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Relatório Final da Unidade Curricular Modalidades Diretas e Indiretas de

Intervenção Psicológica Vocacional: A Academia de Líderes Ubuntu

Docente: Pr. Dr. José Manuel Castro

Discente: Rafael Mota Moreira, up201704856

O Projeto

A Academia de Líderes Ubuntu surge no âmbito da organização de utilidade


pública IPAV (Instituto Padre António Vieira) como um dos seus vários projetos. Desde
a sua incepção, a Academia incide sobretudo em crianças e jovens de comunidades
vulneráveis e contextos de risco. Consiste num projeto de educação não-formal cujo
objetivo é o empoderamento e capacitação dos jovens orientado para a liderança,
conceito central que adquire uma conotação específica neste contexto: trata-se de uma
liderança positiva e comunitária, alinhada com os princípios da cidadania ativa, do
altruísmo e do serviço à comunidade. O projeto possui uma metodologia e ideologia
específicas. Quanto à primeira, o seu modelo pedagógico assenta numa lógica
participativa e experiencial, pautando-se por uma metodologia descrita no site oficial do
projeto como “profundamente relacional”, centrada nos participantes e com vista à
promoção de competências socio-emocionais, trabalho em grupo, partilha, reflexão
pessoal e valorização de cada um. Em conformidade com estes princípios, há um
cuidado especial em tornar as sessões interativas e evitar um modo maioritariamente
expositivo. Assim, a passagem de informações (através, por exemplo, de palestras) é
intercalada com atividades (discussões em grupo, visualização de filmes, etc). No que
toca à ideologia, trata-se de uma interpretação da chamada “filosofia Ubuntu”, cujo
princípio central é a conexão essencial entre toda a humanidade. A palavra “ubuntu”
vem da língua banta angune, sendo traduzida diretamente como “humanidade”, mas
implicando o elo de ligação entre todos os humanos, o que suscita traduções como “Eu
sou porque tu és”. Deste modo, apesar das suas origens africanas, este termo e o espírito
que lhe subjaz são frequentemente tidos pelos seus apoiantes (que incluem figuras como
Nelson Mandela) como de uma natureza universal e própria da essência humana (“A
essência do Ubuntu é Ser Humano”, John Volmink). Esta expressão serve também de
mote para a Academia de Líderes Ubuntu, que no seu site oficial opta pela seguinte
frase de Desmond Tutu para condensar esta filosofia que anima a sua atividade:
““Ubuntu é uma maneira de estar na vida. É uma palavra que condensa a verdadeira
essência do que é ser Humano. A minha humanidade está intrinsecamente ligada à tua
e, por isso, eu sou humano porque pertenço, participo e partilho de um sentido de
comunidade. Tu e eu somos feitos para a interdependência e para a
complementaridade.” A filosofia Ubuntu procura inspirar nos jovens uma “ética do
cuidado” (outro conceito tido por central para a Academia), enfatizando a importância
de cuidar de si, dos outros e do planeta, e a necessidade da relação e encontro com o
Outro para a construção da própria identidade e busca de significado.

Inicialmente, a formação da Academia de Líderes Ubuntu tinha a duração de


cerca de um ano e meio, recrutando jovens de contextos desafiantes com o objetivo de
os devolver às suas comunidades como líderes que radiem uma influência positiva
informada pelas aprendizagens fornecidas pela Academia (que emprega frequentemente
figuras históricas como Nelson Mandela e Mahatma Gandhi, apresentados como
exemplos de expoentes da filosofia Ubuntu). Mais tarde, o projeto é alargado a outros
contextos, retendo a metodologia e ideologia, passando a atuar em ambientes como
empresas, clubes desportivos e escolas, sendo que o presente trabalho incide no último.

A implementação da Academia de Líderes Ubuntu nas escolas dá-se através da


Semana Ubuntu, um programa levado a cabo por formadores treinados (psicólogos,
professores e educadores) e estruturado em sessões diárias com o objetivo de incutir nos
jovens participantes os princípios Ubuntu que permitam a sua transformação em líderes
(concebidos nos termos particulares que descrevemos anteriormente). Cada dia da
semana é dedicado a um dos cinco pilares trabalhados, sendo três de um domínio
pessoal (autoconhecimento, autoconfiança e empatia) e dois de ordem social (resiliência
e serviço). Cada um destes pilares é explorado exaustivamente através da abordagem
interativa que descrevemos como parte integral da metodologia Ubuntu. Este método
inclui a exposição dos jovens a figuras históricas exemplificativas da ideologia Ubuntu
(como Nelson Mandela), a visualização de filmes seguida de discussão, construção de
cartazes e desenhos temáticos, reflexões pessoais, palestras de convidados, etc.
Pretende-se que as atividades promovam não só a reflexão individual como também a
coesão de grupo, um efeito que tem sido observado pelas equipas que se encarregam da
implementação das Semanas Ubuntu.

A Academia de Líderes Ubuntu oferece, deste modo, uma ideologia particular.


Segundo a psicologia de intervenção vocacional, um aspeto que subjaz a todo o
processo de orientação é o sistema educativo e social no qual o indivíduo está
inevitavelmente inserido. Podemos tomar a Semana Ubuntu e o ambiente por ela criado
como um microcosmo desse sistema, com os seus próprios valores e princípios. É
pretendido que as atitudes dos jovens participantes (de um modo geral e não só no que
diz respeito a escolhas profissionais) reflitam estes valores incutidos ao longo da
formação – empatia, altruísmo, serviço, etc. As experiências que as atividades
ocasionam devem ser transportadas para a vida; isto torna-se claro ao analisar o
esquema do “Ciclo de Aprendizagem Experiencial”, formulado por Dadid Kolb nos
anos ’70 e utilizado pela Academia Ubuntu. Segundo este modelo, a uma experiência
deve suceder uma reflexão acerca da mesma (respondendo à pergunta “O que senti?”),
e, de seguida, uma generalização que sistematize a experiência e as aprendizagens que
se podem extrair da mesma. O processo termina com a aplicação, cujo objetivo, como
descrito no site oficial da Academia Ubuntu, é: “Compreender as implicações práticas
das conclusões identificadas e a sua aplicabilidade para a vida”. A aprendizagem
proporcionada pelas Semanas Ubuntu é, portanto, destinada a informar as ações dos
participantes ao longo da sua vida, incluindo em decisões do foro profissional.

O foco na aquisição de competências (aglomeradas em torno do conceito de


liderança) que permitam uma aprendizagem constante a partir das experiências situa o
projeto Ubuntu numa realidade contemporânea no que toca à vocação: a
imprevisibilidade e instabilidade que marca o mundo profissional e impossibilita um
caminho linear numa determinada área profissional. Em conformidade com esta
realidade, entende-se atualmente que a orientação vocacional não se limita a um
momento, mas antes estende-se pela vida do indivíduo como um processo cumulativo,
levando ao conceito do desenvolvimento vocacional. As aprendizagens que decorrem da
Academia de Líderes adequam-se a estas circunstâncias, dado que não pretendem
capacitar os jovens participantes de modo a escolher uma carreira apropriada, mas sim
fornecer-lhes competências de uma utilidade transversal: a introspeção e análise de
experiências devem ser realizadas a cada momento, incidindo sobre as circunstâncias
específicas do mesmo. Na paisagem profissional altamente móvel dos dias de hoje, os
líderes Ubuntu devem procurar ativamente os contextos mais aptos a aproveitar as suas
contribuições para a comunidade, não hesitando em mudar de posição conforme as
necessidades da mesma e as suas aptidões e disposições cognitivas, emocionais e
motivacionais.

O projeto Ubuntu não proporciona consultas individuais de orientação


vocacional, sendo que a sua proposta é diferente ainda que se insira num contexto
semelhante; porém, a intervenção exclusivamente coletiva que efetua rege-se pelos
princípios da orientação vocacional como intervenção psicológica. Por exemplo,
algumas das atividades que decorrem ao longo da Semana Ubuntu têm como objetivo
trabalhar o autoconhecimento e a introspeção. Segundo a estrutura clássica dos
programas de orientação vocacional, estes são pilares essenciais de uma orientação
condutiva à melhor decisão vocacional. Contudo, não nos podemos esquecer que esta
abordagem diz respeito a um modelo desatualizado, segundo o qual a relação entre o
indivíduo e o mundo (profissional) é fundamentalmente determinada pelo conhecimento
(de si e das escolhas que tem), o que simplificaria radicalmente o processo de orientação
vocacional, sendo que todo e qualquer problema neste âmbito (bem como a sua solução)
estaria circunscrito à esfera da transmissão de informação. As novas perspetivas da
intervenção psicológica vocacional optam por uma visão integradora que admite outras
dimensões atuantes na relação do sujeito com o mundo, como a emoção e a ação.
Podemos ver este processo na Academia de Líderes Ubuntu; já frisamos que a
abordagem pedagógica se esforça para evitar a mera passagem de informação, o que
demonstra desde já um reconhecimento de que o problema não se resume a isto. Pelo
contrário, algumas das atividades desenvolvidas implicam um envolvimento emocional.

Outro conceito crucial da orientação vocacional presente no procedimento da


Academia Ubuntu é o do compromisso que marca a relação entre o indivíduo e o mundo
profissional com que se vincula. O programa enfatiza fortemente as relações que unem
os membros da comunidade e, consequentemente, a importância da responsabilidade de
cada um, não só para consigo mesmo como em vista do impacto que tem nos que o
rodeiam. A liderança que os participantes devem assumir assim que concluírem a
formação é, em essência, um compromisso com o seu meio, impelindo-os a tomarem
decisões que levem sempre em consideração o bem maior.

Dada a orientação humanista que sublinha a ideologia e metodologia Ubuntu


(um dos lemas do projeto é o famoso “Tornar-se pessoa”, popularizado por Carl
Rogers), a abordagem que o projeto faz à vocação não negligencia a dimensão da
realização pessoal. Devemos, porém, lembrar que um dos pontos mais importantes a
assinalar na psicologia de intervenção vocacional é precisamente o facto de que as
decisões do indivíduo, inclusive a nível profissional, estão por defeito condicionadas
por uma variedade de fatores que constituem o seu contexto social, profissional, etc.
Este ponto é levado em conta pelo projeto Ubuntu dado que, como vimos, a noção de
liderança incutida pelas Semanas Ubuntu está inextricavelmente ligada ao serviço à
comunidade em redor dos participantes; ou seja, o conceito de vocação do projeto
Ubuntu implica necessariamente considerações contextuais; assim, não estamos perante
uma retórica de descoberta de si mesmo ou atualização de potencial que parece
conceber um indivíduo isolado e atomizado apto a fazer uma escolha completamente
autodeterminada. Pelo contrário, a ideologia Ubuntu enfatiza a interconectividade e o
impacto que cada ação tem no todo. Deste modo, na escolha de um caminho
profissional (isto é, tendo em conta as ressalvas previamente referidas, segundo as quais
a escolha é relativa pois o contexto em que esta se dá implica desde logo uma série de
condicionantes), os alunos são levados a privilegiar as opções que possibilitem um
maior serviço à comunidade.

A População-alvo

A população-alvo do projeto Ubuntu tem atualmente uma amplitude


considerável, podendo este ser aplicado a uma variedade de contextos; nas suas origens,
destinava-se estritamente a jovens dos 14 aos 35 anos provenientes de contextos de
risco ou disponíveis e interessados em trabalhar com os mesmos. Porém, o projeto
rapidamente expandiu o seu alcance através da disseminação por vários contextos, tais
como clubes desportivos, empresas e escolas. O projeto demonstra uma flexibilidade
que permite a sua adaptação a estes contextos diferentes, sendo que no âmbito escolar,
as Semanas Ubuntu podem ser implementadas em diversas faixas etárias (desde o 7º
ano ao ensino secundário) com os devidos esforços adaptativos.

Acima de tudo, o projeto Ubuntu constitui uma metodologia com objetivos


específicos (formação de líderes) cuja população-alvo é relativamente aberta. A
Academia de Líderes salienta a natureza experiencial, reflexiva e de partilha do
programa, o que implica um nível de maturidade que permita o acompanhamento do
plano formativo. Por estes motivos, a idade mínima para participação que a Academia
estabelece é os 14 anos.

Como nota, não devemos também esquecer que, na sua aceção mais ambiciosa,
o alcance da missão Ubuntu pretende transcender os líderes que trabalham diretamente
com a Academia, dado que o próprio fim da sua formação é um impacto positivo nos
contextos em que se inserem, em linha com outro princípio da filosofia Ubuntu: “Sê a
mudança que queres ver no mundo”.

Conclusão: Propostas para o futuro

A Academia de Líderes Ubuntu proporciona um exemplo da aplicação dos


princípios da intervenção vocacional num contexto mais abrangente. Como se torna
claro pela exposição precedente, o projeto não se ocupa exclusivamente da orientação
vocacional, sendo esta apenas uma das áreas em que surte impacto.

No seguimento da secção anterior acerca da população-alvo, chamamos a


atenção para a necessidade de estudar o impacto das Semanas Ubuntu nos participantes
e nas comunidades em que se inserem, bem como explorar contextos que beneficiariam
da intervenção proposta pela Academia. De momento, a avaliação dos efeitos do
programa manifesta-se exclusivamente através de questionários de autorrelato
preenchidos pelos participantes que têm registado uma evolução nos construtos
avaliados (autoconfiança – 34%, desenvolvimento pessoal e profissional – 28%,
autoestima – 24% e autoconhecimento – 22%). Mantemos, no entanto, a proposta de
abordar esta questão com maior elaboração, nomeadamente no que toca às noções de
liderança do projeto Ubuntu. A exploração de contextos é outra vertente promissora,
tendo em conta que a implementação do projeto em escolas surge desta intuição da
utilidade do programa em ambientes diferentes do original.

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