:
3970-3546 a. C.; 3259-2910 a. C.; e 2886-2490 a. C. Também o nível IV – II do
Buraco da Pala (Mirandela), cujas caracterísiticas domésticas são evidentes, atesta
ocupação na mesma época (dispõe-se de uma data para o nível correspondente,
cujo intervalo, para cerca de 95 % de probabilidade, é de 3935-3040 a. C.). Vinha
da Soutilha (Chaves) é outro povoado cuja ocupação teve início ainda na primeira
metade do IV milénio, prolongando-se a sua ocupação até ao Calcolítico (à primeira
fase de ocupação, corresponde uma datação, que, para cerca de 95 % de
probabilidade, indica o intervalo de 3777-2924 a. C.). Por último, o Castelo de
Aguiar (Vila Pouca de Aguiar) foi igualmente ocupado no Neolítico Final, de acordo
com data de radiocarbono que, para um intervalo de probabilidade de cerca de
95 %, correspode ao intervalo de 3700-3108 a. C. Tal como os outros povoados, a
sua ocupação continuou pelo Calcolítico. Importa, contudo, referir, que, ao nível
do espólio arqueológico, só muito dificilmente se entrevêm diferenças tipológicas
significativas entre as duas fases culturais, a não ser a presença de metalurgia nos
níveis mais modernos, e por isso inquestionavelmente atribuíveis ao Calcolítico.

Trata-se de sítios que se implantam, ora em elevações, como o Castelo de


Aguiar, num esporão avançado da abrupta escarpa de falha que domina o
vale do rio Corgo, ou o Barrocal Alto 1, no topo e na encosta oeste de um
barrocal granítico, igualmente disposto em esporão sobre o rio Douro, ora
em plataforma, ou patamar intermédio, na escarpa de falha que domina o
vale do Tâmega. Verifica-se, pois, que sítios com boas condições naturais de
defesa, coexistem com outros, em que tais características não são evidentes.

Esta coexistência de sítios altos e defensáveis – que apenas se afirmam


regularmente no espaço geográfico português no Neolítico Final – com outros,
implantados em zonas abertas e pouco acidentadas, é particularmente nítida
no Alto Alentejo e na Estremadura. Na primeira daquelas regiões,
conhecem-se, entre outros, o povoado de Marco dos Albardeiros (que poderá
ser já calcolítico, segundo Gonçalves, 1988/1989) e o do Outeiro das
Carapinhas, ambos no concelho de Reguengos de Monsaraz (Soares & Silva,

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1992), os quais se implantam no topo de cabeços que se destacam na
paisagem; em ambos, é característica a presença de recipientes carenados,
os quais, tal como na Estremadura, marcam inquestionavelmente esta fase
cultural, embora no Alentejo se tenham prolongado, de forma pouco evidente,
pelo Calcolítico. Victor S. Gonçalves, em estudo sobre a distribuição, no sul
do país, deste tipo de recipientes (Gonçalves, 1991), registou outros sítios do
concelho de Reguengos de Monsaraz, com caracterísiticas de implantação
diferentes, correspondendo a zonas planas, como Torre do Esporão 3 e Areias
15, cujas características também se verificam nos vastos povoados em zonas
planas e arenosas do Alentejo litoral, como Vale Pincel 2, Sines, ou
Caramujeira, no litoral algarvio (Lagoa), sítios que podem ser globalmente
datados, à falta de indicações radiométricas absolutas, na segunda metade
do IV milénio a. C.

No Baixo Alentejo, o povoado do Cabeço da Mina, Torrão (Silva & Soares,


1976/1977), implantado num alto isolado, corporiza esta fase cultural, a par
do povoado de S. Jorge, Vila Verde de Ficalho, Serpa, do qual se escavou
uma bolsa, existente no substrato, a qual forneceu um conjunto cerâmico
muito coerente: dele faziam parte taças carenadas e vasos fechados, munidos
de mamilos abaixo do bordo (Soares, 1994), os quais ocorrem em níveis
coevos de outros povoados do Baixo Alentejo, como o povoado do Moinho
de Valadares 1, Mourão (Valera, 2000), adiante referido quando se tratar do
Calcolítico do Sudoeste. No que se refere ao povoado de S. Jorge, a fauna,
estudada por J. L. Cardoso, é constituída por espécies domésticas, entre as
quais o boi, e a cabra/ovelha; a este último conjunto pertence a maioria dos
restos identificados.

Também na Estremadura se observa a dicotomia entre sítios implantados em


zonas com boas condições de defesa e outros, localizados em áreas abertas e
baixas, ou de encosta. Entre os primeiros, merecem destaque o Moinho da
Fonte do Sol e o Alto de São Francisco, ambos perto de Palmela, com uma
única ocupação correspondente ao Neolítico Final, com taças carenadas e
outros recipientes lisos, como os vasos de bordo em aba, para além de
Fig. 101 exemplares decorados, quase exclusivamente representados pelos bordos
denteados e por raras decorações impressas (motivo "em espiga" ou em "falsa
folha de acácia"), que podem considerar-se reminiscências longínquas do
Neolítico Antigo Evolucionado. Entre os segundos, revelando poucas
preocupações defensivas, encontra-se o povoado de Parede, Cascais, no qual
se identificou em estratigrafia o mesmo horizonte cultural, sobreposto por
outros, mais recentes. Mas o povoado da Estremadura que melhores
informações forneceu até ao momento sobre o Neolítico Final, é o de Leceia,
Oeiras. Trata-se de sítio implantado em esporão rochoso, com boas condições
naturais de defesa, debruçado sobre o vale da ribeira de Barcarena, que
domina, do alto da sua encosta direita. A camada basal forneceu uma

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associação coerente de formas lisas – onde dominam as taças carenadas e os
recipientes de bordo em aba – e decoradas, nas quais é praticamente exclusivo
o vaso de bordo denteado. A indústria lítica de pedra lascada, recorrendo ao
sílex, é muito abundante, certamente devido à disponibilidade local desta
rocha, avultando, além dos furadores, as lâminas de contorno elipsoidal e de
retoque cobridor, as quais se generalizam nos níveis mais recentes, já do
Calcolítico (Cardoso, 1994, 1997, 2000; Cardoso, Soares & Silva, 1996). A
sua ocorrência indica a existência de uma agricultura cerealífera –, possuem
acentuado brilho junto dos gumes, atribuído ao corte de gramíneas ("lustre
de cereal") – a par de elementos de mós manuais de arenito. Na indústria de
pedra polida, ocorrem com assinalável presença (em mais de metade das
peças), rochas anfibolíticas, inexistentes na Estremadura, cuja importação
do Alto Alentejo se justificava, atendendo às características mecânicas e de
dureza que possuem. Tal realidade será incrementada no decurso do
Calcolítico, evidenciando a intensificação económica, com a consequente
interacção cultural, então verificada. Mas o início de tal processo pode ser
ainda situado no Neolítico Final, mercê de uma economia agrícola em fase
de crescente especialização – no caso, trata-se, essencialmente, de uma
cerealicultura, propiciada pelas boas características dos terrenos adjacentes
– acompanhada de uma pastorícia igualmente florescente, baseada nos
rebanhos de ovelhas e de cabras e nos grandes bovinos, cuja abundância na
camada do Neolítico Final de Leceia é bem elucidativa da capacidade
económica das respectivas populações.

A intensificação económica verificada no Neolítico Final da Estremadura,


tem paralelo em outras regiões, com base em provas directas como as
mencionadas, incluindo a importação de matérias-primas: com efeito, em
diversos sítios da bacia do Alto Mondego, ocorre, com frequência, o sílex,
sob a forma de instrumentos cujas dimensões são incompatíveis com os
materiais siliciosos disponíveis localmente; tal situação obriga a pensar num
abastecimento exógeno, com origem no Maciço Calcário que se prolonga
até à região do cabo Mondego. Esta permuta de bens essenciais ao quotidiano,
poderia corresponder ao estabelecimento de relações de aliança e de
reciprocidade entre grupos vizinhos.

Mas, repita-se, onde tal processo se encontra melhor evidenciado é na


ocorrência de rochas anfibolíticas na generalidade dos povoados do Neolítico
Final da Estremadura, oriundas da bordadura ocidental do Maciço Hespérico:
os afloramentos mais próximos situam-se entre Montemor-o-Novo e Abrantes.
O aprovisionamento destas rochas, sem dúvida através de um processo difícil
e dispendioso, é bom exemplo do florescimento económico atingido pelas
comunidades que, no Neolítico Final, povoavam a Estremadura, mercê de
uma bem sucedida economia agro-pastoril. Assim, o sílex que se encontra
desde essa época nos povoados e dólmenes da Beira Alta, da Beira Baixa e

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do Alto Alentejo, poderá ser a "moeda de troca" destas pemutas, tendo presente
a sua abundância na Estremadura e na Beira Litoral, áreas onde se identificou
a sua exploração pré-histórica desde o Neolítico Final, tanto em pequenas
minas superficiais, como as existentes nas proximidades do povoado
pré-histórico de Leceia (Cardoso & Costa, 1991; Cardoso & Norton, 1997),
como através de verdadeiras galerias subterrâneas, como as identificadas
aquando da abertura do túnel ferroviário do Rossio, em Campolide (Choffat,
1889). Configura-se, assim, um dos exemplos mais interessantes da
importância dos recursos de origem geológica na economia das comunidades
agro-pastoris, a partir do Neolítico Final do território português. Numa escala
mais alargada, este processo poderia ser ainda adoptado na transmissão de
bens de prestígio como as belas contas de mineral verde, essencialmente do
grupo da variscite, cuja exploração atingiu o seu apogeu no Neolítico Final.
Tanto nos grandes monumentos megalíticos do Alto Alentejo, como nas grutas
sepulcrais, naturais ou artificiais, da Estremadura, igualmente utilizadas
naquela época, ocorrem com abundância tais elementos de adorno,
configurando um comércio a longa distância, a partir das zonas de exploração,
cujo mecanismo poderá ser explicado por permutas sucessivas, até aos locais
de utilização final. No caso destes minerais verdes, maioritariamente
representados pela variscite, a zona mais próxima de origem, face à
Estremadura, situa-se na região de Encinasola (Huelva), associada a materiais
vulcano-sedimentares silúricos (Edo, Villalba & Blasco, 1995). A grande
distância que separa esta mina dos locais de ocorrência dos materiais dela
provavelmente provenientes, implicaria complexos intercâmbios
transregionais. Tal realidade só se poderá justificar pela atribuição – num
fenómeno evidentemente supra-cultural, que abarcou toda a Europa ocidental
– a tais contas verdes de um valor simbólico e de prestígio. Deste modo, não
sendo tais matérias-primas acessíveis a todos os membros da comunidade –
especialmente os exemplares de maiores dimensões, que seriam por certo de
muito difícil obtenção, pela sua raridade, mesmo nas zonas mineiras – a sua
presença sugere a existência de diferenciações sociais intracomunitárias, com
origem, talvez, na emergência de actividades especializadas, no decurso do
Neolítico Final. Tal realidade encontra confir-mação na existência de peças
de carácter mágico-simbólico, como os báculos de xisto, artefactos de mando
e de prestígio, característicos da fase de apogeu do megalitismo alentejano.

Não seriam apenas as matérias-primas de prestígio, no caso objectos de


adorno, que circulavam, já manufacturados ou ainda em bruto, segundo uma
cadeia de transmissão com elos sucessivos. A circulação transregional de
pessoas, designadamente artífices, a par dos produtos por eles
manufacturados, seria já uma realidade no Neolítico Final, acentuando-se
no Calcolítico, como se comprova pela existência de dois exemplares de
placas de xisto funerárias, características, igualmente, do megalitismo
alentejano, uma recolhida num dólmen de Huelva, outra oriunda de Chelas,

234
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junto a Lisboa, cujas extraordinárias analogias (Zbyszewski, 1957), aliás
reforçadas pelas evidentes particularidades decorativas que ostentam, se
poderão explicar por terem sido produto do mesmo artífice ou oficina.

A interacção cultural observada no Neolítico Final entre regiões geografi-


camente distantes é, por conseguinte, consequência directa do fenómeno da Fig. 138
intensificação económica então observado. Tal realidade tem, como se viu,
incidência directa no modelo de ocupação do território, privilegiando a
ocupação dos sítios altos, com boa visibilidade e vantajosas condições
defensivas, que se multiplicam de norte a sul do país – e a que poderíamos
juntar muitos outros, como o Cabeço da Velha, Vila Velha de Ródão,
implantado numa plataforma somital, cujo espólio revela afinidades com o
Neolítico Final da Estremadura (Cardoso et al., 1996), no caso veiculadas Fig. 100
através da importante via de circulação trans-regional que era o rio Tejo.
Com efeito, recolheram-se indústrias microlíticas de sílex esbranquiçado ou
rosado (geométricos, pontas de seta de base convexa, triangular ou com aletas
incipientes, a par de escassas cerâmicas decoradas que evocam exemplares
característicos da Estremadura.

Pode, pois, dizer-se que, nos finais do IV milénio a. C. todo o território


português se encontrava ocupado por comunidades cada vez mais adstritas a
territórios definidos, praticando uma economia mista, de base agro-pastoril
mas ainda longe da sedentarização e fixação permanente que caracterizou as
suas sucessoras do Calcolítico, no milénio seguinte. Mesmo zonas inóspitas
durante uma boa parte do ano, como os domínios de alta montanha, passaram
então a ser sazonalmente ocupados: é isso que se conclui do achado, na serra
da Estrela, a 1,2 km das Penhas Douradas e a 1430 m de altitude, de um
machado de anfibolito e de um elemento de mó manual, a par de diversas
cistas, que contudo poderão ser mais recentes (Cardoso & Gonzalez, 2002).
Este achado vem mostrar que os domínios da alta montanha eram frequentados
nos meses mais quentes do ano como pastagens de Verão sendo,
eventualmente, também aproveitados como campos de cultura (como sugere
a presença de elementos de moagem, embora estes se possam relacionar,
apenas, com a farinação de espécies selvagens, como a bolota). Seja como
for, os resultados das análises polínicas efectuadas em diversas turfeiras da
região, mostra que, pelo menos, na segunda metade do IV milénio a. C., se
terá assistido a uma degradação do coberto vegetal cuja causa mais plausível
terá sido de origem antrópica, envolvendo desflorestação por queimada, com
o objectivo da criação de pastagens (Knaap & Van Leeuwen, 1994).

A dependência, cada vez mais evidente, da domesticação de espécies animais


e vegetais, por parte de populações em processo acelerado de sedentarização,
conduziu à adopção de práticas mágico-religiosas que privilegiaram essa
relação, através da valorização de uma das suas componentes essenciais: a

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fertilidade da terras e dos animais, da qual, como atrás se disse, passou a
depender a própria viabilidade dos grupos humanos. É assim que se
compreende a existência, tal como na generalidade das sociedades agrárias
neolíticas da bacia mediterrânea, de diversas figuras zoomórficas,
Fig. 104 representando espécies de alta fecundidade: coelhos ou lebres encontram-se
reproduzidos em dezenas de pequenas estatuetas, muitas delas com furo de
supensão, destinadas possivelmente a propiciarem a fertilidade dos seus
portadores, algumas em peculiar posição reprodutora, envolvendo dois
Fig. 105 animais. É também nesse âmbito que se compreendem as duas esculturas de
barro, representando suídeos (mais concretamente porcas na época do cio,
como sugere a morfologia da zona sexual, expressivamente reproduzida),
recolhidas no povoado pré-histórico de Leceia, na camada do Neolítico Final
(Cardoso, 1996). Importa referir que a representação de suídeos se estende à
Fig. 106 de recipientes utilizados por certo em cerimónias litúrgicas, como os
recolhidos na gruta do Carvalhal, Alcobaça, do Neolítico Final, ou já do
Calcolítico, como é o caso de exemplar de calcário oriundo do povoado
fortificado de Olelas, Sintra (Serrão & Vicente, 1958).

Este evidente acréscimo da agricultura e do pastoreio, conduziu à acumulação


de excedentes, cada vez mais necessários para fazer frente às contrariedades
decorrentes de períodos de maior escassez, agravados por via de um provável
crescimento demográfico, realidade sempre presente no decurso do Neolítico
e do Calcolítico. É essa situação de constrangimento que terá provocado a
preferência pela já referida ocupação de sítios com boas condições naturais
de defesa, sem esquecer que tal padrão foi acompanhado pela manutenção
Fig. 102 da presença humana em locais desprovidos de tais características. Importa
também referir que, no Neolítico Final se manteve, em áreas propícias, como
o estuário do Sado, pelo menos em certas épocas do ano, a prática da pura
recolecção, ali efectuada desde o Neolítico Médio, com eventuais
prolongamentos pelo Calcolítico. É o que indicam as datas de radiocarbono
Fig. 103 obtidas em dois dos concheiros da Comporta, Grândola (Silva et al., 1986):
Barrosinha (3640-3360 e 3501-3100 a. C.) e Possanco (3025-2703 a. C.).
Pode admitir-se que tais populações viveriam nos meses do ano mais propícios
em tais zonas, podendo, na parte restante, ocupar-se da agricultura, na outra
margem do estuário do Sado. Tal como já se verificava quanto à transição do
Mesolítico para o Neolítico, não é aceitável uma evolução linear: as práticas
de recolecção persistiram, sempre no respeito por um princípio de conservação
das energias face aos resultados pretendidos: no caso, a simples subsistência
com o investimento mínimo da força e mão-de-obra humanas.

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9. Manifestações Funerárias Neolíticas não Megalíticas

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A partir do Neolítico Médio, assumem crescente importância, pela sua
visibilidade, as manifestações megalíticas, com uma distribuição generalizada
a todo o território português, embora de forma não aleatória. Deixando para
outro capítulo a caracterização do fenómeno funerário megalítico, importa
referir as sepulturas não megalíticas, isto é, aquelas que ocuparam espaços
ou recintos não definidos por grandes monólitos, as quais, por assumirem
carácter não-monumental, são por vezes preteridas na sua verdadeira
importância.

Viu-se anteriormente que, já no Mesolítico Final dos vales do Tejo e do


Sado, se tinham constituído nos concheiros verdadeiras necrópoles,
ascendendo o número dos inumados, na primeira daquelas regiões a, pelo
menos, trezentos indivíduos, com rituais, próprios, que, nalguns casos, foi
possível identificar. As sepulturas eram realizadas em covachos, e
acompanhadas de oferendas. Esta última situação continuou a verificar-se
no Neolítico Antigo, e, de um modo geral, nas épocas que lhe sucederam,
constituindo os espólios exumados um auxiliar indispensável ao
estabelecimento da respectiva cronologia.

Mercê de circunstâncias propícias, a Estremadura e Beira Litoral possuem grande


abundância de grutas naturais, situação que não se verifica em qualquer outra parte
do país. Aqui se reconheceram inúmeras deposições funerárias remontando ao
Neolítico Antigo, como a gruta do Caldeirão, o Abrigo da Pena d’Água, a gruta do
Almonda, o Algar do Picoto e a Casa da Moura, as três primeiras com cerâmicas
cardiais, a que se poderia juntar o notável conjunto encontrado na gruta natural de
Eira Pedrinha, Condeixa (Corrêa & Teixeira, 1949). Com excepção da última, as
restantes possuem datações absolutas entre o meados do VI milénio a. C. e o primeiro
quartel do milénio seguinte. Também na gruta do Correio-Mor (Loures), se datou
uma acumulação espessa de carvões, correspondentes a uma fogueira, talvez da
carácter habitacional, ou ritual, cujo resultado, para cerca de 95 % de confiança
corresponde aos intervalos de 5431-5393 a. C.; 5388-5215 a. C.; e 5158-5146 a. C.
(Cardoso, Ferreira & Carreira, 1996). Outra data, inédita até ao presente, obtida
sobre ossos humanos, confirma a utilização sepulcral da cavidade no Neolítico
Antigo, correspondendo-lhe o intervalo, para cerca de 95 % de confiança, de
5346-5208 a. C. Saliente-se a ausência nesta gruta de cerâmicas com decoração
cardial, substituídas por outras, impressas e incisas, que acompanham
frequentemente aquelas, como atrás se referiu.

A utilização de grutas para a instalação de necrópoles colectivas, logo nos


primórdios do Neolítico Antigo, corresponde a padrão que se manterá ao
longo de todo o Neolítico, prolongando-se por épocas ulteriores. Ao mesmo

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tempo, em regiões desprovidas delas e de rochas com as dimensões suficientes
para a construção das sepulturas megalíticas primitivas, ter-se-ia recorrido à
simples abertura de covachos, que só acidentalmente se poderão encontrar: é
o caso da vasta região da bacia cenozóica do Tejo, a qual, sendo constituída
essencialmente por depósitos areno-conglomeráticos, não possuía recursos
geológicos propícios à construção de recintos megalíticos. É assim que se
poderá entender a sepulura do Vale das Lages, Alenquer, correspondente a
simples covacho aberto nos depósitos terciários a qual possuía, como
oferendas, apenas um pequeno machado de pedra polida e três geométricos
(Corrêa, 1928). Outra modalidade de sepultamento das fases mais antigas
do Neolítico é a patente na zona correspondente ao povoado de Salemas,
Loures: aproveitando as anfractuosidades do lapiás, em pequenas "cuvettes"
ou algares, efectuaram-se diversas sepulturas, datadas pelo radiocarbono no
Neolítico Antigo, entre 5230-4670 a. C., para um intervalo de confiança de
cerca de 95 %, época que é totalmente compatível com a tipologia do espólio
cerâmico recolhido na área do povoado (Cardoso, Ferreira & Carreira, 1996).

Outras grutas, escavadas no século XIX ou na primeira metade do século


XX, como a da Furninha, Peniche, as grutas da Senhora da Luz, e o Abrigo
Grande das Bocas Rio Maior, cujas ocupações do Neolítico Antigo são
atestadas pela tipologia dos respectivos materiais, não foram ainda objecto
de datação. No caso da gruta da Furninha, observou-se a organização dos
restos humanos consoante as suas semelhanças morfológicas, indicando
tratar-se de um depósito secundário, ainda que não necessariamente do
Neolítico Antigo, visto existirem também materiais do Neolítico Final
(Delgado, 1884).

Nas restantes regiões do País, ainda se não encontraram testemunhos seguros


do aproveitamento funerário de grutas naturais no Neolítico Antigo, apesar
de ocorrerem nelas materiais de tal época: é o caso das furnas de Mexilhoeira
da Carregação, Lagoa (Bentes, 1985/1986), e da já referida gruta do Escoural,
Montemor-o-Novo (Santos, 1971).

O panorama altera-se no Neolítico Médio, convencionalmente situado,


conforme se referiu, entre cerca de 4500 e 3750 a. C. Tal é o caso do Algarão
da Goldra, Faro, a única cavidade cársica algarvia e uma das raras de Portugal
onde se reconheceu ocupação funerária desta época situada entre
4470-2924 a. C. para um intervalo de confiança de cerca de 95 %. A gruta
foi utilizada como necrópole, revelando as análises bioquímicas aos ossos
humanos uma dieta baseada em vegetais, realidade consentânea com os
resultados de análises polínicas, que indicam desflorestação e a prática da
cerealicultura. Ao nível do espólio encontrado, destaca-se a cerâmica,
essencialmente lisa, mas com formas decoradas incisas: é o caso de uma
taça em calote decorada com grinaldas abaixo do bordo (Straus et al., 1992,
Est. IV).

240
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Também no Neolítico Médio, prosseguiu, na Estremadura e áreas limítrofes,
a utilização de grutas naturais como necrópoles. Aqui, foram reportadas ao
Neolítico Médio as seguintes grutas: Gruta do Caldeirão; gruta do Cadaval;
Abrigo da Pena d’Água; Lapa da Bugalheira/Sala do Ricardo; e Lapa dos
Namorados (Zilhão & Carvalho, 1996). Os intervalos cronológicos
apresentados por estes autores, calibrados para cerca de 95 % de confiança,
variam entre os meados do V milénio a os meados do IV milénio a. C., sendo
de aceitar um intervalo de maior incidência no primeiro quartel do IV milénio
a. C. Uma data recentemente obtida para ossos humanos da gruta do Lugar
do Canto, Alcanede, deu o intervalo, depois de calibrado para cerca de 95 %
de confiança, de 4046-3752 a. C., resultado que se encontra conforme às
considerações anteriores. De realçar que esta gruta constituiu-se como uma
notável necrópole com apenas um único horizonte cultural, aumentando deste
modo o seu interesse no concernente à representatividade e homogeneidade
do respectivo espólio (Leitão et al., 1987).

Os cadáveres foram simplesmente depositados no chão da gruta. Alguns ainda se


mantiveram em conexão anatómica, mas a maioria dos ossos sofreu remobilizações,
devido sobretudo à circulação de águas subterrâneas.

O estudo antropológico realizado mostra uma longevidade dominante entre os 20


e os 35 anos (65 %); existe apenas um crânio de um homem com mais de 50 anos
e de uma criança com menos de 10 anos; no entanto, o seu número deveria ser
maior (os húmeros indicam a presença de onze crianças). Quanto a patologias, os
crânios indicam um número muito alto de traumatismos e infecções, presentes em
24 dos 42 crânios estudados. Esta situação comprova um nível de conflitualidade
alto: nalguns casos, os traumatismos foram causa de morte.

É interessante verificar que existem sinais de trepanações em quatro crânios, nalguns


casos com regeneração, o que indica sobrevivência do indivíduo; já na gruta da
Casa da Moura se observou um crânio, reportável igualmente ao Neolítico Antigo,
incompletamente trepanado, por incisão e raspagem, com objecto cortante, devido
à morte do indivíduo no decurso da operação, a menos que corresponda a uma
tentativa de trepanação póstuma.

Numerosos ossos longos exibem, também, fracturas, e outros indícios neles


presentes evidenciam apreciável actividade física, da qual poderia derivar luxações
e fracturas, favorecidas pela topografia acidentada da região. Enfim, nesta
comunidade parece terem sido as mulheres as introduzidas no grupo, com origem
em grupos sociais exógenos. Fig. 134
No conjunto dos materiais arqueológicos, destaca-se a ausência de cerâmica, facto
que deve imputar-se às características rituais das oferendas, que não a incluía;
idêntica situação foi verificada em certos espólios megalíticos. O restante espólio
inclui machados e enxós de anfiboloxisto, geométricos (trapézios, triângulos,

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lamelas), furadores sobre esquírolas de ossos fracturados longitudinalmente, e
objectos de adorno, com destaque para pulseiras de conchas de Glycymeris
recortadas e contas de colar de conchas de Dentalium; ambas as categorias têm
paralelo nos espólios das sepulturas em fossa do Neolítico Médio catalão. De
salientar a total ausência de pontas de seta, indicando claramente uma época anterior
ao Neolítico Final, confirmada pela cronometria obtida.

Merece igualmente referência a gruta do Cadaval, Tomar, cuja camada D foi


atribuída ao Neolítico Médio (Oosterbeek, 1985, 1992); provenientes de
sepulturas provavelmente individuais, recolheram-se cerâmicas lisas e com
decorações plásticas e incisas, correspondentes a grinaldas metopadas abaixo
do bordo, muito semelhantes ao padrão decorativo do vaso da Goldra, Faro,
atrás mencionado, micrólitos, machados e enxós bem polidas; de registar,
igualmente, a ausência de pontas de seta. Como objectos de adorno, algumas
contas perfuradas de Theodoxus sp.; ao nível dos objectos de cunho simbólico,
um cristal de quartzo. Esta gruta, na camada em apreço, revelou um ritual
semelhante ao que será adiante descrito na Lapa do Fumo, Sesimbra, embora
este último seja mais recente, como foi já reconhecido (Oosterbeek, 1997,
p. 162).

Outra gruta sepulcral em tudo comparável é a do Algar do Bom Santo,


Cadaval. O levantamento dos restos ósseos que afloravam à superfície, sobre
o chão primitivo da gruta, indicou um total de cento e vinte e sete indivíduos,
o qual deverá ser aumentado quando se contabilizarem as deposições não
aflorantes. Ao que parece, existiram diversos padrões de deposições
funerárias, não estando presentes todas as partes do esqueleto humano, nem
se repetindo os ossos mais representados em cada uma das áreas em que a
necrópole se desenvolveu (Duarte, 1998). Tal situação sugere que a maioria
das deposições foi feita secundariamente, tal como ocorreu na necrópole da
gruta da Furninha, Peniche, muito embora nalguns casos os esqueletos se
encontrem em articulação anatómica. Infelizmente, ainda não se conhece o
espólio arequeológico acompanhante, pelo que outras comparações com a
gruta do Lugar do Canto são por ora inviáveis. Mas as cinco datas de
radiocarbono apontam para uma ocupação efectuada ao longo de apenas 500
anos, entre cerca de 3750 e 3250 a. C. sendo por conseguinte já situável na
primeira fase do Neolítico Final da Estremadura, mas na imediata
continuidade dos rituais do Neolítico Médio identificados na gruta do Lugar
do Canto.

Outra gruta nas mesmas condições é a do Escoural, Montemor-o-Novo.


Fig. 136 Embora as datas de radiocarbono disponíveis indiquem também uma época
de utilização da cavidade já na segunda metade do IV milénio a. C., e portanto
pertencente cronologicamente ao Neolítico Final, a verdade é que não só as

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características das tumulações, realizadas sobre o chão da gruta,
correspondendo a deposições secundárias (Santos, 1972), por vezes
aproveitando as anfractuosidades das paredes laterais, como os espólios
recolhidos, indicam uma fase cultural inserível no Neolítico Médio: presença
de formas cerâmicas lisas, abertas e fechadas, de onde se encontra Fig. 135
completamente ausente a taça carenada, presente em contextos sepulcrais do
Neolítico Final regional; ainda quanto às formas cerâmicas representadas,
devem destacar-se diversos vasos de boca elíptica, de evidente raridade no
território português; na Lapa da Bugalheira, Torres Novas, obteve-se uma
data de radiocarbono correspondente ao intervalo de 3990-3727 a. C.,
relacionada com um destes vasos; por outro lado, na gruta do Escoural
reconheceu-se e presença de geométricos, com total exclusão de pontas de
seta (Araújo & Lejeune, 1995), o que abona a favor de uma fase mais antiga
que o Neolítico Final. Por outras palavras: parece ter-se verificado um
conservadorismo de produções líticas e cerâmicas, na passagem do Neolítico
Médio para o Neolítico Final, em certas áreas, enquanto que noutras, aquelas,
entretanto, já tinham sido progressivamente substituídas.

O Neolítico Final é, como seria de esperar, o período que se encontra melhor


representado nas necrópoles em grutas naturais da Estremadura e Beira
Litoral. As dezenas de ocorrências até agora identificadas, ainda que de
importância desigual, desenvolvem-se ao longo de todo o maciço calcário, Fig. 133
desde a região de Coimbra (gruta dos Alqueves, Vilaça, 1988). Algumas das
grutas referidas anteriormente, continuaram a ser aproveitadas como
necrópoles colectivas, evidenciando nítida continuidade com as práticas
funerárias anteriores, como a gruta da Casa da Moura, entre muitas outras;
outras, foram-no então pela primeira vez. É o caso da Lapa da Galinha, Torres
Novas, onde se identificou um vasto depósito mortuário, infelizmente apenas
objecto de notícias preliminares, a última das quais de 1959 (Sá, 1959),
Fig. 137
constituído por dezenas de sepulturas, delimitadas umas das outras por
pequenos muretes ou ortóstatos; esta prática foi identificada também na
necrópole da Lapa do Bugio, Sesimbra, pequena cavidade natural situada no
topo da encosta meridional da Arrábida, sobre o mar. As sepulturas, realizadas
em pequenos covachos, encontravam-se individualizadas por muretes de
pequenos ortóstatos, jazendo os cadáveres em decúbito dorsal (Monteiro,
Zbyszewski & Ferreira, 1971; Cardoso, 1992). Um amontoado de ossos
humanos poderia constituir um ossuário, formado a partir dos restos que
seriam removidos do chão da gruta para dar lugar a outros enterramentos.

Outra gruta situada a cerca de 4 km para Este, e nas mesmas condições, é a


Lapa do Fumo, onde foi reconhecido um interessante ritual funerário, com o
uso abundante do ocre vermelho, de tal modo que a camada correspondente,
datada pelo radiocarbono entre 3328-2920 a. C. adquiriu coloração vermelha.

243
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O ritual de formação do correspondente depósito funerário foi descrito do
seguinte modo, pelos seus exploradores (Serrão & Marques, 1971):

1. Abertura de uma ampla cova de fundo plano, com 1,5 m² mas


provavelmente maior;

2. Alisamento e pavimentação do fundo, com lages de tufo retiradas da


própria gruta, em toda a superfície;

3. Preenchimento dos intervalos entre as lajes com barro cru, dando


resposta à necessidade de isolamento da superfície assim criada;

4. Deposição dos ossos humanos fragmentados, sem preocupações


especiais;

5. Ateamento de pequenas fogueiras de arbustos ou ramos de árvore,


denunciadas pela existência de manchas circunscritas de resíduos,
numerosos pequenos carvões espalhados nas terras e alguns ossos
com vestígios de incarbonização incompleta e manchas de carvão;

6. Deposição do restante espólio funerário, incluindo placas de xisto,


estatueta de leporídeo, geométricos, furadores de osso, elementos de
adorno (contas de azeviche, discóides de xisto, alfinetes de osso de
cabeça canelada postiça) e cerâmicas lisas, incluindo esféricos, taças
em calote e recipientes carenados;

7. Polvilhamento do conjunto com ocre vermelho; o ocre empastou os


ossos queimados, os carvões e os artefactos;

8. A última fase da sequência ritual seria o recobrimento de terra de


todo o conjunto, admitido pelos autores.

A "camada vermelha" da Lapa do Fumo corresponde, pois, à instalação de


um depósito funerário secundário, tendo os ossos sido previamente
descarnados e desarticulados, eventualmente fracturados no decurso dessa
operação, em alternativa a serem limpos por simples exposição ao agentes
atmosféricos. Seja como for, a amálgama que os ossos constituíam, o estado
de fracturação que alguns exibiam e ainda as marcas de fogo conservadas
nalguns deles, poderiam sugerir, aos olhos dos investigadores do século XIX,
a prática do canibalismo ritual, tema que constituiu uma das principais
polémicas da IX Sessão do Congresso Internacional de Antropologia e
Arqueologia Pré-Históricas, reunido em Lisboa em 1880. Com efeito, Nery
Delgado foi levado admitir tal hipótese, ao deparar, na gruta da Furninha,
com indícios semelhantes: ossos amontoados, constituindo ossuário,
fracturados intencionalmente e, nalguns casos, com marcas de fogo (Delgado,
1884).

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Muitas outras grutas naturais da região estremenha, foram ocupadas como
necrópoles no decurso do Neolítico Final: é o caso a norte do Tejo, da gruta da
Feteira, Lourinhã, para a qual se dispõe de uma datação de radiocarbono,
executada sobre uma costela humana, correspondente ao intervalo de 3506-3039
a. C., para cerca de 95 % de confiança. A respectiva escavação forneceu um
conjunto artefactual característico desta fase cultural: recipientes lisos, de
características idênticas aos recolhidos nos dólmenes (taças em calote, esféricos,
etc.), associados a taças carenadas e a vasos de bordo denteado, típicos do
Neolítico Final da Estremadura, enxós espalmadas totalmente polidas,
machados de anfibolito, lâmimas retocadas ou não, pontas de seta de base
côncava ou triangular, geométricos de sílex e mesmo um fragmento de placa
de xisto decorada, para além de diversos adornos (Zilhão, 1984). É este tipo de
associação artefactual que se repete, com maior ou menor abundância ou
riqueza, nos conjuntos funerários mencionados, que se distribuem na faixa
estremenha, do Mondego (gruta dos Alqueves) até Melides, localidade onde
foram identificadas igualmente diversas grutas funerárias com importante
ocupação funerária desta fase cultural (Nogueira, 1928).

Para além da utilização de grutas naturais, no Neolítico Final assistiu-se à


abertura de silos funerários, ou de grutas artificiais, nos locais em que as
rochas a isso permitiam: trata-se, em geral, de calcários brandos, ou de margas,
facilmente escaváveis.

Os silos são monumentos relativamente raros em Portugal; correpondem a


estruturas negativas, não abobadadas como as grutas artificiais, que passam
relativamente depercebidas e são, por outro lado, de fácil destruição. De
entre todas as ocorrências – nem sempre evidente, como é o caso da sua
existência na necrópole das Lapas, Torres Novas (Carreira, 1996) – avulta a
necrópole de Aljezur, publicada por Estácio da Veiga (Veiga, 1886). Trata-se
de um conjunto constituído por nove silos, contendo restos humanos, talvez
depositados em posição flectida e numerosos artefactos, avultando grandes
lâminas de sílex, de origem exógena, machados de pedra polida, enxós, pontas
de seta de base côncava, alabardas de cuidado trabalho bifacial, elementos
de adorno, com destaque para os alfinetes de osso de cabeça postiça, canelada
ou lisa, e por último, notável colecção de placas de xisto decoradas, à época
a mais numerosa reunida no país. Entre as cerâmicas, merece destaque uma
"lamparina", com furos para suspensão, idêntica a exemplares calco-
líticos. No conjunto, os materiais são compatíveis com o Neolítico Final,
embora a tipologia muito avançada de certas pontas de seta, de base côncava
profundamente cavada e a deste vaso, sugira a utilização da necrópole no
Calcolítico, cronologia que não é incompatível com a presença das placas de
xisto, apesar de não se ter encontrado um único objecto de cobre, como bem
salientou o pioneiro arqueólogo algarvio. Idêntica solução funerária foi
documentada, pelo mesmo, em outros locais, entretanto completamente

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© Universidade Aberta
desaparecidos, e, mais recentemente, no Cerro das Cabeças, Silves,
correspondendo a uma sepultura em silo infelizmente destruída na sua quase
totalidade. Ainda assim, foi possível identificar vestígios de, pelo menos,
duas inumações, uma delas associadas a três artefactos: uma lâmina de sílex
não retocada, uma ponta robusta de osso totalmente afeiçoada por polimento
e um bracelete de Glycymeris ainda associado a porção de húmero (Gomes
& Paulo, 2003). Esta sepultura colectiva em silo integra-se no Neolítico Final,
possuindo o bracelete diversos paralelos, da mesma época, tanto na
Estremadura como mais para oriente, ao longo da Andaluzia e na Catalunha.
Na primeira das referidas regiões, merece destaque o fragmento encontrado
in situ na camada do Neolítico Final do povoado pré-histórico de Leceia
(Cardoso, 1997, p. 97) – a única ocorrência conhecida de área habitacional –
e, pela quantidade e qualidade, o conjunto recolhido nas grutas naturais
sepulcrais da Senhora da Luz, Rio Maior (Cardoso, Ferreira & Carreira, 1996).

As grutas artificiais ou hipogeus circunscrevem-se, em território português,


à Estremadura e ao Algarve. As afinidades arquitectónicas com os grandes
dólmenes do apogeu do megalitismo são assinaláveis: com efeito,
ultrapassado um átrio exterior, segue-se um corredor, muitas vezes de paredes
bombeadas, totalmente escavado na rocha, com declive para o interior do
monumento, dando passagem, através de uma porta arredondada, por vezes
com formato em ferradura, a uma câmara de planta circular, em forma de
Fig. 141
calote esférica, munida de uma clarabóia, que permitiria o acesso directo ao
seu interior, bem como a sua iluminação e arejamento. Avultam os conjuntos
constituídos por vários destes túmulos colectivos na Baixa Estremadura: as
afinidades arquitectónicas com exemplares pré-históricos da bacia
Fig. 142 mediterrânea merecem ser destacadas. É o caso das quatro grutas artificiais
da Quinta do Anjo, Palmela, cuja disposição, aparentemente aleatória, deverá
relacionar-se com o máximo aproveitamento do afloramento de calcários
brandos onde se escavaram os túmulos; tal é também a situação verificada
Fig. 143 na necrópole de Alapraia, Cascais, igualmente constituída por quatro
sepulcros, bem como na de Carenque, Amadora, também ela integrando
originalmente quatro grutas artificiais. Tal número poderá, deste modo, não
ser obra do acaso, mas respeitar um princípio cujo fundamento hoje nos
escapa. Claro que noutros casos se está perante um número inferior, sem
contudo ser possível conhecer a situação original. A data de construção e
primeira utilização destes sepulcros, nalguns casos remonta ao Neolítico Final;
noutros casos, poderá ser já calcolítica. O facto de quase todos eles terem
conhecido reutilizações intensas, particularmente evidentes no campaniforme,
(Calcolítico Pleno e Final) levou a que, de início, fossem atribuídos a tal
época. Constituindo espaços fechados, acanhados e confinados, onde se
praticaram dezenas, senão centenas de tumulações, por muitas centenas de
Fig. 144 anos, com os consequentes remeximentos e evacuação do seu interior de
materiais fora de uso, facilmente se compreende a dificuldade de se isolarem

246
© Universidade Aberta
conjuntos homogéneos que não seja pela tipologia, designadamente os dos
seus primeiros utilizadores do Neolítico Final.

Assim, na Gruta II da necrópole de Alapraia, Cascais, no grupo das pontas de seta,


dominam as de base triangular, possuindo ou não aletas laterais incipientes, as
quais são características do Neolítico Final, acompanhadas dos ainda mais
característicos vasos de bordo denteado (Jalhay & Paço, 1941). Nas grutas da Quinta
do Anjo, Palmela (Leisner, Zbyszewski & Ferreira, 1961), estão também presentes
tais tipos de pontas de seta, acompanhados de uma abundante indústria de
geométricos e de grandes lâminas de sílex não retocadas; no capítulo da pedra
polida, dominam os pequenos machados de acabamento fruste, de secções
elipsoidais e sub-quadrangulares, acompanhados por enxós espalmadas, bem
polidas: no conjunto, é inquestionável a natureza neolítica, sublinhada ainda pela
presença de grandes contas toneliformes de "calaíte"; enfim, no capítulo das peças
de uso simbólico e funerário, avulta o numeroso conjunto de placas de xisto
decoradas, que é também indicador de idade neolítica, pese embora a sua
sobrevivência, por vezes em grande quantidade em monumentos funerários
calcolíticos. Na tantativa de fixar uma cronologia para a etapa mais antiga da
utilização da necrópole de Palmela, datou-se um alfinete de osso de cabeça postiça
canelada oriundo da gruta 3; o resultado da análise radiocarbónica, para um intervalo
de confiança de cerca de 95 %, foi de 2870-2460 a. C., correspondendo-lhe época
já calcolítica; a conclusão a retirar é a de que tais objectos, embora de cronologia
predominantemente inserível no Neolítico Final – como indicam os resultados das
datações efectuadas sobre exemplares homólogos de diversas grutas naturais, todas
já anteriormente mencionadas, da Furninha, da Casa da Moura, da Lapa do Bugio,
e da gruta artificial da Praia das Maçãs, Sintra – tenham continuado a ser produzidos
no decurso do Calcolítico.

A gruta artificial da Praia das Maçãs é um monumento complexo, constituído por Fig. 188
um longo corredor, de lados bombeados como as grutas artificiais e parcialmente
escavado na rocha, a que se segue uma câmara de planta subcircular, em grande
parte também escavada na rocha, a qual comunica, através de uma estreita passagem
provida de dois nichos laterais, com uma segunda câmara, de menores dimensões,
totalmente escavada na rocha, a chamada "câmara ocidental" (Leisner, Zbyszewski
& Ferreira, 1969). Os referidos autores consideraram que esta última era a parte
mais antiga do monumento, à qual foi adicionada uma tholos calcolítica que, séculos
depois, teria sido construída no mesmo local da gruta artificial anterior e a ela
ligada. Esta suposição baseava-se no facto de o espólio ser muito diferente, para
além das datas de radiocarbono, obtidas em ambos os sectores, suportarem também
épocas de construção diferenciadas. Porém, escavações mais recentes, efectuadas
na década de 1970, que incidiram no sector do corredor até então não escavado,
vieram mostrar que este possuía elementos de cronologia compatível com o
Neolítico Final (Gonçalves, 1982/1983), sendo por conseguinte a construção de
todo o monumento atribuível a esta fase cronológico-cultural, sendo a zona da
câmara principal e do corredor, objecto de reutilizações sucessivas, no decurso do

247
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Calcolítico, que não se estenderam à câmara ocidental. Tratando-se de um túmulo
total ou parcialmente escavado na rocha, é compatível com a designação de gruta
artificial, embora a parede da câmara tenha sido revestida com lages, constituindo
cúpula, apoiada em pilar central de madeira, cujos testemunhos ainda se observaram
nas escavações da década de 1960.

A fase mais antiga do monumento, presente na câmara ocidental e no corredor,


integrava os "itens" característicos do Neolítico Final da Estremadura já antes
referidos: cerâmica dolménica lisa (taças em calote, esféricos), taças de boca
elíptica, taças carenadas e vasos de bordo denteado; pontas de seta de base
predominantemente triangular ou pedunculada; placas de xisto decoradas e de
arenito; e ainda, alfinetes de osso de cabeça postiça, canelada ou lisa, dos quais
dois foram datados, confirmando a cronologia do Neolítico Final indicada pela
tipologia do conjunto: para um intervalo de confiança de cerca de 95 %, os resultados
obtidos foram (Cardoso & Soares, 1995): 3340-2880 a. C.; e 3310-2890 a. C.).

Aliás, a cronologia neolítica das grutas artificiais da Estremadura portuguesa


encontrava-se já indicada pela data obtida sobre ossos humanos de tumulações
realizadas numa gruta artificial existente cerca de Leceia, Oeiras, utilizada
por certo durante um curto período de tempo, tendo presente o escasso número
de restos encontrados; para um intervalo de cerca de 95 % de confiança, o
resultado obtido para a datação foi de 3509-3147 a. C., situando a ocupação
daquela necrópole colectiva em toda a segunda metade do IV milénio a. C.

No Algarve, identificou-se e escavou-se recentemente a primeira gruta


artificial reconhecida naquela região. Trata-se do sepulcro de Monte Canelas,
Portimão, o qual, conjuntamente com o único dólmen da necrópole de Alcalar
(Alcalar 1), representa a fase mais antiga desta necrópole polinucleada,
celebrizada pelas notáveis tholoi que, no decurso do Calcolítico, ali se
construiram. A escavação do hipogeu de Monte Canelas revelou a existência
de uma planta semelhante à identificada no monumento da Praia das Maçãs,
atrás referido. Escavado no substrato de calcários brandos, possui duas criptas
coalescentes, uma delas de planta sub-rectangular, alargando-se em semi-
círculo, comunicando com o exterior através de passagem em rampa, virada
aproximadamente para norte e para a serra de Monchique (Parreira, 1997).
No interior, uma meticulosa escavação permitiu identificar a deposição de
mais de setenta indivíduos, alguns deles ainda conservando as conexões
anatómicas (Silva, 1997). Uma datação efectuada sobre os restos carbonizados
de uma provável tocha, encontrados no topo do nível funerário inferior (dos
dois reconhecidos), deu o resultado de 4460 ± 110 anos BP, que corresponde,
para um intervalo de confiança de cerca de 95 %, a 3379-2881 a. C., valor
que é plenamente compatível com os obtidos em ossos humanos de diversas
deposições primárias ali efectuadas: 4370 ± 60 anos BP e 4420 ± 60 anos BP,

248
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a que se reportam, respectivamente, os intervalos calibrados, também para
cerca de 95 % de probabilidade, de 3290-2880 a. C. e 3340-2900 a. C. (Silva,
2002).

Estes resultados são, deste modo, comparáveis aos obtidos nos túmulos homó-
logos da Estremadura; tais semelhanças são ainda sublinhadas pela seme-
lhança dos espólios encontrados, onde ocorrem igualmente os característicos
alfinetes de osso com cabeça amovível canelada, considerados por isso como
característicos do Neolítico Final, ainda que, como se viu, com sobrevivências
pelo Calcolítico: uma vez mais, é a continuidade cultural que se evidencia,
pontuada, naturalmente, por inovações.

O recurso a várias fórmulas de enterramento, por vezes na mesma necrópole


– situação exemplarmente documentada na necrópole de Alcalar – umas mais
ostentatórias, outras deliberadamente discretas, como é o caso das grutas
artificiais, totalmente enterradas – ainda se não encontra cabalmente explicada.

Seja como for, as oferendas funerárias, depositadas nas grutas artificiais –


que não se diferenciam das que, pela mesma altura, eram colocadas no interior
dos dólmenes da mesma região –, indicam uma intensa circulação de objectos
de prestígio, exemplarmente ilustrados pelas grandes contas de variscite, que
não são compatíveis com uma sociedade de base igualitária. A estas, juntam-se
contas de outros minerais igualmente raros e por isso muio apreciados, como
a fluorite, oriunda dos pegmatitos graníticos da Beira Alta, a mais de 300 km
de distância em linha recta da Estremadura, de que se conhecem belos
exemplares na Lapa do Bugio, Sesimbra e na gruta da Casa da Moura, Óbidos.
Igualmente notáveis são os grandes núcleos de cristal de rocha, cuja ocorrência
em sepulcros da Estremadura tanto do Neolítico Final, como do Calcolítico,
parece poder conotar-se com a noção de purificação, que a sua limpidez e
transparência sugere, tendo, deste modo, um carácter simbólico.

Mas são as placas de xisto, tão abundantes nas grutas naturais e nos dólmenes
da Estremadura, utilizadas como oferendas funerárias cujo significado e
funções ainda se não encontram satisfatoriamente esclarecidos, a par dos
ídolos almerienses, em plaquetas recortadas, excepcionalmente reunidos na
mesma peça, que melhor corporizam os contributos oriundos do interior
alentejano, a que se somam os notáveis báculos de xisto, objectos de evidente
conotação com o exercício do poder; tal presença fez-se sentir, aliás, para
norte, na Beira Baixa, e para sul, no Baixo Alentejo e no Algarve, onde se
recolheram também numerosos exemplares. Esta realidade mostra que a Fig. 157
adopção de crenças e práticas funerárias de carácter transregional,
configurando um processo de interacção cultural generalizado,
multidireccionado e recíproco, não é mais, afinal, que a expressão material
de uma complexa rede de circulação de pessoas, de bens e de ideias, que se
intensificou no decurso do III milénio a. C.

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10. O Megalitismo no Território Português

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Os grandes monumentos pré-históricos que incorporam grandes pedras na
sua construção (literalmente: mega-grande; lithos, pedra), cujo inventário
sistemático se iniciou, em Portugal, no século XVIII, prosseguindo pelo
seguinte, podem repartir-se em dois grandes grupos: os de carácter
essencialmente funerário, os dólmenes ou antas, podendo, em diversas regiões
do país, ser designados por diversas expressões, como orca, arca, mamôa, ou
outras; e os de carácter ritual, constituídos apenas por um monólito de
dimensões variáveis (podendo ultrapassar os seis metros de comprimento),
designados por menires, quais podem ocorrer isolados, ou agrupados,
formando recintos fechados de geometria variável (cromeleques) ou
alinhamentos (apenas dubitativamente registados no território português). Fig. 107
Trata-se de dois processos com características e desenvolvimentos
completamente distintos, tal como distintos foram as respectivas finalidades
que presidiram à sua construção. Esta evidência justifica, pois, a manutenção
dos termos "megalitismo funerário", e "megalitismo ritual", conferindo-lhes
certa autonomia no quadro dos processos sociais observados no território
português entre meados do V milénio e os finais do III milénio a. C.

10.1 Megalitismo funerário

10.1.1 Alto e Baixo Alentejo

A emergência do fenómeno megalítico em Portugal tem sido nos últimos


anos objecto de análise por parte de diversos investigadores; no Alentejo
litoral, mercê dos trabalhos desenvolvidos por C. Tavares da Silva e J. Soares,
foi possível estabelecer um quadro que tem a vantagem de ser claro e coerente,
permitindo aos referidos arqueólogos a apresentação de diversas sínteses, Fig. 108
reflectindo muita da sua investigação pessoal no litoral alentejano (Soares,
1996; Silva, 1997; Soares & Silva, 2000). Tal como defendem a perspectiva
indigenista para explicar as origens do Neolítico Antigo no território
português, conforme anteriormente se referiu, também o fenómeno megalítico
teria para eles uma origem autóctone, radicada na evolução social e económica
protagonizada pelos primeiros agricultores e pastores, do Neolítico Antigo
Evolucionado, situável na primeira metade do V milénio a. C. Na verdade, se,
para assegurar a sua própria subsistência, bastaria aos bandos de caçadores –
recolectores do Mesolítico Final do litoral alentejano, uma assinalável
mobilidade logística, de modo a capturar a maior diversidade de recursos, no
trinómio caça-pesca-recolecção, para os grupos em processo de sedentarização
que lhes sucedeu, crescentemente fixados a determinados territórios, ainda
que baseados numa agricultura itinerante de corte e queimada, importaria
cada vez mais garantir a sua coesão interna, da qual dependia a sua própria

253
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estabilidade. Para sociedades cuja sobrevivência era baseada cada vez mais,
naquilo que produziam, impunha-se que criassem e cultivassem referências
identitárias em que todos se revissem. É desta forma que se pode explicar a
emergência e ulterior evolução da tipologia das sepulturas, que, de simples
covachos abertos junto da área habitada, no Mesolítico, evoluem para
verdadeiros monumentos megalíticos, cada vez mais evidentes na paisagem,
que, com o tempo, se vão tornando maiores e mais complexos. Nesses
primeiros momentos do megalitismo – também designado por
proto-megalitismo, dadas as dimensões modestas dos monólitos e dos espaços
por eles definidos – as sepulturas são individuais, e poderiam albergar apenas
dois ou três corpos, apresentam planta fechada e são cobertas por um
montículo de terra e pedras que as selavam; tal significa que, uma vez
consumada a tumulação, só com a remoção do montículo tumular se poderia
ter de novo acesso ao recinto funerário. Destinar-se-iam, provavelmente, aos
membros que mais se destacaram no seio da comunidade, os quais, deste
modo, assumiriam o papel de antepassado comum, que, fazendo parte da
memória colectiva do grupo de base familiar a que pertenciam,
desempenhavam assim um papel agregador e estabilizador. A implantação
destes sepulcros não se encontraria muito afastada do povoado onde vivia a
respectiva comunidade: na região que nos ocupa, o povoado de Salema, dos
finais do Neolítico Antigo Evolucionado, situa-se apenas a algumas centenas
de metros da sepultura proto-megalítica de Marco Branco, Santiago do
Cacém. Trata-se de uma câmara fechada, de planta elipsoidal e de pequenas
dimensões (1,70 m de comprimento por 1,35 m de largura), coberta por montículo
tumular também de pequenas dimensões. Identificaram-se dois momentos
de utilização do sepulcro, por certo separados por curto intervalo de tempo;
a ocupação mais recente integrava pelo menos restos de três indivíduos e
evidenciava rituais de fogo (Silva & Soares, 1983). O espólio recolhido é
pobre, no qual a única forma cerâmica identificada corresponde a uma taça
em calote lisa; a indústria lítica, também incaracterística, integra um raspador,
um buril e um trapézio simétrico, lâminas e lamelas com traços de uso. Se se
aceitar a conotação com o povoado da Salema, a cronologia para este sepulcro
ascenderia à primeira metade do V milénio a. C. e a uma fase de transição do
Neolítico Antigo Evolucionado para o Neolítico Médio.

A arquitectura tumular representada pelo monumento do Marco Branco, tem


equivalente em monumentos existentes noutras regiões do país, que, a seu
tempo, serão discutidos.

No Alentejo litoral, a fase média do megalitismo encontra-se representada


pelo monumento vizinho da Palhota; trata-se de dólmen com câmara de planta
sub-rectangular algo irregular e corredor estreito, longo e muito bem
diferenciado; no conjunto, poderia conter um pequeno número de tumulações,
cerca de cinco. Os micrólitos geométricos são abundantes, ocorrendo porém

254
© Universidade Aberta
a ponta de seta de base pedunculada, o que remete a sua construção já para
os primeiros momentos do Neolítico Final, que antecederam a fase de apogeu
do megalitismo regional (segunda metade do IV milénio a. C.), representada
pelo dólmen de Pedra Branca. Trata-se de uma sepultura de câmara poligonal
e corredor de comprimento médio, provido de pequenos septos laterais. O
Fig. 128
número de deposições ascende pelo menos a sessenta e cinco, sendo muito
abundante a cerâmica, exclusivamente lisa, bem como as pontas de seta,
exclusivamente de base côncava ou recta, cuja importância aumenta, em
detrimento dos geométricos. Ocorrem, pela primeira vez, e em número
Fig. 129
elevado, as placas de xisto decoradas. Conquanto se baseasse apenas em três
monumentos, a evolução apresentada afigura-se coerente, apoiada nas
diferenças arquitectónicas, também observadas e nos respectivos espólios
exumados.

Para os autores, existem, pois, fundadas razões, não apenas para admitir que
um dos focos primordiais do megalitismo europeu se situou na região do
Alentejo litoral, mas também que a evolução do fenómeno megalítico, em
termos de espólios e arquitecturas, teve ali uma das suas áreas mais
expressivas.

A evolução das arquitecturas e espólios dolménicos foi estudada em Portugal,


pela primeia vez, por Manuel Heleno que, na década de 1930 escavou na
região de Montemor-o-Novo, cerca de trezentos dólmenes. Assim, o autor
admitiu que as pequenas antas fechadas antecederiam as grandes antas mais
complexas e de maior tamanho, evolução que era comprovada, de modo geral,
pelo arcaísmo do espólio nas primeiras, e o seu carácter diversificado e
evoluído, nas segundas. Infelizmente, o autor não publicou quaiquer
considerações sobre o assunto, que ficaram no entanto registadas nos seus
cadernos de campo (Cardoso, 2002, p. 188) e nalguns dos trabalhos publicados
ulteriormente por Irisalva Moita, que fora sua aluna na Faculdade de Letras
de Lisboa. Importa sublinhar a sua visão lúcida, expressa pelas considerações
contidas no caderno de campo n.º 32, de Setembro e Outubro de 1934, ao
declarar que, na classificação dos dólmenes é preciso atender não só à
arquitectura, mas também à evolução do espólio associado, referindo existirem
formas arquitectónicas primitivas em períodos avançados, preocupações que
já evidenciavam o perigo de uma evolução linear, estritamente baseada no
princípio simplista de serem as formas simples incompatíveis com as
complexas. Esta convicção de Manuel Heleno era, à época, totalmente
inovadora: ao centrar como foco da então chamada "Cultura Megalítica Fig. 109
Ocidental" a região portuguesa alto alentejana, contrariava as doutrinas
difusionistas que, ainda na década de 1940, interpretavam os monumentos
megalíticos alentejanos – e, em particular os da região de Pavia, com câmara
e corredor bem diferenciados, tornados conhecidos internacionalmente através
de uma monografia publicada em Espanha (Correia, 1921) – como simples

255
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degenerescências das tholoi micénicas (Daniel, 1941), apesar de, muito antes,
diversos arqueólogos portugueses, como J. Leite de Vasconcelos e A. dos
Fig. 110 Santos Rocha terem chamado a atenção para a antiguidade do megalitismo
do território português.

Entre todos, deve salientar-se o papel pioneiro do arqueólogo algarvio Estácio


da Veiga que, debruçando-se sobre a antiguidade da necrópole de Alcalar,
Portimão, que correctamente atribuiu aos tempos pré-históricos, declarou, a
propósito da origem das sepulturas de falsa cúpula, ou tholoi, célebres no
oriente mediterrâneo, o seguinte (Veiga, 1889, p. 245):
Enganaram-se, mas não podem enganar-nos os que pretendem attribuir a
uma nova civilisação, vinda da Asia, as construcções feitas á feição de
paredes com pedras de pequenas dimensões. Essa arte de construir não
pertence á primeira idade dos metaes, mas provadamente já existia na ultima
idade da pedra, sendo synchronica da mais antiga architectura dolmenica.
São os proprios dolmens de varios paizes, incluindo muitos de Portugal,
onde sómente se acharam instrumentos de pedra polida e lascada, sem a
minima mistura de algum artefacto metallico, que confirmam a minha
negativa.

No Alentejo Central e Ocidental algumas das pequenas antas, de planta


elipsoidal, fechadas ou com estreita abertura, mas desprovidas de corredor,
reportam-se à primeira fase do megalitismo, que se deverá situar ainda na
Fig. 113 primeira metade do V milénio a. C. É o caso da anta 3 do Azinhal, Coruche,
encontrada ainda intacta, construída de pequenos monólitos com pouco mais
de um metro de altura, a qual, como espólio, possuía apenas um machado de
pedra polida de acabamento grosseiro, duas pequenas lâminas, dois raspadores
semicirculares e micrólitos trapezoidais de sílex ou de cristal de rocha. Este
Fig. 112 monumento, segundo V. Leisner e de acordo com as indicações a ela
fornecidas por Manuel Heleno, integrar-se-ia no grupo das pequenas câmaras
baixas, de tipo cistóide, mais ou menos alongadas, onde se inventariaram as
seguintes associações (Leisner, 1983):

1. Micrólitos de pequenas dimensões, não acompanhados de qualquer


outro espólio;

2. Micrólitos de tamanho e número crescentes, normalmente só três


ou quatro por sepultura; numa sepultura, encontraram-se 29
trapézios alongados e estreitos, acompanhados por lâminas e
lamelas, uma das quais com dorso (retoques abruptos ao longo de
um dos lados); noutra câmara baixa, recolheram-se micrólitos com
entalhe junto à base;

3. Micrólitos acompanhando machados cilíndricos e pequenas enxós,


por vezes encontrando-se uns e outras associados, sem qualquer
vestígios de cerâmica.

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A evolução arquitectónica preconizada por Manuel Heleno para a região em causa
iniciar-se-ia, deste modo, pelas sepulturas fechadas, seguidas das pequenas galerias,
das antas só com câmara, depois das antas em câmara e corredor, terminando a
sequência com as antas de corredor longo, em particular as que apresentam corredor
com alargamento central e aquelas em que foi confirmada a presença de átrio
(Rocha, 2005, p. 99). A revisão que a autora citada faz dos monumentos e dos
espólios das escavações de Manuel Heleno, só possível graças aos seus cadernos
de campo, entretanto adquiridos pelo Estado, permitiu confirmar, naquela região,
a grande quantidade das pequenas sepulturas simples de granito, fechadas ou abertas,
mas sem corredor, as quais são sempre escassas nas outras regiões megalíticas
alentejanas. De modo geral, foi possível verificar empiricamente as seguintes
relações entre espólios e arquitecturas:
- a nítida incidência de espólio evoluído (pontas de seta e placas de xisto) em
monumentos de arquitectura mais complexa (antas de corredor);
- e a presença dominante dos espólios menos evoluídos, como geométricos,
nos túmulos de arquitectura mais simples (sepulturas fechadas ou de
corredor curto).
As incongruências entre estas tão simples relações foram explicadas através,
sobretudo, do conceito de polimorfismo evolutivo, segundo o qual a adopção de
novas formas de construir não se verificaram de forma monofilética, existindo um
período de coexistência entre formas arquitectónicas distintas; da mesma forma, a
substituição de espólios arcaicos por outros, mais evoluídos, respeitaram também
um modelo com ritmos próprios. Desta realidade, decorre a situação de existirem
túmulos e espólios aparentemente incongruentes, a qual, aliás, pode ter outras
explicações.
De facto, a ocorrência de espólios evoluídos em monumentos arcaicos pode ser
sempre explicada pela sua reutilização em épocas sucessivas, realidade de há muito
conhecida e comprovada, enquanto a ocorrência de espólios arcaicos em
monumentos evoluídos, além da explicação mais simples, recorrendo à própria
pervivência das produções (no caso dos geométricos), também realidade bem
conhecida, foi explicada pela hipótese de transladação de restos humanos e de
artefactos de monumentos mais antigos para os novos que iam sendo construídos,
a qual, porém, carece de confirmação.

No Alentejo Oriental, na região de Elvas, importa mencionar a Anta 2 do


Torrão, recinto fechado de planta elipsoidal, com pouco mais de 1 m de
largura, e em parte escavada no substrato geológico, o que dispensaria uma
cobertura tumular volumosa (Lago & Albergaria, 2001). As pequenas
dimensões do monumento, são compatíveis com o único indivíduo tumulado
no seu interior; o arcaísmo do seu espólio e da arquitectura do monumento,
justifica a sua provável inserção no conjunto dos monumentos proto-
-megalíticos alentejanos que atrás referiram.

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A cabal demonstração da antiguidade do megalitismo alentejano – e, por
extensão do megalitismo do ocidente peninsular – só foi, no entanto,
credibilizada, quando G. e V. Leisner dedicaram à antas da notável região
megalítica de Reguengos de Monsaraz estudo aprofundado, com a análise
cruzada, como Manuel Heleno anteriormente já havia feito, das arquitecturas
e dos espólios correspondentes (Leisner & Leisner, 1951), região onde
identificaram mais de cem dólmenes, a maior parte por eles escavados. Foram,
assim, levados à conclusão de que "o pequeno dólmen em forma de galeria
teria sido, no Alentejo, o tipo mais antigo", correlativo das sepulturas proto-
megalíticas acabadas de referir. Tal tipo encontra-se, porém, quase ausente,
na área de Reguengos, exceptuando a Anta 7 das Areias, de planta sub-
rectangular talvez aberta. Seguem-se os dólmenes de corredor curto e de
pequenas dimensões e, por fim os grandes monumentos de câmara poligonal
e longos corredores. Outra importante conclusão, que reforça a anterior, é a
da evidente maior modernidade das tholoi da região de Reguengos de
Monsaraz, face à das antas, o que contrariava a doutrina orientalista, atrás
referida. Decisiva para esta conclusão, que punha termo à hipótese contrária,
então ainda em voga (a revolução do radiocarbono viria pouco depois), foi a
Fig. 111 descoberta, no decurso da escavação da Anta 2 da Comenda e da Anta 1 da
Farisoa, de duas tholoi adjacentes,construídas no montículo tumular original,
prova evidente de que eram posteriores à construção das correspondentes
antas (Leisner & Leisner, 1951), como os autores bem salientam. Ficava,
deste modo, demonstrada, por argumentos empíricos, não apenas a grande
antiguidade das manifestações megalíticas do ocidente peninsular, como
também a sua evolução local, das construções megalíticas menores e mais
simples, para as maiores e arquitectonicamente mais complexas, sem excluir
a coexistência entre umas e outras.

De salientar que esta concepção geral foi reforçada pelos estudos


desenvolvidos na mesma época em outras regiões megalíticas alentejanas.
Assim, Irisalva Moita, em resultado das escavações de dólmenes, por si
dirigidas, em em Mora e Pavia e na imediata sequência do faseamento de
M. Heleno, por si adoptado, subdividiu-os em dois grandes grupos, com
significado crono-cultural próprio (Moita, 1954). Assim, o "Grupo primitivo"
integraria dólmenes de câmara simples, desprovidos de corredor e sepulturas
cistóides fechadas, com espólio primitivo: micrólitos trapezoidais, machados
grosseiros e cerâmicas lisas, enquanto o "Grupo evoluído" seria representado
por dólmenes de corredor bem diferenciado, com ou sem átrio de entrada,
contendo pontas de seta, escassos micrólitos, alabardas e punhais de cuidado
trabalho bifacial, placas de xisto decoradas, báculos e machados de bom
acabamento, além de cerâmicas lisas, mais abundantes que as do grupo
anterior.

258
© Universidade Aberta
A Fase I do megalitismo de Reguengos encontra-se representada, como já
em 1951 foi assinalado por G. e V. Leisner, pela Anta 1 do Poço da Gateira,
o único sepulcro que ainda encontraram com o interior intacto. É constituído
por câmara alongada de tendência poligonal e corredor curto, definido por
dois esteios longos, de cada lado. Foram efectuadas talvez pouco mais de
Fig. 114
uma dezena de tumulações, tendo-se observado o uso do ocre vermelho,
aspergido ritualmente sobre os artefactos depositados. Nestes, merece
destaque a abundância de cerâmica lisa, com engobe a almagre, com
recipientes predominantemente fechados, com bordo ligeiramente saliente,
sublinhado por um sulco ou simples depressão característica, que é recorrente
nas produções do Neolítico Médio do sul do País, como atrás se referiu. Nas
indústrias líticas, ocorrem pequenos machados, toscos e de secção elipsoidal,
acompanhados de enxós de corpo espalmado e, excepcionalmente, de uma
goiva. A inústria da pedra lascada é constituída por lâminas não retocadas e
por geométricos, faltando totalmente as pontas de seta ou as placas de xisto
decoradas. Esta realidade é coerente com a cronologia absoluta, obtida por
termoluminescência sobre fragmentos de cerâmica, datados em cerca de 4500
a. C., ainda que com grandes intervalos de incerteza (Whittle & Arnaud, Fig. 115
1975), cronologia idêntica à obtida para a Anta 2 de Gorginos, da mesma
região e com idêntica arquitectura e espólio, ainda que menos abundante.
Estas duas datas situam, deste modo, a fase mais antiga do megalitismo de
Reguengos no Neolítico Médio, antecedido pela fase proto-megalítica antes
referida, correspondendo-lhe dólmenes de dimensões já assinaláveis, cujos
esteios maiores atingiam alturas da ordem dos dois ou mais metros, definindo
recintos com possibilidade de conterem pouco mais de uma dezena de
tumulações.

Os pares de machados e enxós que acompanhariam os indivíduos depositados de


cócoras, encostados aos esteios da Anta 1 do Poço da Gateira, exprimem a
importância conjugada que teriam as actividades de desflorestação e trabalho da
madeira, a par da agricultura; por outro lado, a ausência de artefactos ditos "de
prestígio", que só surgem na fase subsequente do megalitismo regional, sugere a
existência de uma sociedade ainda marcadamente igualitária e não diferenciada.

O aumento nas dimensões dos monumentos persiste no Neolítico Final, sem


embargo de se continuarem a construir megálitos de dimensões mais Fig. 116
modestas. É nesta etapa cronológico-cultural, situável nos finais do
IV milénio a. C., que se constroem os maiores dólmenes do território
português, expressivamente representados na região, entre muitos outros,

259
© Universidade Aberta
pela Anta Grande do Zambujeiro, Évora e pela Anta Grande do Olival de
Pega, Reguengos de Monsaraz. Trata-se de túmulos de câmaras poligonais,
definidas por esteios que, no primeiro caso, atingem mais de cinco metros de
comprimento, com corredores muito longos, ultrapassando os dez metros de
comprimento. A presença de corredor, já detectada nos dólmenes da fase
anterior (Anta 1 do Poço da Gateira, por exemplo) permitia aceder
directamente ao interior da câmara funerária sempre que se pretendesse
realizar uma nova tumulação, nisso residindo uma das principais diferenças
funcionais relativamente às câmaras fechadas que só muito dificilmente
poderiam ser reutilizadas.

A monumentalidade das grandes antas do Alentejo central e oriental


explica-se: qualquer delas albergou centenas de deposições, expressivamente
documentadas pelas mais de três centenas e meia de recipientes e de quase
centena e meia de placas de xisto decoradas recolhidas na Anta Grande do
Olival da Pega (a Anta Grande do Zambujeiro, ainda não foi publicada como
merecia). As indústrias de pedra lascada contêm, pela primeira vez, pontas
de seta, tanto de base triangular ou pedunculada, como de base côncava, e as
afinidades com os espólios das grutas artificiais ou naturais da Estremadura,
ocupadas no decurso do Neolítico Final são flagrantes, sublinhadas por certos
tipos cerâmicos, como as taças cerenadas e, no concernente aos objectos
Fig. 104 mágico-simbólicos, pela presença de ídolos almerienses recortados em
plaquetas de osso ou xisto, identificados em diversas necrópoles da Baixa
Estremadura, como a anta de Monte Abraão, Sintra (Ribeiro, 1880 e o depósito
sepulcral de Samarra, Sintra (França & Ferreira, 1958), bem como de
figurinhas de leporídeos, também presentes em ambas as regiões. No capítulo
dos objectos de adorno, merecem destaque os alfinetes de osso com cabeça
postiça canelada, presentes, por exemplo, na Anta Grande do Olival da Pega;
conforme anteriormente se referiu, são comuns no Neolítico Final da
Estremadura. Tais afinidades são tão evidentes, que G. e V. Leisner não
hesitaram em admitir, ao referirem-se às sepulturas colectivas do litoral
ocidental, a um "megalitismo de grutas", expressão ulteriormente retomada
(Gonçalves, 1978).
Fig. 117

Dois objectos rituais caracterizam o megalitismo tardio alto-alentejano: trata-se


Fig. 118 das placas de xisto e dos báculos de xisto. As placas de xisto podem
situar-se entre o fim do Neolítico Final e o pleno Calcolítico, ou, em datas de
calendário, entre o último quartel do IV milénio e os meados do milénio seguinte.
A iconografia aponta para a representação de divindade protectora do morto,
Fig. 119 conotável com a omnipresente deusa-mãe das sociedades agrárias, divindade
sincrética que, sendo expressão da fertilidade e da vida, o era também da
regeneração, explicando-se assim a sua associação a contextos funerários, ainda

260
© Universidade Aberta
que com configurações e atributos que evoluiram com o tempo: nas placas
consideradas mais antigas, dominam os motivos geométricos, designadamente as
bem conhecidas filas de triângulos isósceles, acompanhadas de zigue-zagues,
padrões em xadrez, por vezes em placas de cabeça e ombros recortados, que
aparentemente se sucedem às anteriores, o que sublinha o seu carácter
antropomórfico. Sem deixarem de ser fabricadas as mais antigas, sucedem-se, já
no Calcolítico, outras variantes, onde ocorrem, de forma ainda mais explícita,
atributos antropomórficos, incluindo a representação de pormenores anatómicos,
como olhos, nariz, sobrancelhas, e, em grupos particulares – incluindo exemplares
de arenito – de braços, mãos e, até de atributos sexuais (triângulo púbico feminino).
A produção maciça de placas de xisto – que atingem a Beira Baixa e o extremo
ocidental do Algarve, expandindo-se maciçamente para a Estremadura, como atrás
se referiu, situa-se no eixo de Reguengos de Monsaraz/Évora/Montemor, onde os
exemplares ascendem a vários milhares. Nos grandes monumentos dolménicos, a
sua presença é invariável e, como se verifica na Anta Grande do Olival da Pega,
podem ascender a muito mais de uma centena (Leisner & Leisner, 1951; Gonçalves,
1999), correspondendo cada uma a uma inumação ali realizada. A forte incidência
de placas no Calcolítico – como é demonstrado pelas que a escavação da tholos do
Escoural forneceu (Santos & Ferreira, 1969) – é mais um exemplo da continuidade
cultural verificada com a fase neolítica anterior. Em Espanha, as placas de xisto
circunscrevem-se à zona fronteiriça, tanto na Andaluzia (Huelva) como na
Estremadura (Cáceres, Badajoz). Tal distribuição geográfica faz deste artefacto
uma produção característica do território português, constituindo uma inequívoca
marca identitária das comunidades que o povoaram, associada à expressividade do
fenómeno megalítico no Alto Alentejo.
Não obstante a sua abundância, vicissitudes várias – escavações antigas,
remeximentos intensos do interior dos espaços funerários – fazem com que só
excepcionalmente se tenha podido associar estas placas ao inumado que
acompanhava. Um desses casos excepcionais registou-se na Anta 3 de Santa
Margarida, Reguengos de Monsaraz, onde uma notável placa de cabeça recortada
jazia ao pescoço do inumado, que pertencia a uma das vinte e cinco deposições da
primeira fase da utilização do monumento. Um osso deste indivíduo, datado pelo
radiocarbono, deu o resultado de 4270 ± 40 anos BP, correspondendo ao intervalo,
calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade, de 2920-2870 a. C. (Gonçalves,
2003). As duas outras datas para a fase mais antiga da utilização funerária desta
anta, de câmara poligonal e corredor definido por dois grandes esteios, um de cada
lado, são idênticas, provando que a construção do monumento dolménico se
verificou nos inícios do III milénio a. C. Este facto torna-o coevo da construção da
tholos de Olival da Pega 2b, cujas datas, para a primeira fase de ocupação, serão
adiante apresentadas. A construção, na mesma região, de dois monumentos de
tipologias e tecnologias construtivas tão diferentes, faz crer na existência de grupos
culturalmente distintos: mas avulta a continuidade, ocorrendo as substituições de
forma difusa e paulatina.

261
© Universidade Aberta
Quanto aos báculos de xisto – de que se conhecem também diversos exem-
plares em sepulcros colectivos estremenhos – é o caso do dólmen de Estria,
Sintra (Ribeiro, 1880), da gruta da Casa da Moura (Carreira & Cardoso,
2001-2002) e da Lapa da Galinha, gruta natural do concelho de Alcanena
(Sá, 1959) – um primeiro inventário, realizado por G. e V. Leisner e
ulteriormente retomado (Ferreira, 1985), permite situar em Montemor-o-Novo
Fig. 120 a zona de maior incidência de tais peças. Trata-se de exemplares com
decorações geométricas, idênticas às presentes nas placas de xisto, os quais
seriam empunhados pela base, que por vezes apresenta um rebordo, de modo
a facilitar tal manuseio. Sem se pretender discutir a simbologia subjacente a
estas peças, não existem dúvidas do seu significado, conotado com o exercício
do poder. Tal é indicado pela sua raridade, quando comparada com a
abundância das placas de xisto, sugerindo a existência de hierarquização
social e de relativa concentração do poder, aliás expressa implicitamente
pela própria construção dos grandes dolmenes do Neolítico Final alentejano.
Com efeito, a sua construção só seria possível no quadro de comunidades
numerosas, com uma estrutura interna já bem definida, capaz de mobilizar e
coordenar o esforço de centenas de pessoas, durante períodos de tempo
prolongados, necessários à construção daquelas sepulturas, técnicamente
complexas, desde a fase de extracção dos blocos nas pedreiras, até ao seu
transporte e ulterior fixação. Tais monumentos, que marcavam fortemente a
paisagem, tinham, deste modo, uma função múltipla: servindo de verdadeiros
depósitos mortuários, não deixariam de possuir um marcado simbolismo,
corporizando a memória colectiva da comunidade que os construiu e servindo
como marco de posse do território onde aquela se sediava, constituindo-se
assim como pólo agregador da sua coesão interna e expressão externa do seu
evidente sucesso. A pesada carga simbólica que estes enormes "contentores
de mortos" detinham fez-se sentir por muitas centenas de anos depois da sua
construção, durante os quais continuaram a ser intensamente utilizados. Aliás,
o facto de algumas das tholoi se encontrarem adstritas a antas da fase tardia
do megalitismo de Reguengos – para além das duas já referidas, pode
invocar-se o extraordinário conjunto da Anta 2 do Olival da Pega, constituído
por uma grande anta de longo corredor, e por vários sepulcros calcolíticos,
na sua adjacência e dentro do montículo tumular primitivo (Gonçalves, 1994,
1999) – sugere que existiu continuidade entre as duas técnicas arquitectónicas,
que o mesmo é dizer entre os seus respectivos construtores.

Com efeito, no Neolítico Final, coincidente com o final do IV milénio a. C.,


o processo de sedentarização poder-se-ia considerar concluído: longe iam os
tempos de uma agricultura itinerante de corte e queimada, vigente até ao
Neolítico Médio. A própria monumentalidade destes monumentos e o elevado
número de tumulações, é compatível com comunidades cada vez mais
numerosas – e por isso necessariamente hierarquizadas – e fixadas, de forma
irreversível, a determinados territórios, num contexto económico agro-pastoril

262
© Universidade Aberta
que então conhecia o seu apogeu, para o qual concorreu decisivamente a
adopção, entre outras novidades tecnológicas ainda insuficiente demonstradas
(o carro, o arado), da força de tracção animal, já atrás referida.

Para além da utilização ritual do ocre vermelho, é ainda de destacar o uso do


fogo, cujas marcas, tão intensas nalguns casos, como na Anta Grande do
Olival da Pega e na Anta 1 de Cebolinho, Reguengos de Monsaraz não indicam
simples fogueiras rituais, mas antes fogos rituais de grande intensidade, assim
descritos: "Em nenhum caso se trata de incineração: distinguem-se todos os
graus da acção do fogo, desde os ossos pesados, que mostram uma mudança
de cor para tonalidades cinzento-azuladas, até aos completamente
carbonizados (...)" (Leisner & Leisner, 1951), fenómeno extensível às
indústrias líticas, formando-se na superfície das peças de sílex uma camada
vitrificada, que exige altas temperaturas, bem como concavidades devidas a
estalamentos térmicos. Recentemente, Leonor Rocha publicou restos
humanos da anta 7 de Estremoz (N. S. da Conceição dos Olivais), explorada
por M. Heleno, onde são evidentes as marcas da alta temperatura, por fendas
de dissecação produzidas no osso (Rocha, 2005); e muitos outros exemplos
se poderiam referir, como as antas de Aldeinha e do Barranco de Fraga, da
mesma região. Esta prática foi também observada em monumento megalítico
da serra de São Mamede, Portalegre (Oliveira, 1997): trata-se da Anta da
Bola de Cera, um dos raros monumentos dolménicos datados do Alto Alentejo:
uma análise de radiocarbono feita sobre ossos na base do monumento,
associados a placas de xisto, deu o resultado de 4360 ± 50 BP, a que
corresponde o intervalo calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade de
3258-2900 a. C., resultado que é compatível com a fase final de construção
dos grandes monumentos dolménicos alto-alentejanos, reportável ao Neolítico
Final.

Dadas as altas temperaturas atingidas, difíceis de obter em áreas fechadas,


como são os interiores dos recintos, é provável que elas devam ter sido obtidas
com a incineração/cremação dos cadáveres no exterior dos monumentos,
tendo os restos sido ulteriormente transportados para dentro deles.

Outro aspecto ritual que merece atenção é a orientação dos corredores das
antas de Reguengos: a representação gráfica mostra que a larga maioria se
orientava na parte média do quadrante de SE, ou seja, para a direcção de
onde desponta o Sol, no horizonte (Gonçalves, 1992). Esta abertura para a
luz, relaciona-se por certo com a crença na sobrevivência, aliás amplamente
manifestada pelo próprio ritual funerário e pelas oferendas que
acompanhavam quem partia: trata-se dos artefactos da vida quotidiana,
normalmente intactos, sinal de que não poderiam ser usados senão na vida
além-túmulo.

263
© Universidade Aberta
Enfim, certas particularidades das cerimónias fúnebres havidas no interior
de alguns dólmenes foram caracterizadas, mercê de escavação meticulosa: é
o caso da Anta 3 de Santa Margarida, Reguengos de Monsaraz, onde uma
deposição primária tardia, de uma mulher de 40 a 45 anos, foi parcialmente
colocada sobre um cão de porte médio, com cerca de 18 meses de vida.
Ambas as deposições foram datadas pelo radiocarbono (Gonçalves, 2003): a
humana, deu o resultado de 3780 ± 40 anos BP, a que corresponde o intervalo,
para cerca de 95 % de probabilidade de 2310-2050 a. C.; para o cão, obteve-
se o resultado de 3720 ± 50 anos BP, e o intervalo de 2280-1960 a. C.;
trata-se, pois, de momento dos finais do Calcolítico, ou já do início da Idade
do Bronze, demonstrando a reutilização deste megálito, por certo acom-
panhada de muitas outras situações análogas.

Dado o elevado número de tumulações efectuadas nos monumentos de


maiores dimensões, que, como se disse, podem ascender a várias centenas
de indivíduos, a par da distribuição por idades e por sexos, sem indícios de
não corresponderem a uma população natural, crê-se que todos os membros
de uma dada comunidade mereciam ser assim sepultados, ao contrário do
admitido por certos autores, que restringem tal prática apenas aos membros
mais destacados de cada comunidade. Crê-se que esta conclusão será válida
Fig. 108 para todos os grandes monumentos dolménicos do País.

Olhando para a distribuição dos dólmenes a nível peninsular, conclui-se que


o Alto Alentejo é a região onde ocorrem com mais abundância: além da
região de Reguengos/Évora, e da região de Montemor o Novo/Ciborro/Mora/
Coruche, podem salientar-se, entre outras, as áreas de Pavia/Arraiolos,
Montargil, Elvas e Marvão/Castelo de Vide. Para tal situação concorria não
só a alta densidade populacional ali existente – mercê das boas condições
oferecidas para a prática de uma economia agro-pastoril – mas ainda os
recursos geológicos altamente favoráveis á obtenção de grandes monólitos,
de rochas graníticas. Com efeito, a distribuição dos dólmenes na região de
Reguengos de Monsaraz é expressiva da sua forte dependência face à
Fig. 125 existência de afloramentos graníticos (Gonçalves, 1992, Mapa 112). O mesmo
se verificou mais a norte, na bacia do rio Sever. Ali, a fronteira entre os
granitos e os xistos encontra-se muito bem sublinhada pela dispersão dos
dólmenes (Oliveira, 1998); conhecem-se naquela região monumentos de
ambas as rochas, tornando-se os de xisto apenas mais abundantes nas
imediações do vale do Tejo, talvez relacionados com o grande santuário de
arte rupestre do Tejo, adiante estudado. O referido autor apresentou esboço
das diversas arquitecturas tumulares representadas por ambos os tipos
petrográficos: verifica-se que sepulturas fechadas, de planta elipsoidal, são
exclusivamente de xisto, enquanto que os dólmenes de granito se apresentam
invariavelmente abertos e de maiores dimensões, como seria natural. Esta
situação conduziu-o a considerar uns e outros coevos, hipótese que deverá,

264
© Universidade Aberta
no entanto, conformar-se ao quadro geral de evolução da arquitectura
megalítica já antes apresentado.

10.1.2 Alto Ribatejo e Beira Interior

Imediatamente a norte do Tejo, as antas persistem, tanto na região do Alto


Ribatejo, como na Beira Interior. Na primeira, uma anta pequena, de câmara
poligonal e corredor curto, constituído por apenas dois pequenos esteios de
cada lado, foi recentemente escavada (anta 1 do Val da Laje, Tomar).
Identificaram-se dois horizontes arqueológicos: a camada C, que corresponde
à construção do monumento, forneceu uma associação constituída por
trapézios, pequenos machados totalmente polidos em grauvaque, de secção
circular (de evidente arcaísmo) e cerâmica lisa (Oosterbeek, 1994, p. 139).
Trata-se, pois, de um sepulcro que, tanto pela arquitectura, como pelo espólio
da sua ocupação mais antiga, não destoa da Anta 1 do Poço da Gateira,
justificando-se plenamente a sua inserção no Neolítico Médio. A camada B
da mesma sepultura, associada a uma complexificação arquitectónica,
correlacionada com a dos rituais funerários, inclui pontas de seta de base
triangular, côncava e bicôncava, de sílex; lâminas e lamelas retocadas, nalguns
casos com "lustre de cereal"; machados e enxós de anfiboloxisto; contas de
mineral verde; e placas de xisto, num dos casos com duas perfurações
oculadas. Trata-se, pois, de espólio característico do Neolítico Final ou mesmo
da transição para o Calcolítico, situável em finais do IV milénio a. C.

Também na Beira Interior, recentes desenvolvimentos da investigação


permitiram caracterizar mais detalhadamente as arquitecturas dolménicas
de xisto, bem como a respectiva evolução, de evidente significado cronológico.
Uma das conclusões mais evidentes é a de que a arquitectura dolménica é
independente da natureza da matéria-prima disponível: com efeito, se os
monólitos de xisto ou de grauvaque – os disponíveis nas vastas extensões
cobertas pelo Complexo Xisto-Grauváquico ante-Ordovícico – não permitiam
a construção de grandes estruturas, como as conhecidas no Alentejo, já a sua
tipologia, nalguns casos, é idêntica à destas últimas. Assim, estão
documentadas antas de corredor longo e câmaras poligonais, embora de
pequena altura e, por vezes, de muito pequenas dimensões, a ponto de os
respectivos corredores só muito dificilmente poderem possuir utilidade, visto,
nalguns casos, ser impossível a penetração na câmara através deles. A sua
presença respeitou os cânones então em vigor, possuindo significado cultural
e simbólico, cujas incidências cronológicas importa sublinhar.
Fig. 123
Um dos aspectos mais relevantes destes pequenos monumentos do sul da
Beira Interior (região do Tejo Internacional) – independentemente da sua

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tipologia arquitectónica – é a constante presença de blocos de quartzo leitoso,
que revestem as mamoas, tornando-as deliberadamente visíveis, facto que,
aliás, favorece a respectiva identificação no terreno.

Por outro lado, observaram-se concentrações destes monumentos de xisto,


independentemente da sua arquitectura, constituindo verdadeiros núcleos
megalíticos, subordinados às características geomorfológicas do terreno. É
o caso de duas plataformas na região de Rosmaninhal, Idanha-a-Nova (Couto
da Espanhola e do Amieiro), nas quais se identificaram, em cada uma, cerca
de uma dezena de monumentos, afastados no máximo de algumas centenas
de metros. Sem dúvida que este modo de implantação reflectirá também o
tipo de povoamento vigente: pequenos núcleos, pouco importantes, dispersos
por territórios vastos, os quais actualmente são sobretudo evidenciados pelos
grandes dormentes de mós manuais, de grauvaque, que ali abundam, a
semelhança, aliás do verificado na região do Alentejo Central (Rocha, 2005).

No que respeita à evolução arquitectónica, está-se perante situação análoga


à que fora anteriormente caracterizada no Alentejo: às antas mais antigas, de
planta elipsoidal fechada, contendo espólio arcaico, sucedem-se monumentos
de câmara poligonal, corredores longos e espólio diversificado, incluindo
placas de xisto decoradas de tipo alentejano e pontas de seta de diversos
tipos. A esta última fase do megalitismo pertencem ainda monumentos de
câmara sub-circular e provável cobertura em falsa cúpula (anta 3 do Amieiro,
Rosmaninhal, Idanha-a-Nova). Esta fase é coeva da construção das tholoi, já
no decurso do Calcolítico, que não ultrapassaram a linha do Tejo para norte,
à excepção da faixa ocidental da Estremadura.

A fase mais antiga do megalitismo regional encontra-se corporizada pela


Fig. 124 Anta 6 do Couto da Espanhola: trata-se de sepulcro fechado, de planta elipsoidal,
com várias fases de utilização (Cardoso, Caninas & Henriques, 1997): a esta
corresponde um machado de secção espessa, apenas bem polido no gume,
acompanhado de lamelas de sílex e de dois geométricos (trapézio de base recta e
crescente); à fase mais tardia, pertence um machado e uma enxó e ocorre pela
primeira vez a cerâmica lisa (taças em calote e um vaso de colo estrangulado). É
provável que a ausência de cerâmica na fase mais antiga deste monumento se deva
a prescrições de carácter ritual: tal situação foi já referida para o Neolítico Médio
da Estremadura (gruta do Lugar do Canto, Alcanede), também com paralelos nos
monumentos dolménicos mais antigos da bacia do Alto Mondego (Beira Alta).
A fase apogeu do megalitismo regional encontra-se representada pela Anta 2 do
Fig. 121 Couto da Espanhola, bem como pela Anta do Cabeço da Forca, esta última junto
da própria povoação de Rosmaninhal: trata-se de monumentos com câmara
poligonal ou curvilínea, de pequena altura e corredor longo, estreito e ainda mais

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© Universidade Aberta
baixo do que a câmara, devido às limitações impostas pelos pequenos elementos
de xisto ou de grauvaque utilizados. Tal como a arquitectura, também o espólio é
compatível com a fase de apogeu do megalitismo alentejano: ocorrem pontas de
seta de tipologia variada e cuidado acabamento bifacial, de sílex, machados de
pedra polida (que contudo não se diferenciam dos da fase anterior), placas de xisto
decoradas e cerâmica lisa, com destaque para a presença de taça carenada,
característica do Neolítico Final da Estremadura.
Fig. 122
Deste modo, à fase mais antiga poder-se-ia atribuir cronologia de meados do V
milénio a. C., enquanto que a fase de apogeu se verificaria cerca de mil anos depois,
ou seja, a partir de meados do IV milénio a. C. e até meados do milénio seguinte,
provavelmente já representada por monumentos de falsa cúpula, como é o caso da
Anta 3 de Amieiro, Rosmaninhal, Idanha-a-Nova (Cardoso, Caninas & Henriques,
2003), a qual seria equivalente da construção das tholoi no sul do país e na
Estremadura, já do pleno Calcolítico. A ser assim, trata-se de solução arquitectónica
já calcolítica – evidenciando, uma vez mais a continuidade, em detrimento de
ruptura – pela primeira vez documentada no interior do país a norte do Tejo, mas
com paralelos em monumentos do outro lado da fronteira, na província de
Extremadura (Badajoz e Cáceres) (Bueno Ramírez, 2000).

Esta sequência, embora clara, não deixa de ser matizada com a hipótese de
terem coexistido diversos tipos de arquitecturas megalíticas, configurando o
polimorfismo que V. O. Jorge tem vindo a defender para o megalitismo do
norte do país, perfilhada para a evolução megalítica do Alentejo Central sob
a designação de "polimorfismo megalítico", como atrás se referiu. Com efeito,
pequenas câmaras em forma de ferradura, abertas e desprovidas de corredor,
foram encontradas intactas; a escavação da Anta 8 do Amieiro, Idanha-a-Nova,
mostrou a presença de pontas de seta de base côncava, o que não deixa dúvidas
sobre a sua integração cultural em fase avançada do megalitismo (Neolítico
Final); do mesmo modo, a Anta 5 do Amieiro, a pouca distância da anterior,
revelou um espólio contendo uma grande lâmina de sílex, pontas de seta na
mesma rocha e uma grande placa de xisto de tipo alentejano, sendo deste
modo compatível com o Neolítico Final, apesar do arcaísmo da sua planta.

A importância dos objectos de sílex, particularmente evidente nos espólios


mais avançados, só pode explicar-se através do comércio transregional desta
matéria-prima, oriunda da Estremadura, ou da importação dos artefactos já
manufacturados: com efeito, as pontas de seta recolhidas na Anta 2 do Couto
da Espanhola, não se diferenciam, tanto pela matéria-prima, como pela
tipologia, das suas homólogas de qualquer conjunto sepulcral da faixa
ocidental, como é o caso das Grutas da Senhora da Luz, Rio Maior.

No respeitante a práticas rituais, os monumentos megalíticos do sul da Beira


Interior revelam orientações semelhantes aos de Reguengos, e, como alguns
267
© Universidade Aberta
deles, indícios de rituais de fogo: é o caso da anta 3 do Amieiro, de arquitectura
considerada em falsa cúpula, como já se disse e por isso atribuída ao
Calcolítico, com um pequeno empedrado subcircular junto á cabeceira da
câmara, interpretada como lareira ritual. A presença de um átrio exterior
nesta anta, mostra que o espaço envolvente teria também papel nas cerimónias
fúnebres, nas quais a comunidade participaria: o mesmo é frequente nos
grandes monumentos do Alentejo Central e Oriental.

Também a anta 8 do Amieiro, atrás referida, forneceu um fragmento de ponta


de seta de tipo evoluído, com base muito côncava, fracturada pelo fogo, em
consequência de fogo ritual nela ateado.

10.1.3 Beira Alta

Debruçemo-nos agora sobre o megalitismo da Beira Alta, na sequência


geográfica que tem vindo a ser descrita. A abundância, nesta região, de grandes
monumentos megalíticos era já conhecida desde os trabalhos de Leite de
Vasconcelos; porém, o estabelecimento de uma sequência tipológica dos
monumentos só foi apresentada na década de 1960 por Irisalva Moita (Moita,
1966). Reportando-se aos monumentos de granito ou gneiss, que a Autora
admite serem diferentes dos seus congéneres de xisto ou de grauvaque, de
menores dimensões da mesma região, apresentou a seguinte sistematização:

1. "Antelas", sem corredor diferenciado, predominantes nos concelhos


Fig. 126 beirões ocidentais (Viseu, Tondela, Vouzela, S. Pedro do Sul, Oliveira
de Frades, Sever do Vouga e Aveiro);

2. Câmaras poligonais mais ou menos circulares, com entrada bem


definida mas sem corredor, correspondente a grupo pouco numeroso;
são exemplo a Pedra de Arca do Espírito Santo, Caramulo, Carapito e
os pequenos dólmenes da região de Queiriga;

3. Câmaras poligonais com corredor diferenciado, variando o número


de esteios da câmara entre 5 e 9, com duas variantes:

a) com corredor desenvolvido, com exemplos em Antelas, Orca do


Tanque, Pedralta, Mamaltar, Lapa do Repilau, Lapa da Orca
(Oliveira do Conde), Pedra da Orca (Juncais) e Casa da Orca da
Cunha Baixa. São monumentos de grandes dimensões, com chapéu
espesso, cobrindo a câmara;

b) com corredor curto ou incipiente. São exemplo: Orca de Corgas


da Matança, Orca de Forles, Orca de Moinhos de Rua, e outros. É

268
© Universidade Aberta
a variante mais numerosa e considerada pela Autora a mais
característica da Beira Alta. Pode considerar-se uma forma
intermédia entre o grande dólmen de câmara poligonal e corredor
longo e o pequeno dólmen desprovido de corredor, dominante no
Noroeste peninsular.

Irisalva Moita assinala ainda neste estudo de 1966, a situação algo


contraditória de os grandes monumentos apresentarem, por vezes, espólio
de tipologia mais arcaizante que o presente nos monumentos de menores
dimensões, citando o caso do dólmen pintado de Antelas e a Orca da Cunha
Baixa, sem no entanto deixar de referir que a acentuada pobreza dos
mobiliários é característica dos pequenos monumentos sem corredor, das
"antelas" e dos dólmenes de corredor curto ou incipiente. Espólios mais ricos
são a excepção e, sempre, particulares aos grandes dólmenes (Orca do Tanque,
Pedra da Orca de Queiriga e poucos mais).

A contradição assinalada por Irisalva Moita entre a arquitectura evoluída da


câmara do dólmen de Antelas, Oliveira de Frades e o arcaísmo do seu espólio
(Castro, Ferreira & Viana, 1957) era inteiramente procedente: com efeito,
apesar de se tratar de monumento de câmara regular, de planta sub-circular,
constituída por numerosos esteios e corredor estreito e longo, com cerca de
quatro metros de comprimento, o espólio era inteiramente constituído por
lâminas não retocadas e geométricos. Uma datação de radiocarbono obtida
para as pinturas que adornam quase todas as faces internas dos esteios da
câmara do monumento, deu o resultado de 5070 ± 65 anos BP, a que
corresponde o intervalo de confiança para cerca de 95% de probabilidade, de
3980-3705 a. C. (Ramírez & Fábregas Valcarce, 2002). Estes resultados
indicam que a construção do monumento se terá verificado entre o final do
Neolítico Médio – aliás confirmado pela ausência de pontas de seta – e os
princípios do Neolítico Final, sendo, pois, compatível com o arcaísmo do
espólio recolhido.

Um exemplo notável da riqueza dos espólios é fornecido pelo dólmen da


Lomba do Canho, Arganil, que forneceu notável conjunto de peças foliáceas
bifaciais, de sílex, incluindo pontas de seta, alabardas e punhais, além de
lâminas de sílex, com evidentes afinidades estremenhas. Neste dólmen
identificou-se, ainda, um depósito ritual constituído por oito machados de
anfibolito inacabados (Nunes, 1974), com paralelo em outros monumentos
dolménicos, como a já referida anta do Cabeço da Forca, Rosmaninhal, Fig. 161
Idanha-a-Nova, embora neste caso, como em muitos outros registados no
sul do país (anta 2 de Santa Margarida e anta 3 de Gorginos, Reguengos de
Monsaraz), os exemplares se encontrassem acabados (Gonçalves, 2001, 2004;
Cardoso et al., 2003).

269
© Universidade Aberta
Na Beira Alta, o momento inicial do megalitismo foi associado à construção
do dólmen de Carapito 1 ("Horizonte" de Carapito/Pramelas); trata-se de
monumento de grandes dimensões, de câmara poligonal sem corredor; alguns
dos esteios encontram-se pintados, com destaque para os motivos astrais.
Uma datação de radiocarbono de alta precisão, obtida por D. Cruz e R. Vilaça
sobre madeira incarbonizada recolhida no chão primitivo da câmara, e por
isso relacionada pelos referidos arqueólogos, com a primeira utilização do
monumento, deu o resultado, para um intervalo de confiança de cerca de
95%, de 4031-3813 anos a. C, cronologia que remete para etapa precoce do
megalitismo regional, com espólio ainda de cunho arcaizante: observa-se a
associação de indústrias microlíticas a materiais arcaicos de pedra polida,
sobretudo machados, e a ausência de pontas de seta, que só surgem nos
monumentos mais complexos, do Neolítico Final ("Horizonte" de Moinhos
de Vento/Ameal), de J. C. da Senna-Martinez.Esta realidade enquadra-se
bem na atrás descrita, do monumento de Antelas.

Ao horizonte mais antigo pertencem os dólmenes designados por Orca de Seixas e


Orca de Castenairas, além de Carapito 1. As datas de radiocarbono obtidas naqueles
dois monumentos – 4900 ± 40 anos BP e 5060 ± 50 anos BP correspondem os
intervalos de, respectivamente, 3880-3400 e 4085-3665 a. C., para cerca de 95% de
probabilidade. trata-se, pois de construções reportáveis da primeira metade do
IV milénio a finais do V milénio a. C., atribuíveis ao Neolítico Médio/inícios do
Neolítico Final regional.

A segunda fase do Megalitismo regional foi datada no dólmen 1 dos Moinhos de


Vento e também em monumentos da fase anterior, então reutilizados, como Carapito
1 e a Orca de Castenairas, correspondendo intervalos cronológicos, para cerca de
95 % de probabilidade de, respectivamente 3765-3355; 3530-3145, e
3635-3155 a. C. demonstrando a construção/reutilização ao longo da segunda
metade do IV milénio a. C. (Senna-Martinez, 1996), no decurso do Neolítico Final
regional.

Do ponto de vista artefactual, a primeira fase é caracterizada por geométricos


(triângulos, crescentes e trapézios), lâminas sem retoque marginal ou com
retoque circunscrito, enxós e machados com polimento extenso e contas de
minerais verdes. Os monumentos dolménicos correspondentes possuem
câmara poligonal sem corredor (Carapito 1 e Ameal 1), corredor curto
(Carapito 2), quase simbólico (Pramelas), como os encontrados no sul da
Beira Interior, acima referidos, ou longo, como é o caso de Antelas.

A segunda fase está representada em diversos monumentos construídos na


fase anterior: é o caso das notáveis peças recolhidas na Orca das Castenairas,
especialmente alabardas de belo retoque bifacial e pontas de seta

270
© Universidade Aberta
(desconhecidas na fase anterior), além de lâminas e de micrólitos, a que se
junta o extraordinário espólio do dólmen e de Moinhos de Vento, Arganil,
com evidentes ligações aos espólios dos monumentos dolménicos da região
da Figueira da Foz, com destaque para as grandes alabardas de sílex e punhais,
de fino trabalho bifacial.

Estes resultados ilustram, pois, a evolução das arquitecturas megalíticas e


dos respectivos espólios sem prejuízo de existirem, logo nas etapas mais
precoces do fenómeno megalítico, grandes monumentos de arquitecturas
complexas, com pinturas, como as de Antelas.
É na primeira fase do fenómeno megalítico regional, no decurso da segunda
metade do V milénio a. C./1.ª metade do IV milénio a. C., que se inscrevem
os povoados abertos de Ameal – VI (já atrás referido), Murganho 2 e de
Quinta Nova, correspondentes a implantações de curta duração, em sítios
abertos e que nada os faz destacar da paisagem envolvente. Situação curiosa
foi identificada aquando da escavação da Orca do Folhadal, Nelas, onde se
encontraram dois fundos de cabana de contorno sub-circular definidos por
numerosos buracos de poste, anteriores à construção do dólmen
(Senna-Martinez & Ventura, 2000).
Embora evidenciando uma agricultura rudimentar, e portanto um grau de
fixação a um dado local ou território ainda incipiente, disperso e itinerante,
com marcas discretas na paisagem, a existência de estruturas de
armazenamento no povoado do Ameal – VI, situável na segunda metade do
IV milénio a. C., também usadas na torrefacção da bolota (silos), segundo
J. C. Senna-Martinez, já coeva da segunda fase do megalitismo regional, faz
crer que a economia destas comunidades estaria a evoluir rapidamente. Com
efeito, tais estruturas, denunciando a acumulação de bens de consumo
doméstico (neste caso, resultantes da exploração silvícola), permitem admitir
a passagem de uma territorialidade difusa a um outro padrão de ocupação/
exploração do espaço, cujos contornos se encontrariam progressivamente
melhor delimitados, inerentes à sedentarização e portanto à apropriação dos
recursos existentes por parte das comunidades que os ocupavam. No entanto,
por serem produtos exclusivamente de recolecção os armazenados, parece
que se está perante um tipo de economia agro-pastoril na qual a delimitação
territorial era pouco importante.
No norte da Beira Alta, mercê de um programa sistemático de datações
destinado a conhecer tanto a época de construção/utilização, como a de
encerramento das sepulturas dolménicas da região, conduzido por Domingos
J. Cruz, foi possível afirmar que a construção dos grandes monumentos teria
cessado em meados do IV milénio a. C., tendo, uns, conhecido um curto
período de utilização, enquanto outros se mantiveram em uso até finais do
referido milénio, como aliás foi acima referido, altura em que foram

271
© Universidade Aberta
definitivamente encerrados. Exemplo paradigmático desta realidade foi
identificado, recentemente, pelo autor citado, na Orca de Castenairas, Vila
Nova de Paiva, já mencionada (López Saéz & Cruz, 2002/2003). Trata-se de
um dólmen construído em plataforma do rio Paiva, de corredor, cuja
construção se situará nos inícios do IV milénio a. C. (4000-3700 a. C.),
associando-se a última fase de ocupação a rituais de fogo, obstruindo-se
então a sua entrada e espaços adjacentes, em meados do IV milénio a. C.

Tal não significa, porém, que tais monumentos tenham perdido a sua carga
simbólica e funerária: embora os rituais possam ter mudado, os tumuli
continuaram, um pouco por todo o centro e norte do País, a serem objecto de
reutilização tardia, como locais de inumações singulares: na própria região
da Beira Alta, é de voltar a referir o dólmen dos Moinhos de Vento, com um
pequeno tumulus na periferia do original, que forneceu um espólio muito
rico, situável na segunda metade do IV milénio a. C. Verifica-se, assim, um
momento de profundas mudanças ao nível dos rituais funerários na região
em apreço, com o abandono das sepulturas colectivas e a emergência das
estruturas de tendência individual, as quais se afirmarão no decurso do III
milénio a. C., tanto nesta como em outras regiões, num fenómeno que expressa
o desinvestimento na construção dos grandes monumentos funerários,
concomitante com o esforço colectivo doravante canalizado para a edificação
de povoados fortificados.

Outro aspecto ligado aos rituais funerários é o da orientação da abertura dos


dólmenes da região em causa: a quase totalidade dos monumentos da bacia
do Alto Mondego investigados (25), a que se somam os da bacia do Alto
Vouga (9) e do Alto Paiva (4), segundo o critério astronómico utilizado,
orientam a sua abertura para o azimute do nascer do Sol nos meses de Outono
e Inverno. Apenas em dois casos da bacia do Alto Mondego, um do Alto
Paiva e dois do Alto Vouga se afastam desta tendência, a qual, do ponto de
vista gráfico, evidencia uma variação de E a ESE (Senna-Martinez, López
Plaza & Hoskin, 1997). Situação idêntica tinha já sido referida para os
dólmenes alentejanos.

Mais para Oeste, na região convencionalmente designada centro-litoral,


delimitada a norte pelo Douro, a Sul pelo Mondego, e a Este a Sudeste pelos
maciços de Montemuro e do Caramulo, recente estudo de conjunto permitiu
traçar o quadro das características do megalitismo ali existente (Silva, 1997).
Assim, reconheceram-se diversos tipos arquitectónicos, que não podem ser
dissociados de uma assinalável diacronia. A etapa mais antiga estaria
representada por pequenas câmaras poligonais desprovidas de corredor
(conhecidas na bacia do Arda), com espólios constituídos por geométricos,
lâminas e lamelas, de onde estão ausentes as pontas de seta e onde os artefactos
de pedra polida só surgem esporadicamente; a cerâmica, tal como o verificado

272
© Universidade Aberta
na fase mais antiga do megalitismo de outras regiões da Beira, parece não
fazer parte das oferendas rituais. Mais tarde, observa-se a generalização das
construções megalíticas; a par de grandes sepulturas poligonais simples, por
vezes fechadas, assiste-se à emergência de dólmenes com corredor. Surgem
então, pela primeira vez as pontas de seta, uma maior frequência de artefactos
de pedra polida, acompanhada da cerâmica, que aumenta muito
significativamente a sua presença (Silva, 1997). Alguns dólmenes são
decorados, como é o caso da mamoa 2 de Chão Redondo, Sever do Vouga.

10.1.4 Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes

Nesta vasta área geográfica avulta a vasta necrópole dolménica da serra da


Aboboreira, maciço granítico de topo aplanado que se desenvolve pelos
concelhos de Amarante, Baião e Marco de Canavezes, onde V. Oliveira Jorge
dirigiu um vasto programa de pesquisas, entre finais da década de 1970 e
inícios da década de 1990. Em 1990, dos 37 monumentos conhecidos apenas
na serra da Aboboreira, 33 tinham já sido escavados, o que permitiu o
estabelecimento de uma tipologia, e, desde logo, considerar como mais antigas
as antas sem corredor, as quais, aliás se encontram em esmagadora maioria
(Jorge, 1990 a). Já nessa época o autor citado admitia que, "com o correr do
tempo, se tenha verificado a tendência para um ou outro monumento aumentar
de volume, tornando-se mais imponente no espaço (...). O que não há dúvida
é que tal tendência, a ter-se verificado, não acabou com as pequenas
construções (...); quando muito, pode ter promovido o seu polimorfismo"
(p. 206). Compreendem-se ao tempo as dificuldades sentidas em ordenar de
forma coerente e cronológica a construção dos megálitos da serra da
Aboboreira. Na verdade, a escassez de espólios arqueológicos, por um lado,
que dificultavam e identificação de diferenças artefactuais indubitáveis e a
sua seriação cronológico-cultural e, por outro, as fortes limitações de muitas
das cerca de meia centena de datações absolutas obtidas sobre carvões, que
não se podiam associar, na maioria dos casos, à fase de construção ou da
primitiva utilização dos monumentos, tornavam tal objectivo problemático.

S. Oliveira Jorge sintetizou, recentemente, a evolução observada, com base,


sobretudo, nas arquitecturas e datas radiocarbónicas obtidas (Jorge, 2000):
assim, no decurso da segunda metade do V milénio a. C., construíram-se ali,
primeiramente, dólmenes de câmaras fechadas, passando a monumentos de
câmaras abertas, com ou sem corredor, ao longo do IV milénio a. C., sobretudo
na sua primeira metade, por vezes de grandes dimensões (Chã de Parada 1, o
único megálito com corredor identificado). Por fim, já no final do IV/inícios
do III milénio a. C., edificaram-se pequenos dólmenes em torno dos maiores

273
© Universidade Aberta
e deles parcialmente sincrónicos. Esta evolução não pressupõe, naturalmente,
uma substituição linear, de tipo evolucionista, dos dólmenes de arquitectura
mais simples pelos mais complexos, no que está de acordo com V. Oliveira
Jorge. Este último, de qualquer modo, conquanto defenda a realidade polimór-
fica do megalitismo da Aboboreira – citando como exemplo o caso da mamoas
contendo dolmenes e outras apenas fossas (Chã de Santinhos), admite que o
único monumento com corredor seja tardio, na sequência megalítica regional.

Domingos Cruz (Cruz, 1992) apresentou, de forma sistematizada, a sequência


construtiva que se teria observado na Aboboreira.

Fase inicial

Sub-fase A (4450-3700 a. C.) – representada por dólmenes simples, de


câmara poligonal, provavelmente fechada, com tumuli em terra de
dimensões medianas (12 a 15 metros), superficialmente protegidos por uma
"couraça" de pedras, implantados em núcleos ou isoladamente,
destacando-se na paisagem e ainda por monumentos de outro tipo,
correspondentes a simples fossas abertas no saibro sob tumulus. O espólio
é pobre, de tipologia arcaizante, destacando-se os micrólitos, trapezoidais
e crescentes, lâminas e lamelas de sílex, machados e enxós, além de escassos
objectos de adorno, como as contas de xisto e de variscite. Ausência de
pontas de seta. Exemplos (na maioria dos casos com datações de
radiocarbono publicadas, susceptíveis de serem associadas à época de
construção dos monumentos): mamoas 2 e 3 de Outeiro de Gregos, 4 de
Chã de Parada, 1 de Chã de Santinhos, 2 de Meninas do Crasto, Monte da
Olheira, Mina do Simão, etc.

Sub-fase B (3900-3600 a. C.) – nos inícios do IV milénio a. C. ter-se-ão


construído monumentos mais desenvolvidos, mas tecnicamente semelhantes
ao do período anterior. Traduzem uma evolução no sentido de aumento das
dimensões, quer da câmara, de planta poligonal alongada e aberta, quer da
mamoa, que pode ultrapassar 20 metros de diâmetro. Esta tendência para a
monumentalização está de acordo com as características dos sítios de
implantação, por vezes sobrepondo-se aos monumentos já existentes,
eventualmente com maior enriquecimento simbólico, com pinturas e
gravuras em alguns deles. Quanto ao espólio, não se observam diferenças
significativas face ao dos monumentos da fase anterior, sendo constituído
essencialmente por micrólitos, objectos de pedra polida e de adorno.
Exemplos: entre outros, a mamoa 3 de Outeiro de Ante e a mamoa 3 de
Chã de Parada.

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© Universidade Aberta
Fase média (3600-3100 a. C.)

Esta fase encontra-se representada pelo dólmen 1 de Chã de Parada, o qual


foi situado também pelos autores supracitados como correspondendo a uma
etapa posterior à dos dólmenes da fase antecedente, dos quais difere, não
só por possuir corredor, mas também pela maior monumentalidade, embora
a câmara, de planta poligonal, seja tecnicamente semelhante à daqueles,
ainda que de maiores dimensões. A maior monumentalidade, a existência
de estruturas exteriores, e ainda o facto de alguns esteios se encontrarem
pintados, faz crer que a complexificação arquitectónica se relaciona com a
dos rituais correspondentes. O espólio continua a ser constituído por peças
arcaizantes características da fase anterior – micrólitos (trapézios e
triângulos), contas de colar, etc. – associadas, pela primeira vez, a pontas
de seta, de fino acabamento. A construção deste dólmen deve ter-se
verificado entre 3940-3040 a. C., cruzando os resultados das datas de
radiocarbono disponíveis, correspondentes a todo o IV milénio a. C. (Cruz,
1995).

Fase final (3200-2700 a. C.)

Esta última fase do megalitismo da serra da Aboboreira, corresponde à


transição do Neolítico Final para o Calcolítico convencionais. Encontra-se
representada por pequenos monumentos situados na proximidade de outros,
mais antigos.

A derradeira etapa das manifestações megalíticas da Aboboreira – cuja


época de apogeu se circunscreve a um curto período de cerca de 500 anos,
entre finais do V e meados do IV milénio a. C. – reporta-se já ao Calcolítico
e à Idade do Bronze: trata-se de estruturas pétreas que dificilmente se
poderão considerar ainda "megalíticas", correspondentes a sepulcros
pequenos e pouco evidentes no terreno.

Depreende-se que Domingos Cruz opta pela alternativa de fazer corresponder


a cada fase um tipo arquitectónico, a par de uma associação artefactual dele
característica, opção que se encontra consubstanciada no seguinte comentário,
relativo à fase final da sequência megalítica por si proposta:

É certo que os elementos disponíveis para a definição clara da sua


cronologia não são numerosos, mas também é certo que nenhum dos
monumentos que, hipoteticamente, colocamos neste período, forneceu
informação suficiente que permita considerar a sua contemporaneidade
com as construções dolménicas anteriores e a defesa de uma perspectiva
polimórfica da arquitectura dolménica da região (p. 98).

275
© Universidade Aberta
A visão que poderá ser retida da necrópole da Aboboreira é a seguinte: um
certo polimorfismo, patente sobretudo na sua fase inicial (no que Domingos
Cruz e V. Oliveira Jorge concordam), aceitando a existência de evolução
arquitectónica no sentido da crescente monumentalidade e complexidade,
no decurso do IV milénio a. C., ideia que, de facto, acabou por ser partilhada
de modo explícito por V. Oliveira Jorge (Jorge, 1990 b): "Il est possible que,
à un certain moment, des dolmens de type nouveau se soient ajoutés aux
petites chambres "traditionelles" dans les nécropoles déjà existentes (...)" (p.
51). Tais dólmenes teriam corredores e seriam de maiores dimensões,
implantando-se em locais dominantes numa dada necrópole, estabelecendo-se
assim uma espécie de hierarquia topográfica.

A notável necrópole dolménica polinucleada da serra da Aboboreira tem


paralelos na região minhota, conquanto longe de serem tão bem conhecidos:
é o caso dos conjuntos de Monte Mozinho, Penafiel; Monte do Borrelho,
Vila Verde; e Britelo, Ponte da Barca, todos com mais de 30 monumentos; o
dos planaltos de Vila Chã, Esposente e Mourela, Montalegre, com cerca de
20 monumentos inventariados, além das necrópoles do planalto de Lameira,
Fafe e Celorico de Basto, com cerca de 40 monumentos megalíticos e, enfim
a do planalto de Castro Laboreiro, Melgaço, de que alguns dos notáveis
monumentos serão adiante referidos, que inclui mais de 80 ocorrências
(Bettencourt, 2004).

Em certos domínios de Trás-os-Montes, apesar da evidente rarefacção de


manifestações megalíticas na região, algumas merecem também referência
(Sanches, 1994, 1997). A respectiva distribuição geográfica geral foi já
apresentada (Jorge, 1990 b). Verifica-se que dominam dólmenes de câmara
simples e de pequenas dimensões, enquanto, noutras regiões, já se construíam
dólmenes de corredor, cujos exemplares mais antigos parecem ser de facto
os alentejanos e alguns da Beira Alta. Conhecem-se, no entanto, monumentos
Fig. 127 de grandes dimensões e de tipologia "clássica", como é o caso do grande
dólmen de Fonte Coberta (Alijó), constituído por uma câmara poligonal de
sete esteios, que suportam a lage de cobertura (chapéu) e por um corredor
curto, definido de cada lado por um longo esteio, mais baixo que os de câmara,
como é habitual. Embora seja Monumento Nacional e tenha sido objecto de
publicação em finais do século XIX, sendo citado frequentemente desde então
na bibliografia arqueológica, o monumento ainda não se encontrava
totalmente explorado. Com efeito, uma recente intervenção, conducente à
sua merecida valorização, proporcionou a recolha de numeroso espólio lítico,
integrando micrólitos geométricos diversos e pontas de seta de base triangular,
inscrevendo a utilização do monumento até finais do IV milénio a. C., no
decurso do Neolítico Final.

De destacar a presença, neste megálito, de alguns esteios pintados e


insculturados com "fossettes" ou gravuras lineares. Infelizmente, os motivos

276
© Universidade Aberta
pintados encontram-se incompletos ou em muito mau estado, sendo, por
isso de difícil interpretação. Seja como for, a sua ocorrência, com paralelos
noutros dólmenes da região, como o dólmen de Madorras – igualmente um
grande dólmen de câmara poligonal alongada e corredor bem diferenciado
(Gonçalves & Cruz, 1994) – faz estender à região transmontana, a par de
outras manifestações entretanto identificadas por Maria de Jesus Sanches, a
arte megalítica, tão exuberantemente representada em monumentos da Beira
Alta. Os indicadores cronológicos disponíveis para o dólmen de Madorras
situam a sua construção, para um intervalo de confiança de cerca de 95 %,
entre 4229-3984 a. C., com base num fragmento de tronco carbonizado
recolhido entre as lajes de contraforte, ali colocado aquando da construção
do monumento. O encerramento definitivo do monumento ter-se-á verificado
com base em data obtida de amostra recolhida no átrio, entre 3300-2917 a. C.
A mamoa 3 de Pena Mosqueira, Mogadouro (Sanches, 1997; Cruz, 1995), é
outro sepulcro transmontano sob tumulus, mas não megalítico. Com efeito,
a estrutura propriamente dita era constituída por um revestimento duplo de
pedras, interior e exterior, contendo na sua parte central, ao nível do substrato,
um enterramento simples, sublinhado no terreno por uma mancha de ocre.
Uma datação correspondente a carvões recolhidos nas terras que cobriam,
na parte central, a sepultura – eventualmente correspondentes a uma lareira
ritual pós-inumatória – indicou o intervalo, para cerca de 95 % de confiança,
de 3906-3633 a. C., que, em parte, coincide com o da construção do dólmen
anterior; estar-se-ia, pois, nas mesmas condições identificadas para a região
de Aboboreira: a construção coeva de sepulcros sob tumulus de vários tipos,
megalíticos e não megalíticos. Este sepulcro ilustra um tipo dominante em
Trás-os-Montes, representado por dezenas de pequenos a médios tumuli, em
geral não megalíticos, contendo no seu interior sepulturas simples ou
estruturas centrais em fossa (já observadas na serra da Aboboreira), de
cronologia igualmente neolítica (Neolítico Médio e Neolítico Final),
corporizando uma assinalável diversidade das arquitecturas tumulares da
época (Cruz, 1995).

No Douro Litoral, devem referir-se alguns grandes dólmenes evoluídos, de


câmara e corredor não diferenciados, do tipo próximo das "galerias cobertas",
com paralelos no Minho e também na Estremadura, como o dólmen da Portela
ou "Fornos dos Mouros", o qual possuiria decorações pintadas na face interna
dos respectivos esteios, entretanto desaparecidas (Leisner, 1934, p. 33).

No Minho, assiste-se, especialmente na faixa litoral, à construção de dólmenes


de assinaláveis dimensões, de câmara e corredor não diferenciados (galerias
cobertas) como alguns da região de Lisboa adiante mencionados (Monte
Abraão e Estria, ambos em Sintra): são exemplos os dólmenes da Eireira e
de S. Romão de Neiva, ambos no concelho de Viana do Castelo; e o de

277
© Universidade Aberta
Barrosa, Caminha, correspondentes a monumentos isolados, que
predominam, na região minhota. A época tardia de edificação destes
monumentos tem sido admitida por diversos autores (Jorge, 1995, 1997).
Alguns destes dólmenes de planta evoluída apresentam-se decorados, o que
constitui um facto só recentemente identificado; nalguns casos, a pintura
associa-se à gravura, no mesmo suporte, situação observada no dólmen da
Eireira (Silva, 1994), com destaque para um grande antropomorfo gravado,
o maior reconhecido em dólmenes portugueses (Jorge, 1995). Mas o
polimorfismo – falta saber se estritamente sincrónico ou diacrónico – também
se evidencia nesta região. É o caso das pequenas estruturas fechadas como a
antela da Portelagem, Esposende e a mamoa 3 do Rapido, também naquele
concelho.

O conhecimento do megalitismo na região raiana do Alto Minho conheceu, na


década de 1990, um significativo avanço, com o início de um programa dedicado
ao notável conjunto do planalto de Castro Laboreiro. Trata-se de vasta zona, aberta
e pouco acidentada, coberta de uma vegetação rasteira proprícia à identificação
deste tipo de estruturas, cujo número ascende a mais de cem. A investigação
centrou-se no conjunto do Alto da Portela de Pau, onde se localizaram dez
monumentos, dos quais se publicaram as escavações de apenas três. Destes, dois
correspondiam a estruturas fechadas, não megalíticas, sob tumuli baixos (mamoas
3 e 6); uma delas (mamoa 3) situada na periferia da mamoa 2, correspondente a
um dólmen de câmara poligonal aberta, desprovido de corredor. As datações de
radiocarbono obtidas para carvões recolhidos junto à entrada, datando a fase final
de utilização do monumento, e antes do seu definitivo encerramento, para um
intervalo de confiança de cerca de 95% são as seguintes: 3970-3790 a. C.;
3980-3810 a. C.; e 4350-4160 a. C.); tais datas indicam que a construção deste
monumento, desprovido de corredor, mas repleto de esteios decorados (Baptista,
1997; Jorge et al., 1997), se terá efectuado na segunda metade do V milénio a. C.
Idêntica conclusão é extensiva à pequena mamoa não megalítica (mamoa 3), cujo
recinto interno, sob tumulus, era apenas definido por uma coroa circular (anel
central) de pequenos blocos, podendo mesmo não ter carácter funerário, embora a
hipótese de originalmente possuir uma cista central não seja irrazoável (Jorge,
1997). As datações para carvões recolhidos sob a estrutura, datam a fase
imeditamente anterior à sua construção; os resultados, também para um intervalo
confiança de cerca de 95 %, de 4220-4160 a. C.; 4220-3990 a. C.; e 4330-4080 a. C.
apontam para a construção desta estrutura não megalítica também na segunda
metade do V milénio a. C. (Jorge & Mathías, 1996). Estar-se-ia, pois, exactamente
na mesma situação revelada por alguns monumentos da fase mais antiga da
necrópole da Aboboreira, como é o caso da Chã de Santinhos em que lado a lado
"conviviam uma anta e uma fossa aberta no saibro (de carácter funerário?), ambas
cobertas com tumuli, como é o caso dos dois monumentos em causa.

278
© Universidade Aberta
Outra mamoa (a 6), situada cerca de 100 m a leste da mamoa 3, corresponde a
estrutura definida por anel lítico, sob tumulus.

Os escassos artefactos recolhidos provêm essencialmente de um quarto monumento


(a mamoa 1), monumento com câmara alongada, desprovida de corredor, constituída
por sete esteios, a qual foi em época ulterior fechada por diversas lages. A data de
radiocarbono disponível, indica que a sua construção se terá efectuado no último
quartel do V milénio a. C., como os monumentos anteriores. Do espólio recuperado,
destaca-se quatro micrólitos geométricos (três trapézios e um triângulo, de sílex).
A ausência de oferendas em número significativo e intrinsecamente relevantes,
incluindo cerâmicas, sugere a existência de prescrições rituais (Jorge et al., 1997).

De um modo geral, o megalitismo no norte e no centro de Portugal,


corresponde às práticas funerárias de uma população ainda essencialmente
pastoril, pouco sedentarizada; as primeiras manifestações desta realidade –
que não poderá ser encarada de forma autónoma, mas antes enquadrada no
complexo processo de transformação económica e social de que é uma das
expressões mais evidentes – pode situar-se em meados do V milénio a. C.,
como, aliás, no sul do actual território português. No entanto, esta realidade
tem de ser articulada com o facto de existirem regiões do país, como em todo
o leste transmontano, em que quase não se conhecem mamoas megalíticas
(Jorge, 2000), tal como na Beira Transmontana, o que não se pode imputar à
falta de informação (Cruz, 1999). O final desta expressão funerária,
verificou-se, como documenta o estudo da notável necrópole polinucleada
da serra da Aboboreira, a única até ao presente integralmente escavada, já
nos alvores da Idade do Bronze regional, na primeira metade do
II milénio a. C., época em que se constroem os derradeiros sepulcros,
correspondendo a estruturas baixas, que de megalíticas já têm muito pouco.
A crescente monumentalização da paisagem por megálitos, atinge a sua
expressão máxima em meados do IV milénio a. C., embora a existência de
grandes monumentos acompanhe, em posição adjacente, a de outros,
provavelmente coevos, de menores dimensões; trata-se de processo que V.
O. Jorge designou de "necropolização", em que a presença de grandes
dólmenes serviria de referencial que condicionou a construção de outros
túmulos, configurando um longo processo de "adição" que durou mais de
dois milénios. Esta realidade induziu o reconhecimento implícito do
polimorfismo, muito embora este, no caso da Aboboreira, possa ser muitas
vezes expresso por fossas sob tumuli cuja funcionalidade funerária não é
evidente; de qualquer modo, o polimorfismo megalítico ali evidenciado, "não
contrariava, obviamente, a diacronia global da necrópole, mas tornava pouco
razoável uma perspectiva excessivamente evolucionista que se quisesse ter
dela (...). Em cada fase poderiam ter funcionado "monumentos megalíticos"

279
© Universidade Aberta
e "não megalíticos" (numa perspectiva restritiva desta designação) associados
a práticas funerárias/cultuais complementares" (Jorge, 2003).

Por outro lado, a existência, especialmente nos monumentos de maior


tamanho e complexidade, de átrios, no exterior dos corredores de acesso, faz
crer na existência de cerimónias públicas, nas quais toda a comunidade
participaria, a começar pela própria construção dos monumentos, funcionando
como pólos aglutinadores identitários de grupos ainda socialmente muito
fluídos (Jorge, 1989). Este autor admite, porém, que em tais monumentos
nem todos seriam neles tumulados, o que configura um processo de
diferenciação social, com a emergência de linhagens detentoras de prestígio
e, por conseguinte, da autoridade; trata-se de assunto já anteriormente
abordado a propósito dos grandes monumentos alentejanos sobre o qual se
considera não existirem argumentos decisivos em abono de tal hipótese, bem
pelo contrário. Com efeito, os dados existentes para a Estremadura e Alto
Alentejo mostram, ao contrário, que seriam destinados a receberem todos os
elementos das respectivas comunidades que os edificaram. Também aqui a
questão demográfica não poderá ser ignorada: para Domingos Cruz (Cruz,
2000), o grande número de monumentos que se observam em certas zonas
do centro interior de Portugal, não traduzirá elevada densidade populacional;
a mesma comunidade poderia renovar os laços identitários e de união à terra,
que explorava através de um sistema agro-pastoril cada vez mais aperfeiçoado,
com a edificação, de forma recorrente, de novos túmulos, os quais
funcionariam, repita-se, como pólos agregadores do todo social, que se tornava
particularmente importante em sociedades não hierarquizadas e de pequena
escala como estas. A ter sido de facto assim, existiriam de facto diferenças
na organização social e demografia destas comunidades, face à revelada pelos
dólmenes alentejanos, frequentemente de dimensões muito superiores, sem
que se possa invocar as condicionantes de matéria-prima, visto que em boa
parte do centro e norte dominam também as rochas graníticas.

Tendo presente o que atrás foi dito, a tendência para a diferenciação social
ter-se-ia iniciado nos vastos espaços alto-alentejanos, os quais, certamente
devido a condições naturais propícias, seriam muito mais povoados, como
revelam as centenas de tumulações identificadas nos maiores dólmenes, que
não têm paralelo no centro e norte do país.

Seja como for, a monumentalização da paisagem, feita embora a escalas


distintas, tanto numa como noutra daquelas regiões, desde a segunda metade
do V milénio e continuada em todo o IV milénio a. C., reflectirá o crescente
papel das elites, que assim encontrariam um meio privilegiado para se
auto-promoverem; como bem assinalou V. Oliveira Jorge (Jorge, 2000), não
é no auge do poder que este mais recorre á arquitectura; as cenografias
imponentes aparecem quando aquele tem necessidade de se legitimar.
Podemos, deste modo, admitir que, chegados a meados do IV milénio a. C.

280
© Universidade Aberta
e ao Neolítico Final, existiria, de forma generalizada, tanto no norte como no
sul, uma evidente tendência para a desigualdade social, a qual, por seu turno,
encontrou nos excedentes de produção então gerados – muito difíceis de
admitir antes do Neolítico Final – a possibilidade de estes serem então
canalizados para a afirmação do poder das elites em ascensão (Soares, 1996),
o que obviamente não é incompatível com a própria afirmação do prestígio,
estendido a toda a comunidade responsável pela construção de tais estruturas,
por vezes imponentes.

Estar-se-ia, como foi referido por V. S. Gonçalves, perante situação segundo


a qual o megalitismo seria a expressão própria de grupos humanos em idêntico
estádio de desenvolvimento – se quisermos, ainda pouco sedentarizados na
maior parte do território português, exceptuando as zonas de maior fertilidade
e aptidão agro-pecuária, como a Estremadura e o Alto Alentejo – devendo
ser encarado como fenómeno estrutural generalizado das sociedades
camponesas.

10.1.5 Litoral centro: a região de Lisboa e a da Figueira da Foz

A investigação das antas dos arredores de Lisboa iniciou-se na segunda


metade do século XIX, mercê dos trabalhos pioneiros de Carlos Ribeiro. Os
primeiros monumentos publicados integram núcleo funerário, ocupando uma
plataforma dominante, constituída por calcários mesosóicos e margas; trata-se
das antas de Monte-Abraão, de Pedra dos Mouros e de Estria. O monumento
de maiores dimensões é a Pedra dos Mouros, do qual avulta um grande Fig. 139
ortóstato inclinado, correspondente a uma bancada de calcário aproveitada
directamente da pedreira, existente na adjacência imediata. Os monumentos
de Monte-Abraão e de Estria, possuem câmara e galeria não diferenciadas,
do tipo "galeria coberta", como alguns do litoral minhoto (Ribeiro, 1880). A
estes três monumentos pode-se juntar, embora situado mais longe, a galeria
coberta de Carenque, que aproveitou uma bancada de calcários para o
assentamento da laje de cobertura e o monumento do Carrascal – Agualva,
correspondente a câmara megalítica de grandes esteios, de planta poligonal
e corredor.

Outros monumentos do mesmo tipo, sempre construídos de monólitos de


calcário se poderiam referir. No concelho de Sintra, destaca-se o dólmen das
Pedras Altas, ou da Várzea, igualmente construído de grandes lajes de calcário,
correspondentes a bancadas retiradas tal e qual da pedreira, a cuja câmara,
de planta poligonal, se acederia por corredor, do qual nenhum vestígio se
conservou (Zbyszewski et al. 1977).

281
© Universidade Aberta
No concelho de Loures, é de destacar o grande dólmen do Alto da Toupeira,
o qual, como o de Penedo, perto de Verdelha dos Ruivos, poderia possuir
uma câmara e corredor indiferenciados (galeria coberta); a este tipo pertence
também o da Arruda, do concelho de Arruda dos Vinhos (Ferreira, 1959
Leisner, 1965). Os dólmenes de Casainhos e de Carcavelos, ambos no
concelho de Loures, possuem também câmaras poligonais e corredor. Os
espólios mais antigos neles encontrados são reportáveis ao Neolítico Final,
embora todos eles fossem reutilizados no Calcolítico: é o que indica, entre
outras evidências, as pontas de seta pedunculadas ou de base triangular, os
alfinetes de osso de cabeça postiça canelada ou lisa, as taças lisas carenadas,
bem como as grandes contas de mineral verde (variscite ?) que são
características dessa etapa crono-cultural, bem como as grandes alabardas
de sílex. A este conjunto artefactual, poderá acrescentar-se, no campo dos
objectos rituais, as plaquinhas de osso polido, representando o ídolo
antropomórfico almeriense e as placas de xisto decoradas, excepcionalmente
acompanhadas de báculos, como é o caso do exemplar recolhido na galeria
coberta da Estria. Uma característica construtiva particular deste conjunto
de monumentos megalíticos, os quais, com algumas excepções (cista
megalítica de Trigaches, Odivelas) se repartem entre os dólmenes de câmara
Fig. 140 poligonal e corredor e os dólmenes de câmara e corredor indiferenciados, é a
de incorporarem secções escavadas no substrato geológico, acompanhando
os tradicionais ortóstatos em especial no corredor. Trata-se, em suma, de
dólmenes tardios na sequência arquitectónica que se tem vindo a observar,
de técnica mista, associando simultâneamente o uso de ortóstatos e o recurso
à escavação do subsolo, à maneira das grutas artificiais anteriormente
referidas, das quais se poderão considerar globalmente sincrónicos (segunda
metade do IV milénio a. C. e inícios do milénio seguinte).

Caso particular é o representado pelo monumento megalítico do Monte


Serves, Vila Franca de Xira, recentemente publicado (North, Boaventura &
Cardoso, 2005). Trata-se de um pequeno recinto de planta sub-trapezoidal
aberta, com um único enterramento, desprovido de espólio. Nestas condições,
tanto podia corresponder a estrutura do início como do final do megalitismo;
no entanto, tendo presente o carácter cistóide destas últimas, correspondendo
a sepulturas sub-rectangulares fechadas, é mais provável que estejamos
perante um túmulo mais antigo, aliás em provável articulação com a ocupação
de carácter habitacional do povoado da Moita da Ladra, situado num morro
balsático a cerca de 1 km de distância (escavações ainda inéditas de J. L.
Cardoso e de J. Caninas), onde se documentou ocupação do Neolítico Antigo
evolucionado.

Tal como em numerosos dólmenes alentejanos do apogeu do fenómeno


megalítico, também nalguns dos da região de Lisboa se recolheram restos de
dezenas ou mesmo de centenas de indivíduos, o que mostra bem, por um

282
© Universidade Aberta
lado a importância que, do ponto de vista simbólico detinham, no quadro de
uma região fortemente povoada, a tal ponto que se poderá admitir a hipótese
de, não só terem servido por muitas centenas de anos, mas também a várias
comunidades que, numa mesma época, partilhavam territórios adjacentes.

Na região da Figueira da Foz – serras das Alhadas e da Boa Viagem até ao


Cabo Mondego – em ambiente geológico de calcários mesozóicos muito
semelhante ao que caracteriza a região de Lisboa, António dos Santos Rocha
explorou, nos finais do século XIX, dezoito monumentos dolménicos,
constituídos também por elementos calcários, dos quais apenas um subsiste
actualmente (o dólmen das Carniçosas). Um desses monumentos seria uma
tholos (Cabecinha Grande), cuja arquitectura é idêntica à das existentes na
Baixa Estremadura, adiante referidas, constituindo, nessa eventualidade, o
mais setentrional deste tipo de monumentos. Com efeito, e como já foi por
outrém referido (Guerra & Ferreira, 1968/1970), existe um forte parentesco
entre estes conjunto megalítico com o encontrado nos arredores de Lisboa.
Trata-se de megálitos com câmaras poligonais e corredores de comprimento
variável, definidos apenas por um esteio de cada lado, médios, sempre bem
diferenciados da câmara, ou longos, apresentando-se no prolongamento desta,
como é o caso do dólmen da Capela de Santo Amaro, de planta muito
semelhante ao dólmen de Monte Abraão. As analogias das arquitecturas são
reforçadas pelas características dos espólios: assim, as peças de sílex lascado
são muito semelhantes às da região de Lisboa, sendo de destacar a presença,
tal como naquela, de alabardas: do dólmen de Cabecinha, que possui a
particularidade de apresentar o chão da câmara revestido de lajes – à
semelhança do observado no monumento de Marcela (Tavira), cujo chão da
câmara se encontrava recamado de pedras miúdas (Veiga, 1886, p. 259) –
provém o maior exemplar conhecido em território português, actualmente
com 320 mm (Rocha, 1900, p. 202, Est. XXIII, Fig. 304). Ocorrem, tal como
na baixa Estremadura, Algarve e Andaluzia, alfinetes de cabeça postiça
canelada, de osso, bem como ídolos antropomórficos recortados, de tipo
almeriense, não faltando a cerâmica carenada, típica do Neolítico Final da
Estremadura, de que se recolheu exemplar no dólmen do Facho. Estas
evidências reforçam a convicção de ter existido uma forte ligação cultural
entre as duas regiões, no Neolítico Final, favorecidas pela sua posição litoral,
através de navegação de cabotagem. Note-se ainda a ocorrência isolada de
uma placa de xisto decorada, de tipo alentejano, sublinhando tais relações
meridionais.

É de destacar a presença frequente de vestígios de fogos rituais no interior


dos sepulcros, assinalada por Santos Rocha, mencionada anteriormente.

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10.1.6 Algarve

Outra área onde as manifestações megalíticas do Neolítico assumem


características particulares é a região algarvia. Começando pela "serra", que
se encontra mais exposta aos contactos com os habitantes neolíticos
baixo-alentejanos construtores de antas (que também ali se identificaram,
ainda que em número insignificante face à riqueza do Alto Alentejo) devem
mencionar-se as grandes antas, constituídas por enormes esteios de grauvaque,
com câmara e corredor, de Masmorras, do Curral da Castelhana, de Pedras
Altas (de câmara e corredor não diferenciados), e da Mesquita situadas no
Alto Algarve oriental (concelhos de Alcoutim e de Tavira). No conjunto, a
arquitectura evoluída dos monumentos e o seu assinalável tamanho, condiz
com a tipologia do espólio neles recolhido (Gonçalves, 1989), constituído
por enxós e machados de pedra polida, lâminas e lamelas, pontas de seta
(que se afiguram compatíveis, apesar de sua tipologia evoluída, com alguns
geométricos identificados), adornos de minerais verdes, cerâmicas lisas e
placas de xisto decoradas, que correspondem a uma penetração alentejana
evidente, a par de outros elementos votivos, como dois cristais de quartzo
hialino (recolhidos na anta das Pedras Altas, Tavira), a cujo significado já
anteriormente se fez referência.

Outro tipo de monumentos neolíticos ocorre junto ao litoral: trata-se de


construções de pequeno tamanho, utilizando ortóstatos de calcário, como é
o caso da sepultura da Pedra Escorregadia, Vila do Bispo, pequeno dólmen
de câmara poligonal e corredor curto (Gomes, 1994). Embora com espólio
pouco característico, as três datas de radiocarbono indicam o Neolítico Final
(o que está de acordo com a arquitectura do monumento) ou o início do
Calcolítico. Para um intervalo de confiança de cerca de 95 %, a cronologia
correspondente à fase mais antiga da ocupação do monumento indica os
últimos séculos do IV milénio a. C. e os inícios do milénio seguinte. No
outro extremo do Algarve, importa referir a sepultura de Nora, Vila Real de
Santo António, longa galeria baixa, com mais de oito metros de comprimento,
com uma largura que pouco ultrapassava os 2 m (Veiga, 1886; Gonçalves,
1997); a este monumento talvez se pudesse associar o seu vizinho de Marcela,
que evoca a planta das tholoi calcolíticas. Com efeito, em Nora, embora se
registem artefactos característicos do Neolítico Final (placas de xisto, alfinetes
de osso de cabeça postiça canelada), a sua ocorrência, como se sabe, não é
dele exclusiva e a recolha de pontas de seta de base côncava, algumas delas
muito evoluídas, bem como um notável artefacto de marfim (Veiga, 1886,
Est. XIV), mostra que o monumento foi, pelo menos, ocupado no Calcolítico.
A sepultura de Nora não tem paralelo arquitectónico conhecido, exceptuando-
se algumas das sepulturas das necrópoles de Monchique, sobre as quais
importa tecer algumas considerações.

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© Universidade Aberta
O complexo funerário de Monchique foi dado a conhecer através de sucessivas
publicações, sendo a mais completa a publicada nos finais dos trabalhos,
pelos seus exploradores (Formosinho, Ferreira & Viana, 1953/1954). Embora
as origens desta vasta necrópole polinucleada, cujas sepulturas se concentram
Fig. 130
em zonas bem definidas (Palmeira, com dezasseis sepulturas, Eira Cavada,
com três, Buço Preto ou Esgravatadoiro, com sete, Belle France, com três,
etc.) deva remontar ao Neolítico Médio/Neolítico Final, a sua utilização
prolongou-se ao Calcolítico, com um máximo no Neolítico Final, época a
que se deve reportar a maioria das sepulturas.

Trata-se de cistas de planta sub-rectangular, largamente dominantes, ou


elipsoidal, ou com um dos lados arredondado, sendo todas fechadas, talvez
exceptuando apenas uma, a sepultura 7 do Buço Preto, munida de uma espécie
de entrada, estreita e desviada, do lado oposto à cabeceira (Cardoso, 2001/
2002, Fig. 7). Esta sepultura, até pelas dimensões, com 4,8 m de comprimento
– trata-se de uma das maiores identificadas em Monchique – é a que mais
semelhanças exibe com a sepultura de Nora, acima mencionada, aspecto,
aliás, que foi na época das escavações devidamente registado por Abel Viana
(Cardoso, 2001/2002, Documento n.º 19). O recobrimento era feito por tumuli,
ao que parece essencialmente de pedras e terra, de planta circular, que
poderiam protegem uma ou mais caixas tumulares, como é o caso de três, do
núcleo do Buço Preto ou Esgravatadoiro. Desconhece-se a razão para a
existência de tão peculiares monumentos, concentrados numa área geográfica Fig. 131
circunscrita a um domínio de montanha de baixa altitude. Pode tratar-se de
um caso em que as particularidades das tipologia construtiva e de certas
peças do espólio (por exemplo, a abundância de trapézios possuindo uma
concavidade junto à base menor), talvez imposta por uma certa peculiaridade
da ambiência geográfica, se tenha sobreposto à generalizada adopção dos
cânones em voga noutras regiões (Gonçalves, 1997).

A tipologia dos espólios remete a generalidade dos sepulcros para o Neolítico


Final. Que alguns destes sepulcros foram ocupados (construídos ou simplesmente
reutilizados?) durante o Calcolítico não há dúvida, pois num deles (Belle France 1),
encontrou-se um machado plano de cobre envolvido num tecido de linho, que será
adiante referido com mais pormenor, pela raridade e interesse da descoberta.
Ocorrem com frequência pontas de seta de base côncava e lâminas, retocadas ou
não, e cerâmica lisa, para além de enxós, goivas e machados, por vezes aos pares,
denotando sucessivas inumações como em sepultura da necrópole de Eira Cavada Fig. 132
(Cardoso, 2001/2002, Documento 19, Fig. 6), elementos de adorno (contas de colar)
e blocos de corante. As características do espólio mostra que estas populações não
viveriam circunscritas sobre si próprias: a litologia das peças de pedra polida indica
que elas seriam obtidas, em boa parte, por troca; aliás, a simples hipótese de uma
comunidade isolada naquela área circunscrita, mas de fácil acesso, seria absurda.

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Por outro lado, há a registar elementos da super-estrutura simbólica exógenos, de
larga difusão supraregional, como as placas de xisto decoradas (um exemplar
recolhido no túmulo 7 do Buço Preto ou Esgravatadoiro, três no Rencovo),
confirmando a época em que este notável conjunto sepulcral se teria constituído: o
Neolítico Final ou o início do Calcolítico.

10.2 Megalitismo não funerário

10.2.1 Menires

Os rituais das sociedades neolíticas encontram-se corporizados por outro


tipo de megálitos, estes de características não funerárias: são os menires, por
vezes agrupados (cromeleques), implantados em zonas planas ou em pequenos
cabeços e com distribuição por todo o território português, com especial
incidência no Alentejo Central (distrito de Évora) e no Algarve Ocidental
(concelhos de Lagoa e de Vila do Bispo), mas com evidente rarefacção a
norte do Tejo. Menires e cromeleques poderiam constituir lugares de reunião
de populações de origem comum, normalmente dispersas por vastos
territórios, onde praticariam a agricultura e a pastorícia, ainda de marcada
mobilidade. Importa, contudo, não omitir a ocorrência de menires, de
cronologia neolítica – não confundir com as estelas-menires calcolíticas,
adiante estudadas – tanto no centro, como no norte de Portugal, alguns deles
conhecidos de há muito, como é o caso do menir de Luzim, Penafiel (Aguiar
& Santos Júnior, 1940). Convém não esquecer a referência a menires
minhotos, feita pelo pioneiro da arqueologia F. Martins Sarmento, os quais,
na mesma região, se encontram acompanhados pelos menires fálicos de Marco
da Zarelha e de Pedra do Coelho, Esposende, em área particularmente rica
de dólmenes (Bettencourt et al., 2004).

De facto, os sucessivos inventários das ocorrências conhecidas (incluindo


cromeleques) assinalam tal presença, se bem que sempre discreta, na região
a norte do Tejo (Zbyszewski et al., 1977; Vicente & Martins, 1979; Monteiro
& Gomes, 1981).

A cronologia do início da construção destes monumentos, apareçam isolados


ou em grupo, é ainda mal conhecida. Por se tratar de estruturas monolíticas,
implantadas em geral em sítios desprovidos de estratigrafia vertical, que
remeta inquestionavelmente para uma dada época a sua erecção, têm-se
desenvolvido teorias, nem sempre concordantes, a tal respeito. A associação
espacial de menires e cromeleques, como os investigados recentemente por
Manuel Calado no concelho de Évora, (cromeleque de Vale Maria do Meio),
a cerâmicas decoradas do Neolítico Antigo evolucionado conduziram este

286
© Universidade Aberta
arqueólogo a admitir que os menires em causa remontariam àquela época
(Calado, 1997, 2005); mas tal conclusão carece de confirmação inequívoca,
visto as ditas cerâmicas corresponderem a recolhas de superfície, que nada
provam quanto à antiguidade dos menires; seria o mesmo que encontrar,
num campo agrícola, um machado de pedra polida, junto aos muros romanos
de uma villa, das muitas existentes no Alentejo, e concluir-se que aquela
peça seria contemporânea dos romanos que habitaram esta última. Idênticas
reservas se poderiam apresentar para a antiguidade atribuída por alguns autores
aos monólitos conhecidos na notável região menírica do barlavento algarvio,
com base em pressupostos do mesmo género. Num dos casos, o menir de
Padrão (Vila do Bispo) encontrava-se a pouca distância de uma estrutura de Fig. 147
combustão, cuja datação corresponde ao Neolítico Antigo, conotável com
uma ocupação já anteriormente referida (Gomes, 1994): mas, como é óbvio,
tal estrutura poderá ser muito mais antiga que o menir, nada indicando que
se encontre funcionalmente associada a este. Já os critérios da estratigrafia
vertical são mais importantes, na discussão desta questão: na Caramujeira,
Lagoa, um dos menires encontrava-se, segundo M. V. Gomes, selado por
uma camada arqueológica do Neolítico Final, conferindo-lhe um limite
cronológico ante quem. Poderia, talvez com um outro, relacionar-se com a
ocupação do Neolítico Antigo Evolucionado ali caracterizada.

Recentes trabalhos conduzidos por David Calado Mendes em contextos


habitacionais com menires, também do barlavento algarvio, têm
proporcionado elementos que, ainda por não se encontrarem suficientemente
publicados, têm de ser encarados com as devidas reservas. Com efeito, dos
dezassete povoados com menires que foram identificados por David Calado
no barlavento algarvio, resultou que, nalguns desses locais, ocorriam apenas
materiais reportáveis, por critérios tipológicos, ao Neolítico Antigo. Um
desses locais era a Quinta da Queimada. A abertura do alvéolo do único
menir que ali permanecia erecto, foi datada por OSL, obtendo-se o resultado
de 7983-6203 a. C. (Calado, com. pess.).Esta datação é, deste modo, muito
anterior às datações obtidas para os primórdios do Neolítico Antigo na região
(lareira de Padrão e povoado de Cabranosa, Vila do Bispo).

É o próprio D. Calado a considerar o resultado obtido compatível com o


Epipaleolítico, época a que pertence um belo conjunto lítico ainda inédito, o
qual, porém, em nossa opinião não é possível correlacionar seguramente
com a época da erecção do menir. Este monumento, que faz parte de um
conjunto de menires de calcário, frequentemente decorados, que ocupam o
barlavento algarvio, denunciaria a existência de uma comunidade sedeada
na região de forma sedentária, anterior ao VI milénio a. C., contrariando,
deste modo, a ideia usual de corresponderem as populações do Epipaleolítico
a pequenos grupos itinerantes com uma economia incipiente de caça e
recolecção sazonal ao longo do litoral. Mas esta é apenas uma hipótese

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sugestiva, que deverá ser devidamente confirmada, até por se basear, por
enquanto, em elementos muito discutíveis, incluindo a própria datação, obtida
por método ainda em fase experimental.

Tal não significa, bem entendido, que se elimine a possibilidade de existência


de menires no território português no Neolítico Antigo: por um lado, sem
dúvida que o conjunto do barlavento algarvio constitui unidade homogénea,
expressa pela temática decorativa que o diferencia dos seus homólogos do
Algarve oriental e do Alto Alentejo; por outro, existem, ainda que pobres,
algumas indicações da alta antiguidade de algumas manifestações meníricas:
o pequeno monólito encontrado no povoado de Vale Pincel 1, Sines
(escavações de C. Tavares da Silva e J. Soares), bem como a datação obtida
para carvões recolhidos no interior do alvéolo de implantação do grande
menir de Póvoa e Meadas, Castelo de Vide, 6022 ± 40 anos BP, a que
corresponde o intervalo calibrado para cerca de 95 % de probabilidade de
5010-4810 a. C., remete a sua erecção para finais do Neolítico Antigo
(Oliveira, 2000); porém, tais carvões poderiam ter resultado de um incêndio,
ou de uma ocupação anterior do mesmo local.

Em abono da suposta antiguidade de alguns menires, podem também ser


invocadas as eventuais remodelações ou reutilizações que se fizeram dos
grandes recintos megalíticos do Alto Alentejo Central, como o cromeleque
dos Almendres, de Vale de Maria do Meio e da Portela de Mogos, todos do
concelho de Évora: foram os primeiros monumentos públicos do ocidente
peninsular e, como tal, utilizados certamente durante centenas de anos, no
decurso dos quais sofreram reordenamentos, acrescentos ou reduções, e enfim,
mutilações, antecedentes do seu definitivo abandono, já no Calcolítico. Isto
sem falar em reaproveitamentos de menires em dólmenes do Neolítico Final,
que comprovam a anterioridade daqueles, embora se desconheça a dimensão
temporal de tal anterioridade: é o caso do menir reaproveitado na construção
do já anteriormente referido monumento 1 de Alcalar, o único dólmen que
integra aquela notável necrópole, continuada pelo Calcolítico; e outros casos
se poderiam registar.

Em conclusão: tanto no Algarve, como no Alentejo Central, é prematuro


atribuir uma cronologia exclusiva do Neolítico Antigo a estes conjuntos, que,
nalguns casos, forneceram também materiais de superfície do Neolítico Final.

Com base nos argumentos aduzidos, querer remontar a cronologia do


fenómeno menírico ao Neolítico Antigo Evolucionado, é lícito apenas para
os pequenos bétilos (a aceitar tal designação), como os encontrados no
povoado de Vale Pincel I, Sines (Silva, 1989), que pertencem inquestionavel-
mente a tal época. Nesse sentido concorre também a opinião de M. V. Gomes
(Gomes, 1994, p. 339) que, ao referir-se aos menires do barlavento algarvio,
declara:

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Julgamos que as primeiras formas de megalitismo se terão traduzido nos
menires, sobretudo em peças de pequenas dimensões como as de Areias
das Almas, Caramujeira e Benagaia, encontradas em habitats,
desconhecendo-se então sepulcros cuja construção tivesse carácter
marcadamente monumental.

O mesmo autor, com L. M. Cabrita, reafirmava a antiguidade dos pequenos


menires do barlavento algarvio, ao terem encontrado em Benagaia (Silves),
um pequeno menir, e, em S. Rafael, um outro comparável; em ambas as
áreas, foram encontrados materiais arqueológicos configurando povoados
abertos, atribuídos pelos autores ao Neolítico Médio (Gomes & Cabrita,
1997). Deste modo, a erecção de menires não se poderá encarar como um
fenómeno simples e uniforme e muito menos atribuir unicamente, como era
tradicional, a sua existência, ao Neolítico Final, época que correspondeu,
como atrás se referiu, à construção das grandes antas alentejanas, sem prejuízo
de alguns menires terem, de facto, sido construídos nessa altura. Embora as
provas arqueológicas directas para fixar a época da sua edificação, sejam
ainda escassas, merecem destaque os resultados recentemente obtidos no
conjunto dos menires e estelas-menir do Lavajo (Alcoutim), sob direcção do
autor (Cardoso et al., 2002). No primeiro conjunto explorado (Lavajo 1),
identificaram-se três grandes menires de grauvaque; o maior e único intacto,
de formato nitidamente fálico, apresenta, numa das faces, alinhamentos de Fig. 148
"fossettes", escavadas ao longo de sulcos que percorrem longitudinalmente
o menir, para além de representações antropomórficas esquemáticas e de
círculos, também observados noutro menir. A temática decorativa insere estes
monólitos no Neolítico Final, com numerosos paralelos em menires decorados
do Alto Alentejo. Em cerro contíguo, do outro lado do "barranco", apenas
separado do primeiro núcleo megalítico por escassos 250 m, identificaram-se
outros três menires, estes de forma estelar, apenas afeiçoados por picotagem,
cujo alvéolo de fundação foi identificado e escavado (núcleo de Lavajo 2).
Trata-se de um rasgo aberto nos xistos paleozóicos, calçado por lascas de
grauvaque de modo a assegurar a fixação dos menires. Ali se recolheram
diversos artefactos, depositados ritualmente aquando da erecção dos
monólitos, cuja tipologia indica o Neolítico Final: entre eles, destaca-se uma
bela placa de grauvaque lisa, com furo de suspensão e decoração limitada a
um sulco periférico, com paralelos em monumentos dolménicos do apogeu
do megalitismo alentejano. A ocorrência de pontas de seta, não deixa dúvidas
quanto à inclusão do conjunto de Lavajo 2 no Neolítico Final ou já no
Calcolítico. A presença de peças de sílex e de anfibolito, mostra que o
abastecimento de tal matéria prima seria garantido pelo comércio
transregional, tanto com o interior baixo-alentejano (onde se conhecem
anfibolitos na Zona de Ossa/Morena), como com o barrocal algarvio (onde
se conhecem nódulos de sílex nos calcários jurássicos que percorrem
longitudinalmente toda a província).

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O conjunto de menires do Lavajo, os primeiros a serem encontrados em todo
o sotavento algarvio, constituíam certamente marcos de carácter simbólico e
talvez também servindo como limites de territórios, cuja demarcação começou
seguramente a processar-se pelo menos no Neolítico Final. A este propósito,
cabe referir algumas antas, situadas junto a menires (Anta da Granja de
S. Pedro, Idanha-a-Nova; Anta Grande do Zambujeiro, Évora, dólmen de
Vale de Rodrigo 1, Évora), que poderão interpretar-se como reforço do marco
territorial, então já provavelmente constituído por aqueles monumentos,
alguns deles até à época actual (limites de freguesias, na sequência de
marcadores dos domínios das antigas ordens militares).

O carácter fálico, frequentemente explícito em numerosos menires, como no


extraordinário menir de Outeiro (Reguengos de Monsaraz), no qual se chegou
a escavar a abertura do meato uretral, confere a estes monólitos o estatuto de
elementos masculinos, conotáveis com a fertilização da terra, da qual
Fig. 145
dependia, em última instância, o sucesso destas comunidades,
progressivamente sedentárias e, deste modo, cada vez mais dela dependentes.
Também os grandes menires fálicos de calcário do barlavento algarvio
ostentam linhas onduladas verticais, associadas à fertilização da terra,
enquanto outros, de formato ovóide, exibem cadeias de motivos ovalares,
também em alto relevo, que poderão ser conontáveis com representações
Fig. 146 vulvares, as quais não têm paralelo nos motivos inculturados dos menires
alentejanos. Com efeito, sendo defendido por alguns o carácter
antro-pomórfico da generalidade dos menires, representando
tridimensionalmente a figura humana, só os menires algarvios parecem
corresponder a essa realidade dual, sem ignorar que, na maioria dos casos, é
o elemento masculino o dominante. Neste aspecto, será lícito fazer
corresponder às antas um contraponto a esta realidade, sobretudo se se fizer
a tradicional conotação da sua planta, com câmara e corredor, à do útero
feminino.

Para o estabelecimento de uma cronologia absoluta e adequada integração


cultural dos menires alentejanos, que, como se viu, integram contextos e
possuem características muito diferentes dos homólogos do barlavento
algarvio, importa proceder à interpretação cruzada de: a) argumentos
intrínsecos, com base nas temáticas neles insculturadas; b) argumentos
extrínsecos, relacionados com as causas da sua própria construção e dos
meios que foi possível mobilizar para tal efeito. Tenha-se ainda em conta
casos de reaproveitamento com transformações, em épocas tardias, de tais
monumentos, ou ainda sobreposições decorativas, que aumentam ainda mais
as dificuldades de estabelecer a sua integração cultural original.

No primeiro grupo de argumentos destaca-se o báculo, símbolo de comando,


neles recorrentemente representado, que é compatível com os artefactos rituais

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de xisto morfologicamente idênticos recolhidos nas necrópoles do Neolítico
Final da Estremadura e do Alto Alentejo, a que já atrás se fez referência. No
entanto, M. Calado sublinha a possibilidade deste elemento ter sobrevivido
milénios, como expressão do domínio humano sobre os animais domésticos
(rebanhos de cabras e ovelhas), realidade que se manteve até aos nossos
dias. Por outro lado, a preparação, transporte (por vezes de vários km) e a
fixação de elementos de dimensões assinaláveis como estes, implicava a
existência de uma sociedade suficientemente organizada, aparentemente
desconhecida no Neolítico Antigo; a sua execução requeria também a
existência de excedentes de produção suficientes para manterem um segmento
importante da comunidade ocupados com as morosas tarefas de exploração
das pedreiras, transporte dos blocos e sua deposição em obra, longe de
confirmadas pelo registo arqueológico conhecido, antes do Neolítico Médio.
Também a dependência da fertilidade da terra, e dos seus sucessos agrícolas
(revelada pelo seu carácter fálico), parece mais forte do que seria de esperar
em grupos do início do Neolítico, ainda pouco praticantes da agricultura.
Estes são, pois, argumentos complementares para uma cronologia mais
moderna, do Neolítico Final, para a globalidade dos menires alentejanos.

O elemento masculino, é especialmente evidente nos de carácter fálico, como


o já mencionado menir do Outeiro (Reguengos de Monsaraz), ao qual Miguel
Torga dedica o seguinte poema ("Diário", XVI, p. 190): Fig. 149
Menir

Salve, falo sagrado,


Erecto na planura
Ajoelhada!
Quente e alada
Tesura
De granito,
Que, da terra emprenhada,
Emprenhas o infinito.

A este propósito, importa referir que a implantação dos menires mais notáveis
da rica região de Reguengos de Monsaraz, marcariam, efectivamente, para
Victor S. Gonçalves, territórios de solos particularmente férteis, onde alguns
deles se situam, sendo a sua visibilidade e impacto simbólico evidentes, como
é o caso da grande estela-menir do Monte da Ribeira, Reguengos de Monsaraz,
atribuída ao Neolítico Final, até pela simbologia que ostenta, a qual será
adiante estudada (Gonçalves, Balbín-Behrmann & Bueno-Ramírez, 1997;
Gonçalves, 1999).

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O que aquele monumento evidencia, é a representação antropomórfica, tanto
volumétrica como gráfica, da figura do "chefe", que transparece, ataviado
com os atributos do seu poder, expressos ou de forma implícita, a que não
falta a representação de machados e do báculo. Se o significado do báculo
foi já foi anteriormente referido, não menos importante é a do machado,
relacionável com o domínio exercido pelo homem sobre a natureza vegetal,
através do desbaste de manchas florestais para a obtenção de campos agrícolas
e de pastoreio. A este propósito, cumpre referir que, desde o tempo de Manuel
Heleno se tem invocado, com razão, o "culto do machado", aliás na sequência
de evidências extra-peninsulares, devidamente valorizadas desde o século
XIX. Tal realidade, reflectindo a existência de uma sociedade já hierarquizada,
só é compatível com fase avançada do Neolítico, que Victor S. Gonçalves
conota com a segunda metade do IV milénio a. C.: assim se explicaria a
articulação entre a implantação destes menires e a fertilidade dos terrenos
adjacentes, como convinha a uma sociedade agro-pastoril, já distante da
economia de produção incipiente que caracterizou os primeiros tempos
neolíticos. Tais monólitos serviam, pois, como marcadores de propriedade,
por parte das comunidades que ocupavam os povoados adjacentes, com os
quais, nalguns casos e segundo o autor citado, foi possível estabelecer relação,
na região de Reguengos de Monsaraz.

Uma das evidências mais frisantes da conotação entre menires e práticas


agrárias, ou pelo menos a produção de alimentos (o que não é, naturalmente,
o mesmo) é o menir de Cegonhas (Rosmaninhal, Idanha-a-Nova),
correspondente a uma reutilização de um grande dormente de mó em monólito
fixado verticalmente no terreno, numa afirmação da dificuldade, actualmente
sentida, em separar o profano do sagrado, na época pré-histórica: neste caso,
trata-se de um artefacto de carácter nitidamente doméstico, mas associado a
uma prática (a produção de alimentos), certamente com uma carga simbólica
ou ritual bem marcada (Cardoso et al., 1994). No mesmo sentido concorre a
utilização, que é frequente, de elementos de mós manuais (dormentes e
moventes) na estruturação de espaços sagrados, conferindo-lhes funções
propiciatórias. M. V. Gomes (Gomes, 1994) chega mesmo a referir a
descoberta de um dormente colocado com a superfície de trabalho encostada
ao menir 1 de Amantes I (Vila do Bispo), para além de ter verificado que
outros elementos de moagem integravam as estruturas de sustentação, tanto
de menires algarvios (Courela do Castanheiro, Bensafrim), como
alto-alentejanos (cromeleque dos Almendres, Évora). A este propósito,
importa relembrar a predominância de fragmentos de dormentes de mós
manuais nas duas lareiras do Neolítico Médio encontradas sob o monumento
de Alcalar, atrás referido. Note-se, aliás, que a componente masculina,
representada pelos aludidos monólitos fálicos era acompanhada, na mesma
época, por culto da fertilidade feminina, como transparece das estatuetas de
barro maciço, de grande qualidade plástica, representando porcas, animal

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tradicionalmente fecundo, provenientes da camada do Neolítico Final do
povoado de Leceia, a que anteriormente se fez referência.

Em suma: ainda não se reconheceram argumentos seguros para recuar a


cronologia de erecção de menires ao Neolítico Antigo: os argumentos
disponíveis mais significativos apontam-lhes, ao contrário, cronologias mais
modernas, do Neolítico Final ou mesmo do Calcolítico. Porém, importa, no
estado actual dos nossos conhecimentos, ser prudente: como bem assinalou
Victor S. Gonçalves, entre outros, a dificuldade de datação de qualquer menir,
com base em critérios de associação a materiais de superfície supostamente
coevos, é comparável a querer encontrar, na actualidade, espólio significativo
junto a um memorial religioso como os existentes à beira dos caminhos, ou
a pretender datar, pelo mesmo critério, a implantação de um qualquer conjunto
de marcos divisórios de propriedades ... Claro está que se pode, nalguns
casos, recorrer a sobreposições estratigráficas de motivos insculturados
nalguns menires, ao longo do tempo em que estes estiveram em funções; é o
caso, entre muito outros que se poderiam invocar, do menir do Monte dos
Almendres, Évora, no qual um báculo, símbolo inquestionável do Neolítico
Final, se encontra sobreposto a conjunto de linha de ondulados (Gomes,
1994, Est. V) sem que, porém, se possa determinar o tempo decorrido entre
a realização de ambos os motivos.

10.2.2 Cromeleques

Os cromeleques, constituindo recintos abertos ou fechados, delimitados por


menires, assumem, no Alto Alentejo, expressão monumental. Pode mesmo
dizer-se que se encontram entre as primeiras construções públicas do Ocidente
Europeu, senão mesmo da Humanidade, cujo significado mais profundo
(observatórios astronómicos?) está e estará, provavelmente, e de forma Fig. 150
definitiva, envolto em mistério. O conjunto mais soberbo é o cromeleque
dos Almendres (Évora), um dos mais importantes e notáveis monumentos
no seu género de toda a Europa, sendo constituído por mais de uma centena
de menires, de forma elipsoidal, o que motivou o nome local de "pedras
talhas", dada a semelhança daqueles com as antigas talhas de barro onde Fig. 152
fermentava o mosto. O recinto possui, actualmente, planta elipsoidal, com o
eixo maior orientado aproximadamente pelo azimute equinocial, tendo sido
utilizado, segundo M. V. Gomes, ao longo do V e do IV milénios a. C., até ao
Neolítico Final ou alvores do Calcolítico, altura em que alguns menires foram
objecto de decoração, incluindo báculos, acompanhados de outras insculturas
solares radiadas, talvez integráveis numa derradeira fase de utilização do
santuário. Ainda no concelho de Évora são de referir dois outros importantes

293
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cromeleques: o cromeleque da Portela de Mogos, e o cromeleque de Vale
Maria do Meio, afastado cerca de 1,4 Km para ESE do primeiro. Aquele
corresponde a planta elipsoidal fechada, sendo constituído actualmente por
40 monólitos; o eixo maior, de orientação aproximada N – S, é sublinhado
por quatro menires, ocupando maior posição central. Esta direcção é
prolongada do lado nascente por outros menires, fora do recinto, constituindo
alinhamento (Gomes, 1997). Um estudo sobre a natureza petrogáfica dos
menires, mostrou que provieram de afloramentos compatíveis com os
existententes no próprio local, rectificando-se deste modo, anteriores
afirmações a tal respeito, resultantes de uma incorrecta implantação do sítio
no mapa geológico (Cardoso, Carvalhosa & Pais, 2000), não se confirmando
quaisquer preferências por tipos petrográficos exógenos, a que se pudesse
atribuir um especial significado simbólico.

O cromeleque de Vale de Maria do Meio apresenta actualmente planta em


arco de ferradura, constituída por cerca de 30 monólitos, alongada no sentido
nascente – poente, sendo alguns menires insculturados com círculos,
ferraduras e báculos.

A utilização de ambos os recintos, ter-se-ia prolongado no tempo, tendo o


primeiro conhecido nova ocupação no decurso da Idade do Bronze, época
em que se terão adelgaçado os monólitos, assim tranformados em
estelas-menir, transformação que teria sido acompanhada de decorações
antropomórficas em relevo, segundo M. V. Gomes. Com efeito, conhecem-se
exemplares comparáveis, no território português, mas do Calcolítico, como
adiante se verá.

Outros recintos megalíticos se conhecem no Alto Alentejo, embora de


dimensões mais modestas, ou em pior estado de conservação do que os três
maiores supra referidos; o caso mais expressivo é o do monumento do Monte
das Figueiras (Pavia) (Leisner & Leisner, 1956; Zbyszewski et al., 1977).
Trata-se de um minúsculo cromeleque, com planta em ferradura, tal como o
de Vale Maria do Meio, característica que foi valorizada por M. Calado (2005),
associando-lhe, do nosso ponto de vista de forma ousada e não fundamentada,
Fig. 153 uma herança mesolítica dos Concheiros do Tejo e do Sado, invocada como
argumento a favor da sua recuada cronologia (Calado, 2005).

O grande cromeleque do Xarez (Reguengos de Monsaraz), atingido pelo


regolfo de Alqueva, foi objecto de trabalhos recentes de reescavação (Gomes,
2000), a que se seguiu a sua remobilização para outro local. Seria o único
Fig. 154 caso, até ao presente dado a conhecer, em que a planta do recinto definiria
um quadrilátero, em torno de um grande menir central, de morfologia fálica;
tal planta decorre de reconstituição efectuada no princípio da década de 1970
por J. Pires Gonçalves, mas sem quaisquer bases científicas (como
testemunhou o proprietário do terreno, o Prof. Raul M. Rosado Fernandes)

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visto boa parte dos menires, de pequenas dimensões, se encontrarem tombados
e deslocados pelos trabalhos agrícolas, à data das descobertas. A recente
reescavação do recinto, no âmbito da minimização dos impactes arqueológicos
decorrentes da construção do complexo de Alqueva, manteve a planta Fig. 155
adoptada na reconstrução do recinto, com base em critérios que não se podem
considerar fiáveis. Seja como for, a parte central deste recinto seria ocupada
por grande menir fálico, cercado por cerca de cinquenta menires.

Tal como as entradas das antas, que se orientavam para o nascimento do Sol,
que desta maneira, se transformavam em caminhos de luz para a eternidade,
a própria temática exibida por alguns menires – corpos radiados, linhas
onduladas e outras representações abstractas – exemplarmente patentes no
menir de Belhoa (Reguengos de Monsaraz), reforça a conotação destes
monumentos com cultos astrais, extensivos de alguma forma aos cromeleques, Fig. 151
embora seguindo modelos ainda hoje obscuros (relembre-se a orientação do
cromeleque dos Almendres segundo a linha equinocial do nascimento solar).
Note-se que a manutenção destes cultos astrais no Calcolítico é uma realidade,
como denota a presença de recipientes com tal simbologia, gravada antes da
cozedura, reconhecida em diversos povoados da Estremadura e do Sudoeste.

No decurso do Neolítico Final/Calcolítico Inicial, outros símbolos emergirão,


no Sul do território português, agora sobretudo relacionados com o culto da
divindade feminina, a omnipresente deusa-mãe calcolítica: foi então que
alguns menires – conotados com o elemento masculino e com o culto dos
antepassados, como atrás se frisou – teriam sofrido mutilações intencionais,
referidas por alguns autores, embora estas devam ser encaradas com a máxima
reserva, visto ser obviamente difícil a sua distinção de fracturas meramente
acidentais, ou das produzidas em épocas muito posteriores. Seja como for,
estamos muito longe da posição defendida por M. Calado, ao defender a
substituição dos menires pelos dólmenes, ao declarar: "os monumentos em
vez de representarem os antepassados, passam a conter os seus restos mortais"
(Calado, 2005). Em Arqueologia, as substituições, tanto de conceitos, como
da sua expressão material, raramente seguiram um processo simples e muito
menos de tipo linear, como neste capítulo se procurou demonstrar, tanto no
respeitante aos dólmenes, como aos menires.

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11. Arte Megalítica

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A arte megalítica será entendida neste manual como limitada às superfícies
dos monumentos megalíticos, sejam eles funerários ou não. No respeitante a
estes últimos, as considerações acima apresentadas já serão suficientes para
o nível de abordagem pretendido; deste modo, serão apenas tratadas as
manifestações artísticas existentes em monumentos funerários. Embora
possuindo íntima relação com a "arte megalítica", excluem-se da presente
síntese, as superfícies rupestres decoradas de afloramentos ao ar livre, bem
como as paredes decoradas de grutas ou de abrigos, as quais se tratarão
ulteriormente.

Do ponto de vista cronológico, as manifestações artísticas por pintura ou


inscultura, nas superfícies de monumentos megalíticos, sejam dólmenes ou
menires, pode situar-se, de acordo com as datas de radiocarbono disponíveis,
entre a segunda metade do V milénio a. C. e os finais do IV/inícios do
III milénio a. C.

As representações artísticas patentes nos dólmenes merecem comentários


mais desenvolvidos, sem preocupações de exaustividade, aliás impossíveis
de se atingirem em absoluto, até porque actualmente estão referenciados na
bibliografia mais de 50 monumentos decorados (Gomes, 2002), quase
exclusivamente situados no centro interior e no norte do País.

E. Shee Twohig, em estudo de síntese já clássico, de 1981, que ainda hoje


mantém actualidade, considerou a existência de dois grupos principais, do
ponto de vista iconográfico: o primeiro, situa-se no centro interior, abarcando
o distrito de Viseu e os cursos médio e alto dos rios Mondego e Vouga,
possuindo, para além de representações geométricas e esquemáticas, cenas
de estilo semi-naturalista a semi-esquemático, as quais não ocorrem no
segundo grupo de monumentos, situados a norte do Douro.

Uma das primeiras referências à presença de pinturas no interior de câmaras


megalíticas no território português, deve-se a D. Jerónimo Contador d’Argote
(Argote, 1734, p. 511). Vale a pena transcrever esta referência, por constituir
uma das mais antigas, senão a mais antiga menção à arte dos dólmenes, a
nível mundial:

Entre os annos de mil seiscentos e oitenta e quatro, e o oitenta e cinco,


sendo ouvidor de Barcellos Francisco Mendes Galvão, que actualmente
he procurador da Coroa, e Desembargador do Paço, junto à villa de
Esposende, em hum campo, no meio do qual estava hum montinho de
terra, dos a que vulgarmente na quella Provincia chamão Mamoas, e sobre
elle plantado hum pinheiro, appareceo hum dia escavado, e derrubado, e
se achou debaixo huma casinha fabricada de quatro pedras grandes de
seis, ou oito palmos, as quaes estavão todas debuxadas com varios
caracteres, e figuras, de que não lembra a fórma, por se não tomar tento
nisso. Por cima das taes quatro pedras estava outra, que servia de tecto.

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Debaixo não tinha pedra, mas era terra barrenta, e com alguns carvoens. E
porque se entendeo, que a sobredita terra, e pinheiro forão escavados de
noite para effeito de roubar algum thesouro, que alli estivesse, se deu parte
ao Ouvidor de Barcellos, o qual foi lá com outro Ministro, e do que acharaõ,
deraõ aviso ao Conselho da Fazenda.

Deste dólmen parece não restar testemunho na actualidade. Nos finais do


século XIX e no primeiro quartel do século XX, J. Leite de Vasconcellos,
seguido por outros investigadores, deram a conhecer a existência de dólmenes
pintados na Beira Alta; logo depois, José Fortes publicou pinturas em dois
dólmenes de Sales (Barroso). Estavam assim reconhecidas as duas principais
áreas da arte megalítica funerária no território português: a Beira Alta e
Trás-os-Montes, a que se viria a acrescentar, mais tarde, a região minhota e
o Douro Litoral. Com efeito, crê-se que as manifestações artísticas, de cunho
simbólico e funerário, patente, nos monumentos megalíticos, teriam sido
muito mais comuns e estendidas a outras áreas geográficas do que actualmente
se pode crer: não só houve vestígios que desapareceram totalmente, como
também muitos outros ainda não terão sido identificados, quer por falta de
escavações, quer por ausência de análises minuciosas às superfícies de
monumentos há muito escavados, que nalguns casos têm proporcionado
descobertas interessantes. Com efeito, as decorações podem não se restringir
a pinturas, estendendo-se a finas incisões filiformes, cuja identificação requer
observações particularmnete atentas.

No estado actual dos nossos conhecimentos, podem salientar-se alguns monumentos


considerados mais relevantes, os quais se enumeram seguidamente:

Dólmen de Antelas (Oliveira de Frades) – trata-se de uma das várias


ocorrências megalíticas assinaladas por Amorim Girão que se dedicou à
publicação de algumas das antiguidades pré-históricas da Beira Alta. Este
autor (Girão, 1925, p. 82), a propósito deste monumento – ainda hoje
reconhecido como o mais notável dólmen pintado do território português –
declara que as lajes "são em toda a superfície interna cobertas de desenhos
em xadrez, a ocre vermelho, perfeitamente conservados, mesmo na parte
mais directamente exposta à intempérie".
Apesar desta clara referência, só na década de 1950 o monumento é escavado
e publicado; foi então reconhecida a magnificência das decorações patentes
em todos os esteios da câmara de planta, subcircular, a que se acede por um
longo corredor, delas desprovido. Já anteriormente foi assinalada a
cronologia obtida pelo método do radiocarbono para as pinturas negras,a
negro-de-fumo. Do lado externo, foi detectado um corredor intra-tumular,
sem cobertura, antecedido por um átrio. Trata-se de um monumento que
remete para o período inicial do apogeu do megalitismo regional, com base

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nas datas de radiocarbono já mencionadas, situando a sua construção no
primeiro quartel do IV milénio a. C.

De todos os esteios, é o da cabeceira que se apresenta com a iconografia


mais rica e significativa (Castro, Viana & Ferreira, 1957), situação comum
à generalidade dos dólmenes decorados portugueses. Trata-se de composição
separada em dois campos – o superior e o inferior – através de uma linha
horizontal, a vermelho. No campo superior, enquadrada por linhas verticais,
vermelhas e negras, organizadas em composições em zigue-zague, a área
central da composição mostra uma figura sub-trapezoidal, talvez
representação antropomórfica muito estilizada, com dois prolongamentos
superiores, dos quais um deles foi interpretado como "báculo", no
levantamento publicado em 1957; encimando esta representação, observa-se
a representação de um pente; o esteio imediatamente contíguo, situado à
direita do anterior, é o segundo iconograficamente mais rico; para além
dos ondulados serpenteantes verticais, que ocupam a metade superior do
campo decorado, na metade inferior, separada por uma linha, também a
vermelho, encontra-se pintada uma figura humana de estilo sub-naturalista,
vestida e com um cinto. As restantes figuras pintadas nos outros esteios da
câmara, são esquemáticas e não figurativas, dominando as linhas ou faixas
onduladas verticais, por vezes formando reticulado a vermelho; um dos
esteios do lado esquerdo da cabeceira, possui um sol, a vermelho. A
iconografia destas pinturas (e das gravuras, descobertas por D. Cruz) é
enigmática, como nos restantes casos conhecidos e passível de múltiplas
leituras, provavelmente nenhuma delas verdadeira; tal não significa,
naturalmente, que nos demitamos de interpretar, com a bagagem teórica
disponível, as referidas representações. Fig. 160
A localização das pinturas na câmara sublinha o seu carácter como recinto
sagrado, local onde certamente se desenrolariam cerimónias às quais só
um grupo restrito teria acesso; o carácter público das mesmas ficaria
circunscrito ao exterior do monumento, como sugere a existência de um
átrio e de um corredor intratumular a céu aberto. No átrio, recentes
escavações permitiram identificar diversas fogueiras rituais e "depósitos
de objectos e peças "idoliformes", cuja disposição permite suspeitar que
ali foram colocadas como oferendas e para "proteger" o edifício, ou,
eventualmente, com o intuito de "representar cada um dos mortos" (Cruz,
1995, p. 264).
Arquinha da Moura (Tondela) – Trata-se de dólmen constituído por grande
câmara megalítica de planta poligonal, a que se acede por corredor longo,
constituído de cada lado por cinco esteios (Cunha, 1993, 1995). O esteio de
cabeceira da câmara e um dos esteios laterais (esteio 7), situado do lado
direito do primeiro e ainda na câmara, apresentam pinturas a vermelho. O
primeiro mostra, ao centro, uma complexa representação antropomórfica,
na qual uma figura fálica de pé, voltada para o observador, se encontra
sobreposta por duas circunferências concêntricas, de onde partem dois
longos raios aparentemente sustentados pelos braços da referida figura.

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© Universidade Aberta
Estes dois motivos solares concêntricos servem, por seu turno, de suporte a
uma outra representação antropomórfica, ao que parece ornada de dois
cornos divergentes, também observáveis, mas com menor grau de certeza,
na figura maior (apenas num dos lados?). Em redor deste conjunto peculiar,
distribuem-se pares de pequenos antropomorfos esquemáticos e zoomorfos,
talvez relacionados em cenas de caça (Cunha, 1995, Est. X). O outro esteio
pintado da câmara ostenta motivo não menos espectacular: trata-se de um
grande antropomorfo fálico de onde irradiam pequenos filamentos marginais
que dão um aspecto incandescente e sobrenatural à figura. De pernas direitas
e abertas, os braços, levantados e pendentes em ângulo recto ao nível do
ombro têm, ao mesmo tempo, tanto de ameaçador como de protector; com
efeito, de um dos lados parece proteger um par de antropomorfos
esquemáticos, enquanto do outro, o mesmo lugar é ocupado por um terceiro
antropomorfo de dimensões ligeiramente maiores.
Estas duas representações parecem apontar para a ideia do renascimento e
de protecção dos espíritos: no esteio da cabeceira, o sol, como motivo central
dos dois antropomorfos sexuados, símbolo também da fecundidade,
cercados por pequenos antropomorfos por vezes também fálicos, cães e
talvez cervídeos; no outro esteio da câmara, o grande antropomorfo
irradiante emana energia protectora, abraçando as almas dos defuntos,
representados pelos pequenos antropomorfos esquemáticos. Claro está que
esta é apenas uma interpretação possível de representações que,
eventualmente, eram feitas por certos elementos especiais do grupo, talvez
executadas sob o efeito de alucinogéneos (outra afirmação indemonstrável,
mas nem por isso menos plausível).

Orca dos Juncais (Vila Nova de Paiva) – a "cena de caça" que M. V. Gomes
identificou nos antropomorfos e zoomorfos que se observam em posição
secundária no esteio da cabeceira deste dólmen (Gomes, 2002) é de há
muito conhecida, pois a arte pictórica deste dólmen foi a primeira a
publicar-se, através do estudo pioneiro de José Leite de Vasconcellos, que,
no final do século XIX trouxe dali, para o Museu Etnológico, um fragmento
de esteio com duas representações antropomórficas esquemáticas, pintadas
a vermelho.

Trata-se, tal como os dois anteriores, de um grande dólmen de câmara e


corredor, este de grandes dimensões, com cerca de 9 metros de comprimento,
a que se sucederia um pequeno corredor intratumular e um átrio, ambos ao
ar livre. Dos nove esteios da câmara, sete ostentam pinturas, algumas das
quais foram reproduzidas por G. Leisner (Leisner, 1934). De todas, a mais
Fig. 158 conhecida corresponde à já referida "cena de caça", complexa composição
na qual um grupo de caçadores (observam-se vestígios de pelo menos dois,
armados de arcos com flechas de corte transversal), disparam para a
esquerda, onde, em posição de afrontamento, se conservam vestígios de
pinturas de dois veados de grandes armações e de duas corças; da compo-
sição fazem ainda parte quatro cães que acompanham o grupo de caçadores.
Naturalmente que existem sérias dificuldades em querer integrar esta cena

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do quotidiano no universo cognitivo, feito de alusões, e no quadro funerário
dos que ali foram tumulados; ainda que o realismo da composição mostra
que quem a pintou se encontrava bem documentado, incluindo detalhes
técnicos como as características tipológicas das pontas dos projécteis, a
intenção do artista não era, certamente essa. A cena tem uma leitura
simbólica que nos ultrapassa; sobre a qual, poderemos, apenas, subscrever
as considerações de outrem: embora sub-naturalista, "aquela arte não
pretendeu mimetizar o real, não auferindo de carácter narrativo estrito, tanto
ao nível do discurso iconográfico como no respeitante ao significado
imediato (...). As aparentemente ingénuas cenas de caça, apesar dos
convencionalismos figurativos (...) devem referir-se a universo religioso
complexo e, em especial, à fertilidade, tanto dos campos como dos rebanhos,
no quadro de sociedades perfeitamente neolitizadas, onde a caça estimularia,
através do seu ritual, de sangue e de morte, a renovação e a fecundidade,
aludindo, afinal, ao controlo do Homem sobre a Natureza" (Gomes, 2002,
pp. 179-180). Não se esqueça, ainda, que o veado é um dos animais
tradicionalmente conotados com a renovação da vida, desde a Pré-História,
talvez porque as suas armações caiem todos os outonos, para renascerem
na Primavera seguinte, como as plantas e as árvores cadocifólias. Importa
ainda referir que este motivo, embora notável, não ocupa a posição principal
na superfície decorada. Esta corresponde a um motivo pouco nítico, de
base rectilínea e lados verticais ortogonais, de evidente simbolismo não
figurativo: mais uma prova da complexidade subjacente à interpretação da
arte megalítica, mesmo dos seus motivos aparentemente mais simples e
evidentes: "Ceci n’est pas une pipe", parafraseando a célebre pintura de
Magritte, que serviu de mote a um ensaio de V. O. Jorge sobre a arte
megalítica, ao declarar: "oxalá interiorizemos um dia plenamente, ao
observar um serpentiforme gravado ou pintado num megálito: "ceci n’est
pas un serpent" (Jorge, 1997, p. 29).

Dólmen do Padrão, Baltar (Paredes) – este monumento possuía câmara


poligonal e corredor com o comprimento total de 9,40 m (Cruz & Gonçalves,
1994). Infelizmente, o monumento tinha já sido atingido, aquando do
reconhecimento do seu valor arqueológico, pela exploração de pedra,
aproveitando os respectivos esteios que, para o efeito, eram estilhaçados.
Foi ainda possível recolher alguns fragmentos dos mesmos, os quais foram
decalcados primeiro por Mendes Corrêa e R. de Serpa Pinto e, depois, por
E. Shee Twohig (1981) e, mais recentemente, por D. Cruz e A. H. B.
Gonçalves. De assinalar a presença de uma base branca, sobre a qual se
pintaram, a vermelho e a preto, motivos ondulados (serpentiformes), pontos,
figuras humanas esquemáticas e um sol, sobreposto a duas delas. O vermelho
é a cor predominante, sendo utilizado o negro para aspectos de pormenor.
Duas figuras antropomórficas parecem adorar um sol, a elas sobreposto,
enquanto noutro esteio ocorre uma outra representação humana, com pernas
arqueadas e braços estendidos. Tratando-se de um dólmen de grandes
dimensões e de planta evoluída, os autores citados remetem-no para a
primeira metade do IV milénio a. C.

303
© Universidade Aberta
Com efeito, trata-se de cronologia justificada pelo facto de os dólmenes
poligonais simples (desprovidos de corredor) da região só raramente serem
ornados com pinturas ou gravuras, o que leva naturalmente a aceitar que
dólmenes complexos, de grandes dimensões e implantados em pontos
destacados, como é o caso, sejam os mais importantes e correspondam ao
momento inicial do apogeu do megalitismo regional; a tendência para a
monumentalização era sublinhada pela adição de arte, correspondendo-lhe,
desta forma, um concomitante reforço simbólico do seu significado. Como
bem sublinham os autores supra citados, o já aludido aumento demográfico,
que teria justificado o acréscimo no tamanho dos monumentos então
verificado, foi acompanhado por reforço do seu significado simbólico,
expresso pela arte que ostentam nos seus espaços interiores, os quais só
seriam acessíveis a um pequeno grupo diferenciado do todo comunitário,
reflectindo a complexidade das cerimónias que neles se desenrolavam. Esta
realidade não contraria, contudo, o seu pendor público, como atestam os
átrios exteriores, ao ar livre, onde as cerimónias poderiam ser acompanhadas
pela totalidade comunidade. Seja como for, a existência de espaços públicos
e espaços reservados, por certo só acessíveis a uns quantos, mostra como a
diferenciação social se pode também entrever na complexidade crescente
de arquitecturas funerárias e dos rituais a elas associados.
Dólmen de Pedralta, Cota (Viseu) – trata-se, igualmente, de monumento
dolménico decorado, de há muito conhecido (Coelho, 1924; Corrêa, 1928),
pertencente a um núcleo megalítico muito numeroso. À vista umas das
outras, refere o primeiro dos autores citados nada menos de três antas.
Explorou uma delas, de câmara simples, sem corredor, a qual não ostentava
qualquer esteio decorado, ao contrário da Pedralta, dólmen de grandes
proporções, com câmara e corredor, orientado como de costume para o
quadrante de SE. A câmara é constituída por dez esteios, de grandes
dimensões. Como refere José Coelho, do lado esquerdo do grande esteio
de cabeceira, existiam dois esteios pintados; tal como foi observado
anteriormente no dolmen de Baltar, a pintura predominante é a vermelho,
sendo o negro apenas muito localmente utilizado, para salientar pormenores;
outra característica comum também àquele megálito é a existência de uma
base branca, sobre a qual se executaram as pinturas, a vermelho, de
características invulgares: num caso trata-se de um motivo fitomórfico
simples; noutro, a decoração encontra-se compartimentada por linhas
horizontais em quatro campos, ocorrendo no segundo dois ídolos
antropomórficos, também a vermelho. Mendes Corrêa levou para o Porto
estes dois esteios, depois de os ter partido em diversos fragmentos. Os
desenhos publicados por Mendes Corrêa (Corrêa, 1928) destes esteios,
foram ulteriormente redesenhados por G. Leisner, e por este publicados
(Leisner, 1934); os que se mantiveram inéditos, foram incorporados na
obra de E. Shee Twohig (Twohig, 1981, Figs. 41, 42). Trata-se de exemplares
que, deste modo, foram desenhados em três momentos distintos, e por
autores diferentes. No grande esteio de cabeceira, G. Leisner pôde ainda
identificar a existência repetida, formando métopas horizontais, dos ídolos

304
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antropomórficos a vermelho que já haviam sido assinalados num dos esteios
laterais. A presença desta representação, claramente reportável ao ídolo
almeriense, tem, ainda mais a norte, no dólmen de Pedra Coberta (La
Coruña), equivalente próximo. Será, assim, necessário admitir a existência
de um fluxo transregional, susceptível de explicar, em paragens tão
setentrionais, um elemento ideotécnico de cunho marcadamente meridional.
Por tal evidência não ser única, aumenta a probabilidade de não se tratar de
um simples fenómeno de convergência formal. Com efeito, na orca das
Corgas da Matança, Fornos de Algodres, belo dólmen de câmara simples,
embora de grandes dimensões, recolheu-se um ídolo de azeviche,
antropomórfico, de contorno recortado, afim dos ídolos almerienses, com
afinidades em exemplares do sudeste espanhol (Los Millares, Almería) Cruz,
Cunha & Gomes, 1990, Est. IV).
Dólmen de Carapito I (Aguiar da Beira) – este grande dólmen, com esteios
que ultrapassam os 5 metros de altura, possui câmara poligonal, aberta a
nascente, e é desprovido de corredor, como já anteriormente se referiu;
alguns dos esteios são insculturados, embora não seja clara qual a
correspondência desta arte com as duas fases de ocupação detectadas no
monumento. Nas proximidades, conhecem-se outros três monumentos
megalíticos (Leisner & Ribeiro, 1968). As gravuras identificadas pelos
escavadores do dólmen, foram ulteriormente redesenhadas por E. Shee
Twohig (Twohig, 1981, Fig. 50); repartem-se essencialmente por dois
esteios: num deles, observam-se quatro circunferências e uma elipse, por
vezes ligadas por linhas serpentiformes; no outro, destaca-se a existência
de quatro círculos radiados, dispersos pelo campo decorado. Ulteriormente,
foram detectadas novas insculturas em outros esteios e completadas as já
conhecidas, o que fez aumentar para seis o número de figuras radiadas no
esteio já conhecido; noutro esteio, observou-se, ao nível da base, uma linha
ondulada e na área inferior de outro esteio, várias circunferências, algumas
com apêndices, integrando-se bem nas características já reconhecidas nos
outros esteios (Cruz & Vilaça, 1990). Deste modo, parece que o interior
deste dolmen monumental foi decorado logo no início da sua utilização,
remetendo as correspondentes gravuras para o primeiro quartel do
IV milénio a. C., o que não destoa de outros conjuntos conhecidos.
Dólmen 2 de Chão Redondo (Sever do Vouga) – estudado por L. de
Albuquerque e Castro (Castro, 1960), trata-se de um monumento com
câmara e corredor indiferenciados. No conjunto, destaca-se o grande esteio Fig. 159
de cabeceira, e, logo a seguir, os dois que o marginam de ambos os lados,
que ostentam motivos gravados geométricos, constituídos por zigue-zagues
verticais, associados a circunferências, como se observa no esteio situado
do lado esquerdo da cabeceira, ocupando, como nesta última, toda a
superfície disponível, num complexo motivo simétrico, organizado para
ambos os lados, a partir de um eixo vertical central, de cunho antropo-
mórfico.

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Os monumentos que temos vindo a caracterizar situam-se todos, exceptuando
o dólmen de Baltar, na Beira Alta; e muitos outros se poderiam adicionar,
embora com interesse menor, em face das representações artísticas estudadas
ou conservadas. Com efeito, o estudo já clássico de E. Shee Twohig que tem
vindo a ser citado (Twohig, 1981), inventariou mais de meia centena de
dólmenes decorados na Península Ibérica, a larga maioria dos quais situados
na Beira Alta e a norte de Douro. Porém, nas duas últimas décadas, muitas
outras ocorrências se registaram, especialmente a norte do Douro, onde a
rarefacção era evidente. Um balanço geral recentemente publicado, dá conta
das descobertas entretanto realizadas neste domínio (Gomes, 2002). Embora
as representações pictóricas se apresentem, em geral, pobres e mal
conservadas, foram registadas em diversos dólmenes transmontanos e do
Douro Litoral, como Madorras 1, Vilarinho da Castanheira, Zedes, Fonte
Coberta (Alijó), Chã de Parada 1 e 3 (serra da Aboboreira, Baião/Amarante),
Chão de Brinco 1 (Cinfães), para além de ocorrências no Minho litoral, como
nos dólmenes de Barrosa e de Afife (Viana do Castelo) e do planalto de
Castro Laboreiro.

À semelhança do que foi feito no dólmen de Antelas, alguns restos carbonosos,


recolhidos nos níveis de utilização primária dos monumentos, permitiram
datação, cujos intervalos, calibrados para cerca de 95 % de probabilidade
são os seguintes (Carrera Ramírez & Fábregas Valcarce, 2002): Chã de Parada
3: 5070 ±100 anos BP (4215-3650 a. C.); Chã de Parada 1: 4820 ± 40 anos
BP (3660-3520 a. C.) e 4610 ± 45 anos BP (3515-3125 a. C.), o que mostra
cronologia centrada na primeira metade do IV milénio a. C.

As gravuras e pinturas a vermelho do dólmen da Fonte Coberta (Alijó) – um


grande monumento de câmara poligonal e vestíbulo bem definido, constituído
por um esteio de cada lado – foram referidas por J. M. Cotelo Neiva e,
ulteriormente por diversos autores; no último estudo dedicado ao monumento
republica-se, igualmente, um motivo gravado e um conjunto de covinhas
patentes num dos esteios (Carvalho & Gomes, 2000).

Mercê de estudos, infelizmente ainda não devidamente publicados, sobretudo


os desenvolvidos por E. J. L. da Silva, o número de gravuras megalíticas foi
consideravelmente aumentado, transformando "o norte de Portugal num
alfobre de manifestações de uma variedade e riqueza inusitadas" (Silva, 1994,
p. 167). Com efeito, o autor detectou esteios decorados em diversos megálitos:
6 no dólmen de Afife; 2 em S. Romão de Neiva; 1 na mamoa de Chafé (todos
do concelho de Viana do Castelo); 3 no dólmen 3 de Rapido;
1 na antela da Portelagem; 2 em Cima de Vila (todos do concelho de
Esposende) e 4 no monumento de Chão de Brinco (Cinfães). Merece destaque
a notável representação antropomórfica gravada em esteio do dólmen de Afife.

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A descoberta mais interessante na região minhota feita até o presente no
capítulo da arte megalítica, refere-se aos dois dólmenes decorados do planalto
de Castro Laboreiro (concelho de Melgaço) – mamoa 2 da Portela de Pau e
Mota Grande – situados a pouca distância, o último já do outro lado da
fronteira. Relativamente ao primeiro monumento, as gravuras correspondem
a bandas em zigue-zague horizontais, realizadas em seis dos sete esteios que
constituem a câmara do monumento, desprovido de corredor, como Carapito
I. Mais raramente, observaram-se circunferências, por vezes articuladas com
as linhas em zigue-zague horizontais, meandriformes (serpentiformes) e, num
caso, uma figura antromórfica. Detectaram-se, ainda, nalguns esteios, restos
de pintura a negro (Jorge et al., 1997; Baptista, 1997).

Pela exuberância e quantidade, estas gravuras inscrevem-se entre as mais


notáveis da arte megalítica de Portugal, a par das pinturas identificadas na
Arquinha da Moura (Tondela). Tal realidade mostra bem, por um lado, a
pujança da investigação recente desenvolvida em Portugal e, por outro, o
muito que ainda falta realizar. Uma das áreas que importaria ver desenvolvida
é a da valorização de motivos transregionais, que ocorrem neste grupo de
dólmenes decorados do centro e norte de Portugal. É o caso do estranho
motivo designado por E. Shee Twohig (Twohig, 1981) como "The Thing",
motivo sempre obtido por gravação que ocorre nos dólmenes de Chã de Parada
1 (Baião), Chã de Arcas 5 (Baião) e Chão de Brinco 1 (Cinfães), com destaque
para o primeiro monumento em que, no esteio de cabeceira, este motivo se
encontra reproduzido nada menos de que quatro vezes (Twohig, 1981, Fig. 30;
Jorge, 1997, p. 20). "The Thing" é abundante em dólmenes da Galiza e além
Pirenéus, realidade que importaria ver melhor esclarecida; outro motivo
comum na arte megalítica portuguesa, especialmente presente em menires, é
o "báculo", cuja ocorrência é largamente conhecida no megalitismo da Europa
ocidental, ainda que jamais se procurasse realizar um corpus documental
das ocorrências conhecidas, de forma a salientar as mútuas afinidades
arqueológicas efectivamente existentes.

Nos monumentos megalíticos do sul de Portugal, existem raríssimas alusões


(que carecem de confirmação) a pinturas no interior de câmaras dolménicas,
nos cadernos de campo de Manuel Heleno – observados pelo autor antes da
sua oportuna aquisição pelo Estado, em 1998 – e relativas a escavações por
ele efectuadas da década de 1930 em monumentos do Alentejo Central,
recentemente objecto de estudo de L. Rocha (Rocha, 2005). A arte megalítica
do sul do País, para além de restos pictóricos, poderá ser valorizada, no futuro,
com a descoberta de finas decorações nas superfícies interiores dos esteios
dolménicos, especialmente nos monumentos de rochas não-graníticas, à
semelhança do verificado recentemente em dólmenes da região da
Extremadura espanhola, por P. Bueno e R. de Balbín.

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IV. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A IV e última Parte do Programa trata da sucessão cultural, do Calcolítico ao


fim do Bronze Final e é, de todas, a mais curta em termos temporais: de
inícios do III milénio a. C. a inícios do século VIII a. C. Embora corresponda
apenas a um intervalo temporal de, aproximadamente, dois mil e duzentos
anos, é aquele que, no registo da nossa Pré-História, se afigura, de longe,
mais rico de informação, com o desenvolvimento de regionalismos culturais,
que cunharam identidades culturais próprias, tanto no norte como no sul, as
quais determinaram a evolução subsequente, já no âmbito da Proto-História.
A percepção geral desta realidade, bem como as suas determinantes, é o
primeiro, e talvez mais importante objectivo de aprendizagem desta derradeira
parte da matéria. Começando pelo princípio, podem apontar-se como
objectivos principais de aprendizagem os seguintes:

- a génese dos povoados fortificados calcolíticos, decorrente da crescente


intensificação económica e da especialização das produções – a
Revolução dos Produtos Secundários (RPS) decorreu ao longo de boa
parte do III milénio a. C. – acompanhada de crescimento demográfico,
que determinou a competição inter-grupos, com a consequente
necessidade de fortificação;

- a monumentalização de alguns dos sítios habitados, como expressão


da coesão social da respectiva comunidade – acompanhada do
crescente apagamento das necrópoles na paisagem – e da acentuação
de diferenciações intra- e inter-comunitárias decorrentes do processo
de desenvolvimento económico complexo, característico do
Calcolítico;

- as arquitecturas defensivas do III milénio a. C.: exemplos mais


importantes no território português, distribuição geográfica,
características principais, semelhanças e diferenças; neste âmbito,
importa conhecer as diversas teorias explicativas para a sua génese e
desenvolvimento, desde o modelo difusionista vigente em Portugal
(dos anos 40 aos anos 70), passando pelo modelo indigenista (anos
80), até às teorias de compromisso entre as duas concepções anteriores,
dos finais da década de 80 e da de 90, seus principais defensores e
argumentos invocados;

- a fissão do modelo de sociedade calcolítica, fenómeno que sucedeu


ao padrão demográfico caracterizado pela concentração da população
tendencialmente em sítios fortificados ou implantados muito
frequentemente em locais altos e defensáveis, com a consequente
hierarquização social inter- e intra-comunitária;

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- os moldes em que se processou a acentuação das influências mediter-
râneas no decurso do Calcolítico (em especial na metade meridional
do território): a generalização do comércio transregional calcolítico e
a intensificação e especialização das produções, no quadro da RPS
(exploração de jazidas cupríferas) como veículo de difusão de novas
técnicas (metalurgia), matérias-primas exógenas (marfim) e artefactos
ideotécnicos de características até então desconhecidas (generalização
do culto da divindade feminina e correspondentes expressões simbó-
licas) e difusão, de Sul para Norte, de novas arquitecturas funerárias
(tholoi), face às características das tumulações calcolíticas de outras
zonas do País;

- sobre o campaniforme, devem conhecer-se as características e


cronologia da sua emergência, tanto na Estremadura (um dos pólos
mais importantes, a nível europeu), no quadro da sociedade calcolítica
pré-existente, como no resto do território português; tipo de
povoamento e de necrópoles e respectivo significado sócio-cultural e
económico; faseamento interno do "fenómeno" campaniforme, com
base nas diferenças do registo material (em particular a tipologia das
cerâmicas), principais tipos artefactuais que o integram. Numa
perspectiva mais alargada, deverá proceder-se à integração dos
conhecimentos reunidos em Portugal à escala peninsular e
oeste-europeia, região de que fazem parte integrante. O campaniforme
deverá ser entendido como uma realidade com expressão material
específica, associada a um novo tipo de povoamento, que sucedeu ao
generalizado abandono dos sítios fortificados edificados no início do
Calcolítico. Neste sentido, corresponde a período de transição para a
Idade do Bronze (Bronze Inicial): existem argumentos, com base no
registo arqueológico (jóias de ouro, artefactos de prestígio) que
demonstram o incremento do processo de diferenciação social, os quais
deverão ser conhecidos dos alunos e susceptíveis de suportarem, por
parte destes, uma abordagem coerente;

- o registo arqueológico do Bronze Pleno configura a existência de


acentuados regionalismos, apesar de similitudes observadas no sistema
de povoamento, decorrentes de realidades sócio-económicas
comparáveis. Importa conhecer as principais características do tipo
de povoamento e a organização social subjacente, tanto no norte como
no sul, no quadro de uma exploração agro-pastoril cada vez mais
aperfeiçoada e no âmbito da exploração dos jazigos de cobre e de
estanho, nestes últimos só então iniciada; o respectivo comércio
transregional destas duas matérias-primas, então emergente, explica-se,
sobretudo, por esta complementaridade de interesses e necessidades.
As necrópoles, particularmente conhecidas no Sul, onde corporizam,

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por si só, as duas fases do Bronze do Sudoeste, deverão ser conhecidas
quanto à organização arquitectónica, rituais e espólios, na perspectiva
social, para a qual também concorre a caracterização das chamadas
estelas de tipo alentejano e respectiva iconografia e integração cultural.
Enfim, para além das necrópoles de inumação e de incineração do
centro interior norte, recentemente dadas a conhecer, avulta a
expressiva arte rupestre galaico-portuguesa, com antecedentes no
Calcolítico, cujos principais sítios, natureza das representações e seu
significado deverão ser discutidos.
O Bronze Final é dominado pela plena afirmação do comércio transregional
atlântico-mediterrâneo, favorecido pela própria realidade geográfica do
território português. Importa conhecer os testemunhos materiais desse período
e as respectivas balizas cronológicas. Assim, deverão os alunos estar
familiarizados com as produções de carácter atlântico (armas, objectos
utilitários e respectivas tipologias) e com as de cunho mediterrâneo (com
destaque para objectos de indumentária e de carácter cultual), cujo comércio
e difusão, no território português, foi suportado pela existência de
solidariedades económicas, baseadas em prováveis pactos formalmente
firmados entre comunidades, cujo territórios, de norte a sul do País, se
apresentariam cada vez mais compartimentados. A respectiva economia
deverá por isso ser conhecida, na qual, embora de base agro-pastoril, a
exploração mineira assumiu importância crescente. Neste contexto, importa
compreender as especificidades dos três grandes domínios territoriais – o
norte (incluído o interior centro), a Estremadura (até ao Mondego, na
perspectiva geográfica de O. Ribeiro) e o sul – possuindo cada um deles
características próprias. A plena afirmação de elites, necessárias para a boa
gestão de grandes povoados muralhados que despontam no Bronze Final
torna-se deste modo uma realidade que deverá estar presente, e ser
devidamente compreendida no quadro da própria evolução da sociedade.
Também a existência de outros testemunhos arqueológicos são concorrentes
para a percepção da realidade social: as jóias auríferas, tornadas frequentes,
deixam transparecer influências a um tempo atlânticas e mediterrâneas, por
vezes reunidas numa única peça (técnicas e tipologias decorativas), que devem
ser conhecidas; as armas são igualmente testemunho da afirmação das elites
guerreiras, encontrando-se representadas por peças de diferente tipologia (que
deve ser conhecida), para além de figurarem nas estelas de tipo estremenho.
O significado funerário-ritual destes monumentos é outro objectivo de
aprendizagem importante, bem como o conhecimento da respectiva
distribuição geográfica e faseamento interno, com base na evolução
iconográfico-simbólica e na cronologia absoluta.

As diversas práticas funerárias do Bronze Final, embora representadas por


escassas ocorrências, revelam influências continentais (cremação e campos

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de urnas) e mediterrâneas (sepultura da Roça do Casal do Meio), que traduzem
uma realidade cultural complexa, resultante de cruzamento de influxos de
diversas áreas geográficas em simultâneo: é, no essencial, a compreensão
global desta realidade, a um tempo económica, social e cultural, coroando
um longo processo de diferenciação social, por um lado e, por outro, de
intensificação económica e interacção cultural, que lhe está subjacente, que
o aluno deverá ter presente, ao concluir o estudo desta última parte da
disciplina.

As actividades que poderão ser desenvolvidas pelos alunos decorrem


directamente dos objectivos de aprendizagem cujos tópicos foram
apresentados. Assim, sugerem-se os seguintes temas, sem prejuízo de outros:
- síntese das teorias explicativas para a génese e desenvolvimento dos
povoados fortificados calcolíticos do território português;
- resumo, de carácter historiográfico, das investigações desenvolvidas
nos povoados calcolíticos mais relevantes da Estremadura: Vila Nova
de São Pedro (Azambuja); Zambujal (Torres Vedras); Leceia (Oeiras)
e Rotura (Setúbal), entre outros;
- faseamento interno do Calcolítico com base no registo artefactual
(destaque para a cerâmica: tipologia e motivos decorativos), e sua
diferenciação regional nos três grupos usualmente considerados: o do
Norte, o da Estremadura e o do Sudoeste;
- as tholoi no território português, exemplificando com as ocorrências
mais importantes: distribuição geográfica, técnicas construtivas e
respectivas arquitecturas, espólios, integração cronológico-cultural;
- ensaio sobre a presença campaniforme no território português:
características do povoamento e, das necrópoles; aspectos de carácter
económico, da organização social, da cultura material; a cronologia
absoluta. Distribuição geográfica e articulações trans-regionais do
"fenómeno" campaniforme;
- necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste: características dos
sepulcros, principais tipos de artefactos neles existentes (utilizando
na sua descrição terminologia apropriada) e organização das
respectivas necrópoles; aspectos da estrutura social susceptíveis de
serem recuperados a partir da interpretação do registo material:
diferenciação de espólios, presença de tampas ou estelas insculturadas,
e caracterização da iconografia presente nelas;

- a evolução das características do povoamento do Bronze Pleno para o


Bronze Final no território português, tendo presentes as transformações
económicas e sociais verificadas e as respectivas balizas cronológicas;

314
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- sepulturas de inumação e de incineração da Idade do Bronze do
território português: elaborar breve ensaio sobre o tema, sem esquecer
a distribuição geográfica das ocorrências e respectivas características,
espólios acompanhantes (cerâmicas, metais), cronologia absoluta e
integração cultural;

- importância da sepultura da Roça do Casal do Meio (Sesimbra) no


contexto das relações comerciais e culturais com o Mediterrâneo
Central no decurso do Bronze Final: tipologia do sepulcro e
características dos espólios e das tumulações;

- as estelas de tipo estremenho como indicadores sociais e culturais.


Identificação das características definidoras dos grupos
tradicionalmente considerados, possibilidade de estabelecer um
faseamento interno com base nos elementos iconográficos e cronologia
absoluta;

- artefactos de bronze de filiação atlântica e mediterrânea: síntese dos


principais tipos (usando terminologia adequada) susceptíveis de se
integrarem numa ou noutra das respectivas correntes culturais; em
alternativa, poderá desenvolver-se o mesmo raciocínio para as jóias
de ouro, cuja tecnologia de fabrico e/ou tipologia, associada aos
motivos e técnicas decorativas que ostentam, indicam influências
conjugadas de um ou de outro daqueles grandes domínios geográficos.

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12. A Emergência das Primeiras Sociedades
Complexas Peninsulares

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12.1 Difusionismo versus indigenismo: o caso dos povoados
fortificados da Estremadura

O ambiente cultural de carácter dominantemente mediterrânico e francamente


aberto aos estímulos culturais oriundos daquela região, prevalecentes durante
todo o Calcolítico no centro e no sul do actual território português – facto
justificado pela sua posição geográfica – teriam propiciado evolução cultural
com fenómenos de convergência em regiões muito afastadas, que não são,
porém, incompatíveis com a difusão de novas formas de viver e de novas
tecnologias, talvez veiculadas por interesses económicos complementares,
observáveis na bacia mediterrânea durante todo o terceiro milénio a. C. Aliás,
a valorização de componente comercial na difusão da tradição arquitectónica,
da metalurgia do cobre e mesmo dos objectos ditos "de prestígio", foi
anteriormente sublinhada (Parreira, 1990, p. 29).

Numa altura em que se assiste à recuperação, por parte de alguns arqueólogos


portugueses, de doutrinas difusionistas de décadas passadas, as quais tiveram,
em Portugal, por parte de Eugénio Jalhay, impressionado com a semelhança
tipológica patente entre algumas das peças recolhidas no povoado fortificado
de Vila Nova de S. Pedro (Azambuja), com outras, do Mediterrâneo Oriental,
o seu mais antigo e explícito defensor (Jalhay, 1943) e depois de uma década
marcadamente "indigenista" (os anos 80), durante a qual se valorizou quase
exclusivamente os méritos da evolução endógena das sociedades calcolíticas
peninsulares, importa fazermos uma revisão da questão. Vejamos duas
recentes citações:

Não se trata de uma complexa evolução social de um grupo há muito


estabilizado mas da entrada maciça numa nova região de um grupo
socialmente complexo e já hierarquizado (Gonçalves, 1993,
p. 196);

Não se trata, forçosamente, de uma colonização maciça e influências


restritas e localizadas podem desencadear movimentos muito mais amplos,
alterando os equilíbrios de forças autóctones (idem, p. 202).

Conclui-se que, para o autor, o processo de calcolitização da Estremadura Fig. 162


passaria pela presença de indivíduos alóctones (muitos ou poucos?); nesta
perspectiva, a emergência dos povoados fortificados explicar-se-ia,
naturalmente, pela necessidade de defesa das pessoas e haveres dos seus
habitantes, que assim se protegeriam das populações autóctones, as quais,
em estádio cultural inferior, ainda sem uma fixação efectiva a um qualquer
território, assolariam ciclicamente tais locais de vida sedentária e estável.
Tal dicotomia entre autóctones (as populações do Neolítico final ou as suas
descendentes) e alóctones, encontra-se bem explicitada em outro texto do
mesmo autor (Gonçalves, 1994a).

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Esta opção do autor, após ter enunciado anteriormente, sem se decidir por
nenhuma, outras hipóteses (Gonçalves, 1988), recupera ideias que, em
décadas anteriores tinham sido defendidas, tanto por investigadores ingleses
como alemães, com especial destaque para E. Sangmeister e H. Schubart
que, de 1964 a 1973, dirigiram trabalhos de escavação no Zambujal (Torres
Vedras). Transcreveremos algumas das mais expressivas afirmações que
consubstanciaram o pensamento dos autores:

Los fundadores, constructores y primeros habitantes de las fortificaciones


de Vila Nova y Zambujal fueron o colonizadores del Mediterráneo oriental
o, cuando menos, comerciantes em metales, compradores cuyos clientes
radicaban en la zona oriental del Mediterráneo. Las piezas de tal
procedencia en esta época hablan en favor de una inmigración directa, por
lo menos de un pequeño grupo, el cual determinó el carácter de las
fortificaciones y de muchos otros elementos culturales (...). Eran lugares
de tránsito para la riqueza metalúrgica del interior (Schubart, 1969, p. 203).

Salienta-se, em outro estudo, o papel do Zambujal como "a production and a


trade centre. We suggest that copper objects were manufactured there from
ores brought to the site, these objects were then traded. The site would
obviously require fortification and its situation in relation to the ocean supports
this interpretation" (Sangmeister & Schubart, 1972, p. 196, 197).
A presença de colonizadores perpassa ao longo destes textos, bem como a
de populações indígenas, contra as quais se ergueriam tais muralhas ...

A última versão daqueles dois autores que corporizam, entre nós, o expoente
da doutrina colonialista – uma das poucas vertida para português – pode
decompor-se em duas hipóteses distintas, mas não incompatíveis.
Transcrevê-las-emos na íntegra:

Qual a origem dos construtores das fortificações de que nos ocupamos?


Qual a identidade dos seus inimigos? Alguns indícios parecem assinalar o
Próximo Oriente como ponto de origem dos primeiros. Não são porém
suficientes para assegurarmos que eram navegantes vindos em busca do
cobre e que, ao depararem-se (com a existência de minério, animaram os
indígenas na sua pesquisa. Por sua vez, ao verem-se enriquecidos graças a
esta nova mercadoria poderiam ter erigido fortificações para se protegerem
de grupos que consigo competissem. Poderiam ter aprendido as técnicas e
as tácticas dos estrangeiros da mesma forma que deles receberam os
objectos importados, ou criado imitações dos que haviam visto.
Partindo de uma mesma situação, e com algumas variantes, ambas as
hipóteses são viáveis. Sem dúvida, perdura a sensação de que, com estas
fortificações, algo de estranho e inteiramente novo surgiu, sendo inegável
a sua semelhança com alguns povoados do Próximo Oriente" (Schubart &
Sangmeister, 1987, p. 12).

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A segunda hipótese dos autores aceita que as fortificações possam resultar
de um processo de competição interno, entre grupos autóctones, o que não
estaria longe da nossa perspectiva, não fosse atribuir aos pretensos grupos
exógenos a responsabilidade indirecta pela edificação de tais fortificações, e
ao cobre o leit-motiv da sua presença. Note-se, ainda, que não está
minimamente reconhecida, em termos arqueológicos, a coexistência, na
Estremadura, de dois ou mais grupos socio-culturais distintos, no decurso
do III milénio a. C. Ao contrário, o próprio registo arqueológico sugere uma
evolução "in situ" da formação social calcolítica da Baixa Estremadura a
partir das populações que aqui viviam, e pujantemente deixaram os traços da
sua presença, no Neolítico Final, ao longo da segunda metade do
IV milénio a. C., segundo datações de radiocarbono já disponíveis, com
destaque para Leceia (Oeiras), tanto em povoados, como em necrópoles
(grutas naturais, grutas artificiais e monumentos megalíticos).

Num dos seus derradeiros contributos para a Pré-História peninsular,


Bosch-Gimpera (1969, p. 65, 66), resumiu o estado da questão e a sua opinião
a tal respeito em termos que, ainda hoje nos parecem actuais e que por isso
subscrevemos:

Almería entonces debió tener una intensa relación con las islas del
Mediterráneo Occidental, en donde Malta es el puesto avanzado de la
relación egeo-anatólica. A esta relación se debe el nuevo tipo de ídolo de
forma humana de Los Millares (...), y, sin duda un perfeccionamento de la
técnica arquitectónica, que se manifesta en las murallas con torres de Los
Millares – que llegan a Portugal – (...) y la generalización de la falsa cúpula
en los "tholoi", sostenida a veces por una pilastra o columna.

No creemos que estos influjos representan, como creen Almagro, Arribas,


Pigott, Sangmeister y otros, una "colonización" a la que, según ellos, había
que atribuir los "tholoi", con falsa cúpula, y las ciudades o grandes poblados
rodeados de murallas con salientes en forma de torre como Los Millares y
en Portugal Pedra do Ouro, Zambujal y Vilanova de San Pedro. Que en la
cultura del Eneolítico peninsular exista la influencia de las relaciones
forasteras, mediterráneas, lo hemos reconocido y de ello hemos tratado en
otros lugares. Pero ni los sepulcros megalíticos son un tipo introducido
por gentes forasteras – y probablemente tampoco la idea de la falsa cúpula
– ni lo que hay en la península de influencia mediterránea autoriza para
hablar de "colonización" propriamente dicha y se explica por simples
relaciones comerciales todo lo intensas que se quiera, pero que no revean
el establecimiento en el país de "colonizadores" que en él se establecen.

Vemos como, há já mais de 35 anos, se valorizavam os contactos indirectos,


catalisados por força de relações de carácter comercial, na génese e
desenvolvimento dos povoados fortificados da Estremadura, tal como hoje
parecem confirmar os elementos disponíveis.

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A pretensa semelhança vislumbrada entre os povoados fortificados em causa
e outros, do Mediterrâneo oriental, foi abordada por Blance (1957, 1961).
Do primeiro dos estudos referidos, destaca-se a seguinte passagem:
Desta breve análise podemos concluir que o uso dos bastiões ou cubelos
com finalidade defensiva não era desconhecido na região do Mediterrâneo
Oriental, se bem que, por outro lado, não fosse coisa vulgar. Tais construções
não estão, porém, confinadas a uma determinada zona, mas sim, de um
modo geral, espalhadas por toda essa área. É todavia interessante verificar
que, ao lado de todos os exemplos referidos de torres rectangulares, apenas
as de Chalandriani e de Buhen apresentam a forma semicircular (op. cit.,
p. 175).

Sem entrar na discussão das cronologias destas fortificações – a maioria,


senão a totalidade, é ulterior aos meados do III milénio a. C. e, portanto,
mais recentes que as fases mais antigas dos três grandes povoados fortificados
melhor conhecidos do território português – Vila Nova de S. Pedro
(Azambuja), Zambujal (Torres Vedras) e Leceia (Oeiras) – outro argumento
deverá ser invocado. Com efeito, necessidades idênticas de defesa requereriam
soluções técnicas semelhantes. Deste modo, aceitamos que distintas
civilizações calcolíticas e da Idade do Bronze da bacia mediterrânea tenham
recorrido à edificação de fortificações, ditadas por condicionantes
económico-sociais específicas. Tais fortificações, fazendo uso de dispositivos
elementares – muralhas, torres, bastiões, entradas – mostrariam, naturalmente,
Fig. 163 certas semelhanças entre si ...

Obviamente, não rejeitamos aos três grandes povoados estremenhos fortificados


aludidos, um certo "ar de família", ditado pela sua inserção em um ambiente
meridional e mediterrâneo, de que faziam parte integrante... Aliás, as
Fig. 164 semelhanças, por exemplo, entra as grandes edificações da Idade do Bronze
nurágicas da Sardenha ou talayóticas das Baleares, nada mais significa do que
a simples utilização de aparelhos ciclópicos de pedra para construções
monumentais, que nada têm de comum entre si. É, ainda, a Bosche-Gimpera
(1969, p. 67) a quem podemos recorrer para explicar tal situação:
Alcanzada la vida sedentaria normal y comenzada una vida de tipo urbano
(...), las fortificaciones primitivas para defensa de los poblados se convierten
naturalmente en murallas, y ellos en fortalezas; pero en todas partes, y
tanto en Los Millares como en Pedra do Ouro, Zambujal y Vilanova de
San Pedro, los hallazgos revelan una cultura indígena que no deja de serlo
apesar de las transformaciones singulares de sus rasgos, nunca una cultura
masiva como la de los lugares de origen de las relaciones e influencias.

Tais palavras parecem, ainda, ecoar nestas outras (Jorge, 1994a, p. 459):
As semelhanças estilísticas que aglutinam muitos artefactos e arquitecturas
do mundo mediterrânico não devem ser ignoradas, mas terão de ser

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interpretadas no âmbito de outros mecanismos difusores – interacções em
larga escala – cuja natureza requer uma avaliação contextualizada (...).

Numa óptica extremista das pretendidas semelhanças arquitectónicas,


poder-se-iam invocar, mesmo, influências orientais, em dois cubelos
quadrangulares reconhecidos em l993 na primeira linha defensiva de Leceia,
do Calcolítico Inicial, defendendo interiormente uma das entradas ali
existentes, ao que cremos os primeiros deste tipo reconhecidos no Calcolítico
peninsular.

De facto, cada povoado fortificado, mesmo os de uma mesma área cultural,


embora adoptando soluções arquitectónicas comuns, ter-se-á comportado e
evoluído de forma independente, adaptando-se às condicionantes geomor-
fológicas naturais de maneira distinta; a solução defensiva encontrada em
Vila Nova de S. Pedro, com uma imponente fortificação central (Paço &
Sangmeister, 1956 a, b), é distinta da de Leceia e esta aproxima-se da
observada no Zambujal, a qual, por seu turno, se adaptou a condicionantes
geomorfológicos próximos dos daquela. Claro que o tamanho da área
construída influenciava também as soluções arquitectónicas adoptadas em
cada caso. Tal variável é directamente proporcional, como é evidente, ao
número de habitantes de cada sítio, o que nos conduz directamente à questão
do cálculo daquele número, nos povoados de maiores dimensões da Baixa
Estremadura.

No caso de Leceia, o cálculo demográfico proposto por Chapman (1991)


conduz à estimativa de 200 habitantes, considerando a área da estação (cerca Fig. 165
de 1 ha), valor ligeiramente inferior ao obtido pela relação proposta por
Renfrew (1972) para povoados do Egeu, que foi de cerca de 300 habitantes
por ha. A ser assim, Leceia teria idêntico número de habitantes de Vila Nova
de S. Pedro e cerca de um terço mais que o Zambujal (com 0,7 ha), apesar
de aqui ainda se não conhecer exactamente a área ocupada pelo dispo-
sitivo defensivo. Outros cálculos, baseados no número de ocupantes de cada
unidade habitacional, ou por metro quadrado de área coberta não são
aplicáveis, visto desconhecermos, em boa parte, a extensão das estruturas
habitacionais na altura existentes naqueles sítios fortificados, nem o número
de habitantes por unidade habitacional. Em todo o caso, a grande desarmonia
que se patenteia, em qualquer dos citados povoados, entre a imponência das
estruturas de carácter defensivo e o número das habitações assim protegidas, Fig. 166
sugere que a parte mais importante da população viveria extramuros, no
território envolvente, procurando apenas o abrigo das muralhas no decurso
de situações de maior tensão social.

Para alimentar uma população de 200 a 300 habitantes, número que julgamos
adequado à realidade observada em Leceia, não seria necessária uma área de
captação de recursos superior à que se poderia atingir em duas ou três horas
de marcha. Dentro de tal território não se reconheceram, até ao presente,
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através de cartografia arqueológica e actualizada (Cardoso & Cardoso, 1993),
quaisquer núcleos activos no Calcolítico Inicial ou no Calcolítico Pleno,
susceptíveis de constituirem ameaça à segurança dos habitantes de Leceia.
Idêntica afirmação é válida, considerando a eventualidade de sobreposição
parcial de tal território com o correspondente a outro povoado situado fora
daquele limite. Com efeito, a cartografia arqueológica disponível para o
concelho de Cascais (Cardoso, 1991), conquanto assinale vários povoados
calcolíticos, nenhum corresponde à importância do de Leceia, ao menos
considerando o registo conservado. Os habitantes daqueles poderiam, no
entanto, constituir uma ameaça latente, conjuntamente com as populações
disseminadas em pequenos núcleos calcolíticos, situados a Norte, tanto no
concelho de Amadora como no de Sintra, cuja existência é segura. Em
consequência, e embora não se possa invocar a ameaça corporizada por um
outro povoado de grandeza análoga, de expressão regional, o conjunto de
núcleos de menor expressão identificados em um raio de 15 km em redor,
poderiam constituir uma pressão constante, ainda que difusa, sobre as terras
usufruídas pelos ocupantes de Leceia; e idêntica afirmação será válida para
os restantes sítios fortificados de primeira grandeza. Assim, cremos que a
construção destas fortalezas se terá devido mais a razões de ordem preventiva.
A simples presença de uma fortificação com tamanha imponência,
constituindo um marco bem evidenciado na paisagem, longe de nela se
dissimular, corporizaria a posse e os direitos sobre determinado território
envolvente, servindo, ao mesmo tempo, como elemento dissuasor (ou
intimidatório, cf. Sangmeister & Schubart, 1972, p. 197) de qualquer grupo,
oriundo ou não da região, que pretendesse invadir e ocupar tal domínio.

Ao mesmo tempo, serviria como elemento de reforço da coesão interna,


revendo-se os seus habitantes em tão prestigiantes quanto grandiosas
construções servindo de verdadeiros marcos simbólicos que monumen-
talizavam a paisagem, longe de nela se dissimularem e que, afinal, eram
pertença de todos os que nelas se reviam.

Cremos, pois, que Leceia, como o Zambujal ou Vila Nova de S. Pedro,


constituem exemplo flagrante em como, na Baixa Estremadura, no decurso do
Calcolítico, é possivel correlacionar os conceitos tradicionais de "fortificação",
"interacção" e "intensificação económica" (cf. para os dois últimos, Jorge,
1994a, pp. 473 e 475). Quanto a nós, é incontornável tal interdependência:
embora possa haver interacção e intensificação sem fortificação, a inversa não
cremos ser possível, para a época e região em causa.

Assim , a génese dos povoados fortificados calcolíticos da Baixa Estremadura,


resultaria da evolução interna do sistema agro-pastoril herdado do Neolítico
Final: a exploração crescente de territórios, de forma cada vez mais organizada
e eficiente, reforçada pela melhoria das tecnologias de produção, conduziu à
sua ocupação e demarcação efectiva e às consequentes formas de

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complexificação e de tensão social, cada vez mais intensas, mas onde, de
início, a metalurgia do cobre não teria qualquer expressão.

Os estímulos mediterrâneos, sem dúvida importantes, embora sempre


expressos de forma indirecta, teriam sido determinantes na introdução daquela
metalurgia, numa fase de consolidação do sistema agro-pastoril, cuja
progressão para regiões cada vez mais setentrionais, a partir da Andaluzia,
parece comprovada pelas datações absolutas disponíveis. As populações,
sedeadas e repartidas por povoados-fortaleza, com o usufruto de determinadas
parcelas do território, evidenciam um esboço de organização social
crescentemente organizado e hierarquizado, francamente aberto a estímulos
externos, veiculados por intensas trocas comerciais das quais dependia, em
parte, o sucesso do grupo (caso da importação de rochas duras para as tarefas
do quotidiano, como já anteriormente se referiu, no Neolítico Final da
Estremadura, com intensificação no Calcolítico, como adiante se verá).

No Calcolítico Pleno da Estremadura, cujo início foi possível precisar em


Leceia cerca de 2600 anos a. C., com base nas análises da C14 efectuadas
(Cardoso & Soares, 1996) abundam, mais do que no período anterior, os
grandes vasos esféricos de armazenamento ("vasos de provisões"), agora
providos, em torno da boca, de exuberante decoração em "folha de acácia" e
em "crucífera", cujas características serão adiante precisadas. No instrumental
lítico, são de realçar as numerosas lâminas ovóides de sílex, na larga maioria
(senão totalidade) utilizadas como elementos de foices, em proporção cerca
de seis superior à verificada, em Leceia, no Calcolítico Inicial, balizado
cronologicamente naquela estação entre 2800 e 2600 anos a. C. Tais factos
são expressivos quanto à melhoria dos níveis de produção e de consequente
armazenamento dos excedentes, possibilitados pelo aperfeiçoamento das
técnicas agrícolas, a par da introdução de novas actividades visando a
exploração mais completa dos recursos, comprovada por artefactos quase ou
até mesmo desconhecidos no Calcolítico Inicial: é o caso dos chamados
elementos de tear rectangulares e dos cinchos com paredes perfuradas, que
denotam a especialização e o fabrico de produtos derivados do leite,
anteriormente desconhecidos, sem esquecer o cobre. A "Revolução dos
Produtos Secundários" estava, pois, em franca afirmação, na Baixa
Estremadura, no decurso do Calcolítico Pleno, tal como acontecia, tanto no
Nordeste, como no Sudoeste; para o Alto Algarve Oriental dá-nos V.
Gonçalves (1991, p. 409) explícito testemunho dessa realidade.

Importa não ignorar que a exploração de certos produtos, como o sal, se


pode, também, associar à aludida diversificação e intensificação económica,
com antecedentes, na região, desde o Neolítico Final/inícios do Calcolítico.
É o caso da Ponta da Passadeira, Barreiro, (Soares, 2001) e do Monte da
Quinta 2, Benavente (Valera, Tereso e Rebuje, 2006), sítios especializados
na obtenção de tal produto, a partir da água salobra, por evaporação.

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12.2 Faseamento do Calcolítico da Estremadura

Calcolítico Inicial

Entrevê-se, na existência de bens que careciam de defesa, pela primeira vez


excedentários na Estremadura no decurso do Neolítico Final, a instabilidade
e tensão sociais intergrupos, que não só iria caracterizar todo o III milénio a. C.
como estaria na origem do fenómeno da fortificação, resultante do aludido
processo de desenvolvimento sócio-económico, essencialmente de carácter
endógeno, observado desde o início daquele milénio.

As muralhas não traduzem apenas economia. Traduzem economia e


sociedade.
São construídas para proteger alguém e alguma coisa de outrém. Assim
sendo, a definição de esse outrém é fundamental. Como o é sabermos que
tipo de sociedades se afrontam. E o contexto económico que o permite
(Gonçalves, 1991, p. 405).

Eis pertinentes observações, que procuraremos discutir, neste capítulo.

Em Leceia, após um período de abandono, seguido ao Neolítico Final, que


poderá ter durado de 30 a 150 anos, mais provavelmente algumas dezenas de
anos (Soares & Cardoso, 1995), assiste-se, logo no começo do Calco-
lítico Inicial, situável cerca de 2800 a. C., à construção de imponente
fortificação, fundada ora no substrato geológico, ora na camada
correspondente à ocupação do Neolítico final (Cardoso, 1989; 1994; 1997;
2000). Tal dispositivo defensivo respeitou, sem dúvida, um plano previamente
definido e metodicamente levado à prática. A discordância que se observa
entre esta ocupação e o povoado neolítico anterior não chega, porém, para
admitir a existência de rupturas de ordem social (teriam certamente existido
fortes alterações de natureza económica) e, muito menos, justificar a chegada
de novas gentes estranhas à região. Ao contrário, entrevê-se, em tal
fortificação, a consequência lógica do período de instabilidade gerado no
Neolítico Final e a preferência por sítios naturalmente defendidos, então
objecto, nalguns casos, da construção de dispositivos defensivos.

Tal como se verificou para o Neolítico Final, também o Calcolítico Inicial se


encontra datado em Leceia com elevada precisão. As nove datas de radiocarbono
disponíveis, permitiram a construção de gráfico de acumulação de probabilidade
e, a partir dele, o cálculo da respectiva duração e cronologia. Deste modo, para
uma probabilidade de 50%, a duração do Calcolítico Inicial situar-se-á entre 2770
e 2550 a. C. e, para uma probabilidade de 95%, entre 2870 e 2400 a. C. (Soares &
Cardoso, 1995).

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Convém recordar, porém, que o intervalo de 50% representa o floruit do conjunto,
ou seja, o seu período de florescimento (ver discussão deste conceito em Soares &
Cabral, 1993, p. 220). Deste modo, tendo presentes os valores referidos, pode
afirmar-se que o Calcolítico Inicial terá tido uma duração inferior à do Neolítico
Final, correspondendo ao intervalo de 2800-2600 a. C. Assim sendo, a primeira
fortificação de Leceia, edificada logo no começo do Calcolítico Inicial, ascenderia
a cerca de 2800 a. C., ou talvez a algumas dezenas de anos antes. Por outro lado, o
terminus desta fase cultural situar-se-á perto de 2600 a. C., conclusão reforçada
pelas datas respeitantes à fase seguinte, o Calcolítico Pleno, adiante tratadas.

Leceia documenta, pois, a par dos dois casos homólogos mais conhecidos da
Estremadura – Vila Nova de São Pedro (Azambuja), onde se recolheram
centenas de pontas de seta de sílex em verdadeiros ninhos, talvez constituido
arsenais bélicos, no estrato Vila Nova I de A. do Paço (Paço, 1964, p. 145), e
Zambujal (Torres Vedras) – a pujança do povoamento calcolítico da Baixa
Estremadura, articulado em grandes centros fortificados, de características
proto-urbanas, cuja localização foi determinada por conjunção de condições
naturais de defesa (plataformas delimitadas por escarpas), em conexão com
vales agrícolas de elevada fertilidade, dominando as vias de circulação naturais
de toda a região adjacente, em estreita articulação com o estuário do Tejo
(Leceia) ou com o litoral atlântico (Vila Nova de S. Pedro e, especialmente,
o Zambujal); condições geomorfológicas propícias e aptidão agrícola dos
solos foram, pois, os dois aspectos determinantes da selecção de tais lugares
fortificados, a que se junta a implantação numa rede de circulação regional
de pessoas e de produtos.

De facto, as actividades agrícolas em campos ou talhões circunscritos,


adequados ao cultivo do trigo e da cevada, reconhecidos em Vila Nova de
S. Pedro (Paço, 1954) seriam determinantes na economia e bases de
subsistência destas populações, tal como as sediadas no esporão de Leceia,
debruçado sobre o fértil vale da ribeira de Barcarena, ou do Zambujal, sobre
a várzea da ribeira de Pedrulhos, ainda que então muito menos assoreada.

Em Leceia a importância do cultivo dos terrenos adjacentes, em encosta suave


voltada para a ribeira de Barcarena, parece encontrar-se indirectamente
denunciada pelo conteúdo polínico de camada correspondente a episódio de
abandono do Calcolítico Inicial, detectado na estação. Com efeito, o Prof.
João Pais (Universidade Nova de Lisboa) reconheceu, no respectivo espectro,
a larga predominância de gramíneas e de compósitas, tradicionalmente
associadas a agriculturas cerealíferas, transitoriamente dominantes em tais
espaços pelo aludido abandono do povoado, que poderia, porém, não ser
total.

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Os artefactos recolhidos documentam igualmente a importância das
actividades agrícolas, como os machados, frequentemente exaustos, com o
gume embotado pelo uso, destinados à desflorestação; os sachos, destinados
à cava; e numerosas mós manuais e elementos de foice, de sílex. Enfim, a
horticultura, em pequenas hortas ao longo dos vales, talvez recorrendo já a
sistemas de irrigação primitivos (Parreira, 1990), encontra-se ilustrada em
Vila Nova de São Pedro pela existência de fava (Paço, 1954) e do linho
(Paço & Arthur, 1953; Paço, 1954).

Em Leceia importa também valorizar a existência de três lageados de planta


circular, considerados como o embasamento de eiras (Cardoso, 1989, Fig.
73 e 74; Cardoso, 1994, Fig. 15). Tais estruturas, que seriam revestidas de
argila pisada, ou greda, muito dura, à semelhança das eiras tradicionais da
actualidade – e de foram encontrados vestígios em uma delas – destinar-se-iam
não apenas ao processamento dos cereais, mas também à secagem de
leguminosas, como a fava. Com efeito, só assim se explica a sua conservação,
por incarbonização, em Vila Nova de S. Pedro. Trata-se exemplares únicos,
no Calcolítico de Portugal, e que testemunham o vigor da economia agrícola
então já conhecida na Estremadura.

Este sistema de produção era completado pelo pastoreio de ovinos, caprinos


e bovinos, de onde se obtinha a larga maioria das proteínas, bem como pela
criação do porco doméstico, o que denuncia a marcada sedentarização destas
comunidades e o pleno domínio da manipulação de todas as espécies de
mamíferos que então, como hoje, constituem o grosso da nossa alimentação.

A caça do veado e do javali documenta a existência de manchas florestais


pontuando espaços abertos, ocupados por pastagens naturais, propícias à
circulação de manadas de auroques e de cavalos selvagens, também presentes
nos inventários faunísticos. A recolecção de moluscos e a pesca, no litoral
adjacente, então de mais fácil acesso devido à trangressão flandriana e ao
não assoreamento das embocaduras dos cursos de água, encontra-se
igualmente documentada na maioria dos povoados da região, completando
as bases alimentares de tais populações. A presença de diversos anzóis de
cobre, a par de numerosos restos de ciprinídeos (dourada e pargo) comprovam
a prática de uma pesca litoral, por meio de pequenas embarcações.

Enfim, o estado de exaustão de muitos machados de pedra polida, denuncia


importantes actividades florestais, não apenas para a produção de campos
agrícolas ou para pastagens permanentes, mas também no âmbito de obtenção
de lenhas e de produtos silvícolas, como a bolota, presente em Vila Nova de
S. Pedro (Paço, 1954) e que poderia ser farinada. Entrevê-se, pelo exposto, e
não só no que a Leceia diz respeito, comunidades explorando metódica e
exaustivamente os recursos naturalmente disponíveis nos diversos biota
adjacentes, desde os estuários, passando pelo litoral, até aos bosques ou

328
© Universidade Aberta
pradarias que se desenvolviam pelo interior do território. A proximidade do
litoral e a ligação com este mantida, detectada em todos os dezasseis povoados
fortificados da Estremadura inventariados por Susana O. Jorge (1994a, p. 465),
expressa, objectivamente, a importância que os recursos ali facilmente
disponíveis desempenhavam na economia e bases de subsistência daquelas
populações. Na Baixa Estremadura, tal importância encontra-se sublinhada
pela distribuição dos povoados calcolíticos em torno da embocadura do Sado,
aproveitando os locais altos que a marginam, do lado Norte (Silva & Soares,
1986). O papel dos recursos aquáticos na dieta destas populações é ilustrado
pelo estudo, a vários títulos exemplar, consagrado à fauna malacológica
recolhida em um deles, o povoado da Rotura dominando o antigo braço do
estuário do Sado (Silva, 1963), de todos o povoado de onde provém o maior
número de anzóis de cobre (Gonçalves, 1971).

Esta fase inicial do Calcolítico estremenho encontra-se particularmente bem


caracterizada, ao nível do espólio cerâmico, pela conhecida decoração
canelada, aplicada a dois tipos de recipientes: os copos e as taças, com nítida
incidência estratigráfica. O primeiro dos locais onde a cerâmica canelada e,
particularmente, os copos, foram valorizados, como indicador cultural, foi
em Vila Nova de São Pedro. Ter-se-ia de aguardar, no entanto, catorze anos
após o início das escavações, em 1937, para que A. do Paço "começasse a
suspeitar" da existência de estratigrafia, e isto apesar de, já na campanha de
1942, se ter reconhecido uma camada anterior à fortificação central (Paço &
JalhayY, 1943).

Na 15.ª campanha (1951) ali efectuada, registou-se, enfim, a existência, sob o


paramento interno da muralha da fortificação central, de duas camadas bem
diferenciadas (Paço & Arthur, 1952, p. 293), precisando-se a ocorrência, na camada
inferior, de "uma cerâmica vermelha, muito perfeita, em cuja confecção se utilizaram
barros finos e bem peneirados, a que se deu boa cozedura, diferindo completamente
dos restantes elementos". Trata-se, como adiante explicam, de "um tipo de vasos
caliciformes, espécie de copo fundo ligeiramente abaulado e abrindo suavemente
na boca, cuja decoração se limita a sulcos paralelos, axadrezados ou em espinha,
ligeiro brunido feito com um instrumento rombo sobre o barro a que, por fricção,
se deu uma espécie de polimento" (idem, ibidem). É indubitável que os autores se
reportam aos recipientes que vieram a ficar conhecidos por "copos canelados",
forma emblemática da fase cultural Vila Nova I , correlativa da camada basal
subjacente à fortificação central, podendo considerar-se como o estratótipo
(adoptando a terminologia da Geologia Estratigráfica) do Calcolítico Inicial da
Estremadura. Em pequeno estudo dedicado a tal tipo cerâmico, A. do Paço declara
que "El estrato se asentaba directamente sobre la base rocosa del castro, variando
su espesor entre los 25 y 30 cm" (Paço, 1959, p. 254).

329
© Universidade Aberta
A relação geométrica de tal camada com a fortificação interna, foi então
confirmada, pela execução de corte transversal intersectando aquela estrutura,
realizado em 1959 (Savory, 1970). Aquele tipo de cerâmica – a
"Importkeramik" de Sangmeister (in Paço & Sangmeister, 1956a) – assumiria
assim grande importância na doutrina colonialista que defendiam também,
explicitamente assumida, na mesma época, por outros investigadores (Blance,
1961), visto que, na sua opinião, era muito semelhante a cerâmicas do Egeu
(Cicládico antigo).

Não ocorrendo em nenhuma outra região peninsular, seria lícito, na


perspectiva daqueles autores, admitir-se uma relação directa do Mediterrâneo
Oriental com a Estremadura portuguesa, região considerada como "a porta
de entrada de influências orientais chegadas por via marítima" em época
pré-campaniforme (Leisner, 1961). A autora é explícita em relação a este
ponto: "A frequência da decoração em espinhas, que liga a cerâmica
pré-campaniforme sobretudo à das ilhas do Mar Egeu, permite admitir um
contacto directo com as civilizações daquelas regiões" (op. cit,. p. 426, 427),
sobretudo pela falta aparente de estações intermediárias suficientemente
ilustrativas das rotas desses navegadores, ao longo da costa marítima
mediterrânica, facto que, por outro lado, também não deixa de ser argumento
desabonatório a favor de tão longínquos contactos ...

A valorização do referido motivo decorativo, na óptica de contactos com


aquela região do Mediterrâneo, tinha já sido apresentada por Paço &
Sangmeister (1956b). O entusiasmo de Sangmeister, ao ter deparado, pela
primeira vez, com a imponente fortificação de Vila Nova de S. Pedro –
declarando que nada de semelhante lhe fora dado observar, a par dos bons
resultados de 1955, cognominada a "campanha das muralhas" – poderão,
em parte, explicar, a tónica dada à procura de paralelos longínquos (em Los
Millares reiniciavam-se, então, os trabalhos de campo). Não esqueçamos o
difusionismo levado ao extremo da época, ao ponto de se entreverem, nas
pinturas dolménicas da Beira Alta, parentescos egípcios (Leisner, 1961,
pp. 425, 426). Uma "nuance" é introduzida por Savory (1970, p. 28 da
tradução portuguesa): "Os "copos" poderiam representar um horizonte
cronológico comparativamente estreito e um elemento novo na população,
mas, embora as suas origens pareçam ser devidas a um povo que pode ser
descrito como "colonizador, não são certamente importados mas de manu-
factura local pois, qualquer que possa ser a sua inspiração, não têm paralelos
exactos fora do estuário do Tejo". Actualmente, podemos mesmo afirmar
que se trata de forma já presente no Neolítico final de Leceia (Cardoso
et al., 1983/84; 1995), a mesma que, no Calcolítico Inicial, e em percentagens
idênticas, sempre inferiores, no conjunto da totalidade das formas, a 1,0%,
se apresenta frequentemente decorada (Cardoso, Soares & Silva, 1996).

330
© Universidade Aberta
Ainda no respeitante às cerâmicas decoradas, observa-se a aplicação da técnica
canelada, à decoração do interior de grandes taças de bordo espessado
interiormente, forma que substituiu, na Estremadura, as taças carenadas do
Neolítico Final (além do estudo de Leisner 1961, de carácter monográfico,
cf. Cardoso, 1989, Fig. 119, n.º 6; Cardoso, 1994a, Fig. 118, n.os 2 e 119,
n.os 3 e 4). Este tipo de recipientes decorados ocorre, por vezes, no Calcolítico
do Sudoeste, como no povoado de Porto Torrão, Ferreira do Alentejo, o que
constitui uma prova da existência, a par de outras, de contactos entra a área
Estremenha e a do Sudoeste, no decurso do Calcolítico.

Ao nível do restante espólio do Calcolítico Inicial da Estremadura,


evidencia-se a qualidade do talhe bifacial de certos artefactos líticos, por
vezes denominado de "retoque egípcio", outra alusão, não inocente, ao
Mediterrâneo oriental, invocada pelo precursor do difusionismo calcolítico
entre nós (Jalhay, 1943). Porém, tal técnica de lascamento era já conhecida
no Neolítico Final desta região, sendo ilustrada pelas belas alabardas de
diversas necrópoles da região, para além dos elementos foliáceos bifaciais,
vulgo "foicinhas". Tal técnica tem agora expressão em artefactos finamente
trabalhados, como as belas pontas de seta mitriformes, de facto desconhecidas
no Neolítico Final, cujas características foram conotadas, a par de outros
materiais recuperados no povoado de Vila Nova de S. Pedro, com exemplares
do Egipto pré-dinástico. A estes artefactos, outros se poderiam juntar, com
as mesmas pretensas raízes, como alguns ídolos com gola (talvez amuletos
destinados à fixação a colares através da referida gola), de osso e, ainda,
certos alfinetes de cabeça maciça torneada, com o formato da cápsula da
papoila, recolhidos em diversos povoados calcolíticos da Estremadura, com
destaque para Leceia e Vila Nova de S. Pedro. Se é mais do que lícito não
aceitar influências culturais directas tão longínquas, já o mesmo não sucede
com outras, que, veiculadas pela via comercial, seriam oriundas do Norte de
África: tal é o caso da presença de um fragmento de alfinete de marfim,
recolhido em Leceia em 2002, bem como de diversos artefactos da mesma
substância, encontrados por Estácio da Veiga em diversos monumentos
megalíticos calcolíticos do Algarve, incluindo porções de marfim em bruto,
destinados ao afeiçoamento de artefactos de pequenas dimensões. Entre outras
ocorrências assinaladas na bibliografia, merece destaque um alfinete (que
pode ser de osso) com cabeça em forma de falcão: é sugestiva, nesta peça,
mais do que em qualquer outra sua congénere, a relação com a mitologia
egípcia (Gomes, 2005), também expressa numa outra peça de Vila Nova de
São Pedro, a qual por possuir cunho religioso mais evidente, será tratada no
capítulo correspondente.

De salientar, no Calcolítico Inicial da Estremadura, a ausência segura de


artefactos de cobre, ao menos em Leceia (desconhece-se se também no
Zambujal; em Vila Nova de S. Pedro, a deficiência do registo arqueológico

331
© Universidade Aberta
impede-nos de maiores rigores, embora Savory (1970) não os tenha
encontrado, no corte de 1959, na camada com "copos", pertencente a esta
fase cultural).

Este aspecto é da maior importância; em Leceia, o escasso número de peças


de cobre reportáveis ao Calcolítico Inicial (podendo, mais provavelmente,
tratar-se de contaminações mais recentes) é significativo, atendendo à
representatividade da área escavada, demonstrando que a construção desta
fortificação foi ditada por necessidades de defesa estranhas à metalurgia,
contrariando as teses desenvolvidas a partir da escavação do Zambujal, nas
décadas de 1960 e de 1970, segundo as quais o cobre constituía o "leitmotiv"
da presença, nesta finisterra da Europa, de grupos de prospectores,
metalurgistas e comerciantes deste metal, oriundos dos confins do
Mediterrâneo oriental. Voltaremos a este ponto.

As sucessivas fases de reforço de estruturas, observadas em Leceia (aqui


Fig. 167 apenas no decurso do Calcolítico Inicial), tal como no Zambujal e em Vila
Nova de S. Pedro (evidenciadas pelas escavações de V. S. Gonçalves, na
década de 1980), respeitaram, tal como a construção inicial, um plano global
e reajustamentos planeados; revelam, outrossim, a manutenção e, talvez, o
agravamento da instabilidade social no decurso do Calcolítico Inicial, período
de cerca de 300 anos, durante a 1.ª metade do III milénio a. C. A imponência
daquelas construções revela, outrossim, uma sociedade inter- e
intra-comunitariamente já hierarquizada. O modelo tribal, que pressupõe
igualitarismo, fortalecido pelos laços consaguíneos, não se adapta à realidade
observada; é mais adequado entrevermos sociedade sedentária, francamente
estabilizada no território, cuja abertura aos estímulos exógenos, teria
propiciado e favorecido a chegada de forasteiros; a sua presença teria
acentuado uma crescente diferenciação social e o surgimento de ofícios e
actividades especializadas, como a metalurgia que estão na origem da
complexidade económica e social que caracterizam todo o III milénio a. C.
Ganha assim explicação a existência de diversas estruturas habitacionais de
diferente qualidade construtiva e tamanho, segundo a posição de maior ou
menor privilégio que teriam, no seio da área construída em Leceia,
proporcional ao destaque social dos respectivos moradores. É o caso de
imponente casa de planta circular, não por acaso situada na área melhor
defendida, enquanto que outras, de menor tamanho e construção mais
deficiente, se situam em zonas mais expostas a eventuais ataques inimigos.

Por outro lado, nesta imponente fortificação – cuja área construída, como se
disse, se aproxima da de Vila Nova de S. Pedro, (1 ha) e é maior que a até ao
presente explorada do Zambujal (0,7 ha) – encontra-se implícita a existência
de excedentes alimentares, susceptíveis de permitirem o afastamento das
actividades produtivas do segmento mais activo da população, pelo período

332
© Universidade Aberta
de tempo necessário à sua construção, situação extensível à das suas
congéneres.

Enfim, entrevê-se, não apenas a divisão do trabalho (como em qualquer


comunidade tribal), mas a própria hierarquização das funções, competindo a
determinada "elite" da comunidade a coordenação do trabalho de todos.

A fase cultural designada Calcolítico Inicial da Estremadura, de que tratámos


neste ponto, foi encontrada isolada, entre outros, no pequeno povoado do
Alto do Dafundo, Oeiras (Gonçalves & Serrão, 1978) e no Pedrão, Setúbal
(Soares & Silva, 1975).

A posição estratigráfica do Calcolítico Inicial, bem definida em Leceia, reveste-se


de muito interesse, visto serem escassas as estratigrafias disponíveis até agora na
Estremadura, e de interesse e significado limitados. De facto, no povoado de Parede,
Cascais (Serrão, 1983) foi isolada camada (a 4.ª), contendo cerâmica canelada;
porém, as condições em que decorreram as escavações – que o prório autor é o
primeiro a lamentar – bem como a limitada área intervencionada desta já muito
arrasada estação, impediram maiores certezas. O outro sítio estremenho é o castro
da Rotura. Nos cortes estudados (Ferreira & Silva, 1970) evidenciou-se , na camada
basal, um fragmento de taça com decoração canelada e nenhum dos característicos
"copos", observações confirmadas em trabalho ulterior (Silva, 1971). Ao contrário,
ocorriam, de forma abundante, fragmentos de grandes recipientes decorados a
punção rombo, a par de outros cuja decoração foi produzida por meio de punção
fixo (xadrês e outros), característicos do Calcolítico Pleno. Tais factos, a que se
soma a presença abundante de metalurgia, representada por numerosos fragmentos
de cadinhos de fundição, leva-nos a atribuir a referida camada já ao Calcolítico
Pleno, talvez a fase inicial deste período, compatível com a recentemente isolada
no castro da Columbeira (Gonçalves, 1994), onde o uso dos motivos impressos,
em "folha de acácia" e em "crucífera" ainda era desconhecido. Tal hipótese
responderia, assim, às dúvidas da atribuição de tal camada "talvez pertencente a
um momento tardio do Calcolítico Antigo da Estremadura" (Silva & Soares, 1986,
p. 83).

O Calcolítico Inicial corresponde, inquestionavelmente, na Estremadura, a


uma época de florescimento económico, expressa pelas melhorias obtidas
na capacidade produtiva, umas conhecidas desde o final do Neolítico, outras
exclusivamente calcolíticas.

333
© Universidade Aberta
Calcolítico Pleno

A fase cultural seguinte encontra-se em geral bem documentada nos povoados


ocupados ou fundados na fase cultural anterior; aparentemente, tal fase
cultural foi também documentada de forma isolada em pequenos povoados,
tal como o verificado nalguns do Calcolítico Inicial e do Calcolítico Final
(época das cerâmicas campaniformes), facto que era desconhecido de Jorge
(1994, p. 468).

As dezoito datas radiocarbónicas disponíveis em Leceia para o Calcolítico


Pleno, conjuntamente com as respeitantes às outras fases culturais ali
representadas, fazem deste povoado calcolítico o melhor caracterizado, em
termos da respectiva evolução cronológico-cultural, de todos os existentes
em território português. O tratamento estatístico respectivo do conjunto
permitiu, pela primeira vez, situar a transição entre o Calcolítico Inicial e o
Pleno cerca de 2600 a. C. (Cardoso & Soares, 1995). Uma maior precisão é,
de momento, impossível, atendendo a que a curva de calibração disponível
(Stuiver & Pearson, 1993; Stuiver & Reimer, 1993) possui uma inclinação
muito fraca e com muitas oscilações. O terminus desta fase cultural pode, da
mesma forma, situar-se cerca de 2200 a. C. sendo contemporâneo, tanto em
Leceia, como noutros grandes povoados estremenhos, das cerâmicas
campaniformes, que corporizam o último período calcolítico na Estremadura.

A especial atenção que continua a ser dispensada às estruturas defensivas,


no Zambujal, até à época campaniforme (Sangmeister & Schubart, 1981),
não tem equivalente em Leceia, onde todo o dispositivo foi edificado de uma
só vez. As estruturas defensivas pré-existentes entraram em rápida decadência,
encontrando-se muitas delas então já arrasadas até aos alicerces, como se
comprova pela sua sobreposição por estruturas habitacionais do Calcolítico
Pleno. Em Vila Nova de S. Pedro, ter-se-á construído, progressiva-
mente, do exterior para o interior, segundo observações das últimas escavações
(Gonçalves, 1994b), de tal forma que a fortificação central é a mais moderna
das três linhas muralhadas identificadas, o que aliás está de acordo com as
observações estratigráficas atrás expostas.

O corte efectuado neste arqueossítio em 1959 (Savory, 1970), permitiu a


identificação de uma nova fase cultural, com expressão estratigráfica, até
então não isolada na Estremadura, a que anteriormente já se fez referência:
"Os fragmentos de "copos", no corte de 1959, concentravam-se no mais baixo
dos níveis pré-fortificação e não ocorrem no nível que formava a base interior
e exterior da muralha interna em Vila Nova antes da sua destruição o qual
contém a olaria característica, as pontas de seta em sílex e a metalurgia da
Cultura Millarense ..." (p. 26 da tradução portuguesa). Esta segunda fase
cultural, que o autor faz corresponder a colonizadores de Los Millares (Savory,

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© Universidade Aberta
1968), corresponde, à transição de uma aceitação: de colonizações a larga
distância, nunca explicitamente por este autor defendidas, passou-se a
colonizações intra-peninsulares, o que estará mais próximo dos conceitos
difusionistas e de deslocação de pequenos segmentos populacionais, a escala
limitada, que seriam óbvios e naturais.

A correlação cultural da camada sobreposta à dos "copos", em Vila Nova de


S. Pedro (o Período II de Savory), com Calcolítico Pleno da Estremadura,
não é isenta de algumas reservas. Com efeito, o autor valoriza as peças
cerâmicas simbólicas com decorações solares, com evidentes paralelos
millarenses, mas não menciona uma única vez os característcos padrões em
"folha de acácia" ou em "crucífera". Estes são apenas referidos (sob a
designação de "olaria de Chibanes", na tradução portuguesa, p. 27), no Período
III, coexistindo com recipientes campaniformes. A. do Paço, tendo-os
encontrado, não lhes conseguiu atribuir qualquer significado
cronológico-cultural, bem pelo contrário, como se depreende das suas
palavras, a propósito de exemplares do povoado fortificado da Pedra de Ouro,
Alenquer (Paço, 1966, p. 127): "O problema da cronologia destas últimas
cerâmicas é um dos que mais nos tem preocupado, pois até agora não nos
aparecem em extracto (sic) verdadeiramente definido. Presumimos que sejam
posteriores à cultura do vaso campaniforme", conclusão que, como se
verificou ulteriormente, não corresponde à verdade. É provável que a sua
não ocorrência, na camada sobrejacente à dos "copos", em Vila Nova de S.
Pedro, aquando do corte ali realizado por Savory, tenha a ver mais com a
exiguidade deste.

Seja como for, as estratigrafias obtidas nos três arqueossítios referidos, de


valor muito desigual, são dificilmente correlacionáveis. Em Vila Nova de
S. Pedro, não se dispõe de qualquer registo gráfico de qualidade, a não ser o
corte estratigráfico de 1959, de representatividade muito circunscrita, como
se disse (o que é reconhecido pelo próprio autor), não sendo utilizáveis as
escassas fotografias publicadas anteriormente. No Zambujal, o registo gráfico
privilegiou a definição das sucessivas fases construtivas em detrimento da
execução de cortes estratigráficos e correspondente interpretação cultural,
com base no respectivo conteúdo arqueográfico (Sangmeister & Schubart,
1981). Com efeito, os escavadores adoptaram o esquema definido em Vila
Nova de S. Pedro por Paço & Sangmeister (1956b), considerando apenas
duas fases culturais: a pré-campaniforme e a campaniforme, princípio
metodológico aparentemente contrariado pela ocorrência, ao longo de toda a
sequência construtiva, embora em percentagens variáveis, das cerâmicas do
tipo "folha de acácia" ou "crucífera" (Kunst, 1987, Abb. 70), consideradas
típicas do Calcolítico Pleno.

335
© Universidade Aberta
No entanto, os resultados da distribuição percentual pela sequência
estratigráfica dos três grupos principais de produções cerâmicas presentes
ao longo do Calcolítico da Estremadura, efectuada por aquele autor: cerâmicas
caneladas (copos e taças); cerâmicas com decoração em "folha de acácia" e
"crucífera"; e cerâmicas campaniformes, vistos globalmente, não se afasta
muito dos resultados obtidos em Leceia: de facto, as produções caneladas
são mais abundantes nos níveis inferiores, enquanto os dois grupos restantes
dominam na parte superior, verificando-se a maior incidência das cerâmicas
campaniformes nos mais modernos de entre estes.

Se o conhecimento é disperso e de valor muito desigual, para os três povoados


estremenhos mais intensamente estudados, que dizer daqueles onde as
pesquisas se limitaram a sondagens muito circunscritas, na maioria dos casos
feitas por métodos obsoletos, sem registos nem indicações estratigráficas
para o espólio exumado? Não obstante, tais sítios, sendo embora menos
monumentais, nem por isso o seu valor científico é inferior ao daqueles. É o
caso do povoado fortificado da Columbeira, Bombarral, ainda não publicado
como merecia, dado o interesse das escavações ali realizadas e do sítio,
também fortificado, do Outeiro Redondo (Sesimbra) igualmente com uma
sucessão estratigráfica importante, em curso de investigação pelo signatário.

12.3 Metalurgia do cobre e comércio transregional

A metalurgia do cobre só se terá verdadeiramente desenvolvido, de forma


comprovada, na Estremadura, no decurso do Calcolítico Pleno, como é
demonstrado em Leceia. A importância, neste aspecto, dispensada a este
arqueossítio justifica-se. Dos três grandes povoados estremenhos referidos,
é o único para o qual se dispõe de uma estratigrafia de significado cultural
bem definido, alicerçada no respectivo conteúdo artefactual.

De facto, a referência a peças de cobre na camada pré-campaniforme, ou


Vila Nova I, de Vila Nova de S. Pedro (Paço & Sangmeister, 1956a; Paço &
Arthur, 1956, p. 536), embora raras, nada prova quanto à existência de tais
peças no Calcolítico Inicial, visto aquela camada englobar, para os autores,
tanto o Calcolítico Inicial como o Pleno. Isto mesmo é explicitamente
precisado por Savory (1970, p. 20 da tradução portuguesa): "...os cortes de
1959 têm uma importância especial na medida em que demonstraram que a
fase consagrada na literatura da especialidade como "Vila Nova I" consistia
de facto em duas culturas sucessivas e distintas que podem ser reconhecidas
em várias outras estações portuguesas". O mesmo autor declara não ter
encontrado nenhum artefacto de cobre na camada com "copos",
correspondente à primeira ocupação do arqueossítio. O próprio A. do Paço

336
© Universidade Aberta
(1964, p. 144) é categórico quanto à total ausência de metal em tal camada,
considerando-a "sem qualquer mescla de metalurgia".

Assim, pode concluir-se que a actividade metalúrgica atestada, por vezes de


forma frisante, em diversos povoados da Baixa Estremadura, foi só introduzida
em fase já avançada do Calcolítico. Em Vila Nova de S. Pedro, encontrou-se
uma acumulação de cerca de 13,5 kg de mineral limonítico com incrustações
de malaquite por tratar (Paço & Jalhay, 1945), embora estudo recente não
valorize esta ocorrência no âmbito da produção metalúrgica da época (Soares,
2005); no Zambujal, identificaram-se mesmo áreas destinadas à fundição,
constituídas por lareiras agrupadas em círculo ao redor de uma superfície
plana de barro cozido, com os bordos elevados, as quais continham centenas
de gotas de cobre (Schubart & Sangmeister, 1987); e são inúmeros os
testemunhos em outros povoados de pingos e escórias, como em Leceia.
Aqui, produzir-se-ia, em áreas restritas do espaço habitado, um instrumental
variado, com destaque para os pequenos artefactos, como sovelas, escopros
e punções.

Algumas peças, pela sua raridade, mereceram destaque, e nalguns casos


conotações culturais mediterrâneas: é o caso de uma bela faca curva, de
bronze, ainda conservando o cabo de osso, de Vila Nova de São Pedro, que
E. Jalhay admitiu possuir ascendência egípcia, à semelhança de outros
artefactos atrás referidos (Jalhay, 1943). Com efeito, caso fosse possível
demonstrar que esta peça provém da ocupação calcolítica, tal hipótese seria
incontornável. Note-se que existe artefacto análogo do povoado da Rotura
(Setúbal) embora neste caso se desconheça a respectiva composição.

A preferência dada aos pequenos artefactos de cobre na generalidade dos


povoados calcolíticos portugueses explica-se: por um lado, a escassez do
então precioso metal, não favorecia o fabrico de grandes artefactos; por outro
lado, seriam preferencialmente fabricados os destinados a funções específicas,
que os seus equivalentes líticos desempenhavam menos eficazmente, como
furadores, anzóis e sovelas. De facto, os grandes machados de cobre,
corresponderiam mais a peças de prestígio, ou, tão-somente, a simples
lingotes, sem funções práticas, como foi já sugerido para o povoado calcolítico
de Porto Mourão, do Grupo do Sudoeste (Soares et al., 1994).

É evidente que o cobre puro, de que são feitos, não poderia competir, quanto
à dureza e resistência, com qualquer machado de anfibolito, de obtenção
muito menos dispendiosa. A tal propósito é interessante registar a existência
em Leceia de dois gumes de machados cortados (Cardoso, 1989, Fig. 108,
n.º 13; Cardoso, 1994a, Fig. 136), a que se somam outras peças, de Vila
Nova de S. Pedro (Jalhay & Paço, 1945), do Zambujal (Sangmeister, 1995),
do Outeiro de São Mamede, Óbidos (Cardoso & Carreira, 2003), e de diversos
povoados do Calcolítico do Sudoeste, como o Monte da Tumba (Silva &

337
© Universidade Aberta
Soares, 1987, Fig. 4). Qual o significado de tais peças? Cremos que se podem
considerar como porções extraídas de machados-lingote, destinadas a ulterior
transformação, que não se chegou a consumar. Com efeito, mesmo que o
objectivo fosse o reavivamento dos gumes, embotados pelo uso, então tal
desiderato seria facilmente atingido por nova martelagem (sabendo que tal
operação conduz, por acrécimo, a um endurecimento do metal), sem que
fosse necessário a eliminação do próprio gume.

Seja como for, nos povoados do Outeiro de São Mamede e do Outeiro


Redondo, tal como em Leceia, encontraram-se alguns pequenos lingotes,
produzidos provavelmente em povoados mineiros nas imediações dos locais
de extracção, e ulteriormente comerciados. A sua origem mais provável reside
nas mineralizações disseminadas do Alto Alentejo, segundo estudos
actualmente em curso, dado que na Estremadura a existência de cobre, sob a
forma de carbonatos (malaquite) é insignificante, não sendo suficiente para
justificar o volume das produções conhecidas.

O cobre poderá ser visto, deste modo, apenas como uma extensão da
Revolução dos Produtos Secundários (RPS), visando a melhoria da eficiência
de determinados instrumentos de produção ou de transformação, conducentes
à diversidade e especialização dos bens de consumo, designadamente
alimentares. Neste contexto, não cremos que deva ser demasiado valorizada
a sua presença como agente de mudança económica ou social.

Aliás, a importância do cobre, mesmo em regiões em que existe, como a


bacia do baixo Guadiana, não pode ser sobrevalorizada. Ali, foram os cursos
de água, e os solos com aptidão agrícola, mais do que os recursos mineiros,
que estruturaram o povoamento calcolítico (Soares, 1992, Figs. 1 e 2; Silva
& Soares, 1993).

A tardia generalização da metalurgia do cobre na Estremadura, no Calcolítico


Pleno, acompanha, simplesmente, outras novidades tecnológicas, típicas da
RPS, em pleno III milénio a. C., como a fiação – os elementos de tear são
menos frequentes na Camada 3 de Leceia, do Calcolítico Inicial – ou a
transformação de produtos lácteos: os cinchos utilizados na produção da
metalurgia encontram-se mesmo dela ausentes, como já anteriormente se referiu.
A este propósito, é interessante referir, com todas as reservas decorrentes de
métodos de escavação pouco rigorosos e de análise arqueográfica igualmente
grosseira, que A. do Paço (1964, p. 146) já tenha observado, acerca de Vila
Nova de S. Pedro, que "As condições económicas que sofreram alteração com
a vinda dos metalúrgicos do cobre, apresentam agora mais indícios de indústrias
de fiação e tecelagem, de fabrico de produtos lácteos... ".

Já na década de 1950 na sequência de V. Gordon Childe, se relacionou a


progressão dos construtores de tholoi – identificados com populações de

338
© Universidade Aberta
prospectores e de metalurgistas do cobre – com a difusão do uso deste metal,
da Andaluzia, até à Estremadura, passando pelo Alentejo (Ferreira & Viana,
1956; Viana et al., 1961). Na Estremadura, estes sepulcros são escassos, não
atingindo uma dezena; tal como os monumentos do mesmo tipo do Algarve
e os do Sudeste espanhol, compõem-se de um corredor sob tumulus,
antecedido ou não por átrio a céu aberto, que dá acesso a uma câmara em
geral de planta circular, com cobertura em falsa cúpula, cujo arranque, nalguns
casos, ainda foi possível observar, como na tholos da Tituaria, Mafra. O
monumento mais setentrional no território português deste tipo não ultrapassa
o paralelo de Paimogo, Lourinhã, denunciando nítida filiação meridional,
embora seja aceitável admitir ainda como tal, o destruído megálito de
Cabecinha Grande, Figueira da Foz, escavado por António dos Santos Rocha,
a que já anteriormente se fez referência.

As recentes datações de povoados calcolíticos do Grupo do Sudoeste parecem


confirmar a progressão da metalurgia do cobre, de sul para norte, ao darem
como mais precoce o uso do cobre no Algarve e Baixo Alentejo do que na
Estremadura (Soares & Cabral, 1993). Tal como na Estremadura, também
no Sudoeste, o uso do cobre "não é possível conectá-lo globalmente com as
fortificações ali conhecidas" (Jorge, 1994a, p. 476).

Os resultados resultantes das análises feitas sistematicamente pelo método


XRF (fluorescência de Raios X) em todos os cerca de 130 artefactos até ao
presente recolhidos em Leceia efectuados – um dos maiores conjuntos
metálicos peninsulares pré-históricos de características cronológico-culturais
homogéneas e provenientes de uma única estação – bem como as cerca de
45 peças submetidas a análise por FNAA (análise de activação com neutrões
rápidos acelerados em ciclotrão) – permitiram as seguintes conclusões gerais
(Cardoso & Guerra, 1997):

- a matéria-prima original é, invariavelmente, o cobre nativo; as análises


revelaram, de facto, cobres quase puros, compatíveis com as
características de tais minérios;

- o arsénio varia entre 0,5 e cerca de 5% (análises por FNAA). A conti-


nuidade da distribuição deste elemento evidencia o carácter aleatório
da sua presença, subordinada à composição dos minérios utilizados e
não em consequência de uma sua qualquer adição intencional; esta
conclusão confirma, inteiramente, opinião anteriormente expressa a
tal respeito (Ferreira, 1961, 1970);

- o enriquecimento superficial secundário de arsénio, bem como de ferro,


pode ser evidenciado comparando os resultados de FNAA, respeitantes
ao interior não alterado das peças e de XRF, respeitantes à sua
superfície.

339
© Universidade Aberta
A demonstração de que o cobre nativo constituía a fonte principal de
matéria-prima, aliás em consonância com o já sabido a respeito de metalurgia
calcolítica, reforça a hipótese de a sua mineração se efectuar em especial na
região alto-alentejana, onde ocorrem filões de quartzo com mineralizações
de cobre nativo, mais do que na faixa piritosa baixo-alentejana. Neste contexto,
afigura-se importante a ocorrência de diversos lingotes de cobre em povoados
da Estremadura, como os anteriormente referidos. As duas únicas ocorrências
de lingotes registadas no Sudoeste – Santa Justa (Gonçalves, 1989, Est. 228,
n.º 7) e Porto Mourão (Soares et al., 1994) podem sem dificuldade
relacionar-se com jazigos cupríferos existentes nas proximidades de aqueles
dois povoados calcolíticos. O seu achado vem ilustrar o comércio do cobre,
sob a forma de lingotes, desde a área de exploração, onde seriam produzidos,
até aos povoados, onde seriam transformados em diversos artefactos,
recorrendo especialmente à técnica da martelagem.

Também a ocorrência de rochas anfibolíticas nos povoados calcolíticos da


Estremadura, região onde se desconhece tal tipo petrográfico, ilustra, até
mais expressivamente que o cobre, o comércio transregional de
matérias-primas estratégicas. Já anteriormente se assinalou a presença de
tais rochas no Neolítico Final da estremadura, as quais constituíam já a maioria
das utilizadas para a confecção de artefactos de pedra polida (machados,
enxós, goivas, sachos, escopros, etc.) No decurso do Calcolítico, evidenciou-
se em Leceia o acréscimo percentual da presença deste grupo petrográfico,
atingindo, no Calcolítico Pleno, valores superiores a 80% de todas as rochas
utilizadas (Cardoso, 2004). Nalguns casos, reconheceram-se autênticos
lingotes líticos – alguns exemplares recolhidos em Leceia com escassa ou
nula transformação atestam-nos – oriundos provavelmente da região de
Montemor-o-Novo, Avis, Abrantes, região mais próxima onde este tipo
petrográfico ocorre em diversos locais, pressupondo a existência de rotas
comerciais e de circulação de produtos estáveis, permanentes e duradouras,
incluindo o cobre, já referido. Apenas ínfima parte das rochas duras são de
origem regional, incluindo tipos petrográficos muito variados (rochas ígneas,
metamórficas e sedimentares) todas elas disponíveis na região de Sintra –
Mafra – Loures.

No Castro de Santiago, Fornos de Algodres, situado na bacia do Alto


Mondego, documentou-se, igualmente, a presença de "blocos de anfibolito
talhados e preparados" (Valera, 1994, p. 157), para o fabrico de machados e
de enxós, por certo resultantes da exploração de minas da região.

Foi, pois, a existência de um sobreproduto económico, resultante da


acumulação de excedentes de produção agrícola, que possibilitou a estas
comunidades calcolíticas da Baixa Estremadura o estabelecimento e
manutenção de permutas de carácter transregional, conducentes ao
aprovisionamento de matérias-primas estratégicas – no caso, rochas

340
© Universidade Aberta
anfibolíticas – de cuja existência dependia a satisfação de actividades vitais
para a sobrevivência da comunidade. Trata-se de exemplo dos mais
interessantes, pelas distâncias envolvidas, de abastecimento especializado
de matéria-prima no âmbito da Pré-história peninsular e, mesmo europeia.
Em contrapartida, a Estremadura é rica em sílex, que ocorre sob a forma de
nódulos ou de leitos inter-estratificados nos calcários mesosóicos, que
constituem uma das suas unidades morfo-estruturais mais importantes,
matéria-prima escassa no Alentejo, como nas Beiras. Deste modo, reuniam-se
as condições para suportar as permutas de sílex por anfibolitos, que
constituíram, como se disse, uma das realidades económicas mais marcantes
da segunda metade do IV milénio a. C., até finais do milénio seguinte. Um
dos exemplos mais notáveis da exploração pré-histórica do sílex foi
casualmente encontrado, quando se abriu o túnel ferroviário do Rossio, em
Lisboa, tendo então sido intersectada, do lado de Campolide, diversas galerias,
ainda com numerosos percutores de basalto utililizados na exploração
(Choffat, 1889).

Estas trocas comerciais de matérias-primas de origem geológica, permitiram,


por outro lado, a difusão a longa distância de certos produtos ou objectos
ditos de "prestígio". Destaque para as contas de minerais verdes, sobretudo
pertencentes ao grupo da variscite, mineral quase desconhecido no território
português, sobretudo em massas susceptíveis de obtenção de contas
volumosas como algumas que aqui ocorrem pelo menos desde o Neolítico
Final, como anteriormente se disse. Outro exemplo é o marfim, matéria-prima
também já atrás referida, utilizada para a confecção de peças de adorno ou
de prestígio, cuja origem norte-africana é a mais provável, pondo de parte a
possibilidade, contrariada pelo próprio aspecto das peças, de corresponderem
à utilização de marfim fóssil, de elefantes quaternários.

Tais produtos evidenciam, assim, a pujança económica destas comunidades,


francamente abertas ao estabelecimento de permutas a média e longa distância,
favorecidas pela localização geográfica dos principais povoados, dominando
as principais vias de circulação ou penetração no interior do território. "Em
variedade de matérias-primas intercambiadas, a Estremadura ocupa o primeiro
lugar" (Jorge, 1994, p. 475), no Calcolítico, comparativamente às restantes
áreas estudadas por aquela autora.

Mesmo matérias primas abundantes na Baixa Estremadura, proviriam, um tanto


paradoxalmente, embora em pequena quantidade, do Alentejo. Assim se explica a
ocorrência de pontas de seta de xistos jaspóides ou siliciosos, que talvez viessem
por acréscimo no comércio dos anfibolitos. Inversamente, em povoados alentejanos,
têm ocorrido, esporadicamente, peças cerâmicas de origem estremenha: é o caso

341
© Universidade Aberta
de fragmentos decorados em "folha de acácia" e "crucífera", recolhidos no Monte
da Tumba (Silva & Soares, 1987, Fig. 25, n.os 10 e 11), do Calcolítico Pleno
estremenho. No Monte da Tumba também se recolheram alguns fragmentos com
decoração canelada afins dos "copos" e contemporâneos destes ( 1.ª fase de ocupação
daquele povoado, cf. Silva & Soares, 1987, Fig. 25, n.º 5).

Tais trocas comerciais constituiriam o suporte material para a difusão de


influências ao nível da superestrutura mágico-religiosa, com origem no
interior do território alentejano, fenómeno que ascende ao Neolítico Final:
assim se explica a ocorrência, por vezes abundante e constante, em numerosas
estações funerárias do Neolítico Final da Estremadura, de placas de xisto e
de outros objectos de índole ideotécnica, como os célebres "báculos" de xisto,
cuja origem alentejana é inquestionável, cuja presença (em particular das
placas de xisto) persiste nos mais importantes povoados calcolíticos
estremenhos: Vila Nova de São Pedro, Zambujal, Leceia, são disso exemplo,
para além de outros, de menor expressão, como o Pedrão (Soares & Silva,
1975). Não há dúvida que a produção de placas de xisto teve o seu centro
mais importante no Alentejo Central (região de Évora – Reguengos), sendo
fabricadas em áreas domésticas especializadas, como o povoado do Neolítico
Final de Águas Frias, da segunda metade do IV milénio a. C. Ali, foram
documentadas todas as fases de produção, excepto peças acabadas (Calado,
2005). A descoberta de uma oficina calcolítica de preparação de placas de
xisto no cabeço do Pé-da-Erra, Coruche (Gonçalves, 1983/84), veio
demonstrar que tais peças continuariam a ser fabricadas, como aliás facilmente
se concluiria da sua presença, por vezes maciça, em monumentos calcolíticos,
como a tholos do Escoural (Montemor-o-Novo). Se se encontra demonstrada
a influência mútua, de carácter transregional, entre as áreas culturais
calcolíticas do Alentejo e da Estremadura, entrevê-se igualmente tal fenómeno
entre áreas geográficas muito mais longínquas. Referimo-nos à omnipresente
divindade feminina calcolítica, de evidentes raízes mediterrâneas, sem que,
contudo, seja lícito invocar, através da sua presença na Baixa Estremadura, a
chegada de populações exógenas, dali oriundas. Em um mundo marcado por
profundas transformações sociais, em parte decorrentes da sua extrema
abertura ao exterior, a difusão de práticas e de conceitos, por osmose, entre
comunidades vizinhas detentoras de graus de desenvolvimento sócio-cultural
idênticos, seria naturalmente possível. Estão neste caso as insólitas peças de
calcário marmóreo, de carácter votivo, rocha cuja utilização não tem
antecedentes locais, apesar de ser muito comum na Estremadura, a qual,
pela mesma época, era também a preferida para a confecção de peças
homólogas, de cunho ideotécnico, no Mediterrâneo oriental.

No entanto, sob este aspecto, o exemplo que se afigura mais notável


corresponde a pequena estatueta de osso ou de marfim, representando a deusa
com os braços cruzados sobre o peito, recolhida em Vila Nova de São Pedro

342
© Universidade Aberta
e recentemente valorizada como merecia (Gomes, 2005). Tal como outros
artefactos ali recolhidos (anteriormente fez-se menção de um alfinete com
extremidade em forma de falcão), é notória a filiação desta peça em protótipos
do Mediterrâneo Oriental (Egipto, Próximo Oriente), configurando a
existência óbvia de influências, dali oriundas, cujas modalidades de
transmissão se desconhecem por ora.

Naturalmente, a par de exemplares como os referidos, existem outros cuja


distribuição geográfica se confina à Estremadura: é o caso das célebres
"pinhas", comuns em diversas sepulturas colectivas, bem como das lúnulas,
em contorno recortado ou em baixo-relevo em suportes diversos, como
cilindros (ex.: exemplar da gruta artificial de Folha das Barradas, Sintra). É
evidente o cunho funerário de ambas as produções, relacionadas com a crença
no renascimento, expresso, no caso das lúnulas, através do culto regional ao
referido astro, na região da serra de Sintra, como sugere a distribuição
geográfica dos respectivos exemplares. Aliás, naquela montanha, o referido
culto terá perdurado até época romana, como sugere a existência de um
santuário dedicado ao Sol e à Lua junto à foz da ribeira de Colares, referido
no século XVI por Francisco d’Holanda.

As lúnulas estão representadas, fora da área estremenha no Alto Alentejo, no


Cromeleque da Portela de Mogos (Évora), constituindo ornamentos das
personagens antropomórficas nelas gravadas. Contudo, persistem dúvidas
quanto à cronologia destas gravações, que, no presente Manual, se admitiram
serem calcolíticas.

De um modo geral estas peças de cariz inequivocamente funerário, expressam


a ideia da vida renascida, a qual se encontra associada a uma outra concepção,
essencial nas religiões primitivas, a da fecundidade e maternidade, simbo-
lizada, por exemplo, em pequeno cilindro (a simplicidade máxima do
antropomorfismo), recolhido em Leceia, com a gravação do triângulo púbico
feminino, que não deixa dúvidas quanto à repesentação da omnipresente
"deusa-mãe" calcolítica, comum a toda a bacia do Mediterrâneo, sob diversas
variantes de representação.

Enfim, existem peças cuja relação ao seus possuidores é evidente, como é o


caso de um par votivo de sandálias de calcário, recolhido na necrópole de
grutas artificiais de Alapraia, Cascais, cujo único paralelo conhecido
corresponde ao exemplar da sepultura de Almizaraque, Almería (Almagro-
-Basch, 1959).

Sendo certo que tais peças representam algo de verdadeiramente novo, sem
antecedentes locais, é igualmente verdade que a demonstração da existência
de objectos indiscutivelmente importados, que de alguma forma poderiam
suportar a presença directa de elementos populacionais exógenos, não foi

343
© Universidade Aberta
ainda efectuada (Silva, 1990). De qualquer modo, valorizar excessivamente
este argumento, seria perigoso: por um lado, a simples presença de um único
artefacto nestas condições deitaria por terra o argumento da ausência; por
outro lado, mesmo que tal viesse a verificar-se, não provaria por si só a
presença directa de elementos alóctones entre a população, visto poder ter
aqui chegado através de uma longa cadeia de trocas, protagonizadas por outros
tantos intermediários. É assim que poderá ser interpretada, a confirmar-se, a
recente descoberta de cerâmicas anatólicas (do Bronze antigo II, ca.
2600-2200 a. C.) na Andaluzia, em "un contexto característico del Cobre del
Sudeste tipo Millares-El Malagón, asociado a cerámica campaniforme"
(González- Prats et al., 1995).

Face ao exposto, é inequívoca a existência de estímulos mediterrâneos, mesmo


que indirectos, ao nível de diversas manifestações, presentes no decurso do
Calcolítico na Estremadura.

Enfim, não são dispiciendos, nalguns casos, os aspectos formais na discussão


desta questão; peças únicas, como o "ídolo-peso" da gruta do Correio-Mor
(Cardoso et al.., 1995), a conta amuleto de pedra verde da tholos da Tituaria
(Cardoso et al., 1987), a que se pode juntar um ídolo antropomórfico recolhido
na tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim), revelam relações culturais com
a Andaluzia Oriental (ídolos de El Garcel), não querendo reconhecer
influências ainda mais longínquas, da região litoral da península anatólica (a
semelhança com os ídolos-violino encontrados em níveis coevos da cidade
de Tróia, são disso exemplo); porém, a hipótese de se tratar de uma simples
convergência é, também, possível, a ilustrar o sempre escorregadio campo
dos paralelos estritamente formais ...

Difusão de ideias e conceitos, veiculadas ou favorecidas por contactos cujos


contornos são, por enquanto, ainda muito mal conhecidos, eis o modelo que,
de momento, julgamos possível e aceitável, para a explicação destes artefactos,
de marcado exotismo e origem mediterrânea, do Calcolítico da Estremadura,
face à situação verificável no final do Neolítico, na mesma região. Tais
artefactos acompanham o desenvolvimento de soluções arquitectónicas, tando
de índole habitacional – os dispositivos defensivos – como funerária, com
destaque para as já mencionadas sepulturas em falsa cúpula, ou tholoi, como
a de Tituaria, Mafra (Cardoso et al., 1996) ou a de Pai Mogo, Lourinhã
(Gallay et al., 1973), de evidente cunho mediterrâneo, cujos paralelos das
províncias de Granada e de Almería são óbvios.

Ambiente geral de carácter mediterrânico, prevalecente durante todo o


Calcolítico da Estremadura – reforçado pela sua posição geográfica – teriam
propiciado, em diversas regiões, evoluções internas idênticas e fenómenos
de convergência, que não são incompatíveis com difusão de princípios e de
conceitos, evidências irrecusáveis em toda a bacia mediterrânea durante o

344
© Universidade Aberta
terceiro milénio. Aliás, a valorização de componente económico-comercial
na difusão da tradição arquitectónica, da metalurgia e dos objectos de
prestígio, foi anteriormente sublinhada por Parreira (1990, p. 29). Prova de
que muitas vezes eram os próprios objectos que "viajavam", tanto ou mais
do quem os produzia, é o de placa de xisto já atrás referida, encontrada
acidentalmente em Chelas, às portas de Lisboa, talvez já calcolítica, tendo
presente a representação facial que ostenta, formalmente idêntica a outra,
encontrada em megálito da província de Huelva (Zbyszewski, 1957), a tal
ponto que os caracteres particulares que as caracterizam só podem explicar-
se por serem produto da mesma oficina, senão da mesma mão.

12.4 Calcolítico do Sudoeste

O tipo de povoamento aberto, em zonas planas ou no alto de pequenos relevos


pontuando a paisagem alto-alentejana, característico do Neolítico Final ou
de uma fase de transição para o Calcolítico Inicial, que a investigação
arqueológica conduzida nos últimos trinta anos tão bem evidenciou, era, até
então, quase desconhecido. No entanto, desde o estudo pioneiro de Vergílio
Correia (1921) se sabia da existência de povoados pré-históricos no Alto
Alentejo (no caso, da região de Pavia). Aos sítios entretanto mencionados,
tanto da região de Castelo de Vide, como da área de Évora (caso do Castelo
de Giraldo, por A. do Paço e colaboradores, no decurso da década de 1960),
juntaram-se outros, na década seguinte. J. M. Arnaud, num estudo pioneiro,
debruçou-se sobre dois povoados implantados no alto de colinas dominantes,
no concelho de Vila Viçosa – Famão e Aboboreira – os quais, pelo espólio,
evocam essa etapa de transição (Arnaud, 1971), embora a tipologia dos
recipientes cerâmicos, onde faltam as formas carenadas e abundam as taças
baixas de bordo espessado interiormente (dito "almendrado"), indique já época
calcolítica. Este estudo tem, ainda, a vantagem de inventariar as ocorrências
de carácter doméstico até então conhecidas, publicadas no Alto Alentejo, as
quais, por terem resultado de escavações antigas, sem registo estratigráfico
cuidado e ainda pelos respectivos materiais se manterem, no essencial,
inéditos, poucas informações de pormenor poderão fornecer. Com efeito, o
conhecimento sobre os locais habitados no decurso do Calcolítico, tanto no
Alto como no Baixo Alentejo e no Algarve, contrastava significativamente
com o que já então era conhecido da vizinha Estremadura; contrastava,
sobretudo, com a rica informação obtida dos estudo sistemático dos
monumentos megalíticos e das sepulturas de falsa cúpula, já então
amplamente conhecidas na própria região, em resultado de investigações
que descuraram, ao longo de décadas, a componente doméstica, a menos
visível de presença humana na região.

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Este panorama só viria a ser decisivamente modificado com o estudo de
C. Tavares da Silva e de J. Soares (Silva & Soares, 1976/1977), no qual se
inventariam cinco sítios de caracter habitacional, no Baixo Alentejo e no
Algarve, dando corpo, pelos resultados das análises tipológicas sobre os mate-
riais exumados em cada um deles, à designação de "Calcolítico do Sudoeste",
a qual viria assim a adquirir significado arqueológico equiparável à expressão
"Calcolítico da Extremadura", já então utilizada. Dos cinco sítios então
publicados, os autores situaram dois na transição do Neolítico Final para o
Calcolítico: trata-se dos povoados de Cabeço da Mina (Torrão do Alentejo) e
de Vale Pincel II (Sines); a sua implantação é distinta: assim, enquanto o
primeiro se localiza num alto dominante, o segundo desenvolve-se
extensamente numa zona de encosta, sobranceira ao litoral. Os povoados
calcolíticos que identificaram são os de Monte Novo (Sines), Cortadouro
(Ourique) e Alcalar (Portimão). Todos eles se situam em superfícies
topograficamente destacadas e, nalguns casos, fortificadas (Cortadouro e
Alcalar).

Os autores resumem o estudo tipológico que fizeram do espólio cerâmico a dois


grandes gupos, com significado crono-cultural próprio. Assim, o grupo mais antigo,
presente em Cabeço da Mina e em Vale Pincel II, encontra-se representado por
taças carenadas, taças de bordo espessado internamente, esféricos com mamilos
de preensão alongados e elementos de tear sub-rectangulares com um furo em
cada topo. Pelas características desta associação cerâmica, será mais adequada a
sua inclusão, actualmente, no Neolítico Final, designadamente pela presença de
recipientes carenados, os quais, como anteriormente se referiu, caracterizam aquela
etapa cultural, tanto no Alto Alentejo como na Estremadura.
O grupo mais recente, caracteriza-se pela ausência de recipientes carenados, estando
igualmente ausentes os elementos de tear sub-rectangulares com um furo em cada
vértice; de igual modo, os esféricos com mamilos alongados são residuais; ao
contrário, a taça de bordo espessado interiormente mantém presença significativa,
ocorrendo, como elemento característico, o prato de bordo almendrado (corresponde
a lábio convexo, evocando a secção de uma amêndoa, ultrapassando a parede do
recipiente tanto para o lado interno como para o lado externo); ao nível da chamada
"cerâmica industrial", surgem pela primeira vez os "crescentes" em barro,
correspondentes a rolos de secção sub-circular, arqueados, com o formato de
chouriços, e um furo em cada extremidade, que substituem as placas sub-
rectangulares, como elementos de tear. No entanto, no povoado de Porto das
Carretas, sobre a margem esquerda do Guadiana (concelho de Mourão),
recentemente escavado (escavações de C. Tavares da Silva e de J. Soares),
identificaram-se dois núcleos, aparentemente coevos, onde se concentravam
respectivamente, "crescentes" e placas de barro perfuradas, sugerindo além de
contemporaneidade, funções distintas, embora em ambos os casos ligadas à
tecelagem.

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Nos povoados de Alcalar (Portimão) e de Cortadouro (Ourique), ambos
fortificados, ocorrem vestígios de metalurgia, situando-os inequivocamente
no Calcolítico. Trata-se, como se irá ver adiante, dos povoados
correspondentes aos construtores das tholoi do sul de Portugal.

12.4.1 Alto Alentejo

Os povoados calcolíticos alto-alentejanos que até ao presente foram objecto


de escavações, com adequado registo estratigráfico e das estruturas exumadas,
são escassos. Só a eles se recorrerá, na tentativa de se traçarem as principais
características do povoamento, evitando-se referências anteriores, nas quais
a cronologia dos correspondentes estabelecimentos humanos não se afiguram
claras.

Um dos problemas identificados (Gonçalves, 2002, p. 92), diz respeito ao


processo de transição do Neolítico Final para o Calcolítico, problemática
também extensiva à Estremadura. No povoado calcolítico do Escoural,
sobreposto em parte ao já antes referido santuário exterior ali identificado,
atribuível ao Neolítico Final, os argumentos dos que entrevêm ali a
possibilidade de uma transição conflituosa entre ambos os grupos, cultural e
socialmente distintos, devem ser considerados.

Com efeito, "a destruição deliberada e a ocupação ostensiva do santuário


rupestre do Escoural por um povoado fortificado calcolítico regista o choque
de duas concepções sócio-económicas e religiosas diferentes, apesar de
contemporâneas" (Gomes, Gomes & Santos, 1994, p. 99). Mas esta ideia,
invocada pelos autores mencionados, não é passível de demonstração: se é
eventualmente certo que alguns blocos insculturados foram partidos e os
seus produtos utilizados na construção das muralhas do povoado, tal
poder-se-á dever, simplesmente à necessidade prática de obter material de
construção: transpondo a realidade aludida para outro espaço e tempo,
ninguém poderá aceitar a razão aludida pelos autores para explicar a
ocorrência, nos panos dos castelos de Leiria ou de Lisboa, entre muitos outros
exemplos que se poderiam referir, de fragmentos de peças romanas ou mais
tardias (aras, lintéis, fragmentos de estátuas, etc.), ali utilizadas, tão-somente,
como simples materiais de construção. A pretensamente ostensiva
sobreposição das muralhas calcolíticas do povoado do Escoural dever-se-ia,
simplesmente ao simples facto de ser aquele um alto favorável à sua
implantação, perdida a simbologia e a carga ritual do santuário do Neolítico
Final, entretanto abandonado. Trata-se, aliás, de processo frequente, no âmbito
do abandono e da subsequente reocupação de sítios arqueológicos, como se
verificou, entre outros, no povoado pré-histórico de Leceia.

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© Universidade Aberta
Uma data de radiocarbono, obtida sobre restos ósseos, oriundos de nível que
recobria directamente uma das rochas insculturadas, corresponde ao intervalo
calibrado, para cerca de 95 % de confiança, de 3094-2611 a. C., resultado
que é compatível com outras datas relacionadas com a construção e utilização
do espaço doméstico intramuros, adentro da primeira metade do III milénio
a. C. Aquele é delimitado, na parte explorada, por uma muralha, que cercaria
o topo do cabeço e por um bastião, de planta semi-circular, a ela adossada.
Ali se detectaram duas estruturas de combustão, de forma subcircular,
relacionadas com a metalurgia do cobre. Como elementos da cultura material,
avultam os característicos pratos de bordo "almendrado", os quais persistem,
embora em menor número, na camada superior.

A existência deste povoado fortificado no Alto Alentejo Central foi sucedida


da identificação de outros, na parte oriental daquela região, no concelho de
Reguengos de Monsaraz. É o caso do Monte Novo dos Albardeiros,
implantado em ligeira elevação do terreno, que, não obstante, domina a
planície, nas proximidades do qual existiu um outro povoado, o de Marco
dos Albardeiros, situado numa elevação mais pronunciada, a pouco mais de
1 km a SSW e considerado também do Calcolítico (Gonçalves, 1988/1989).
As escavações realizadas no Monte Novo dos Albardeiros permitiram a
identificação de um sistema defensivo, ainda que muito destruído por
violações ocorridas pouco antes, do qual subsistiu um bastião, usado
secundariamente como habitação, à qual se acedia através de uma passagem
ainda bem conservada. A este dispositivo sucedeu-se um outro (Estrutura 1),
provavelmente uma casa, de planta circular, reutilizada como sepultura. A
nível do espólio exumado, faltam totalmente as taças carenadas, como seria
de esperar num contexto calcolítico; em contrapartida, existem artefactos de
cobre, em ambas as estruturas escavadas, bem como cerâmicas simbólicas,
claramente calcolíticas. As datas de radiocarbono obtidas para ambas as
estruturas, confirmam as indicações estratigráficas obtidas: assim, o
dispositivo defensivo foi construído e utilizado entre cerca de 2865-2491 a. C.
ou 2886-2460 a. C., resultados perfeitamente compatíveis com os obtidos
em outros povoados do Calcolítico do Sudoeste, enquanto que a estrutura
mais recente teria sido frequentada na segunda metade do mesmo milénio.

Outro povoado calcolítico da região de Reguengos de Monsaraz é o da Torre


do Esporão 3, implantado numa área plana. Ao contrário dos anteriores, não
se identificaram construções pétreas, edificadas em altura; em contrapartida,
abundam estruturas negativas, correspondentes a fossos, buracos de poste
ou depressões (fossas) circulares (Gonçalves, 1990/1991). A presença, em
percentagem elevada, de taças carenadas (20%), permite supor que a ocupação
do sítio se efectuou durante o Neolítico Final, na ausência de datas de
radiocarbono conhecidas; no entanto, as datas obtidas no povoado da Sala 1
(Vidigueira), com abundantes taças carenadas, indicam que foi ocupado no

348
© Universidade Aberta
decurso primeira metade do III milénio a. C. (4140 ±110 anos BP, a que
corresponde o intervalo calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade, de
2920-2460 cal. a. C.), intervalo que é compatível com o Neolítico Final ou o
início do Calcolítico da Estremadura (Leceia), o qual, como atrás se referiu,
é também caracterizado pela mesma forma cerâmica; a ser assim, a ocorrência
desta forma típica do Neolítico Final estremenho poderia ter sobrevivido até
ao início do Calcolítico no Alto Alentejo. Aliás, o sítio viria ulteriormente a
ser considerado do Neolítico Final e do Calcolítico, "notável pela grande
presença de taças carenadas, mas também de pratos de bordo espessado"
(Gonçalves, 1992, p. 397). Faltou, no entanto, a ser assim, a destrinça
estratigráfica entre as referidas ocupações, na área eventualidade de ela existir
de facto.

No Alto Alentejo, a existência de povoados calcolíticos com fossos foi


evidenciada pela primeira vez, pela escavação de Ana Dias no povoado do
Cabeço do Cubo, Santa Vitória (Campo Maior), o qual, infelizmente, nunca
foi publicado como merecia. Outro povoado delimitado com sucessivos fossos
e taludes concêntricos, integrando também muralhas de pedra em alguns
sectores, ainda não escavado, mas cujas estruturas foram espectacularmente
evidenciadas através da teledetecção (magnetograma em forma de "plot" com
treze escalões de cinzento) é o de Monte da Ponte, Évora (Kalb & Höck,
1997), implantado em cabeço isolado.

Outros sítios com fossos foram dados recentemente dados a conhecer, como
o Cabeço do Torrão, Elvas, correspondente a um recinto cercado por fosso,
implantado no topo do cabeço, no qual se identificaram diversas fossas de
planta circular escavadas no substrato. Nos contextos associados a essas
estruturas, recolheu-se uma grande quantidade de fragmentos de cerâmica
de construção – prova do carácter habitacional dos locais – abundantes
fragmentos cerâmicos, de que se destacam as formas esféricas, por vezes
mamiladas, as taças de bordo espessado, as taças carenadas, os elementos de
tear sub-rectangulares e os elementos de mós manuais (Lago & Albergaria,
2001). Estes elementos fazem admitir uma presença neolítica no local. O
sítio, aliás, integra-se num espaço complexo, com ocupações de diversas
épocas (menires formando recinto megalítico, rochas gravadas, sepultura
proto-megalítica, etc.).

Mas o mais notável exemplo, até pela extensão, que ultrapassa os 16 hectares,
de um recinto delimitado por fossos até ao presente encontrado em Portugal,
situa-se no concelho de Reguengos de Monsaraz; trata-se do povoado dos
Perdigões, no qual se realizaram extensas escavações em 1997 (Lago et al.,
1998), defendido por várias linhas de fossos escavados, lombas, muralhas
ou paliçadas, desde cedo evidenciadas por observação aérea.

349
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A presença humana neste sítio poderá remontar ao Neolítico Final, entre a segunda
metade do IV milénio a. C. e os inícios do milénio seguinte, conforme sugere a
presença de taças carenadas, que atingem 4 % na UE 26 e um valor dois ou três
pontos superiores nas colheitas de superfície. Mas a importância máxima deste
povoado – bem demonstrada pela profundidade do fosso periférico, que atinge
cerca de 8 metros – foi atingida no decurso do Calcolítico, durante o qual se
construiram dispositivos defensivos, que serviriam também a outras finalidades,
demarcando um espaço comum, partilhado pela comunidade, incluindo as de
carácter doméstico, relacionadas com o armazenamento de produtos agrícolas e a
recolha dos rebanhos. Com efeito, a implantação deste vasto povoado fez-se numa
zona de encosta, sem atingir as cotas mais elevadas, sendo por isso escassa a sua
visibilidade. Foram, portanto, outras, as causas que a determinaram. Os autores
referidos, salientam as seguintes: abundância de água; proximidade de terrenos de
boa aptidão agrícola; e subsolo facilmente escavável, propício à abertura dos fossos
de protecção identificados, os quais, por seu turno, serviriam á drenagem das terras.
Com efeito, a importância da economia agro-pastoril desta comunidade
sedentarizada, encontra-se demonstrada não só pela abundância dos artefactos
relacionados com a produção agrícola, mas também pela frequência das espécies
domésticas, representadas pelos respectivos restos ósseos. Trata-se, pois, de um
grande povoado de camponeses, que também dominavam as práticas metalúrgicas,
representadas por diversos artefactos, incluindo lingotes e testemunhos de fundição
do cobre.
O espaço habitado articulava-se com o espaço sagrado, representado por um
conjunto de menires situado a escassas dezenas de metros do recinto exterior, dos
quais pelo menos um foi considerado como Calcolítico (Gomes, 1994), o que
significa que ainda se encontraria funcional à data da presença humana no povoado;
idêntica relação foi observada no já mencionado sítio de Cabeço do Torrão, Elvas.
Prova do estreito contacto existente entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos,
é a presença, dentro do recinto, de uma sepultura de falsa cúpula, do tipo tholos,
situada do lado oriental do povoado. Esta realidade não é inédita: para além do
caso de Alcalar, em Portimão, adiante referido, conhecem-se grandes povoados
calcolíticos do sul peninsular, como La Pijotilla, Badajoz, Valencina de la
Concepción, Sevilha e o de Los Millares, Almería, relacionados directamente com
sepulcros colectivos do mesmo tipo. Esta sepultura não será única; com a
continuação dos trabalhos, é provável que outras, do mesmo tipo, invisiveis à
superfície, venham a encontrar-se.

A grande extensão do povoado dos Perdigões, em estreita articulação com


mancha pedológica de grande aptidão agrícola cujo sistema defensivo se
identificou claramente em fotografia aérea, tem equivalente no Baixo Alentejo,
como se verá, entre outros, no enorme povoado de Porto Torrão, Ferreira do
Alentejo.

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12.4.2 Baixo Alentejo

O povoado de Porto Torrão também foi defendido por um sistema de fossos


e aterros, como o de Perdigões; implanta-se numa zona de alta fertilidade
agrícola, abrangendo uma área de cerca de 50 hectares (Arnaud, 1982), a
qual foi mais tarde aumentada para entre 75 e 100 hectares (Arnaud, 1993),
com contorno subcircular, cujo centro corresponde a pequena elevação
sobranceira à ribeira de Vale do Ouro. A área estimada corresponde ao mais
vasto povoado pré-histórico do território português, embora com paraleos
nos já citados povoados de Valencina de la Concepción (Huelva) e de La
Pijotilla (Badajoz). A riqueza das populações que o ocuparam no decurso do
Calcolítico, é atestada pela abundância dos materiais recolhidos à superfície,
onde não faltam objectos de carácter mágico-simbólico, como ídolos de
mármore, conotáveis com sepulturas existentes no espaço habitado, como
em Perdigões. A recolha de cerâmicas carenadas faz crer, tal como ali, que a
génese da ocupação daquele vasto espaço, atravessado por uma linha de água
temporária, remonte ao Neolítico Final. Com efeito, os materiais que
colmataram o Fosso 1, identificado em 2002, incluíam materiais
característicos do Neolítico Final (Fase 1), como taças carenas e recipientes
com pegas, e assim considerados (Valera & Filipe, 2004), enquanto que os
encontrados no enchimento do Fosso 2, eram exclusivamente calcolíticos
(Fase 2). Deste modo, a diacronia existente sugere momentos de construção
diferenciados para as duas estruturas defensivas, as quais se distanciam, na
área intervencionada, cerca de 8 m, exibindo idêntica orientação.

O tamanho destas duas estruturas defensivas, na área em que foram


identificadas era também diferente: asim, enquanto o Fosso 1possuía secção
tronco-cónica, com a largura de 3,50 m no topo e de 2,50 m no fundo e uma
profundidade de 3,0 m, o Fosso 2, com uma secção em U aberto, possuía a
largura de 5,90 m e a profundidade máxima de 3,40 m.

Na área entre os dois fossos identificaram-se duas fossas escavadas no


substrato geológico ("caliço"), pertencentes à Fase 2, integrável no Calcolítico
pré-campaniforme.

A Fase 3, correspondente à ocupação campaniforme, será oportunamente


caracterizada. As duas datas de radiocarbono publicadas para a camada
pré-campaniforme (Arnaud, 1993) indicam que a correspondente ocupação
se efectuou no decurso da primeira metade do III milénio a. C.
(3035-2650 a. C.) e que a ocupação campaniforme se desenrolou em época
estatisticamente sincrónica, ainda que concentrada na parte central da estação.
Com efeito, os milhares de habitantes que ocuparam o local, só podem
explicar-se pelos recursos produzidos através de uma economia agro-pastoril
evoluída. A abundância de restos faunísticos de ovino-caprinos, porco, boi e

351
© Universidade Aberta
veado, a que se soma também o cavalo, provavelmente ainda selvagem, ilustra
a existência de uma economia de produção rica e diversificada,
complementada pela caça e pela recolecção. Com efeito, apesar de este
povoado se encontrar a cerca de 65 Km em linha recta do litoral alentejano e
a 60 Km do estuário do Sado, foram aqueles domínios intensamente
explorados por gente do povoado ou por outras, que aqui acorreriam
regularmente para vender tais produtos, constituídos por abundantes restos
de moluscos marinhos (mexilhão, lapa, vieira) e estuarinos ou de águas
salobras (amêijoa, canivetes). Tal situação mostra uma área de influência ou
de captação de recursos muito alargada, aliás em consonância com a
notoriedade do aglomerado humano.

Foram, aliás, as boas características agrícolas dos solos da região de Baleizão,


Beja, que explicam a densidade do povoamento calcolítico identificado e
cartografado por A.M. Monge Soares na bacia do Guadiana, entre o Ardila e
a ribeira de Chança. É isso que sugere a implantação do povoado dos Três
Moinhos, já anteriormente referido, sobre um esporão dominando o Guadiana,
provavelmente muralhado e onde, não obstante os inúmeros vestígios de
metalurgia (incluindo cadinhos de fundição, um lingote de cobre e uma placa
de ouro), se escolheu um local próximo de solos muito férteis (Soares, 1992).
A ausência de elementos atribuíveis ao Neolítico Final do Sudoeste –
recipientes carenados e placas de barro perfuradas nas extremidades, utilizadas
como elementos de tear – sendo pelo contrário, comuns os pratos de bordo
"almendrado" e os elementos de tear de secção circular e arqueados, indica
que a ocupação do sítio se efectuou apenas no Calcolítico, onde se incluem
também materiais campaniformes.

Outro importante sítio do Baixo Alentejo é o povoado calcolítico fortificado


do Monte da Tumba, no concelho de Alcácer do Sal (Silva, Soares & Gomes,
1982). Implanta-se no topo de elevação, com boa visibilidade e condições
naturais de defesa e nas proximidades da ribeira do Xarrama, afluente do
Sado, dominando férteis campos agrícolas onde, por certo, se efectuaria uma
agricultura mista, hortícola e cerealífera. As escavações, que se desenvolveram
na primeira metade da década de 1980, puseram a descoberto um complexo
dispositivo defensivo, constituído por três linhas de muralhas, em parte
sobrepostas e adossadas, definindo um circuito de planta aproximadamente
elipsoidal, com cerca de 40 metros de eixo maior por 26 metros de eixo
menor (Silva & Soares, 1987). Estas muralhas revelam sucessivos acrescentos
e reforços e mesmo remodelações do seu traçado, tanto do lado interno como
externo, ao longo da vida do povoado. Alguns bastiões, de planta semicircular,
ocos ou maciços, conferem ao dispositivo defensivo o aspecto semelhante ao de
outros identificados no sul do país, com destaque para o do Cerro dos Castelos
de Santa Justa, Alcoutim, adiante mencionado. Trata-se de espaço de dimen-
sões modestas, quando comparado com os grandes recintos muralhados da

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© Universidade Aberta
Estremadura, anteriormente referidos, o qual poderia albergar, na melhor
das hipóteses, escassas dezenas de habitantes. No entanto, o evidente cuidado
dispensado à operacionalidade do sistema ao longo da sua vida útil, apesar
da má qualidade dos elementos de construção disponíveis (arenitos carbo-
natados ou argilosos), ilustra o clima de instabilidade e de conflitualidade
social que caracterizou todo o III milénio a. C. no sul de Portugal.

A estratigrafia e o respectivo espólio arqueológico permitiram identificar três fases


principais de ocupação. A Fase I, mais antiga, pertence ao Calcolítico Inicial.
Embora o espólio seja inquestionavelmente calcolítico (presença de pratos de bordo
"almendrado") perduram ainda alguns tipos de reminiscências neolíticas. As datas
de radiocarbono indicam que a fundação do povoado se efectivou na transição do
IV para o III milénio a. C. É no decurso desta fase cultural que se inicia a construção
do dispositivo defensivo (Fases A e B), o qual viria ulteriormente a ser acrescentado
e reforçado. Na Fase II, pertencente ao Calcolítico Pleno, desaparecem os artefactos
de influência neolítica, reforçando-se a presença dos caracteristicamente
calcolíticos. São edificadas a segunda e a terceira linhas defensivas (Fase C) e
diversas casas de planta circular, cuja parte superior e talvez mesmo a cobertura
era assegurada por sistema de adobes, formando falsa cúpula. A terceira e última
fase cultural (Fase III) corresponde à Fase D construtiva. Está representada por um
torreão de planta subcircular, maciço, situado na zona nuclear do dispositivo
defensivo, o qual teria um papel importante na observação do espaço adjacente.
A sua edificação parece provar, deste modo, a manutenção do clima de instabilidade
social até ao final do Calcolítico, nos começos da segunda metade do
III milénio a. C. Surgem então as cerâmicas campaniformes que corporizam a
última etapa cultural detectada no Monte da Tumba.

As recentes prospecções e escavações de emergência, realizadas no âmbito


da minimização de impactes ambientais (componente arqueológica) na área
do regolfo da barragem de Alqueva, proporcionaram um significativo
acréscimo da informação no respeitante ao povoamento calcolítico da região.
Um dos locais objecto de extensas escavações arqueológicas, foi o povoado
do Porto das Carretas, Mourão, implantado num esporão sobre o Guadiana.
Trata-se, como foi revelado pelas escavações, de um pequeno recinto
fortificado com cerca de 0,5 ha de área ocupada (Silva & Soares, 2002). No
decurso da fase mais antiga, foi construído um sistema defensivo em que se
identificaram três linhas de muralhas arqueadas; a uma delas foi adossado
um grande bastião semicircular. Todo o dispositivo defensivo foi destruído
em altura – talvez em consequência de um incêndio generalizado, denunciado
por abundantíssimos fragmentos de barro de revestimento cozido pela acção
do calor – ainda no Calcolítico. A Fase 2, correspondente à presença
campaniforme, é mais moderna, assentando nos depósitos da fase mais antiga.

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© Universidade Aberta
As unidades habitacionais da Fase 1 encontram-se, por tal motivo, muito
mal conservadas, correspondendo a cabanas de planta circular. A Fase 2 é
caracterizada pela construção de uma torre, na zona de cota mais elevada,
implantada sobre o núcleo central da fortificação da Fase 1, e de diversas
cabanas de planta circular, com aquela articuladas.

A Fase I, que é aquela que por ora mais importa destacar, revela uma economia
de base agro-pastoril; em particular, os recipientes cerâmicos, onde predo-
minam largamente as formas abertas, são correlacionáveis com dieta de base
cerealífera, à base de papas, consumidas nas grandes taças ou pratos, onde
também eram confeccionadas; encontram-se representadas todas as formas
características do Calcolítico do Sudoeste: prato de bordo espessado (muito
abundante); taça de bordo espessado (muito abundante); e taça em calote
(muito abundante); entre as formas raras, assinala-se a taça carenada, uma
evidente reminiscência do Neolítico Final, exclusiva da Fase I. Estão também
presentes, em ambas as fases, os elementos de tear arqueados e de secção
circular.

Entre as duas fases de ocupação referidas, identificou-se um período de


abandono (Camada 3); no entanto, em certas zonas, as estruturas da 2.ª Fase
assentam directamente sobre o embasamento das estruturas da 1.ª fase,
sugerindo a manutenção das estruturas mais antigas. Identificaram-se diversas
estruturas habitacionais; fazendo uso da análise da dispersão no terreno do
barro de revestimento, verificou-se que a maior concentração se observava
junto da primeira linha defensiva, decrescendo à medida que aumentava a
distância da muralha. Tal situação indica a existência de cabanas dispostas
ao longo daquela e, provavelmente, encostadas à própria estrutura.

A cronologia absoluta obtida para esta fase baseou-se em três datações de


radiocarbono, que deram os seguintes resultados (C. Tavares da Silva,
comunicação pessoal): 4130 ± 120 anos BP; 4110 ± 60 anos BP; e 4280 ±
70 anos BP, a que correspondem os intervalos calibrados para cerca de 95%
de confiança de, respectivamente, 2930-2400 a. C.; 2880-2480 a. C.; e
2920-2580 a. C. Trata-se, pois de uma ocupação calcolítica abarcando toda a
primeira metade do III milénio a. C.

A cronologia e características da Fase 2 (campaniforme) será adiante


discutida.

Cerca de 1 km para sul deste povoado fortificado, foi escavado outro sítio
habitacional, o povoado do Mercador, igualmente explorado no âmbito da
mega-operação arqueológica do Alqueva (Valera, 2001). Ao contrário do
anterior, neste sítio não se edificaram defesas pétreas e a implantação
encontra-se dissimulada na paisagem; os vestígios distribuiam-se por colina
alongada, pouco marcada, com encostas suaves e extensas, ladeada pela ribeira

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© Universidade Aberta
do Mercador, tributária do Guadiana, que corre a cerca de 1200 m a Noroeste
do local arqueológico. As escavações puseram a descoberto solos de ocupação
e numerosas estruturas negativas, correspondentes a fossas de planta circular
pouco fundas, preenchidas por materiais arqueológicos. No conjunto da área
escavada, identificaram-se duas fases de ocupação, ambas atribuíveis ao
Calcolítico, mas sem vestígios de cerâmicas campaniformes. Além das
estruturas negativas mencionadas, atribuiu-se, ao final da Fase 1, a construção
de grande estrutura circular com cerca de 14 m de diâmetro, a qual poderia
corresponder a uma torre, enquanto, noutro sector da escavação, se
identificaram duas cabanas circulares adjacentes, pertencentes à Fase 2. Uma
deposição funerária, realizada sobre os derrubes de uma das referidas cabanas,
deu o resultado, para cerca de 95% de probabilidade, de 2134-1936 a. C.,
data que corresponde a época em que o sítio já se encontrava abandonado.
Com efeito, os resultados cronométricos obtidos para a fase de ocupação
mais moderna, indicam uma época imediatamente antecedente: 2458-2032
a. C.; e 2399-1855 a. C, para o mesmo intervalo de confiança (A. C. Valera,
comunicação pessoal). Documentou-se a presença de peças de cobre (frag-
mento de machado) e restos de cadinhos de fundição do cobre, mas não a de
materiais campaniformes, ao contrário do observado no Porto das Carretas.
Por outro lado, a presença de abundantes restos faunísticos de animais
domésticos (boi, ovelha/cabra) e especialmente de porco, associados a conchas
fluviais e a restos de peixes, reforça o carácter sedentário do local. Neste
sentido, seria admissível relacioná-lo como o Porto das Carretas, até pela
curta distância que os separa. Segundo C. Tavares da Silva e J. Soares, a
admitir a contemporaneidade da ocupação de ambos, e tendo presente o
escasso espólio recolhido no Porto das Carretas, este poderia corresponder a
um sítio-refúgio da população que, normalmente, se sediava no Mercador,
sítio aberto, não fortificado e de maior importância. Mas, claro está, trata-se
de mera hipótese que, embora sugestiva (e os autores apresentam outras)
carece evidentemente de contraprova, impossível de obter pelos meios
científicos actualmente disponíveis.

O Monte do Tosco I, Mourão, não longe dos anteriores, é também um povoado


calcolítico cuja identificação e exploração arqueológica decorreu da
mega-operação do Alqueva. Implantado num cabeço alongado com encostas
de declive acentuado, excepto em um dos seus lados, a topografia do sítio
não o destaca de forma evidente da paisagem envolvente (Valera, 2000a). A
primeira fase de ocupação do sítio remonta ao Calcolítico Pleno do Sudoeste; a
ela se reportam vários pisos de ocupação e estruturas, com destaque para um
muralhado, que servia também como muro de suporte, criando uma
plataforma delimitadora do espaço ocupado, simultaneamente com funções
defensivas. A esta fase pertencem também muros curvilíneos (de cabanas?),
de carácter doméstico.

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© Universidade Aberta
A escavação revelou em todos os locais escavados uma ocupação mais antiga de
assinalável intensidade, com abundantes materiais exumados, característicos do
Calcolítico, com predomínio da taça de bordo espessado; os recipientes carenados
são vestigiais, como já se verificava no Porto das Carretas. Estão presentes os
elementos de tear de secção circular, cinchos, e fragmentos de cadinhos e de um
possível molde, ilustrando a prática metalúrgica do cobre no local. A presença de
mamíferos domésticos é escassa e os ossos apresentam-se muito fragmentados,
dificultando a sua identificação; estão presentes, entre outros, o boi, a cabra/ovelha,
e o porco, quadro que não se afasta do povoado do Mercador; neste contexto, a
caça era subsidiária. A fase mais moderna, tal como no Porto das Carretas, é
representada pelo "horizonte" campaniforme, o qual será tratado no capítulo
correspondente.

Este povoado reforça, a par dos anteriores, a existência de um polimorfismo


de tipos de implantação e de soluções encontradas, sem embargo de evidenciar
uma insuspeitada vitalidade da ocupação calcolítica do Guadiana médio,
onde, até época muito recente, ela era quase desconhecida.

Outro povoado da região, implantado em plataforma sobranceira ao Guadiana


mas, ao contrário dos anteriores, com raízes no Neolítico Final (presença de
taças carenadas, decorações plásticas representadas por mamilos alongados
sob o bordo, aplicados a vasos esféricos, cordões plásticos denteados e bordos
denteados), é o do Moinho de Valadares, também do concelho de Mourão,
também com evidentes provas de sedentarização (Valera, 2000b).

Deste modo, o povoamento calcolítico da região evidencia complexidade,


com uma evidente diferenciação dos tipos de povoados, cujo significado
(complementaridade funcional ?) ainda não se afigura claro. Tal realidade
parece exprimir uma situação social e económica característica do Calcolítico
do Sudoeste, que ainda mais se afirma no Algarve, a qual, por seu turno, não
poderá ser desligada do modelo do povoamento da Estremadura espanhola
(Badajoz) onde se observa, como na Andaluzia, a emergência de enormes
povoados calcolíticos, que requeriam um sistema de centralização e
hierarquização do poder para a sua adequada gestão. Seria o caso, no Baixo
Alentejo, do povoado do Porto Torrão, cujo paralelo mais evidente é o povoado
de La Pijotilla, Badajoz, no qual foi possível caracterizar todo um dispositivo
defensivo, constituído por um sistema de vários fortins implantados numa
linha de relevos dominante, em torno do grande povoado aberto, que ocupa
uma vasta área deprimida adjacente (Hurtado, 2000).

Face ao atrás exposto, verifica-se uma evidente diversidade das modalidades


de implantação dos povoados calcolíticos alentejanos na paisagem, bem como
no respeitante ao seu tamanho e características (Valera, 2004). Uma das

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© Universidade Aberta
principais novidades dos últmos 20 anos foi a identificação de recintos
definidos por fossos – até então desconhecidos – cujos antecendentes
remontam ao Neolítico Final. É o que se verificou com recente escavação do
grande povoado do Porto Torrão ( Ferreira do Alentejo), cuja ocupação
prosseguiu ao longo de todo o Calcolítico, bem como o sítio de Águas Frias
(Alandroal), da segunda metade dio IV milénio A. C., já atrás mencionado
por se tratar de povoado especializado no fabrico de placas de xisto. Deve-se
igualmente a M. Calado a identificação e publicação em co-autoria do povoado
de Juromenha igualmente pertencente ao Neolítico Final e do Torrão (Elvas),
a que se poderá juntar o povoado da Igreja Velha de S. Jorge (Ficalho), dado
a conhecer por A. M. Monge Soares.

Do ponto de vista da sua implantação na paisagem, os grandes povoados


com fossos, como Perdigões e Porto Torrão, situam-se em áreas deprimidas
da planície alentejana, com paralelas além fronteiras em povoados ainda
maiores, como Pijotilla (Badajoz) e Marroquiés Bajos (Jaén), aspecto que
também se verifica em povoados pequenos, como o de Pombal (Monforte) e
o Monte da Ponte (Évora). Ao contrário, certos sítios, igualmente com fossos,
mas de pequenas dimensões como o do Torrão (Elvas) e o de Santa Vitória
(Campo Maior) ocupam sítios destacados na paisagem. Se bem que a
tendência seja a construção de recintos de planta circular ou sub-circular,
por vezes constituídos por vários fossos concêntricos, as respectivas
dimensões são muito variáveis, desde os 30 m de diâmetro (Pombal), até aos
450 m de diâmetro, para o recinto exterior de Perdigões, ainda assim pequeno,
se comparados com os 1 000 m de Pijotilla ou os 1 200 m de Marroquiés
Bajos. Naturalmente que só é possível admitir a sua existência no quadro de
uma sociedade hierarquizada, extensiva também ao próprio modelo de
ocupação do território, constituindo os maiores centros demográficos de
primeira grandeza, verdadeiros pólos aglutinadores – económicos, sociais e
até político-ideológicos – em tornos dos quais se estruturava o povoamento.
Crê-se, com efeito, que os vastos espaços abertos alentejanos – com evidente
prolongamento pela Extremadura espanhola – favoreceram tal modelo, ao
contrário do verificado noutras áreas do país, como a Estremadura, o Centro
e o Norte, onde a paisagem se apresentava naturalmente muito mais
compartimentada.

12.4.3 Algarve

Nos finais da década de 1970, desenvolveram-se prospecções arqueológicas


sistemáticas no Alto Algarve Oriental (concelhos de Tavira e de Alcoutim),
as quais proporcionaram algumas escavações arqueológicas em povoados

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calcolíticos, então identificados. Está nesse caso o Cerro do Castelo das
Mestras, o Cerro do Castelo da Corte de João Marques e, sobretudo, o Cerro
do Castelo de Santa Justa, topónimos evocativos, que prenunciavam
inquestionavelmente, mesmo para os mais desatentos, o evidente interesse
arqueológico, que viriam a confirmar. Porém, enquanto o Cerro do Castelo
das Mestras não foi objecto de escavações – impossibilitando mais
desenvolvidas considerações que não seja a constatação da sua ocupação
calcolítica e a escolha de um sítio alto e defensável, implantado sobre um
amplo chão isolado por acentuado meando da ribeira da Foupana – já o mesmo
não sucede com os dois outros povoados. As escavações efectuadas em Corte
de João Marques, considerado uma pequena aldeia de agricultores e
metalurgistas – realidade sublinhada pela presença, a escassas centenas de
metros, de antigas minerações de cobre – evidenciaram um povoado aberto,
implantado num cabeço dominando visualmente a paisagem, em anfiteatro.

As escavações realizadas entre os finais da década de 1970 e os meados da


década seguinte (Gonçalves, 1989) no Cerro do Castelo de Santa Junta,
puseram, por seu turno, a descoberto, no topo de uma elevação bem destacada
na paisagem, um povoado fortificado através de uma muralha de contorno
elipsoidal fechado com o comprimento máximo de cerca de 40 metros e a
largura máxima aproximada de 24 metros, ao longo da qual se adossaram do
lado externo múltiplos bastiões de planta subcircular, uns maciços, outros
Fig. 169 ocos. Observou-se a existência de diversas cabanas de planta subcircular ou
elipsoidal, de alvenaria de blocos naturais, duas no interior da área defendida
e duas extramuros. A economia basear-se-ia na produção hortícola, na
cerealicultura e, sobretudo, na exploração mineira: o cobre não se encontra
longe, podendo ser minerado a algumas centenas de metros: tal realidade
encontra-se denunciada na panóplia artefactual, onde se recolheram
testemunhos da prática metalúrgica realizada no local (cadinhos com escórias
aderentes, abundantes objectos metálicos). Este povoado é, com efeito, de
todos os investigados em Portugal, aquele que mais relação parece oferecer
com a mineração do cobre. Tal situação e a evidente primazia que ostentava
face aos restantes reconhecidos na região, levou V. S. Gonçalves a admitir
que todos se integravam numa rede calcolítica de povoamento com a sua
estratégia específica. Como o próprio autor refere, "os povoados (1) não
parecem corresponder a uma busca efectiva de solos com qualidade agrícola
em área extensa (ou então esse critério não foi considerado de primeira
importância na escolha do lugar de implantação); (2) assentam numa área do
Algarve onde são frequentes as ocorrências cupríferas; (3) a sua duração no
tempo não parece ser notável, mesmo consideradas as datações 14 C
disponíveis para o Cerro do Castelo de Santa Justa" (Gonçalves, 1989, p. 363).
Estes considerandos, ao desvalorizarem a importância da economia
agro-pecuária, parecem contradizer a expressão de "quinta fortificada"
utilizada pelo mesmo autor (Gonçalves, 2002, p. 92) que, embora sugestiva,

358
© Universidade Aberta
não parece corresponder ao perfil da população de arqueometalurgistas ali
sediada, muito embora esta tivesse de se abastecer de produtos por si
produzidos para o seu próprio sustento, para além da caça (a fauna desta
estação não foi estudada). A sua sobrevivência só seria viável "de acordo
com o reequilíbrio que só as redes de povoamento permitem: trocas a nível
local e regional" (Gonçalves, 2002, p. 92), no caso, apenas asseguradas através
das manufacturas metálicas que pudessem produzir.

As datas de radiocarbono obtidas, não obstante os elevados desvios-


-padrão de que enfermam, indicam uma fundação nos finais do IV/inícios do
III milénio a. C., tendo-se o povoado mantido provavelmente ocupado durante
toda a primeira metade deste último milénio.

Ainda no Algarve, merece ser devidamente destacado o caso de Alcalar, onde


se correlacionou, de forma inequívoca, a implantação do sítio ocupado face
à localização da respectiva necrópole. Trata-se de um vasto povoado,
ocupando uma plataforma bem delimitada de todos os lados, correspondente Fig. 176
ao núcleo central, no qual se documentou o aproveitamento da água, através
de tanque e de canal adutor, ambos escavados nos calcários brandos que
constituem o substrato geológico local. Perifericamente a este núcleo
demográfico central, directamente relacionado com a necrópole de tholoi de
Alcalar, correspondente a um povoado defendido por um sistema conjugado
de fossos e de panos de muralha, cujo contorno ainda não foi totalmente
definido pela prospoecção geofísica, identificaram-se três núcleos periféricos,
não necessariamente coevos: Monte Canelas, correlacionado com o hipogeu
ali identificado e a que anteriormente se fez referência; Poio, situado cerca
de 300 m para sudoeste do núcleo principal; e Monte Velho, relacionado
com o núcleo de tholoi do mesmo nome (Parreira & Serpa, 1995; Parreira,
1997). A extensão da área ocupada, de cerca de dez hectares, excepcional no
território português, bem como a possibilidade de este complexo ter possuído
um porto interior, em ligação com o litoral, por via fluvial, através da ribeira
do Farelo, tornam a área habitada não menos importante que a correspondente
necrópole, ainda que não tenha sido escavada como merece. Estaríamos, tal
como provavelmente no Sudeste peninsular, perante o esboço de uma
sociedade proto-estatal, do Calcolítico Pleno a qual, por vicissitudes várias,
não terá vingado? É esta a interpretação que recentemente apresentaram E.
Móran e R. Parreira, fazendo corresponder a Alcalar uma situação comparável
à que, na mesma época, se teria verificado tanto na área de Almería, como na
Extremadura portuguesa. No que concerne a esta última região, crê-se que a
realidade não se compagina com tal hipótese, dada a proliferação dos sítios
fortificados e a compartimentação da própria paisagem, ao contrário do que
sucede no Sul do País, onde de facto existiram condições para a situação
indicada pelos dois autores citados.

359
© Universidade Aberta
12.5 Calcolítico do centro e do norte

Mercê, sobretudo, de projectos que elejeram a investigação arqueológica à


escala regional, começam a conhecer-se povoados calcolíticos, fortificados
ou não, no interior do Centro e do Norte do País, de forma cada vez mais
insistente. Assim, na Beira Baixa, escavou-se parcialmente o povoado
fortificado de Charneca de Fratel, em Vila Velha de Ródão (escavações
dirigidas por J. Soares e C. Tavares da Silva), onde se identificou uma muralha
reforçada externamente por bastião semicircular; apesar de ser o único sítio
fortificado calcolítico do sul da Beira interior, objecto de escavações na década
de 1980, ainda não existe a correspondente publicação, que a importância
arqueológica da estação justifica, mas apenas uma curta notícia (Soares, 1988).
Nessa região, publicaram-se outros sítios habitados calcolíticos: é o caso do
Cabeço da Malhoeira, Penamacor (Oliveira, 1998), situado no topo de
elevação (como o próprio topónimo indica), em área bem irrigada da ribeira
da Meimoa, para cujo vale se encontra orientada a encosta norte da referida
elevação. As escavações puseram a descoberto estruturas habitacionais
(provável base de cabana, correspondente a um alinhamento pétreo em arco
de círculo e outras sub-estruturas conexas: lareira estruturada e unidade de
armazenamento) e um conjunto homogéneo de materiais. É o caso dos pesos
de tear subrectangulares, com quatro perfurações nos cantos, diferentes dos
característicos "chouriços" do Calcolítico do Sudoeste, mas próximos dos
seus homólogos estremenhos; no entanto, no sul da Beira Baixa ou na região
confinante a sudeste (Alto Ribatejo), encontra-se presente tanto aquele tipo
artefactual, típico do Calcolítico do Sudoeste, como outro elemento da cultura
material, também característico do Calcolítico, o prato de bordo espessado
(por vezes "almendrado"), presentes no povoado da Charneca do Fratel, Vila
Velha de Ródão, no dólmen do Farranhão, do mesmo concelho (citados por
Vilaça, 1995) e no Castelo Velho do Caratão, Mação (Pereira, 1970).

No Cabeço da Malhoeira, a cerâmica com decorações a pente e plástica, com


pastilhas repuxadas, e pontas de seta de base côncava, completam as características
mais relevantes do espólio exumado.Esta publicação, sucedeu-se à do povoado de
Ramalhão, também no concelho de Penamacor, com uma única ocupação situável
no Neolítico Final/Calcolítico (Vilaça, 1989), o primeiro no seu género identificado
em toda a Beira Baixa. Trata-se, também, de sítio que ocupa posição destacada na
paisagem, integrando-se no conjunto das elevações graníticas situadas a sudeste
de Penamacor. Compreende-se a indefinição apontada pela autora entre o Neolítico
Final e o início do Calcolítico, dadas as características tipológicas dos materiais
exumados. Seja como for, a ocupação, no topo de elevação isolada, aponta para a
estratégia de povoamento que se acentuou significativamente no Calcolítico embora
com antecedentes, como se verificou ao tratar das estações do Neolítico Final da
Estremadura e do Alentejo. Ainda nesta região, se integra o povoado aberto do

360
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Neolítico Final do Cabeço da Velha, Vila Velha de Ródão: implanta-se no topo de
plataforma culminante, evidenciando a mesma realidade. Outro sítio referenciado
como "neo-calcolítico" corresponde à ocupação mais antiga do Monte do Frade,
também do concelho de Penamacor (Vilaça, 1995). Implantado numa pequena
plataforma da parte somital daquela notável elevação granítica, o povoado
pré-histórico em apreço, de fraca expressão, aponta, contudo, para uma cronologia
anterior à que lhe foi atribuída. Com efeito, a tipologia das cerâmicas decoradas,
remete-o para o Neolítico Antigo, sendo comparáveis às das estações da bacia
interior do Mondego (Valera, 1998).

Enfim, existem ainda outras ocorrências, como o povoado do Monte do Trigo


(Idanha-a-Nova), com ocupação calcolítica, mas já do campaniforme, pelo
que só adiante será mencionado mais pormenorizadamente.

Mais para norte, na região da Beira Alta, o conhecimento do povoamento


calcolítico deve-se, tal como na Beira Baixa, à actividade arqueológica
programada, ali desenvolvida nos últimos vinte anos, sobretudo, por J. C. de
Senna-Martinez e A.C. Valera, a que cedo se agregaram outros investigadores.
Deste modo, é hoje possível verificar, como em outras regiões do país, um
certo polimorfismo no povoamento calcolítico, não obstante o ainda reduzido
número de sítios investigados. Entre os sítios abertos, desprovidos de
construções defensivas, contam-se os povoados da Malhada, do Murganho e
da Corujeira, implantados em zonas de encosta; e se, nos dois últimos, a
presença humana foi pouca duração, já o primeiro, corresponde a uma
ocupação estável e intensa, a que não será estranha a proximidade de solos
de boa capacidade agrícola. Nestes contextos domésticos, surgem, pela
primeira vez, os pesos de tear, de formato rectangular, com furos nos vértices,
como os da Beira Baixa e da Estremadura. Na cerâmica, dominam as formas
abertas sobre as fechadas; a decoração não ultrapassa 10% dos fragmentos,
estando representados motivos incisos, largamente predominantes,
designadamente as bem conhecidas bandas incisas penteadas, acompanhadas
por outros motivos, como caneluras e espinhados; a técnica impressa é
vestigial. A indústria lítica inclui artefactos de pedra polida de anfiboloxisto,
de origem regional e uma componente lascada, de características
conservadoras. Nalguns casos, observam-se materiais exógenos, como as
lâminas de sílex recolhidas no Castro de Santiago, Fornos de Algodres, as
quais poderiam ser obtidas por troca com lingotes de anfibolito, formatados
localmente (Valera, 1997), situação a que anteriormente já se fez referência.

De assinalar, porém, que, no quadro das permutas referido, não se incluíam


os artefactos de cobre, os quais só surgem na região mais tarde, em contextos
campaniformes ou deles sincrónicos.

361
© Universidade Aberta
Seja como for, a emergência, nesta etapa, que se pode globalmente situar na
primeira metade do III milénio a. C., e que foi designada de Calcolítico
Pleno (Valera, in Senna-Martinez & Pedro, 2000), de sítios altos e fortificados,
vem demonstrar que, também aqui, a sociedade se encontrava em fase
acelerada de intensificação económica e de complexificação social. É
interessante assinalar que, ao contrário dos sítios abertos, os povoados
fortificados implantam-se em zonas de solos pobres e afastados das zonas
mais produtivas (Valera, 1999, 2000). Este facto conduz a admitir a existência
de uma rede de povoamento, integrada em estratégia de ocupação dos
territtórios e de optimização na exploração dos respectivos recursos. Tal como
na Estremadura, o centro económico e demográfico passou a girar, no
Calcolítico, em torno dos sítios fortificados, que constituíam o vértice da
hierarquização demográfica, como marcos naturais construídos na paisagem:
como já antes se referiu, ao tratar do mesmo fenómeno na Estremadura, na
sua monumentalidade, sem perder as funções primárias que presidiram à
respectiva edificação – de defesa de pessoas e de bens da exploração dos
recursos neles acumulados – se espelhava o sucesso e o prestígio de toda a
comunidade. A emergência da fortificação foi, pois, simultâneamente, causa
e consequência do acréscimo da sedentarização e da concomitante maior
dependência das produções agro-pastoris: era ao povoado fortificado que se
reportaria a população que viveria em determinado território: a sua
delimitação, através de fronteiras bem definidas, reflecte a compartimentação
da paisagem ou, por outras palavras, a territorialização das comunidades –
antes inexistente – por via do reforço da economia produtora de que foram
protagonistas.

O Castro de Santiago reflecte regionalmente esta realidade: implantado no


topo de uma elevação bem individualizada, com um amplo domínio visual
sobre a paisagem envolvente, ali se identificaram duas muralhas sucessivas,
que delimitavam um recinto entre grandes penedos graníticos. Não parece
existir dúvidas que se tratou de um lugar densamente ocupado: tal é a
conclusão decorrente da existência de fundos de cabana com lareiras,
ocupando a zona média, e de empedrados. As características dos espólios
lítico e cerâmico e os elementos de moagem, igualmente presentes, reforçam
tal conclusão. A ocupação ali registada, datada por radiocarbono, deu os
resultados, para um intervalo de cerca de 95 % de probabilidade, de
3088-2885 a. C. e de 2916-2624 a. C., situando-a, pois, no primeiro quartel
do III milénio a. C.

No povoado da Malhada, uma outra data, a que corresponde o intervalo de


2871-2325 a. C., foi considerada como da transição do Calcolítico Pleno
para o Final (mas sem cerâmicas campaniformes). Existem outros povoados
calcolíticos na região, mas a presença de materiais campaniformes – como

362
© Universidade Aberta
no da Fraga da Pena (Fornos de Algodres) – remete a respectiva caracterização
para o capítulo correspondente ao estudo daquele "fenómeno".

No Noroeste do País, o Calcolítico encontra-se também muito embrio-


nariamente conhecido. Além da estação da Penha, Guimarães, que deu o
nome à cerâmica epónima característica, a qual, até inícios da década de
1980, se julgava da Idade do Bronze – o que só sublinha as lacunas existentes
na informação – só muito recentemente se identificou e escavou um sítio de
carácter habitacional na região minhota. Trata-se do sítio de Bitarados,
Esposende. Implanta-se no sopé de encosta suave, com boa exposição Fig. 173
meridional, próximo de ribeiro, que permitia à população ali instalada o acesso
à água durante todo o ano. A escavação evidenciou cinco fases de ocupação,
seguidas de outras tantas de abandono, inseríveis no Calcolítico, as quais
têm correspondência em diversas estruturas habitacionais: lareiras,
pavimentos argilosos, fossas e buracos de poste. A cronologia calcolítica
encontra-se comprovada pela presença de cerâmicas do tipo Penha, com Fig. 174
decorações características, tanto incisas, como puncionadas ou produzidas
com pente, bem como pelo achado de uma placa de cobre incaracterística
(Bettencourt, 2004). Bitarados configura um povoado aberto, ocupado durante
todo o ano, de médias dimensões, cujos habitantes se dedicavam, à
agro-pastorícia, documentada por restos de cereais (trigo de grão nú e cevada)
e leguminosas (fava), sendo a componente animal representada sobretudo
por restos de ovinos e/ou caprinos. A recolecção seria igualmente relevante,
como se conclui pela a presença de bolota, de amoras silvestres e de rabanetes
selvagens, que são comestíveis. Além desta ocorrência, conhecem-se outros
sítios de carácter habitacional com cerâmicas do tipo Penha, nalguns casos
no interior de abrigos sob rocha, conferindo à presença humana caracterísitcas
pouco evidentes na paisagem. Importa referir fragmento com decoração
oculada, encontrada na Senhora da Penha, Guimarães, e na Chã do Castro,
Amares, com paralelos evidentes nas cerâmicas simbólicas calcolíticas da
Estremadura e do Sudoeste tão expressivamente documentados no belo
recipiente do povoado de S. Lourenço, Chaves, adiante referido.

Mais importantes foram as evidências reconhecidas na região do Noroeste


Transmontano e no Alto-Douro, na transição do IV para o III milénio a. C.,
onde as marcas de povoamento possuem maior visibilidade em resultado,
talvez, de trabalhos que há mais tempo e de forma sistemática vêm sendo
desenvolvidos na região.

Ali, a separação entre o Neolítico Final e o Calcolítico Inicial é essencialmente


cronológica, tendo sido situada no final do IV milénio a. C. São de destacar
os povoados da região de Chaves-Vila Pouca de Aguiar – os primeiros
conhecidos com carácter sedentário, da vasta região de Trás-os-Montes
ocidental, fundados no Neolítico Final (Jorge, 1986). Neles, a cerâmica

363
© Universidade Aberta
decorada, com motivos exuberantes, chega a atingir 80%, aumentando o seu
barroquismo à medida que os indicadores de intensificação económica se
tornam mais nítidos: trata-se das cerâmicas do "tipo Penha".

Esta situação é interessante, porquanto o renascimento da cerâmica decorada,


no Calcolítico da Beira Alta, foi relacionada com a afirmação identitária dos
grupos que a produziram (Valera, in Senna-Martinez & Pedro, 2000), depois
de, durante o Neolítico Final, serem predominantes os recipientes lisos.

A maioria dos povoados estudados por S. Oliveria Jorge autora têm uma
fundação no Neolítico Final convencional.

O povoado de Vinha da Soutilha, Chaves, é um sítio aberto, extenso e com


indicadores claros de ocupação permanente no Neolítico Final e, depois, no
Calcolítico. A este último se refere uma data, correspondente ao topo da
Camada 3, com a presença de artefactos de cobre arsenical, a qual, para um
intervalo de confiança de cerca de 95 %, corresponde a 3490-2615 a. C.

Nas mesmas condições se encontra o Castelo de Aguiar, no concelho de Vila


Pouca de Aguiar: se a camada mais antiga de ocupação se reporta ao Neolítico
Final (3700-3108 a. C.), já a camada 4 terá sido formada ao longo de todo o
milénio seguinte: para a base dispõe-se de data que corresponde ao intervalo
de 2910-1920 a. C., enquanto o topo terá sido formado entre 2569-1750 a. C.
Trata-se de um sítio implantado num esporão avançado da abrupta escarpa
de falha que domina o vale do rio Corgo, com boas condições naturais de
defesa. Estas verificam-se, igualmente, nos povoados de Pastoria e de São
Lourenço, ambos no concelho de Chaves, situados em plataformas, no rebordo
de relevos dominando o vale do Tâmega.

A estabilidade das ocupações que a maioria destes povoados denuncia, pelas


cronologias longas, abarcando na maioria dos casos parte do IV e o
III milénios a. C., é uma realidade que também se encontra documentada no
povoado do Barrocal Alto, com dois níveis de ocupação sucessivos e datados,
o primeiro atribuído ao Neolítico Final e o segundo (Barrocal Alto II) ao
Calcolítico, entre 2886-2490 a. C. para cerca de 95 % de confiança. Ao nível
da cultura material, avulta a decoração da cerâmica, que evidencia assinalável
continuidade. Assim, às decorações impressas ou de tipo puncionamento
arrastado "boquique" e incisões, aplicadas a formas abertas ou fechadas, mas
dominatemente lisas, dos níveis mais antigos do Barrocal Alto e do Castelo
de Aguiar, que evidenciam uma marcada tradição neolítica, no povoado da
Vinha da Soutilha, ainda nos meados do IV milénio a. C., contrastando com
a situação referida, ocorrem cerâmicas essencialmente decoradas com estreitas
faixas puncionadas, incisas ou com aplicação de pente, as quais evoluem
para as complexas decorações metopadas que vão constituir a marca mais
individualizada desta estação assim como, posteriormente, de outros povoados

364
© Universidade Aberta
calcolíticos da região, como o Castelo de Aguiar (Jorge, 1986; Sanches,
1997).

Tais decorações convivem com outras, de barroquismo análogo, formando


campos reticulados, caneluras abaixo do bordo, espinhados e barras verticais,
do "tipo Penha". No caso de São Lourenço, merece destaque um vaso com
decoração com a técnica do puncionamento arrastado ("boquique"), já atrás
mencionado, com a característica representação de olhos radiados com
sobrancelhas e tatuagens faciais, que o reportam a exemplares de Estremadura
e do sul de Portugal (Jorge, 1986, Est. CVI). A presença desta peça é explicada
por via da intensificação económica e, com ela, da interacção cultural com
outras áreas geográficas, veiculada pelo comércio transregional de
matérias-primas.

Reportando-se à génese dos povoados fortificados calcolíticos da bacia do


Alto Mondego, A. C. Valera, num texto já antigo (Valera, 1994), refere que
aquela "requereu a inserção das referidas comunidades do interior num
circuito transregional de ideias e concepções (com provável origem
mediterrânica) e deverá ser entendida num quadro de mudança cultural onde
operam os fenómenos da evolução e da difusão, esta última aqui entendida
como um processo cumulativo e não de substituição". A adopção do que
vem de fora é vista como fazendo parte do constante processo adaptativo da
comunidade, permitindo conceber a difusão como um processo de aculturação
selectiva. A aceitação da influência (surja ela sob forma material ou de ideias)
dependerá da sua utilidade e compatibilidade dentro da cultura receptora. É
sob tal prisma que deve ser interpretada a presença daquela peça que, embora
de fabrico local, testemunha expressivamente a existência de influências
meridionais, ao nível da super-estrutura religiosa e simbólica, por parte das
populações calcolíticas transmontanas. É ainda essa realidade que explica a
presença de vários punhais de lingueta e com nervura central (como os seus
homólogos de Alcalar) de cobre arsenical, recolhidos no mesmo povoado,
de um machado plano de cobre e de uma ponta Palmela, nitidamente objectos
de importação meridional, podendo ser coevos da presença campaniforme
da região.

Embora nenhum dos povoados até ao presente referidos ostente estruturas


defensivas, estas ocorrem em diversos sítios, adiante descritos em pormenor.
Antes, importa referir o Buraco da Pala, importante estação da região de
Mirandela à qual já anteriormente se fez referência, ao tratar-se do Neolítico
transmontano. A cavidade continuou a ser ocupada, com carácter doméstico
e provavelmente sazonal, na transição do Neolítico Final para o Calcolítico
(Nível III). Nesse nível, desaparecem as utensilagens de cariz microlítico,
de tradição epipaleolítica, assim como as cerâmicas carenadas ou com
decoração plástica ou canelada, ao mesmo tempo que o aumento da
capacidade dos recipientes parece denunciar, ou comunidades maiores, e/ou

365
© Universidade Aberta
novas funções atribuídas aos vasos cerâmicos (Sanches, 1997). Os níveis II e
I, claramente calcolíticos, podem ter chegado ao final do Calcolítico, como
sugerem as imitações de vasos campaniformes, foram datados entre cerca de
2800 e 2500 a. C.; o abrigo foi então essencialmente utilizado como celeiro,
verificando-se a acumulação de sementes de trigo, cevada e fava ou de
produtos da recolecção (bolota), em grandes recipientes, que chegam a atingir
cerca de 50 litros de capacidade no Nível II e 80-90 litros no nível I. Estão
ainda presentes outros produtos, como a ervilha silvestre, a papoila do ópio,
o linho e a lentilha, os quais fazem supor uma agricultura desenvolvida e
diversificada, além de muito bem sucedida, como comprovam os produtos
armazenados. Mas o sítio funcionou em tal época também como local
habitado, junto à entrada, onde se praticou a metalurgia; ali se recolheram
peças de evidente prestígio, com destaque para cerca de sete dezenas de
contas de variscite e metavariscite e de seis contas de ouro – talvez os primeiros
produtos manufacturados nesse metal documentados entre nós – que
evidenciaram uma fusão, ainda que incipiente, do metal. Embora sejam
possíveis várias hipóteses para explicar esta notável ocorrência, o que não
permite dúvida é o facto de, no decurso da primeira metade do
III milénio a. C., existir, na região de Mirandela, uma assinalável produção
agrícola, que se quadra bem na intensificação económica que tem vindo a
ser apontada para o Calcolítico da região, a qual estará, por seu turno, na
origem do fenómeno da fortificação de alguns lugares à escala regional, à
semelhança do que aconteceu, pela mesma altura, nas outras regiões do actual
território português. Sítio excepcional de acumulação de recursos alimentares,
associados a objectos de adorno e de prestígio de evidente e real valor, que
atestam o alto estatuto dos seus frequentadores, não restam dúvidas quanto à
importância e sucesso de uma economia de produção cerealífera vigente no
Nordeste transmontano no decurso do Calcolítico, indissociável da
emergência e afirmação de segmentos minoritários das comunidades que ali
armazenaram os seus excedentes, aos quais só uns poucos teriam o privilégio
de aceder, efectuando a correspondente gestão dos mesmos. Por outras
palavras, o acesso a tais recursos não seria facultado a todos os elementos da
comunidade. Isso mesmo é indicado pelos produtos de luxo ali recolhidos,
indicando que a manipulação de tais bens seria reservada a elites muito
restritas de uma ou várias comunidades (no caso de o celeiro ser partilhado
por mais do que uma). Tal significa, enfim, que o processo de intensificação
económica não andaria arredado de um outro fenómeno, o da a diferenciação
social intragrupal.

Em resumo: fortificação, intensificação económica e diferenciação social,


são três realidades interdependentes, também no norte e centro do actual
território português, no decurso do Calcolítico. O primeiro dos "itens"
referido, está representado na região, sobretudo, por três sítios particularmente
importantes: o Crasto de Palheiros, Murça, o Castelo Velho de Freixo de

366
© Universidade Aberta
Numão, e o Castanheiro do Vento, Vila Nova de Foz Côa. A sua existência é
acompanhada pela de povoados abertos, como a Quinta da Torrinha (segunda
ocupação) e o Barrocal Tenreiro, do Calcolítico Inicial, a que se sucedem
outros, do Calcolítico Pleno/Final, como o Castelo de Algodres e o Curral da
Pedra, todos na região do Baixo Côa (Carvalho, 2003).

O Crasto de Palheiros implanta-se em duas plataformas, encimadas por um cume


rochoso dominando uma vasta paisagem envolvente: possui, deste modo, excelentes
condições naturais de defesa, sublinhadas por uma escarpa de cerca de 30 metros, Fig. 171
que cai sobre uma íngreme encosta. A ocupação calcolítica do local associou-se à
construção de dois taludes, sobre os quais, na Idade do Ferro, se construiram duas
muralhas. O talude interno, ou superior, foi construído durante o Calcolítico
campaniforme, como indica a presença de vários fragmentos de tais recipientes;
em ambas as plataformas delimitadas pelos referidos taludes, detectaram-se restos
de estruturas domésticas de época calcolítica (Sanches, 1997). Assim, a Unidade
Interna, com base em datas de radiocarbono entretanto publicadas (Sanches, 2000/ Fig. 172
2001), terá sido ocupada no segundo quartel do III milénio a. C. Quanto à Unidade
Externa, correspondente à plataforma inferior, uma amostra recolhida em uma
estrutura de combustão definida por pedras fincadas ao alto e inserida numa área
doméstica alargada, submetida a datação pelo radiocarbono, deu um resultado
semelhante ao obtido para a plataforma superior. Sendo assim, é a seguinte a
sucessão proposta para a ocupação pré-histórica do sítio:
1. Cerca de 3000-2800 a. C., dá-se a eventual ocupação da parte mais elevada
da Unidade Interna;

2. Entre 2800-2400 a. C., define-se uma Unidade Interna e uma Unidade


Externa:

Unidade Externa – constrói-se potente talude exterior, que delimita o povoado a


leste e a sul e inicia-se a ocupação doméstica da plataforma inferior, circundada e
sustida pelo referido talude. Logo a seguir, procede-se ao alteamento do talude,
dos lados leste e sul, dos quais partem empedrados que se estendem sobre a camada
de ocupação anterior ou, simplesmente, sobre o substrato geológico. Na plataforma
delimitada pelo referido talude, há indícios de ocupação da Idade do Bronze, tendo
sido recolhidas, tanto nesta zona, como na Plataforma Superior, adiante referida,
assinaláveis quantidades de cereais e de fava carbonizada, além de restos de
mamíferos, com predomínio do boi doméstico, que não deixam dúvidas quanto à
natureza habitacional do local.
Unidade Interna – ao mesmo tempo que é edificada a Unidade Externa, procede-se
à delimitação da plataforma superior por um talude: trata-se do Talude Interno,
antecedendo a ocupação doméstica da Plataforma Superior. A superfície assim
ocupada, é ulteriormente selada por meio de um empedrado, cujo significado não
é evidente, ocupando a parte sudeste da Plataforma Superior.
Sucede-se a ocupação da Idade do Ferro.

367
© Universidade Aberta
No conjunto, trata-se de um sítio de carácter doméstico, beneficiando de estruturas
de carácter utilitário – os taludes que permitiram a criação de plataformas onde se
implantaram diversas estruturas habitacionais – e outras menos utilitárias, ou ao
menos de significado pouco claro, como o empedrado construído em etapa tardia
do Calcolítico ou já na Idade do Bronze. Porém, os dados publicados não são
suficientes, no nosso entender, para atribuir a este sítio o significado de
"povoado-monumento", mas, simplesmente, de "povoado fortificado",
conferindo-lhe, naturalmente, a fortificação, um carácter monumental.

O Castelo Velho de Freixo de Numão implanta-se igualmente num relevo


acentuado na paisagem, ocupando a frente de esporão rochoso, com boas
condições de defesa e de visibilidade. Trata-se, como o caso anterior, de um
pequeno povoado, defendido por duas linhas de muralhas: a inferior, ou
externa, muito destruída, poderia não passar de um simples murete destinado
simplesmente à delimitação do espaço, sem funções defensivas; e a superior,
ou interna, delimitando um recinto reduzido, de contorno sub-elipsoidal, que
poderia albergar, no máximo, 50 pessoas, no qual se interpenetra um pequeno
recinto, do lado sudeste (Jorge, 2001, Fig. 2). A parte central do recinto interno
é ocupada por uma torre de planta subcircular maciça. No conjunto,
identificaram-se três fases construtivas gerais.

O dispositivo defensivo teria sido delineado de uma única vez, e construído, com
base nas datas de radiocarbono disponíveis, talvez entre o segundo e o terceiro
quartéis do III milénio a. C. Viria, com remodelações importantes, a manter-se
activo até cerca de 2200-1700 a. C. (Fase II). Nesta fase, dá-se o reforço da muralha
interna, atravessando as balizas convencionais que separam o Calcolítico da Idade
do Bronze. Na Fase III, situada entre os inícios do II milénio a. C. e cerca de 1300
a. C., encerrou-se uma das entradas no recinto interno, mantendo-se a torre no seu
interior. Esta fase é reportável ao Bronze Pleno regional, correspondendo-lhe
cerâmicas com decorações plásticas e do tipo "Cogeces". Por último, cerca de
1300/1200 a. C., o lugar teria sido "selado" "através da deposição mais ou menos
organizada de camadas de pedra e argila" (Jorge, 2002, p. 31).

Segundo a arqueóloga responsável pelas escavações, "foram identificados


no interior do reduto fortificado, estruturas várias, sobretudo pétreas (talvez
multifuncionais, incluindo a armazenagem; lareiras; e buracos de poste), e
concentrações de artefactos. O estudo comparado de todos estes elementos
leva-nos a colocar a hipótese da existência, no interior do reduto fortificado,
de áreas semi-especializadas em actividades de carácter produtivo como a
moagem, a armazenagem e a tecelagem (Jorge, 1994, p. 493). A apoiar estes
conclusões encontraram-se, de facto, abundantes artefactos de uso

368
© Universidade Aberta
inquestionavelmente doméstico: elementos de tear subrectangulares, com
furos nos vértices, alguns dos quais decorados, machados, enxós, elementos
de mós manuais, materiais de pedra lascada e cerâmicas típicas do Calcolítico
do norte de Portugal, onde dominam as decorações incisas, feitas a pente. A
estas peças, soma-se um machado plano e um cinzel de cobre. As cerâmicas
domésticas foram estudadas (Cruz, 1995), com o intuito de poderem indicar
alguns testemunhos de diferenciação social intracomunitária; contudo,
verificou-se assinalável homogeneidade de formas e de técnicas decorativas,
com o predomínio de taças em calote na primeira fase de ocupação, embora
tenha existido uma concentração de grandes vasos numa área restrita,
sugerindo a existência de uma "diferenciação social baseada na acumulação
de bens de produção" (op. cit., p. 261), ou, em alternativa, que se admite ser
mais consentânea com a realidade, de uma especialização funcional
intrapovoado, que é justamente um dos indícios da intensificação económica
verificada no Calcolítico.

Ulteriormente, verificou-se modificação desta interpretação de carácter


estritamente funcionalista, tendo a arqueóloga responsável abandonado a
atribuição de Castelo Velho a um povoado fortificado (ou, se se quiser aplicar
a expressão de V. S. Gonçalves, para os pequenos povoados calcolíticos do
Sudoeste, de "quinta fortificada"), perfilhando a perspectiva de um lugar
simbólico: "Inicialmente identificado como um povoado fortificado do
Calcolítico e da Idade do Bronze do Norte de Portugal, este sítio é hoje visto
como um "lugar monumentalizado" concebido no III milénio a. C. e mantido
até meados do II milénio a. C. No interior deste "monumento" terão decorrido
actividades de carácter cerimonial, cuja natureza está ainda por esclarecer.
Esta nova interpretação do sítio de Castelo Velho abre perspectivas sobre
uma nova forma de olhar os recintos murados do Calcolítico e da Idade do
Bronze peninsular" (Jorge, 1999). Trata-se, na verdade, de perspectiva
fortemente influenciada por trabalhos recentes produzidos além-fronteiras,
mas cuja aplicabilidade à realidade portuguesa carece de maior discussão:
em Castelo Velho, como nos restantes recintos muralhados calcolíticos do
nosso território, o espólio exumado remete para a esfera do quotidiano e do
doméstico... sem esquecer que, então, também ali se teriam desenrolado
actividades de carácter religioso ou cultuais. A mudança do entendimento
sobre o significado e funcionalidade de sítios como o Castelo Velho e outros,
já abordados ou adiante referidos (Crasto de Palheiros, Castanheiro do Vento),
processou-se, pois, a partir de meados da década de 1990, na sequência
imediata de reflexão geral sobre a noção de povoados fortificados e de lugares
monumentalizados do calcolítico peninsular (Jorge, 1994). Segundo recente
trabalho (Jorge, 2003, p. 1463), sítios como os referidos "destinam-se
certamente a ser vistos de longe mas igualmente a marcar simbolicamente
"fronteiras" identitárias. O que ocorria no seu interior suscita ainda discussão.
Mas a concepção planeada destes imponentes dispositivos arquitectónicos,

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destinados a manter-se activos durante muitas centenas de anos, fala-nos
duma outra maneira de domesticar a paisagem e de a representar
simbolicamente".

Segundo ainda Susana O. Jorge, "não era a existência de um estado de guerra


ou conflito, mas a vontade de construir um símbolo significativo, que
expressasse e reforçasse a identidade da população local" que esteve na origem
da construção do Castelo Velho (Jorge, 2002, p. 75). Este modo de ver da
autora encontrar-se-ia ainda sublinhado, no Castelo Velho, por uma pequena
estrutura, formada por uma deposição ritual de ossos de vários indivíduos
(uma criança, vários adolescentes e jovens adultos), totalizando 8 a 10
indivíduos, em associação com fragmentos de pesos de tear, fragmentos de
vasos cerâmicos e fauna. Noutro local, recolheram-se vinte e cinco elementos
de tear; enfim, ainda noutra zona da estação, deparou-se com estrutura
encerrando "milhares de sementes de cereais associadas a vasos cerâmicos
intencionalmente fragmentados". Esta realidade sugeriu à autora ter o Castelo
Velho funcionado como expressão metafórica das actividades cruciais das
populações calcolíticas: a "armazenagem" de bens alimentares; a
transformação dos produtos secundários operada pela tecelagem; e, enfim, a
manipulação dos mortos, tranformados em relíquias culturais (Jorge, 2003,
p. 1471). Contudo, seguindo concepção estritamente funcionalista, que
perfilhamos, a aludida concentração de pesos de tear poderia corresponder,
simplesmente, a vestígios de um simples dispositivo de tecelagem, à
semelhança de concentrações idênticas testemunhadas no povoado calcolítico
de Porto das Carretas, Mourão (Silva, 2002), para só citar um exemplo do
território português (em Cerro de la Virgen, povoado calcolítico da região de
Granada, identificou-se concentração de peças que indicam dispositivo
semelhante); do mesmo modo, a concentração de grãos de cereais, poderá
nada mais ser do que um celeiro com contentores cerâmicos, partidos
naturalmente e não intencionalmente, como admite a Autora. Enfim, a
ocorrência de restos humanos em contextos domésticos, pode corresponder
apenas à reutilização de um espaço doméstico; recorde-se que a dicotomia
entre os mundos sagrado e profano é uma realidade que de forma nenhuma
se poderá transpor para as longínquas sociedades pré-históricas.

Por outro lado, como já anteriormente se referiu, a propósito de outros


povoados fortificados do território português, a construção de um símbolo
que congregasse a comunidade e onde toda ela se revisse – o monumento
representado pelo povoado fortificado – tinha, antes de mais um objectivo
prático: a necessidade de autodefesa de pessoas e de bens, face a um ambiente
inter-comunitário cada vez mais competitivo (guerra endémica), servindo,
ao mesmo tempo, como elemento de dissuasão (prevenção de conflitos) e de
reforço identitário de cada uma das respectivas comunidades; nesse sentido,
o conceito de fortificação detém, naturalmente, significado simbólico,

370
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reforçando a finalidade prática que presidiu à construção de cada uma destas
estruturas defensivas.

O terceiro povoado fortificado da região dúrico-beirã que importa referir é o


do Castanheiro do Vento, Vila Nova de Foz Côa, do qual ainda pouco se sabe
(as escavações só se iniciaram em 1998). Trata-se, tal como os dois anteriores,
de um sítio com boas condições naturais de defesa, implantando-se em
elevação proeminente na paisagem, entre dois cursos de água, controlando
visualmente um território situado para leste, especialmente o vale onde corre
a ribeira de Murça. De maiores dimensões que o Castelo Velho, ali se
identificou uma muralha com desenvolvimento curvilíneo, em estreita
conexão com vários bastiões, em conexão com um pequeno recinto fechado
de planta sub-circular que, no conjunto, integram uma fase de construção
pertencente à segunda metade do III milénio a. C., segundo as indicações
perliminares oferecidas pelas análises de radiocarbono já efectuadas (Jorge
et. al. 2002). Esta fase poderá ser antecedida de uma primeira etapa da Fig. 170
ocupação do local, situável na primeira metade do referido milénio, também
de acordo com os resultados de datas de radiocarbono obtidas para a camada
arqueológica pré-fortificação. Enfim, a decadência e abandono da fortificação,
representada por derrubes, corresponde à Idade do Bronze, à qual pertencem,
entre outros, fragmentos cerâmicos do tipo Cogeces. Recolheram-se, ainda,
restos de escórias e fragmentos cerâmicos com aderências de cobre o que
revela a prática da correspondente metalurgia. Foram recolhidos milhares de
artefactos, constituídos por restos cerâmicos, no essencial semelhantes aos
do Castelo Velho, com abundantes decorações incisas, feitas a pente e outras
impressas, a par de elementos de tear, mós manuais, percutores, alisadores,
lascas e núcleos de quartzo, pontas de seta e barro de revestimento, de carácter
doméstico, aplicado a cabanas. A sua ocorrência indica que teria ocorrido
algum incêndio, que permitiu a sua cozedura ocasional, a qual explica a
conservação. Trata-se, pois de um contexto claramente doméstico, como os
reconhecidos nos dois outros povoados fortificados. A fauna mamalógica
dos contextos calcolíticos recuperada até à campanha de 2002 é dominada,
no que toca à quantidade (peso) da carne consumida, pelo boi doméstico,
seguido dos suídeos e do grupo da ovelha/cabra. É de assinalar, ainda, a
presença do veado que, conjuntamente com o coelho, representa o segmento
cinegético do especto faunístico identificado (Cardoso & Costa, 2004).

Nesta etapa do Calcolítico Pleno, que se pode situar na segunda metade do


III milénio a. C., as cerâmicas penteadas, ocorrem de forma generalizada
nos povoados, fortificados ou não, do norte e do centro interior de Portugal,
mas quase sempre com uma implantação dominante.

A ocorrência de tais cerâmicas em domínios mais meridionais, como no já


anteriormente referido povoado calcolítico do Cabeço da Malhoeira

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(Penamacor), ou ainda mais para sul, tanto na Estremadura – povoados
calcolíticos de Pragança, Cadaval; Penha Verde, Sintra; e Leceia, Oeiras
(Cardoso, 1995) – como no Alto Alentejo, como é o caso do povoado do
Fig. 180 Pombal, em Monforte (Boaventura, 2001), reflecte um fluxo cultural de Norte
para Sul, ainda que ténue, com equivalente no fluxo de sentido contrário,
aquele que explica as cerâmicas simbólicas calcolíticas encontradas no
povoado de S. Lourenço, Chaves. É ainda pertinente assinalar as evidentes
semelhanças entre alguns recipientes – tanto na forma como nas decorações
– das cerâmicas do "tipo Penha", com os copos canelados do Calcolítico
Inicial da Estremadura. São exemplos que materializam o fenómeno da
Fig. 181 interacção cultural, a somar a outros, já anteriormente referidos (comércio
de anfibolitos e do cobre), ou ainda as contas de variscite ou metavariscite e
os artefactos polido de fibrolite – matéria prima desconhecida no território
português em massas tão volumosas – fenómeno que se efectivou em
múltiplas direcções e sentidos.

O Calcolítico foi, pois, um período de difusão ampla de matérias-primas, de


tecnologia, de ideias, de conceitos, por todo o espaço hoje português: por
isso não espanta que, à regionalização cultural, demonstrada pelas
particularidades da panóplia artefactual própria de cada região – justificando
expressões como Calcolítico da Estremadura; Calcolítico do Sudoeste; e
Calcolítico do Centro e do Norte de Portugal – esteja subjacente uma evolução
económica e social globalmente homogénea e comparável.

Porém, das três áreas culturais referidas, foi sem dúvida o Sudoeste que,
mercê de características geo-ambientais mais propícias – maiores áreas
agricultáveis, concomitantes com uma muito menor compartimentação da
paisagem – tenha reunido condições para que uma organização social
proto-estatal se ter podido afirmar, como anteriormente se referiu. Que tal
fenómeno não teve continuidade, sabê-mo-lo nós; resta conhecer as razões
que estiveram na origem do fracasso.

Com efeito, no final do Calcolítico, e independentemente darespectiva região,


os povoados calcolíticos fortificados entram em declínio generalizado,
conhecendo contudo alguns deles presenças até ao Bronze Pleno: mas eram
já sobre ruínas que esses últimos ocupantes se moviam, apenas atraídos pela
carga simbólica que tais locais ainda poderiam despertar.

No concernente à Estremadura, um ensaio sobre tais razões foi já tentado


(Cardoso, 1998). Admitiu-se, então, que aquela explicação poderia ser
procurada no próprio modelo de desenvolvimento adoptado. Com efeito, o
provável aumento do número de habitantes, para valores nunca antes
atingidos, em consequência directa de maiores níveis de produção,
viabilizados pelas já referidas melhorias tecnológicas, com destaque para o
aproveitamento da força de tracção dos bovídeos domésticos, comuns em

372
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contextos domésticos do Neolítico Final, teria obrigado à procura de novos
territórios para exploração agro-pastoril, necessariamente maiores, mas
também cada vez mais afastados dos principais núcleos habitados. Em
consequência, a produtividade dos mesmos seria prejudicada pela distância
a percorrer, agravada pela instabilidade social, que tornaria o trabalho agrícola
ou a pastorícia cada vez mais difícil, mas também cada vez mais necessário,
face à necessidade de garantir a sobrevivência de uma população em contínuo
crescimento.

Da competição generalizada então desencadeada pela posse das melhores


terras, tornadas cada vez mais necessárias, resultou o estado de tensão que
caracterizou quase todo o III milénio a. C., não só na Estremadura, mas em
todo o território hoje português, fenómeno evidente pelas imponentes
fortificações então construídas. Em Leceia, poderá mesmo encontrar-se
registada, pela primeira vez no registo arqueológico, uma dessas situações
de conflito, ocorridas no Calcolítico Pleno: em estrutura de acumulação de
detritos domésticos, talvez correspondente a reaproveitamento de silo,
recolheram-se diversos restos humanos, muito incompletos. O respectivo
estudo antropológico revelou, pelo menos, a presença de vários indivíduos,
todos jovens adultos e do sexo masculino (Cardoso, Cunha & Aguiar, 1991).
Tais resultados, conjugados com as condições da descoberta – uma lixeira –
corroboram a hipótese de se estar perante despojos de um bando de atacantes
que, depois de dizimados, não teriam merecido sepultura, ao contrário dos
habitantes do povoado, tumulados em sepulcros colectivos no exterior do
local habitado. É interessante notar que, também em Castelo Velho, se
detectaram restos humanos, já atrás mencionados, correspondentes a um
depósito mortuário de significado desconhecido (Antunes & Cunha, 1998).

Em consequência do clima social instalado no Calcolítico, dominado pela


conflitualidade permanente e endémica, os territórios explorados por cada
um destes núcleos fortificados tornaram-se progressivamente insuficientes
para prover às necessidades das comunidades neles sedeadas. Acresce que,
implantando-se em zonas altas, encontravam-se nalguns casos afastados das
terras cultivo, o que dificultava ainda mais a acessibilidade a estas, realidade
particularmente evidente no centro interior e no norte.

A breve trecho, as comunidades ficaram confinadas aos territórios mais


próximos e acessíveis, levados assim ao limite das suas capacidades
produtivas, considerando o potencial tecnológico então disponível; o recurso
à caça, à pesca e à recolecção, desde que tal fosse possível, seria sempre uma
alternativa: talvez por isso se verifique um aumento das espécies cinegéticas
nos níveis superiores do povoado calcolítico fortificado do Monte da Tumba,
no concelho de Alcácer do Sal. já com materiais campaniformes (Antunes,
1987), o mesmo se verificando no povoado do Porto Torrão, Ferreira do
Alentejo (Arnaud, 1993).

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O resultado final deste processo poderá não ter sido o decréscimo
populacional, visto globalmente: perante tal situação adversa, a cisão de cada
uma destas comunidades terá sido a resposta encontrada para a sua própria
sobrevivência: de alguma forma, esta teoria adapta-se ao modelo do
"enxameamento", proposto por V. S. Gonçalves (Gonçalves, 1989), utilizado
para explicar, no Calcolítico do Sudoeste, a colonização das terras mais
desfavoráveis, cuja ocupação só então seria possível graças às inovações
tecnológicas introduzidas no sistema produtivo, a partir de áreas mais férteis,
mas já superpovoadas. Tal realidade encontra-se sugerida pelo reduzido
números de habitantes que permaneceram em Leceia, bem evidenciada pela
retracção da zona ocupada no Calcolítico Pleno, em torno do núcleo mais
interno da antiga fortificação, já então desactivada. Tal processo, verificado
após cerca de 2600 a. C., prolongou-se até ao abandono do povoado, ainda
antes de final do milénio, num processo coevo da emergência das cerâmicas
campaniformes em múltiplos sítios abertos e de pequenas dimensões.
Contudo, é nesse curto intervalo da vida do povoado, que não terá ultrapassado
duzentos a trezentos anos, que aquela comunidade, como já anteriormente
se referiu, conheceu o apogeu do seu florescimento económico; muito embora
os modelos actualmente disponíveis, com base em interpretações do registo
material, simplifiquem irremediavelmente a realidade social então
protagonizada pelas respectivas populações – disso há que ter plena
consciência – o referido apogeu económico, desligado da manutenção da
anterior fortificação, mostra que, em meados do III milénio a. C., na
Estremadura, tal necessidade já não se faria sentir, no novo quadro social
então vigente. Mas querer ver, no abandono e decadência progressiva das
antigas fortificações, um declínio da própria sociedade, seria ingénuo: ao
contrário, a interacção cultural e a diferenciação social, viabilizadas por uma
contínua especialização económica, foi uma realidade que se acentuou a partir
de meados do III milénio a. C., aquando da plena afirmação do "fenómeno"
campaniforme, estudado no capítulo seguinte.

Esta situação faz crer que a coesão do grupo se terá desvanecido como
elemento primordial do seu sucesso e sobrevivência: findo o estado de conflito
real ou potencial, as comunidades, ao se cindirem em grupos mais pequenos,
de raiz familiar, garantiram um mais directo e eficaz acesso aos meios de
produção, ultrapassando um impasse a que um modelo de desenvolvimento,
que hoje diríamos "não sustentado", as teriam conduzido. Talvez que este
modelo tivesse baqueado apenas por não se ter assegurado uma característica
essencial à afirmação de grandes comunidades pré-históricas, proto-urbanas,
como se verificou em outras culturas da bacia do Mediterrâneo e do próximo
Oriente: o regadio. Como bem refere V. S. Gonçalves (2000/2001, p. 277),
"as sociedades que uma agricultura de sequeiro origina são sempre inferiores
numericamente às que praticam o regadio". Fica por explicar, no entanto,
por que razão, nas áreas onde tal era possível e mesmo efectuado – recorde-se

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a enormidade dos povoados de Perdigões e Porto Torrão, com equivalentes
em outros da Extremadura espanhola, como La Pijotilla e Marroquíes Bajos,
sem querer invocar exemplos mais longínquos, como Los Millares, Almería
– não foi essa a evolução verificada.

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13. Manifestações Funerárias do Calcolítico

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13.1 Aspectos arquitectónicos

No sul do território português, incluindo a parte meridional da Estremadura,


a arquitectura funerária calcolítica encontra-se documentada por um novo
tipo de monumento, a tholos, cuja origem no levante peninsular fora já
assinalada em 1954 por O. da Veiga Ferreira e A. Viana (Ferreira & Viana,
1956), depois dos trabalhos pioneiros de V. Gordon Childe. Estes autores
assinalaram a progressão geográfica deste tipo de monumentos a partir de
foco difusor original situado no sudeste espanhol (região de Almería), primeiro
para ocidente, até o Algarve e, depois para norte, progredindo ao longo dos
vales do Guadiana e do Guadalquivir, até à região de Badajoz e, através do
interior do Baixo Alentejo, até à actual Estremadura portuguesa (Viana,
Andrade & Ferreira, 1961). Esta progressão foi relacionada pelos próprios, Fig. 182
com a dos prospectores e metalurgistas do cobre, oriundos da Andaluzia os
quais, passando ao Algarve e, depois, ao Baixo e Alto Alentejo, se dedicavam
à exploração das concentrações superficiais de cobre nativo, e eventualmente,
também, de carbonatos cupríferos, existentes em mineralizações disseminadas
e nos "chapéus de ferro" da faixa piritosa ibérica. Com efeito, o estudo
estatístico das datas disponíveis para os povoados da Idade do Cobre da
Estremadura portuguesa e do Sudoeste (incluindo o Alentejo e o Algarve),
revelaram uma maior antiguidade do Calcolítico nesta última área cultural
(Soares, 2002). Em Alcalar, as grandes lâminas siliciosas, como as recolhidas
no monumento n.º 3, terão origem na região de Ronda, na Andaluzia, o que
permite admitir pelo menos relações comerciais com aquela região, para já
não falar nos longos alfinetes com cabeça amovível canelada, tão comuns na
Extremadura, em particular no Neolítico Final, também presentes no Sudeste
espanhol (Fonelas), onde foram assinalados por L. Siret.

Os estudos produzidos na segunda metade da década de 1950 e até inícios da


seguinte, documentaram as primeiras tholoi na região baixo-alentejana, cuja
escavação então se iniciava e onde actualmente se conhecem cerca de doze
Fig. 187
monumentos publicados: Trata-se de um tipo de sepulcro de corredor, cuja
câmara se apresenta coberta por falsa cúpula, sob tumulus, de construção
muito mais leve que a dos dólmenes, requerendo um menor esforço
construtivo, que se reflectia, por seu turno, na menor monumentalidade face
aos grandes monumentos megalíticos do período imediatamente anterior (os
quais contudo, continuaram a ser utilizados, senão mesmo construídos). A
sua muito maior escassez, face à daqueles, explica-se por, além de serem
monumentos muito mais discretos na paisagem, respeitarem a um período
cronológico de menor amplitude e a um domínio geográfico muito mais
circunscrito, como anteriormente se referiu.

No entanto, desde o trabalho pioneiro de Estácio da Veiga dedicado à


pré-história algarvia (Veiga, 1886-1891), que a sua presença é conhecida no

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Algarve, através da célebre necrópole de Alcalar, a que se seguiu a publicação,
pouco depois, por outro pioneiro da pré-história portuguesa, A. dos Santos
Rocha, do núcleo vizinho de Monte Velho, constituído por três monumentos
(Rocha, 1911).
Fig. 183
A necrópole de Alcalar corresponde ao conjunto de túmulos de falsa cúpula
mais importantes reconhecidos em Portugal; tem interesse conhecer os
pormenores da descoberta:

"Em 1880, sabendo o padre Gloria que eu estava incumbido de fundar o


museu archeologico do Algarve, lançou as suas vistas para os lados de
Alcalá; viu alli um outeiro, que não lhe pareceu obra da natureza; chamou
gente, e ao cortar a cupula do monticulo, appareceu-lhe um monumento;
mas como lhe ficava a uma legua da igreja, onde tinha obrigações
quotidianas, a que nunca faltava, limitou-se a pôr á vista o que lhe foi
possivel, e tendo d´alli extraido tantos objectos que encheram cinco grandes
caixas, levantou a planta do que chegou a ver, e mandou-me offerecer
todos os productos d´aquella bem aventurada pesquiza. O resto da
exploração, dizia elle, ficava reservado para mim, e com effeito ficou"
(Veiga, 1886, p. 215).

No conjunto, trata-se de uma necrópole constituída por treze sepulcros


colectivos que se dispõem em barreira, fechando o acesso à plataforma onde
se implantou o povoado correspondente, do lado setentrional, ritualizando
deste modo o espaço, e introduzindo a dicotomia sagrado/profano a quem se
aproximava do povoado vindo do exterior e, sobretudo, sendo do exterior
(Parreira, 1997, p. 195). Trata-se, aliás, de estratégia evidenciada em Los
Millares, Almería, onde qualquer visitante do povoado era obrigado a
atravessar um vasto campo mortuário, semeado de dezenas de monumentos
de falsa cúpula, assinalados pelos respectivos tumuli.

No caso de Alcalar, a estruturação da necrópole deve ter-se iniciado com a


construção de um dólmen, já anteriormente referido, no Neolítico Final (é o
monumento n.º 1, explorado pelo Padre Nunes da Glória), o qual actualmente ocupa
a zona nuclear da mesma. Este dólmen continha, entre numeroso espólio, um
fragmento de placa de xisto decorada, de evidente influência alentejana: sabe-se,
com efeito, que a utilização destas peças se prolongou pelo Calcolítico, mas a sua
ocorrência é compatível com a época de construção do sepulcro. Já o mesmo não
se verifica com as notáveis pontas de seta, de base profundamente cavada, algumas
delas de tipo mitriforme, características do Calcolítico: tal significa que o sepulcro
deve ter sido reutilizado naquela época, até à sua selagem, representada por laje
atravessada na entrada do corredor e reforçada por dois blocos fincados, conforme
observou Estácio da Veiga (Veiga, 1886, Est. II a). Idêntica conclusão é extensível
à presença de dois pequenos recipientes ("grais") de calcário, destinados á moagem
de cosméticos ou de corantes, também ali encontrados. Deste modo, pode

380
© Universidade Aberta
concluir-se que, à semelhança dos monumentos dolménicos da região de Lisboa, e
ao contrário do que se teria verificado em outras zonas do centro interior e norte do
país, onde os dólmenes, segundo D. Cruz, foram selados no decurso da segunda
metade do IV milénio a. C., também no Algarve se verificaram tumulações tardias.
Mas a evidente tendência conservadora na construção de uma qualquer necrópole
não resistiu, em Alcalar, à inovação tecnológica calcolítica. Na verdade, admitindo
que o único dólmen seja o monumento fundacional da necrópole, os restantes
monumentos que a constituem pouco têm a ver com ele, a não ser o seu significado
funerário: arquitectonicamente e tecnologicamente, correspondem a inovações
forâneas, chegadas ao Algarve nos finais do IV ou inícios do III milénio a. C. ou,
se quisermos uma equivalência cultural, tantas vezes redutora e simplista, com o
início do Calcolítico no Sudoeste. Só a planta, com corredores mais ou menos
longos, que dão acesso a uma câmara de contorno subcircular, se pode aproximar
da concepção já manifestada pelos dólmenes de corredor, semelhança a que já
anteriormente se aludiu, ao tratar-se da origem destes últimos. No resto, os dois
tipos de sepulcros colectivos evidenciam diferenças acentuadas, das quais a mais
evidente é a técnica de cobertura da câmara, recorrendo à construção em falsa
cúpula, na qual os pequenos elementos tabulares eram colocados em fiadas
sobrepostas, sucessivamente ultrapassadas para o interior, até garantirem a
pretendida cobertura do vão.
Essa técnica encontra-se bem evidenciada em diversos monumentos, como o n.º 7,
sendo o fecho da abóbada ocupado por uma grande laje, disposta horizontalmente.
O recurso a grandes monólitos foi, ainda, uma realidade, mas restrita aos pórticos
da entrada do corredor ou da passagem deste para a câmara. Alguns monumentos,
como os n.º 3, 4 e 7, são munidos de nichos laterais, o que conduz à hipótese de
terem servido para deposições individuais, de elementos de maior destaque da Fig. 184
comunidade que ali sepultava os seus mortos. De referir, a propósito, a existência
de um magnífico conjunto de armas de cobre recolhido no monumento n.º 3: cinco
punhais nervurados, que constituem, a par de elementos sumptuários diversos, a
começar pelas extraordinárias lâminas siliciosas já referidas ou de peças de marfim,
a prova do alto estatuto social dos ali tumulados, sublinhada pelo baixo número
destes, face à expressão monumental dos sepulcros. O marfim, trabalhado ou em
bruto, está presente em vários dos túmulos de Alcalar, cuja origem norte-africana
é indubitável: é o caso de bloco em bruto recolhido no monumento n.º 4, assim
descrita por Estácio da Veiga (Veiga, 1889, p. 213): "Era um fragmento cortado
longitudinalmente de um dente de elephante: tinha por isso uma secção plana e
outra convexa. O raio correspondente a esta curva mediu 0,05 m, e portanto o
diametro do dente devêra ter o dobro. O único trabalho que recebeu foi o da
serragem, e segundo parece estaria destinado para alguns artefactos". Esta peça,
como outras ali recolhidas, mostram as relações a longa distância que a população
de Alcalar mantinha, no sentido de aprovisionamento de materiais de evidente
exotismo e que por isso mesmo constituíam marcas de prestígio e de diferenciação
social aos seus possuidores. Por outras palavras, o estatuto social dos indivíduos
depositados nas criptas destes monumentos, pela razão atrás exposta, por certo
apenas uma pequena parte do todo social original, era diferenciado, mesmo na

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© Universidade Aberta
morte, não só pelos lugares onde os seus cadáveres se depositavam, mas ainda
pelos objectos com que se faziam acompanhar.

As técnicas de construção destes monumentos são também distintas: em


Alcalar, as paredes das câmaras são feitas em geral de pequenas lajes,
formando cúpulas de secção semi-elipsoidal, enquanto que, tanto no Alto
Algarve – tholoi da Eira dos Palheiros (Gonçalves, 1989) e do Cerro do
Malhanito, ambas no concelho de Alcoutim – como no Baixo Alentejo e no
Alto Alentejo, a maioria das câmaras dos monumentos eram definidas por
grandes ortóstatos líticos, colocados lado a lado. Esta solução arquitectónica,
idêntica à observada nas tholoi do Sudeste peninsular, não impedia, contudo,
Fig. 186 que as coberturas, acima da cota correspondente ao topo dos referidos
elementos não fossem asseguradas pelo sistema da falsa cúpula. Vestígios
desta solução construtiva, não se encontram frequentemente referidos na
bibliografia, mas tal deve-se, simplesmente, ao facto de a maioria destas
escavações ser antiga e de não se ter dado importância aos níveis de derrubes
correspondentes. Outras vezes, tais níveis de derrubes, constituídos por blocos
fortemente imbricados uns nos outros, quase desprovidos de terra, deram
aos escavadores a ideia de que as câmaras tinham sido propositadamente
entulhadas, o que não foi o caso.

Na Estremadura, identificou-se ainda uma terceira técnica construtiva,


correspondente à colocação na horizontal de blocos de maiores dimensões,
de calcário ou de arenito, excepcionalmente de rochas graníticas, como é o
caso da tholos do Monge, na cumeada da serra de Sintra. Carlos Ribeiro, em
1880, tinha já diagnosticado correctamente a técnica utilizada na cobertura
da câmara do monumento, de planta circular, como sendo a da falsa cúpula
(Ribeiro, 1880, p. 74, 75, Fig. 75-78).

Testemunhando o valor simbólico dos locais anteriormente ocupados por


alguns grandes dólmenes, certas tholoi da rica região megalítica de Reguengos
de Monsaraz, foram construídas ulteriormente, no montículo tumular
daqueles: é o caso dos dois clássicos monumentos de Comenda 2 b e de
Farisoa 1 b (Leisner & Leisner, 1951). Nalguns casos, como em Olival da
Pega 2b, tholoi arquitectonicamente semelhante à de Huerta Montero,
Badajoz, (Gonçalves, 1999), foi possível situar a sua utilização, no decurso
da 1.ª metade do III milénio a. C., conforme indicam as datas de radiocarbono
obtidas. Com efeito, à fase mais antiga correspondem três datações,
indicando-se, entre parêntesis, os respectivos intervalos calibrados, para cerca
de 95 % de probabilidade (Gonçalves, 2003): 4130 ± 60 anos BP (2883-2494
a. C.); 4290 ± 100 anos BP (3311-2584 a. C.); e 4180 ± 80 anos BP
(2918-2497 a. C.); o monumento revelou ainda uma fase de utilização mais
moderna.

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© Universidade Aberta
No conjunto, identificaram-se sete camadas de deposições funerárias. Das
dezenas de deposições integráveis na fase mais antiga, duas foram
individualizadas com segurança; uma delas corresponderá ao "fundador" do
sepulcro. Assinale-se a presença de fogos rituais, ou simplesmente fogos de
higienização, que levaram à cremação parcial dos corpos, tendo presentes as
intensas marcas de calor evidenciadas pelos ossos. No entanto, tal como o
verificado nalgumas antas alentejanas já referidas, a cremação dos cadáveres
poderia ter sido realizada no exterior do monumento, e só depois os seus
restos depositados nele, acompanhados dos correspondentes espólios, também
eles com marcas de fogo. Estes parecem evidenciar diferenças, face ao da
anta a que se encontra geminado, a anta do Olival da Pega 2, grande
monumento com enorme corredor (OP 2a).

Como refere Victor S. Gonçalves, trata-se de um fenómeno complexo de


substituição, mesclado de inovação e de continuidade face a elementos
pré-existentes, de que resultou a mudança, adoptada a diferentes ritmos, nalguns
casos na mesma região. Certos artefactos identificados em diversas tholoi do Baixo
Alentejo, como placas de xisto gravadas, características do megalitismo alentejano,
persistem, por vezes intensamente, no decurso do Calcolítico, aliás acompanhados
por outros elementos arcaizantes, de filiação neolítica, como as taças carenadas,
com ou sem mamilos na carena, pontas de seta pedunculadas e geométricos que,
por si só, demonstram a lentidão com que se efectuou a substituição de artefactos,
tanto de carácter utilitário, como de índole simbólica.

Relembre-se que a própria origem da construção da falsa cúpula, no território


português, é já conhecida em monumentos megalíticos, de que se
reconheceram indícios, já anteriormente mencionados, tanto no Alto Alentejo
(dólmen 1Vale de Rodrigo, Évora) como na Beira Baixa (Anta 3 de Amieiro, Fig. 189
Idanha-a-Nova), para já não falar da sepultura escavada na rocha da Praia
das Maçãs, anteriormente descrita e valorizada como merece.

Por outro lado, reconheceu-se em Portugal a ocorrência de uma sepultura


circular fechada, afim das que G. e V. Leisner exploraram na Andaluzia e
reportáveis à fase mais antiga dos túmulos colectivos de Almería, do Neolítico
Final (Leisner & Leisner, 1943; Leisner, 1945); embora não se possa assegurar
que a cobertura fosse em falsa cúpula, o facto de possuir planta circular,
constituída por numerosos ortóstatos, sugere afinidade com aqueles
monumentos, aos quais é imeditatamente anterior, na mesma região. Trata-se
da sepultura de Castro Marim, recentemente reanalisada (Gomes, Cardoso
& Cunha, 1994); e, com efeito, a datação realizada sobre osso humano
confirmou a sua inclusão, do ponto de vista cronológico, no Neolítico Final

383
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regional: 4525 ± 60 anos BP, correspondente ao intervalo calibrado, para
cerca de 95 % de probabilidade, de 3370-2930 a. C.

A tholos mais setentrional até ao presente seguramente reconhecida em


Portugal é a de Paimogo, perto do litoral, a norte da Lourinhã (Gallay et al.,
1973); uma datação obtida recentemente para ossos humanos deu o resultado
de 4130 ± 90 anos BP (2890-2475 a. C., para cerca de 95 % de probabilidade),
sendo, deste modo, estatisticamente contemporânea da fase mais antiga da
tholos do Olival da Pega 2b, dando a impressão de que o fenómeno da
expansão desta técnica construtiva se teria realizado muito rapidamente, não
sendo discernível pelo radiocarbono.

Na parte restante do território, afastada a hipótese de continuação da


construção ou mesmo da simples reutilização dos dólmens (os quais, como
atrás se referiu, foram objecto nalgumas regiões de generalizado e intencional
encerramento ("condenação") em finais do IV milénio a. C., só voltando a
serem reaproveitados no "horizonte" campaniforme), importa averiguar quais
as estruturas tumulares que os substituiram no decurso do III milénio a. C.; à
derradeira fase de construção de monumentos dolménicos, podem reportar-
se exemplares de arquitectura evoluída, do tipo "galeria coberta", de que
existem diversos exemplos no Minho litoral, como o dólmen de Eireira (Afife,
Viana do Castelo) ou o de Barrosa (Vila Praia de Âncora), como já
anteriormente se referiu. Esta fórmula arquitectónica foi situada por V. O.
Jorge já na segunda metade do III milénio a. C. (Jorge, 1995).

O faseamento arquitectónico funerário proposto por D. Cruz ou por S. Oliveira


Jorge para o centro e norte do País requeria, para ser mais sólido, mais e
melhores dados de cronologia absoluta, por ora muito limitados. De acordo
com os referidos autores, são reportáveis à fase tardia do megalitismo regional,
câmaras, que, de megalíticas pouco ou nada já têm, de tendência cistóide,
construídas sob tumuli, sempre de pequenas dimensões, as quais podem atingir
a 2ª metade do III milénio a. C., prolongando-se depois pelo Bronze Pleno,
até meados do II milénio a. C. Tais monumentos encontrar-se-iam
representados na fase final da evolução da necrópole polinucleada da serra
da Aboboreira (Amarante). Segundo o faseamento crono-tipológico proposto
pelo primeiro dos referidos autores (Cruz, 1995), os monumentos sepulcrais
que se inscrevem no Calcolítico, prolongando-se a sua construção pelo Bronze
Pleno – correspondentes aos últimos tipos da sua classificação (op. cit., p.
82) – seriam assim caracterizados:

Tipo IV – sepulcro ortostático com tumulus baixo: integra monumentos com


estrutura central ortostática, de pequenas dimensões, tumulus com diâmetro
inferior a 10 metros, não relevado no terreno, implantados em posição
periférica face a sepulcros mais monumentais das fases anteriores: é o caso
das mamoas 2 de Outeiro de Ante, 4 de Outeiro de Gregos e 2 de Chã de

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Carvalhal. Face à limitada área do espaço sepulcral, é admissível que
correspondam a túmulos individuais. É também o caso da Mamoa das Cabras,
da mesma necrópole, cuja cronologia, para cerca de 95 % de confiança, se
situa no intervalo de 2466-2057 a. C. intervalo que corresponde à fase mais
recente do Calcolítico regional.

O Tipo V encontra-se representado unicamente pela cista megalítica de Chã


de Carvalhal, reportável ao campaniforme; por isso, será mais detalhadamente
referida quando se tratar deste complexo.

Por último, o Tipo VI corresponde a "cairns", constituídos por superfícies


empedradas, não relevadas no terreno, delimitadas com um círculo de pedras,
cuja cronologia remete, essencialmente para época ulterior ao Calcolítico
(Bronze Pleno), pelo que serão referidos também em outro lugar deste manual.

Segundo o referido autor (Cruz, 1995), os grandes dólmenes da região devem


ter conhecido um período de utilização limitada, no máximo de 400 anos,
tendo sido em ritualmente encerrados, através de estruturas de obstrução dos
respectivos corredores ou na passagem destes para as respectivas câmaras
("estruturas de condenação") nos finais do IV milénio a. C.; falta saber se o
mesmo se observaria também no Alentejo; isto, bem entendido, sem prejuízo
de reutilizações posteriores, com destaque para as campaniformes, mas sem
desobstrução dos corredores, selados por lajes anteriormente ali
intencionalmente colocadas.

13.2 Símbolos e rituais

De acordo com os argumentos atrás expostos, na transição do IV para o


III milénio a. C. observam-se, a par de permanências e continuidades, a
introdução de novidades, ao nível da religião e da simbologia a ela associada,
expressas por artefactos desconhecidos nos contextos do Neolítico Final. Tal Fig. 191
é o caso, na Estremadura, entre as novidades, das peças de calcário, cujo
significado mágico-simbólico é evidente. As mais frequentes têm formato
cilíndrico, representando a deusa calcolítica, e os seus variados atributos –
como a gravação de olhos solares, sobrancelhas, nariz, tatuagens faciais,
toucado – particularmente nítidos nas peças algarvias, que são mais barrocas Fig. 192
("ídolos de tipo Moncarapacho") – e, excepcionalmente, o triângulo púbico,
presente em exemplar recolhido no povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras).
Deusa da fertilidade, mas também da renovação da vida, nestas peças não
custa admitir a existência de influências mediterrâneas, a começar pela própria
matéria-prima em que são confeccionadas. Tal preferência, até então
desconhecida, não obstante a vulgaridade desta rocha na região, é sugestiva

385
© Universidade Aberta
da aludida inspiração exógena, muito embora existam outras, em osso –
falanges de equídeo – e até em cerâmica, sob a forma de recipientes rituais,
ou de pequenas estatuetas, conceptualmente idênticas. A sua ocorrência
estende-se a grutas naturais e artificiais, mostrando a reutilização deste tipo
de sepulcros, no decurso do Calcolítico.

Importa salientar a presença de alguns tipos peculiares, cujas particularidades


se encontram sublinhadas pela sua limitada distribuição geográfica, algumas
delas já anteriormente referidas. É o caso de enxós votivas, de calcário,
presentes apenas em sepulcros da Estremadura, representando o cabo e, até,
as tiras de fibras vegetais que garantiam a fixação da lâmina lítica àquele, de
um par de sandálias de calcário, igualmente de significado votivo, recolhido
na gruta II de Alapraia, Cascais (Jalhay & Paço, 1941), com paralelos
conhecidos em Almizaraque, Almería, mas de osso ou marfim
(Almagro-Gorbea, 1959), e das lúnulas, de contorno recortado, cuja
distribuição geográfica circunda a serra de Sintra, a "Serra da Lua" dos
Romanos. Não se esqueça que a Lua pode ser também invocada como símbolo
da vida, visto renascer depois de, aparentemente, ter desaparecido do
firmamento (Lua Nova). Este último grupo de objectos de maior expressão
simbólica, porque remete para a crença no renascimento humano – daí serem
quase de exclusiva proveniência funerária – evoca ainda um outro grupo
artefactual, o das "pinhas", com treze ocorrências conhecidas, limitadas à
actual Estremadura (Cardoso, 1992). Exemplar ocasionalmente recolhido
Fig. 195
no dólmen de Casainhos, Loures (Cardoso; González & Cardoso, 2001/2002),
com aquela forma, apresenta ainda três serpentes longitudinais animal ligado
também à renovação da vida. A evidente semelhança formal faz corresponder
genericamente tais peças à representação de pinhas de pinheiro. Estas
detiveram sempre, em diversas épocas e religiões, um significado estritamente
relacionado à renovação da vida: Dioniso (Baco, no panteão romano), que
representava a vegetação, os frutos, a vinha, o vinho, a renovação das estações,
numa palavra, a vida e a afirmação da sua pujante fecundidade, era figurado
segurando um bastão encimado por uma pinha. Símbolo da renovação da
vida, tal é também a explicação para a ocorrência da pinha em diversas lápides
funerárias romanas, recolhidas em Portugal. O pinheiro, como árvore que
nunca morre, visto manter-se sempre verde, simbolizava, entre os Romanos,
como em outros povos antigos europeus, os seus rituais de primavera
(ELIADE, 1997, p. 386).

Em Portugal, é frequente o costume de associar as pinhas –como símbolo de


regeneração da vida – a algumas festas de raiz pagã, que ainda hoje se praticam na
Estremadura, como o "baile da Pinhata" realizado por alturas do Carnaval, com a
colocação da representação de grande pinha, no centro da sala. O cristianismo
adoptou tal símbolo, embora dele não retivesse o significado primitivo: é o caso da

386
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colocação do círio pascal, na noite de Sábado para Domingo de Páscoa, o dia da
Ressurreição de Cristo, de cinco pinhas, simbolizando as cinco chagas de Cristo,
observado na Igreja de Santo António do Estoril. Tendo ficado clara a simbologia
da pinha, importa discutir a presença das três serpentes na peça de Casainhos, a
única em que aquelas se representaram. O significado da serpente, da Pré-História
aos dias de hoje, é de há muito objecto de estudo; a serpente, como animal sagrado,
encontra-se estreitamente associada à noção de morte/regeneração e à de
fecundidade/renovação, articulando-se directamente com outros elementos como
a água e a Lua (Eliade, 1997, p. 220; Tavares, 1967). Deste modo, a presença e a
posição das três serpentes na peça em causa, tem um significado que reforça o da
pinha, sendo assim compatível com a simbologia expressa por aquela. Assim sendo,
as pinhas calcolíticas de calcário da Estremadura corporizam a existência, nesta
área geográfica, de uma forma particular de culto à regeneração da vida, como
convinha a oferendas fúnebres, destinadas a acompanhar os mortos na sua última
viagem, que era também de renascimento para outra vida. Em épocas ulteriores,
também as serpentes continuaram a ser representadas, atingindo a sua máxima
expressão na Idade do Ferro do norte de Portugal (Gomes, 1999). A importância
destes répteis na estrutura religiosa das populações castrejas era relevante, a ponto
de existirem referências, nas fontes clássicas, a um "povo das serpentes", habitando
o ocidente peninsular, os Sefes, que J. de Alarcão admitiu terem vivido na actual
Estremadura, "entre o Tejo e o Mondego ou talvez, mais limitadamente, entre
aquele rio e o cabo Carvoeiro" (Alarcão, 1992, p. 340). É lícito, pois, ver nas duas
representações da peça de Casainhos – a serpente e a pinha – dois elementos de
uma epifania que chegou aos dias de hoje, mas cuja origem calcolítica é
demonstrável, tendo pervivido, exactamente no mesmo território através dos tempos,
para o que contribuiu também o facto de se terem tornado símbolos supra-regionais.
Em conclusão, a peça do dólmen de Casainhos, pelo significado religioso que
detêm as representações simbólicas nela insculturadas, testemuha, por si só, a
riqueza e a complexidade dos conceitos já então perfeitamente adquiridos e
praticados pelas comunidades estremenhas calcolíticas da primeira metade do
III milénio a. C.

No contexto dos ídolos de calcário estremenhos que se têm vindo a referir,


importa destacar o notável e único conjunto recolhido na gruta do Correio
Mor, Loures (Cardoso et al., 1995). Constituído por onze peças, colocadas
numa zona central do chão primitivo da gruta, a maioria possui evidente
carácter antropomórfico, sublinhado pela decoração, com representação facial;
numa delas, de características únicas, a natureza antropomórfica foi
conseguida separando a "cabeça", achatada, do corpo, cilíndrico, através de
um estrangulamento, conferindo-lhe o aspecto de um peso de balança. Este
conjunto faria, pois, parte de um altar funerário rupestre.

Outro conjunto funerário, representado por cerca de uma dezena de ídolos,


executados em primeiras falanges de equídeo polidas (apenas uma em
primeira falange de boi doméstico), lisas ou gravadas com a característica

387
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face oculada, provém da Lapa da Bugalheira, Torres Novas. Segundo os
escavadores, as peças concentravam-se de um dos lados da cavidade (Paço,
Vaultier & Zbyszewski 1942). A escolha destas falanges decorre da sua forma
antropomórfica, a qual, nalguns casos não sofreu qualquer transformação: é
o caso do exemplar recolhido na tholos do Cabecico de Aguilar que ostenta,
simplesmente, um triângulo púbico na zona basal, não deixando dúvidas
quanto ao sexo da divindade que representava (Leisner & Leisner, 1943,
Tf. 29).

No Alto Alentejo, alguns exemplares de ídolos de calcário e outros objectos


com eles associados, como os provenientes do povoado do Porto Torrão,
Ferreira do Alentejo, reflectem não só as relações culturais com a Estremadura
portuguesa, como, sobretudo, com a Extremadura espanhola e o mundo
calcolítico andaluz, através da ligação do Guadiana ao Médio Guadalquivir.
Tal é também a conclusão a extrair da recolha, em grandes antas alentejanas,
reutilizadas no Calcolítico, de recipientes com representações simbólicas
oculadas, como a Anta Grande do Zambujeiro, Évora (Pina, 1971, Fig. 3), ou
a Anta Grande do Olival da Pega, Reguengos de Monsaraz (Leisner & Leisner,
1951, Est. LXII, 15-17), possuindo evidentes analogias com o notável
exemplar da tholos do Monte do Outeiro, Aljustrel, no qual, para além de
Fig. 190 tais motivos, se encontra representado também o triângulo púbico (Viana,
Ferreira & Andrade, 1961). Estes vasos, com decoração barroca, remetem
para o Calcolítico do Sudeste, encontrando-se presentes nas tholoi de Los
Millares, Almería. Da mesma forma, o notável conjunto de peças de mármore
recolhidas na região de Pera, Silves (Cardoso, 2002), indica relações com
aquela área geográfica: com efeito, ocorrem modelos que são dali exclusivos,
não se conhecendo paralelos em território português. Um deles, com a
representação de dois mamilos cónicos – atributo que remete, uma vez mais,
para a divindade feminina calcolítica – é único em território português, mas
com paralelos directos em exemplares de Los Millares, nos túmulos 16 e 57,
respectivamente (Leisner & Leisner, 1943, Tf. 14, n.º 16, 34; Tf. 148, n.º 10).
Estas peças reforçam inequivocamente a relação, mais ou menos imediata,
estabelecida entre os povoadores calcolíticos do Algarve e os seus homólogos
do levante peninsular.

No Algarve ocorre uma variante dos comuns cilindros lisos de calcário – a


estilização máxima da figura humana – representados por exemplares com a
representação facial, oculada e radiada, com sobrancelhas, "tatuagens" e
cabeleiras onduladas, em composições comparáveis às patentes nas cerâmicas
anteriormente mencionadas: trata-se dos "ídolos de tipo Moncarapacho"
(Olhão), de onde provêm vários exemplares, depois encontrados em outras
regiões do litoral argarvio. Os olhos radiados, que caracterizam estes
exemplares, foram relacionados com os olhos da coruja numa obra bem
conhecida de M. Gimbutas: "The round eyes so definitively establish her

388
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identity that often no auxiliary anthropomorphic features were deemed
necessary" (Gimbutas, 1989, p. 54, 55). Tal interpretação é, com efeito,
consentânea com o carácter funerário destas peças, que se quadra bem com
os hábitos nocturnos daquela ave; seria, pois, mais uma corporização da
omnipresente deusa-mãe calcolítica – que é também da fertitilidade e da
vida – como protectora dos defuntos, prenunciando a sua regeneração para
além da morte.

Não seria aceitável terminar este capítulo sem referir dois exemplos, entre
muitos outros, mas dos quais não subsistiram vestígios, dos pequenos gestos
associados às práticas funerárias, ou dos grandes rituais relacionados com
cerimónias públicas não funerárias dos tempos calcolíticos. No primeiro caso,
trata-se da oferenda de um machado plano de cobre, embrulhado num pano
de linho, encontrado em sepultura cistóide de Belle France, uma das
necrópoles das Caldas de Monchique. Qual o significado desta ritualização
do machado, provavelmente desencabado, envolvendo-o no pedaço de tecido
referido? Segundo os autores da descoberta, "O tecido, que lembra um linho
finíssimo e bem fiado, estava dobrado em quatro partes, notando-se que o
machado foi cautelosamente amortalhado (...)" (Viana, Formosinho &
Ferreira, 1948, p. 3; Formosinho, Ferreira & Viana, 1953/1954, Est. XVII,
n.º 2). Ambas as peças foram recentemente analisadas (Soares & Ribeiro
2003). O machado, é de cobre puro, não arsenical; quanto ao tecido,
confirmou-se que era de linho, dentro da categoria dos "tafetá", com uma
densidade de 36 por 31 fios por centímetro quadrado, obtido por fibras sem
torção, constituídas respectivamente por 16 e 11 fibras. Era visível, por outro
lado, no tecido, uma risca avermelhada, efectuada por pincelagem com corante
avermelhado, cuja análise química mostrou ser a "ruiva dos tintureiros"
(Rubia tinctorum L.), planta sub-espontânea em Portugal, cultivada com
aquela finalidade, extraindo-se o corante da respectiva raiz, que é vermelha.
Enfim, uma pequeníssima porção do tecido foi datada pelo radiocarbono,
indicando que aquele foi fabricado entre meados e o terceiro quartel do
III milénio a. C.; deste modo, constitui o exemplar de tecido datado mais
antigo da Península Ibérica (Soares & Ribeiro, 2003).

O segundo caso reporta-se a testemunho extraordinário da cerimónia


fundacional do povoado calcolítico fortificado de Vila Nova de S. Pedro,
Azambuja, à qual, na época, e mesmo depois dela, não foi dada a devida
importância. Não obstante A. do Paço ter identificado correctamente os
vestígios, por ele exumados, como correspondentes a uma cerimónia
fundacional, o respectivo artigo foi intitulado, simplesmente "Uma vasilha
de barro, de grandes dimensões, do "castro" de Vila-Nova-de-São Pedro"
(Paço, 1943), evidenciando a pouca importância dada ao significado daquela
descoberta, no contexto em que se integrava. Não obstante, a reconstituição

389
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desta cerimónia foi apresentada detalhadamente pelo próprio, correspondendo
à seguinte sequência:

1. Escavação do subsolo, de grandes dimensões, que atingiu 2,60 metros


na parte mais profunda, contados a partir da actual superfície do
terreno, delimitada de dois lados por uma linha de pedras. A camada
arqueológica correspondia aos 0,60 metros superiores do enchimento;
esta escavação foi, depois de cumpridos os preceitos rituais que
estiveram na origem da sua execução, colmatada por depósito
compacto de barro amassado, formando enchimento que atingia,
portanto, cerca de 2 metros de espessura máxima;

2. Antes de se ter procedido ao aludido enchimento, depositou-se, na


parte mais funda da escavação, um bovino, disposto na direcção
Norte-Sul, e talvez outros animais, tendo presentes os restos de veado,
porco/javali e cabra/ovelha encontrados nesse nível; encontrou-se
também uma valva de Pecten sp. (vieira), uma faca e um raspador,
bem como fragmentos de mais "duas ou três vasilhas";

3. Junto aos corpos desses animais, sacrificados na ocasião, fez-se uma


fogueira, bem visível do lado da cabeça do bovino, e colocou-se ao
lado um recipiente liso;

4. Por cima do conjunto anterior, despejou-se barro amassado, atingindo


cerca de 0,50 metros de espessura, não se encontrando a fogueira
completamente extinta, como se deduz dos fragmentos de carvões
encontrados;

5. Sobre esta primeira camada de barro amassado, e na vertical da barriga


do bovino, colocou-se uma grande taça lisa, com 0,38 metros de altura
e 0,58 metros de diâmetro, assente em pequenas pedras, que
circundavam lateralmente todo o recipiente. No interior, recolheram-se
pequenos fragmentos cerâmicos, uma valva de amêijoa e "restos" de
machado de pedra polida;

6. As pequenas pedras que circundavam o recipiente cobriam-no também,


formando uma espécie de carapaça que o protegia por todos os lados;

7. A colmatação da escavação continuou com barro amassado,


conjuntamente com materiais arqueológicos fragmentados, que se
misturaram com a argamassa, casual ou intencionalmente, atingindo
este depósito a altura de cerca de 1 metro acima do bordo da taça;

8. Do lado oriental da escavação, e dentro dela, que ali atingia menor


profundidade, encontraram-se restos de outro bovino, aparentemente

390
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depositado ao mesmo tempo do anterior e relacionando-se assim com
idêntico momento do ritual.

Como muito bem observou A. do Paço, estes testemunhos correspondem a


"uma cerimónia religiosa, praticada certamente no princípio, talvez uma
consagração do local levada a cabo pelos habitantes do "castelo" quando ali
se estabeleceram (...)." (Paço, 1943, p. 143). A localização destes vestígios,
no contexto da fortificação calcolítica que ulteriormente ali se pôs a
descoberto, corresponde a área situada no exterior do reduto central, entre
este e a segunda linha muralhada; no entanto, a ocorrência de materiais
arqueológicos fragmentados, de mistura com o depósito de barro amassado,
faz admitir que esta cerimónia não correspondesse exactamente ao início da
ocupação do sítio, mas a etapa em que se procurou sacralizar o povoado, ou
uma área ainda não ocupada deste.

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14. O "Fenómeno" Campaniforme

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A existência de um grupo cerâmico pan-europeu, denominado
"campaniforme" — facilmente identificável e relativamente homogéneo —
foi reconhecida nos finais do século XIX. Além da tipologia e das
características de decoração dessa cerâmica, desde cedo foi também notada
a sua associação regular a um conjunto de artefactos de cobre. Começaram
a aparecer, entretanto, vários estudos regionais e uma primeira síntese dos
conhecimentos adquiridos sobre o fenómeno campaniforme no espaço
europeu elaborada por Alberto del Castillo em 1928. Devido à grande
semelhança de tipologias e de estilos de decoração, o autor postulou não só
uma identidade tipológica e cronológica pan-europeia para a cerâmica
campaniforme, mas também uma teoria difusionista em que a origem dessa
cerâmica se situaria na Península Ibérica, tendo sido difundida para toda a
Europa por grupos caracterizados pelo uso de este tipo de cerâmica. Logo no
ano seguinte, em 1929, Gordon Childe aceitou a hipótese ibérica proposta
por A. del Castillo e ligou-a também à difusão da metalurgia do cobre,
propondo a existência de um povo campaniforme ("Beaker people" ou
"Beaker folk") de mercadores e metalurgistas, rapidamente dispersos, à
procura de recursos minerais e disponibilizando, em troca, artefactos
metálicos.

Nos anos sessenta, duas contribuições importantes, uma de Stuart Piggott


(1963) e outra de Edward Sangmeister (1963), procuraram alargar a base
material sobre a qual os estudos sobre o campaniforme tinham sido, até aquela
altura, conduzidos. Ambos examinaram as evidências cerâmicas e não
cerâmicas, numa tentativa de definir, pela primeira vez, uma cultura
campaniforme ou uma série de culturas campaniformes no sentido que lhes
dava Childe, isto é, definindo-as como "um conjunto coerente de artefactos".
Sangmeister tentou cobrir toda a Europa e, na ausência de uma base
cronológica segura, produziu uma racionalização da evidência arqueológica
disponível. Com base na tipologia da cerâmica e de materiais não cerâmicos,
e com a ajuda das conclusões do programa de análises de artefactos metálicos
conduzido pelo grupo de Stuttgart, sugeriu dois movimentos fundamentais
de difusão dentro da Europa: primeiro, um movimento para fora da Península
Ibérica até à Europa Central, seguido de um movimento de "refluxo" a partir
da Europa Central, a que corresponde um conjunto diferente de artefactos e
estilos cerâmicos.

Com a generalização da datação pelo radiocarbono e com o aparecimento


das curvas de calibração, estas teorias começaram a ser postas em causa,
designadamente o conceito de movimentações étnicas, como estando na
origem da difusão dos conjuntos campaniformes referidos anteriormente.
Começou-se, pelo contrário, a aceitar que a evolução dos conjuntos
campaniformes poderiam antes ser o resultado do desenvolvimento mais ou
menos independente de tradições locais há muito existentes, sem negar uma

395
© Universidade Aberta
raíz comum, ou várias, no contexto europeu, que explicariam as variantes
regionais identificadas.

Um exemplo típico destes desenvolvimentos teóricos é fornecido pelo que


se passou nas Ilhas Britânicas, com a introdução de novos tipos e estilos de
cerâmica, designadamente a cerâmica campaniforme, e da metalurgia. A maior
parte da evidência disponível para este período provém de sepulturas,
normalmente inumações individuais, cada uma acompanhada por um vaso
campaniforme. Os estilos são comuns à Europa Continental, onde as origens
do material britânico parecem ligar-se, mas o mecanismo de introdução e as
vias postuladas tornaram possível subdividir o corpus reunido em tipologias
e, por inferência, em grupos cronológicos. D. L. Clarke estudou e publicou,
em 1970, esse corpus de materiais campaniformes e, baseado na cerâmica,
designadamente nas dimensões, forma e decoração dos vasos, sugeriu a
imigração para as Ilhas Britânicas, em duas fases principais, de sete grupos
diferentes de populações campaniformes. Cada grupo poderia ser distinguido
por um estilo cerâmico particular, ao qual se seguia o desenvolvimento de
duas tradições distintas de cerâmicas nativas, cada qual divisível em grupos
tipológicos com significado cronológico específico.

Os mesmos dados foram posteriormente examinados e reelaborados por


Lanting e van der Waals, em 1972, os quais apresentaram um esquema
envolvendo apenas um influxo continental seguido pelo desenvolvimento de
estilos regionais, os quais se subdividiam em sete estádios com significado
cronológico.

Outro trabalho, publicado em 1972, do laboratório do British Museum,


conduzido por Ambers e colaboradores, procurou testar o significado
cronológico atribuído aos diferentes estilos de decoração identificados por
Clarke ou por Lanting e van der Waals, tendo para isso datado apenas ossos
de esqueletos encontrados ainda articulados que estivessem acompanhados
de vasos campaniformes de diferentes tipologias.

Foram datadas cerca de 20 amostras e nenhuma ligação foi encontrada entre


a tipologia dos recipientes e a cronologia absoluta obtida, embora a dimensão
dos intervalos das datas calibradas possam eventualmente esconder algumas
diferenças cronológicas. De qualquer modo, este trabalho demonstra que o
uso de tais classificações tipológicas como indicadores cronológicos pode
ser incorrecto e enganador.

Em Portugal, a cerâmica decorada campaniforme tem sido considerada como


"fóssil director" da última fase do Calcolítico. Por outro lado, "é decomponível
em três grupos principais tal como é possível concluir da análise tipológica e
quantitativa dos materiais campaniformes provenientes das principais jazidas

396
© Universidade Aberta
portuguesas" (Soares & Silva, 1974/77, p. 101). Esses três grupos principais
são:

1. O Grupo "internacional" onde pontifica o vaso "marítimo", de tipologia


clássica, em forma de campânula invertida, com decoração de
pontilhado de bandas horizontais interiormente preenchidas por
segmentos com inclinação alternada (tipo "herringbone", ou "epinha
de arenque"), a que se junta outro tipo de decorações geométricas a
pontilhado, presentes em vasos campaniformes e em caçoilas;

2. O Grupo de Palmela (caracterizado pela taça Palmela, decorada a


pontilhado e de lábio decorado);

3. E o Grupo inciso, caracterizado pela presença daquela técnica Fig. 200


decorativa, aplicada a diversas formas de recipientes, com as caçoilas
e as taças Palmela, com bordos aplanados e muito largos, profusamente
decorados e onde os vasos "marítimos" escasseiam ou se encontram
mesmo ausentes.

Embora os autores admitam a coexistência destes três grupos, o grupo


"internacional" seria o mais antigo, seguido pelo Grupo de Palmela e este
pelo Grupo inciso, o mais recente dos três, cuja existência se prolongaria até
à Idade do Bronze. A predo-minância de materiais característicos de um
determinado grupo funcionaria como indicador cronológico para o contexto
arqueológico em causa.

R. J. Harrison (Harrison, 1988), com base nas datas de radiocarbono


conhecidas para contextos campaniformes da Península Ibérica, sugeriu que
os estilos regionais, nomeadamente o inciso, surgiram e desenvolveram-se
rapidamente, uma vez em uso os recipientes de tipo "marítimo". Exemplo
deste facto é o que acontece com a sepultura colectiva de Atalayuela (província
de Logroño), onde a datação de esqueletos articulados, acompanhados de
vasos campaniformes incisos, permitiu atribuir-lhe uma cronologia
correspondente ainda à primeira metade do III milénio a. C.

Mais recentemente, uma análise às datas de radiocarbono conhecidas para o


Calcolítico da Estremadura e do Sul de Portugal (Soares & Cabral, 1992;
Cardoso & Soares, 1990/1992) veio chamar a atenção para a maior
antiguidade do aparecimento do fenómeno campaniforme em contextos
arqueológicos daquelas regiões, face à usualmente considerada.

397
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14.1 Estremadura

A Estremadura portuguesa é, de todas as regiões do nosso território, a que se


afigura mais rica de materiais campaniformes. É também aquela onde estes
foram mais precocemente reconhecidos como tal, desde o último quartel do
século XIX, justificando designações hoje válidas, a nível internacional, como
"taças Palmela" ou de "pontas Palmela", em resultado das descobertas
efectuadas nas grutas artificiais da Quinta do Anjo, Palmela, onde tais
produções foram pela primeira vez devidamente reconhecidas e valorizadas.
Podemos decompor as ocorrências de materiais campaniformes em dois
principais tipos de estações, as de carácter habitacional – englobando
povoados ou pequenos núcleos, de tipo familiar – e as necrópoles, as quais
serão de seguida descritas.

14.1.1 Povoados

Penha Verde, Sintra, é um povoado campaniforme fortificado, do qual se


escavaram, duas casas, de planta circular, uma delas com corredor, construídas
por lajes calcárias de pequenas dimensões dispostas horizontalmente, e um
silo, igualmente de planta circular, na proximidade de uma das referidas
habitações (Zbyszewski & Ferreira, 1958, 1959). Identificou-se ainda um
fosso, associado à Casa 2, bem como um pavimento de lajes de calcário, no
exterior daquela, prolongando o corredor respectivo.

Na primeira publicação refere-se, explicitamente, a associação da cerâmica


campaniforme a outros tipos de recipientes decorados, designadamente com
motivos em "folha de acácia" e incisos, muito abundantes e variados (op.
cit., p. 55). Tal conclusão é reforçada no trabalho mais recente (op. cit., p.
406). Note-se a total ausência da cerâmica canelada, característica do
Calcolítico Inicial da Estremadura, de entre as centenas de fragmentos
decorados recolhidos. A associação de cerâmicas incisas e impressas, de
origem local e anteriores às campaniformes ("folha de acácia" e "crucífera")
a materiais campaniformes é plausível: tal constatação foi já assinalada nos
níveis superiores do povoado pré-histórico da Rotura, Setúbal (Gonçalves,
1971; Silva, 1971; Ferreira & Silva, 1970) e, mais modernamente, no do
Zambujal, Torres Vedras (Kunst, 1987, 1995). De salientar, ainda, em reforço
da referida coexistência, o facto das unidades habitacionais donde provêm
tais fragmentos possuírem, naturalmente, uma "vida útil" curta, talvez uma
geração, no máximo.

398
© Universidade Aberta
Ainda se não dispõe de um estudo completo do conjunto campaniforme: apenas
Harrison (1977, Figs. 55-59) apresenta o desenho esquemático da maior parte dos
referidos fragmentos, possibilitando uma apreciação global do conjunto. Assim,
na Casa 1 estão presentes vasos campaniformes com decoração de bandas, a
pontilhado ("marítimos"), caçoilas de ombro e carenadas, igualmente decoradas a
pontilhado; são muito raros os fragmentos (de pequenas dimensões, pertencentes
a formas difíceis de classificar) com decorações incisas. Quatro artefactos de cobre,
entre eles duas pequenas facas com chanfros de encabamento — sendo uma delas
de cobre arsenical (Junghans et al., 1968, An. N.º 2447) — completam o conjunto.
Da Casa 2 provêm vasos campaniformes "marítimos" com decoração a pontilhado,
taças hemisféricas de bordo ligeiramente espessado, também decoradas a pontilhado
e caçoilas de ombro e carenadas, ambas decoradas igualmente a ponteado. São
excepcionais os fragmentos incisos; entre eles, contam-se os de três taças Palmela,
além de uma taça hemisférica e de cinco fragmentos de recipientes inclassificáveis.
As peças metálicas, à base de cobre, todas de pequenas dimensões, correspondem,
sobretudo, a furadores ou sovelas de secção rectangular, sendo, pelo menos uma
delas, de bronze, com um teor em estanho de cerca de 10% (Junghans et al., 1968,
An. Nº 2448). Enfim, do "fosso" adjacente à Casa 2 obteve-se um vaso
campaniforme "marítimo" integrado em conjunto dominado, ao contrário dos dois
anteriores, por fragmentos de taças em calote e de taças Palmela com decorações
incisas, e de onde se encontram ausentes as decorações a pontilhado. As duas
peças metálicas de cobre reportáveis ao fosso são um furador de secção rectangular
e uma ponta Palmela.
Na Casa 2 recolheu-se um alfinete de ouro, de secção circular e cabeça em botão,
de formato lenticular (Zbyszewski & Ferreira, 1958, p. 50). Trata-se de artefacto
muito semelhante, a outro, oriundo de Areia, Mealhada, pertencente ao Museu
Nacional de Arqueologia (Fernandes, 1993, p. 152, 153). É crível que este exemplar,
ao contrário do artefacto em bronze acima mencionado, seja coevo do conjunto
campaniforme descrito. Desta forma, poderemos concluir que a ocupação da Penha
Verde é essencialmente campaniforme, embora uma presença da Idade do Bronze,
muito menos marcada, tenha também tido ali lugar.
Estas duas ocupações parecem confirmadas através das datas de radiocarbono
obtidas. A primeira foi determinada a partir de uma amostra de carvão, a qual,
depois de calibrada, corresponde ao intervalo, para cerca de 95 % de confiança, de
2282-1258 a. C. não tendo sido referida a qualquer das estruturas escavadas.
Informação pessoal de O. da Veiga Ferreira situa a amostra datada na Casa 2.
A uma segunda datação a partir de ossos cuja proveniência específica se desconhece,
corresponde o intervalo de 2620-2394 a. C., compatível com a ocupação dominante.

Em Leceia, Oeiras, o interior da imponente e notável fortificação calcolítica,


já por diversas vezes referida no decurso desta obra, constituiria um
amontoado de ruínas aquando da passagem pelo local de grupos humanos
portadores de cerâmicas campaniformes, que ali estacionariam

399
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espaçadamente, no final do Calcolítico Pleno. Indício deste facto é-nos
fornecido pela posição estratigráfica dos materiais campaniformes no interior
da área defendida, invariavelmente na parte superior da Camada 2, constituída,
em boa parte, por derrubes oriundos das muralhas e bastiões do dispositivo
defensivo, então já em parte arruinado e desactivado.

Escavaram-se ainda, na área extramuros adjacente à primeira linha defensiva,


duas estruturas habitacionais, atribuíveis à presença campaniforme, as únicas
no seu tipo, até ao presente reconhecidas na Estremadura.

São ambas de planta elipsoidal, embora de dimensões muito diferentes.


Fig. 196
Trata-se da Cabana EN, com cerca de 5,0 metros de comprimento máximo e
da Cabana FM, com o dobro daquele comprimento.

Com efeito, a importância de Leceia para a discussão do "fenómeno"


campaniforme decorre, sobretudo, da existência destas duas unidades de
carácter doméstico tendo a cerâmica decorada sido já objecto de estudo
analítico exaustivo (Cardoso, 1997/1998, 2000, 2001).

No interior da Cabana EN, recolheram-se 26 exemplares campaniformes, dos quais


apenas 5 foram decorados a pontilhado; predominam, deste modo, as decorações
incisas, evocando assinalável modernidade no conjunto, de onde se encontra ausente
o vaso campaniforme "marítimo". A segunda cabana possuía uma entrada,
sublinhada por soleira e por duas ombreiras, voltadas para o exterior. Embora, tal
como na anterior, o espólio cerâmico decorado fosse inteiramente constituído por
Fig. 197 materiais campaniformes, ao contrário daquela, mais de 75 % das decorações foram
feitas a pontilhado, encontrando-se presentes em vasos "marítimos" e numa grande
variedade de recipientes, incluindo taças Palmela, caçoilas e taças hemisféricas,
onde também estão presentes as decorações incisas. Sendo certo que houve
coexistência destas diversas técnicas decorativas, até pela "vida curta" inerente à
natureza da própria estrutura, duas conclusões se destacam:
- a aludida coexistência torna muito relativos os critérios de faseamento ou
periodização das cerâmicas campaniformes até o presente desenvolvidos
em Portugal, limitando-lhes a validade em termos absolutos;
- desde que se disponha de um número mínimo de exemplares susceptíveis
de suportarem conclusões credíveis, é de admitir que os conjuntos dominados
pelas decorações incisas e por formas de carácter local, de onde se encontram
ausentes os vasos marítimos, sejam mais recentes que aqueles onde tal forma
ocorre, associada à técnica pontilhada (decorações do tipo "marítimo" e
geométrico). No caso em apreço, esta realidade é corporizada pelo espólio
da Cabana EN .

400
© Universidade Aberta
A estratigrafia correspondente à Cabana EN indica, apenas, que esta se fundou em
derrubes da fortificação do Calcolítico Inicial, enquanto a Cabana FM assentou
directamente, ora no substrato geológico ora na camada 4, do Neolítico Final.

Assim sendo, a quase exclusividade de peças incisas na Cabana EN, bem como a
ausência de vasos "marítimos", conduz a considerar tal conjunto, à luz dos critérios
expostos, mais tardio do que o recolhido na Cabana FM e no interior da fortificação,
onde é frequente o vaso "marítimo" decorado a pontilhado, rareando as decorações
incisas.

Duas datas de radiocarbono foram obtidas a partir de ossos de animais


domésticos, provenientes daquelas estruturas campaniformes: para a Cabana
EN e a Cabana FM, os intervalos obtidos, para cerca de 95% de confiança,
foram, respectivamente, de 2629-2176 a. C. e 2825-2654 a. C.

Além destas, foram determinadas anteriormente e já publicadas (Cardoso &


Soares, 1996) oito datas de radiocarbono para a Camada 3 (Calcolítico Inicial)
e dezoito datas para a Camada 2 (Calcolítico Pleno), que permitiram, pela
primeira vez, situar a transição entre o Calcolítico Inicial e o Calcolítico
Pleno da Estremadura cerca de 2600 a. C, como já atrás se referiu.

Perante estes resultados, seria tentador considerar a data mais antiga reportável
ao Calcolítico Inicial; porém, dado o que a posição estratigráfica das cerâmicas
campaniformes no interior da fortificação é sempre mais recente que a camada
correspondente ao Calcolítico Inicial, deve concluir-se que é ao Calcolítico
Pleno que ambas as cabanas devem ser reportadas, situando-se em tal fase
cultural a emergência do fenómeno campaniforme na Estremadura. Por outro
lado, o facto de, em ambas as estruturas de carácter habitacional estudadas,
se encontrar totalmente ausente qualquer fragmento cerâmico decorado que
não fosse campaniforme, apesar de a utilização destas cabanas ser coeva da
ocupação do interior da fortificação, onde aquelas abundavam, de mistura
com materiais campaniformes, vem mostrar que os seus ocupantes detinham
uma cultura material distinta, facto que pode remeter para uma identidade
social diferenciada dos habitantes da área intramuros..

O povoado calcolítico fortificado do Zambujal, Torres Vedras, foi objecto,


entre 1964 e 1973, de sucessivas campanhas de escavação que interessaram
a parte central do antigo dispositivo defensivo. Embora o estudo da
distribuição estratigráfica do espólio exumado esteja ainda longe de concluído,
a maior abundância da cerâmica campaniforme observa-se nos níveis mais
modernos da sequência estratigráfica, ao contrário do observado nos restantes
grupos de cerâmica decoradas calcolíticas (cerâmicas caneladas e cerâmicas
impressas — "folha de acácia" e "crucífera"). Porém, os materiais
campaniformes coexistem com os copos, a forma mais característica das
cerâmicas caneladas, bem como, por maioria de razão, com as cerâmicas

401
© Universidade Aberta
com decorações em "folha de acácia" e "crucífera", ao longo de todas as
fases construtivas identificadas na estação, da mais antiga à mais recente
(Kunst, 1995, Abb.7) sendo mínimos, segundo este autor, na mais antiga.

A sequência proposta por M. Kunst (1996) para as cerâmicas decoradas no Zambujal


é a seguinte:
1. Copos cilíndricos exclusivos;

2. Copos cilíndricos frequentes + escassas decorações "folha de acácia" e


"crucífera";

3. Copos cilíndricos frequentes + decorações "folha de acácia" e "crucífera"


frequentes + escassos campaniformes;

4. Decorações "folha de acácia" e "crucífera" frequentes + campaniformes


frequentes + escassos copos cilíndricos (apenas exemplares em estratigrafia
removida);
5. Campaniformes frequentes + escassas decorações "folhas de acácia" e
"crucífera" + ausência de copos cilíndricos ou, pelo menos, grande escassez
destes.

Pode assim concluir-se que, ao longo da sequência estratigráfica, se verificaria


uma coexistência de cerâmicas campaniformes com as suas congéneres
decoradas de origem pré-campaniforme – especialmente as com motivos em
"folha de acácia" e "crucífera" – aumentando a frequência das produções
campaniformes das camadas mais antigas para as mais modernas. Note-se,
contudo, que existe uma discrepância, entre os dois trabalhos de M. Kunst,
no tocante à presença (ou não) de cerâmicas campaniformes na fase mais
antiga do Zambujal.

Dispõe-se de onze datas de radiocarbono obtidas a partir de amostras com


posição estratigráfica relativamente segura (Soares & Cabral, 1984, 1993),
balizadas pelos seguintes intervalos extremos, para cerca de 95 % de
probabilidade: 2825-2654 a. C. (Fase 2a); e 1846-1773 a. C. (Fase 4c),
intervalo obviamente demasiado moderno para que possa ainda ser
considerado como campaniforme.

A fase 1 não foi datada. Considerando a já apreciável quantidade de


fragmentos campaniformes na fase 2 (Kunst, 1995, Abb.7a), é de admitir,
face às datas calibradas obtidas, que aqueles estejam presentes naquele
importante povoado ao longo de boa parte a primeira metade do
III milénio a. C.

402
© Universidade Aberta
No Zambujal, predominam largamente as decorações a pontilhado aplicadas
sobretudo a vasos "marítimos" e a caçoilas (Kunst, 1987, Tf.2 e seg.).

O povoado pré-histórico da Rotura, Setúbal situa-se junto ao estuário do


Sado e domina um antigo esteiro fluvial. Implantado no topo de crista rochosa,
recolheram-se também ali materiais campaniformes. Verificou-se a Fig. 168
coexistência estratigráfica de vasos "marítimos", caçoilas e taças Palmela,
decoradas quase exclusivamente a pontilhado (configurando uma associação
típica do denominado "Grupo de Palmela"), com cerâmicas locais
pré-campaniformes decoradas em "folha de acácia" e "crucífera" (Ferreira
& Silva, 1970; Gonçalves, 1971). Deste modo, é lícito concluir que ambas
as tradições coexistiram, testemunhando, ta como em Leceia, vectores
culturais distintos. No decurso desse período de coexistência, teria resultado
um conjunto cerâmico campaniforme com características próprias e com
formas de evidente incidência geográfica, das quais a mais expressiva é a
taça Palmela. Com efeito, sendo este um recipiente muito comum nas estações
em torno do estuário do Tejo, a sua ocorrência para norte torna-se
progressivamente mais escassa, até desaparecer por completo na generalidade
dos conjuntos do centro e norte de Portugal: as ocorrências mais setentrionais
de que existe conhecimento são os exemplares oriundos da gruta de Eira
Pedrinha, Condeixa-a-Nova (Corrêa & Teixeira, 1949), do povoado do Crasto,
Figueira da Foz (ROCHA, 1971) e da mamoa 1 de Chã de Carvalhal, Baião
(Cruz, 1992).

Vila Nova de S. Pedro, Azambuja, foi o primeiro sítio fortificado calcolítico


em Portugal a ser objecto de escavações extensivas, dirigidas por A. do Paço
e E. Jalhay. A posição estratigráfica das cerâmicas campaniformes é idêntica
à observada em Leceia: estas encontram-se totalmente ausentes dos níveis
arqueológicos coevos da construção e ocupação do dispositivo fortificado,
ocorrendo apenas nos níveis correspondentes a derrubes das estruturas pré-
existentes (Paço & Sangmeister 1956, p. 106). Tais observações foram
ulteriormente confirmadas aquando de um curto recomeço dos trabalhos, na
década de 1980, cujos resultados foram objecto de publicação muito preli-
minar (Gonçalves, 1994). Daí que quase tudo se desconheça sobre as
características do conjunto campaniforme, para além da sua própria existência:
segundo os escassos elementos disponíveis, a técnica do pontilhado encontra-
-se presente em vasos "marítimos" e caçoilas, sendo exclusiva, ou quase, de
acordo com os elementos publicados.

Os sítios abertos: no final do ciclo campaniforme, observa-se a difusão,


sobretudo na Baixa Estremadura, de pequenos povoados ou de simples casais
agrícolas, pontuando não só as encostas e o topo das colinas da região, mas
também as vastas áreas de planura ali existentes. Neles, escasseia o vaso
"marítimo", assumindo, em contrapartida, a técnica incisa uma importância
acrescida, indício da maior modernidade destes sítios, face aos anteriores.

403
© Universidade Aberta
Um dos raros casos em que o material arqueológico sugere uma única
ocupação, é o do povoado de Malhadas, Palmela, implantado no topo de
colina (Soares & Silva, 1974/1977), correspondente, pela tipologia dos
recipientes (de onde se encontra ausente o vaso campaniforme de tipo
Fig. 202 "marítimo") e a técnica decorativa (o pontilhado), a um conjunto pertencente
ao Grupo de Palmela. Porém, a maioria das peças decoradas ostenta decoração
incisa – particularmente a norte do estuário do Tejo – o que corrobora a sua
relativa modernidade – aplicada a taças Palmela, caçoilas de grandes
dimensões e pequenas taças em calote; aqui, os únicos sítios com conjuntos
seguramente "fechados" até ao presente reconhecidos, são a Cabana EN de
Leceia, já anteriomente referida, e o núcleo do Monte do Castelo, situado a
cerca de 500 metros para sul, o qual deveria corresponder a uma unidade
doméstica de carácter familiar (Cardoso, Norton & Carreira, 1996); em ambos
Fig. 201 os casos, estão completamente ausentes os vasos "marítimos", que então já
não eram produzidos e dominam largamente as cerâmicas incisas. Esta
situação persiste nos sítios homólogos a norte de Sintra, implantados tanto
em colinas como em zonas planas – conquanto aqui se trate de colheitas sem
controlo estratigráfico ou estrutural – atingindo as cerâmicas incisas cerca
de 80% do total dos exemplares campaniformes decorados. Mais perto de
Lisboa, destaca-se a importante estação de Montes Claros, Lisboa, que, pela
abundância dos materiais, indica mais do que um casal agrícola ou núcleo de
carácter familiar, antes um extenso povoado campaniforme; a tipologia das
cerâmicas tal como os casos anteriores, é tardia, visto dominarem as
decorações incisas, aplicadas a caçoilas e a taças Palmela (Cardoso & Carreira,
1995). Situação idêntica é denunciada pelo rico e diversificado conjunto
campaniforme do povoado de encosta de Freiria, Cascais, no essencial ainda
inédito.

Assim, é a ocorrência de pequenos núcleos, de carácter familiar, mas não


sazonais, que domina o padrão de povoamento da vasta região a norte do
Tejo; as características muito homogéneas dos espólios faz crer em uma única
formação social, estabelecida nesta região desde o final do Calcolítico Pleno,
cerca da segunda metade do III milénio a. C., dedicando-se de forma intensiva
à agricultura e ao pastoreio nos férteis terrenos da região. Esta realidade
pressupõe a existência de centros populacionais mais importantes,
responsáveis pela administração de territórios onde tais grupos, mais restritos,
se instalaram e dos quais há já algumas evidências, como o povoado de altura
fortificado de Moita da Ladra, Vila Franca de Xira, ainda por publicar
(escavações de J. L. Cardoso e J. C. Caninas).

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14.1.2 Necrópoles

Mencionam-se, apenas, as mais significativas ocorrências.

Verdelha dos Ruivos, Vila Franca de Xira: trata-se de uma gruta natural aberta
em calcários mesosóicos, ocasionalmente descoberta no decurso da lavra de
uma pedreira (Leitão et al., 1984). Identificaram-se onze enterramentos,
sobrepostos, ocupando pequena área do interior da cavidade; foram isolados
três níveis principais de tumulações, todos campaniformes, sendo as
sepulturas cobertas por lajes calcárias.

O espólio cerâmico, além de numerosos recipientes lisos, inclui caçoilas carenadas


e de ombro, por vezes de pequenas dimensões, com decorações incisas e a
pontilhado, taças em calote e taças Palmela. No conjunto, predominam as
decorações incisas, estando ausente o vaso "marítimo". Tais características conferem
ao conjunto posição evoluída no quadro das cerâmicas campaniformes da
Estremadura, compatível com o Grupo de Palmela.
Dispõe-se de quatro datas de radiocarbono para a estação, realizadas sobre ossos
humanos de diversos enterramentos, que correspondem aos seguintes intervalos,
para cerca de 95% de probabilidade: 2507-2330 a. C.; 2709-2488 a. C.; 2588-2454
a. C.; e 2501-2287 a. C.

Grutas artificiais da Quinta do Anjo, Palmela: o conjunto das quatro grutas


artificiais escavadas em rochas carbonatadas miocénicas, perto da povoação
da Quinta do Anjo, no Casal do Pardo, forneceu um notável conjunto de
materiais da época campaniforme, avultando as grandes taças de bordo
aplanado característico, representadas por numerosos exemplares inteiros,
com decoração incisa e pontilhada. Estes exemplares corporizam o chamado
Grupo de Palmela.

As grutas, executadas no Neolítico final, conforme anteriormente se referiu, foram


usadas longamente como necrópole, no decurso do Calcolítico. A abundância de
materiais campaniformes atesta a importância que, ainda nessa altura, detinham
como espaços funerários. É natural que, no decurso das sucessivas reutilizações
que tais recintos conheceram, se tenham produzido numerosos remeximentos, cujos
efeitos se acumularam ao longo do tempo. Tais remeximentos podem ter conduzido
à mistura de materiais de épocas muito diferentes.
No Museu do Instituto Geológico e Mineiro conserva-se um vaso "marítimo",
decorado a pontilhado, sem indicação da gruta de onde proveio (Leisner et al.,
1961, pl. XI; Leisner, 1965, Tf.115, nº 2). Este vaso possuía um enchimento de
terras, onde aflorava uma vértebra humana e continha, igualmente, um fémur quase
completo. Este, submetido a datação pelo radiocarbono, forneceu o seguinte

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intervalo de confiança, para cerca de 95%: 2705-2399 a. C. Este resultado coloca,
naturalmente, a questão de saber se corresponde ou não à cronologia do vaso
"marítimo" onde se encontrava, devido aos intensos remeximentos verificados,
embora nada obste a que tal se verifique. Mas é provável que assim seja, sendo o
resultado obtido consentâneo com tal realidade.

Outras ocorrências: no conjunto das necrópoles estremenhas com ocupações


campaniformes, apenas a gruta da Verdelha dos Ruivos corresponde a um
depósito funerário exclusivamente constituído em tal época. Todas as outras
ocorrências assumem características "oportunistas", sendo usual o
aproveitamento de espaços funerários anteriores, sejam grutas naturais, grutas
artificiais, dólmenes ou tholoi, sem embargo de, por vezes, atingirem
expressão notável, com objectos excepcionais, como sejam os vasos
recolhidos na gruta artificial II de Alapraia, Cascais (Jalhay & Paço, 1941).

Nesta gruta recolheu-se um vaso "marítimo" que se salienta pela excelente


produção e qualidade decorativa, sugerindo um produto talvez importado, e,
Fig. 198 na gruta artificial I de São Pedro do Estoril, duas taças com pé, semelhantes
a exemplares de El-Acebuchal, Sevilha, para além de jóias de ouro, armas e
outros adereços. Tais materiais que testemunham a importância dos inumados,
não obstante serem simples reaproveitamentos de sepulturas colectivas
anteriores. Quanto às tholoi, construídas no decurso da primeira metade do
Fig. 199
III milénio a. C., referir-se-ão apenas duas, escavadas mais recentemente:
trata-se da tholos de Pai Mogo, Lourinhã e da tholos de Tituaria, Mafra.

A primeira, que sofreu bastantes remeximentos no seu enchimento, forneceu quatro


caçoilas e duas taças Palmela, um botão de osso do tipo tartaruga (também presentes
em abundância noutras necrópoles, como as grutas e, Palmela e as de São Pedro do
Estoril, Cascais), dois fragmentos de braçais de arqueiro, um punhal de lingueta e
três pontas Palmela, artefactos característicos do chamado "pacote" campaniforme,
associação artefactual coerente e com significado cultural próprio. No que toca à
cerâmica campaniforme, está presente a técnica do pontilhado, numa pequena
caçoila e numa taça Palmela.
Na tholos da Tituaria, identificaram-se, nos níveis superiores do enchimento da
câmara, diversas sepulturas campaniformes individualizadas por pequenas lages
recuperadas do nível de desmoronamento da falsa cúpula (Cardoso et al., 1996). O
corredor do monumento foi também reutilizado. Recolheram-se diversos
recipientes, estando presentes a técnica incisa e a pontilhada: vasos "marítimos"
com decoração linear pontilhada, uma taça Palmela incisa com cervídeos, motivo
zoomórfico também presente numa em outra peça análoga decorada a pontilhado
das grutas de Palmela, e em mais três recipientes campaniformes recolhidos em
Portugal (Cardoso et al., 1996, p. 168). Este motivo encontra-se, aliás, presente

406
© Universidade Aberta
em diversas taças das necrópoles calcolíticas de Los Millares, Almería e de Las
Carolinas, Madrid, possuindo evidente simbolismo; de facto, o significado religioso
do veado foi já anteriormente referido, a propósito das representações pictóricas
deste animal na arte megalítica da Beira Alta.

O aproveitamento generalizado de sepulcros pré-existentes para tumulações


campaniformes é uma realidade, como veremos a seguir, extensiva a outras
regiões do país; mostra que, nesta época avançada do Calcolítico, se verificou
um nítido desinvestimento nas construções funerárias, fenómeno que vem,
aliás, na sequência imediata do verificado na transição do Neolítico Final
para o Calcolítico.

Em suma, as observações efectuadas sobre a presença campaniforme na


Estremadura portuguesa – sem dúvida a região do país onde aquela é mais
importante – conduz às seguintes conclusões gerais:

1. Fazia-se corresponder, usualmente, a eclosão do fenómeno


campaniforme ao final do Calcolítico, coincidindo com o abandono
ou o declínio, quase generalizado, das grandes fortificações edificadas
em épocas anteriores — onde se concentrava a população — e com a
multiplicação de pequenos povoados abertos, correspondendo a
povoamento disperso. A afirmação de tal fenómeno encontrar-se-ia,
assim, associada a profundas transformações na organização
económica e social da Sociedade.

Porém, as datas de radiocarbono entretanto obtidas para povoados


com importante "ocupação" campaniforme, como os da área do
Calcolítico da Estremadura do Zambujal e de Leceia, ao fazerem recuar
até à primeira metade do III milénio a. C. a presença campaniforme
no ocidente peninsular provocaram forte perturbação no modelo
anterior.

2. A análise tipológica da cerâmica recolhida em alguns dos escassos


conjuntos fechados e de vida curta, como é o caso da Cabana FM de
Leceia, veio mostrar que ali coexistiam vasos "marítimos" com
decoração a pontilhado e numerosas outras formas, de cunho regional,
como as taças de Palmela decoradas segundo aquela técnica, ou a
incisão. Parece, pois, que se está, no referente ao campaniforme, numa
situação análoga àquela que o estudo do laboratório de radiocarbono
de British Museum conduziu para as Ilhas Britânicas: coexistência
dos diferentes estilos de decoração campaniforme, aos quais não é
possível atribuir um significado cronológico próprio. Por outro lado,
e não será demais sublinhá-lo, pode concluir-se, pela coexistência
das cerâmicas campaniformes com as cerâmicas típicas do Calcolítico

407
© Universidade Aberta
Pleno da Estremaduraque o aparecimento das produções
campaniformes coincidirem, pelo menos, com o início do Calcolítico
Pleno, como foi varificado nos povoados da Rotura e da Penha Verde.

3. A interpretação da vertente cultural ligada ao fenómeno campaniforme


tem sido objecto de acesa discussão, não se tendo chegado, até hoje, a
conclusões unanimemente aceites. Desde a existência de um "Beaker
folk" – título de um bem elaborado livro de R. J. Harrison (Harrison,
1980) – das teorias difusionistas, com invasões e movimentos de
"refluxo", até uma evolução local sem estímulos externos, passando
pela "utilização restrita desta sofisticada cerâmica por um grupo social
dominante" ou como uma "cerâmica de prestígio", várias têm sido as
teorias que procuram interpretar a evidência arqueológica, que tantas
vezes se apresenta contraditória.

Seja como for, da convivência entre comunidades calcolíticas de


origens seguramente distintas, terão resultado mútuas influências.
Poderá admitir-se que, no referente às populações sedeadas nas
fortificações, o segredo da metalurgia do cobre poderia ter sido
aprendido com as comunidades campaniformes, enquanto estas teriam
adaptado às suas produções cerâmicas, formas, motivos e técnicas
decorativas que, originalmente, delas não fariam parte: o Grupo de
Palmela é, justamente, apontado como resultante de tais influências
"indígenas".

4. Crê-se que a presença campaniforme na região estremenha se possa


situar entre ca 2600-2300 a. C.; o seu momento mais antigo tem
paralelo em ocorrências peninsulares e extra-peninsulares (Guilaine,
1974; 1984; Harrison, 1988). O final do campaniforme é, na
Estremadura portuguesa, anterior ao último quartel do III milénio a. C.
Esta conclusão é corroborada pela data 3570±45 anos BP (ICEN–
843), que calibrada corresponde ao intervalo 2028–1752 a. C., para
um grau de confiança de 95%, de ossos do povoado do Bronze Pleno
do Catujal, Loures (Cardoso, 1994), no qual existem estreitas
afinidades com o Bronze do Sudoeste, denunciadas pelas cerâmicas
recolhidas, e que pertence já uma fase cultural claramente ulterior à
das últimas cerâmicas campaniformes estremenhas, o Bronze Pleno.

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14.2 Alentejo

Tanto no Alto como no Baixo Alentejo, conhecem-se ocorrências de materiais


campaniformes, tanto de sítios de carácter habitacional, como de necrópoles.
Os que se referem de seguida podem considerar-se como os mais relevantes,
dos até agora conhecidos.

14.2.1 Povoados

Porto Torrão, Ferreira do Alentejo: deste extenso povoado, defendido por


sistema de fossos, com cerca de 100 hectares, a que já anteriormente se fez
referência, escavado apenas em ínfima parte, foi publicado um relato
preliminar dos trabalhos realizados (Arnaud, 1993), recentemente completado
pela publicação de novos trabalhos arqueológicos ali realizados (Valera &
Filipe, 2004).

A Camada 1, correspondente à presença campaniforme, circunscrita aparente-mente


à zona nuclear da estação (uma pequena elevação), foi datada pelo radiocarbono.
Determinaram-se duas datas a partir do fraccionamento de uma única amostra de
ossos, e um valor, que é a média ponderada de ambos. Para cerca de 95% de
probabilidade, o intervalo correspondente obtido foi de 2823-2658 a. C. Este
resultado sugere, como os seus homólogos do Zambujal e de Leceia, à data da
correspondente publicação (Cardoso & Soares, 1990/1992), uma insuspeitada e
ainda não assumida antiguidade para a presença campaniforme no ocidente
peninsular. No caso em apreço essa presença é representada quase exclusivamente,
no que se refere à cerâmica, por decoração a pontilhado, aplicada a vasos
"marítimos", a caçoilas e a pequenas taças hemisféricas. Além disso, o "complexo"
campaniforme de Porto Torrão engloba um vaso no estilo AOC ("all over corded"),
raríssimo em contextos peninsulares (a que se deverá somar outro exemplar,
recolhido no povoado do Castelo Velho, Freixo de Numão, adiante referido), um
botão em osso com perfuração em V, um braçal de arqueiro e uma pequena placa
de ouro batido (ver análises dos vestígios metalúrgicos em Soares et al., 1996).

Por outro lado, a caracterização química e mineralógica da cerâmica recolhida,


quer nas camadas pré-campaniformes quer campaniformes, indica um fabrico local,
inclusivé para as cerâmicas com decoração campaniforme (Cabral et al., 1988).
Segundo J. M. Arnaud (Arnaud, 1993, p.46), "parece ter havido uma continuidade
de ocupação deste local entre a fase em que a cerâmica campaniforme ainda não
era conhecida e a fase em que a mesma surge com relativa abundância. Essa
continuidade é sugerida pelo facto de, com excepção da cerâmica campaniforme,
da metalurgia do ouro e do braçal de arqueiro, não se ter verificado a introdução de

409
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qualquer outro elemento novo na cultura material característica da última fase da
ocupação pré-histórica deste povoado".
As observações das escavações de 2003 vieram pormenorizar a presença das
produções campaniformes: observou-se na estratigrafia do preenchimento de um
dos fossos que defendiam a área habitada (Fosso 2) o predomínio do "Grupo
Intetrnacional" nos níveis inferiores e do "Grupo de Palmela", nos níveis superiores
( ou "Pontilhado Geométrico"), ao qual nos níveis posteriores do enchimento do
fosso, se reune o "Grupo Inciso" (Valera & Filipe, 2004).

Monte da Tumba, Alcácer do Sal: a mais recente etapa da ocupação deste


povoado calcolítico fortificado, representada pela Fase III, forneceu escassa
cerâmica campaniforme, decorada a pontilhado (Silva & Soares, 1987, p. 71).

Cerro dos Castelos de São Brás, Serpa: trata-se de um sítio alto e fortificado
durante o Calcolítico. Nos estratos superiores, formados junto à muralha
interna, foram encontrados diversos fragmentos campaniformes (caçoilas),
muito raros, com nítico predomínio da técnica pontilhada, organi-zada em
padrões geométricos (Parreira, 1983).

Outeiro de São Bernardo, Moura: deste povoado calcolítico, com boas


condições naturais de defesa, embora se desconheça se era fortificado ou
não, foram inventariados onze fragmentos de recipientes campaniformes,
dos quais dez incisos (vasos campaniformes e caçoilas de grandes dimensões)
(Bübner, 1979), a que se deverá acrescentar um fragmento de bordo de taça
Palmela, igualmente inciso (Cardoso, Soares & Araújo, 2002). Este espólio,
coerente e tardio, é acompanhado de um conjunto metálico recolhido por
certo em área limitada da estação, objecto de uma recente reanálise, da
responsabilidade dos autores referidos. Nele se incluem peças
característicamente campaniformes, ou de tradição campaniforme, como uma
ponta Palmela e um punhal de lingueta, para além de uma rara ponta de
javalina, que confere ao conjunto metálico particular interesse.

As análises químicas realizadas por XRF dispersiva de energias, sublinharam


tal realidade, ao evidenciarem o carácter homogéneo da sua composição
(cobre + arsénio, este como elemento vestigial) e, por conseguinte, a elevada
probabilidade de utilização de uma mesma tecnologia de fabrico e do recurso
às mesmas fontes de abastecimento.

Trata-se do mais importante conjunto de artefactos metálicos domésticos atribuíveis


a uma única ocupação campaniforme reconhecida no ocidente peninsular. A
tipologia dos artefactos de uso utilitário, conquanto se integre ainda no Calcolítico,
evidencia já algumas diferenças face às peças homólogas características do

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Calcolítico Pleno da Estremadura e do Sudoeste português, o mesmo se verificando
com os materiais coevos da bacia extremenha (espanhola) do Guadiana. No que
respeita às armas encontradas, nenhuma figura actualmente entre o espólio
conservado, sendo apenas conhecidas por desenhos de M. Heleno: trata-se de um
punhal com lingueta, de um outro munido de um par de chanfros de encabamento
simétricos, provavelmente reforçado na folha, e de uma ponta Palmela, peças que
confirmam a atribuição cronológico-cultural do conjunto ao campaniforme. Como
se disse, a peça mais importante é uma ponta de javalina, cujos únicos paralelos
peninsulares se resumem ao célebre conjunto do dólmen de La Pastora (Sevilha),
às duas peças soltas recolhidas à superfície no povoado de La Pijotilla (Badajoz) e,
bem mais próximo, ao exemplar mutilado recolhido em escavação arqueológica
no Cerro dos Castelos de São Brás (Serpa); o estudo comparativo realizado sobre
tais peças, conduziu à conclusão de esta arma não ser incompatível com a cronologia
do restante conjunto metálico, situável nos últimos séculos do III milénio a. C.
A importância do espólio metálico recolhido, confere ao povoado do Outeiro de
S. Bernardo o estatuto de sítio metalúrgico calcolítico, ou pelo menos de
centralizador do comércio de artefactos de cobre (hipótese reforçada pelo achado
de um possível lingote), podendo as peças estudadas serem, utilizadas no local ou
destinadas a exportação para outros locais, integrando-se nos circuitos transregionais
(incluindo matérias-primas como o cobre sob a forma de lingotes) estabelecidos
no decurso do Calcolítico entre a Estremadura portuguesa e o Alentejo. Este papel
de destaque na coordenação destas actividades de comércio e de troca, é ainda
reforçado, por um lado, pela posição estratégica do sítio face ao vale do Guadiana
e, por outro, pela sua proximidade das minas pré-históricas de cobre existentes na
margem esquerda do Guadiana, explorando, tanto o cobre nativo, como os
carbonatos cupríferos. Esta realidade é consentânea com a conhecida na região de
Badajoz, na qual os povoados com espólios campaniformes, foram os que mais se
dedicaram às actividades metalúrgicas.

Porto das Carretas, Mourão: deste sítio fortificado calcolítico, já anteriormente


tratado, provém um importante conjunto de cerâmicas campaniformes, ainda
não publicado, associado a uma unidade habitacional, de planta curvilínea e
embasamento de alvenaria, a Cabana M 13. Os escavadores integram-no no
grupo internacional (Silva & Soares, 2002), dada a existência do vaso
"marítimo" e a de outros recipientes decorados a pontilhado. Importa salientar
a relação entre os materiais campaniformes – que substanciam a mais recente
época de ocupação do povoado (Fase II) – com um complexo construtivo
dominado por uma torre, construída na área mais elevada da estação, tal
como o verificado no Monte da Tumba (onde se construiu, em época similar,
uma torre central, na parte mais alta do morro), a que se adossaram cabanas
circulares. Ainda, pertencente à ocupação campaniforme, é a base de um
forno, possivelmente metalúrgico, visto na sua envolvente terem sido
recolhidos pingos de fundição de cobre, o que é compatível com o consabido
pendor metalúrgico da economia campaniforme.

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Barrada do Grilo, Alcácer do Sal: trata-se da ocupação campaniforme de um
sítio aberto (colina baixa), que se sucedeu a uma curta presença mesolítica
(Santos; Soares & Silva, 1972). Os autores referem um único momento de
ocupação, representado por grande número de recipientes lisos e decorados.
Neste últimos, é exclusiva a técnica incisa, cujas depressões são por vezes
preenchidas por pasta branca, com a intenção de as tornar mais evidentes.
Os padrões decorativos, de evidente barroquismo nalguns casos (cf. Est. VII,
n.os 34, 36), aproximam estes recipientes das cerâmicas campaniformes da
Meseta, grupo de Ciempozuelos (cf. Est. VIII, n.º 37).

Vale Vistoso, Sines: tal como na estação anterior, trata-se de uma ocupação
de um sítio aberto, implantado sobre o oceano. De evidente carácter sazonal,
a ocupação decorreu em curto período de tempo, compatível com o escasso
espólio exumado, constituído por pequeno e homogéneo conjunto de
cerâmicas campaniformes, todas decoradas pela técnica incisa, estando
representadas as caçoilas e as taças Palmela (Soares & Silva, 1976/1977).

Monte do Tosco, Mourão: povoado calcolítico provido de uma estrutura pétrea


de delimitação/contenção/fortificação, nele se detectou um importante
conjunto campaniforme, liso e decorado; 32 dos 38 recipientes
individualizados reportam-se a uma cabana (Cabana 1) cujo embasamento
era constituído por muro de alvenaria (Valera, 2000, Figs. 5 e 6).

19 recipientes permitiram reconstituição, decompondo-se por 7 vasos


campanulados, 6 caçoilas, das quais uma lisa, e 6 taças pequenas em calote. As
decorações, exclusivamente incisas ou incisas/impressas, foram por vezes
preenchidas a pasta branca; pela organização e temática, increvem-se claramente
no conjunto dos campaniformes mesetenhos do grupo de Ciempozuelos. Como é
normal, estes materiais eram acompanhados por testemunhos da prática metalúrgica
e por produções metálicas, com destaque para um punhal de lingueta. A presença
campaniforme corresponde à segunda fase de ocupação da estação, sucedendo-se
a uma presença reportável ao Calcolítico Pleno. Tudo leva a crer que existiu um
hiato entre ambas, já que nalguns sectores, "os materiais campaniformes ocorrem
entre os derrubes e escorrências que se sobrepõem às ocupações do Calcolítico
Pleno" (op. cit., p. 48), restringindo-se a ocupação campaniforme, como em outros
povoados, à parte nuclear da anterior ocupação calcolítica (como em Leceia, Monte
da Tumba, Porto das Carretas, Porto Torrão, Perdigões, etc.). Importa referir que,
tal como o anteriormente observado noutros sítios com presenças campaniformes,
os artefactos de cobre são mais frequentes nesta fase encontrando-se, em particular,
relacionados com a Cabana 1.

Perdigões, Reguengos de Monsaraz: a este grande povoado, defendido por


um sistema de fossos, já anteriormente se fez referência. A distribuição

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superficial dos 33 fragmentos campaniformes, que correspondem ao número
mínimo de 19 recipientes, sugere a existência de uma concentração em torno
da área central do povoado calcolítico pré-campaniforme (Lago et al., 1998).
A estes haverá que somar mais 6, perfazendo o total de 39 fragmentos.

No respeitante às técnicas decorativas, apenas 7 são decorados a pontilhado; um


revelará a presença simultânea da técnica pontilhada e da incisa; os restantes são
incisos. A tipologia decorativa deste grupo, revela assinalável homogeneidade,
indicando filiação directa no grupo de campaniformes da Meseta, do tipo
Ciempozuelos, onde não faltam alguns fragmentos decorados com uma métopa
simples de zigue-zagues, do lado interno do bordo, característicos daquele tipo de
produções cerâmicas, de evidente origem exógena no território português.

Pombal, Monforte: trata-se de povoado calcolítico implantado em vasto


patamar, com excelente domínio visual da paisagem, sem que se tenham
evidenciado até ao presente quaisquer estruturas defensivas. Recolheram-se
apenas 5 fragmentos campaniformes, cuja pequenez impede a caracterização
da forma, sendo provável que pertençam a caçoilas. Todos são decorados
por incisão, nalguns casos conjuntamente com a impressão, não deixando
dúvidas quanto à sua inclusão no grupo inciso com evidentes afinidades ao
de Ciempozuelos (Boaventura, 2001).

Monte da Ponte, Évora: deste povoado defendido por um sistema de fossos,


taludes e muralhas, já anteriormente referido, provém um fragmento
campaniforme decorado a pontilhado, citado por R. Boaventura (Boaventura,
2001, p. 45).

Três Moinhos, Beja, Castelo Velho de Safara, Moura e Aljustrel, Aljustrel:


trata-se de três sítios onde a relação com actividades metalúrgicas parece
importante. O primeiro destes povoados calcolíticos da bacia do Guadiana
deu vestígios metalúrgicos (cadinho, molde) e artefactos de cobre e de ouro
(entre os quais uma ponta Palmela), conectáveis com fragmentos
campaniformes incisos afins ao grupo de Ciempozuelos (Soares, 1992). O
segundo, localizado sobre um esporão rochoso, na confluência da ribeira de
Safara com o Ardila, revelou uma ocupação calcolítica, à qual se reporta
fragmento de recipiente campaniforme pontilhado, eventualmente conectável
com os vestígios de metalurgia (cadinho, nódulo de minério), recolhidos
numa camada calcolítica (Soares, Araújo & Cabral, 1994). Por fim, na zona
do "chapéu de ferro" de Aljustrel, recolheu-se um fragmento de taça Palmela
decorada a pontilhado (Schubart, 1975, Abb. 12 a).

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14.2.2 Necrópoles

Aparte escassos materiais campaniformes referidos em diversos monumentos


megalíticos (Bübner, 1979), avultam três ocorrências cuja importância deve
destacar-se. Trata-se de sepulturas individuais que aproveitaram a protecção
oferecida por monumentos dolménicos neolíticos.

Anta da Herdade das Casas do Canal, Estremoz: megálito de câmara poligonal


e corredor curto, definido actualmente por apenas dois esteios, um de cada
lado (originalmente seriam dois de cada lado), cuja zona de passagem para a
câmara foi selada por uma laje de fecho e por outras, mais pequenas,
Fig. 207 provavelmente no Neolítico Final, à semelhança do verificado em outros
monumentos do mesmo tipo. Deste modo, o espaço definido actualmente
pelos dois esteios ainda conservados do corredor e pela laje de fecho da
câmara, era propício a uma tumulação secundária individual, a que deverá
corresponder o espólio campaniforme exumado. Este é constituído por uma
grande caçoila baixa, com decoração incisa de bandas, e uma linha metopada
de zigue-zagues do lado interno do bordo, situação comum a materiais do
grupo de Ciempozuelos, também presente em outros dos contextos
campaniformes do sul do país, já mencionados, e por um vaso campanulado
liso, o qual se encontrava dentro da taça (Leisner & Leisner, 1955). Nas
proximidades, apenas jazia uma lâmina de sílex, cuja relação com o conjunto
referido não é segura.

Anta de Bencafede, Évora: do interior da câmara deste monumento provêm


duas caçoilas campaniformes, profusamente decoradas, do tipo Ciempozuelos,
ambas decoradas interiormente, correspondendo, igualmente, a uma
tumulação tardia, semelhante à anterior (Cardoso & Norton, 2004).

Dólmen da Pedra Branca, Santiago do Cacém: trata-se de monumento


dolménico com câmara poligonal e corredor bem diferenciado, já
anteriormente referido nesta obra, correspondente ao apogeu do megalitismo
do litoral alentejano, do Neolítico Final (Ferreira et al., 1975). Ao fundo da
câmara, identificou-se uma sepultura individual campaniforme, sucedida por
outra, em posição ortogonal, que se afiguram contemporâneas, tal a
homogeneidade tipológica do espólio nelas recolhido. Os materiais
Fig. 209 inscrevem-se no Grupo Inciso: além de um vaso campanulado e de duas
caçoilas, ambos lisos, exumaram-se duas caçoilas incisas, duas taças Palmela
incisas, um vaso de carena baixa, igualmente com decoração incisa, e
fragmentos de duas "garrafas", recipientes de forma esférica e colo apertado,
também decorados por incisões na parte superior do bojo e no colo, até o
bordo. Um braçal de arqueiro, pontas Palmela, objectos de adorno e,
eventualmente, placas de xisto (a menos que resultem a mistura com materiais
mais antigos), completavam o espólio destas duas sepulturas.

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© Universidade Aberta
Para o sul do Baixo Alentejo, a ocorrência de materiais campaniformes torna-
-se ainda mais rara, faltando quase completamente no Algarve, com excepção
de três fragmentos pertencentes provavelmente a vasos "marítimos",
recolhidos na parte superior da estrutura da tholos de Alcalar 7, Portimão
(Morán & Parreira, 2004, p. 172, 214).

O panorama relativo à presença campaniforme no sul do território português,


pode ser sumarizado do modo seguinte:

- Escassa presença campaniforme tanto em povoados como, sobretudo,


em necrópoles, contrastando com a realidade conhecida na Estre-
madura.

- No que respeita aos povoados e às sepulturas, a sua presença é sempre


pouco importante, exceptuando dois sítios que foram recentemente
objecto de escavações de emergência, no âmbito da construção do
mega-empreendimento de Alqueva, ambos situados na margem
esquerda do Guadiana, no concelho de Mourão: no Porto das Carretas,
identificou-se um conjunto caracterizado pela presença do grupo
internacional, incluindo vasos "marítimos" com decoração a
pontilhado, ainda não publicado, relacionado com estruturas defensivas
e habitacionais e, ainda, com um forno provavelmente metalúrgico;
no Monte do Tosco, identificou-se, também, uma cabana de contorno
circular, mas onde era o grupo de Ciempozuelos que dominava,
indicando cronologia mais recente que o anterior e uma origem
continental e exógena ao actual território português. São estes os dois
povoados em que foi possível relacionar a presença campaniforme
com a existência de estruturas domésticas ou defensivas, a que se
poderá juntar o Monte da Tumba, cujas escassas cerâmicas campani-
formes, a pontilhado (Grupo internacional), se admite estejam
relacionadas com a última fase construtiva, representada por um torreão
de planta subcircular edificado na zona central do dispositivo defensivo
anteriormente edificado. Nos restantes casos, a ocorrência de materiais
campaniformes é quase sempre esparsa e excepcional; é difícil, na
maioria dos casos, a atribuição segura de todas as ocorrências a um
determinado grupo, mas o Grupo internacional, além do Porto das
Carretas está presente em Porto Torrão, através de vasos "marítimos"
decorados a pontilhado; em Castelos de São Brás, Monte da Ponte,
Safara e Aljustrel (aqui sob a forma de um bordo de taça Palmela),
encontra-se igualmente presente a técnica a pontilhado; o Grupo inciso
da Estremadura, está presente de forma exclusiva no pequeno povoado
de Vale Vistoso, no litoral de Sines, mas também no Outeiro de São
Bernardo, povoado de altura da bacia do Guadiana: em ambos os sítios
ocorre a taça Palmela: Nalguns casos, é difícil estabelecer separação
entre as cerâmicas alentejanas que ali representam o grupo inciso e as

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cerâmicas de tipo Ciempozuelos, presentes, para além do Monte do
Tosco, nos povoados dos Perdigões e dos Três Moinhos, e,
eventualmente também, na Barrada do Grilo e no povoado do Pombal,
evidenciando claras afinidades culturais com a Meseta. Tais cerâmicas
apresentam-se, maioritariamente, com decoração incisa,
correspondendo a motivos muito densos e apertados, de grande
barroquismo, aplicados sobretudo a caçoilas, que possuem
frequentemente a parte interna do bojo, junto da abertura, decorada
por uma métopa (ou banda) horizontal de zigue-zagues. Este é um
aspecto de diferenciação segura face às cerâmicas estremenhas do
"Grupo inciso", aspecto que se mantém nos contextos funerários: ao
conjunto campaniforme típico do "Grupo inciso", recolhido no dólmen
da Pedra Branca, junta-se a bela caçoila baixa da anta de Casas do
Fig. 207 Canal, com todos os atributos para poder ser considerada uma
importação mesetenha, conclusão também extensível aos dois vasos
recolhidos na anta de Bencafede. Com efeito, a presença de
campaniformes mesetenhos no interior do actual Alto Alentejo e,
também, do Baixo Alentejo, só pode ser considerada como uma
extensão do grupo da Meseta-Sul, por domínios mais ocidentais e
meridionais, correspondendo tais ocorrências, sempre excepcionais,
a peças provavelmente exógenas, aqui chegadas por trocas a longa
distância. Já os vasos "marítimos", poderiam ter uma origem no litoral
ocidental, no caso do povoado do Porto Torrão, ou do interior sul –
mesetenho ou andaluz (vales do Guadalquivir e do Guadiana), no caso
do Porto das Carretas. Com efeito, naquela região, reconheceram-se
exemplares de vasos campaniformes de tipo "marítimo" clássico,
produzida a pontilhado (Castillo, 1928; Harrison, 1977). Aliás, a
presença de influências litorâneas, ainda que muito ténues, encontra-
se bem ilustrada pela ocorrência de dois fragmentos de taças Palmela
em contextos tão interiores como o Outeiro de São Bernardo ou
Aljustrel, correspondentes, respectivamente a um exemplar inciso e a
outro com decoração a pontilhado.

14.3 Centro e norte

Na Beira Baixa, as produções cerâmicas campaniformes eram, até época


recente, totalmente desconhecidas. Tal panorama modificou-se recentemente;
com efeito, no Monte do Trigo, povoado de altura do concelho de
Idanha-a-Nova, reconheceram-se escassos fragmentos de vasos "marítimos"
decorados a pontilhado, ficando no entanto por esclarecer se o povoado
conheceu apenas esta ou outras ocupações pré-históricas (Vilaça & Cristóvão,

416
© Universidade Aberta
1995). A ocorrência destes exemplares em região tão interior, foi relacionada
com a circulação pela importante via fluvial do rio Tejo, pondo em contacto
esta região com a Estremadura. Mas também não se podem menosprezar os
contributos continentais, oriundos da meseta, evidenciados pela ocorrência
de um fragmento de vaso (caçoila ?) com decoração pseudo-excisa, recolhido
na sepultura secundária do tipo cista, existente na mamoa da anta 5 do
Amieiro, Idanha-a-Nova. Com efeito, esta técnica decorativa ocorre de forma
insistente em recipientes das províncias de Salamanca e de Cáceres, muitas
vezes recolhidos em sepulcros.

Ao longo do litoral do centro do país, até à região de Coimbra/Figueira da


Foz, ocorrem, embora vestigialmente, certas produções campaniformes típicas
dos estuários do Tejo e do Sado: é o caso das já aludidas taças Palmela, com
decoração a pontilhado, acompanhadas de vasos de tipo "marítimo" com
decoração igualmente a pontilhado, associação encontrada na gruta de Eira
Pedrinha, (Corrêa & Teixeira, 1949), a que se junta fragmento de braçal de
arqueiro, igualmente característico da panóplia campaniforme. Em algumas
das estações de carácter habitacional perto do estuário do Mondego, célebres
pelas suas ocupações no Neolítico Antigo, encontraram-se também
fragmentos campaniformes: é o caso da Junqueira, onde está presente
fragmento de vaso "marítimo" pontilhado (Vilaça, 1988, Fig. 14), ou o Forno
da Cal, Soure, onde se recolheu ponta Palmela, relacionada com sepultura,
mas desprovida de cerâmica (Rocha, 1907, Fig. 4). Estas influências
meridionais fizeram-se, aliás, sentir, na região do estuário do Mondego desde
o Neolítico Final, época a que se devem reportar fragmentos de placas de
xisto com decoração geométrica, como o recolhido no dólmen de Cabeço
dos Moinhos, de xisto micáceo, o exemplar mais setentrional dos conhecidos
(Rocha, 1895, Est. XIX, Fig. 270), a que já anteriormente se fez referência.
Este dólmen, um monumento de corredor bem diferenciado, proporcionou
também materiais campaniformes: é o caso de um botão de osso com
perfuração em "V", um vaso campanulado liso, duas taças de tipo Palmela
com decoração a pontilhado e/ou incisa e uma caçoila decorada a pontilhado
em métopas (Gomes & Carvalho, 1993).Outro dólmen da serra da Boa Viagem
que forneceu materiais campaniformes é o da Cumieira, também explorado
por A. dos Santos Rocha: além de uma ponta Palmela, forneceu um fragmento
com decoração incisa. Em contextos habitacionais, não é apenas em povoados
abertos e em zonas planas que se recolheram, na região da Figueira da Foz,
cerâmicas campaniformes: no Crasto, povoado de altura naturalmente
defendido, identificou-se um conjunto que A. dos Santos Rocha conotou
dubitativamente com sepultura, atendendo à recolha de um fragmento de
tíbia humana; era constituído por dois fragmentos campaniformes, um deles
muito erodido (aparentemente inciso), um fragmento de uma taça Palmela
(aparentemente com decoração a pontilhado), uma ponta Palmela e um
machado de pedra (Rocha, 1971, Fig. 1, 2, 3). Pode, pois, concluir-se, que,

417
© Universidade Aberta
na região da Figueira da Foz, os materiais campaniformes ocorrem sempre
de forma isolada, correspondendo ao aproveitamento circunstancial de
megálitos ali existentes (já anteriormente referidos), ou à ocupação pontual
e sempre pouco intensa de sítios habitacionais, sejam de planura ou de altura.

Na bacia hidrográfica do Douro, têm sido encontrados pequenas sepulturas


não megalíticas, por vezes correspondendo a cistas isoladas, ou
correspondendo a monumentos secundários abertos nos tumuli de sepulturas
mais antigas, atribuídas já à Idade do Bronze (Silva, 1997), que, nalguns
casos, possuíam cerâmicas campaniformes (Silva, 1991): é o caso da Mamoa
2 de Aliviada, Arouca, em que sepultura cistóide secundária nela existente
proporcionou um fragmento campaniforme inciso e da Mamoa 7 da Urreira,
Arouca, cuja estrutura interna, talvez correspondente a uma grande câmara
de um dólmen sem corredor, proporcionou sete fragmentos de uma vaso
"marítimo", variante linear, com decoração a pontilhado; enfim, na Mamoa
1 de Castelo-Fajões, Oliveira de Azeméis, correspondente talvez a um sepulcro
de câmara poligonal alongada, recolheram-se vinte e quatro fragmentos de
um vaso "marítimo" com decoração a pontilhado de bandas.

Porém, o túmulo mais notável no contexto da presença campaniforme da


região, é a mamoa 1 de Chã de Carvalhal, Baião. Segundo Domingos Cruz,
que escavou e publicou, em exemplar monografia, este monumento (Cruz,
1992), identificaram-se os seguintes elementos construtivos:

1. tumulus de terra, superficialmente protegido por uma couraça de


enrocamento, de planta circular, com 13 metros de diâmetro e
1,30 metros de altura máxima;

2. assente nesta couraça de enrocamento, desenvolvia-se um círculo lítico


incompleto, sem funções de ordem técnica, constituído por blocos,
denotando escolha criteriosa, quanto ao tamanho e formato;

3. na área central do monumento, implantava-se a câmara funerária,


correspondente a cista de planta sub-rectangular fechada, com 1,50
metros por 1,0 metros, constituída por sete esteios, cuja altura não
ultrapassava 1,50 metros.

Reconheceu-se ainda um monólito de granito, de aspecto e configuração


distintos dos restantes, pousado no enrocamento superficial. A escavação
das terras que constituíam o tumulus, forneceu um notável conjunto de
artefactos de cobre arsenical, recolhidos in situ e de tipologia campaniforme:
trata-se de dois punhais de lingueta e de cinco pontas Palmela. As duas
primeiras peças encontravam-se sobrepostas e orientadas inversamente,
enquanto as pontas apareceram reunidas em feixe, em posição vertical e com
os espigões voltados para cima; os dois conjuntos assim constituídos,
encontravam-se distanciados entre si de 92 centímetros. A escavação forneceu

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ainda cerca de dez recipientes, lisos e decorados, sendo nestes exclusiva a
temática campaniforme: vasos "marítimos", com decoração de bandas a
pontilhado; pontilhado geométrico; e recipientes do "Grupo inciso", tanto
vasos campaniformes como uma taça Palmela, correspondente ao exemplar
mais setentrional até ao presente conhecido (Cruz, 1992, Fig. 22, n.º 2).

Mais para o interior beirão, alguns dos raros exemplares campaniformes a


serem registados, também por A. dos Santos Rocha, provêm de dólmenes de
câmara poligonal e corredor longo do concelho de Oliveira do Hospital –
caso de Arcainha (ou dólmen) do Seixo – onde se recolheram fragmentos de
vasos "marítimos" e, talvez, de caçoilas (Rocha, 1899). Estes e outros
materiais foram ulteriormente estudados por diversos autores, sendo possível,
actualmente, referir cerca de dez monumentos megalíticos com presenças
campaniformes intrusivas, correspondentes provavelmente a sepulturas
individuais aproveitando a protecção dos esteios das câmaras ou dos
corredores: é o caso dos dólmenes da Bobadela, do Seixo, da Sobreda, da
Orca do Outeiro do Rato, na bacia do Alto Mondego e, mais a norte, nas
bacias do Vouga ou já do Douro, das Orcas dos Moinhos de Rua, das
Castenairas e de Seixas.

Trata-se de grandes monumentos megalíticos, nos quais, por vezes, foram também
recolhidos artefactos metálicos típicos da panóplia campaniforme. J. C. de
Senna-Martinez apresentou inventário dos materiais exumados nestes monumentos
(Senna-Martinez, 1994), por vezes susceptíveis de constituirem conjuntos
"fechados", correspondentes a deposições funerárias tardias, como é o caso do
conjunto recolhido na Orca de Seixas, representado por um vaso campaniforme
"marítimo"; um vaso carenado de tipologia tardia, já integrável na Idade do Bronze,
com decoração de tipo "marítimo"; um machado plano e uma ponta Palmela de
cobre arsenical; e um braçal de arqueiro de xisto. Na Orca do Outeiro do Rato,
cujo corredor recebeu igualmente tumulações tardias, recolheu-se um anel
espiralado de ouro nativo, que condiz com a tipologia campaniforme do conjunto,
embora difira dos seus homólogos da Estremadura, por possuir secção circular e
não sub-quadrangular, como estes (o que poderia sugerir época aindamais tardia).

Os sítios habitados são escassos, e representados por poucos materiais, tal


como se verificou na região da Figueira da Foz, indicando um povoamento
disperso e itinerante, cujas marcas são discretas na paisagem. É o caso dos
sítios de Linhares e do Complexo do Penedo da Penha, que forneceu apenas
três fragmentos de um recipiente campanulado com decoração de bandas
incisas em espinha (Senna-Martinez, 1994; Valera, 2000), que pode ser
interpretado, à semelhança de outros recolhidos na Orca do Outeiro do
Rato, como a expressão local das decorações campaniformes dos vasos

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"marítimos". Na década de 1990, tomou significativa importância o sítio de
Fraga da Pena, Fornos de Algodres: trata-se de um povoado implantado no
topo de elevação notável, constituindo evidente marcador da paisagem,
aproveitando o abrigo proporcionado pelos grandes penedos graníticos que
coroam o topo da elevação. Definiram-se duas linhas muralhadas, delimitando
uma área defendida em torno da acrópole ocupada pelo "caos" de blocos
graníticos. As cerâmicas campaniformes exumadas são constituídas por vasos
"marítimos", variante de bandas e linear, de fabrico não local, e por recipientes
campaniformes decorados com unhadas, outros motivos impressos ou incisos
e lisos, de fabrico local (Valera, 2000; Dias et al., 2000). Por corresponder à
ocupação campaniforme mais importante de toda a Beira Interior, este sítio
afigura-se, até pela sua implantação topográfica destacada, como um elemento
incontornável no sistema de povoamento do final do Calcolítico, à escala
regional. Por outro lado, é até agora o único sítio do interior centro que permite
atribuir uma cronologia absoluta à ocupação humana campaniforme, situável
no último quartel do III milénio a. C. Este resultado parece reforçar a
impressão obtida da componente funerária conhecida, de serem as escassas
manifestações campaniformes na Beira Alta tardias, situação aliás facilmente
explicável pelo seu carácter exógeno.

Olhando para a distribuição geográfica das ocorrências da Beira Alta


conhecidas, quase todas de carácter funerário, ressalta a relação com cursos
fluviais importantes – rio Mondego, rio Dão, rio Paiva e rio Távora (ambos
afluentes do Douro) – e, deste modo, a sua origem litoral, e meridional,
provavelmente a partir da Estremadura. No conjunto, dominam os
campaniformes "marítimos", o que ilustra bem a larga sobrevivência destas
produções mas importa registar a emergência de fabricos locais, bem
exemplificados no sítio habitacional da Fraga da Pena, correspondendo à
reformulação da técnica, da temática e da morfologia, aplicada a recipientes
de estilos locais. Esta situação persiste na Idade do Bronze, onde a decoração
de tipo "marítimo", constituída pelas características bandas preenchidas a
Fig. 210 pontilhado se encontram agora aplicadas a formas já características da Idade
do Bronze, como é o caso de recipiente de carena média do "enterramento
campaniforme" da Orca de Seixas (Senna-Martinez, 1994, Fig. 8, em baixo).
É também nesta época, de finais do III milénio a. C., que ocorrem, pela
primeira vez, peças de cobre, de carácter funcional, como sovelas, punções,
machados planos (em geral de cobre arsenical), associadas também a armas,
como as bem conhecidas pontas Palmela e, excepcionalmente, jóias de ouro
e armas de aparato: é o caso da já mencionada espiral da Orca do Outeiro do
Rato e da espada curta, de lingueta, fabricada em cobre arsenical, de Pinhal
dos Melos, Fornos de Algodres (Paço & Ferreira, 1957). A ocorrência destes
"itens" tem um significado sócio-cultural que adiante será devidamente
salientado.

420
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No que se refere ao norte do país, convencionalmente a região entre curso do
Douro e a fronteira, foi elaborada recentemente uma síntese da presença de
materiais campaniformes, a propósito do achado de um fragmento de um
vaso campaniforme cordado, recolhido no povoado do Castelo Velho, Vila
Nova de Foz Côa, ainda a sul do Douro, na Beira Transmontana (Jorge, 2002).
Trata-se de um exemplar obviamente importado, constituído por impressão
de uma "corda" entrançada", aquilo que L. Salanova classifica como
"cordelette crochetée". O exemplar mais próximo dos compulsados provém
de Villa Filomena, necrópole de silos da região de Castellón, perto do litoral
da Catalunha (Esteve Gálvez, 1956). Desconhece-se, todavia, quais os
mecanismos que presidiram à sua manipulação e transporte até esta área
geográfica, situação igualmente extensível ao outro exemplar português
comparável, do povoado de Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (Arnaud, 1993),
embora neste último a impressão cordada seja simples e não entrançada, ou
dupla.

O fragmento campaniforme cordado do Castelo Velho provém da Camada 3,


para a qual se dispõe de um conjunto de datas situadas tanto na primeira
como na segunda metade do III milénio a. C.; já a presença campaniforme
no povoado do Porto Torrão foi situada, como antes se referiu, na primeira
metade do dito milénio, o que é consentâneo com a ideia de serem os
campaniformes cordados mais antigos que os outros estilos decorativos.

S. Oliveira Jorge, a propósito daquele fragmento, elaborou, como se disse, uma


bem documentada síntese sobre a presença de materiais campaniformes no norte
do país (JORGE, 2002).

A partir do levantamento das vinte e uma ocorrências geográficas identificadas


pela autora, são possíveis as seguintes conclusões:

- Quinze sítios correspondem a contextos tumulares e sete a sítios habitados;


quanto aos primeiros, cinco situam-se perto do litoral, cinco na transição
litoral/interior e apenas dois em zonas francamente interiores (ocidente de
Trás-os-Montes).
- Exceptuando-se o caso já referido da Mamoa 1 de Chã de Carvalhal, e de um
outro sepulcro, também propositadamente construído nesta época (Lugar de
Vargo, Fafe), os restantes sítios funerários reaproveitaram monumentos
megalíticos pré-existentes, tal como já se tinha verificado tanto na
Estremadura como nas Beiras.
- No concernente aos sete sítios habitados, dois situam-se na zona de transição
do litoral/interior, mas correspondem a sítios com características muito
diferentes, de plataforma ou de altura, nos quais as cerâmicas campaniformes
ocorrem por vezes associadas a cerâmicas calcolíticas locais.

421
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Quanto aos diversos grupos estilísticos, domina o "Grupo internacional",
recorrendo à técnica a pontilhado, de que são paradigma os vasos "marítimos"
nas suas diferentes variantes (de bandas e linear). Assinala-se, de acordo
com estudo anterior (Gomes & Carvalho, 1993), a predominância da
distribuição litoral deste grupo no que respeita às ocorrências funerárias
(Mamoas de Aspra, Caminha; de Eireira e de Chafé, Viana do Castelo; de
Guilhabreu, Vila do Conde; de Chã de Arcas, Arcos de Valdevez; e, mais
para o interior, a mamoa 1 de Chã de Carvalhal e o dólmen de Chã de Parada
1, ambos em Baião; e os povoados do Tapado da Caldeira, Baião e de Pastoria,
Chaves, entre outros. Salienta-se a presença de dois belos vasos
campaniformes pertencentes a este grupo, recolhidos no topo da camada 2
da câmara da Mamoa 1 de Portela de Pau, Castro Laboreiro (Jorge et al.,
1997, Est. XX e XXI). Este conjunto é estilisticamente afim do grupo de
Palmela, da região da baixa Estremadura, embora lhe falte a taça Palmela,
dele característico; por seu turno, evidencia afinidades com o grupo de
Ciempozuelos, já anteriormente referido, da Meseta Ibérica.

Enfim, as cerâmicas incisas, podem correlacionar-se, por um lado, com as


suas equivalentes estremenhas do "Grupo Inciso" – afinidades sublinhadas,
por exemplo, pela taça Palmela incisa recolhida na mamoa 1 de Chã de
Carvalhal, já referida – e, por outro lado, com certas cerâmicas do grupo de
Ciempozuelos, igualmente incisas. Mas o número de fragmentos conhecido
é demasiadamente pobre para permitir maiores certezas: para além do
monumento citado, apenas se recolheram fragmentos campaniformes incisos
na mamoa 2 de Carvalhelhos, Boticas e no Crasto de Palheiros, Murça,
correspondentes a estilos locais associados a vasos "marítimos" (variantes
Fig. 208 de bandas e linear), e a recipientes (caçoilas) com decoração pontilhada
geométrica (Barbosa, 1999). Este é o único sítio do norte de Portugal, para o
qual se dispõe de informação (já que no Castelo Velho nenhuma das datas se
pode associar directamente ao fragmento campaniforme cordado) sobre a
cronologia absoluta da presença campaniforme, que M. J. Sanches situou na
primeira metade do III milénio a. C. (in Jorge, 2002).

14.4 Aspectos sociais, económicos e culturais

A análise descritiva e a caracterização das mais importantes manifestações


campaniformes até ao presente registadas no território português acima
apresentadas, permitem visão de conjunto e interpretativa sobre o significado
de tais vestígios, tanto na vertente social, como na económica e cultural, das
comunidades que os fabricaram e utilizaram, tanto no quotidiano, como no
mundo funerário.

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Muitas têm sido as propostas defendidas por diversos arqueólogos, desde a
década de 1920, sobre a origem do "fenómeno" campaniforme à escala
europeia. O facto de, volvidas tantas dezenas de anos, se optar pela ambígua
expressão de "fenómeno", para designar as ricas manifestações
campaniformes, comuns à quase totalidade do território europeu, expressa
bem a dificuldade de encontrar explicações que reúnam o consenso sobre os
mecanismos que presidiram à génese e ulterior difusão de tais manifestações
materiais pelo espaço geográfico aludido.

Às doutrinas difusionistas extremas, que faziam corresponder qualquer


modificação observada na cultura material à migração efectiva de populações
portadoras de tais mudanças ou novidades, sucedeu-se movimento de sinal
contrário, mais ou menos generalizado, a partir da década de 1980. Nestas
condições, como interpretar a importante presença das cerâmicas
campaniformes no território português, as quais não têm antecedentes locais
sendo, ao contrário, um produto totalmente novo (o que não significa que
seja exógeno)? Crê-se que um dos sítios-chave para a discussão actualizada
deste assunto é o povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras): as condições em
que foram encontradas as cerâmicas campaniformes, tanto no interior como
no exterior do espaço fortificado, parece contrariar o simples papel de
"prestígio" ou "simbólico" que alguns autores lhes têm recentemente
atribuído.

Como atrás se referiu, em Leceia, enquanto no interior da fortificação, cons-


truída logo no início do Calcolítico Inicial, cerca de 2 800 anos a.C., as cerâ-
micas campaniformes permaneceram quase desconhecidas, ocorrendo apenas
na parte superior da camada correspondente ao Calcolítico Pleno e mesmo
assim em escassa quantidade, na zona extramuros, escavaram-se duas cabanas,
onde tais cerâmicas eram exclusivas, apesar de tais unidades habitacionais
serem contemporâneas da ocupação do Calcolítico Pleno da área intramuros,
como se concluiu pelas datas de radiocarbono obtidas em ambas.

Admitindo que diferentes culturas materiais coevas, ocupando o mesmo


espaço geográfico, correspondam efectivamente a comunidades com raízes
culturais distintas, pode colocar-se a hipótese da coexistência, no decurso do
Calcolítico estremenho, conforme os elementos recolhidos em Leceia, de
dois grupos sociais diferentes: um, mais estável e sedentário, descendente
das populações que ocuparam a fortificação nos séculos anteriores, tomando-
a ainda como o fulcro do seu quotidiano, embora numa época em que esta já
se encontrava em franco declínio; outro, mais móvel, usando em grande
quantidade cerâmicas campaniformes, ali circunstancialmente atraídos pela
concentração de pessoas e de bens na área intramuros. A grande quantidade
de cerâmicas campaniformes – que, repita-se, constituíam a totalidade das
peças decoradas em ambas as estruturas habitacionais – torna inviável a
consideração de se tratar de objectos de luxo, ou apanágio de um determinado

423
© Universidade Aberta
segmento social diferenciado no seio destas comunidades. Naturalmente,
esta interpretação encontra-se dependente da própria qualidade dos dados
disponíveis: e estes, ainda que do ponto de vista arqueológico sejam
insofismáveis, como anteriormente se demonstrou, já do ponto de vista
arqueométrico carecem de confirmação, visto de momento apenas se basearem
em duas datas de radiocarbono.

Esta realidade permite, de qualquer modo, recolocar a questão do estatuto


subjacente às cerâmicas campaniformes, situando a sua emergência ainda na
primeira metade do III milénio a. C. Com efeito, para além dos elementos crono-
métricos reunidos em Leceia, é de assinalar que em outros sítios portugueses ou
do país vizinho, se vieram a documentar tais cerâmicas ainda naquela época
(Cardoso & Soares, 1990/1992; Senne-Martinez, 2002).

Sem dúvida que os primeiros impulsos se encontram documentados pelo


"Grupo internacional", sobretudo representado por vasos campaniformes de
"estilo marítimo", cuja distribuição ultrapassa largamente o território
português, sendo certo – repita-se – que não detêm quaisquer analogias com
a tipologia das cerâmicas calcolíticas estremenhas imediatamente anteriores,
pelo que não se pode postular uma origem local a partir de evolução "in
loco". Por outro lado, também parece provável terem sido tais vasos
rapidamente copiados, num evidente processo de apropriação cultural na
própria Estremadura, como parece verificar-se pelo contraste entre pastas,
qualidade de execução e até técnicas de acabamento: é a tal conclusão que se
é conduzido ao comparar-se os vasos "marítimos", ambos com decoração de
Fig. 198
bandas a pontilhado, um da gruta II de Alapraia e outro da vizinha gruta I de
São Pedro do Estoril (Cardoso, 2002, Fig. 226). É interessante, por outro
lado, verificar a existência esporádica de vasos "marítimos" com decoração
de bandas, mas realizadas pela técnica incisa – de que é exemplo um exemplar
oriundo da gruta 3 da Quinta do Anjo, Palmela (Cardoso, 2000, Fig. 20),
realidade que pode ser entendida como anacronismo, revelando a permanência
de formas e decorações herdadas dos primeiros vasos campaniformes, numa
época em que já se realizava a técnica incisa.

Estes recipientes atingiram na Bretanha importância idêntica, podendo, deste


modo, terem sido objecto de troca à escala local e supraregional por via
marítima. Embora os elementos disponíveis sobre estudos de pastas sejam
ainda muito insuficientes, os resultados das análises químicas e mineralógicas
efectuadas em fragmentos do povoado da Fraga da Pena (Fornos de Algodres),
já atrás mencionados, provaram não terem os vasos campaniformes
"marítimos" sido produzidos localmente, ao contrário das restantes cerâmicas.
Ao contrário, as análises químicas efectuadas em cerâmicas do povoado de
Porto Torrão, oriundas de camadas com e sem materiais campaniformes,
permitiram concluir, como já se referiu, que todas foram manufacturadas
localmente, a partir pelos menos de três tipos de argilas quimicamente distintas

424
© Universidade Aberta
existentes nas proximidades imediatas do povoado (Arnaud, 1993). Este
resultado vem salientar a necessidade absoluta de se continuar, com carácter
sistemático, este programa de análises, de modo a discutir, com maior
fundamentação científica, o problema da circulação de cerâmicas
campaniformes. Outro elemento importante recentemente obtido neste
povoado (trabalhos dirigidos por A. Valera, e por ele comunicados
verbalmente), diz respeito ao faseamento da cerâmica campaniforme; com
efeito, na escavação de área mais extensa que a investigada por J. M. Arnaud,
no povoado de Porto Torrão (Ferreira do Alentejo), vieram a encontrar-se
mais cerâmicas campaniformes, que deste modo teriam uma distribuição
não apenas circunscrita à parte mais alta da estação; por outro lado, a
escavação de um fosso mostrou uma maior abundância do "Grupo
Internacional" (presença de vasos "marítimos") na base da estrutura, enquanto
nos níveis mais altos dominavam os campaniformes de tipo geométrico e
inciso. A ser assim, seria a primeira vez que, em estratigrafia, se demonstrava
inequivocamente a anterioridade do primeiro grupo, o único que poderá ser
exógeno, face aos restantes. Com efeito, as evidentes semelhanças entre os
vasos bretões e os da fachada ocidental da Península Ibérica, só podem ser
explicadas por deslocamentos populacionais, por via marítima (não seriam
tanto os vasos que viajavam, mas mais quem os fabricava), provavelmente
nos dois sentidos, como recentemente foi defendido por Laure Salanova, a
que se seguiria a cópia generalizada dos protótipos importados
(desconhecendo-se o local onde estes primeiramente surgiram: na região da
baixa Estremadura ou na Bretanha?). É ainda a navegação de cabotagem que
permite explicar as diversas ocorrências de cerâmicas campaniformes no
litoral do Marrocos Atlântico, de provável origem peninsular; ali, poderiam
ser permutadas por marfim e ouro, presentes em contextos calcolíticos
portugueses.

Nessa época, situável em meados do III milénio a. C., decorria na Estremadura


outro fenómeno: a ruptura do sistema económico-social baseado em grandes
povoados fortificados, onde até então se concentrava boa parte da população.

Importa agora recapitular o que já foi dito sobre este tema. Não existem
ainda explicações consistentes para tal fenómeno, ainda mal conhecido, mas
aparentemente independente da emergência do "fenómeno" campaniforme,
cujos aspectos foram já objecto de discussão. A desagregação das grandes
comunidades calcolíticas em pequenos grupos de raiz familiar foi a resposta
encontrada para optimizar a exploração e produção de recursos dos quais
dependia, mais do que nunca, o sucesso do seu próprio crescimento. Esta
hipótese – que, como já se referiu, consubstancia a teoria do "enxameamento",
de Victor S. Gonçalves, mas difere dela por requerer o declínio e abandono
dos sítios anteriormente ocupados e não apenas a geração de novos locais
habitados – adapta-se bem à realidade observada na Baixa Estremadura, a

425
© Universidade Aberta
Sul do paralelo de Torres Vedras e, particularmente, na fértil região a norte
de Sintra e dos arredores de Lisboa (Carreira & Cardoso, 1996). Trata--se de
pequenos núcleos campaniformes, de época tardia, onde domina largamente
a cerâmica campaniforme incisa – como é o caso, entre outros, do sítio do
Monte do Castelo, Oeiras (Cardoso, Norton & Carreira, 1996) – implantados
em zonas abertas, de alta aptidão agrícola. A Sul do Tejo, observa-se também
a ocupação de pequenos outeiros – caso dos outeiros onde se implantaram os
povoados de Malhadas, então pela primeira e única vez ocupado (Soares &
Silva, 1974/1977) e o da Fonte do Sol, então reocupado, ambos na região de
Palmela – que mantêm o regime de agricultura intensiva e extensiva, herdado
do período anterior. Tal é atestado pelos materiais recolhidos (mós, elementos
de foice sobre lâmina), cuja presença pressupões a existência de a par da
criação de gado (os bovinos e ovinos encontram-se documentados),
Fig. 202 actividades que requeriam a ocupação permanente dos respectivos territórios
e um grau de especialização tão elevado como o anteriormente atingido, ao
contrário do que poderia sugerir uma interpretação mais superficial da
realidade arqueológica imediata. Que a agricultura cerealífera se especializou,
conduzindo ao armazenamento de significativo volume de excedentes, é-nos
indicado pelo silo de Verdelha dos Ruivos (Vila Franca de Xira), cuja
integração no campaniforme é apoiada pela sua adjacência à gruta sepulcral
do mesmo nome, onde tal presença é exclusiva, conotável com o povoado de
Fig. 203
Moita da Ladra, situado nas proximidades. De facto, não há quaisquer indícios
de regressão económica face ao período anterior, como ingenuamente
seríamos levados a supôr com base apenas no declínio verificado dos grandes
povoados fortificados. Aliás, a riqueza do registo arqueológico evidenciada
em Leceia na camada do Calcolítico Pleno, sem precedentes no povoado,
mostra que é falacioso conotar linearmente o fenómeno da fortificação com
o sucesso económico das respectivas comunidades, visto tal camada
corresponder precisa-mente à fase de declínio definitivo da fortificação, com
a retracção do espaço habitado em torno do núcleo primitivo, ocupado desde
o Calcolítico Inicial.

O acréscimo de produtos valiosos, só possíveis de obter por troca, como o


cobre, tornou-se ainda mais frequente, nesses últimos momentos do
Calcolítico, acompanhando a circulação de produtos manufacturados e
standartizados (pontas Palmela, botões de osso ou marfim tipo "tartaruga",
Fig. 204
braçais de arqueiro). Tal realidade é acentuada pela presença de objectos
sumptuários de ouro, cuja presença é, pela primeira vez, indiscutível (espirais,
brincos, contas, alfinetes e diademas em folha de ouro), os quais configuram
a emergência de verdadeiras elites, culminando, deste modo, longo processo
de diferenciação social, esboçado desde inícios do Calcolítico. O poder deixou
de residir no grupo, como acontecia anteriormente, para passar a estar, cada
vez mais, e de forma irreversível, nas mãos de grupos restritos que, por
definição, são minoritários face ao todo comunitário; é provável que este

426
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modelo não dispensasse a manutenção de alguns sítios fortificados, os quais,
nalguns casos, continuam ocupados até ao Bronze Pleno, ainda que resi-
dualmente, como os três mais importantes da região estremenha: Vila Nova
de São Pedro, Zambujal e Leceia; mas, noutros casos, são fundados ex-novo,
como o povoado de Moita da Ladra. Seja como for, a emergência de elites,
cuja componente guerreira é uma realidade, encontra-se documentada, para
além das grandes pontas Palmela (de dardo?), no final do Campaniforme,
pela ocorrência crescente das adagas de lingueta, por vezes de grandes
dimensões, como o belo exemplar da Quinta da Romeira, Torres Novas Fig. 205
(Cardoso, 2002, Fig. 237). Tais adagas evoluem, mais tarde, para as primeiras
espadas curtas, de evidente aparato, também munidas de lingueta, como a de
Pinhal dos Melos, Fornos de Algodres (Paço & Ferreira, 1957), para a qual
se apontaram afinidades com exemplares da Bretanha; e tal não deve causar Fig. 206
surpresa, dadas as evidentes afinidades atlânticas de uma das linhagens
campaniformes, atrás referidas, corporizada pelo "Grupo Internacional".
Trata-se de peças ostentatórias, usadas por um segmento em gestação, no
seio de uma sociedade que integrava, também, agricultores, pastores, artesãos
e comerciantes: assim se corporizou, paulatinamente, a transição para a Idade
do Bronze, onde a hierarquização social no âmbito do exercício do poder foi
uma realidade cada vez mais presente. Assim se ultrapassou, também, um
momento de crise, a que conduziu o clima a que alguns chamaram de guerra
endémica, protagonizado pelas comunidades calcolíticas pré-campaniformes,
entricheiradas e concentradas em povoados fortificados.

A transição para o novo modelo organizacional, já plenamente da Idade do


Bronze, que requereu a emergência de centros de poder de expressão menos
difusa, que doravante pudessem negociar os conflitos numa base económica
e política, sem que fosse necessário levá-los à prática, foi corporizada pelas
comunidades campaniformes; estas, representam um dos momentos de
mudança mais obscuros e complexos da Pré-História portuguesa: a aparente
ausência de grandes centros populacionais não impediu, como as evidências
arqueológicas actualmente disponíveis parecem mostrar, a paulatina afirmação
de elites, num fenómeno de diferenciação e hierarquização social que
culminaria, no Bronze Final, cerca de 1000 anos depois, com as primeiras
sociedades estratificadas, através de um processo onde a circulação de pessoas
e de bens era condição necessária. Nisso residiria a evidente uniformidade,
numa perspectiva alargada, dos espólios encontrados, sem prejuízo de certos
regionalismos endémicos, como a taça Palmela, produzida até aos derradeiros
momentos, numa área em torno dos estuários do Tejo e do Sado. Os escassos
exemplares conhecidos, tanto na região da Figueira da Foz, como ainda mais
a norte (mamôa 1 de Chã de Carvalhal, Serra da Aboboreira, Baião), só
sublinham a referida incidência regional, daquele tipo de recipientes.

427
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Na segunda metade do III milénio a. C., por quase todo o território português,
encontravam-se mais ou menos disseminadas populações portadoras da
panóplia campaniforme. Mesmo regiões onde esta era, até há bem pouco,
desconhecida, como o Algarve, ou o sul da Beira Baixa, tal presença foi
recentemente identificada, justificando a afirmação, sempre presente, da pouca
fiabilidade dos critérios baseados na ausência, a qual, em geral, decorre
sobretudo do estado da investigação arqueológica. O prosseguimento recente
das investigações, tanto em sítios habitados, como em necrópoles, na Beira
Alta, na Beira Transmontana e a norte do Douro, veio carrear um notável
acréscimo de informação, nos últimos quinze anos, sobre a existência de
ocorrências campaniformes, em vastas zonas onde elas eram praticamente
desconhecidas. Por outro lado, nos recentes trabalhos de emergência
realizados na bacia do Guadiana, foram confirmadas as influências da
Meseta-Sul, através das numerosas cerâmicas do grupo de Ciempozuelos ali
presente-mente conhecidas em sítios habitados.

No entanto, é a Baixa Estremadura (áreas adjacentes ao Tejo e ao Sado) que


oferece a larga maioria de materiais campaniformes: é desta região que provêm
cerca de 75% dos vasos campaniformes clássicos, ditos "marítimos"
(Salanova, 2002), que corporizam o "Grupo internacional", e também é nela
que se pode encontrar a maior quantidade e diversidade ao nível de estilos
regionais, representados pelo "Grupo de Palmela", que só esporadicamente
ocorre no Sul e no Norte, o mesmo se podendo dizer do "Grupo inciso". A
extraordinária riqueza de estações campaniformes, bem como a diversidade
dos espólios encontrados na região da baixa Estremadura, fizeram com que
esta fosse, desde cedo, considerada como uma área de primeira importância
no âmbito dos mecanismos de difusão do "fenómeno" campaniforme a nível
europeu.

As redes/sistemas de povoamento vigente em finais do III milénio a. C.,


fazem do campaniforme um período de transição do Calcolítico para a Idade
do Bronze, qualquer que seja a região do País considerada e onde a sua
presença se tenha manifestado.

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15. A Transição do Calcolítico para a Idade do Bronze

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Página intencionalmente em branco

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Os mecanismos de transição para a Idade do Bronze, curto período
corporizado pelos derradeiros momentos campaniformes (ou
epicampaniformes, visto já não ocorrerem as tão características cerâmicas
decoradas que estiveram na própria origem da designação, mas apenas
recipientes lisos) são ainda pouco conhecidos; crê-se que a presença
campaniforme, na Estremadura e Sul do País, tenha dado lugar a novas
expressões da cultura material, já inseríveis na Idade do Bronze, no final do
III milénio a. C. Esta conclusão é corroborada pela datação obtida no povoado
de Catujal (Loures), cujo intervalo para 95% de confiança é de 2028-1752 a.
C. O espólio recolhido exibe estreitas afinidades com o do Bronze Pleno do
Sudoeste, sendo, pois, de uma fase imediatamente ulterior às últimas
cerâmicas campaniformes produzidas na região.

Este curto período de transição (que se poderá designar por Bronze Inicial) é
corporizado na Estremadura pelo dito "Horizonte de Montelavar" (Harrison,
1977), definido no sítio epónimo, perto de Sintra; tratava-se de uma sepultura
cistóide rectangular onde se recolheu um punhal de lingueta e duas pontas
Palmela (Nogueira & Zbyszewski 1943); a cerâmica, aparentemente, não
constava do conjunto. Situação idêntica foi registada perto de Ferradeira
(Faro), onde H. Schubart, a partir de uma sepultura cistóide de planta
sub-elipsoidal alongada, explorada muito antes, contendo um indivíduo
depositado em decúbito dorsal, acompanhado de uma taça de carena baixa
lisa (tipológicamente da Idade do Bronze), um braçal de arqueiro e um
pequeno punhal de cobre, de lingueta, definiu o chamado "Horizonte de
Ferradeira" (Schubart, 1971). Esta sepultura tem provavelmente antecedentes
locais, visto conhecerem-se diversas ocorrências, tanto no litoral algarvio
como na zona da serra, a maioria ainda por escavar. A única até ao presente
objecto de escavação, foi a do Cerro do Malhão, Alcoutim, pequeno megálito Fig. 216
do tipo cista envolto por lageado, o que indica a ausência de tumulus; embora
violada, forneceu um machado intacto de anfibolito e uma ponta de seta
curta, de base cavada, de tipologia claramente calcolítica, além de um
pequeníssimo fragmento de placa de xisto gravada (Cardoso & Gradim, 2003).
Fig. 211
As cistas afins de Ferradeira, cujas características e espólio foram comparadas
por H. Schubart a outras, do Baixo Alentejo (Vila Nova de Milfontes,
Odemira, Aljezur e Aljustrel), por vezes com base apenas em semelhanças
tipológicas, consubstanciaria uma realidade material, com significado
Fig. 212
cronológico-cultural, com extensão pelo Sudoeste espanhol. O "Horizonte
de Ferradeira", seria, deste modo, o equivalente meridional do "Horizonte
de Montelavar". Já no país vizinho, merece destaque o rico conteúdo da cista
de Motilla (Córdova) muito semelhante à da cista constituída por uma caixa
sub-rectangular com chão lageado e coberta de lages, aparentemente Fig. 213
desprovida de tumulus da Quinta da Água Branca, Vila Nova de Cerveira
(Fortes, 1908). Apesar de situada em domínio geográfico bem diferente, de

431
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ambas provêm adagas de cobre longas, munidas de lingueta, de evidente
filiação na panóplia campaniforme, pontas Palmela e diademas em folhas de
ouro batido, encontrando-se ausente o espólio cerâmico. No sepulcro
português ocorreram também espirais de ouro, análogas às recolhidas em
Fig. 214
outras sepulturas campaniformes da Estremadura, como nas grutas de São
Pedro do Estoril, Cascais. Esta aparente homogeneidade de arquitecturas e
de conteúdos funerários, em áreas geograficamente tão afastadas, só se
compreende se se aceitar que a excessiva compartimentação do espaço, típica
da sociedade calcolítica, teria dado lugar a intensa circulação interregional,
Fig. 215 que se efectuaria livremente, propiciada por um tipo de ocupação, e sobretudo
de gestão dos territórios, por parte das comunidades que os ocupavam,
completamente diferente da anterior. Agora, os produtos poderiam mais
facilmente circular, assim se compreendendo o chamado "pacote"
campaniforme, constituído pelos elementos estandardizados supracitados.

No norte de Portugal, a mencionada sepultura da Quinta da Água Branca


tem paralelo, entre outras, nas cistas sob tumuli de Chã de Arefe, Barcelos
(Silva, Lopes & Maciel, 1981), embora contrastem pela diferente riqueza do
espólio; as últimas, apenas com cerâmica lisa, para além de elementos do
"pacote" campaniforme, como pontas Palmela evoluídas e braçais de arqueiro,
corporizam etapa inicial da Idade do Bronze, de expressão transregional, de
finais do III ou inícios do II milénio a. C. Ainda no Minho, deve mencionar-se
a cista de Lordelo, Viana do Castelo (Silva & Marques, 1984), a qual forneceu,
como único espólio, um vaso troncocónico munido de asa. Este achado –
aliás com paralelo em recipiente recolhido numa das cistas de Chã de Arefe
– é muito importante, por vir clarificar a cronologia deste tipo de recipientes;
a sua abundância em certos monumentos dolménicos da Beira Alta, como no
dólmen de Carapito (Leisner & Ribeiro, 1968), ilustra a, por vezes, intensa
reutilização destes monumentos. Aliás, exemplares análogos, munidos de
uma asa simples junto ao bordo, foram recolhidos também em contexto
recuado da Idade do Bronze, de carácter doméstico, identificado no Buraco
da Moura de São Romão, Seia (Senna-Martinez & Valera, 1995).

Na grande necrópole megalítica da Serra da Aboboreira, Baião, construiram-


-se então os derradeiros sepulcros, já não megalíticos. Dois deles, Meninas
do Crasto 4 e Outeiro de Gregos 1, são sepulturas de pequenas dimensões,
(de tipo poligonal fechado, no caso do segundo monumento), com coberturas
do tipo cairn, atribuíveis a fase inicial/média da Idade do Bronze, situável
cronologicamente entre 2400/2300 e 1900 a. C. (Cruz, 1992; Jorge, 1995),
continham cada uma espiral de prata (Jorge, 1983; Jorge, 1995, p. 78). Trata-se
de peças de prata pura, metal cujo uso só então se começa a difundir, e apenas
com base na prata nativa, visto a copelação da prata só se ter iniciado no
Bronze Final. Estas duas jóias, pela sua raridade, devem considerar-se como
elementos de prestígio, chegadas à região através de comércio transregional,

432
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onde eram utilizadas pelas elites desta etapa inicial da Idade do Bronze.
Importa, a propósito, referir a recolha de uma outra espiral de prata na mamoa
da Cerca, Esposende (Almeida, 1985), a qual demonstra a reutilização desde
megálito na Idade do Bronze, à semelhança de outros da região, como Rapido
3, conforme é assinalado por E. J. L. da Silva (Silva, 1994).

As pequenas construções tumulares da derradeira etapa da necrópole da


Aboboreira distribuem-se na periferia dos túmulos maiores e mais antigos,
como que a auferirem também do espaço por aqueles sacralizado (Jorge,
1995).

Também são conhecidas em outras zonas setentrionais de Portugal, como


em Trás-os-Montes, como talvez seja o caso da mamoa do Barreiro
(Mogadouro) ou dos monumentos de Lomba de Coimbró (Montalegre) ou
da Portela do Gorgurão (Boticas). No norte da Beira Alta, Domingos Cruz
(Cruz, 1998), refere, também, a existência de grupos de pequenos tumuli,
cobrindo por vezes estruturas do tipo cista, como é o caso da cista de Lenteiros,
Vila Nova de Paiva (Cruz, 1998, Est. II, 2), a mesma que G. Leisner refere
com o nome de "Castillejo", ou Castelejo (Leisner, s/d; Leisner & Leisner,
1956, Tf. 28, 63; Leisner, 1998, Tf. 135 a, Karte I-16, I-17). Trata-se de um
pequeno monumento delimitando espaço sepulcral quase quadrangular,
definido por quatro lages, desprovido de espólio, que possui a particularidade,
assinalada por G. Leisner, de conservar, no centro da base do esteio voltado
a sudoeste, uma abertura de contorno semi-elíptico, sem dúvida de carácter
ritual, pressupondo que, originalmente, este monumento não estivesse coberto
de terra, ou, estando-o, que se destinasse a mais facilmente pôr em contacto
com as forças telúricas a "alma" do inumado.

Outros exemplos de sepulturas cistóides, neste caso construídas por


numerosos elementos ortostáticos, são as duas cistas do Vale da Cerva, Vila
Nova de Foz Côa, de planta rectangular, de carácter individual, perto do
povoado calcolítico e do Bronze Pleno do Castelo Velho; cada uma delas
continha respectivamente os restos de um adulto e de uma criança. Os desta
última foram datados pelo radiocarbono, obtendo-se o intervalo, para cerca
de 95 % de confiança, de 2880-2500 a. C., sendo claramente integrável no
Calcolítico.

Os monumentos deste tipo situados no distrito de Aveiro e na parte ocidental


do distrito de Viseu, têm sido objecto de estudo sistemático por Fernando A.
Pereira da Silva, de que resultaram já diversas sínteses, os quais, tal como os
anteriores, já não se poderão designar de "megalíticos". É o caso da mamoa
2 de Laceiras do Côvo, Vale de Cambra, onde se identificou um tumulus de
pequena altura, pétreo e não megalítico atribuível ao Calcolítico ou aos
primórdios da Idade do Bronze. Mas a ausência de datas radiocarbónicas e a
falta de elementos tipológicos impede maiores precisões (Silva, 1997).

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Em síntese: os pequenos monumentos sepulcrais do tipo cista que recen-
temente se têm vindo a identificar e escavar no norte e centro do País, são
cronologicamente próximos das simples fossas sob pequenos tumuli, cuja
frequência é, como a daqueles, muito maior do que até ao presente era
admitido; para tal contribui as características discretas das estruturas e modo
de implantação, pouco evidente, no terreno. Por outro lado, existe clara
continuidade entre as cistas datadas do Calcolítico e os monumentos de
tipologia análoga, situáveis na primeira metade do II milénio a. C. e portanto
já da Idade do Bronze, pelo que a separação entre uns e outros é meramente
cronométrica. Nestes derradeiros monumentos do Calcolítico ou já da Idade
do Bronze, imperou a variabilidade arquitectónica tumular, à qual já não se
poderá dar o nome de megalítica.

Entretanto, surge uma novidade: a adopção da cremação dos corpos,


representada entre outras, por sepultura da serra da Muna (Viseu)
correspondente a tumulus de pedras sobre fossa natural, onde se efectuou
incineração in situ, cuja datação (2130-1970 a. C.) a situa no início da Idade
do Bronze na região (Cruz, 1998; Cruz, Gomes & Carvalho, 1998).

Verifica-se, deste modo, uma transição paulatina para o tipo de sepulcros do


Bronze Pleno, tanto no norte como no sul, realidade que é acompanhada
pelo padrão de povoamento, onde a principal característica é a "penumbra
visual" onde os sítios habitados, tal como as necrópoles, se instalaram.

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16. A Arte Pós-Paleolítica de Ar Livre e de Abrigos Ruprestes e
as Estelas-menires e Estátuas-menires do Calcolítico
e da Idade do Bronze

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No território português, avultam diversas manifestações de arte rupestre pós-
-paleolítica, seja em vastos espaços de ar livre, seja em abrigos sob rocha;
seguidamente, apresentam-se, de forma sintética, as principais ocorrências
conhecidas.

16.1 Complexo do vale do Tejo

A arte rupestre do vale do Tejo (observada num sector sobretudo a montante


da barragem de Fratel), da qual cerca 80% se encontra hoje submersa nas
águas da albufeira, engloba entre 20 000 a 30 000 insculturas, em cerca de
50 km de extensão das margens do Tejo e dos seus afluentes (Ocresa e
Pracana), das quais as mais antigas poderão ascender ao Neolítico Antigo, Fig. 217
ou mesmo ao Epipaleolítico, segundo a cronologia longa, desde sempre
defendida por alguns autores (Gomes, 1987); a esta primeira fase – que,
importa sublinhá-lo, possui um antecedente local do Paleolítico Superior,
representado pelo recentemente descoberto cavalo da ribeira de Pracana
(Mação), já anteriormente referido – poderá pertencer, entre outras, uma Fig. 218
representação de equídeo sub-naturalista (Gomes & Cardoso, 1989). Nesta
etapa inicial, seja ainda epipaleolítica (Período 1 de M. Varela Gomes), seja
já plenamente neolítica (Fase I, de A. Martinho Baptista, cf. Baptista, 1981),
não transparece a importância dos animais domésticos no quotidiano; ao
contrário, como tudo leva a crer, os milhares de figuras sub-naturalistas Fig. 219
identificadas, representam essencialmente animais selvagens (cervídeos e
capríneos, sobretudo, com corpos de perfil, por vezes em atitudes de cópula
ou de pré-acasalamento, incluindo também auroques, de grande tamanho).
É de destacar a existência de corpos reticulados, sobretudo em cervídeos,
com paralelos na arte rupestre do Côa. Fig. 220

A Fase II, conotável com a afirmação do megalitismo regional (Período 3 de


M. Varela Gomes), com apogeu cerca de meados ou início da segunda metade
do IV milénio a. C., é caracterizada por representações antropomórficas
estilizadas, ou esquemáticas, por vezes associadas a figuras solares e ainda Fig. 221
por cenas de caça, incluindo representações de homens, animais e cães domés-
ticos, evidenciando afinidades com as pinturas dolménicas da Beira Alta,
como as da Orca de Juncais. Trata-se, pois, de etapa com inquestionáveis
afinidades com a arte megalítica acima estudada.

Podemos reconhecer, em consequência, nos vários km de painéis


insculturados das margens rochosas do Tejo, a importância, real e simbólica,
da caça para as populações epipaleolíticas, ou já neolitizadas, que, em

437
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determinadas épocas do ano, ali acorriam para a prática cinegética, certamente
não desligada de rituais próprios, aliás sugeridos pela envolvência especial
conferida pelo rio e pelas imponentes Portas de Ródão, lugar de referência e
de sugestivo simbolismo, ao longo de milhares de anos.

Mais tarde, no decurso do Calcolítico, até talvez o Bronze Pleno, observa-se


a proliferação de insculturas de tipo geométrico (a ascensão do geometrismo
é clara nas fases mais avançadas do complexo).

Esta fase da arte rupestre do vale do Tejo tem equivalente no vale do Guadiana;
com efeito, foram ali recentemente identificados, em consequência dos
trabalhos de minimização dos impactos arqueológicos resultantes da
construção da barragem de Alqueva, numerosos motivos esquemáticos ou
geométricos (circunferências produzidas a picotado), que remetem, tal como
no Tejo, para intervalo dos finais do IV aos finais do III milénio a. C.; algumas
dessas figuras eram de há muito conhecidas (Baptista & Martins, 1979);
porém, só o estudo sistemático da totalidade das que actualmente se
conhecem, permitirá traçar uma panorâmica adequada dos ciclos artísticos
ali representados (Silva, 1999).

A arte sub-esquemática ou já plenamente esquemática e geométrica presente


nas últimas fases do complexo rupestre do vale do Tejo, tem, igualmente,
paralelo nos numerosos painéis rupestres de diversos abrigos sob rocha
identificados, de Trás-os-Montes (Penas Róias, Cachão da Rapa, Pala Pinta)
ao Alentejo (Nossa Senhora da Esperança, Arronches). Trata-se de locais
que se dispersam, de forma discreta, pelas cristas rochosas quartzíticas, e
que se podem inserir, globalmente, dos últimos séculos do IV milénio a. C.
aos meados do II milénio a. C., encontrando-se, em boa parte, ainda por
investigar. Estas ocorrências remetem, em geral, para uma fase mais avançada
da arte pré-histórica do ocidente peninsular, situável entre o Neolítico Final
e o Bronze Pleno. Trata-se de representações antropomórficas, associadas a
representações solares (Período 4, ou Meridional, de M. Varela Gomes), a
que se podem juntar símbolos abstractos, como espirais e serpentiformes
que, embora possuindo afinidades com a arte megalítica, se projectariam
pela Idade do Bronze (Período 5, ou Atlântico, do autor supra citado).

Enfim, a derradeira fase artística do complexo do vale do Tejo encontrar-se-ia


representada pelo Período dito de "círculos e linhas" (o 6.o, da sequência em
apreço), bem como por outras representações, do Bronze Final até aos alvores
da Idade do Ferro. A este propósito, importa referir que, na estação da Cachão
do Algarve, do complexo do vale do Tejo, a associação da circunferência a
uma figura humana, da qual constitui o ventre, foi interpretada, por A. M.
Baptista, como sendo possivelmente feminina, o que coloca a questão
simbólica associada a tal motivo, quando este ocorre isolado. Aquele autor
indica, para a última fase estilística da rocha 155 da estação de Fratel, onde

438
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tal motivo geométrico se encontra presente, uma cronologia do Bronze Pleno
(Baptista, 1981) o que, naturalmente, não pode ser generalizado, mesmo a
outras rochas do mesmo complexo rupestre. Com efeito, em 1978 aquele
arqueólogo, com M. Martins, discutindo o faseamento das insculturas da
vizinha estação de S. Simão, integraram as centenas de circunferências ali
identificadas na Fase III, a qual, conjuntamente com a fase anterior, foi situada
na época do megalitismo alentejano, anterior, pois, à Idade do Bronze
(Baptista, Martins & Serrão, 1978). A iconografia da chamada "arte
megalítica", atrás caracterizada nas suas linhas gerais, é, na verdade,
imediatamente anterior à da arte esquemática do Noroeste peninsular,
atribuível preferencialmente à Idade do Bronze.

Existem indícios, para M. Varela Gomes, da utilização daquele vaste santuário


rupestre, no qual a presença da água corrente do grande rio peninsular
desempenhou desde sempre um papel simbólico até pelo menos o Bronze
Final: com efeito, reconheceu a existência de pelo menos um escudo com
chanfradura em V, na rocha 29 do Cachão do Algarve, para além de
podomorfos – que podem ser ligeiramente anteriores, do Bronze Pleno, como
se verifica nas representações homólogas das estelas do Bronze do Sudoeste,
exemplificadas pelo exemplar de Ervidel 1 (Gomes & Monteiro, 1976/1977)
– e de um par de espadas, uma delas com a caracterísitica silhueta em "língua
de carpa". Aliás, a Rocha 1 da estação de Fratel ostentaria, segundo aquele
investigador, um guerreiro com uma espada à cintura com os braços erguidos,
numa posição dominadora com paralelo imediato na estela do Bronze Final
de Figueira (Vila do Bispo). Porém, tais motivos não são assim interpretados
por A. Martinho Baptista, para quem os "podomorfos", bem como as pretensas
"espadas" não passariam de interpretação errónea. Para este arqueólogo, a
utilização do trecho do grande rio peninsular, como santuário rupestre,
terminaria no final do Calcolítico ou, quando muito, no Bronze Pleno
(comunic. oral de 2007).

Seja como for, pode afirmar-se que este sector do Tejo – que, aliás, se pode
considerar em articulação com o conjunto situado em Herrera de Alcántara
(Cáceres), constituído por mais de 20 km de rochas insculturadas, foi palco
de importantes manifestações da religiosidade do homem pré-histórico desde
o Paleolítico Superior até ao final do Calcolítico, aproveitando bancadas
xistosas das margens do Tejo, a jusante da imponente garganta epigénica das
Portas de Ródão, sem dúvida um elemento marcador paisagístico e simbólico
de primeira grandeza. Nesse vasto santuário a céu aberto, a água corrente do
rio desempenhou o seu papel habitual, representação viva da vida e da
renovação, dentro das concepções que enformavam a estrutura cognitiva das
muitas gerações que, ciclicamente, acorriam aos mesmos locais,
expressando-se embora de modos diferentes; neste particular, não deixa de
ser significativo verificar a existência de concentração de rochas insculturadas

439
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nos locais de maior agitação hídrica – os chamados "cachões" – onde a força
vital da água se manifestava de forma mais expressiva.

Do ponto de vista técnico, a quase totalidade des insculturas foi produzida


por picotagem; apenas uma ínfima parte se obteve por abrasão, ou por incisão
(filiformes). As sobreposições são frequentes, bem como diferentes são os
graus de patine ou de desgaste evidenciados pelas representações presentes
em um mesmo painel insculturado, permitindo o estabelecimento de
sequências tipológicas como as supra referidas, definidas pela associação de
motivos estilisticamente afins (é a impropriamente chamada "estratigrafia
horizontal"). A longa diacronia do complexo de arte rupestre do Tejo (ainda
que os seus limites cronológicos variem, de acordo com as concepções
definidas pelos seus dois principais estudiosos) tem paralelo em outros vastos
santuários de ar livre do mundo mediterrâneo, do qual este faz parte integrante.

16.2 A Arte dos abrigos sob-rocha

Faia (Vila Nova de Foz Côa), onde se identificaram diversos grandes bovídeos,
pintados em estilo sub-naturalista a sub-esquemático, a vermelho, em painel
rochoso vertical, acompanhados de antropomorfos e Fraga d’Aia (S. João da
Pesqueira), pequeno abrigo granítico sob-rocha onde se identificaram,
pintados na parede do fundo, com quase sete metros de comprimento, dois
Fig. 222 notáveis conjuntos pintados a diversos tons de vermelho (Jorge et al., 1988),
são dois bons exemplos da arte sub-naturalista, evocando o estilo levantino,
presente no norte o País. Na Fraga d'Aia, já anteriormente referida, um dos
conjuntos rupestres é constituído por uma possível representação de caça ao
veado, figurando grande animal com robusta armação, aparentemente
circundado por diversos antropomorfos; o segundo conjunto, situado à direita
do descrito, corresponde a friso horizontal de dez antropomorfos e um
zoomorfo (cão?), de menores dimensões, com evidente carácter ritual, a que
se juntam outros antropomorfos isolados, situados num plano inferior. As
datações de radiocarbono, realizadas sobre carvões de diversas lareiras –
embora não se encontrem identificadas as espécies utilizadas, o que retira
representatividade às datas encontradas – indicam o Neolítico Antigo, o que
seria compatível com as características estilísticas referidas, muito embora o
primeiro painel se afigure sub-naturalista, e o segundo sub-esquemático; mas
tal coexistência é perfeitamente possível, pelo que não existem razões para
atribuir-se cronologia diferenciada aos dois conjuntos. A longevidade deste
tipo de produções terá atingido o Neolítico Final regional, como indicam as
representações dos esteios da Orca dos Juncais e da Arquinha da Moura.

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A arte sub-esquemática ou já plenamente esquemática e geométrica, presente
nos numerosos painéis rupestres pintados de diversos abrigos sob rocha, de
Trás-os-Montes ao Alentejo, abarcando os últimos séculos do IV milénio a. C.
ao final do milénio seguinte, alguns deles já atrás referidos, encontra-se, em
boa parte, ainda por investigar. Recentemente, a ocorrência de abrigos com
arte esquemática estendeu-se ao Alto Ribatejo e à Beira Litoral, com a
descoberta do pequeno abrigo do Pego da Rainha, Mação, conotado com o
culto da água (Oosterbeek, 2002) e dos abrigos de Lapedo I e Lapa dos
Coelhos, Leiria (Martins, Rodrigues & Garcia Diez, 2004), com represen-
Fig. 223
tações claramente antropomórficas a vermelho. Estas ocorrências remetem,
em geral, para uma fase avançada da arte pré-histórica do ocidente peninsular,
situável entre o Neolítico Final e o final do Calcolítico, conforme indica a
respectiva iconografia: antropomórficos e zoomórficos esquemáticos, símbolos
astrais radiados, circunferências concêntricas, ramiformes, punctiformes, etc.,
com analogia com a arte megalítica, sem se poder excluir a hipótese de
sobrevivências na Idade do Bronze: é o caso do abrigo com gravuras de
Solhapa (Miranda do Douro), com uma notável associação de covinhas e
canais, atribuídas ao Bronze Final (Sanches, 1992).
Fig. 225
Ocorrências mais raras são os motivos reticulados, de contorno quadrangular,
pintados a negro e a vermelho, conhecidos no Cachão da Rapa, sobre o Douro
(Carrazeda de Anciães) os quais, integrados na fase mais antiga das
manifestações artísticas do noroeste peninsular, das três identificadas por
Fig. 226
P. Bosch-Gimpera (Bosch-Gimpera, 1959), se podem inscrever no
III milénio a. C.

Mais recentemente, foram identificados oito abrigos na serra de Passos


(Mirandela), com arte esquemática pintada a vermelho de várias tonalidades
e a amarelo, incluindo antropomórficos e motivos geométricos, atribuídos
ao III milénio a. C. (Sanches, 1988), o que parece credibilizar a cronologia
proposta para o Cachão da Rapa. Tal conclusão foi aliás reforçada pela recente
revisão do abrigo da Pala Pinta (Alijó), ao qual foi atribuída cronologia
também calcolítica (Sousa, 1989), sem prejuízo de algumas das estações em
apreço terem continuado a ser utilizadas ao longo da Idade do Bronze. Prova Fig. 224
desta virtual sobrevivência é a presença, no abrigo Pinho Monteiro
(Arronches), de uma representação esquemática feminina de amazona (?) de
pé sobre o dorso de equídeo associada a personagem itifálico com bastão e
capacete de cornos, ambas situadas na Idade do Bronze Final, correspondente
ao último período de utilização do santuário (os anteriores foram reportados
ao Neolítico Final e ao Calcolítico (Gomes, 1989). Esta realidade pode, deste
modo, ser paralelizável com a verificada em Trás-os-Montes, com a utilização
ritual, e de forma muito mais frequente da que os testemunhos actualmente
conhecidos sugerem, de abrigos rupestres nessa época.

441
© Universidade Aberta
Os abrigos rupestres alto-alentejanos com arte esquemática, de que merece
destaque o de Voz de Junco, Arronches, possuem no território português
Fig. 227 mais meridional, apenas uma única ocorrência equipa-rável: trata-se do
pequeno abrigo de Penedo (S. Bartolomeu de Messines), com arte
esquemática e espólio neolítico (Gomes, 2002, p. 173).

16.3 Arte esquemática do noroeste peninsular

A arte rupestre do noroeste peninsular articula-se, ao menos em parte, com


as manifestações artísticas anteriormente mencionadas. No estádio actual
dos nossos conhecimentos, deve atribuir-se-lhe cronologia correspondente a
todo o II milénio a. C., ainda que com provável início no milénio anterior e
terminus nos primórdios do milénio seguinte, abarcando, assim, toda a Idade
do Bronze e inícios da Idade do Ferro. Aliás, conhecem-se insculturas
encontradas em área de povoamento castrejo, embora nalguns casos
permaneça a dúvida de se poderem ou não relacionar com aquelas ocupações
sidéricas. Casos há, contudo em que se demonstrou serem anteriores àquelas:
assim, as rochas insculturadas identificadas no castro da Assunção, Barbeita
(Monção), com motivos geométricos habituais, encontravam-se sobrepostas
por uma casa castreja (Marques, 1986).

As origens deste grupo artísitico – cuja falta de homogeneidade, com origem


em causas geográficas, mas também cronológicas, é evidente – podem,
segundo alguna autores, remontar ao Neolítico Final, tal é a semelhança de
alguns dos seus motivos com os representados nos esteios de diversos
monumentos dolménicos do centro e do norte do País. É o caso de círculos
isolados, que aparecem pintados ou insculturados em diversos monumentos,
Fig. 228 bem como reticulados, patentes em três esteios do dólmen de Antelas, Oliveira
de Frades, já atrás referido. Tais foram os critérios utilizados por E. Shee
Twohig (Twohig, 1981) para situar a "Pedra Partida" de Ardegães, Maia, no
Calcolítico; contudo, esta atribuição deve ser reapreciada, tendo presente a
estreita analogia que aquela rocha apresenta com a "Pedra da Escrita", de
Serrazes, S. Pedro do Sul, a qual ostenta circunferências concêntricas com
ponto central e o que aparentam ser um ou dois podomorfos, que a situam
em época ulterior; com efeito, a simples existência de um motivo reticulado
conservado no chapéu do dólmen do Espírito Santo da Arca (Vouzela), vem
provar que se trata de motivo posterior à construção do monumento, sem
excluir, porém, a possibilidade de ser calcolítico. Importante elemento sobre
a cronologia deste tipo particular de insculturas rupestres parece ser a tampa
de cista ou estela insculturada com motivos reticulados da necrópole do
Bronze Final de Canedotes (Vila Nova de Paiva).

442
© Universidade Aberta
De qualquer modo, as origens destas manifestações artísticas, na ausência
de evidentes antecedentes locais, parece terem resultado de influxos culturais
novos, verificados no decurso da Idade do Bronze, os quais não se podem
desligar das relações comerciais atlanto-mediterrâneas, que então se detectam
na região da distribuição destas ocorrências.

Trata-se de uma arte não monumental, cobrindo por vezes vastas superfícies
dos afloramentos rochosos, muitas vezes em sítios pouco evidentes na
paisagem, cuja localização poderá, não obstante, coincidir com a delimitação
de territórios entre comunidades vizinhas, tornados por isso de referência
obrigatória e apenas delas (ou de parte delas) conhecidos; aí residirá, talvez,
a razão para a ausência de monumentalidade que evidenciam. Mas esta
afirmação é apenas uma suposição, na falta de elementos que possibilitem
uma discussão mais objectiva. De qualquer modo, a implantação que
caracteriza muitos sítios com arte rupestre do norte do País, faz crer que não
eram as características topográficas que os diferenciavam da restante área
envolvente, mas sim o seu significado intrínseco, de forte simbolismo,
conferido pelas rochas decoradas. A ser assim, é admissível aceitar que o
acesso a tais sítios seria restrito aos elementos de cada uma das comunidades
que, devido ao seu estatuto, a eles teriam conhecimento ou poderiam aceder.

A. Martinho Baptista, em síntese realizada em meados da década de 1980,


resultante em boa parte de investigações pessoais desenvolvidas nos anos
imediatamente anteriores (Baptista, 1983/1984), identificou dois grupos no
contexto da arte rupestre em apreço, diferenciados pela cronologia e pela
iconografia, e, ainda, em certa medida, pela respectiva distribuição geográfica.
Contudo, tais grupos seguem de perto os limites geográficos assinalados
anteriormente por outros autores, e assimilados, repectivamente ao "Grupo
Minhoto" e ao "Grupo Transmontano" (Gomes, 2002, p. 166).

O Grupo I seria o mais antigo (atribuível globalmente à Idade do Bronze),


possuindo distribuição geográfica mais litoral no Noroeste peninsular,
encontrando-se mal representado no território português, uma vez que o seu
núcleo corresponde à região de Pontevedra, em cuja região litoral se registaram
mais de 400 rochas insculturadas (Peña Santos, 1979). Em Portugal, as
ocorrências no Alto Minho, têm prolongamentos meridionais, até à bacia do Fig. 232
Vouga (serra do Arestal, Outeiro dos Riscos e Fornos dos Moiros). As
ocorrências privilegiaram plataformas de meia-encosta, ou outeiros de baixa
altitude, aproveitando superfícies rochosas horizontais. A iconografia
dominante integra circunferências simples ou concêntricas, frequentemente Fig. 233
com covinhas interiores, meandros, linhas direitas ou curvas, sinuosas, espirais
e labirintos e, mais raramente, representações de armas (protótipos metálicos,
como as alabardas, do Bronze Antigo e Pleno), zoomórficas e
antropomórficas, sub-esquemáticas e esquemáticas. Estas representações

443
© Universidade Aberta
teriam paralelos atlânticos nas Ilhas Britânicas, chegando mesmo à
Escandinávia, situação que poderia ser explicada pelas ligações comerciais
estabelecidas com aquelas regiões, no decurso da Idade do Bronze. Outro
vector teria origem meridional, ligada ao mundo mediterrâneo, representado
pelos motivos labirínticos mais elaborados. Uma das ocorrências mais
emblemáticas é a estação da Bouça do Colado, na encosta meridional da
Fig. 230 serra da Amarela, Ponte da Barca. Segundo A. Martinho Baptista, observa-se,
na distribuição dos motivos insculturados em vasta superfície horizontal
granítica, correspondente ao núcleo principal do santuário rupestre, rodeado
por sete outras rochas insculturadas de menores dimensões, uma estruturação
do espaço gravado, correspondente a um projecto previamente elaborado.
Com efeito, o espaço central da composição, correspondente à intersecção
dos eixos maior e menor da superfície insculturada, é ocupado por um grande
idoliforme feminino, sendo as zonas envolventes ocupadas por diversas
representações, com destaque para as circunferências com covinha central.
Uma figura proto-labiríntica ocupa a base da composição. Porém, esta
interpretação, que se afigura evidente para o citado autor, é questionada por
outro arqueólogo (Gomes, 2002, p. 164), o que só revela quanto falíveis e
subjectivas são as mais elementares interpretações, em matéria de arte
rupestre, sem falar da respectiva cronologia, relativa ou absoluta.

O Grupo II de Martinho Baptista – classificado como dos finais da Idade do


Bronze e da Idade do Ferro – prolongar-se-ia mais para o interior,
estendendo-se pelo território transmontano, correspondendo-lhe cronologia
mais recente, essencialmente da Idade do Ferro. É de admitir cronologia
centrada na Idade do Bronze, justificando-se as diferenças iconográficas
Fig. 231
observadas, por regionalismos, aliás ulteriormente sublinhadas por Celso
Tavares da Silva (Silva, 1985) na bacia do Vouga, ao assinalar a maior
incidência de espirais, tão exuberantemente representadas na "Pedra dos
Pratos" (Castro Daire, Viseu), face à iconografia dominante da região galaica.
O autor dedicou, aliás, importante estudo à arte rupestre do alto vale do Vouga,
tendo inventariado os motivos elementares ali presentes (Silva, 1978). Ao
segundo grupo de A. Martinho Baptista, pertenceriam notáveis santuários,
Fig. 229 como o do Gião (Arcos de Valdevez) e, mais no interior, Tripe e Outeiro do
Salto (Chaves), cuja inclusão na época proto-histórica, segundo o faseamento
defendido por Martinho Baptista, se afigura demasiado moderna, opinião
que é concordante com a de outros autores (ver, por ex., Gomes, 2002, p.
163), que admite cronologia calcolítica, ou ainda mais antiga, para o santuário
de Tripe.

Em tais sítios, identificaram-se antropomorfos esquemáticos, com destaque


para as conhecidas "figuras em fi"; motivos quadrados ou rectangulares;
circunferências com um ou dois diâmetros perpendiculares entre si; e semi-
círculos, com ou sem covinha central; mais raramente, ocorrem espirais,

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© Universidade Aberta
linhas rectas ou quebradas e podomorfos; estes últimos, cuja ocorrência
remonta ao Bronze Pleno do Sudoeste, visto encontrarem-se representados
em algumas das estelas funerárias insculturadas daquela época, encontram-
-se por vezes particularmente bem representados em sítios tão distantes como
a "Fraga das Passadas" (Mogadouro) e a "Pedra do Rasto", Queirã (Vouzela),
com mais de trinta destas representações, associadas a covinhas. Avulta a
verdadeira preocupação de preencher totalmente os espaços disponíveis, em
composições que têm tanto de desorganizado como de barroco e onde tais
motivos, no primeiro caso, se encontram associados a circunferências
concêntricas, motivos radiados, serpentiformes e até a uma representação
antropomórfica (Freitas, Santos & Rolão, 1994). Uma vez mais, é notória a
similitude entre estes motivos e os patentes em estações rupestres irlandesas,
a tal ponto que é difícil separar uns de outros (Baptista, 1983/1984). A
distribuição destes motivos pelos espaços inscultrados parece evidenciar o
já referido "horror ao vazio", consubstanciado no preenchimento, de forma
aparentemente caótica e desorganizada, das superfícies disponíveis.

Embora a larga maioria dos motivos iconografados nas estações dos dois
grupos supra caracterizados tenha sido produzida por picotagem, existem
casos em que a técnica utilizada foi a incisa, seguida por vezes da abrasão: é
o caso das gravuras, há muito conhecidas, da Pedra Letreira (Góis), de
Molelinhos (Tondela) e da Pedra Escrita de Ridevides (Vilariça). Trata-se de
grupo diferente dos dois anteriores, podendo a sua cronologia remontar ao
Calcolítico como defendeu J. R. dos Santos Júnior (Santos Júnior, 1963),
prolongando-se, depois, pela Idade do Bronze, como indicam as
representações de armas e de artefactos de bronze (alabardas, punhais, foices
arcos e flechas). A presença destas peças permitiu a exclusão do Bronze
Final dos petróglifos onde ocorrem, dado não se ter encontrado, em nenhum
deles, peças tipologicamente identificáveis com aquela fase cultural (Jorge
& Almeida, 1980).

A atribuição das rochas insculturadas do noroeste com circunferências


concêntricas, espirais e outros motivos geométricos à Idade do Bronze,
também foi defendida por R. de Serpa Pinto, a propósito da actividade
metalúrgica desenvolvida na região à época: referindo-se às afinidades
atlânticas setentrionais de algumas produções metálicas dessa época,
sublinhou que tais evidências eram acompanhadas pelas semelhanças da arte
rupestre em apreço com a existente na Grã-Bretanha, Irlanda, Armórica e
Escandinávia, sublinhando a descoberta, no grande complexo de arte rupestre
de Oestergotland de um machado em bronze de tipo peninsular que, porém,
não pormenoriza (Pinto, 1933). Com efeito, as ligações marítimas seten-
trionais existentes na Idade do Bronze, têm sido bastas vezes invocadas ao
longo do tempo, por múltiplos autores, tanto no sentido Sul-Norte, ao que
parece, o dominante (MacWhite, 1951; López Cuevillas, 1952; Anati, 1963),

445
© Universidade Aberta
como Norte-Sul, sendo patentes, no primeiro as influências mediterrâneas.
Estas, que já anteriormente foram idicadas, encontrariam no motivo do
labirinto – que, embora muito escasso, se encontra exemplarmente
representado na estação de Lufinha, Viseu – uma das sua expressões mais
evidentes, segundo A. A. Tavares (Tavares, 1986/1987), que defende, também,
a integração da maioria destes petróglifos em fase tardia da Idade do Bronze.
A sublinhar esta cronologia, invoca a existência de motivos espiralados,
idênticos aos observados em artefactos metálicos, como o gancho para carne
(furcula) encontrado no castro da Senhora da Guia, Baiões, adiante referido.

Deste modo, pode defender-se um movimento de sul para norte de certos


motivos, como as espirais e as circunferências, que foram consideradas como
de provável origem mediterrânea, atingindo a Escandinávia por um processo
de difusão cultural, enquanto outros motivos, alguns deles zoomórficos, como
os veados, circunscritos a uma área muito limitada do noroeste (López
Cuevillas, 1943), teriam aquela origem (Lorenzo-Ruza, 1954).

16.4 Arte rupestre de ar livre em outras regiões

As manifestações artísticas pré-históricas de ar livre, tanto na Beira Baixa,


como no Alentejo, são muito raras: de entre as primeiras, são de salientar
as figuras geométricas incluindo circunferências simples e espirais de
Cobragança (Mação), enquanto, entre as segundas, mencionam-se as
publicadas por Vergílio Correia, da região de Pavia, como o "Penedo das
Gamelas" e "da Talisca", onde predominam cruciformes, tal como no "Penedo
da Almoinha", no Alto Alentejo (Zbyszewski et al., 1977), a que se podem
juntar alguns outros penedos ou abrigos alentejanos, com covinhas, nos
concelhos de Serpa e de Mourão (in Gomes, 2002, p. 158, 173). Ainda no
Alto Alentejo, merece destaque particular o santuário de ar livre do Escoural,
a que já anteriormente se aludiu, pelo que não será objecto, neste lugar, de
outros desenvolvimentos.

Enfim, no Algarve, foram identificados em 1989 os primeiros sítios de ar


livre: trata-se do santuário da Rocha (S. Bartolomeu de Messines) ostentando
pegadas, covinhas e outra iconografia, situável no Calcolítico e na Idade do
Bronze, a que se juntam outras ocorrências, no concelho de Vila do Bispo.

Cabe também relembrar, a propósito, a frequente ocorrência de penedos com


"covinhas", de larga diacronia e vasta distribuição geográfica no País, que,
por vezes, têm sido associados a povoados do Bronze Final, tando da Beira
Interior (Bouça do Frade, estudado por Raquel Vilaça), como do Alto Minho
(povoados da bacia do Cávado, estudados por A. Bettencourt). Um caso

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© Universidade Aberta
particular são as superfícies externas insculturadas de esteios ou dos chapéus
de monumentos dolménicos, dos quais se conhecem diversos exemplos no
País, especialmente no Alto Alentejo, ou em afloramentos próximo de
monumentos megalíticos. Importa questionar se tais elementos, no caso das
antas, eram para ser vistos, como os figurados nos penedos. No caso
afirmativo, naturalmente que teremos de admitir a sua menor antiguidade
face aos dólmenes onde se encontram insculturados, visto tais insculturas só
se poderem fazer depois da destruição do tumulus, que, em geral, cobria a
estrutura megalítica propriamente dita: as antas, despertando desde sempre a
especial atenção ou mesmo veneração das comunidades primitivas, mesmo
muito tempo depois da sua construção, podem ter continuado a funcionar
como espaços sagrados, onde, para além de receberem tumulações tardias,
como bem provam numerosos exemplos conhecidos por todo o País, poderiam
constituir santuários, assim se explicando tais insculturas. Mas estas poderiam
ter, também, um significado oculto, próprias para não serem vistas, como,
entre outros casos, o machado gravado na base da estela-menir do Monte da
Ribeira, situado abaixo do nível de fundação no terreno do monólito, realidade
que Victor S. Gonçalves bem salientou. Sem dúvida que, nalguns casos, tais
insculturas podem relacionar-se directamente com a utilização primária dos
monumentos: é o caso, para além do mencionado, do grande menir do Lavajo
(Alcoutim), que ostenta "covinhas" abaixo da zona que estaria visível, e da
anta 2 do Olival de Pega que possui, no início do longo corredor, dois
esteios-estela, dispostos de ambos os lados e profusamente decorados com
centenas de tais elementos, situados intencionalmente abaixo do nível do
terreno, a menos que se trate de um reaproveitamento de elementos
construtivos mais antigos.

16.5 Estelas-menires e estátuas-menires do Calcolítico e da Idade


do Bronze

Numa faixa raiana, do Alto Alentejo (ídolos do Crato e de Arronches),


passando pela Beira Interior (ídolo de Rosmaninhal, Idanha-a-Nova, inédito)
e atingindo a região transmontana (ídolo da Quinta do Couquinho, Moncorvo),
são conhecidos pequenos monólitos, publicados primeiramente por J. Leite
de Vasconcellos (Vasconcellos, 1910), com a representação da face (olhos, Fig. 238
nariz), do toucado (diadema?) e do vestuário e adornos, designa-damente
colares (Crato; Nossa Senhora da Esperança, Arronches e Rosmaninhal,
Idanha-a-Nova). Mais recentemente, foi dado a conhecer exemplar de maiores
dimensões, que se enquadra no conjunto das estelas-menir; conservando os
atributos patentes nos monólitos anteriores, inclui a presença de um cinturão,
de braços e de mãos, cuja posição lembra a adoptada nas placas

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© Universidade Aberta
antropomórficas do Neolítico Final ou já calcolíticas da Beira Baixa e do
Alto Alentejo. Provém de A-de-Moura, Guarda (Silva, 2000) e corresponde,
provavelmente, a exemplar mais recente que os anteriores, mas ainda
calcolítico. Seja como for, este conjunto de monólitos exibe assinaláveis
semelhanças (especialmente os considerados mais antigos), como ídolo
pintado do abrigo de Peña-Tú (Astúrias) atribuído por Juan Cabré a divindade
funerária calcolítica feminina; mais recentemente, os pequenos monólitos
primeiramente referidos foram, com efeito, relacionados com a existência
de monumentos megalíticos, na vizinha Extremadura espanhola (Bueno
Ramirez & Cordero, 1995), situando-os entre o Neolítico Final e o Calcolítico.
Os monólitos de pequeno tamanho, por vezes assumindo o formato ovular e
maciço, evoluiriam até os exemplares do Bronze Final, gravados já em estelas
e com atributos que não deixam dúvidas quanto àquela integração cultural: é
o caso da estela de Torrejon del Rubio II, Cáceres, que ostenta de um dos
lados da figura humana, gravada na superfície plana da respectiva estela,
uma fíbula de cotovelo e um fecho de cinturão, daquela época (Almagro,
1966, p. 207, lám. XXII). Existem, com efeito, exemplares que evocam a
evolução referida, como é o caso da estela de Granja de Toniñuelo, Badajoz,
a qual se encontrou associada a uma sepultura de falsa cúpula (Bueno-Ramirez
& Cordero, 1995) sendo, deste modo, de idade calcolítica. Com efeito, foram
vários os autores que tentaram estabelecer um quadro evolutivo destes
interessantes monumentos, cuja larga diacronia (reiterada por Almagro Basch,
1972, p. 112), de quase dois milénios (todo o terceiro e segundo milénios
a. C.) é, no entanto, de difícil compreensão, no quadro da dinâmica cultural
conhecida para a região em causa, no referido intervalo de tempo. Mas a
coerência interna da referida evolução, faz pressupor, a existênciade uma
determinada unidade social, religiosa ou cultural, ou ao menos uma tradição
prevalecente, ao nível da simbólica religiosa, das sucessivas populações que
habitaram a Extremadura espanhola, no referido intervalo temporal, com
prolongamento para o vizinho território português.

Os referidos monólitos são, por seu turno, comparáveis a diversas estelas-


menires, por vezes de assinaláveis dimensões, conhecidas no Norte do País;
um dos conjuntos mais significativos corresponderia a provável recinto
encontrado em Cabeço da Mina (Vila Flor), considerado por S. Oliveira Jorge
Fig. 236
de idade calcolítica e inspiração mediterrânica (Jorge, 1999); algumas destas
estelas exibem também colares ou objectos de adorno, igualmente presentes
na estela-menir do Alto da Escrita, Viseu (Carvalho et al., 1999).

Fig. 237 Outro recinto de estelas mais meridional que os supra referidos, situável
também no III milénio a. C., é o de Corujeira (Fornos de Algodres), implantado
em pequeno cabeço; as estelas, de granito, apresentam-se insculturadas por
sulcos, dispersos de forma aleatória, ou constituindo figuras geométricas,
aproximando-se deste modo do recinto de S. Cristóvão (Resende), implantado

448
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em plataforma da serra de Montemuro, a mais de 1100 m de altitude. Dado
a conhecer por E. J. L. Silva, trata-se de monumento de planta oval, constituído
por várias dezenas de pequenos monólitos, com outros no espaço interior, os
quais, segundo o autor, poderão relacionar-se com a arqueoastronomia
(Silva, 1997).

Em suma: se o estabelecimento da cronologia destes monumentos é tarefa


ingrata, visto só ser possível com base na tipologia dos mesmos, na ausência
de qualquer contexto estratigráfico a que se possam associar, parece não
existirem dúvidas quanto a uma filogenia, com múltiplos elementos inter-
médios, que ilustram a efectiva continuidade entre os pequenos monólitos,
certamente calcolíticos, acima referidos, onde a representação da figura
humana era simplificada, com nítida valorização da face, algumas com
toucado (ou panejamento, cobrindo a cabeça?) e as estelas do Bronze Final,
representando a totalidade da figura humana, embora conservando, das
anteriores, uma das características mais relevantes, o aludido toucado.

No sul de Portugal, foi invocada a transformação de alguns menires dos


cromeleques neolíticos dos Almendres ou da Portela de Mogos (Évora) em
estátuas-menir, de que se conhecem treze exemplares, dos cerca quarenta
menires que constituíam originalmente o santuário neolítico (Gomes, 1997),
acompanhada de representação da face, com olhos, nariz e, mais raramente,
boca, com "enormes lúnulas sobre o peito" (Gomes, 2002, p. 172), nalguns
casos e segundo o citado arqueólogo, com seios, cintos e outros adereços,
provavelmente remontando ao Calcolítico (tenha-se presente a importância
das lúnulas nessa época, como objecto de carácter simbólico, conforme foi
anteriormente referido). Seria interessante poder relacionar estas estátuas-
menires com as supra referidas, todas situadas a norte do Tejo.

Os monólitos designados por estátuas-menires, por possuirem contorno


recortado, ao contrário dos exemplares acabados de estudar, acantonam-se
no norte do País, mas possuem nítidas afinidades mediterrâneas, assinaladas
pelos diversos autores que os estudaram: os mais importantes são o exemplar
da serra da Boulhosa (Alto-Minho), publicado por J. Leite de Vasconcelos
(Vasconcelos, 1910), com cabeça triangular fusiforme bem marcada, separada
dos ombros, possuindo atributos idênticos a exemplares do grupo anterior,
como o que aparenta ser um colar de várias voltas, sobre o peito, na parte
frontal do monólito; a estátua-menir da Ermida (Ponte da Barca), de carácter
feminino (Baptista, 1983), com a representação esquemática da cara e dos
seios; a estátua-menir de Faiões (Chaves), com o esboço dos braços,
faltando-lhe a cabeça, mas possuindo também a representação de um colar Fig. 235
de várias voltas (Almeida & Jorge, 1979); a estátua-menir de Chaves,
igualmente munida de um colar recolhida no leito do Tâmega, reaproveitada
na Idade do Bronze; o exemplar de Bouça (Mirandela); e a estátua-menir de
Ataúdes (Figueira de Castelo Rodrigo), recentemente descoberta (Vilaça et

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al., 2001). Tal como os exemplares do grupo anterior, também estes, ocorrem
descontextualizados, dificultando a atribuição, não só da respectiva
cronologia, mas também dos correspondentes significado e funcionalidade.
O facto de se encontrarem frequentemente próximo de linhas de água, poderá
estar relacionado com o uso das correspondentes vias de circulação, fluviais
ou terrestres, sacralizando-as ou, simplesmente, servindo de marcos de deli-
mitação territorial, correspondentes a determinada comunidade, sem
inviabilizar a hipótese funerária, uma vez que nalguns casos se encontraram
junto a caminhos antigos (Faiões, Ataúdes).

Os monólitos de Faiões (fálico), de Chaves, de Bouça e de Ataúdes, têm em


comum a existência de um objecto de contorno rectangular, com os lados
maiores ligeiramente côncavos, ocupando uma das faces maiores, certamente
insígnia relacionada com as funções desem-penhadas pelas personagens
masculinas que representam. Tal é a conclusão óbvia decorrente da
representação de armas (espadas e adagas ou punhais), suspensas de cinturões
nos exemplares de Chaves e de Faiões. Ocorrem, por vezes, covinhas e podo-
morfos, acompanhados de circunferências. Em trabalho de conjunto, tais
monólitos foram atribuídos ao Bronze Final (Jorge, 1999). Porém, o achado
de Ataúdes, veio possibilitar a revisão das ditas peças, situando, pelo menos
esta, não no Bronze Final, mas no Bronze Pleno, como é indicado pela
tipologia da espada, suspensa por correias (Vilaça et al., 2001). Aliás,
anteriormente, tinham sido apontados paralelos do Bronze Pleno da Córsega,
para a estátua-menir de Chaves, com cabeça bem individualizada por largo
sulco, com os quais, de facto, exibe nítidas afinidades (Grosjean, 1967). Este
exemplar tem, também paralelos muito próximos em duas ocorrências da
província de Salamanca, não se rejeitando, por outro lado, o estabelecimento de
analogias entre a tipologia destas espadas e as representadas nas estelas alente-
janas do Bronze Pleno (Bronze do Sudoeste), adiante referidas, das quais
seriam coevas. É, pois, defensável, para estes monólitos, a atribuição de uma
cronologia de meados ou inícios da segunda metade do II milénio a. C.,
sucedendo aos exemplares diademados calcolíticos, cuja tendência para
evoluírem, de pequenos menires, para verdadeiras estelas, parece evidente.
O facto de estas estátuas-menires representarem, quase sempre, personagens
armadas, parece indicar um reforço do poder corporizado por um indivíduo
ou grupo de indivíduos, chefes guerreiros, cuja representação pétrea, a
ser colocada em locais estratégicos, poderia simbolizar uma marca identitária
da posse por parte de uma determinada comunidade, de um território
bem delimitado, sendo, ao mesmo tempo, expressão da respectiva coesão
social.

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17. O Bronze Pleno

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Página intencionalmente em branco

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Este capítulo é dedicado às manifestações do Bronze Pleno no território
português. Esta designação carece de precisão: com efeito, há muito que se
verificou que o clássico faseamento tripartido da Idade do Bronze da Europa
Ocidental dificilmente se aplicaria ao Ocidente peninsular. Admitindo que a
etapa inicial da Idade do Bronze, o Bronze Inicial, é caracterizada por
elementos de forte tradição campaniforme, como os referidos no final do
capítulo anterior – trata-se das manifestações integradas nos chamados
"Horizonte de Montelavar" e "Horizonte de Ferradeira", situáveis nos últimos
dois séculos do III milénio a. C. – ao Bronze Pleno (que não tem exactamente
o mesmo significado de Médio, porque com o adjectivo "Pleno" o que se
pretende significar é que é só nesta etapa que se manifesta a metalurgia do
bronze), corresponderiam manifestações que abarcam, cronologicamente,
toda a primeira metade do II milénio a. C., prolongando-se até aos inícios do
século XIII a. C., altura em que se verifica a emergência do Bronze Final no
território português.

17.1 Alentejo e Algarve: o Bronze do Sudoeste

O sul do País encontrava-se, nos inícios do II milénio a. C., em processo de


rápida diferenciação social: porém, tal como já se observava no final do
Calcolítico, os povoados permaneceram na "penumbra", consequência de um
novo sistema de produção então adoptado e não de qualquer desarticulação
da estrutura social, a qual, como se viu, parece, ao contrário, ter-se
paulatinamente reforçado e diferenciado.

Na primeira fase do Bronze do Sudoeste (=Bronze I do Sudoeste), cujo limite


inferior remonta ao começo do II milénio a. C., atingindo o limite mais recente
os inícios da segunda metade do referido milénio, observa-se a emergência
de necrópoles de cistas individuais de inumação, agregadas em conjuntos
complexos, com o cadáver em posição fetal, em decúbito lateral. A fase mais
antiga dessas necrópoles, que abarcam o Alto Alentejo, o Baixo Alentejo e o
Algarve, é exemplificada pela necrópole de Atalaia (Ourique), cuja organização
interna é evidente, desenvolvendo-se as cistas mais tardias em torno de uma
central, de maiores dimensões, a do "fundador" (Schubart, 1964, 1965).

Idêntica organização é ainda observável nas necrópoles mais tardias, embora


de características arquitectónicas distintas (do Bronze II do Sudoeste), como
a de Provença (Sines), ou a de Santa Vitória (Beja), nas quais o ritual funerário Fig. 243
é semelhante ao anterior. Indícios de uma maior modernidade destas últimas,
face às do Bronze I do Sudoeste, é o facto de alguns dos seus materiais
cerâmicos não se encontrarem presentes nas necrópoles mais antigas, como
as taças de tipo "Santa Vitória", ou os vasos bojudos ("garrafas"), com cuidadas

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decorações gomadas em relevo, no bojo. Trata-se de produções cerâmicas,
onde as decorações incisas e caneladas se associam às decorações plásticas,
em recipientes com as superfícies regularizadas por brunimento, que lhes
conferiu frequentemente aspecto brilhante e toque quase metálico.

Ao nível das estruturas tumulares, nota-se que os contornos dos recintos


envolventes das cistas, anteriormente circulares, passam a sub-rectangulares;
é o caso das necrópoles de Provença e de Quitéria, Sines (Silva & Soares,
1981). Na necrópole de Alfarrobeira, São Bartolomeu de Messines, foi
possível delinear a evolução arquitectónica da necrópole, a partir de uma
cista delimitada por murete de contorno sub-rectangular, a qual, apesar de
ser a mais antiga, manteve sempre uma posição periférica face ao conjunto
ulteriormente construído, por adossamentos sucessivos (Gomes, 1994, Fig. 50).
Na necrópole de Corte Cabreira, Aljezur, na zona central da necrópole,
implantava-se um recinto ritual, na adjacência do qual se encontrava a sepul-
tura mais importante. Os restantes túmulos distribuíam-se em seu redor, em espaços
compartimentados, também de planta sub-rectangular (Gamito, 1997).

Noutras necrópoles, frequentes no Algarve, de Monchique a Vila Real de


Santo António e Castro Marim, as cistas eram não só desprovidas de recintos
periféricos, mas também de tumuli, os quais, nos casos anteriores, eram por
Fig. 244
aqueles delimitados, evidenciando distribuição aleatória, sendo difícil, ou
mesmo impossível, com base nas respectivas plantas, determinar a ordem
sequencial da construção das cistas, via de regra de plantas sub-rectangulares,
definidas por quatro ortóstatos. São exemplos, as necrópoles de Alcaria e
Pereiro, Monchique, Vinha do Casão, Loulé, e Corte do Guadiana, Eira da
Estrada e Cerro dos Corveiros, Castro Marim. A necrópole de Soalheironas,
Alcoutim, explorada em 2005 e ainda não publicada (escavações do signatário,
em colaboração com Alexandra Gradim), exemplifica interessante adaptação
da disposição das sepulturas às condicionantes topográficas, já que aquelas
se desenvolvem, em número de mais de uma trintena, no topo de crista xistosa,
estreita e alongada, dispondo-se em alinhamento quase contínuo.

Na referida região, detectaram-se curiosos rituais funerários: assim, na


necrópole de Alcaria do Pocinho (Vila Real de Santo António), Estácio da
Veiga (Veiga, 1891, Est. XI, XIII) recolheu um crânio deposto em taça
Fig. 245 carenada, indício de que aquele foi separado do corpo por decapitação, ou,
mais provavelmente, após a redução daquele ao esqueleto. Outro dos rituais
que parece ter tido assinalável distribuição, já que foi registado na necrópole
de Talho do Chaparrinho, Serpa (Soares, 1994) e na de Alfarrobeira, São
Bartolomeu de Messines, consiste na deposição de terras oriundas dos
Fig. 246 povoados nas coberturas tumulares; tal prática é, com efeito, indicada nos
dois casos referidos – a que certamente muitos outros se poderiam somar,
caso tivesse havido a análise das terras dos tumuli – pela existência de
pequenos fragmentos de cerâmica, com fracturas antigas, denunciando aquela

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origem (Cardoso, 1994). Ainda outra prática ritual, observada na sepultura
da Herdade do Montinho, Vale de Vargo, Serpa, consistiu na
impermeabilização da cista por matéria gordurosa, extraída possivelmente
de suínos, conforme demonstrou a análise das terras adjacentes por
espectrometria de infravermelhos por cromatografia em fase gasosa (Ribeiro
& Soares, 1991). Na necrópole de cistas dos Bugalhos, Serpa, foram
exploradas duas sepulturas, uma relacionada com tumulação feminina, sendo
a outra destinada a cadáver masculino, como é sugerido pelo espólio, que
incluía dois pequenos punhais de cobre. A escavação permitiu confirmar o
que já em outras necrópoles de cistas se tinha observado: o interior das caixas
tumulares não era preenchido por terra; assim se explica a presença de
incrustações sedimentares que cobriam a superfície das peças, bem como a
existência de dois recipientes fragmentados na cista 2, devido à queda da
tampa no interior da sepultura. É provável que estas duas sepulturas
constituíssem a totalidade do conjunto original: com efeito, ao contrário do
observado noutras regiões do Baixo Alentejo e do Algarve, na região do
Guadiana são frequentes as sepulturas isoladas ou quase, como é o caso. A
cista 2 forneceu, ainda, um fragmento de tecido de linho, o qual, depois de
datado por radiocarbono, forneceu o seguinte intervalo, para 2 sigma,
correspondente a cerca de 95 % de confiança: 1880-1672 a. C. (Soares, 2000).
Este resultado indica que a necrópole deverá pertencer à transição do Bronze
I para o Bronze II do Sudoeste. Com efeito, com base nas datas de
radiocarbono já conhecidas, pode propor-se para a fase inicial do Bronze do
Sudoeste (o designado Bronze I do Sudoeste) uma cronologia entre ca. 2100/
2000 e 1700/1600 a. C., data do início do Bronze II do Sudoeste, caracterizado
não só por produções cerâmicas mais finas, como as atrás referidas, mas
também pelo aparecimento das ditas tampas insculturadas e estelas decoradas,
ditas de "tipo Alentejano", adiante descritas.

Uma das necrópoles do Bronze do Sudoeste mais setentrionais do Baixo


Alentejo é a de Vale de Carvalho, Alcácer do Sal, constituída por pelo menos
quatro núcleos, geograficamente distintos, talvez correspondentes cada um
deles a apenas uma cista. Do ponto de vista tipológico, os materiais indicam
o Bronze I do Sudoeste, ocorrendo um punhal de rebites, uma alabarda e
diversos vasos fechados, de carena baixa e munidos de pequenas asas,
frequentes em necrópoles coevas, com excepção de um deles, que ostenta
curiosa decoração, constituída por mamilos na carena e por longas caneluras
verticais no bojo, organizadas em métopas (Arruda et al., 1980).

No Alto Alentejo, ocorrem diversas necrópoles do Bronze do Sudoeste,


inventariadas por H. Shubart (Schubart, 1975), às quais raramente
correspondem núcleos significativos. Uma das mais expressivas e Fig. 248
setentrionais é a da Herdade do Peral, Évora (Ferreira & Almeida, 1971),
constituída por quatro cistas, com abundante espólio, entre o qual se destacam

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taças de carena angulosa, de tipo Santa Vitória, garrafas de colo estrangulado
com decoração de gomos, ou constituída por caneluras verticais, e outros
recipientes, como taças em calote e vasos altos. Entre os objectos metálicos,
destaca-se a presença de punhais, de uma faca curva e de um remate de
empunhadura de punhal, de cobre, comparável a objecto idêntico, mas de
pedra polida encontrado numa das cistas de Vale de Carvalho. Pelas
características evoluídas do espólio, esta necrópole insere-se no Bronze II
do Sudoeste, a que pertencem as mais ricas de espólio, caso das necrópoles
de Medarra, Aljustrel e de Farrobo, Vidigueira (Schubart, 1974).

As influências argáricas directas são evidentes, mas raras (patentes na sepultura de


Belmeque, Serpa) e os conjuntos metálicos respectivos evocam nítidas influências
mediterrânicas, representadas em particular pelos abundantes punhais de rebites.
A sepultura de Belmeque, Almodôvar (Schubart, 1974, Fig. 1), corresponde a um
tipo muito peculiar, sem outros paralelos no território português, condizente com
as características argáricas do respectivo espólio. Trata-se de uma pequena gruta
artificial escavada em talude de calcários brandos, cuja entrada se encontrava selada
por uma laje colocada de cutelo. No interior, inumaram-se dois adultos, um dos
quais do sexo masculino. A ausência de ossos do crânio, faz supor que ambos
teriam sido decapitados em vida ou depois da morte, eventualmente utilizados
como relíquias, ou colocadas noutro depósito ritual, com paralelos em necrópole
do sotavento algarvio, a que anteriormente se fez referência. Identificaram-se,
também, dois rádios e dois cúbitos esquerdo de bovídeo, sem dúvida oferendas
rituais de carne, também sem paralelos em outras sepulturas da mesma época. A
excepcional riqueza do espólio de Belmeque atesta a importância dos indivíduos
ali sepultados. Recolheu-se um recipiente finamente decorado por brunimento,
único no seu género; no concernente ao espólio metálico, sublinha-se a existência
de uma faca de bronze com rebites de electrum, e dois punhais com rebites de
prata, sendo um de cobre e outro de bronze, além de numerosas aplicações de prata
(tachas), as quais se encontrariam aplicadas na indumentária envergada por uma
ou ambas as personagens ali tumuladas (cinturões?). É de sublinhar a presença das
duas peças de bronze, a atestar que a metalurgia desta liga ter-se-á iniciado, no sul
peninsular – pese embora nada indicar que sejam peças de fabrico local, bem ao
contrário – no Bronze Pleno, tal como o verificado no Norte do actual território
português.

A riqueza evidenciada pela sepultura de Belmeque contrasta com a realidade


Fig. 247 geralmente observada nas necrópoles coevas baixo-alentejanas; nelas, o
espólio mais rico (os objectos metálicos, quase sempre punhais, podem não
estar exclusivamente circunscritos às personagens masculinas) sugere, embora

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de forma pouco marcada, a existência de diferenciação social, na sequência
da emergência de um segmento guerreiro observado desde o campaniforme.
É também deste modo – recorrendo à existência de diferenciações sociais
intracomunitárias – que se podem interpretar as chamadas "estelas
alentejanas", com representação de armas, avultando espadas, punhais e
machados, nalguns casos de nítida raiz mediterrânica, cobrindo algumas das
cistas, ou mantendo-se ao alto, junto à cabeceira, pertencentes, naturalmente,
às personagens de maior destaque.

As espadas podem mesmo reportar-se, segundo alguns autores, a protótipos


micénicos, como a representada na estela de Assento (Santa Vitória, Beja),
a qual inclui um machado de encabamento vertical, munido de alvado,
também com paralelos orientais (Almagro, 1966, Fig. 31). Merecem
referência própria uma série de símbolos ou peças não identificadas, mas
ligados ao exercício do poder: é o caso dos ancoriformes, simples ou duplos,
presentes em diversas estelas insculturadas. Tais símbolos, de que se não
conhecem exemplares reais, fossem de osso, de madeira ou de outra substância
perecível, encontram-se associados, frequentemente, a espadas, reforçando
a posição de destaque do correspondente inumado na estrutura social: tal
associação encontra-se exemplarmente expressa, entre muitos outros
exemplos, nas estelas de Pedreirinha e de Assento, na da Herdade da Defesa,
Santiago do Cacém e na de Santa Vitória, Beja. Tais símbolos ocorrem também
em monólitos que teriam seguramente colocação vertical no terreno,
associados inquestionavelmente a necrópoles, como é o caso do exemplar da
necrópole de Alfarrobeira, São Bartolomeu de Messines. Trata-se de uma
verdadeira estela de arenito fino vermelho de origem local, figurando no
centro da face principal, ao alto, por gravação, um grande ancoriforme com
as usuais "correias" de suspensão. Outra estela, igualmente de arenito
vermelho, provém de Passadeiras, necrópole de cistas situada também no
concelho de Silves. Uma vez mais, a face com maior destaque apresenta, ao
centro, e ao alto, um ancoriforme, ladeado, nas duas faces menores,
respectivamente, pela repre-sentação de uma espada, em relevo, e de uma
alabarda, por gravação (Gomes, 1994, Figs. 57-60). Aliás, o costume de erigir
estelas junto às cistas era já uma realidade na cultura argárica, como se
verificou no local epónimo de El Argar (Risch & Schubart, 1991).

As espadas insculturadas nas chamadas "estelas alentejanas", já que, como


se referiu, podem constituir, pelo formato tabular, tampas de sepulturas
cistóides, foram objecto de um trabalho de conjunto de M. Almagro Gorbea,
nas quais inventariou 10 exemplares (Almagro-Gorbea, 1972). De um modo
geral, estas representações obedecem a um modelo único, com uma folha
longa triangular, grosso encabamento arredondado, com punho cilín-drico, Fig. 249
rematado por pomos torneados ou esferoidais. A forte concentração da
representação de espadas no Bronze do Sudoeste, a despeito da raridade dos

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protótipos correspondentes, é indício da importância do segmento guerreiro,
no seio da sociedade de então, e da forte influência mediterrânica, já que tais
Fig. 250 exemplares possuem estreitos paralelos em espadas da região de El Argar, o
que se explica dada a posição geográfica meridional do Baixo Alentejo e do
Algarve. Aliás, a espada argária de Fuente Álamo, Almería, também do tipo
II, apareceu associada a oito contas de vidro segmentadas azuis, verdes e
brancas, produzidas entre 1450 e 1400 a. C., sendo indícios de influências
do Mediterrâneo Oriental; tais contas possuem paralelos nas contas de pasta
vítrea, azuis e amarelas, da necrópole do Bronze do Sudoeste de Atalaia
(Ourique).

As alabardas são também armas de aparato que surgem em tampas de


sepulturas (para além da estela coeva de Passadeiras, Silves, já referida, é de
mencionar a estela de Assento, Beja e a de São João de Negrilhos, Aljustrel,
Fig. 251
ambas representadas por M. Almagro (Almagro, 1966), entre outras. Parece,
pelas representações aludidas, que se encontram presentes diversos tipos de
alabardas, incluindo o "tipo Montejícar", presente em El Argar.

Em resumo, no decurso do Bronze do Sudoeste, as necrópoles colectivas


evoluem arquitectonicamente (as plantas dos recintos colectivos tornam-se
preferencialmente quadrangulares), acompanhando a diversidade dos
espólios, mas mantendo a metalurgia a tradição calcolítica do cobre arsenical.
É o caso, tanto dos punhais, como das alabardas, entre outras raras peças
metálicas. Parece, por outro lado, acentuar-se a influência cultural
mediterrânea, na passagem da Fase I à Fase II do Bronze do Sudoeste.

As comunidades que tumulavam os seus mortos nas necrópoles mencionadas,


viviam em povoados abertos, não destacados na paisagem, como o povoado
do Pessegueiro (Sines), ao lado do qual se desenvolveu a respectiva necrópole.
Ali se reconheceu uma única cabana, de planta rectangular, feita de materiais
perecíveis, salvo o respectivo embasamento, que era constituído por alvenaria
muito irregular (Silva & Soares, 1981).

Tais populações mantinham, desde a fase mais antiga do Bronze do Sudoeste,


trocas comerciais com a região mediterrânea, susceptível de as abastecer
não só de armas (que na generalidade dos casos seriam apenas copias locais
de protótipos forâneos), mas também de produtos exógenos de adorno: só
assim se compreende a já mencionada ocorrência de contas de pasta vítrea
na necrópole de Atalaia (Ourique) publicadas por H. Schubart (Schubart,
1964, 1965, 1975), de origem provavelmente micénica, situáveis em meados
do II milénio a. C., com paralelos na Baixa Andaluzia. De facto, além da
necrópole de Fuente Álamo, Almería, no vale do Guadalquivir detectaram-se
também contas de pasta vítrea e materiais cerâmicos da mesma origem, a
par de outras evidências, mais fortes, daquelas influências, que se faziam
sentir ao nível da superestrutura religiosa das elites, aculturadas a modelos

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orientais: é o que se deduz da existência de altares de "cornos" naquela região
(Cruz, 1992). Com efeito, os artefactos cerâmicos ali encontrados, publicados
pelo referido autor, possuem origem comprovada na região de Micenas –
Berbati, e datam seguramente de entre finais do século XIV a meados do
século XIII a. C. Seriam, pois, as primeiras provas peninsulares directas da
importação de produtos orientais de origem rigorosamente determinada,
antecedentes imediatos das produções fenícias, só generalizadas na Península
Ibérica a partir do século IX a. C.

Apesar da importação de tais produtos exógenos, aliás circunscrita, nada há


que aponte para desafogo económico destas comunidades: com efeito, peças
de joalharia em ouro, cuja existência no período anterior é conhecida, faltam
quase completamente no Bronze do Sudoeste. Uma das excepções é
constituída pelo diadema de ouro batido com decoração de repuxado ao longo
dos bordos laterais, recolhido em sepultura da Herdade do Sardoninho,
Aljustrel, acompanhado de um punhal, cujo pomo e guarda eram também de
ouro. A tipologia destas duas peças remete para o final do Bronze do Sudoeste
(Armbruster & Parreira, 1993, p. 48, 214).

A excepção constituída pelas aludidas peças – que se somam às exumadas


na já mencionada sepultura de Belmeque – mostra que as populações desta
época tinham essencialmente uma economia de subsistência, vivendo
sobretudo da agro-pastorícia, praticada em pequenos povoados abertos. É
lícito admitir uma organização social não muito diferente da vigente no
período campaniforme, com a existência de elementos mais destacados
(guerreiros) no seio destas pequenas comunidades de base familiar,
interagindo num sistema em "mosaico" com mútuas influências exercidas
por "osmose", mantendo-se independentes entre si, e dirigidas por chefes
locais. No Sul, ainda não se identificou nenhum povoado de altura do Bronze
Pleno. São, porém, bem conhecidos na Andaluzia Ocidental, onde a cultura
do Bronze do Sudoeste também se estendeu. Importa, no entanto, sublinhar
que a sua presença não é indispensável ao modelo sócio-cultural proposto,
em estreita continuidade com o do Calcolítico Final/Bronze Antigo. Em certa
medida, é um tempo de não fortificação, mediado entre o Calcolítico e o
Bronze Final.

As comunidades que enterravam nas aludidas necrópoles os seus mortos


baseariam o seu quotidiano numa estrutura social do tipo "chefado",
encabeçada por chefes guerreiros, como facilmente se conclui da importância
conferida às armas, nas estelas insculturadas dos seus sepulcros. Esta realidade
decorredirectamente da que nos derradeiros tempos calcolíticos e do Bronze
Inicial se vinha desenhando, com a emergência da panóplia bélica
campaniforme, e, como ela, talvez mais de ostentação do que de uso efectivo.
A economia das populações do Bronze do Sudoeste, desenvolvida por estas
pequenas comunidades, explorando activamente os recursos agro-pecuários

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é, igualmente, semelhante à daquelas que, no final do Calcolítico, ocuparam
os mesmos territórios. Talvez mais do que então, se tenham desenvolvido as
pequenas explorações mineiras do cobre nativo, então abundante, tanto em
mineralizações limitadas do Algarve, algumas certamente já exploradas desde
o Calcolítico, como nos chamados "chapéus de ferro", ou "gossans", da faixa
pititosa, na zona de enriquecimento supergénico em cobre, ouro e prata nativa.
Com efeito, desde o século XIX que se detectaram vestígios de mineração
pré-históricos em diversas galerias de minas de cobre do Baixo Alentejo e
do Algarve. É o caso dos comuns "martelos mineiros", feitos de seixos rolados
de grande dureza, munidos de um sulco transversal mediano, mais ou menos
completo e profundo, obtido por picotagem, destinado à fixação do cabo.
Exemplares deste tipo de artefacto foram pela primeira vez noticiados em
Portugal na mina de cobre de Rui Gomes, Moura (Costa, 1868) e, mais tarde,
por Estácio da Veiga, em diversas minas de cobre do Algarve (Veiga, 1889,
p. 41; 1891, p. 79). Nem sempre se pode garantir a cronologia destas peças,
dada a sua sabida longevidade, praticamente sem modificações morfológicas;
sem dúvida, as mais antigas remontam ao Calcolítico (Montero Ruiz, 2000,
p. 54; Rothenberg et al., 1989), mas o seu uso prolongou-se provavelmente
para além do Bronze Final, abarcando, portanto, o período agora em discussão.
A confirmar esta realidade, em Fuente Álamo, Almería, povoado de época
argárica (Bronze Pleno), recolheram-se martelos idênticos. Com efeito, a
composição química das produções metálicas do Bronze Pleno, por via de
regra, são cobres arsenicais, como os calcolíticos, e, tal como aqueles,
seguramente de origem local ou regional (Alentejo e Algarve). Tal realidade
é conhecida desde o tempo de Estácio da Veiga, que foi quem primeiro tomou
a iniciativa de submeter a análise química algumas das peças por si obtidas
ou estudadas. Entre estas, merecem destaque os machados planos de cobre,
de gume peltado, que os diferencia dos seus antecessores calcolíticos, dos
quais se recolheram exemplares em minas antigas, como as de Alte, do Pico
Alto e de Santo Estêvão, no barlavento algarvio (Veiga, 1891), entre muitas
outras. Nalguns casos, a própria presença das minas terá determinado o
povoamento da região adjacente, como expressivamente é registado por
Estácio da Veiga (Veiga, 1891, p. 82). Referindo-se à existência de diversos
sítios com cistas da região de S. Bartolomeu de Messines, declara: "Cada
uma d´estas necropoles corresponde certamente a um logar povoado, e note-
se que todos devem ter ficado a curta distancia da mina de cobre do Pico Alto
(...). Foi mui provavelmente esta mina que attrahia a tão agreste escampado
aquella gente n´uma epocha ou idade em que os mortos tinham por abrigo
uma caixas quadrangulares de lages toscas (...)." A relativa riqueza
proporcionada pela metalurgia do cobre, terá justificado a ténue diferenciação
social existente em cada uma daquelas comunidades, em geral de reduzidas
dimensões, conclusão que é, aliás, sublinhada pelo em geral escasso número
de sepulturas que integram cada necrópole. No entanto, a emergência de
povoados de altura, que é sem dúvida uma expressão da tendência para a

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diferenciação social no interior de cada uma das comunidades aludidas, ter-
se-ia iniciado ainda no final do Bronze do Sudoeste: tal realidade encontrar-
se-ia comprovada pelos fragmentos de taças de "tipo Santa Vitória", recolhidos
no castro de Azougada, Moura (Gamito, 1997, p. 231). Tal hipótese, aliás já
havia sido anteriormente admitida por J. Soares e C. Tavares da Silva, ao
declararem que "A ausência de rupturas na transição Bronze Médio-Bronze
Final permite colocar a hipótese de a fundação de pelo menos alguns dos
grandes povoados fortificados do Sul de Portugal, genericamente considerados
do Bronze Final, remontarem ao Bronze Médio" (Silva & Soares, 1995,
p. 138).

A cronologia do Bronze do Sudoeste, no quadro das sequências culturais do


Sudoeste peninsular, conheceu uma profunda modificação desde o trabalho
de síntese de H. Schubart, de 1975. Com efeito, as datações de radiocarbono
efectuadas ulteriormente, vieram situar, tanto em Espanha como em Portugal,
a primeira fase desta Cultura ao longo de toda a primeira metade do II milénio
a. C. Como atrás se disse, em Portugal, esta cronologia foi recentemente
confirmada pela datação de radiocarbono de alta precisão de fibras de
linho, correspondentes a tecido encontrado numa cista da necrópole de
Bugalhos, Serpa.

A fase mais tardia (II) do Bronze do Sudoeste, com base nos elementos
cronométricos publicados por J. Soares e C. Tavares da Silva (Soares & Silva,
1995), situa-se na viragem da primeira para a segunda metade do
II milénio a. C. (Belmeque: 1630-1400 a. C.; sep. 16 do monumento II do
Pessegueiro: 1679-1442 a. C., ambos os resultados para 95 % de
probabilidade).

Trata-se, pois, de uma cultura do Bronze Pleno, que antecedeu as


manifestações do Bronze Final, ao contrário do admitido por H. Schubart
em 1975; neste contexto, as estelas ou tampas de sepulturas insculturas de
cistas e as estelas, decoradas com idênticos motivos, teriam surgido logo nos
inícios do Bronze II do Sudoeste, prolongando-se, com outra iconografia,
pelo Bronze Final. Uma vez mais, é a continuidade, sem rupturas bruscas,
ou evidenciadas pela Arqueologia, que transparece do registo material
disponível.

Merece referência a possível existência de depósitos rituais de peças metálicas


no Bronze do Sudoeste, à semelhança do que é conhecido, pela mesma época,
no norte do País: é o caso do conjunto de dez alabardas agrupadas, encontrado
na região de Cano, Sousel, cujas condições de jazida se desconhecem
(Carreira, 1996). A morfologia convexa e rebitada da zona de encabamento,
confere a tais peças cunho argárico sugestivo; o paralelo mais próximo
corresponde à alabarda (ou punhal?) da necrópole de Vale de Carvalho, já
anteriormente referida (Schubart, 1975, Tf. 41, n.º 438).

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17.2 Estremadura

A densa ocupação humana da Baixa Estremadura, representada nos primeiros


tempos da Idade do Bronze pelas derradeiras cerâmicas campaniformes de
estilos locais, contrasta com a pobreza do registo arqueológico conhecido
relativo ao Bronze Pleno (Cardoso, 1999/2000 b). Parece observar-se
um "apagamento" na paisagem dos povoados, talvez em consequência de
menor estabilidade demográfica: à imponência das fortificações calcolíticas,
construídas em altura e feitas para serem vistas, sucede-se um povoamento
discreto, dificilmente identificável no terreno. Esta realidade poderá, ser o
reflexo de uma efectiva quebra demográfica, talvez devida à degradação
climática observada no decurso da primeira metade do II milénio a. C. Com
efeito, nessa época, foi observada, no fértil vale do Guadalquivir, evolução
climática no sentido de maior aridez (Caro, 1989), invocada para explicar
situação análoga à verificada na Baixa Estremadura. Seja como for, os
escassos exemplos conhecidos de povoados estremenhos com ocupações
restritas do Bronze Pleno, embora denunciem o já referido "apagamento"
paisagístico, mostram uma assinalável diversidade de implantações topo-
gráficas; além disso, todos exibem provas de ocupações estáveis e perma-
nentes, fornecidas, por exemplo, pela presença de restos de grandes bovídeos
e de suídeos domésticos, além de evidenciarem uma componente agrícola
importante, dada a sua proximidade – por certo não acidental – de solos de
boa aptidão para tal actividade.

As descobertas de sítios habitados na Estremadura datam quase todas da


década de 1990, o que evidencia, por um lado, o notável surto de trabalhos
de campo, nesta como em outras regiões do país, e, por outro, o muito que
ainda falta descobrir e investigar. É o caso do povoado de Agroal, Vila Nova
de Ourém, em encosta que nada distingue da paisagem envolvente, dominando
o Nabão (Lillios, 1993), e onde as formas cerâmicas, todas lisas, incluem:
vasos carenados; vasos tronco-cónicos; vasos de colo estrangulado; e vasos
de paredes rectas. Duas datas de radiocarbono, depois de calibradas para um
intervalo de confiança de cerca de 95 %, correspondem à primeira metade
do II milénio a. C. O povoado do Casal da Torre, Torres Novas (Carvalho et
al., 1999), jaz sob quase dois metros de sedimentos, no fundo de uma discreta
depressão da Serra d´Aire. O importante conjunto cerâmico ali recolhido,
quase sem elementos decorados, inclui essencialmente vasos esféricos, com
colo, e com bases planas. Tal como o anterior, recolheram-se indícios que
sugerem um povoado permanente, vocacionado para uma economia
agro-pastoril que, afinal, corresponde a uma realidade em evidente
continuidade da já conhecida no final do Calcolítico e no Bronze Inicial,
aquando da eclosão de numerosos pequenos sítios abertos, já anteriormente
caracterizados.

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© Universidade Aberta
Na Baixa Estremadura, o povoado do Catujal, Loures (Cardoso & Carreira,
1993; Carreira, 1997) é exemplo (até agora único) de um povoado do Brnze
Pleno, implantado na extremidade de um esporão, limitado de ambos os lados
por vales profundamente entalhados, dominando, de cerca de 100 m de
altitude, o delta interior do Tejo. O sítio possui, deste modo, invulgares Fig. 252
condições naturais de defesa, de onde se descortinam vastos horizontes para
Sul. Tal como os dois sítios anteriores, os restos faunísticos identificados
conferem-lhe características de ocupação permanente. Infelizmente, o sítio
foi quase totalmente destruído em 1982; os materiais que dele se conhecem
resultaram de recolhas à superfície e em corte estratigráfico, o qual indicava
apenas uma única ocupação arqueológica, confirmada pela coerência
tipológica dos materiais exumados. A par de recipientes de dimensões médias
a grandes, destinados ao armazenamento, ocorrem recipientes de menores
dimensões, de evidente filiação no Bronze Pleno do Sudoeste, representados,
entre outros, por taças de tipo Santa Vitória e vasos ("garrafas") de colo
apertado, com decoração de nervuras verticais no bojo. O paralelo mais
próximo, na falta de outros, corresponde ao povoado aberto do Pessegueiro,
Sines, adjacente à necrópole do Bronze do Sudoeste do mesmo nome, apesar
deste se implantar em espaço plano, e não no topo de plataforma, como o
Catujal. Uma data de radiocarbono, efectuada em ossos humanos dali
provenientes, deu o resultado, a dois sigma de 1679-1442 a. C., com
intersecção na curva de calibração, em 1526 a. C. Comparado com este, o
resultado obtido no Catujal, em ossos de animais domésticos, com recurso à
mesma curva de calibração (Stuiver & Reimer, 1993), é mais antigo:
2028-1752 a. C., com intersecção em 1892 a. C. (Cardoso, 1994). Este
resultado indica cronologia recuada para o Bronze Pleno regional, por certo
correspondente a época em que as cerâmicas campaniformes já não faziam
parte dos espólios da região, como se pode concluir pelas características do
espólio cerâmico de Catujal. Com efeito, as cerâmicas campaniformes teriam
deixado de ser fabricadas na Estremadura cerca de 2300 a. C. (Cardoso &
Soares, 1990/1992). Outra conclusão a reter é a da maior antiguidade das
taças de tipo Santa Vitória, até agora utilizadas como "fóssil director" para a
fase mais tardia daquela Cultura, o Bronze II do Sudoeste.

As evidentes afinidades culturais do Bronze Pleno da Baixa Estremadura,


com o Bronze do Sudoeste, de que se poderá considerar a sua extensão mais
setentrional, têm também expressão em materiais esparsos que, ao longo
dos tempos, foram sendo assinalados na região: uma taça da Lapa do Suão,
Bombarral, do tipo Santa Vitória (Spindler, 1981); um vaso de colo apertado
e decoração de gomos (de uma sepultura) do povoado calcolítico da Pedra
de Ouro, Alenquer, associada a vários recipientes lisos (Paço, 1966; Leisner
& Schubart, 1966, Abb. 11); outro vaso, tetramamilado na carena, oriundo
de pequena lapa natural subjacente ao povoado calcolítico de Rotura, Setúbal
(Carreira, 1998), afim de recipiente da necrópole vizinha necrópole em gruta

463
© Universidade Aberta
da Lapa do Fumo, Sesimbra (Carreira, 1997, p. 140), têm evidentes
semelhanças com exemplares do Bronze do Sudoeste. Tais afinidades
meridionais e mediterrâneas, constituem expressão de uma realidade cultural
que, até à publicação do povoado do Catujal, não tinha sido devidamente
valorizada.

Com efeito, tais ocorrências, mais do que intrusões esporádicas, evidenciam


uma realidade cultural ainda longe de estar devidamente conhecida. Também
alguns artefactos metálicos, com destaque para os punções losânguicos
(alènes), considerados, no Languedoc, característicos do Bronze Inicial, onde
são particularmente abundantes, encontram-se também presentes em diversas
estações estremenhas. J. R. Carreira (Carreira, 1994) inventariou ocorrências
em: Vila Nova de São Pedro, Azambuja, povoado calcolítico que continuou
a ser frequentado, embora de forma talvez descontínua e pouco marcada
(cinco exemplares); povoado do Alto das Bocas (dois exemplares), Rio Maior;
gruta da Casa da Moura, Óbidos (um exemplar); e Abrigo Grande das Bocas
(quatro exemplares).

Tratam-se, invariavelmente, de peças de nítida filiação meridional, porém de


fabricos locais ou regionais, visto serem de cobres arsenicais, distintos dos
exemplares do Sul da França, que são já de bronze: assim sendo, pode
concluir-se que a chegada de novos tipos artefactuais, já da Idade do Bronze,
antecipou a introdução da respectiva metalurgia. No Bronze do Sudoeste,
devem destacar-se dois exemplares, da necrópole do Monte Novo dos
Albardeiros, Reguengos de Monsaraz, ritualmente depostos no interior de
dois recipientes (Gonçalves, 1988/1989, Figs. 12, 13).

Mais para o norte do território estremenho, as afinidades com o Bronze do


Sudoeste esbatem-se, como seria de esperar. É o que indica não apenas a
tipologia dos recipientes cerâmicos recolhidos nos povoados de Agroal e de
Casal da Torre, mas também as inúmeras cerâmicas da mesma época
recolhidas em grutas da região, utilizadas como necrópoles e/ou santuários
rupestres. Com efeito, de há muito que ali se reconheceram cerâmicas
tradicionalmente inseridas tanto no Neolítico como no Calcolítico; só estudos
recentes vieram mostrar a sua individualidade cultural: é o caso de materiais
da Lapa do Suão, Bombarral (Carreira, 1997, p. 139); e da Lapa da Bugalheira
e da gruta da nascente do Almonda, Torres Novas, entre outras (Carreira,
1996a , 1996b).

Também a metalurgia do ouro se encontra no imediato prolongamento das


produções calcolíticas; continuam a produzir-se espirais auríferas, encon-
tradas, por vezes, encadeadas umas nas outras, surgindo, pela primeira vez,
peças mais pesadas e maciças que as anteriores. É o caso das braceletes
lisas, de secção circular, obtidas por fundição e ulterior martelagem. É a este
grupo de jóias, situadas no "Bronze Antigo e Médio" por A. Perea (Perea,

464
© Universidade Aberta
1991, Fig. 3), que pertencem os dois exemplares de Atouguia da Baleia,
Peniche e o exemplar de Bonabal, Torres Vedras, este último associado a
uma cadeia de oito espirais de ouro; em ambos os casos, trata-se de achados
fortuitos, produzidos, como é frequente, em locais incaracterísticos, no
decurso da lavra de campos agrícolas (Cardoso, 2004, p. 173).

As condições de jazida de tais peças, indica a sua intencional ocultação na


terra, desprovidas aparentemente de outros artefactos acompanhantes. A ser
assim, tal realidade deve ser interpretada na esfera do simbólico, porém através
de contornos que não são conhecidos: o traço comum e característico destes
materiais é, precisamente, a sua falta de contexto.

Mercê da sua posição geográfica, esta região encontrava-se também exposta


aos primeiros influxos atlânticos – depois dos que presidiram à difusão dos
campaniformes "marítimos" pela fachada atlântica europeia – documentados
pela alabarda de Baútas, Amadora (Senna-Martinez, 1994 b), de tipo atlântico,
com numerosos paralelos bretões. A sua composição, ainda de cobre arsenical,
vem ilustrar expressivamente a manutenção da metalurgia do cobre no Bronze
Pleno regional, na produção de novos tipos de artefactos, que reflectem o
encontro de duas áreas culturais distintas – o Atlântico e o Mediterrâneo –
aspecto que, doravante, constituirá um dos traços mais expressivos e ricos da
realidade cultural da região, até ao final da Pré-História e muito para além
dele.

Outras produções metálicas merecem destaque: é o caso das adagas, ainda


de cobre, mas que diferem das suas antecedentes calcolíticas pelas maiores
dimensões, e pelo modo de encabamento, que passa a ser assegurado por
rebites, em vez da lingueta simples, característica daquelas. Um dos exemplos
mas notáveis é a adaga de rebites, com a folha decorada de ambos os lados
ao longo dos bordos laterais, recolhida na gruta das Redondas, que ainda
conserva os três rebites e, perfeitamente marcado, como bem assinalou
M. Vieira Natividade no correspondente desenho, os contornos do cabo
(Natividade, 1899/1903, Est. XXVI, 220). Esta particularidade, presente em
outros tipos de punhais ou adagas, afasta a hipótese de esta peça corresponder
a uma alabarda. A sua ocorrência no interior de uma gruta, conjuntamente
com outros espólios metálicos de épocas anteriores ou coevos (adagas de
lingueta, machados planos e pontas Palmela evoluídas), faz crer que esta terá
abrigado uma importante necrópole, no decurso do final do Calcolítico e no
Bronze Pleno, ou, em alternativa a um santuário, correspondendo, neste caso,
tais objectos a depósitos rituais não funerários.

Outra adaga digna de registo, cujo encabamento era igualmente assegurado


por três rebites em pequena lingueta, provém da região de Óbidos (Cardoso,
2002, Fig. 258) e constitui termo de transição entre as adagas de lingueta
simples do final do Calcolítico e as adagas de rebites típicas do Bronze Pleno,

465
© Universidade Aberta
já completamente desprovidas de lingueta. Não existem, pois, dúvidas quanto
ao aumento de importância da panóplia bélica no Bronze Pleno da
Estremadura, correspondente em parte à evolução de tipos anteriores, e, em
parte, à introdução de novos tipos (é o caso, já referido, da alabarda de Baútas).

A tardia introdução da metalurgia do Bronze no território português, cerca


de meados do II milénio a. C., com paralelos em outras áreas do sul peninsular,
pode explicar-se, por um lado, pela forte tradição calcolítica regional,
caracterizada por uma rica metalurgia do cobre arsenical; e, por outro, pela
dificuldade de obtenção do estanho, a partir das minas da Beira Interior e do
Norte do País, cujas redes de abastecimento, no início do Bronze Pleno,
ainda se não encontrariam devidamente organizadas. É provável, contudo,
que esta situação estivesse em vias de evoluir rapidamente. Ainda no Bronze
Pleno, alguns machados planos, descendentes imediatos dos seus antecessores
calcolíticos, revelaram tratar-se de verdadeiros bronzes. É o caso de
exemplares recolhidos no povoado fortificado de Vila Nova de São Pedro,
Azambuja (Paço, 1955; Paço & Arthur, 1956), com paralelos em outras
ocorrências, em Amaral e no castro da Ota, Alenquer, bem como na gruta
sepulcral do Correio-Mor, Loures (Cardoso, 1999/2000, Fig. 18). Pode, pois,
situar-se a introdução da metalurgia binária do bronze (liga de cobre e
estanho), cerca de meados do II milénio a. C., no território português.

A propósito da tardia introdução da metalurgia do bronze na região, tem


interesse referir que as características pontas de seta metálicas de espigão e
barbelas laterais, presentes na região em estudo, através de um ou mais
exemplares nas seguintes estações: povoados fortificados calcolíticos de Vila
Nova de São Pedro, Azambuja (Jalhay & Paço, 1945) e do Zambujal, Torres
Vedras (Sangmeister, Schubart & Trindade, 1971); gruta funerária da Cova
da Moura, Torres Vedras (Spindler, 1981); dólmen do Alto da Toupeira, Loures
(Leisner, 1965), são todas de cobre (Spindler, 1981), tal como as encontradas
no Abrigo Grande das Bocas, Rio Maior (Carreira, 1994). Ao contrário, quatro
exemplares, já seguramente do Bronze Final, de povoados do Sul da Beira
Interior, nas proximidades dos quais existe estanho (Vilaça, 1995), são já de
bronze. Esta realidade vem também em abono de uma progressiva utilização
do bronze, neste caso suportada em tipo artefactual de evidente longevidade,
com início seguro no Bronze Pleno, como é claramente indicado pelo
exemplar da necrópole da Vinha do Casão, de cobre (Gil, Guerra & Barreira,
1986). Estas observações são concordantes com o verificado no resto do
território peninsular: o atraso da utilização das ligas binárias bronzíferas foi,
pelo menos, de dois séculos relativamente ao Ocidente Europeu, devido à
incipiência da exploração mineira do estanho, acompanhada da sua escassa
difusão para regiões onde este não existia. Tal situação explica a expansão
da utilização do bronze, na Península Ibérica de Norte para Sul, tendo apenas
chegado ao Sudeste peninsular no fim do Bronze Pleno (Fernández-Miranda,

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Monteiro-Ruiz & Rovira Llorenz, 1995). Para tal terá também concorrido
uma pujante e diversificada metalurgia do cobre nesta última região,
propiciada pela abundância de cobre, nativo ou sob a forma de carbonatos
cupíferos.

Resumindo: no Bronze Pleno da Baixa Estremadura, correspondente a toda


a primeira e inícios da segunda metade do II milénio a. C., entrevê-se um
tipo de povoamento em que, recorrentemente, se aproveitavam antigos sítios
calcolíticos de altura, como Vila Nova de São Pedro e o Zambujal – talvez
jamais abandonados em absoluto – ou pela primeira vez ocupados, como o
de Catujal, a par da instalação de outros, dificilmente evidenciados, em
terrenos de morfologia discreta; esta última realidade encontra expressão na
Alta Estremadura, na região de Torres Novas e de Vila Nova de Ourém,
respectivamente através dos povoados de Casal da Torre (Carvalho et al.,
1999) e de Agroal (Lillios, 1993). Simultaneamente, a metalurgia do bronze
dava os seus primeiros passos, mesclando-se, pela primeira vez de forma
nítida, influxos atlânticos e mediterrâneos, provados pela presença de
artefactos metálicos característicos daqueles dois grandes domínios geográ-
ficos. É esta realidade dual, tão bem representada na Estremadura, no decurso
do Bronze Pleno, que se vai acentuar, no decurso do período seguinte, muito
rico e diversificado, do ponto de vista cultural, na Baixa Estremadura: o
Bronze Final.

17.3 O centro interior e o norte

A investigação do povoamento do Bronze Pleno foi retomada com vigor a


partir dos finais da década de 1970, ainda que os dados, como bem assinalam
vários autores, sejam de momento insuficientes para o conheci-mento das
sociedades dos inícios do II milénio a. C. na área em causa, não sendo aceitável
a existência de lacuna de povoamento em tal época. Foi, contudo, naquele
espaço geográfico que, em território português, terão sido fabricados, pela
primeira vez, artefactos de bronze. Trata-se de peças ainda de forte tradição
calcolítica, como os machados planos, mas de gumes mais peltados do que
aqueles, obtidos por martelagem a partir de lingotes fundidos, designados
por machados tipo "Bujões/Barcelos". É interessante sublinhar que alguns Fig. 253
destes machados ocorrem em contextos de ocultação, prenunciando as
ocorrências do Bronze Final com idênticas características: é o caso do
conjunto de Agro Velho (Montalegre), constituído por cinco machados,
encontrados a pouca profundidade, na encosta da colina epónima (Teixeira
& Fernandes, 1963); um dos machados encontrava-se ao alto e os restantes
empilhados uns sobre os outros, disposição que não deixa dúvidas quanto à

467
© Universidade Aberta
natureza intencional da ocultação, ficando porém por saber se com carácter
ritual ou não.
Tal como no Sul, as informações disponíveis respeitam mais às necrópoles,
ocorrendo, de forma frequente, as reutilizações de grandes monumentos
megalíticos. Noutros casos, construiram-se sepulcros não megalíticos, os
quais, tal como os povoados, são muito discretos na paisagem.
É neste contexto de evidente afirmação social, directamente herdado dos
últimos tempos calcolíticos, que se explica a distribuição das grandes folhas
nervuradas de alabarda do "tipo Carrapatas", peças de afinidades irlandesas,
que, à semelhança do verificado na Estremadura e sul do país, são ainda
feitas de cobre arsenical: testemunham particularmente o crescente prestígio
e importância da classe guerreira. Em Portugal, tais peças concentram-se na
região transmontana (onze exemplares), a que se junta o exemplar de Baútas
(Amadora), já referido. O conjunto mais numeroso, constituído por quatro
exemplares, encontrou-se acidentalmente ao lavrar um terreno, na serra de
Bornes, Vale Benfeito, Bragança (Bártholo, 1959). Estes exemplares integram
um tipo de características muito homogéneas, cuja base ostenta dois arcos
Fig. 254 côncavos de contorno desigual, separadas por uma parte convexa ocupando
a parte central, ao longo da qual se situam três orifícios destinados à fixação
por rebitagem. Outros dois exemplares, muito bem conservados, provêm de
Carrapatas, Macedo de Cavaleiros, sem indicações de pormenor; e ainda
dois outros da base do morro onde se situa o castro do Cemitério dos Mouros,
Mirandela, correspondente a uma possível ocultação (Jorge, 1995, p. 31).
Enfim, ao abrir a Estrada Nacional que liga Vila Real a Vila Flor, mais dois
exemplares foram recolhidos, escondidos na fenda de uma rocha que foi
necessário desmontar. Esta realidade confere a estas peças, ao menos quando
as condições de achado são conhecidas, as características de ocultações
intencionais, à semelhança dos machados anteriormente estudados. Tal como
o primeiro exemplar a ser recolhido, proveniente do Alto das Pereiras, Vimioso
(Delgado, 1889), sempre que se efectuaram análises é o cobre arsenical que
corresponde à matéria-prima utilizada, repetindo-se o que já na Estremadura
se tinha observado: a introdução de novos tipos, neste caso, alabardas, de
nítida inspiração irlandesa, por certo de fabrico local, dada a evidente
homogeneidade e concentração dos achados no Nordeste Transmontano, não
foi acompanhada pela tecnologia do bronze, entendida como liga binária
com cerca de 10% de estanho e 90% de cobre. Tal como na Estremadura,
continuou-se a fabricação de novos artefactos com as tecnologias herdadas
do Calcolítico. Deste modo, pode conceber-se um primeiro momento do
Bronze Pleno onde era ainda a metalurgia calcolítica a utilizada.
Aos artefactos referidos, poder-se-iam ainda juntar outros que confirmam tal
afirmação, como as espadas, representadas por exemplar de S. Bartolomeu
do Mar (Esposende), do tipo Ia de M. Almagro-Gorbea: possuindo marcado
estrangulamento da lâmina perto da empunhadura, com fixação ao cabo por

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rebitagem, evidencia afinidades ao tipo bretão de Tréboul – St. Brandan (Jorge,
1988). A este exemplar, poder-se-ia somar outro de tipologia diferente,
proveniente de Castelo Bom (Beira Baixa), estudado por M. Almagro-Gorbea
(Almagro-Gorbea, 1972), situável, tal como o anterior, em meados do
II milénio a. C. mas, ao contrário daquele, denotando influências meridionais,
especialmente da região argárica, no Levante espanhol. Assim sendo, a
Fig. 255
tipologia das raras espadas do Bronze Pleno conhe-cidas em território
português, oriundas do centro do país, ainda de cobre arsenical, evocam
influências a um tempo atlânticas e mediterrâneas, à semelhança do verificado
em outros grupos de artefactos metálicos, já atrás mencionados. Naturalmente,
trata-se de peças de prestígio, as quais, ao con-trário das de uso corrente,
teriam circulação geográfica alargada; assim sendo, peças idênticas poderiam
fazer parte das panóplias de comunidades que, do ponto de vista cultural,
poucas ou nenhumas afinidades teriam entre si.
Na região de Entre Douro e Minho, a metalurgia do bronze – dominada pela
produção de machados planos, do tipo Bujões/Barcelos – ascenderá, tal como
em toda a área setentrional do território português, segundo Ana Bettencourt,
ao segundo quartel do II milénio a. C. Dela foram detectados inequívocos
testemunhos no povoado de Sola IIb, Braga, em nível de ocupação datado
pelo radiocarbono entre os séculos XVII e XVI a. C. (Bettencourt, 2001,
p. 14). Os altos teores de estanho destas primitivas produções bronzíferas,
poderá ser o resultado de um ainda incipiente domínio da nova tecnologia
metalúrgica, sem embargo de diversos machados planos, serem bronzes já
de elevada qualidade.
A cronologia apontada é compatível com elementos de datação absoluta
disponíveis na Galiza, em Navarra e em Alicante. Ao mesmo tempo, ocorrem
jóias em ouro aluvionar. Tais jóias atestam, tal como as armas supracitadas,
evidentes influências atlânticas: é o caso dos braceletes de ouro de Arnozela
(Fafe) ou do bracelete aberto decorado de Corvilho (Santo Tirso).
Às peças auríferas referidas, podem somar-se as lúnulas e discos de Cabeceiras
de Basto (Braga), também de nítida filiação atlântica (são evidentes as suas
afinidades com exemplares irlandeses), para além de diversos braceletes Fig. 256
maciços e lisos, e cadeias de elementos helicoidais, conhecidos tanto no
Norte como na Estremadura e no Sul, que documentam a fácil circulação de
bens de elevado valor intrínseco, que abasteciam as elites do Bronze Pleno e
se prolongaram até ao Bronze Final. O prestígio dos chefes guerreiros,
aparentemente transformados em personagens divinizadas encontra-se
expressivamente documentado pela estela de ongroiva, Meda (Guarda), a
qual se junta às anteriormente referidas. Trata-se de monólito com cerca de Fig. 234
2 m de altura, no qual se representa um chefe guerreiro fortemente armado,
vestido com túnica até aos joelhos; do lado esquerdo, pode observar-se um
arco e uma adaga; do lado direito, ostenta uma alabarda nervurada "tipo
Carrapatas".

469
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Enquanto o sul testemunha a existência de ligações preferenciais ao
Mediterrâneo e o norte, como seria natural, revela contactos preferenciais
com o mundo atlântico, certas peças de luxo circulavam muito para além
destes vastos espaços culturais e geográficos. Esta realidade só poderá
explicar-se num contexto em que as populações, embora crescentemente
fixadas em territórios bem delimitados, mantinham múltiplas trocas
comerciais entre si, de vasto âmbito transregional, através de corredores
principais de circulação, determinados por acidentes geomorfológicos naturais
de primeira grandeza.

Contudo, estas "permeabilidades", ou "solidariedades" interactivas, ditadas


por equilíbrios formalmente estabelecidos (pactos inter-comunitários), não
explicam, antes pelo contrário, a aparente "invisibilidade" dos sítios ocupados,
já detectada no sul e na Estremadura desde o final do Calcolítico.

Com efeito, a malha fina da ocupação rural do território, no decurso do Bronze


Pleno, é ainda mal conhecida, tanto no norte, como no centro ou no sul, mas
admite-se que a exploração dos recursos naturais tenha então atingido alto
grau de especialização agro-pastoril, acompanhado por evidente sedentarismo
das populações. São de notar as intensas transformações da paisagem,
confirmadas pelo registo polínico das turfeiras da Serra da Estrela no decurso
do II milénio a. C., com desflorestação acentuada, relacionável com o
desenvolvimento da pastorícia. Com efeito, o primeiro e até agora único
testemunho directo desta actividade no Bronze Pleno da Beira Alta é-nos
fornecido pelos restos de ovinos e/ou caprinos recolhidos no Buraco da Moura
de São Romão, Seia, a que se somam alguns outros, de bovídeos domésticos,
indicando sedentarismo das correspondentes populações (Cardoso,
Senna-Martinez & Valera, 1994, 1995).

A aparente "penumbra" do povoamento estremenho, foi também verificada


no fértil vale do Cávado (Bettencourt, 1998, 2000): mas a recessão
demográfica a que seríamos conduzidos face aos dados existentes, é
contrariada pela exploração diversificada e eficaz dos respectivos territórios,
acompanhada por uma crescente desarborização, de carácter antrópico; esta
conclusão encontra-se suportada pelos resultados polínicos, antracológicos
e paleocarpológicos relativos ao povoado da Sola (Braga). Tal desarborização,
por estar relacionada directamente com a expansão e intensificação da
economia agro-pastoril, não pode ser, deste modo, sinónimo de despo-
voamento, bem pelo contrário.

As análises polínicas realizadas no povoado pré-histórico de Canedotes (Vila


Nova de Paiva), com uma ocupação importante do Bronze Final, mostraram
que nos períodos anteriores, talvez reportáveis ao Bronze Pleno, já a acção
humana se fazia sentir intensamente na região envolvente.

470
© Universidade Aberta
Assim, no decurso do II milénio a. C., verifica-se, nas regiões do centro e do
norte do actual território português, grande extensão dos prados graminóides,
por efeito da actividade da pastorícia, assinalando-se, pela primeira vez, o
pinheiro, próprio de ambientes mediterrâneos (pinheiro bravo/pinheiro manso).

Aliás, tais traços de sedentarização, observam-se em estreita continuidade


com os observados no Calcolítico.

É o caso do povoado da Bouça do Frade, Baião (Jorge 1988), onde a existência


de grandes "silos" escavados no saibro se destinariam certamente ao
armazenamento de grandes quantidades de cereais (ou outros produtos), que
assim completavam o quadro económico de uma economia agro-pastoril,
com a existência de excedentes. Por outro lado, registam-se reocupações
(desconhece-se se em continuidade) de alguns povoados calcolíticos do Alto
Douro, como o Castelo Velho e o Castanheiro do Vento, onde se recolheram
fragmentos de cerâmicas do "tipo Cogeces", que indicam contactos com a
Meseta Norte, também recolhidos no povoado aberto do Fumo, situado nas
proximidades daqueles, testemunhando a coexistência, herdada do
Calcolítico, entre sítios fortificados e abertos (Carvalho, 2004).

Salienta-se a presença de tais cerâmicas em outros contextos habitacionais


da Beira Transmontana e da Beira Alta, recentemente dados a conhecer: é o
caso dos povoados de Monte de Santa Eufémia, Freixo de Numão; Castelo
dos Mouros e Castelo Mau, Almeida; a distribuição destas produções tem
prolongamento pela Beira Baixa, ocorrendo nos povoados de Monte do Frade,
Penamacor e Moreirinha, Idanha-a-Nova (Vilaça, 2003). Assim sendo, aos
dois fluxos culturais, o atlântico e o mediterrâneo, que enformaram a realidade
do Bronze Pleno no território português, há que somar a componente
continental com contributos oriundos da Meseta, particularmente evidente,
como seria natural, em áreas fronteiriças do actual território português.

Mais a norte, também no povoado de Fraga dos Corvos (Macedo de Cava-


leiros) se recolheram cerâmicas de tradição campaniforme associadas a produ-
ções do "tipo Cogeces", situando as actividades metalúrgicas ali desenvolvidas
no Bronze Pleno, compatíveis, do ponto de vista cronológico, com as datas
obtidas no povoado de Sola II b, atrás referido. Deste modo, os primeiros
artefactos de bronze, tanto no Minho como na região transmontana, remontam
ao Bronze Pleno, sendo nesta última região, coevos das últimas produções
de cobre, representadas pelas alabardas do "tipo Carrapatas" (Senna-Martinez,
Ventura & Carvalho, 2005).

Em conclusão: o sucesso da economia agro-pastoril, que então atingia o seu


auge, a que se somou a emergência de um comércio transregional, estruturado
em códigos formalmente aceites, dando resposta à cada vez maior afirmação
de elites locais, não foi acompanhado pela monumentalização dos lugares

471
© Universidade Aberta
habitados: estava-se já longe de tal opção como expressão da coesão social e
do sucesso do grupo, mas ainda distante da sua adopção, como expressão
formal de legitimização do poder das elites, que, no decurso deste período,
teriam encontrado outras formas de exteriorização do seu prestígio
(indumentária, jóias) para além daquelas, definitivamente inacessíveis ao
nosso conhecimento, mas que, por certo, acompanharam a sua própria
existência.

O mundo funerário do Bronze Pleno do centro e do norte liga-se intrinseca-


mente com o do Bronze Final e é de difícil separação, no estado actual dos
nossos conhecimentos; por isso, será apresentado na altura em que este último
for abordado.

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18. O Bronze Final

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Página intencionalmente em branco

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O Bronze Final corresponde ao último período da Pré-História do território
português. O intervalo cronológico situável entre o princípio do século XIII
(ou mesmo o anterior) e os finais do século IX/inícios do século VIII a. C. é
um dos mais ricos da pré-história portuguesa: com o aumento da informação
arqueológica, foi possível levar a pormenorização da reconstituição histórica
a um nível até então desconhecido, nas suas duas mais importantes vertentes:
a económica e a social, a que se soma a cultural (incluindo, naturalmente, a
componente religiosa funerária). Acresce o facto de, no Bronze Final, ser já
possível o aproveitamento das fontes escritas disponíveis para o conhecimento
da realidade da época, especialmente no concernente à Paletnologia dos povos
antigos que ocuparam o território hoje português. Deste modo, o Bronze
Final pode ser visto como uma fase de transição, da Pré-História para a Proto-
-História, sobretudo ao nível da análise das fontes escritas, confrontando-as
com a realidade arqueológica conhecida. Em tal domínio, avultam os trabalhos
de Jorge de Alarcão. Nesta obra, o Bronze Final será abordado sob uma
perspectiva estritamente arqueológica e apresentado de forma mais sucinta
daquela que o volume de informação disponível possibilitaria, não só pela
razão apresentada, mas também para respeitar o critério adoptado nos
capítulos anteriores, não o sobrecarregando de tal forma, que o resultado da
obra resultasse pouco harmonioso.

Parece poder situar-se globalmente o fim do Bronze Pleno no território


português na passagem do terceiro para o último quartel do II milénio a. C.:
tais são as informações resultantes das escassas datações absolutas
disponíveis. Nessa época, é possível admitir, no Ocidente peninsular, três
grandes domínios de povoamento, em função da exploração dos recursos
naturais ou da sua simples posição no território: o norte e centro interior
(Minho, Trás-os-Montes e Beiras), com numerosos jazigos de estanho, mas
também de cobre, que em boa parte já então seriam objecto de exploração; o
Sul (Alentejo e Algarve), onde abundavam os jazigos de cobre, em especial
ao longo da faixa piritosa, pontuada por "chapéus de ferro" constituídos por
diversos elementos ou compostos entre os quais avultava o cobre nativo,
para além do ouro e dos carbonatos de cobre (malaquites), também passíveis
de exploração com os recursos tecnológicos da época; e, finalmente, a
Estremadura, no sentido geográfico que lhe é conferido por Orlando Ribeiro,
até o Cabo Mondego, com uma ampla frente oceânica que, implantada entre
o Oceano e esses dois grandes domínios, e fazendo a ligação entre ambos,
constituía via privilegiada de acesso ao interior do território e ao escoamento
de produtos dali oriundos, através dos três principais vales que a atravessam,
desde cedo constituídos em importantes vias de circulação e de comércio: a
Norte, o Mondego; e, a Sul, o Tejo e o Sado. Trata-se, pois de uma etapa
cronológico-cultural na qual se mostram já plenamente afirmadas diversas
áreas culturais, condicionadas por realidades económicas distintas, cuja
origem remonta pelo menos ao Calcolítico.

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18.1 Centro interior e norte

18.1.1 Povoamento, actividades económicas e organização social

Na região entre Douro e Minho, na transição do II para o I milénio a. C.,


onde uma economia agro-pastoril se encontrava florescente e estabilizada
desde o Bronze Pleno, o povoamento no Bronze Final parece dar continuidade
ao vigente até então: dominam núcleos dispersos e abertos, sem preocupações
defensivas, onde decorria, aparentemente, e sem sobressaltos de maior, intensa
actividade agro-pastoril: os povoados de Bouça do Frade (Baião), Monte
Calvo e Lavra documentam tal realidade, embora não seja impossível admitir
que tenham integrado territórios talvez mais vastos, administrados por
populações sedeadas em sítios altos e defensáveis como o Castelo de Matos.
Com efeito, foi na região em apreço que teve início a Cultura Castreja do
NW (Fase I A de A. Coelho), com base nos testemunhos registados em
diversos sítios. Trata-se de locais implantados, em geral, em esporões rochosos
dominando vales fluviais, onde se desenvolveria a agricultura, a pecuária e
por onde as produções mineiras (estanho e ouro), para além de outras
mercadorias, poderiam ser escoadas ou comerciadas, constituindo-se assim
em importantes vias de circulação.

Tais povoados possuíam cabanas ovais ou circulares (São Julião e Vila Verde),
cuja origem é ainda pouco clara (provavelmente meridional), onde se
desenvolveriam actividades muito diversas, com destaque para a metalurgia;
as datações existentes para alguns deles, com dispositivos de defesa já
envolvendo muralhas de alvenaria (Côto da Pena, Caminha) ou fossos e
taludes (S. Julião, Vila Verde) indicam os finais do II milénio a. C./inícios do
milénio seguinte, sendo, deste modo, contemporâneos do povoado aberto da
Bouça do Frade (Baião). A existência de contas de colar de pasta vítrea,
encontradas em estrutura de combustão, situada no recinto muralhado de
plataforma superior do povoado de São Julião, Vila Verde mostra, tal como
adiante se verá para povoados homólogos da Beira Interior, a existência de
objectos exóticos, considerados de luxo, de origem mediterrânea.

Ainda no Minho, ao longo do vale do Cávado, A. Bettencourt identificou, no


Bronze Final, a coexistência de três tipos distintos de implantação humana:
em sítios de portela, dominando a comunicação com os vales, sedeavam-se
os povoados mais importantes, de carácter permanente; foram tais locais,
frequentemente com manifestações de arte rupestre do "tipo
galaico-portuguesa", que, nalguns casos, se afirmaram no decurso da Idade
do Ferro. Tais sítios revelam a consolidação do processo de sedentarização
das populações, em consequência directa de uma prática agro-pastoril cada
vez mais complexa e intensiva. Um segundo e terceiro tipos de implantação,
dizem respeito a povoados de menor duração, sem continuidade pela Idade

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do Ferro, em zonas mais baixas, mais directamente relacionadas com os
terrenos aluvionares dos fundos dos vales, de alta aptidão agrícola. Esta
situação revela a existência, já nos finais da Idade do Bronze, de uma
hierarquização do povoamento. Assim, os povoados de altura, deteriam um
importante papel como pólos estruturantes da ocupação humana à escala
regional, tanto do ponto de vista económico e social, como ainda na
simbologia do poder, corporizada pelas elites neles sedeadas, talvez já
estruturadas em linhagens hereditárias. Ali se efectuariam cerimónias
religiosas, que hoje totalmente nos escapam, como parecem sugerir as
manifestações de arte rupestre neles existentes: é o caso dos povoados de
Falperra (Braga), Roriz (Barcelos), S. Lourenço (Esposende) e S. Julião (Vila
Verde), entre outros. Ao mesmo tempo, nos povoados de implantação mais
baixa, praticar-se-ia uma agricultura intensiva – é neles que se têm detectado
os silos de armazenamento, escavados no saibro – conforme é comprovado
pela existência de numerosas dessas estruturas identificadas na Bouça do
Frade, Baião, utilizadas como silos, o que denuncia, outrossim, assinalável
tendência para a sedentarização, mesmo no seio destes povoados secundários.

Na Bouça do Frade, povoado desprovido de condições naturais de defesa,


fundado no Bronze Pleno, recolheram-se, nos últimos níveis de ocupação,
do século IX a. C., em simultâneo, cerâmicas do "tipo Baiões", oriunda da
Beira Alta, do "tipo Cogotas", com proveniência mesetenha, e ainda
recipientes decorados de largo bordo horizontal, de filiação local, com
extensão para Noroeste (Minho e Galiza), o que revela importante interacção
com outras culturas regionais do Bronze Final, correspondentes a domínios
geográ-ficos adjacentes mas distintos.

A existência de sítios altos e defensáveis, tem equivalente noutras áreas do


interior, como é o caso dos povoados do Sul da Beira Baixa, estudados por
R. Vilaça: entre outros, mencionam-se os povoados de Castelejo (Sabugal);
Monte do Frade (Penamacor); Alegrios e Moreirinha (Idanha-a-Nova), todos
eles globalmente situados, com base nos resultados das datações de
radiocarbono efectuadas, entre os séculos XII/XI e IX a. C. No povoado do
Monte do Frade, objecto de ulterior reinterpretação por parte da arqueóloga
qreferida, a área construída na parte superior do monte ter-se-ia limitado a
uma cabana, cercada de penedos, alguns deles com "fossettes" insculturadas.
Muito embora estes motivos rupestres possuam longa diacronia, desde pelo
menos o Neolítico Final, a sua presença foi relacionada, no Bronze Final,
com grupo humano distinto, talvez uma única família, dada a pequenez da
área construída, que não ultrapassava os 126 m². Tal família teria ascendência
sobre o todo social, ocupando o sopé do monte; a ser assim, as referidas
manifestações artísticas, seriam a expressão de práticas religiosas, cujo
exercício seria reservado a uns poucos; assim, é nítida a semelhança com a
situação descrita por A. Bettencourt para os povoados de altura do vale do
Cávado.

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Ainda que seja aliciante e, mesmo, lógica, a possibilidade de a cultura castreja
remontar ao Bronze Final, para S. Oliveira Jorge é discutível que, de facto, o
povoamento de altura que se vislumbra no Bronze Final esteja na origem da
cultura castreja do Noroeste peninsular, ao contrário da opinião expressa,
em notável estudo de caracterização por Armando Coelho. Segundo a autora,
não só tal estratégia se encontra documentada, especialmente no Bronze
Final II, em outras regiões, como a Estremadura e o Alentejo, retirando-lhe
identidade própria, como, na própria área geográfica do Noroeste, nem sempre
os sítios continuaram ocupados na Idade do Ferro, ou foram-no noutros
sectores dos correspondentes aos assentamentos do Bronze Final, como é o
caso dos povoados de S. Julião e de Barbudo (Vila Verde). Outros sítios que
aparentemente continuaram a ser habitados em continuidade (Coto da Pena,
Caminha) podem ter sofrido transformações habitacionais, no decurso dos
séculos VII/VI a. C., ainda difíceis de avaliar, dada a ausência de monografias
detalhadas ao nível de cada povoado.

Deste modo, a ocupação de sítios altos, no final da Idade do Bronze, por


todo o norte e centro interior de Portugal, sugere a existência de elites com
riqueza acumulada – bem expressas pelos achados do povoado de Monte
Fig. 259 Airoso (Penedono), com materiais de bronze e de ouro – e do Castro de
Senhora da Guia, onde as jóias de ouro são ainda mais relevantes, além dos
achados de artefactos de bronze. Tais jóias comprovam, pois, a presença de
elites, a quem competia o exercício de funções temporais e religiosas, e a
manutenção da coesão e estabilidade sociais de cada uma destas comunidades,
individualizadas entre si não só territorialmente, mas também do ponto de
vista cognitivo. Às elites referidas estaria reservada a posse e controlo da
terra e das respectivas produções agro-pastoris, bem como das zonas de
exploração mineira e das vias de circulação, que permitiam a comercialização
de tais produtos e matérias-primas, o que requeria, naturalmente, a existência
de uma estrutura de poder capaz de representar e fazer valer os direitos da
comunidade, se necessário fosse, de forma violenta. Parece, no entanto, que
o nível de conflitualidade era contido, como sugerem a quase ausência de
muralhas e de armas entre os espólios dos povoados; a baixa densidade de
ocupação, deixando livres vastas áreas para a agricultura e pastoreio, repartidas
pelos diversos núcleos habitados, todos de pequenas dimensões, obviaram a
situações de conflito efectivas.

A importância da agricultura encontra-se demonstrada pela presença de


numerosas fossas (silos) de armazenamento, escavadas no saibro, em diversos
Fig. 257 povoados do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro da bacia do Cávado
(Bettencourt, 2000, 2001), as quais têm equivalente, mais para Sul, no Douro
Litoral, no já referido povoado de Bouça do Frade, Baião, onde se registaram
mais de 30 fossas abertas no saibro, consideradas como correspondendo
provavelmente a silos, e, depois, reaproveitadas como lixeiras (Jorge, 1988).

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A autora não deixa de assinalar outras estruturas semelhantes, como as
presentes no povoado de Santinha, Amares (Bettencourt, 2001) do Final do
Bronze Final/transição para a Idade do Ferro, no qual as estruturas de
armazenamento mais modernas eram de maiores dimensões, sugerindo um
processo de intensificação produtiva, coincidindo com o aparecimento da
cevada e da ervilha.

Na primeira ocupação do Bronze Final ali detectada identificaram-se duas áreas


funcionais, que merecem ser descritas por ilustrarem bem a complexidade da
organização espacial – e, por conseguinte, social – vigente nestes povoados: assim,
na plataforma superior identificaram-se numerosas fossas abertas no saibro (silos),
integrados numa cabana, constituindo uma área de armazenagem colectiva; a zona
povoada desenvolver-se-ia na encosta contígua, onde também se identificaram
fossas de armazenamento, de carácter mais familiar. Foi também ali que se recolheu
um fragmento de caldeirão rebitado, utilizado em cerimónias rituais (Bettencourt,
1995). Ter-se-ia, deste modo, uma zona de armazenagem colectiva, e uma zona de
actividades domésticas e rituais.

Recentemente, R. Vilaça e colaboradores estenderam a análise do povoamento


do Bronze Final à área do Fundão, onde também identificaram diversos sítios
de altura ocupados no Bronze Final: é o caso dos povoados da Cabeça Gorda,
de S. Roque/Trigais, do Cabeço de Argemela, da Tapada das Argolas e de
Covilhã Velha, todos eles com cerâmicas do Bronze Final; no povoado de
Cabeço de Argemela, identificaram-se restos de duas linhas de muralhas,
concêntricas, em torno da parte mais alta da elevação (Vilaça et al., 2002/
2003); vestígios de amuralhados foram também reconhecidos nos povoados
de Covilhã Velha e da Tapada das Argolas; mas a ausência de escavações
impede maiores certezas, tanto no traçado arquitectónico, como na própria
cronologia destas construções, embora se tenha verificado que onde não há
muralhas também não existem materiais posteriores ao Bronze Final. A análise
geográfica da implantação destes sítios foi articulada com a de outros, já
Fig. 258
anteriormente, reconhecidos na mesma região (Castelejo, Moreirinha,
Alegrios e Monte do Frade). Foi, assim, possível, a delineação genérica das
mais importantes vias de circulação susceptíveis de articular e relacionar
povoados, depósitos metálicos, estelas, jóias auríferas, sepulturas e arte
rupestre (Vilaça et al., 1998).

No Monte do Frade, a possibilidade de ter sido apenas uma pequena elite a Fig. 260
ocupar o seu topo, já atrás apresentada, é ainda sugerida pela ocorrência de
uma faca de ferro, anterior à generalização do uso deste metal no ocidente
peninsular. À época, o ferro constituía certamente uma matéria de elevado

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custo, conferindo prestígio e estatuto aos seus possuidores. Facas curvas de
ferro foram recolhidas no Sul da Beira Interior, no povoado da Moreirinha
(Idanha-a-Nova), também datado entre os séculos XII/XI e IX a. C.; o povoado
do Monte do Trigo, da mesma região, forneceu também peças sidéricas,
correspondendo, igualmente, a introduções exógenas e, repita-se, mais a itens
sócio simbólicos do que a peças de uso comum. Ao contrário das peças
aludidas, nada há, no restante espólio, que não indique produções locais,
incluindo as peças de bronze, o que não significa ausência de trocas comerciais
transregionais: a presença de cerâmicas de ornatos brunidos do tipo "Lapa
do Fumo/Alpiarça", de Sabugal aos estuários do Tejo e do Sado, revela,
justamente, a existência da rota de escoamento do estanho, aproveitando o
rio Tejo. Por outro lado, as cerâmicas pintadas a vermelho com motivos
geométricos do tipo "Carambolo" dos povoados da Moreirinha e da Cachouça,
embora excepcionais, revelam influências andaluzas, mas pela via continental.
Enfim, as cerâmicas, igualmente muito raras, do "tipo Baiões", presentes
nos povoados de Alegrios e de Cachouça, indicam conotações com o mundo
do Bronze Final da Beira Alta. Por último, tal como o observado no Minho,
também na Beira Baixa se encontraram cerâmicas do "tipo Cogotas", em
Moreirinha e Monte do Frade, o que mostra a existência de relações com a
Meseta, estendidas a toda a parte Norte e Centro do território português, no
decurso do Bronze Final. A realidade descrita, faz da Beira Baixa uma região
nodal do ocidente peninsular, no decurso do Bronze Final, mercê das relações
mantidas pelos seus habitantes com os que ocupavam as vastas áreas adja-
centes, do litoral à meseta, e do interior norte ao Mediterrâneo, configurando
redes de troca de longa amplitude.

Na Beira Alta, caracterizou-se arqueologicamente um grupo com expressão


cultural própria, sendo dele particular um determinado conjunto de formas e
decorações cerâmicas.
Fig. 261
Trata-se das cerâmicas ditas do "tipo Baiões", designação que integra um
determinado conjunto de formas mais ou menos padronizadas de bom
acabamento, com superfícies brunidas, lisas ou, mais raramente, decoradas,
feitas por incisões finas pós-cozedura. Admitiu-se que o sistema de
povoamento a que estão associadas se baseava em sítios de altura, a partir
dos quais se administravam territórios com delimitações precisas. Estes eram
atravessados por "corredores" de circulação transregional, já atrás
mencionados, cuja importância foi salientada por J. C. de Senna-Martinez
(1994). Como já se referiu, por tais vias eram comerciados objectos de luxo,
como armas e adornos, destinados às elites locais, que cedo teriam
estabelecido alianças políticas entre si (talvez fortalecidas por laços
matrimoniais). Assim se terá viabilizado não só a prática do comércio – com
a obtenção das consequentes mais-valias – mas também favorecido a rápida
adopção de novas tecnologias metalúrgicas, requeridas pela reprodução local
e em contexto domésticos, de modelos metálicos exógenos.

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Com efeito, o Bronze Final é caracterizado, pelo aumento notável do número
e variedade das produções metalúrgicas, cuja tipologia fornece pistas não só
para a reconstituição da sucessão das produções, mas também para o
conhecimento das grandes vias de comércio transregional. É neste contexto
que tem cabimento a expressão de "Bronze Atlântico", realidade de expressão
cultural que não deve ser confundida com o conceito de "Bronze Final", de
natureza essencialmente cronológica. Porém a sobreposição de ambos é
quase uma inevitabilidade, visto o primeiro corresponder ao apogeu do Fig. 271
comércio e circulação de objectos metálicos, o qual se verificou, precisamente,
no Bronze Final. Deste modo, é usual admitir-se uma fase inicial, entre os
séculos XIII e X a. C., no decurso da qual se afirmam as produções de carácter
atlântico, mescladas com outras de índole marcadamente regional, como os
machados de talão e duplo anel, característicos das regiões estaníferas do
NW peninsular. As raras espadas do tipo pistiliforme e uma sua variante,
considerada mais tardia, dita "em língua de carpa", caracterizada por um
estrangulamento da folha próximo da empunha-dura, ambas conhecidas em
território português, documentam a integração deste (afinal, uma estreita faixa Fig. 272
entre o Oceano e a vasta área mesetenha) numa complexa rede de intercâmbios
entre elites, embora se conheçam produções de cunho mais regional, como
os punhais de lingueta rebitada do tipo "Porto de Mós". Duas daquelas espadas
de tipo "língua de carpa" provêm da Beira Interior (Teixoso, Covilhã; e Vilar
Maior, Sabugal) embora, como é habitual, se desconheçam as condições
precisas do achado: a segunda foi encontrada juntamente com escórias de
fundição (Rodrigues, 1961). Recentemente, publicou-se exemplar incompleto
proveniente do povoado da Tapada das Argolas, Fundão (Vilaça et al., 2002/
2003).

Ainda no domínio das armas, são de referir as pontas de lança, de alvado, as


quais, conjuntamente com peças mais raras, como o capacete de crista
ponteaguda proveniente do Castro de Avelãs (Bragança), os caldeirões de
tipo irlandês de Caldelas (Amares), os espetos articulados como o recolhido
no Monte da Costa Figueira (Paredes) e no povoado da Cachouça
(Idanha-a-Nova) ou, enfim, os ganchos para carne, com exemplares de Fig. 274
Solveira (Montalegre) e do Castro da Senhora da Guia (Baiões, S. Pedro do
Sul), este último com decoração espiraliforme, que, sendo de clara filiação
atlântica nalguns casos, reflectem traços identitários com o Mediterrâneo,
noutros-, dali derivaram certos rituais, claramente associados ao uso de tais
peças. Certas produções, como os machados com apêndices laterais, exibem
uma distribuição geográfica homogénea pelo território português, onde se
inventariaram 13 exemplares (Vilaça & Gabriel, 1999); tal como os artefactos
acima referidos, a sua distribuição além-peninsular abarca uma vasta área,
da Dinamarca à Sicília, passando por todos os territórios intermédios da frente
atlântica (Holanda, Ilhas Britânicas, França) e mediterrânea da Europa
(Baleares, Sardenha) (Coffyn , 1985, p. 264), para se prolongar até ao Próximo

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Oriente, região que é considerada, pela generalidade dos autores, como a
originária de tais produções: tal como nos casos de artefactos anteriormente
referidos, à origem oriental, seguir-se-ia uma rápida adopção pelas sociedades
do Bronze Final atlântico, expressa pelas múltiplas produções locais, aliás
atestadas pela presença de moldes de fundição destinados ao seu fabrico,
incluindo o território peninsular (mas não o espaço português, onde até hoje
não se reconheceu nenhum exemplar). Os espetos articulados de bronze
constituem outro item claramente atlântico. Com efeito, na região da Bretanha/
Ilhas Britânicas reportaram-se 8 exemplares, contra apenas dois na área
mediterrânea: um no depósito do Monte Sa Idda, Sardenha, outro na sepultura
523 da necrópole de Amathonte, Chipre (in Ruivo, 1993, p. 109). Neste
contexto, o território português afirma-se como uma região intermédia, de
assinalável riqueza, pois aqui se registaram dez exemplares, provenientes do
Centro (interior e litoral) e do Minho, contra apenas dois espanhóis, um da
região de Badajoz, outro de El Berrueco, Salamanca. A difusão destes
produtos manufacturados, de evidente valor simbólico explica-se através de
um processo de solidariedades fortemente interactivas, estabelecidas entre
grupos autónomos, que não possuíam entre si quaisquer laços formais, a não
ser aqueles que resultavam da partilha dos mesmos princípios no exercício
do poder e dos objectos a ele associados: nesse sentido, será lícito admitir
um fundo cultural comum, das Ilhas Britânicas ao Mediterrâneo, a que se
pode aplicar a designação de "Bronze Atlântico", conceito que fica, deste
modo, definido.

Este sistema de solidariedades foi justificado pelos interesses económicos


complementares, cuja satisfação trazia mútuas vantagens para todos os
intervenientes: a circulação de minérios generalizou-se, na proporção directa
em que se excediam as necessidades locais de produção e aumentava, na
mesma proporção, a sua procura exógena. Esta situação, que caracterizou a
fase mais recente do Bronze Atlântico, explica o estabelecimento de permutas
do estanho do Noroeste peninsular e da Cornualha, do cobre das Astúrias, do
Sul peninsular e da Irlanda, além do ouro, de obtenção mais disseminada.

Prova evidente desta ligação com as Ilhas Britânicas é a ocorrência de foices


de bronze, de alvado, no interior centro do País (Coffyn, 1985), cuja cronologia
remonta ainda ao final do II milénio a. C., de acordo com os contextos datados
do Castro de Santa Luzia, cujo modelo foi rapidamente copiado e produzido
localmente, como atestam os fragmentos de moldes cerâmicos provenientes
dos castros de Senhora da Guia (Baiões) e de São Romão (Seia). No primeiro,
recolheu-se mesmo um belo conjunto de tais foices (Silva, 1986).

Produção característica da região em apreço são os machados de talão


produzidos em moldes de duas valvas, com uma ou duas argolas,
imediatamente antecedidos pelos unifaces, com apenas uma argola: um destes

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machados unifaciais foi datado entre 1270-1060 a. C., de acordo com a datação
do respectivo contexto, do castro de S. Romão, Seia (Senna-Martinez, 2002).
Poderão situar-se na evolução directa dos machados de tipo "Reguengo
Grande", desprovidos de anéis – outra produção de cunho marcadamente
setentrional e atlântico. A distribuição geográfica, no território português,
dos machados de talão e duplo anel concentra-se no Centro interior, sobretudo
ao Norte do Douro. As elevadas percentagens de chumbo que alguns destes
machados ostentam, correspondendo a ligas ternárias de cobre/estanho/
chumbo, como os achados contextualizados de Penices II (Famalicão), são
atribuídas a produções de cunho atlântico muito tardias, na transição para a
Idade do Ferro, aliás com paralelos em muitos outros do Alto Minho, cujos teores
de chumbo (Pb) se situam entre 18,7% e 46,7% (Bettencourt, 2001).

É relativamente frequente o achado de exemplares ainda com o cone de fundição


conservado na extremidade oposta ao gume, indício de que nunca teriam sido
encabados, por vezes formando conjuntos enterrados, a que se tem atribuído o
significado de "esconderijos de fundidor". A título de exemplo, pode mencionar-se,
entre muitos outros, o "tesouro" encontrado num terreno da freguesia de Veatodos,
Barcelos. O conjunto está parcialmente conservado no Museu Nacional de Soares
dos Reis (Porto). É constituído por 15 machados idênticos de talão, bivalves e
duplo anel, ocultados com 4 lingotes de bronze de tipo menisco, conjuntamente
com fragmentos de outros machados, por certo destinados a refundição (Fortes,
1905). Dois dos machados conservam ainda os cones da fundição. Outro depósito
de machados, confirmando o padrão do anteriormente descrito, foi encontrado
também num terreno da freguesia de Ganfei, Valença, na margem esquerda do rio
Minho, ao se proceder ao arranque de um grande pinheiro (Fortes, 1908). Era
constituído por 24 machados; todos conservavam as rebarbas de fundição e o gume,
rombo, indicava que não tinham sido jamais utilizados, conclusão sublinhada pelo
facto de a maioria conservar o cone de fundição terminal, cuja presença impedia o
encabamento. Parece terem saído, contudo, de diversos moldes e alguns
encontravam-se partidos.

Muitos outros conjuntos metálicos do Bronze Final de características idênticas


aos anteriores poderiam ser mencionados na região Entre-Douro-e-Minho; como
o de Carpinteira (Melgaço) constituído por 5 machados de bronze, todos oriundos
de moldes distintos de fundição bivalve, de talão e com 2 anéis; embora apenas
dois conservassem os talões de fundição, nenhum deles parece ter sido usado.

Nalguns casos, é possível associar as ocultações a castros: é o caso, do conjunto


encontrado em 1884 sob um penedo em Vilar de Mouros, cerca de 3 km do rio
Minho e numa pedreira perto do Monte da Senhora do Crasto. Tratava-se de um
conjunto de cerca de 10 machados de bronze a que se associavam diversos
fragmentos, destinados talvez a fundição, a qual se procederia nas imediações,
talvez mesmo no próprio castro adjacente. De facto, o fabrico destes machados
efectuava-se nos povoados castrejos mais importantes, como é demonstrado pelo
achado de um molde bivalve, para fundição de machados de talão com um anel, de

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face plana, no castro da Senhora da Guia, Baiões, associado a um importante
conjunto de peças metálicas (Silva, 1986, Est. 84), entre as quais um belo conjunto
de machados de dois anéis, indício de que ambas as produções de machados
coexistiram. Aliás, já em 1940 era noticiado o achado de um molde bivalve, de
bronze, para fundição de machados de dois anéis, perto de Castro Daire junto de
um penedo (Teixeira, 1940). No interior centro são, da mesma forma, conhecidas
importantes ocultações de machados, a par de outros objectos metálicos. É o caso
do conjunto constituído por mais de 40 peças de bronze, entre completas e
fragmentadas, encontrado na encosta da serra da Guardunha, na Quinta do Ervedal,
Castelo Novo (Villas-Boas, 1947). Os machados partidos e inteiros, são todos de
talão e de uma argola, bivalves, mas o que situa este conjunto entre os mais
importantes no seu género, é a existência de 24 lingotes inteiros e partidos em
forma de menisco, de bronze, idênticos aos encontrados no conjunto de Veatodos,
já antes referidos. Não parece existir dúvida, pelo peso de metal em causa
representado pelos lingotes – cerca de 13 kg – constituindo o maior conjunto de
toda a Península Ibérica do Bronze Final (Gómez Ramos, 1999, p. 102), que este
depósito esteja relacionado com a refundição, para a produção de peças metálicas
em grandes quantidade. Esta realidade tem ainda mais nítida expressão nos cerca
de 200 machados identificados em Vilar de Mouros (Pinto, 1933).

Pode-se, pois, concluir, que estes depósitos (ou reservas) de metal, incor-
porando peças não usadas, e outras, já partidas, destinadas a refundição,
estariam em geral relacionados com pequenos centros produtores de cunho
local, e para uso das respectivas populações funcionando nos povoados mais
importantes, como sugere a sua frequente associação ou proximidade a tais
núcleos populacionais, de entre os mais importantes reconhecidos
regionalmente; a circulação seria mais de ideias e de modelos do que dos
próprios protótipos embora a presença destes tenha sido, naturalmente,
essencial, para a sua ulterior reprodução local. Este panorama estende-se aos
povoados do Sul da Beira Interior (Vilaça, 1995). Tal realidade encontra-se
evidenciada tanto pelos artefactos metálicos de utilização funcional (foices,
machados) como simbólica ou ritual (espetos, espadas, capacetes, escudos,
caldeirões, etc.).

O notável conjunto do Castro de Nossa Senhora da Guia corporiza uma relação


directa entre o espaço habitado e o depósito, cuja natureza de algumas das
peças que o constituem – verdadeiras sucatas de bronze – parece configurar
um verdadeiro esconderijo de fundidor. As peças distribuem-se pelos seguintes
tipos (Armbruster, 2002/2003):

1 – Jóias; 2 – recipientes; 3 – objectos rituais; 4 – instrumentos de


uso comum; 5 – armas; 6 – moldes de fundição; 7 – restos de fundição.

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© Universidade Aberta
Destes, os utensílios, as armas, o caldeirão, o espeto articulado e as jóias de
ouro, possuem carácter atlântico, enquanto o conjunto de taças, e os carros
votivos, denotam tradição mediterrânica. São múltiplos os indícios da prática
local de metalurgia, encontrando-se documentado, pela ocorrência dos
respectivos moldes, o fabrico de pontas de lança de alvado e de machados
planos de talão, com um anel, a que se somam os vestígios da fundição de
foices de alvado, do tipo britânico, das pulseiras, e das argolas.

Porém, mesmo os objectos de cunho mais marcadamente oriental, como as taças,


os carros e a própria decoração espiraliforme, já antes aludida, patente no gancho,
denotam fabrico em oficinas atlânticas segundo modelos orientais, o que significa
que era desta área geográfica que provinham as mais fortes influências culturais,
expressos no fabrico dos artefactos de cunho ritual, enquanto que os utensílios de
uso comum respeitavam a tradição dos modelos atlânticos, área, aliás, onde se
insere plenamente a estação em causa. Também de origem oriental é a técnica
utilizada no fabrico de algumas das peças, a qual poderia ter-se difundido de duas
maneiras: pela presença de artesãos orientais na região; ou pela ida de artesãos
atlânticos ao mediterrâneo onde aprenderam inovações tecnológicas, como a
fundição adicional e a técnica de fundição em molde ou de cera perdida, ou por
fios de cera; de qualquer forma, como acentua a autora acima citada, a transferência
de tecnologia só poderia acontecer com o contacto directo entre artesãos.

Os dois minérios necessários para a produção de ligas bronzíferas teriam


essencialmente origens diferentes, tendo presente a escassez de cobre no
centro interior e no norte do país. Assim, o estanho teria origem essencialmente
aluvionar (cassiterite), no centro e norte do País, podendo, em tais explorações,
obter-se igualmente o ouro, sob a forma de pepitas ou palhetas. Prova da
exploração de filões, em galerias, na Idade do Bronze da referida região, é o
achado, na mina de cobre de Quarta Feira (Sabugal) de um machado de bronze
de talão com uma argola, a 12 metros de profundidade (Pinto, 1933). Porém,
é no Sul do País que se encontram os testemunhos mais evidentes das
explorações mineiras por galerias, em zonas ricas em cobre, tanto no Baixo
Alentejo como no Algarve.

Esta actividade mineira está na origem dos inúmeros depósitos de peças


metálicas que frequentemente ocorrem, sobretudo no norte e no centro do
País. O carácter de esconderijos de fundidor ou de simples acumulações de
sucata, por oposição ao significado ritual de alguns dos aludidos depósitos,
tem sido objecto de discussão. Uma vez que se encontra demonstrado o
carácter essencialmente doméstico de tal actividade, sublinhada pela presença
de fornos metalúrgicos em alguns desses povoados, como o encontrado no
povoado de altura do Outeiro dos Castelos de Beijós, Carregal do Sal
(Senna-Martinez, 2000), a ocultação de tais peças poderá,sobretudo, reflectir

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© Universidade Aberta
simples acumulações de sucata, destinada a fundição. É o que sugere a
ocorrência, a par de artefactos partidos ou defeituosos, de lingotes em bruto.
Nestes casos, é mais natural perfilhar-se a hipótese de reservas de matéria-
prima que deveria ser ocultada, dado o estado de instabilidade social vigente
na época, sugerido pela assinalável panóplia guerreira da época. O paradigma
deste tipo de ocorrências é o conjunto metálico recolhido no Castro da Senhora
da Guia (Baiões, S. Pedro do Sul), já referido, como bem sublinhou J. C. de
Senna-Martinez.

Deste modo, será sempre a composição qualitativa dos depósitos, o estado


de conservação das peças e as próprias condições de jazida, que poderão
contribuir para uma melhor compreensão do seu significado. Por exemplo,
depósitos como o do Coles de Samuel, Soure (Pereira, 1971), situado em
zona próxima de mineralizações de estanho e de cobre, constituído por um
lote de objectos de índole utilitária, entre os quais seis foices de tipo Rocanes
que saíram do mesmo molde, o mesmo se podendo dizer de dois dos quatro
machados de alvado e duas argolas e de dois braceletes decorados, dos seis
encontrados, parece ser compatível com um esconderijo de materiais
funcionais – apenas um machado de talão e uma argola se mostrava
incompleto – não podendo ser confundido com mero depósito de sucata
bronzífera. Outra é a situação do depósito do Porto do Concelho (Mação). O
conjunto encontrava-se ocultado sob uma rocha, no vale da ribeira de Eiras e
não distante dela; o local, além de constituir uma passagem fácil, é uma
encruzilhada entre diversos acidentes geomorfológicos e pequenas povoações
existentes nos arredores (Pereira, 1970). A composição do conjunto, ao
contrário do anterior, é dominada pelas peças fora de uso, armas, como pontas
de lança e punhais, algumas extremidades de punhais e/ou de espadas; as
peças de carácter doméstico, menos importantes, integram um tubo de forja
(ou maçarico), que constitui raridade; a localização do achado não pode deixar
de sugerir a ocultação no âmbito do comércio e circulação do metal, estando
por provar o seu carácter ritual, embora este seja, naturalmentr, possível mas
não demonatrável, tanto no caso em apreço, como nos anteriormente descritos.

Outro conjunto cujo significado é controverso, é o do Casal dos Fiéis de


Deus (Bombarral). Encontrado ocasionalmente num terreno agrícola, numa
área de 2 m2 e a 1 m de profundidade integra doze objectos, sem quaisquer
outros vestígios que os acompanhassem. Trata-se de objectos inteiros e
fragmentados armas (espadas, ponta de lança punhal), objectos de adorno
(braceletes) e de uso corrente (machado). A evidente heterogeneidade e
diacronia do conjunto – de que se destaca uma espada do tipo Vénat, bem
identificada pela respectiva empunhadura (Vasconcelos, 1920, Est. IV) – torna
difícil a opção inequívoca por um depósito ritual, em detrimento de um
simples esconderijo de sucata. Esta importante e difícil questão foi discutida
recentemente (Melo, 2000 a, 2000 b) e continua a sê-lo (Vilaça, 2006).

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© Universidade Aberta
Sem cair no exagero de remeter tudo quanto não tem uma explicação imediata
e lógica para a esfera do simbólico, a verdade é que existem algumas
ocultações de peças de bronze, que facilmente se poderiam considerar dentro
dessa esfera. É o caso do achado de Solveira, Montalegre, tanto pelas
condições do achado, como pela composição do conjunto, constituído por
quatro peças: um machado de talão e dois anéis, duas pontas de lança e um
gancho para carne: trata-se de associação heterogénea, sem elementos fora
de uso ou inutilizados. Segundo a notícia publicada (Costa, 1963, p. 12), o
conjunto "foi encontrado sob um socalco de terra, à profundidade aproxi-
madamente de 1,30m, a uns 6m de distância e na margem direita de um
regato (…). Do lugar do achado ao regato havia um rego subterrâneo, coberto
de lages líticas, com o comprimento de uns 6m". A construção foi então
interpretada como correspondendo a uma mina obstruída, aproveitada para a
ocultação do achado; contudo, não parece crível a interpretação de uma mina
conduzindo a uma linha de água. É, pois, muito provável estar-se perante
uma construção ritual, permitindo uma relação directa entre o conjunto
metálico e a água do regato; a ligação com a água é, como veremos, um
denominador comum a muitos depósitos rituais do Bronze Final, ainda que
escassos no território português.

No segundo momento do Bronze Final, ou Bronze Final II, do século X até


o século VIII a. C. (inclusivé), sem abandono das redes de comércio anteriores,
assistiu-se ao incremento das relações mediterrâneas acompanhada da explo-
siva produção metalúrgica, de uma grande diversidade (armas, utensílios,
adornos). No grupo das armas, ocorrem espadas do tipo "língua de carpa",
que parecem suceder-se ao modelo pistiliforme, associadas a punhais de
lingueta rebitada do tipo "Porto de Mós", a machados talão de dois anéis, ou
de alvado, também com dois anéis, a pontas de lança de diversos tipos, quase
sempre de alvado. Só então se generalizou, no território português, a produção
de objectos de adorno destinados às elites, facilmente transportados, como
as fíbulas de cotovelo, cuja origem cipriota é evidente, difundidas para
Ocidente a partir das ilhas do Mediterrâneo Central (Sicília, Sardenha) e
rapidamente copiadas localmente: no território português, identificaram-se
exemplares tanto no centro, como no sul. Conhecem-se, também, alguns
exemplares de fíbulas de cotovelo de modelo siciliano, provenientes do sul
do território (castelo de Arraiolos), bem como do interior centro (Monte
Airoso, Penedono, cf. Cardoso, 2002, Fig. 277 e Mondim da Beira, Fig. 259
cf. Carreira, 1994, Fig. 9 e Est. 23). Para além destas, mencione-se a existência
de diversas fíbulas com enrolamento no arco, do mesmo tipo da encontrada
no monumento da Roça do Casal do Meio, Sesimbra, com evidentes analogias
com as fíbulas sicilianas da fase Pantalica II/III, atribuível ao século X a. C.
No centro interior, recolheram-se exemplares no castro da Senhora da Guia,
Baiões, Viseu (Kalb, 1978, Abb. 10), e nos castros do Castelo dos Mouros,
de S. Romão e de Santa Luzia, também da região de Viseu (Senna-Martinez,

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2000); neste último sítio, o correspondente contexto foi datado entre
1270-1030 a. C., confirmando a maior antiguidade deste modelo face às
fíbulas de dupla mola (Senna-Martinez, 2002). Acerca destas últimas,
igualmente de origem mediterrânica, merece destaque o achado de uma fíbula
de dupla mola, por ser das raras conhecidas a Norte do Maciço Central, no
Outeiro dos Castelos de Beijós (Carregal do Sal), associada a lareira datada
de 814-777 a. C., confirmando a sua maior modernidade face ao tipo anterior,
como se referiu. Aliás, a presença de fíbulas mediterrânicas no centro-interior
peninsular era conhecida de há muito, pelo achado de uma fíbula com
enrolamento no arco, no Cerro del Berrueco, Salamanca (Schüle, 1969, Abb.
10), sugerindo a sua difusão pela meseta, à semelhança das jóia auríferas de
grande dispersão geográfica, como os braceletes do tipo Villena/Estremoz,
adiante referidos. Ao nível estritamente arqueológico, verifica-se, pelos
exemplos referidos, que aos materiais de origem atlântica que têm sido
encontrados no Mediterrâneo Central com destaque para o notável conjunto
metálico do depósito do Monte Sa Idda (Sardenha), já referido, se contrapõe
um testemunho incontornável da influência de sinal contrário, expressa por
adereços pessoais como os supra referidos, ou artefactos de cariz simbólico
ou religioso.

Estes materiais destinavam-se, naturalmente, às elites do fim da Idade do


Bronze que ocuparam a orla atlântica, de Portugal à Irlanda e ao litoral da
Grã-Bretanha, francamente e mutuamente permeáveis a estímulos exógenos,
de diversa origem e natureza, mas também às que, na mesma época, se
dispersavam por territórios continentais, aonde chegavam, pelos mecanismos
do comércio transregional, tais produções, rapidamente copiadas localmente.

Sendo certo que, nessa época, a importância mineira do Ocidente peninsular


se baseava na presença complementar do cobre, sobretudo a sul, e do estanho,
a norte, as alianças firmadas pelas respectivas elites regionais terão, por certo,
desempenhado papel de primordial importância na optimização da exploração
dos recursos mineiros e no acréscimo das produções, com o consequente
escoamento dos produtos manufacturados. Assim, a troca de presentes entre
as elites – a que estariam subjacentes acordos mais permanentes, como
matrimónios, envolvendo a permuta de esposas, cujos dotes seriam
preferencialmente constituídos por jóias de ouro – destinar-se-iam a garantir
o funcionamento das vias comerciais e a estabilidade e coesão sociais.

A dispersão geográfica dos braceletes do tipo Villena/Estremoz, embora


revelem filiação atlântica e sejam peças de provável produção regional, foi
interpretada como testemunho de tal realidade. Tratam-se de peças de
Fig. 276 distribuição supre-regional, desde o Minho (bracelete de Cantonha,
Guimarães) e Trás-os-Montes (bracelete de Chaves) ao Alentejo (Estremoz).
A estas peças juntam-se outras, mais raras, como é o caso da bráctea de ouro

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© Universidade Aberta
de Sobreiral (Castelo Branco) que evidencia os cuidados dispensados aos
adereços do vestuário, somando-se, na mesma região, as contas de âmbar do
povoado da Moreirinha, Idanha-a-Nova e de pasta vítrea nos povoados de
Alegrios, Monte do Trigo e Cachouça (Vilaça, 2000). A presença de âmbar
foi igualmente verificada no castro de Senhora da Guia, Baiões: tanto as
quatro contas dali analisadas, como as três da Moreirinha mostraram
claramente provir da região do mar Báltico (Vilaça, Beck & Stout, 2002);
deste modo, são mais um elemento a ilustrar a ligação comercial do centro Fig. 269
interior do País às rotas atlânticas, no decurso do Bronze Final. O achado de
uma conta de âmbar no povoado do Bronze Final da Quinta do Percevejo
(Almada) pode indicar que era através dos grandes estuários, como o Tejo
ou o Mondego, que a penetração desses produtos exóticos e caros se fazia,
para o interior do território.

Por outro lado, a capacidade económica e organizacional das comunidades


que então ocupavam o território português, é-nos revelada através do
armazenamento e manufactura dos minérios oriundos de distintas áreas
geográficas, realidade que se afigura particularmente nítida na Estremadura.
Foi a referida capacidade que viabilizou a abertura dos mercados
mediterrâneos a produções atlânticas de carácter doméstico, como as
encontradas e/ou manufacturadas na área estremenha (sobretudo de foices
de tipo Rocanes e machados de alvado), as quais excederiam a procura local,
ou pelo menos, eram mais rentáveis se colocadas noutros mercados, de maior
dimensão. Assim se explicará, a partir de certa altura (séculos XI/X a. C.,
inícios do Bronze Final II), a extensão ao Mediterrâneo (designado por
"Período Pré-Colonial", imediato antecessor dos contactos directos por parye
de comerciantes fenícios, a partir de inícios do século IX A. C., de um
comércio que, até então, se afigurava essencialmente atlântico. Que tal
comércio se encontrava firmemente controlado pelas elites, nas quais o
segmento guerreiro deteria essencialmente um poder dissuasório – visto o
nível de conflitos armados no Bronze Final da Península Ibérica ser baixo,
quando comparado com a abundância de armas – é evidência sublinhada
pelas próprias características dos produtos obtidos por troca, já referidos,
para além de outros, que não deixaram vestígios, como a importação de tecidos
finos. As armas, cujos protótipos orientais importados seriam rapidamente
copiados localmente, como os escudos com chanfradura em V, são também
evidências das influências mediterrâneas que, mescladas às atlânticas, foram
deliberadamente adoptadas pelas elites peninsulares. Devem ainda referir-se,
a este propósito, os objectos rituais de bronze. Além dos queimadores,
salientam-se os utilizados no sofisticado ritual do banquete aristocrático, como
os ganchos para carne, espetos articulados e os próprios caldeirões de bronze,
utilizados na confecção das carnes, com inquestionáveis origens orientais, e
que M. Almagro-Gorbea não hesita em relacionar com pactos de hospitalidade
entre as elites, de inspiração sírio-palestina. Aliás, as próprias fíbulas de

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cotovelo supra-referidas teriam tal origem, com protótipos conhecidos nos
séculos XI/X a. C. da fase Va do povoado de Meggido, e peças como os
ganchos para carne, características de banquetes rituais orientais, atingiram
a Irlanda, numa expressiva afirmação da profundidade, rapidez e extensão
da difusão dos rituais e das liturgias adoptadas pelas elites nas respectivas
regiões, por mais distantes que estivessem do seu fulcro original.

É ainda o caso dos carros com rodas (de que se recolheram restos de vários
exemplares) do castro da Senhora da Guia, Baiões (S. Pedro do Sul),
considerados "votivos", mas que, na realidade, corresponderão a queimadores
de essências. Trata-se de peças de origem claramente oriental, conforme se
evidencia pela respectiva distribuição geográfica: apenas se encontram
Fig. 275 registadas três outras ocorrências, uma em Itália, as restantes em Chipre.

Como referiu R. Vilaça, em 1995, baseada em C. Renfrew, "a troca destes


bens (...) é feita num nível horizontal, isto é, entre iguais (...). Assim se pode
compreender a grande dispersão de determinados itens, essencialmente
metálicos, de feição trans-europeia e inseríveis no que Earle designou de
"estilo de elite" ou "estilo internacional". É neste contexto de intensos e
generalizados contactos comerciais – tanto por via marítima como terrestre
– e da interacção cultural deles resultante, que se verifica a introdução de
peças de ferro, como as já referidas dos povoados do Sul da Beira Interior.
A estas, no território português, devem somar-se o achado, ainda mais
ssetentrional, de uma lâmina de ferro de faca afalcatada no castro do Outeiro
dos Castelos de Beijós (Viseu), em nível datado pelo radiocarbono entre
1310 e 1009 a. C. para 95 % de probabilidade (Senna-Martinez, 2000). Tal
como os seus congéneres da Beira Baixa, este tipo de artefacto é o de
ocorrência mais frequente no Mediterrâneo Oriental, em Chipre e na Grécia,
no período de transição Bronze/Ferro, no século XIII a. C. Para uma cabal
integração cultural dos exemplares portugueses, tem interesse verificar que
a introdução do ferro na Sardenha remonta ao século XIII a. C. e é imputada
aos contactos então havidos com mercadores cipriotas: não custa, pois, aceitar
que tenham sido estes ou, mais provavelmente, os seus intermediários sardos,
nos contactos com o Ocidente, os responsáveis pela introdução das primeiras
peças de ferro na Península Ibérica, em momento imediatamente anterior à
presença fenícia.

Tratava-se, pois, de um equilíbrio que a todos interessava, alicerçado em


pactos de boa vizinhança e de solidariedades económicas, sem embargo da
existência de um clima de competitividade, corporizado pelas elites, a quem
competia o estabelecimento e manutenção dos aludidos pactos. Com efeito,
se, como atrás foi dito, a existência de jóias de ouro reflecte o funcionamento
das vias comerciais através de pactos, dos quais aqueles poderiam ser
entendidos como moeda de troca entre as elites, garantindo a estabilidade e

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© Universidade Aberta
coesão sociais inter-grupos, por outro lado, não podem deixar de reflectir
uma sociedade competitiva e potencialmente violenta; as jóias seriam, pois
"o suporte e um dos recursos a que as elites recorreram para se afirmar,
legitimarem e sobreviverem" (Vilaça, 2000, p. 35).

A generalização do povoamento de altura verificado em todo o território ainda


nos finais do II milénio a. C., como indicam as datações absolutas disponíveis
para os Castros de S. Romão (Seia), Santa Luzia (Viseu) e Senhora da Guia
(Baiões, S. Pedro do Sul), todos eles ainda provavelmente ocupados no
decurso do século VIII a. C., é outra expressão do clima social então vigente,
e que se poderia considerar de competição controlada por regras sociais aceites
por todas as partes. Ter-se-ia verificado então, nesta 2.a fase do Bronze Final,
abarcando os séculos X a VIII a. C., a intensificação do comércio transregional,
sobretudo do estanho, para o sul, o que terá conduzido à emergência de locais
centrais como os referidos, onde se coordenaria aquela actividade, de que o
último dos castros referidos é expressivo exemplo. A pujança económica
destes povoados, resultaria, sobretudo, da actividade mineira, e da decorrente
das mais valias retiradas do controle das vias comerciais supra-regionais e
da produção daquelas matérias-primas, muito mais do que do sucesso da
economia agro-pastoril, cuja importância seria diminuta, provendo apenas
às necessidades locais de subsistência, mesmo nas zonas de solos mais férteis.
A recolecção continuaria a desempenhar papel importante, designadamente,
a torrefacção da bolota, cuja importância na panificação foi registada, entre
os Lusitanos, por Estrabão. Cultivava-se, por certo em campos adjacentes
aos povoados, a fava, o trigo e a cevada, e a ervilha, cujos restos foram
identificados no castro da Senhora da Guia, Baiões (Silva, 1986).

A escassez de faunas pode reportar-se à agressividade química dos solos,


que não permitiu a respectiva conservação. Caso excepcional foi a
identificação de bovinos, ovinos e caprinos, presentes desde o Bronze Pleno
na região (Cardoso, Senna-Martinez & Valera, 1995) no Buraco da Moura
de S. Romão, Seia, também identificados nos povoados do Sul da Beira
Interior (Vilaça, 1995). Podemos, assim, concluir, que, durante o Bronze
Final, em toda a região centro e norte do País, despontaram povoados de
altura, a partir dos quais se controlavam os territórios e os caminhos, por
onde circulavam os mais diversos bens, com destaque para os metais,
manufacturados ou em bruto.Tais locais tinham em comum a sua visibilidade,
como que a simbolizar a efectiva territorialização das comunidades do Bronze
Final, sendo frequentemente intervisíveis e constituindo, deste modo,
verdadeiros marcos visuais referenciais e simbólicos: eram, em suma, peças
de um todo harmónico, de "uma paisagem social construída, percepcionada
e significante", como R. Vilaça (2000, p. 34) a considerou, referindo-se à
realidade por si estudada da Beira Interior.

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© Universidade Aberta
18.1.2 Necrópoles e rituais

No centro interior do País, documentou-se a prática de tumulações em fossas


ou pequenas cistas, cobertas por tumuli baixos e de pequeno tamanho, em
Casinha Derribada, Viseu (Cruz, Gomes & Carvalho, 1998). O intervalo
cronológico obtido, correspondente a cerca de 95 % de probabilidade,
1400-1150 a. C., situa esta necrópole entre o final do Bronze Médio e o
Fig. 279 Bronze Final I: de facto, a tipologia dos recipientes exumados tem afinidades
com exemplares do Bronze Final. Parece evidenciar-se um certo polimorfismo
das sepulturas (algumas podendo ser apenas fossas rituais) denunciando
práticas religiosas complexas e diversificadas, onde poderiam coexistir
inumações e incinerações. A respectiva população dispersava-se por casais
agrícolas, talvez antecedentes da emergência dos povoados de altura da região,
como os atrás referidos.

A falta de visibilidade no terreno destas necrópoles impediu, até época recente, a


sua identificação e escavação, com excepção da necrópole de Paranho (Viseu)
explorada na década de 1920 por José Coelho (Coelho, 1925). Trata-se de recinto
circular delimitado por pedras fincadas de pequena altura, correspondendo a espaço
onde se implantaram seis cistas, pequenas e rectangulares, no interior das quais se
conservavam ossos humanos previamente cremados, por vezes recolhidos em urnas.
Datação radiocarbónica recentemente obtida indica os séculos XII-XI a. C. (Cruz,
1999), sendo portanto mais moderna que a de Casinha Derribada, integrando-se já
no Bronze Final. É provável que esta necrópole, de carácter marcadamente familiar,
evocando neste particular, os núcleos funerários das necrópoles do Bronze do
Sudoeste, se encontrasse, como aqueles, relacionada com um casal agrícola ou
pequeno povoado do Bronze Final existente nas proximidades. Outra necrópole do
Bronze Final da área de Viseu é a de Fonte da Malga, correspondente a um conjunto
de tumuli baixos, constituídos por enrocamentos de planta circular, cobrindo cistas
Fig. 280 sub-rectangulares de pequenas dimensões (Kalb & Höck, 1979).

Da mesma forma se deve interpretar a necrópole da Senhora da Ouvida (Castro


Daire) ocupando, como as anteriores, plataforma elevada, de topografia
regular, cujos monumentos são evidenciados por acumulações de blocos de
contorno circular, por vezes bem delimitados, que aparentemente não cobrem
quaisquer estruturas arqueologicamente definíveis (Cruz & Vilaça, 1999).
Tal facto evidencia bem a complexidade dos rituais (funerários ou não) do
Bronze Final da Beira Alta e a dificuldade de reconstituir a finalidade e
funcionalidade de alguns de tais monumentos, de inesperada diversidade, só
detectável por via de uma análise mais profunda.

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© Universidade Aberta
Mais recentemente, foi publicada outra necrópole do mesmo tipo (Santos &
Aveleira, 2001); trata-se da necrópole do Caramelo, Tondela, constituída por vários
tumuli baixos, do Bronze Final, dos quais dois possuem no interior pequenas cistas
sub-quadrangulares. O facto de os restantes não possuírem estruturas internas, não
inviabiliza, por si só, finalidade funerária, reforçando, tal como os exemplos
anteriores, o assinalável polimorfismo de tais manifestações.

A necrópole do Pousadão, uma das várias identificadas em Pendilhe (Viseu),


inscreve-se, também, do ponto de vista tipológico, no grupo descrito. Ocupa
plataforma regular do alto vale do Paiva e é constituída por quatro tumuli de planta
aproximadamente circular, muito baixos, distanciados de 16 m a 26 m entre si, não
ultrapassando os 60 m a distância entre os monumentos mais periféricos. Alguns
destes monumentos possuíam, na parte central, pequenas câmaras cistóides; outros,
mais simples, eram apenas constituídos por fossas abertas no substrato. Os escassos
materiais cerâmicos são susceptíveis de se integrarem no Bronze Pleno ou Bronze
Final (Cruz et al., 2000).

Mais para ocidente, no maciço da Gralheira, foram identificados cerca de


quarenta tumuli não megalíticos, frequentemente agrupados em conjuntos
de seis, sete ou mesmo oito túmulos, constituindo deste modo o prolon-
gamento das ocorrências acabadas de descrever. Infelizmente, tão grande
riqueza arqueológica não tem sido acompanhada das correspondentes
publicações, conhecendo-se apenas relatos preliminares e muito parciais dos
trabalhos efectuados (Silva, 1997). Nalguns casos, parece verificar-se situação
idêntica à da serra da Aboboreira, com a existência de tumuli não megalíticos
nas imediações de monumentos megalíticos mais antigos. Seja como for, a
distribuição no terreno é pouco padronizada, embora se tenha dado preferência
a zonas abertas, que eram, também, as áreas mais propícias para o pastoreio.

Do conjunto das quatro dezenas de monumentos inventariados, todos


correspondentes a tumuli baixos, que jamais ultrapassam 1 m de altura, apenas
quatro foram escavados. Desta forma, foi possível identificar as estruturas
subjacentes, as quais evidenciaram dois tipos principais, à semelhança das
necrópoles antes referidas: as cistas, constituídas por pequenas lajes, representadas
pela mamoa de Laceiras do Côvo 2 e pela mamoa de Monte Calvo 1; e as estruturas
em fossa, escavadas no substrato xistoso, representadas pelas mamoa do Cando e Fig. 281
de Monte Calvo 2; deste modo, verifica-se que, numa mesma necrópole, foram
diversas as soluções arquitectónicas encontradas, tal como se verificou em outros
casos, exemplarmente ilustrados em Senhora da Ouvida. Os espólios funerários
são quase exclusivamente representados por urnas cerâmicas; ao nível de
representações simbólicas, merece destaque o duplo podomorfo gravado em laje

493
© Universidade Aberta
que fazia parte integrante do tumulus de Monte Calvo 1, compatível com numerosos
exemplos da arte rupestre do norte do País, também da Idade do Bronze; esta
ocorrência vem, deste modo, juntar-se à lage insculturada com motivo reticulado
servindo de tampa a uma das fossas da necrópole de tumuli de Casinha Derribada,
Viseu (Cruz, Gomes & Carvalho, 1998).

Estas como outras necrópoles da Beira Alta, têm correspondência em diversos


povoados coevos, ainda muito mal conhecidos, certamente por falta de
aturados trabalhos de campo: é exemplo o povoado de altura do Bronze Final
de Canedotes (Vila Nova de Paiva), ocupado duradouramente no decurso do
primeiro quartel do I milénio a. C., conforme indicam as datações de
radiocarbono publicadas (Canha, Valério & Araújo, 2007). As análises
polínicas dos depósitos correspondentes a esta ocupação revelaram notório
impacto das actividades humanas no meio natural envolvente, conotáveis
não só com o pastoreio e a agricultura, mas também com a actividade
metalúrgica efectuada no local, identificada pelos referidos autores. Era, então,
frequente, a prática de queimadas, o que conduziu à degradação do solo por
erosão; ao mesmo tempo, assistia-se à regressão dos bosques de azinheiras e
carrascos, a par da recuperação dos sobreiros, amieiros e zimbros. Enfim, a
abundância de grãos de cereais, relacionam-se com os campos agricultuados,
que se situavam muito próximo do local habitado.

A prática da cremação encontra-se também documentada mais a sul, no Monte


de São Domingos (Malpica do Tejo, Castelo Branco). Ali foram escavadas
duas estruturas circulares, atribuíveis a fundos de cabana, no interior de uma
Fig. 282 das quais se encontrou, sob um empedrado de blocos de quartzo – rocha que
também cobria os tumuli da Casinha Derribada – um grande vaso
reaproveitado como urna, contendo restos humanos previamente cremados
(Cardoso, Caninas & Henriques, 1998).
Fig. 283
Pelos exemplos referidos, pode concluir-se que a prática da cremação, neste
último caso com deposição no subsolo da área habitada, a lembrar os túmulos
domésticos castrejos, embora estes sejam mais modernos, se praticou no
Centro/Interior de Portugal no decurso no Bronze Final.

Fig. 284 Esta realidade que, articulada com os campos de urnas de Alpiarça adiante
referidos, permite, como bem notou D. Cruz, admitir uma progressão conti-
nental até ao ocidente peninsular, dos "Campos de Urnas" catalães dos finais
da Idade do Bronze. Tal possibilidade transparece, na mesma época, nas
fossas funerárias de cremação individual do Noroeste (Minho e Galiza),
Fig. 285 contendo vasos de forma peculiar, de largo bordo horizontal. Um dos
contextos habitacionais em que tais recipientes ocorreram em abundância,
associados, na última fase, a cerâmicas do "tipo Baiões" foi o da Bouça do

494
© Universidade Aberta
Frade (Baiões), onde foram datados pelo radiocarbono entre o século XVIII
e finais do século IX a. C.; no povoado de Sola, Braga (Bettencourt, 2000),
tais vasos remontam à época mais recuada da Bouça do Frade, visto situarem-
se, também pelo radiocarbono, no segundo quartel do II milénio a. C.
(Bettencourt, 1997).

Datação do Bronze Final (inícios) é a atribuída à necrópole de sepulturas de


inumação cistóides de Agra de Antas (S. Paio de Antas, Esposende), onde
restos humanos em decubito dorsal, de uma das inumações, foram datados,
para cerca de 95% de probabilidade, entre 1319 e 1029 a. C. (Cruz &
Gonçalves, 1998/1999). A média ponderada de várias outras datações deu o
resultado de 1400-1120 a. C., para o mesmo intervalo de probabilidade
(Bettencourt, 2003). Tratava-se de uma necrópole constituída pelo menos
por doze sepulturas individuais de planta alongada, definidas por esteios Fig. 286
fincados verticalmente no terreno, cuidadosamente cobertas por tampas de
xisto (Ataíde & Teixeira, 1940), cada uma das quais continha um ou mais
vasos decorados de largo bordo horizontal, característicos do Bronze Pleno/
Bronze Final do Noroeste peninsular.

De facto, a presença destes vasos de forma característica, ocorre em necrópoles


minhotas tanto de inumação, como a supra referida, como de cremação em
fossas cavadas no saibro, representadas, entre outras, pelas necrópoles de
Caldelas e de S. Cláudio do Barco.

Para a sepultura de inumação de indivíduo juvenil (entre 15 e 17,5 anos)


encontrada em Vale Ferreiro, Fafe (Bettencourt, Lemos & Araújo, 2002), de
planta cistóide, obteve-se intervalo calibrado, para cerca de 95% de
probabilidade, de 2150-1870 a. C. (Bettencourt, 2003), o que mostra que, no
Bronze Pleno, se continuava a praticar a inumação em pequenas cistas. A
existência de monumentos baixos, sob "cairns", construídos na adjacência
de megálitos neolíticos, na serra da Aboboreira, como Outeiro de Gregos 1 e
Meninas do Crasto 4, confirmam essa realidade, da transição do Calcolítico
para a Idade do Bronze regional, sendo interessante verificar, como já o fez
S. O. Jorge, que se escolheram os mesmos espaços que os seus antecessores
neolíticos, embora aparentemente a eles subordinados.

A cronologia radiocarbónica obtida para as duas estruturas funerárias referidas


– respectivamente 2140-1870 a. C. e 2360-2130 a. C., ambas para cerca de
95 % de probabilidade – confirmam a sua pertença aos últimos momentos
do Calcolítico, transição para a Idade do Bronze, onde ainda se utilizava a
inumação como forma provavelmente exclusiva de tumulação.

Em conclusão do que se disse, as datações disponíveis, demonstram a


coexistência, na região de Entre-Douro-e-Minho, entre cerca de 1400/1450
e 900/800 a. C., de diversas fórmulas funerárias, uma de tradição regional

495
© Universidade Aberta
anterior, desde o final do Calcolítico/inícios da Idade do Bronze (inumação
em sepulturas ou em cistas planas), outra introduzida no decurso da Idade do
Bronze (cremação em pequenas cistas, ou em fossas abertas no saibro).

A introdução da prática da cremação, no vale do Cávado, foi interpretada como


um importante sinal de mudança cultural do Bronze Final, substituindo, na região,
as pequenas cistas de inumação rectangulares, desprovidas de tumulus. É
interessante salientar que este novo modo de tumulação aparece, tal como no Monte
de São Domingos, dentro das áreas habitadas: é o caso da cista encontrada no
povoado de Santinha I, Amares (Bettencourt, 1995, 2001) ou dos grandes recipientes
utilizados como urnas cinerárias encontradas em Granjinhos; como assinalou A.
Bettencourt, a prática de tumular dentro das áreas habitadas pode, mesmo, ser
anterior ao Bronze Final, como é indicado pela existência de pequenas estruturas
cistóides, sem tumuli, como as encontradas no povoado de Sola II b (Braga), uma
delas datada pelo radiocarbono entre 1690 – 1520 a. C., para um intervalo de
confiança de 95% (Bettencourt, 2003).

A mesma autora detectou, no povoado de Santinha, Amares, outra estrutura cistóide


idêntica, também de pequenas dimensões, mas mais moderna: a camada onde se
inseria foi datada entre 1010 e 810 a. C., para um intervalo de confiança de cerca
de 95%. As pequenas dimensões de ambas as estruturas, respectivamente de 52
por 64 cm e de 40 por 50 cm afastam a hipótese de inumação; apenas a menor
continha um pequeno vaso, e alguns carvões dispersos, que apoiam a hipótese de
se tratar de uma sepultura de incineração.
Esta realidade tem paralelo na cista da Idade do Bronze do povoado de Senhora de
Lurdes, S. João da Pesqueira, ilustrando a mesma prática na Beira Alta (Caralho &
Gomes, 2002/2003), cuja cronologia é inserível no Bronze Pleno.

Em síntese, verifica-se assinalável polimorfismo nas sepulturas do Bronze


Pleno e Final no centro interior e no norte do actual território português; as
pequenas estruturas cistóides, do Bronze Pleno, com prolongamento pelo
Bronze Final, teriam coexistido com sepulturas de inumação alongadas,
forradas e tapadas popr lajes, escavadas no substrato geológico (ex: Agra de
Antas), e com sepulturas simples (de inumação?) em fossas abertas no saibro
(ex: Tapado da Caldeira) e de incineração; entretanto, procedia-se à construção
dos últimos monumentos de tradição megalítica, na serra da Aboboreira,
como Outeiro de Gregos 1 ou Meninas do Crasto 4, a par da reutilização de
dólmenes; ao mesmo tempo, a prática da incineração parece insinuar-se na
região desde o Bronze Pleno, ilustrada pelas fossas de planta subcircular de
Caldelas, com mais de 1 metro de profundidade, com vasos de largo bordo
horizontal (Cardoso, 1930). Como bem salienta A. Bettencourt, esta imagem

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© Universidade Aberta
contradiz o mito da ausência de sepulturas do Bronze Pleno e do Bronze
Final, aliás flagrantemente desmentido pela importância das descobertas
acima referidas. Não se esqueça que as explorações de José Coelho, na
necrópole do Paranho, Viseu (Coelho, 1925), demonstravam, de há muito,
exactamente o contrário.

A existência de regionalismos não é incompatível com afinidades a outras


áreas geográficas, além da atlântica e da mediterrânea: na necrópole
provavelmente de inumação do Tapado da Caldeira (Baião) (Jorge, 1980)
adjacente ao já referido povoado de Bouça do Frade (Jorge, 1988), cada uma
das quatro fossas abertas no saibro continha um recipiente, destacando-se,
numa delas, uma taça com decoração "boquique" (Jorge, 1980), que revela,
por si só, relações com a Meseta Norte; tais cerâmicas também ocorrem no Fig. 287
povoado correspondente, reforçando a relação existente entre ambas as
estações. A média ponderada de datas radiocarbónicas obtidas neste último,
deu o resultado de 1630 – 1420 a. C., para 95% de probabilidade (Bettencourt,
2003), confirmando, deste modo, cronologia integrável no Bronze Pleno.

A prática da inumação terá persistido no Bronze Final da região em apreço,


como sugere a descoberta, dentro do espaço habitado do Crasto de Palheiros,
Murça, de um enterramento (Sanches & Augusto, 1999). Trata-se de
sepulturas individuais, que não são sequer marcadas por tumuli, indicando
que o abandono da prática da tumulação colectiva já então se tinha verificado.

18.2 Estremadura e Ribatejo

18.2.1 Povoamento, actividades económicas e organização social

O registo arqueológico continua a presente logo no início do século XIV a. C.,


correspondendo aos primórdios do Bronze Final I, fase cultural que se
prolonga até ao século XII a. C., ou inícios do seguinte, na região em causa.
Com efeito, mercê das condições naturais antes aludidas, com destaque para
a alta aptidão agrícola dos solos que se desenvolvem de Loures a Cascais e,
na margem Sul, de Cacilhas a Trafaria (embora nesta última região os solos
sejam menos propícios), assistiu-se à multiplicação de núcleos de carácter
familiar, ou pequenos povoados abertos, dedicados à exploração agro-pastoril
intensiva e extensiva, ao longo de todo o ano, como já se verificava, embora
de forma menos acentuada, no final do Calcolítico/Bronze Inicial,
correspondente ao dito horizonte.

497
© Universidade Aberta
Até o presente, o sítio melhor conhecido é o povoado da Tapada da Ajuda, Lisboa.
Implantava-se em encosta de declive suave, entre 100 e 115 m de altitude, voltado
a Sul, para o estuário do Tejo, que se descortina do local, e na imediação de linha
de água, que nele desaguava. A comunidade ali sedeada, habitando casas de
embasamento de alvenaria irregular, constituída, por blocos basálticos, de planta
elipsoidal – com antecedentes locais, representados pelas cabanas campaniformes
de Leceia – dedicava-se à criação de animais domésticos (ovinos, bovinos e suinos),
à recolecção intensa de moluscos e à pesca, no estuário adjacente, excepcionalmente
à caça do veado (Cardoso et al., 1986; Cardoso, 1995). Porém, a actividade
económica mais importante era a produção cerealífera, expressivamente
documentada pelas centenas de elementos denticulados de foices, sobre lascas de
sílex, destinadas a serem montadas em cabos de madeira, também abundantes
noutros povoados da região como o do Alto das Cabeças, Leião, Oeiras (Cardoso
& Cardoso, 1996).

O volume potencial das produções (talvez sobretudo de trigo) ultrapassaria


largamente as necessidades de consumo desta pequena comunidade, fixada
na Tapada da Ajuda, entre inícios do século XIV e finais do século XII a. C.,
segundo a análise estatística das cinco datas de radiocarbono obtidas. Deste
modo, o laborioso, sedentário e pacífico desta pequena comunidade, como
por certo de muitas outras inventariadas nesta região (Marques & Andrade,
1974), só poderá ser cabalmente compreendido se integrado numa estrutura
socioeconómica organizada à escala regional, articulada em núcleos
demográficos mais importantes, a partir dos quais se procedia à administração
de territórios bem definidos e delimitados: em um destes se integraria a Tapada
da Ajuda, embora não se possa indicar nenhum em particular. E este modelo
de exploração intensiva da terra prolongou-se até fase tardia do Bronze Final,
como nos é indicado pelas datas de radiocarbono obtidas no casal agrícola
da Quinta do Percevejo, Almada, sugerindo ocupação nos séculos XI/X a. C.
(Barros, 2000), compatível com a presença de um grande vaso de colo
cilindróide, decorado no bojo por ornatos brunidos (Barros & Espírito Santo,
1991). Haveria, deste modo, uma estrutura de poder político emergente, no
seio de cada conjunto de casais agrícolas ou pequenos povoados, unidos
certamente por laços de parentesco. Assim sendo, a afirmação de povoados
de altura na região, no decurso do Bronze Final, na região em estudo –
fenómeno também observado noutras regiões – é indissociável da existência
de centros de poder económico-político. Assim se explicaria a emergência
de elites, ali implantadas, cuja presença se afigura por vezes necessária para
a explicação da gestão interna dos centros demográficos de maiores
dimensões, como alguns do Alto e do Baixo Alentejo (Alarcão, 1996). Aliás,
relembre-se que a presença de elementos com uma posição social privilegiada

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© Universidade Aberta
e distinta no seio da comunidade, ocupando o Monte do Frade (Penamacor),
entre os séculos XII/XI e IX a. C., foi recentemente admitida, na sequência
da reinterpretação do sítio.

Na área em estudo, existem alguns locais com estas características,


correspondendo a diversas elevações isoladas na paisagem, cuja ocupação é
cronologicamente comparável à daquele povoado (apesar de não se disporem
de quaisquer elementos cronométricos): para além da colina de Lisboa, já
Fig. 263
referida, salientam-se os povoados do Penedo de Lexim, Mafra (Kalb, 1980
b), que anteriormente conheceu uma importante ocupação calcolítica; do
Cabeço de Moinhos, Mafra (Vicente & Andrade, 1971); da Ota, Alenquer
(Barbosa, 1956); do Castelo dos Mouros, Sintra (Cardoso, 1997/1998 b); do
Cabeço do Mouro, Cascais (Cardoso, 1991) e do Monte da Pena, Torres
Vedras (Madeira, et al., 1972; Spindler, 1981). Pelo menos em cinco deles Fig. 264
foram recolhidos fragmentos de cerâmicas finas, com ornatos brunidos, os
quais, para além de se poderem associar ao quotidiano das elites, configuram
a etapa mais tardia do Bronze Final regional, situável entre os séculos XI/X
e VIII a. C. (Bronze Final II), compatível com a cronologia dos povoados de
altura do Bronze Final da Beira Interior, onde também se recolheram
fragmentos de tais cerâmicas. Com efeito, na Tapada da Ajuda, o único
povoado datado do Bronze Final I, não se recolheu qualquer fragmento destas
Fig. 265
cerâmicas, apesar dos milhares de elementos compulsados. Contudo, sendo
produções finas, é lícito fazer corresponder o seu uso a elites, justamente as
sedeadas nos povoados de altura onde ocorrem. A apoiar esta interpretação,
pode invocar-se o resultado da escavação realizada na encosta nascente do
Cabeço do Mouro, Cascais; enquanto que, no povoado implantado no topo
da elevação, se recolheram fragmentos de tais produções, em unidade
agro-pastoril implantada no sopé do povoado não forneceu nenhum destes
fragmentos, apesar de a cronologia ser compatível com o Bronze Final II,
entre 972 e 798 a. C., para um intervalo de confiança de cerca de 95%, de
acordo com o resultado de uma análise de radiocarbono sobre ossos de animais
recolhidos no interior de um silo (Cardoso, 2006).

As cerâmicas de ornatos brunidos do Bronze Final II do grupo estremenho, também


designado por tipo "Alpiarça" ou "Lapa do Fumo", integram formas abertas e
fechadas, já inventariadas por diversos autores (Marques, 1972; Kalb & Hock,
1985); quando ostentam decorações, estas são sempre na parede externa dos
recipientes, correspondendo a motivos reticulados obtidos pelo deslizamento de
uma ponta romba, na superfície seca dos exterior dos vasos, antes da cozedura,
conferindo-lhes aspecto acetinado. A sua distribuição estende-se para o interior,
ao longo do Tejo e afluentes da margem direita, até à região de Sabugal, sendo em
parte coevas de um grupo alentejano, recentemente considerado e do grupo da

499
© Universidade Aberta
Andaluzia, de há muito conhecido, este último com sobrevivência na Idade do
Ferro (Gamito, 1990/1992; Correia, 1998). Com uma ou outra destas regiões terá
havido contactos, como sugere pequena taça carenada com decoração interior, da
Quinta do Marcelo, Almada (Barros, 1998, p. 31), já que, nos dois referidos grupos,
são frequentes as decorações no interior dos recipinetes, ao contrário do verificado
na Estremadura.

A distribuição das cerâmicas estremenhas de ornatos brunidos, ao longo da


bacia hidrográfica do Tejo português pode conotar-se com a rota do estanho,
desde as Beiras, até à Estremadura, do mesmo modo que o cobre aqui afluía,
oriundo dos chapéus de ferro da faixa piritosa e de numerosos jazigos
disseminados do Alto Alentejo. O exemplo mais expressivo desta realidade
dual, é a presença de molde de arenito para fundição de foices de talão,
achado em Rocanes, Sintra, topónimo na origem da designação de foices
Fig. 266 "tipo Rocanes", Coffyn (1985) inventariou na Península Ibérica 21 exemplares
(ou 23, na actualização de Silva, 1986, a que se soma pelo menos um outro,
do povoado do Castelejo, Sabugal, cf. Vilaça, 1995), todos oriundos do centro
e sul do País, com apenas duas excepções a Norte do Douro, cuja produção
local é indicada pelo molde encontrado no castro de Álvora (Silva, 1986,
Est. V). À região em apreço, correspondem três exemplares, para além do
molde referido, todos da península de Setúbal, de cada um dos seguintes
sítios: Pedreiras e Calhariz, Sesimbra; e Fonte da Rotura, Setúbal.

O abastecimento da Baixa Estremadura, tanto em estanho como em cobre,


viabilizou, igualmente, a produção de outros artefactos de bronze, também
de cunho marcadamente regional, como os machados de alvado e dois anéis
e os machados de talão unifaces, no decurso do Bronze Final II. Os exemplares
concentram-se, efectivamente, na Estremadura, segundo a distribuição
apresentada por COFFYN (1985).

No concernente à Baixa Estremadura, o autor regista ocorrências em cada um dos


seguintes sítios: Abrigada e castro da Ota, ambos do concelho de Alenquer; gruta
Fig. 267 sepulcral da Cova da Moura, Torres Vedras; Sobral de Monte Agraço, Arruda dos
Vinhos; Cabeço de Moinhos, Mafra; Leceia, Oeiras; Lisboa; de Alfarim, Sesimbra,
provêm dois exemplares, um deles desprovido de anéis laterais e, ainda, um de
Pedreiras, também no concelho de Sesimbra. A esta série, deverá adicionar-se um
machado de alvado e dois anéis, do povoado de Penedo de Lexim, Mafra, o que
perfaz um total de onze exemplares. Em comparação, os machados unifaces de
talão, munidos de um anel lateral, característicos da fachada atlântica estremenha,
com penetração para o interior, ao longo do Tejo (Coffyn, 1985), são muito mais

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© Universidade Aberta
escassos, visto apenas existirem referências a dois, referidos pelos três autores
que, sucessivamente apresentaram inventários relativos a tais peças: Monteagudo,
1977; Kalb, 1980 b; e Coffyn, 1985: trata-se das peças do povoado de altura de
Cabeço de Moinhos, Mafra e de Monte Sereno, Sintra, pequena gruta existente na
encosta de um povoado coevo (Pereira, 1957).
Estendendo a análise da distribuição espacial dos machados de alvado e dois anéis
a um âmbito geográfico mais vasto, ter-se-á de referir, entre outros, o exemplar de
Reguengo do Fetal, Batalha, que ilustra a progressão deste tipo de produção pela
Beira Litoral. No conjunto, encontram-se inventariados cerca de 50 exemplares na
fachada atlântica peninsular, (Ruivo, 1993) concentrados especialmente entre o
Sado e o Mondego.
A hipótese de uma maior modernidade deste tipo face aos machados de talão,
defendida por Coffyn (1985, pag. 193) não foi partilhada, no concernente ao
território português por P. Kalb, argumentando que a distribuição geográfica é
distinta (argumento apenas válido para os machados de talão bifaciais de um ou
dois anéis, não para os de face plana), bem como por ser muito diferente o peso
dos dois tipos de machados, o que configuraria utilizações distintas. A estes dois
argumentos, pode juntar-se um terceiro, que é o de ocorrerem em conjuntos fechados,
por vezes os dois tipos de artefactos: é o caso do depósito de Coles de Samuel, Soure
(Pereira, 1971).

O mapa de distribuição de A. Coffyn (1985), relativo aos três grupos arte-


factuais referidos, mostra que a única área em que coexistem é a Estremadura.
Fossem de fabrico estremenho, apenas provado no caso das foices de tipo
Rocanes – relembre-se que até hoje não se encontrou nenhum molde do item
mais comum dos referidos, o machado de alvado com duas argolas, em
território português – ou não, a presença destes três conjuntos de artefactos
de produção dispendiosa – foices de tipo Rocanes, machados unifaces de
talão e machados de alvado – revela a capacidade económica atingida no
Bronze Final II pelas populações da Baixa Estremadura. Tais peças,
destinavam-se tanto para utilização local – só então as foices de sílex e madeira
teriam sido substituídas por equivalentes metálicos – como, sobretudo, para
exportação, por via marítima. A Estremadura comportar-se-ia, então, como
"placa giratória" deste comércio transregional. Sem recursos naturais que
justificassem a emergência das elites por um processo de acumulação de
riqueza – não se crê que os aludidos potenciais agrícolas fossem suficientes
para tal – a sua génese e florescimento só poderá ser eficazmente explicada
pela própria metalurgia do bronze e consequente comercialização dos produtos
manufacturados, ou das respectivas matérias-primas (Kalb, 1980a). Estas,
circulariam sob a forma de lingotes, provavelmente produzidos à boca da
mina, como já se observava no Calcolítico, com o cobre (Cardoso &

501
© Universidade Aberta
Fernandes, 1995; Cardoso, 1997). Assim sendo, os elementos detentores do
poder na região, actuariam como intermediários no comércio e circulação de
tais bens, arrecadando as mais-valias correspondentes.

No quadro das solidariedades comerciais atlanto-mediterrâneas então


estabelecidas, a importância da Baixa Estremadura decorre, pois, da sua
excepcional posição geográfica, servida por excelentes ancoradouros, a
começar pelos existentes na zona vestibular dos estuários do Tejo e do
Sado. Assim se explicam as numerosas peças importadas ou copiadas
localmente, encontradas em sítios do Mediterrâneo Central (Itália, Sardenha
e Sicília), inventariados por Lo Schiavo (1991), donde se destaca o célebre e
já atrás referido depósito do Monte Sa Idda, Cagliari (Sardenha), contendo,
entre outros, os três tipos referidos (Taramelli, 1921). Esta ocorrência já tinha
sido valorizada no trabalho pioneiro de R. de Serpa Pinto (Pinto, 1933),
como importante marco do comércio peninsular do Bronze Final.

Segundo Lo Schiavo (1991), trata-se de um conjunto essencialmente dos


séculos X e IX a. C., época a que pertencem as aludidas peças de modelo
peninsular e, mais concretamente, estremenho.

Outro item que acusa produção peninsular ocidental é o "tranchet", também


representado no depósito do Monte Sa Idda, por um fragmento (Taramelli, 1921,
Fig. 77), considerado de tipo "português" (Lo Schiavo, 1991). Trata-se de raro tipo
artefactual, representado no território português por sete exemplares: castro da
Senhora da Guia, Baiões, 2 ex. (Kalb, 1978; Coffyn, 1985; SILVA, 1986); Monte
do Frade, Penamacor, 1 ex. (Vilaça, 1995); Castelo Velho do Caratão, Mação, 1 ex.
(Coffyn, 1985); castelo de Arraiolos, 1 ex. (Carreira, 1994, Fig. 11, 3); Quinta do
Marcelo, Almada (Barros, 2000); e Tapada das Argolas, Fundão (Vilaça et al.,
2002/2003).

As armas, particularmente usadas pelo segmento guerreiro, cuja presença se


afigurava essencial à manutenção das regras de convivência estabelecidas, são
escassas na Baixa Estremadura. Os inventários supra-referidos assinalam apenas
três punhais de rebites na lingueta do tipo "Porto de Mós". Trata-se, como as peças
anteriores, de produção de cunho regional, cuja distribuição se centra na
Estremadura e Beiras. Na Baixa Estremadura, ocorrem no Cabeço do Jardo, Torres
Vedras; no Moinho do Raposo, Alenquer; e na Lapa do Fumo, Sesimbra (Coffyn,
1985). Encontra-se, igualmente, presente no depósito sardo de Santadi (Lo Schiavo,
1991).
Reportam-se à área em estudo três pontas de lança de alvado, oriundas do Penedo
de Lexim, Mafra, 1 ex. (Sousa, 2000), sendo as duas restantes do castro da Ota,
Alenquer (Barbosa, 1956). Uma destas, inscreve-se claramente no tipo Vénat
(Coffyn, 1985), comum no litoral setentrional da Península e na Aquitânia, sendo

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© Universidade Aberta
a outra do tipo de aletas convexas alargadas na base, com pelo menos um paralelo
português, em Portelas, Lagos (Cardoso, Guerra & Gil, 1992).

É significativo que as armas tenham distribuição análoga às peças anteriores


(machados de talão ou de alvado, foices, visto provirem essencialmente de
povoados de altura, a par de sítios de índole funerária ou ritual, como as
grutas, adiante tratadas.

Aos argumentos que explicam o sucesso económico das populações do Bronze


Final II da região em causa, podem juntar-se a exploração de produtos de
alta valia, potencialmente disponíveis na zona do estuário do Tejo: trata-se
do sal, cuja exploração no Bronze Final não se encontra demonstrada, mas
que seria provável, à semelhança do verificado no Sudeste, nas minas de sal
da região de Alicante e na Galiza (Mederos Martin, 1999) e do ouro,
provavelmente já explorado perto do Miradouro dos Capuchos, Caparica no
final do Calcolítico (Bübner, 1976). Mais tarde, o sítio da Quinta do Marcelo,
Almada, datado pelo radiocarbono nos séculos XI/X a. C. (bolsa 1) e IX a. C.
(bolsa 2), foi também atribuído a acampamento sazonal especia-lizado no
garimpo das areias auríferas do Tejo (Barros, 2000). Ali se recolheu o que
poderá ser uma copela e pilões de pedra, para o esmagamento do minério;
também em abono desta actividade no local, a análise química revelou
resíduos de ouro e de mercúrio no fundo de uma taça. A exploração do ouro
aluvial era também possível na Trafaria e no litoral oceânico adjacente, na
Adiça, tal como na margem norte do estuário, junto a São Julião da Barra:
nestes dois últimos locais foi intensamente explorado no primeiro quartel do
século XIX a. C., sendo mesmo conhecidas as quantidades obtidas (Eschwege,
1830). Com este ou outro ouro se faziam as jóias auríferas, outro indicador
da presença de elites no fim do Bronze Final na Baixa Estremadura.

O exemplo mais notável é o colar do Casal de Santo Amaro, encontrado cerca de


2 km a Norte da vila de Sintra, no sopé da serra do mesmo nome (Pereira, 1894;
Vasconcellos, 1896). Segundo este autor, encontrou em sepultura de inumação,
aproveitando espaço formado por duas bancadas de calcário, coberta por lages
irregulares. A sua tipologia é única, agregando três elementos que, vistos
isoladamente, poderão assimilar-se a colares simples maciços de ouro fundido, de
secção circular, decorados por motivos geométricos a punção, rematados de cada
lado por duas campânulas rebitadas. Neste âmbito, possui paralelo nos colares de
Baiões (S. Pedro do Sul) e em vários achados da Estremadura Espanhola ("tipo
Baiões" ou "Sagrajas/Berzocana"). As extremidades dos três elementos referidos
foram soldadas por fusão adicional, enquanto o fecho foi considerado como tendo

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sido feito a partir de um bracelete do tipo Villena/Estremoz (Armbruster, 1995).
Ambos os tipos são considerados de tipologia atlântica, mais marcada no caso dos
colares do tipo Sagrajas/Berzocana, enquanto as quatro campânulas fixadas por
rebitagem ao aro central, são comparáveis aos terminais dos braceletes de Torre
Vã (Ourique), cuja filiação mediterrânea é evidente (Armbruster & Parreira, 1993).
Deste modo, o colar de Sintra é a síntese de elementos de tecnologia e tipologia
muito diferentes, e também de tradições culturais distintas, exprimindo, mais do
que qualquer outra peça, a realidade vigente na região, nos últimos momentos da
Idade do Bronze.
Fig. 268

A quantidade de ouro disponível e em circulação nesta época, encontra-se


expressivamente salientada pelo peso desta peça, com 1262 g. Na época, o
ouro abundava na Irlanda (afirmação eloquentemente demonstrada na sala
principal do Museu Nacional em Dublin) e nas Astúrias, sob a forma aluvial.
Mederos Martin (1999) valorizou esta última região como fonte provável do
tesouro de Villena, Alicante, o conjunto pré-histórico europeu mais importante
de recipientes áureos, tanto em número de peças como em peso absoluto,
logo a seguir à totalidade do ouro recolhido em Micenas. Porém, a ausência
de análises sistemáticas de jazigos auríferos peninsulares dificulta a discussão
da questão das origens do ouro, aumentada pela possibilidade de refusão de
peças mais antigas (Perea, 1991). Não obstante as reservas apontadas, os
resultados das análises feitas a elevado número de jóias do Bronze Final da
Europa atlântica (Hartmann & Sangmeister, 1972) poderão servir de base
para reflexão: um dos grupos auríferos isolados (Grupo N) na fachada
ocidental da Península, é extremamente abundante na Dinamarca e na Irlanda,
de onde poderia ser originário (cf. Kalb, 1980 a, nota 21). O fluxo aurífero
de Norte para Sul encontraria, nalgumas peças do quotidiano, como as foices
de alvado, elemento abonatório, tal como, seguindo caminho inverso, se
podem reportar a produções peninsulares o achado de machados de alvado,
de talão unifaces e do tipo "Reguengo Grande" (Tipos 30, 36 e 42 de
Moteagudo, 1977) em domínios setentrionais (Bretanha, Inglaterra, Irlanda
e Escócia).

Uma das provas mais sugestivas dos contactos entre o mundo norte-atlântico e a
região centro do País é representada pelas contas de âmbar. Uma destas raras peças,
já anteriormente referida, provém da bolsa 2, datada do século IX a. C. do sítio da
Quinta do Marcelo (Barros, 2000, fig. 55), embora não seja certa tal origem, podendo
provir igualmente do Mediterrâneo Oriental. Com efeito, a sua tipologia é algo
distinta das duas contas recolhidas no povoado de Moreirinha, Idanha-a-Nova,
cuja análise química confirmou origem báltica (Beck & Vilaça, 1995). As restantes
três ocorrências de âmbar em contextos do Bronze Final, correspondem igualmente

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a contas e são todas de carácter habitacional; no castro da Senhora da Guia, Baiões,
encontrou-se ainda um bloco de âmbar, que sugere transformação em contas in
loco, mais ao gosto local, o que explicaria a heterogeneidade tipológica de tais
peças.

Seja como for, o elevado peso do colar de Sintra, a par do seu reduzido
diâmetro interno (apenas 14 cm) tornaria difícil a utilização efectiva
desta jóia (Ruiz-Gálvez Priego, 1995 a): também Leite de Vasconcelos tinha
afastado, pela mesma razão, a aludida utilização ao pescoço (Vasconcelos,
1896). Nestes termos, a sua conotação com dote feminino, num quadro de
armazenamento social da riqueza, não é incompatível com o carácter funerário
atribuído ao achado. Mariza Ruiz chamou ainda a atenção para a frequência
de achados de jóias auríferas desprovidas de contextos, achadas isoladas, em
zonas de portela ou de passagem. A ser assim, o achado do Casal de Santo
Amaro, na periferia da serra de Sintra, quadra-se bem nesta concepção,
situando-se "na penumbra" produzida pela própria imponência da massa
rochosa, que adquiriu, desde a Pré-História, pela sua posição geográfica,
verdadeiro marco do "fim do Mundo", o estatuto de montanha sagrada, o
"Monte da Lua", como já anteriormente se referiu. Com efeito, é significativa
a densidade dos achados do Bronze Final, com sobrevivências evidentes no
período romano: veja-se o caso do santuário marítimo do Alto da Vigia, perto
da Praia das Maçãs, dedicado ao Sol e à Lua, estudado por Francisco d'Ollanda
(Ribeiro, 1982/1983, p. 166, nota 9).

Conotáveis com práticas rituais do Bronze Final II na região em estudo, são as


numerosas ocorrências de cerâmicas, acompanhadas por vezes de materiais
metálicos, seguindo práticas talvez herdadas das que, no Bronze Pleno, foram
anteriormente aludidas, em diversas grutas naturais dos relevos calcários
aestremenhos.
O exemplo mais expressivo é o conjunto de cerâmicas de ornatos brunidos da Lapa
do Fumo, Sesimbra (Serrão, 1958, 1959; Cardoso, 1996); outros casos se poderiam
referir, com destaque para os materiais da gruta do Correio Mor, Loures (Cardoso
et al., 1997/1998). Embora se não possa afastar definitivamente a hipótese de
constituírem espólios funerários, ou mesmo de índole doméstica – sugeridos pela
presença de grandes vasos de armazenamento – o facto de jamais se associarem a
restos humanos (ou a cinzas, na hipótese de corresponderem a sepulturas de
incineração), confere credibilidade à hipótese de estarem relacionados com
santuários rupestres, então instalados em tais cavidades. As grutas-santuário
nurágicas da Sardenha, nas quais se recolheram peças de bronze, algumas de origem

505
© Universidade Aberta
ou imitação peninsular (Lo Schiavo, 1991, Fig. 7) podem constituir elemento
comparativo merecedor de reflexão, a par do já referido culto das águas poder
passar pela utilização de grutas com circulação de água como necrópoles (Coffyn
& Sion, 1993); porém, nenhuma das cavidades referidas evidencia tal realidade e
outras, onde aquela é evidente, não conservam testemunhos comparáveis. Ainda
reportável a tal tipo de depósitos é uma pequena garrafa, apenas com 6,6 cm de
altura e com decoração canelada, oriunda de uma das grutas do Poço Velho, Cascais
(Spindler et al., 1973/1974). O paralelo mais próximo são as pequenas garrafas
áureas do tesouro de Villena, Alicante, situável no início do Bronze Final, ca.
1575-1400 a. C. (Mederos Martin, 1999). O exemplar português poderia interpretar-se
como uma imitação em barro de tais peças, à semelhança de exemplares coevos do
Cerro de La Encina, Granada, do grupo Cogotas I, assinalados pelo referido autor
e, deste modo, inscrever-se como mais um testemunho das relações então
estabelecidas entre a Baixa Estremadura e outras áreas meridionais peninsulares.

Naturalmente que, face às jóias de ouro, a ocorrência de adornos de bronze,


como braceletes, anéis ou fíbulas se reveste de um significado social menor.
A par de anéis, de bronze e de secção circular, conhecidos em numerosos
sítios da região, que poderiam, sobretudo, corresponder a argolas e deste
modo integrarem peças compósitas, hoje difíceis de reconstituir, destaca-se
a ocorrência de braceletes simples, de secção sub-rectangular a sub-
quadrangular, como os seis oriundos do Cabeço de Moinhos, Alcainça, Mafra
(Vasconcellos, 1920; Vicente & Andrade, 1971; Kalb, 1980 b). Tal como os
machados e foices anteriormente referidos, estas peças atingem na
Estremadura a sua frequência máxima. As fíbulas de cotovelo e de dupla
mola inscrevem-se também na indumentária das elites do Bronze Final II. O
sítio da Quinta do Marcelo, Almada (fossa 2) forneceu uma de cada tipo
(Barros, 2000, Fig. 60 e 61). A fíbula de cotovelo corresponde ao modelo
cipriota, tendo nos exemplares recuperados no Abrigo Grande das Bocas,
Rio Maior (Carreira, 1994) e no depósito da ria de Huelva (Almagro, 1958;
Ruiz-Gálvez Priego, 1995 b), os seus paralelos mais próximos e, tal como
neste último depósito, está também datada no Século IX a. C. pelo
radiocarbono. Nestes termos, a fíbula de dupla mola, que a acompanhava,
afigura-se como um dos exemplares mais antigos conhecidos. Trata-se de
modelo a que Coffyn (1985, p. 267) atribuiu origem peninsular mediterrânea,
por evolução local das fíbulas em cotovelo. Fíbulas de dupla mola persistem,
em plena I Idade do Ferro, tanto na vizinha estação de Almaraz, Almada
(Barros, 2000), como no castro de Chibanes, Palmela (Costa, 1910, Fig. 515),
para só mencionar dois exemplos da região.

Independente das razões que estejam na origem de alguns dos achados


referidos – tenha-se em conta que ainda se não dispõe de modelos operativos

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para interpretar uma realidade muito mais complexa do que aquela que as
ténues evidências materiais deixam supor – o certo é que peças como o colar
do Casal de Santo Amaro mostram o sucesso das elites do fim do Bronze
Final, associadas ao culminar do estabelecimento de uma vasta rede de
intercâmbios, baseadas na complementaridade de interesses, suportadas por
pactos de solidariedade entre as elites. Sendo certo que, nesta época, a
importância mineira da Península se baseava na presença do cobre, a Sul, e
do estanho e ouro, a Norte, as alianças firmadas pelas respectivas elites
regionais terão por certo desempenhado papel de primordial importância na
optimização da exploração de tais recursos, e no acréscimo das produções
com o consequente escoamento dos minérios, sob a forma de lingotes, ou
dos respectivos produtos manufacturados. Tais bens permitiram, em troca,
obter produtos "de luxo", bem como certas matérias-primas, como o âmbar
e o ferro, tão expressivamente representado pelas três faquinhas da Quinta
do Marcelo, já anteriormente referidas, datadas do século IX a. C., que se
somam a exemplares da região beirâ, já aludidos.

18.2.2 Necrópoles e rituais

O monumento da Roça do Casal do Meio, no concelho de Sesimbra, é, sem


dúvida, o mais expressivo documento dos contactos estabelecidos no Bronze
Final II (Séculos XIX a VIII a. C.) com o Mediterrâneo Central, de onde
proviriam intermediários dos mercados situados mais a oriente, e que tinham
a ilha de Chipre por centro. Trata-se de sepultura com câmara coberta por
falsa cúpula (tholos), corredor e átrio, escavada em 1972 por K. Spindler e
O. da Veiga Ferreira. Exemplar de arquitectura única na Península Ibérica, a
estranheza que causou, aquando da sua descoberta e mesmo depois, foi tanta,
que os seus exploradores tiveram que recorrer à tradição calcolítica para a
explicar, expressa, na mesma região, por construções análogas (Spindler et
al. 1973/1974). Em alternativa, foi admitida a hipótese de se tratar de simples
reutilização de uma tholos calcolítica (Belén, Escacena & Bozzino, 1991,
p. 237), a qual se afigura mais realista e viável, apesar de se não ter conservado
qualquer objecto calcolítico, por pequeno que fosse. Recentemente,
Almagro-Gorbea (1998) admitiu tratar-se de uma criação local, com paralelos
tanto nas sepulturas com câmara circular e dromos do Mediterrâneo Central
(Sardenha, Sicília), como do Mediterrâneo Oriental (Egeu, onde se
generalizam a partir do Heládico Final II-III e em Chipre).

A câmara, circular, comunica com o exterior através de um corredor com


declive para o interior (dromos), selado na entrada por um grande ortóstato
de calcário (stomion), sendo também observável a selagem do corredor, na

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passagem para a câmara por amontoado de blocos. Todos estes elementos
foram observados em tholoi da área micénica, embora a sepultura da Roça
do Casal do Meio seja cerca de 200 a 300 anos mais recente que os mais
modernos daqueles sepulcros (Mylonas, 1957). Na câmara, efectuaram-se
duas deposições de adultos e do sexo masculino, um entre 20 e 40 anos,
outro entre 40 e 50 anos, (Vilaça & Cunha, 2005), em decúbito dorsal (sep. 1),
e em decúbito lateral retraído, sobre pequena banqueta argilosa encostada à
parede da câmara (sep. 2). Ritualmente, depositaram-se aos pés das duas
tumulações – sem dúvida efectuadas em simultâneo, ou separadas de curto
intervalo de tempo – restos de quatro ovino-caprinos juvenis; a análise dos
segmentos anatómicos conservados mostra que correspondiam a nacos ricos
de carne. Oferendas do mesmo tipo, talvez relacionadas com o banquete
funerário, encontram-se igualmente em tholoi micénicas, tal como o uso de
depositar os corpos em banquetas, como a observada (Mylonas, 1948),
costumes que se não verificam nas tholoi calcolíticas da região.

O alto estatuto social das duas personagens ali tumuladas encontra-se sublinhado
pelo espólio acompanhante: à primeira sepultura, pertencia um pente de marfim,
uma pinça depilatória e um anel de bronze; à segunda, reporta-se outra pinça, de
maiores dimensões, um "agrafe" de cinturão e uma fíbula. Dois recipientes – um
vaso de colo alto com ornatos brunidos no bojo e uma taça carenada – ambas
produções típicas do Bronze Final – completavam o conjunto, sendo o únicos
exemlares de produção claramente local ou regional. Com efeito, a requintada
indumentária usada pelos dois personagens, é indicada pelo agrafe de cinturão, tal
como a fíbula, objectos até então desconhecidos na região, que pressupõem a
utilização de tecidos finos, atendendo à sua fragilidade e pequeno tamanho; por
outro lado, o cuidado com a própria apresentação é ilustrada pelo pente – um dos
escassos marfins anteriores às importações fenícias,a par dos braceletes de Peña
Negra I, Alicante (González-Prats, 1990) – e pelas pinças depilatórias. Estas últimas,
são muito mais que um simples objecto de cosmética, podendo associar-se ao
tratamento da barba, como símbolo de idade e hierarquia (Ruiz-Gálvez Priego,
1995c, p. 139).

A cronologia encontra-se determinada pela tipologia da fíbula, com


enrolamento no arco, cujos paralelos mais próximos nos remetem para a
Sicília (fíbulas de "arco serpeggiante", cf. Ruiz-Delgado, 1989) da fase
Pantálica II/III. Já os escavadores do monumento a tinham assim comparado,
atribuindo-lhe cronologia do século X a. C. a inícios do seguinte, que trabalhos
ulteriores referindo-se à mesma peça, não alteraram (além dos dois
supracitados, refira-se o de Ruiz-Delgado, 1989): são todos unânimes na sua
filiação em modelos do Mediterrâneo Central, reforçada pelo facto de se

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tratar de peça sem equivalente na região. Recentemente, (Vilaça & Cunha,
2005), promoveram datação pelo radiocarbono, que confirmou tal cronologia,
ao indicar que as tumulações teriam ocorrido entre os meados do século XI
e os finais do século IX a. C.

Assim sendo, os dois indivíduos tumulados poderão conotar-se com as elites


regionais do Bronze Final II as quais, num processo de aculturação, teriam
adoptado não apenas a indumentária e formas de cuidados pessoais com
origem no Mediterrâneo Central, considerados mais requintados, mas ainda
as próprias práticas rituais vigentes nessa área geográfica –
independentemente de se tratar de um monumento calcolítico reutilizado,
ou não – tributárias de outras, oriundas do Mediterrâneo Oriental. Em
alternativa, por serem tão evidentes os indícios exógenos, é lícito admitir
(Cardoso, 2000 b; Cardoso, 2000 c), como Ruiz-Gálvez Priego (1998 c), que
os dois indivíduos sepultados na Roça do Casal do Meio correspondam a
dois comerciantes de origem sarda, estabelecidos perto da foz do Sado,
hipótese que corporizaria, pela primeira vez, a presença directa no terreno de
comerciantes mediterrâneos, antes da chegada fenícia.

Com efeito, em plena Serra da Arrábida, identificou-se povoado de altura da


mesma época – o Castelo dos Mouros (Silva & Soares, 1986) – cujos
habitantes não custa ver relacionados com os personagens tumulados na Roça
do Casal do Meio. Atendendo ao tipo de implantação dos dois sítios, é aliciante
fazer corresponder ao primeiro o papel de sede da população indígena. A ser
assim, a evidência material disponível adquiriria outra dimensão e coerência,
enfatizando a perspectiva de uma fase pré-colonial, de há muito defendida
por Almagro-Gorbea (1990, 1998), para cuja existência seria incontornável
a própria presença de indígenas, relacionando-a directamente com comer-
ciantes marítimos de origem exógena, razão única da sua própria presença
nestas paragens.

As sepulturas do Bronze Final do território português, entre as quais o


monumento da Roça do Casal do Meio se inscreve, repartem-se por dois
grandes grupos: as de inumação e as de incineração. No primeiro caso, além
do sepulcro referido, podem mencionar-se as reutilizações de grutas do maciço
calcário estremenho. Mas o único caso em que se recolheram ossos humanos
(gruta da Marmota, Alcanena), aparentemente associados a espólio do Bronze
Final, faz admitir a hipótese de, ao menos, parte das restantes cavidades com
materiais homólogos, corresponderem mais a sítios de cerimoniais religiosos
do que a necrópoles. Outra situação completamente diferente, corresponde à
descoberta das célebres necrópoles de incineração das proximidades de
Alpiarça, as de Tanchoal e de Meijão, estudadas por Mendes Corrêa em 1916.
Este autor é taxativo quanto à existência, em Tanchoal, de restos ósseos
calcinados e de cinzas, de mistura com braceletes de bronze lisos, semelhantes
aos do tesouro do Casal dos Fiéis de Deus (Bombarral), pertencentes ao

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© Universidade Aberta
Bronze Final. As limpezas efectuadas, muito depois, na superfície dos
recipientes, por G. Marques, revelaram que muitos deles possuíam decorações
de "ornatos brunidos". Tal situação seria suficiente para situar as duas
necrópoles no Bronze Final, a que se somam os vestígios recuperados no
vizinho Cabeço da Bruxa, também atribuíveis a outra necrópole, muito
destruída. Os seus escavadores, P. Kalb e M. Höck, admitiram uma cronologia
adentro do Bronze Final, muito embora refiram a hipótese de as duas
necrópoles exploradas por Mendes Corrêa serem já da Idade do Ferro.
Compreende-se, deste modo, o alto interesse que teria a datação pelo
radiocarbono dos fragmentos ósseos recuperados em Meijão, a qual se
efectivou recentemente (Vilaça, Cruz & Gonçalves, 1999), confirmando a
atribuição da necrópole ao Bronze Final II, datando-a entre meados do século
XI e inícios do século IX a. C. Esta cronologia é compatível com o faseamento
proposto para os campos de urnas da Catalunha: a 1.a fase dos campos de
urnas antigos situar-se-ia, naquela região, entre 1100 e 1000 a. C., para
Almagro-Gorbea (1977) e Ruiz Zapatero (1985), cronologia a que os dados
do radiocarbono vieram conferir maior precisão: assim, os campos de urnas
mais antigos distribuem-se entre cerca de 1400 e 1100 a. C., envelhecendo
assim o faseamento anteriormente proposto (Castro Martínez, Lull & Micó,
1996, Gráf. IV.2.1).

Deste modo, as duas necrópoles referidas, situadas em campo aberto,


documentam uma importante ocorrência de "campos de urnas" do Bronze
Final, em pleno Ribatejo, extensão mais meridional/ocidental dos seus
homólogos da Catalunha.

A área ocupada pelas duas necrópoles, no máximo 200x200m em Meijão e


cerca de 400x200m em Tanchoal (Marques, 1972, Fig. 1), face ao diminuto
número de urnas existente, poderia, numa apreciação mais sumária, levar a
admitir um assinalável afastamento entre estas; nada mais errado. Com efeito,
sabendo que os recipientes, tanto no Tanchoal como em Meijão, haviam sido
encontrados no decurso do plantio de vinhas, só os que se encontravam na
faixa a abrir, com cerca de 0,80m de largura por cerca de 1,0m de profundidade
eram susceptíveis de serem encontrados. Esta técnica explica o testemunho
de Mendes Corrêa, recolhido directamente dos trabalhadores, de que cerca
de 16 urnas haviam sido encontradas "encostadas umas às outras" numa cova
quadrada, com cerca de 1m de lado por 1,20 m de profundidade; na verdade,
tais peças foram recolhidas "umas a seguir às outras", aquando da abertura
da vala para o plantio (Marques, 1972, p. 14).

Esta realidade vem, pois, mostrar que o afastamento das diferentes tumulações
não poderia ser grande, confirmando a existência de verdadeiros "campo de
urnas", tal como haviam sido considerados por Mendes Corrêa (Corrêa,
1935).

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Em Portugal, por evidentes dificuldades inerentes às próprias condições dos
achados, não se tem valorizado o cunho ritual de muitos depósitos metálicos
do Bronze Final. Todavia, um rápido levantamento levaria a relacionar a
maioria das jóias auríferas atribuíveis ao Bronze Final, aparecidas
simplesmente na terra, muitas vezes no decurso de trabalhos agrícolas, como
panóplias femininas, ali depositadas ritualmente, como defendeu M. R.
Gálvez-Priego; ao contrário, os raros achados de armas, nas águas ou
depositadas nas fendas das rochas, são interpretáveis como cultos funerários
masculinos. Se os primeiros são relativamente abundantes (ver inventário
em Armbruster & Parreira, 1993), já dos segundos, o único exemplo em
Portugal é a espada do tipo "língua de carpa" dragada em Cacilhas, que poderá
ter outras leituras, para além das estritamente funerárias. Numa época de
crise climática, com acentuada progressão da aridez, que terá correspondido
a quase toda a Idade do Bronze, acentuar-se-iam as práticas religiosas com
valorização das divindades aquáticas, a quem seriam ofertadas tais peças.
Com efeito, inventários realizados na área atlântica, evidenciaram um aumento
de tais achados ao longo de toda a Idade do Bronze. A exacerbação desta
prática teria também conduzido, como já se referiu, ao culto das águas
subterrâneas ou das cavidades, transformando em santuários numerosas grutas
naturais, o que explicaria, como já anteriormente se referiu, o achado frequente
de materiais da Idade do Bronze em tais locais (com natural incidência na
região onde abundam, a Estremadura), sem que em geral se possam associar
a sepulturas. A espada dragada em Cacilhas poderá, enfim, corresponder a
uma peça perdida, ou a um naufrágio: o que só evidencia as dificuldades de
estabelecer, neste como em outros casos, nexos de causa-efeito.

18.3 Alentejo e Algarve

18.3.1 Povoamento, actividades económicas e organização social

Os numerosos povoados de altura, por vezes fortificados, já identificados


parecem relacionar-se, sobretudo, com o controlo terrestre do comércio de
minérios, dada a proximidade de importantes minas de cobre ou com a
circulação destes e de outros bens, ao longo do Guadiana. Merece referência
especial o povoado do Passo Alto, situado num alto, na confluência da ribeira
do Vidigão com o rio Chança, afluente do Guadiana (Serpa). Com efeito, em Fig. 262
área situada no exterior da muralha ali existente e que barra o esporão
topográfico assim criado, e ocupando aproximadamente espaço de contorno
trapezoidal do lado externo daquela, observaram-se numerosas pedras
fincadas verticalmente, no solo. Trata-se de exemplo característico do
dispositivo defensivo designado por "cavalos de frisa", o qual é bem conhecido

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© Universidade Aberta
nos povoados da Idade do Ferro do norte do actual território português. Deste
modo, a presente ocorrência tem o interesse de fazer recuar ao Bronze Final
tal técnica defensiva, como é indicado pelo espólio arqueológico recolhido
(Soares, 1986, 2003). Alguns dos povoados de altura alentejanos, vastos e
com monumentais dispositivos defensivos já da Idade do Ferro, configuram
a presença de milhares de habitantes no fim do Bronze Final, tornando
incontornável a existência de uma sociedade estratificada, na qual uma
determinada elite detinha o poder (Alarcão, 1996). Tal realidade só nesta
fase avançada do Bronze Final se afirma, na sequência da longa evolução
desde pelo menos ofinal do Calcolítico. Um dos mais expressivos exemplos
dos grandes povoados alentejanos do Bronze Final é o da Coroa do Frade,
Évora. Trata-se de um vasto povoado de altura, correspondendo, como o
próprio topónimo indica, à ocupação do alto de um cabeço, envolvida por
uma linha muralhada. Segundo J. M. Arnaud, o dispositivo defensivo
principal, cuja planta tem a forma piriforme, desenvolve-se segundo um eixo
maior com cerca de 200m, possuindo o eixo menor cerca de 100m,
encontrando-se a entrada principal reforçada por um bastião (Arnaud, 1995).
Não existem dúvidas quanto à integração desta grande mas singela fortificação
no Bronze Final, visto corresponder à única ocupação arqueológica
identificada nas escavações realizadas.

De entre o espólio recolhido destaca-se a presença de fragmentos de punhais de


lingueta rebitada (tipo Porto de Mós), uma ponta de lança de alvado e uma fíbula
de dupla mola, que situa esta ocupação no fim do Bronze Final (século VIII a. C.);
a cerâmica inclui formas características, lisas ou decoradas, avultando a presença
da já referida decoração de ornatos brunidos. Entre os objectos de adorno ou de
indumentária, para além da fíbula mencionada, registaram-se contas de colar de
âmbar, cornalina, e marfim. A metalurgia encontra-se documentada por fragmento
de molde de fundição de pedra, destinado ao fabrico de, pelo menos, quatro objectos
distintos. Pelas características do povoado e pelos objectos recuperados na diminuta
área investigada, pode concluir-se pela existência de uma comunidade em que
pelo menos um segmento detinha assinalável poder económico, certamente
propiciado pela exploração mineira e pela subsequente actividade metalúrgica,
exercida no próprio povoado, sem ignorar que o sucesso das centenas de habitantes
ali sedeados se ficaria, também, a dever à prática de uma evoluída economia
agro-pastoril, nos terrenos adjacentes. Outros povoados de altura do Bronze Final
se poderiam citar, tanto no Alto como no Baixo Alentejo, confirmando a realidade
sócio-económica indicada pelos que foram mencionados. Um dos que foi
investigado recentemente é o castro dos Ratinhos (Moura), dominando o Guadiana,
o qual revelou um importante dispositivo defensivo do Bronze Final, sem dúvida
relacionado com o papel desempenhado pelo povoado na circulação comercial ao
longo daquele rio, designadamente de produtos metálicos.

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© Universidade Aberta
No entanto, a recolecção litoral continuou a ser actividade importante, assumindo
provavelmente um carácter mais vincadamente sazonal do que anteriormente,
documentada pelos sítios abertos de Cerradinha, junto à lagoa de Santo André
(Santiago do Cacém) e de Pontes de Marchil, sobre a ria de Faro, entre outros.
Verifica-se, pois, a existência de um polimorfismo no tocante às características
dos sítios habitados, envolvendo povoados de diferentes dimensões e com distintas
características de implantação geográfica, desde as praias litorais, passando por
territórios abertos, a colinas e mesmo a elevações, defendidas naturalmente ou
ainda com recurso a dispositivos construídos para o efeito, rincluindo muralhas,
aterros ou fossos.

Datam deste curto período de transição para a Idade do Ferro diversas jóias
auríferas, expressivamente representadas pelo conjunto do Álamo (Moura),
o qual revelam em parte, tecnologia orientalizante, patenteada em particular
no colar, que é oco, embora com decoração do tipo Sagrajas/Berzocana, de Fig. 277
filiação atlântica, enquanto outro colar, laminiforme, evoca o mundo conti-
nental de filiação hallstática: uma vez mais, é o sul, mediterrâneo, a
cruzar-se, no interior do actual território português, com o mundo europeu e
Fig. 278
continental. De qualquer modo, teríamos produções destinadas às elites, talvez
obra de artífices forâneos, que adaptaram aos seus gostos as jóias fabricadas
por novos métodos. Outro exemplo dessa forte presença orientalizante são
as duas magníficas pulseiras de Torre Vã, Ourique, da transição do Bronze
Final para a Idade do Ferro (século VIII a. C.), com granulado produzido
por pequenas esferas soldadas ao longo do corpo de cada uma das peças, que
é oco (Armbruster & Parreira, 1993). Importa referir o célebre bracelete
de Estremoz, com cerca de 1Kg, hoje no Museu Arqueológico Nacional
de Madrid, que suportou a criação do grupo de Villena/Estremoz. É
caracterizado pela utilização da técnica de fundição em molde de cera perdida
e o recurso à rotação ao torno, conferindo contorno perfeitamente circular a
tais peças, correspondendo a braceletes e a anéis, como o recolhido em
Trindade, Beja. A origem destas produções, que ascendem a cerca de 60
exemplares, mostra uma distribuição generalizada pelo território peninsular,
como peças que, de facto, circulavam, como presentes, para assinalarem
pactos entre comunidades ou, simplesmente, no âmbito da acumulação social
da riqueza, pelas elites, como já anteriormente se referiu. No entanto, a
presença assinalável de ocorrências deste grupo de jóias no Alentejo, poderá
justificar a hipótese de um centro de produção regional (Armbruster, 1993;
Perea, 1994); com efeito, podem referir-se, para além das mencionadas, outras
ocorrências (Lopes & Vilaça, 1998), entretanto assinaladas a propósito do
estudo de uma peça notável, de bronze, recolhida em pequeno cabeço, perto
da confluência da ribeira de Terges com a ribeira de Cobres, Beja. Trata-se
de um exemplar de uso não conhecido, com forma arqueada, decorada por

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entrançado em espinha, longitudinal, acompanhando dupla espiral; o melhor
exemplar análogo, quase completo, provém do depósito do Monte Sa Idda,
Cagliari (Sardenha), tanto pela forma como pela decoração peculiar. É-se,
assim, levado, por via desta ocorrência para o mundo mediterrâneo, de onde
esta peça pode ter sido directamente importada. Comparações com produções
ainda mais orientais de Chipre à costa sírio-palestina seriam certamente
possíveis. Em Portugal, assinalam-se paralelos no fragmento do Castro de
Pragança, Cadaval, no exemplar proveniente do Monte de S. Martinho,
Castelo Branco (Vilaça, 2004) e, sobretudo nos queimadores de essências
do depósito do Castro da Senhora da Guia, Baiões, já atrás referidos. Todos
estes exemplares, conquanto possam ter sido verdadeiramente importados –
dada a sua raridade e especificidades – nada obsta a que tenham sido
produzidos localmente, hipótese que parece menos provável.

18.3.2 Necrópoles e rituais

Com excepção do túmulo da Roça do Casal do Meio, as sepulturas do Bronze


Final do sul são-nos quase completamente desconhecidas, o que não significa
a existência de complexos rituais, que legitimavam o próprio poder das elites.

Recente revisão desta questão (Cardoso, 2004 c), conduziu à conclusão que
foram diversos os sepulcros megalíticos reutilizados no Bronze Final, tanto
como sepulturas de inumação como de incineração. No primeiro caso, o
exemplo mais nítido é o da tholos do Cerro do Malharito, Alcoutim: o interior
da câmara do monumento calcolítico foi completamente esvaziado para, sobre
o chão primitivo, se inumar pelo menos um indivíduo, acompanhado de
objectos de adorno e de recipientes cerâmicos típicos do Bronze Final ou
mesmo da transição para a Idade do Ferro. No segundo caso, avulta a
descoberta, no interior da câmara de tholos do Barranco da Nora Velha,
Ourique, de quatro recipientes, duas urnas e duas taças, com ornatos brunidos.
Abel Viana, que escavou este monumento, relacionou as taças como sendo a
cobertura das urnas, que assim teriam funcionado como contentores
cinerários. Próximo, encontraram-se os restos de um caldeirão de bronze,
também situável naquela época. Estaríamos, assim, em presença da
reutilização deste megálito no Bronze Final, através da deposição de duas
urnas cinerárias. É provável que as contas de âmbar e de ouro ali também
recolhidas se reportem a tal reutilização que teria, nas necrópoles de
incineração de Alpiarça, atrás mencionadas, o seu melhor paralelo.

No concernente às práticas rituais, com ou sem componente funerária, do


Bronze Final do sul do actual território português, merecem destaque as
chamadas estelas insculturadas "extremeñas", cuja distribuição geográfica

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abarca, também, vasto território interior a norte do Tejo. Com efeito, a sua
área de dispersão em território português estende-se desde o barlavento
algarvio ao centro interior beirão, correspondente ao prolongamento ocidental
da área de maior concentração, a Estremadura espanhola e Andaluzia
Ocidental. No conjunto, são conhecidas cerca de 80 estelas, na sua esmagadora
maioria na Extremadura espanhola – por isso chamadas "extremeñas" – cujo
significado, tradicionalmente considerado de cunho funerário com base em
analogias com as estelas mais antigas, como a de Alfarrobeira (São
Bartolomeu de Messines), que marcava efectivamente um sepulcro – não
Fig. 240
obriga forçosamente que estejam invariavelmente relacionadas com tal tipo
de ocorrências (aliás quase desconhecidas na área correspondente à sua
dispersão: com efeito, trata-se, na maioria dos casos, e à semelhança com o
verificado nas suas congéneres mais antigas, de monumentos descon-
textualizados, impedindo maiores certezas.

Da família das estelas ditas "extremeñas", não fazem parte três monólitos, embora
com elas possuam estreitas afinidades: trata-se do conjunto proveniente do Monte
de São Martinho, Castelo Branco; a estela I, será adiante referida mais em pormenor;
a estela II exibe a forma fálica – como a estátua-menir de Chaves, já mencionada
– estreitamente conotada com o personagem masculino nela representado, atirando
com arco e flecha na direcção de um veado o qual, por sua vez, é perseguido por
um cão. Trata-se, evidentemente, de cena simbólica, recordando a cena homóloga,
mas alguns milhares de anos mais antiga, pintada no dólmen dos Juncais, Sátão,
anteriormente referida. O alto estatuto do indivíduo assim heroicizado é indicado
pelos atributos que o rodeiam: uma fíbula de cotovelo, um cão, um espelho e,
talvez uma espada embainhada, de um lado e o carcaz, do outro lado; enfim, a
estela III, incompleta, tem semelhanças com a primeira. O destaque dado a este
conjunto estelar advém também do facto de ser o único directamente relacionado Fig. 241
comimportante povoado coevo (Vilaça, 2000); assim sendo, estar-se-ia perante
santuário, com o qual a população do povoado diariamente convivia, onde se
encontrariam representados personagens heroicizados nos quais todos se reviam,
constituindo assim importante elemento para a coesão social da comunidade ali
sedeada.

Segundo alguns autores, tais monólitos poderiam ainda pontuar as vias de


circulação transregionais mais importantes, sacralizando, em determinados
locais de passagem, ou portelas, a memória dos chefes, ou marcando
simplesmente o direito à propriedade ou o controlo de circulação de tais
sítios por parte da elite guerreira a que se reportam. Os estudos de síntese
publicados permitem a identificação de três grupos de índole temática/
tipológica que, para alguns autores, se sucedem no tempo, no sentido cada
vez mais explícito da afirmação/heroicização dos personagens representados,

515
© Universidade Aberta
integrando uma aristocracia guerreira em nítida fase de consolidação. Nesta
perspectiva, a uma fase mais recuada, onde aparecem apenas representações
de armas (escudos com chanfradura em V, espadas em língua de carpa, lanças
de alvado), suceder-se-ia uma fase intermédia, já com a representação humana
e a esta, a fase final, inserível no século IX a. C., onde o defunto, ou chefe
guerreiro heroicizado, nos surge cercado de todos os atributos do seu poder
(jóias, armas, carros de combate, cães, etc.), e, nalguns casos, com os seus
servos ou inimigos, vencidos aos pés, de que é paradigma a estela de Ervidel
II (Beja).

Esta visão estritamente evolucionista, baseada na substituição do simples


pelo mais elaborado (Gomes & Monteiro, 1976/1977), na esteira de
classificação desenvolvida para os exemplares espanhóis por
M. Almagro-Gorbea, foi recentemente discutida e contrariada por Jorge de
Alarcão, num importante artigo que dedicou à etnogénese dos Lusitanos
(Alarcão, 2001). Segundo o autor, as diferenças iconográficas observadas
nas estelas estremenhas, dever-se-iam à própria posição social do defunto,
no seio da respectiva comunidade. Atribuindo-lhes cronologia com início no
século IX e terminus no século VII a. C., correspondente à época da afirmação
da Idade do Ferro na área geográfica em questão e conotação funcional incerta,
mas inclinando-se para finalidade funerária, as que ostentam a representação
do carro de combate, considerado o símbolo máximo do estatuto de todos os
que nelas se exibem e a do seu possuidor, seriam as utilizadas nas sepulturas
de príncipes; as que representam apenas armas, seriam as pertencentes a
vassalos, ou melhor, a membros da aristocracia guerreira; enfim, as que
associam tais elementos à figura humana, seriam de personagens com poder
temporal, delegado pelo príncipe.

Naturalmente, esta interpretação, como o próprio autor declara, é passível de


reservas; mas ela tem o mérito de, pela primeira vez, associar territórios à
distribuição dos três tipos de monumentos, constituídos deste modo em
verdadeiros "feudos", com fronteiras bem delimitadas. Este regime de
principados, cuja aplicação é ensaiada pelo autor à actual Extremadura
espanhola, nada impede que se estendesse ao actual território português da
Beira Alta – estela de Baraçal (Sabugal), passando pela Beira Baixa – estela
Fig. 240 de Meimão (Penamacor), com extensão ao Baixo Alentejo – estela de Ervidel
II (Beja), já mencionada – e mesmo ao extremo ocidental do Algarve – estela
de Figueira (Vila do Bispo).

Tão grande dispersão geográfica não espanta: o mesmo se verificou em


Espanha, com ocorrências muito afastadas do núcleo estremenho, como as
notáveis estelas de Cortijo de Gamarrillas (Córdova) e de Écija (Sevilha) ou,
em outra direcção, a estela de Preixana (Lérida), todas dadas a conhecer por
M. Almagro Basch. Esta última, porém, é questionável quanto à sua integração
no grupo das estelas estremenhas, tendo presente a sua iconografia, a qual,

516
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Fig. 242
em contrapartida, inspirou J. de Alarcão para uma nova leitura da estela I do
Monte de São Martinho (Castelo Branco), onde as duas figuras de guerreiros,
ambas com capacetes de cornos liriformes, se encontrariam sob a protecção
de uma divindade, talvez Oipaingia, adorada nas proximidades, cujos braços,
pendentes sobre as cabeças dos guerreiros, sugerem tal atitude.

Assim sendo, sem pretender traçar uma conotação das estelas estremenhas
com os Lusitani – visto a distribuição daquelas excederem em muito os limites
geográficos atribuíveis a estes – a verdade é que elas também ocorrem
particularmente dentro de tais limites; tendo presente, por outro lado, que a
sua cronologia se sobrepõe à presença deste conjunto de populi, que o autor
admite terem chegado no fim do Bronze Final aos vastos espaços abertos da
Extremadura espanhola a com extensão pela actual Beira Interior, por via de
uma invasão pré-céltica de origem indo-europeia, fácil é concluir que estes
também adoptaram tais monumentos, seja com carácter sepulcral, seja como
marcadores de fronteiras, funções que, aliás, não são incompatíveis.

Seja como for, a realidade das estelas "extremeñas" é, de facto, acompanhada Fig. 273
pelo registo material, com o acréscimo de armas, no Bronze Final II; as
lanças de alvado, actualmente conhecidas no Sul, e a respectiva análise
tipológica foram objecto de inventário (Cardoso, Guerra & Bragança, 1992),
a propósito da descoberta, em pequena lapa sobre o Guadiana, próximo da
barragem de Alqueva de um pequeno depósito, provavelmente de índole ritual;
das espadas, merecem destaque os dois exemplares de folha pistiliforme de
Safara, Moura (MacWhite, 1951), bem como os dois exemplares de tipo
"língua de carpa", de Évora, um dos quais partido por dobragem intencional
(Jorge, coord., 1995). Recorde-se que este facto tem evidente carga simbólica, Fig. 270
sendo conotável com o desaparecimento físico do seu possuidor: morto este,
a espada, atributo individual por excelência do chefe guerreiro, teria também
de sofrer fim idêntico. A representação do escudo com chanfradura em "V",
de origem oriental, ocupando o centro das composições estelares, a que se
juntam outros elementos da simbólica das elites (o pente, o espelho, a fíbula
de cotovelo, o carro), configuram influências mediterrâneas orientais notórias.
Contudo, apesar de serem nítidas tais influências nos objectos representados,
a que se poderão acrescentar os capacetes de cornos, representados na Estela I
de São Martinho, Castelo Branco, a concepção mais arcaica destas estelas
pode encontrar-se na própria região, sendo corporizada pela estela de Fig. 242
Longroiva, já atrás mencionada, pertencente aos primórdios do Bronze Pleno.
Verifica-se, desta forma, uma realidade sempre presente, no decurso da
Pré-História: a absorção de novos estímulos culturais efectuou-se em
harmonia com realidades há muito conhecidas, disso resultando uma situação
nova, sem rupturas com a realidade antecedente.

Importa, a terminar, referir a utilização ritual de certas grutas algarvias, no


decurso do Bronze Final, também ela em continuidade com a observada no

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Bronze Pleno, pelo menos na Estremadura. É o caso da gruta de Ibne-Amar,
junto ao estuário do Arade (Concelho de Lagoa), onde se recolheram diversos
exemplares cerâmicos do Bronze Final, entre os quais alguns decorados com
ornatos brunidos (Gomes, Cardoso & Alves, 1995), bem como a gruta da
Ladroeira Grande, Olhão, dada recentemente a conhecer, de onde provém
um conjunto de cerâmicas lisas (Gomes & Calado, 2007).

18.4 Epílogo. O território português no quadro das solidariedades


atlanto-mediterrâneas do Bronze Final

Foi no decurso desse longo período de convivência discreta, mantida por


trocas comerciais de interesse mútuo, talvez ainda iniciado em meados do II
milénio a. C. – relembrem-se, a propósito, e entre outros testemunhos do
Bronze Pleno do território português, as 21 contas de pasta vítrea, azul e
amarela, recolhidas na cista 22 da necrópole de Atalaia, Ourique (Schubart,
1975, Tf. 26), com origem provável na área micénica – que se enformaram
as elites do Bronze Final, tanto nos seus gostos quotidianos, como nas práticas
religiosas que, progressivamente, adaptaram aos seus próprios rituais. Deste
processo de aculturação, resultou a criação de ambiente sócio-cultural propício
ao rápido sucesso da empresa fenícia (Cardoso, 1995), facilmente afirmada
em locais propícios adjacentes do litoral ocidental e meridional, nalguns casos
desde finais do século IX a. C., ou inícios do seguinte, como em Santarém
ou Almaraz (Almada).

É no âmbito de tudo o que foi dito que o termo "Bronze Atlântico" ganha
substância. Trata-se de realidade arqueológica baseada, como anteriormente
se disse, na produção de peças de bronze e sua comercialização transregional
– sobretudo seriam os modelos, mais do que as peças que viajariam, sendo
rapidamente reproduzidos localmente – decorrentes das relações comerciais
estabelecidas na fachada atlântica da Europa Ocidental, desde o Bronze Pleno,
Fig. 288 com progressiva intensificação até ao Bronze Final II, nos séculos XI/X a
VIII a. C., altura em que se estenderam mais claramente ao Mediterrâneo.
Tais actividades, baseadas no mútuo interesse comercial, veicularam
realidades culturais específicas, que, deste modo, se difundiram a outras
regiões, onde foram adoptadas pelas elites que nelas governavam. Originou-
se assim uma nova realidade transcultural, de expressão supra-regional, e de
base económica, onde se mesclavam tradições religiosas distintas, umas de
raiz atlântica, outras originárias do oriente mediterrâneo.

Acentuou-se a posição geográfica privilegiada da Baixa Estremadura no


âmbito de tais contactos atlanto-mediterrâneos, bem como, a uma escala
mais circunscrita, no contexto do ocidente peninsular. Referiu-se a impor-

518
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tância económica dos dois grandes rios peninsulares que aqui confluem com
o Oceano, assegurando, o escoamento do ouro e do estanho, oriundos do
interior centro e norte, e do cobre, oriundo sobretudo do Alentejo. A franca
exposição atlântica do seu litoral e o abrigo proporcionado à navegação
oceânica pelos dois estuários respectivos, explica, enfim, a sua relevância
nas rotas comerciais marítimas.

Recorrendo à teoria locativa de Weber, de 1909 (in Vilaça, 1995), o local


adequado para a instalação de uma determinada indústria deverá seleccionar-
-se de entre aqueles que correspondam às linhas de transporte de menor
esforço, sem serem sinónimo de menor distância (mas sim de maior economia)
necessária aos abastecimentos destinados ao seu funcionamento. Nestes
termos, facilmentese verifica que a Estremadura recolhe todas as condições
para constituir a área ideal para a exportação das produções metálicas,
essencialmente com destinos mediterrâneos, mas também atlânticos: atente-
-se simplesmente na presença de machados de alvado e dois anéis na Bretanha
e Ilhas Britânicas, cuja máxima concentração se verifica na região entre Tejo
e Mondego). O facto de ser a região do País mais rica em determinados tipos
artefactuais, que raramente fora dos seus limites geográficos se encontram,
parece vir ao encontro desta hipótese. Porém, como se verificou pelos
inventários apresentados, trata-se de produções bronzíferas de índole
doméstica, sempre em pequena escala, traduzida pelos baixos efectivos dos
achados; por outro lado, não se encontrou até ao presente nesta área, oficina
ou povoado metalúrgico especializado, nem sequer um molde dos artefactos
produzidos mais comuns e característicos: os já mencionados machados de
alvado e dois anéis. Com efeito, distribuição geográfica dos moldes de
artefactos de bronze mostra uma concentração no interior centro do País
(Vilaça, 1995, Fig. 76), próximo das jazidas de estanho (e também de cobre,
que também as há naquela região), ilustrando invariavelmente uma metalurgia
artesanal, destinada a suprir essencialmente as necessidades locais de cada
um destes sítios. O que os diferenciava dos seus congéneres estremenhos era
a possibilidade destes últimos proverem a distribuição alargada das suas
próprias produções, incluindo a via marítima, mercê da posição geográfica
que detinham no contexto regional e transregional descrito. Nestes termos, o
achado de peças exógenas no interior centro, como fíbulas, âmbar e ferro
manufacturado, faz crer que uma parte das produções bronzíferas se destinasse
a "exportação", pelos corredores naturais ali existentes, como os vales do
Mondego e do Tejo, bem como dos seus afluentes principais.

Sem dúvida que a Estremadura seria, então, a área geográfica onde se


caldeavam com maior nitidez as influências culturais do norte, atlântico, e
do sul, mediterrâneo, a qual, mercê dos intensos contactos então havidos, se
configurou como verdadeira "placa giratória" do comércio transregional de
matérias-primas e objectos de bronze manufacturados, cuja coordenação se

519
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encontrava nas mãos de elites, permeáveis à adopção de costumes e de práticas
rituais exógenas, susceptíveis de promoverem ainda mais a sua segregação
do todo social.

É essa franca abertura a estímulos culturais especialmente mediterrâneos,


por parte das elites do Bronze Final II habitavam oa ctual território português,
que explica a presença de objectos manufacturados aqui chegados como
retorno das exportações daqui difundidas.

Em síntese: o território hoje português terá conhecido, no final da Idade do


Bronze, mercê da estrutura hierarquizada de poder então instalada, com elites
dominando as principais vias de circulação e o comércio de mercadorias,
destinadas tanto ao mundo atlântico como mediterrâneo, aliás decorrente da
sua própria situação geográfica, franca abertura e permeabilidade a estímulos
culturais exógenos. A intensificação de uma rede de intercâmbios de longo
curso, veiculando concepções religiosas heterogéneas, oriundas de regiões
díspares, atingiu o seu apogeu no final do Bronze Final (séculos XI, X a
VIII a. C.). Com efeito, a relação preferencial com o domínio atlântico,
evidente desde o final do Calcolítico (campaniforme "marítimo"), que
continuou no Bronze Pleno (alabardas do tipo Carrapatas, machados do tipo
Bujões/Barcelos, lúnulas de ouro como a de Cabeceiras de Basto), conheceu
evidente acréscimo naquela época, no decurso da qual se multiplicam as
produções metálicas e surgem matérias-primas com aquela origem, como o
âmbar do Báltico. Outro tanto se verificou com a área do Mediterrâneo: depois
de contactos desde o Neolítico Antigo, renovados no decurso do Calcolítico,
a partir do Bronze Pleno encontram-se documentados produtos de provável
origem micénica, como as contas de pasta vítrea da necrópole do Bronze do
Sudoeste de Atalaia (Ourique), a que se sucedem, no Bronze Final, algumas
peças de ferro de origem também mediterrânea, reservadas a funções sócio-
-simbólicas, a par de objectos de marfim e adereços utilizados na indumentária
das elites (fíbulas). É provável que estas peças tivessem sido trazidas por
comerciantes cipriotas, ou, mais provavelmente, sardos, actuando estes como
intermediários daqueles, cuja eventual presença poderá verificar-se no
monumento da Roça do Casal do Meio. Tais contactos, numa zona periférica
como era já então o território português, justificar-se-iam, atendendo aos
minérios aqui existentes susceptíveis de exportação: o estanho, o ouro e o
cobre e, mais tarde, a prata e corresponderiam a uma fase preliminar,
exploratória, dos contactos, que ulteriormente viriam a ser francamente
desenvolvidos pelos Fenícios a partir do século VIII a. C., ou ainda do final
do século anterior, em diante.

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As seguintes obras permitirão um melhor enquadramento da Arqueologia,


compreendendo-a no âmbito das ciências humanas. Tais obras, que corres-
pondem a reflexão teórica ultimamente produzida no âmbito da investigação
arqueológica portuguesa, contêm outras referências importantes, cuja pesquisa
se deixa ao critério de cada um, em função dos seus interesses:

ALARCÃO, J. de
1996 Para uma conciliação das Arqueologias. Porto: Afrontamento.
1997 A Arqueologia Contextualista. Máthesis. Viseu. 6, pp. 11-32.
1999 A Arqueologia numa encruzilhada de disciplinas. Estudos Pré-
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2000 A escrita do tempo e a sua verdade. Coimbra: Quarteto.
2000 Actualidade e perplexidade da Arqueologia portuguesa. Era –
arqueologia. Lisboa. 1, pp. 91-99.

Para uma cabal compreensão dos objectivos, materiais e métodos da


Arqueologia, tanto no campo, como no laboratório, é imprescindível a
consulta da obra seguinte:

BICHO, N. F.
2006 Manual de Arqueologia Pré-histórica. Lisboa: Edições 70.

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Composto e paginado
na UNIVERSIDADE ABERTA
1.a edição

Lisboa, 2007

© Universidade Aberta
303 ISBN: 978-972-674-664-5

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