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Universidades Lusíada

Condeço, Susana Isabel Lince, 1989-


O Convento de Cristo : o claustro D. João III e os
seus significados
http://hdl.handle.net/11067/3331

Metadados
Data de Publicação 2017-05-26
Resumo O presente trabalho tem como objectivo o estudo de uma parte muito
concreta do Convento de Cristo, em Tomar: o Claustro D. João III,
usualmente referido como o Claustro Principal. Centramo-nos apenas
neste claustro devido à complexidade do conjunto edificado. Assim sendo
e devido ao limite de tempo e espaço, optou-se por estudar apenas esta
parte do conjunto devido, especialmente, às suas características, tão
diferentes do que se passa no restante edifício. Os objectivos principais
deste trab...
Palavras Chave Claustros (Arquitectura) - Portugal - Tomar, Arquitectura religiosa
- Portugal - Tomar, Maneirismo (Arquitectura), Convento de Cristo
(Tomar, Portugal)
Tipo masterThesis
Revisão de Pares Não
Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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http://repositorio.ulusiada.pt
UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA
Faculdade de Arquitectura e A rtes
Mestrado integ rado em Arquitec tura

O Convvento ded Cristo


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Pre
esidente: Proff. Doutor A
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Orientador: Proff. Doutor A
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guente: Proff. Doutor H
Horácio Maanuel Pere
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Disssertação a
aprovada em:
e 10 de
d Julho d e 2013

Lisboa
a
2013
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O Convento de Cristo:
o claustro D. João III e os seus significados

Susana Isabel Lince Condeço

Lisboa

Março 2013
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O Convento de Cristo:
o claustro D. João III e os seus significados

Susana Isabel Lince Condeço

Lisboa

Março 2013
Susana Isabel Lince Condeço

O Convento de Cristo:
o claustro D. João III e os seus significados

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e


Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a
obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Nuno Rui da Fonseca


Santos Pinheiro

Assistente de orientação: Mestre Arqt.ª Maria de Fátima


Lino Ferreira Fragoso

Lisboa

Março 2013
Ficha Técnica
Autora Susana Isabel Lince Condeço
Orientador Prof. Doutor Arqt. Nuno Rui da Fonseca Santos Pinheiro
Assistente de orientação Mestre Arqt.ª Maria de Fátima Lino Ferreira Fragoso
Título O Convento de Cristo: o claustro D. João III e os seus significados
Local Lisboa
Ano 2013

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

CONDEÇO, Susana Isabel Lince, 1989-

O Convento de Cristo : o claustro D. João III e os seus significados / Susana Isabel Lince Condeço ;
orientado por Nuno Rui da Fonseca Santos Pinheiro, Maria de Fátima Lino Ferreira Fragoso. - Lisboa
: [s.n.], 2013. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e
Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - PINHEIRO, Nuno Rui da Fonseca Santos, 1937-


II - FRAGOSO, Maria de Fátima Lino Ferreira, 1967-

LCSH
1. Claustros (Arquitectura) - Portugal – Tomar
2. Arquitectura religiosa - Portugal - Tomar
3. Maneirismo (Arquitectura)
4. Convento de Cristo (Tomar, Portugal)
5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses
6. Teses – Portugal – Lisboa

1. Cloisters (Architecture) - Portugal - Tomar


2. Religious architecture - Portugal - Tomar
3. Mannerism (Architecture) - Portugal - Tomar
4. Convento de Cristo (Tomar, Portugal)
5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations
6. Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon

LCC
1. NA4940.C66 2013
APRESENTAÇÃO

O Convento de Cristo
O Claustro D. João III e os seus significados

Susana Isabel Lince Condeço

O presente trabalho tem como objectivo o estudo de uma parte muito concreta do
Convento de Cristo, em Tomar: o Claustro D. João III, usualmente referido como o
Claustro Principal.
Centramo-nos apenas neste claustro devido à complexidade do conjunto edificado.
Assim sendo e devido ao limite de tempo e espaço, optou-se por estudar apenas esta
parte do conjunto devido, especialmente, às suas características, tão diferentes do que
se passa no restante edifício.
Os objectivos principais deste trabalho são estudar a Forma, Função e Significados
deste espaço e chegar a conclusões relativamente à sua relação, caso exista, com os
Templários. Pretende-se concluir se as obras efectuadas neste claustro no tempo de
D. João III são compatíveis com o uso que lhe era dado ou se se tratou de uma
questão de mudança do gosto que em nada se relacionava com o uso que lhe era
dado.
Para que seja possível compreender todo o contexto em que se encontra este espaço,
começaremos por esclarecer o que é um Convento, a sua história e espaços; depois
passaremos a estudar o espaço Claustro, quais as suas principais funções e usos;
seguidamente relacionaremos estes dois conceitos (Convento e Claustro) com a
Ordem do Templo e com a Ordem de Cristo; por fim trataremos de contextualizar o
Convento de Cristo em relação a todos estes elementos e chegar a conclusões
através de uma observação do Claustro D. João III e de todos os seus elementos,
situando a sua arquitectura quanto ao seu estilo e procurando saber se este tem
alguma relação com as Ordens Militares Religiosas ou se os seus conceitos se
relacionam com outras questões.

Palavras-chave: Claustro, Convento de Cristo, D. João III.


PRESENTATION

The Convent of Christ


The D. João III Cloister and its meanings

Susana Isabel Lince Condeço

The objective of this work is to perform a study of a very specific part of the Convent of
Christ, in Tomar: D. João III’s cloister usually referred as Main Cloister.
We decided to focus our research in this cloister because of the complexity of the
whole building.
Related to the boundaries we have for time and length, we chose to study only this
cloister, especially because of its characteristics, which are different from the rest of the
building.
The main objectives of this work are to study the Form, Function and Meanings of this
space and reach conclusions about the architectonic compatibility with the use given to
it. We want to conclude if the modification works in D. João III’s time were compatible
with the use given to the cloister or if it was just an esthetic intervention related to the
change of the taste, which had nothing to do with the purpose of the cloister for it’s
users.
In order to make understandable all the context where this space is included, we will
start with an explanation about what is a Convent, it’s history and spaces; then we will
study what is a Cloister and what are the main functions and uses of this space; after
that, we will relate these two concepts (Convent and Cloister) with the Order of the
Temple and the Order of Christ; finally we will contextualize the Convent of Christ in
order to all these concepts and reach conclusions based on a detailed observation of
D. João III’s Cloister and all its formal and meaningful elements, making sure to locate
it’s architecture in a Style, as much as find out if there’s a connection between that
Style and these two Military and Religious Orders or if it’s concepts were related to
something else.

Keywords: Cloister, Convent of Christ, D. João III.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Claustro de Santa Bárbara, no Convento de Cristo (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 28

Ilustração 2 - Planta esquemática de uma casa romana (Vitrúvio,2009). ...................... 30

Ilustração 3 - Claustro de planta circular no Mosteiro da Serra do Pilar (Oliveira, 2013).


............................................................................................................................................... 33

Ilustração 4 - Claustro da Hospedaria no Convento de Cristo, Tomar (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 34

Ilustração 5 - Claustro das Lavagens no Convento de Cristo, Tomar (Pereira, 2009). . 35

Ilustração 6 - Fonte do Claustro D. João III, Convento de Cristo, Tomar (Ilustração


nossa, 2013) ......................................................................................................................... 38

Ilustração 7 - Heráldica do Município de Tomar (Câmara Municipal de Tomar, 2008. . 46

Ilustração 8 - Exterior da Charola (Pereira, 2009). ........................................................... 51

Ilustração 9 - Alambor da fortificação templária em Tomar (Pereira, 2009). .................. 52

Ilustração 10 - Nave Manuelina e Coro (Pereira, 2009). .................................................. 54

Ilustração 11 - Janela Manuelina da Sala do Capítulo do Convento de Cristo


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 55

Ilustração 12 - Claustro D. João III da autoria de Diogo de Torralva (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 56

Ilustração 13 - Vista da colina do castelo templário e do convento, parte integrante da


Cerca Conventual (Ilustração nossa, 2013). ..................................................................... 57
Ilustração 14 - Ortofotomapa do conjunto edificado do Castelo Templário e do
Convento de Cristo em Tomar (Google, 2013). ................................................................ 58

Ilustração 15 - Claustro de Santa Bárbara (Ilustração nossa, 2013)............................... 59

Ilustração 16 - Sala do Capítulo incompleta (Ilustração nossa, 2013). ........................... 60

Ilustração 17 - Vista do piso superior da Sala do Capítulo incompleta (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 60

Ilustração 18 - Portal da Sala do Capítulo incompleta de Castilho (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 61

Ilustração 19 - Fachada exterior da Sala do Capítulo inacabada (Pereira, 2009). ........ 62

Ilustração 20 - Claustro da Micha no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013). ..... 62

Ilustração 21 - Vista de uma das Salas das Cortes (ilustração nossa, 2013). ............... 63

Ilustração 22 - Capela do Noviciado, mímica da sala hipóstila de Vitrúvio (Ilustração


nossa, 2013). ........................................................................................................................ 64

Ilustração 23 - Claustro dos Corvos no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013). . 64

Ilustração 24 - Claustro da Hospedaria no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).


............................................................................................................................................... 65

Ilustração 25 – União do Claustro da Hospedaria com a fachada da Nave Manuelina


da Igreja (Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................... 65

Ilustração 26 - Zona de circulação que permite o acesso aos dormitórios dos


conversos (Ilustração nossa, 2013).................................................................................... 66
Ilustração 27 - Vista da cobertura da zona central do "cruzeiro" (Ilustração nossa,
2013). .................................................................................................................................... 67

Ilustração 28 - Púlpitos do refeitório do Convento de Cristo (Pereira, 2009). ................ 68

Ilustração 29 – Trifronte no acesso à adega do Convento (Pereira, 2009). ................... 68

Ilustração 30 - Ermida de Nossa Senhora da Conceição na Cerca em Tomar


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 69

Ilustração 31 - Interior da Eremita de Nossa Senhora da Conceição (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 70

Ilustração 32 - Cúpula no cruzamento entre o transepto e a nave central da Eremita


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 70

Ilustração 33 - Vista de uma das fachadas da Eremita de Nossa Senhora da


Conceição (Ilustração nossa, 2013). .................................................................................. 71

Ilustração 34 - Aqueduto do Convento de Cristo da autoria de Terzi (Pereira, 2009). .. 72

Ilustração 35 - Claustro da Hospedaria no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).


............................................................................................................................................... 73

Ilustração 36 - Galeria do Claustro da Micha (Ilustração nossa, 2013). ......................... 74

Ilustração 37 - Elementos da campanha de obras de Castilho no Claustro D. João III


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 77

Ilustração 38 - Elementos remanescentes da obra de Castilho que foram recentemente


desentaipados (Ilustração nossa, 2013). ........................................................................... 78

Ilustração 39 - Escadaria remanescente da campanha de obras castilhiana onde é


notório o conceito de parede-membrana (Ilustração nossa, 2013). ................................ 79
Ilustração 40 - Elementos da campanha de obras de Castilho (Ilustração nossa, 2013).
............................................................................................................................................... 79

Ilustração 41 - Elementos dos vértices do espaço central do Claustro D. João III


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 81

Ilustração 42 - Enquadramento da fonte central do Claustro D. João III (Ilustração


nossa, 2013). ........................................................................................................................ 83

Ilustração 43 - Planta esquemática da área envolvente do Claustro Principal (A), onde


se observa a sua proximidade com a Igreja (B), com o Claustro de Santa Bárbara (C) e
com o Dormitório dos professos (D), (Silva, 1992) ........................................................... 86

Ilustração 44 - Enquadramento da Fonte do Claustro D. João III com uma das


fachadas interiores do mesmo (Ilustração nossa, 2013). ................................................. 87

Ilustração 45 - Galeria do piso inferior do Claustro Principal (Ilustração nossa, 2013). 88

Ilustração 46 - Vista de um dos vértices, neste caso convexos, do Claustro Principal


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 89

Ilustração 47 - Pormenores da fachada interior do Claustro D. João III (Ilustração


nossa, 2013). ........................................................................................................................ 90

Ilustração 48 - Pormenores da fachada interior do Claustro Principal (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 90

Ilustração 49 - Elementos restantes da intervenção de Castilho neste espaço,


recentemente desentaipadas (Ilustração nossa, 2013). ................................................... 92

Ilustração 50 - Elementos remanescentes da campanha de obras castilhiana


(Ilustração nossa, 2013). ..................................................................................................... 92

Ilustração 51 - Elementos da fachada exterior do claustro (Ilustração nossa, 2013). ... 93

Ilustração 52 - Pormenor de alguns elementos ornamentais (Ilustração nossa, 2013). 96


Ilustração 53 - Pormenor de elementos ornamentais do Claustro (Ilustração nossa,
2013). .................................................................................................................................... 96

Ilustração 54 - Ornamentação em forma de concha num dos nichos (Ilustração nossa,


2013). .................................................................................................................................... 97

Ilustração 55 - Vista do interior de uma das galerias do piso superior (Ilustração nossa,
2013). .................................................................................................................................... 98

Ilustração 56 – Contraste entre a intervenção posterior de Torralva e elementos


remanescentes da intervenção de Castilho (Ilustração nossa, 2013). ............................ 99

Ilustração 57 - Interior do Mercado de Trajano (Museo dei Fori Imperiali, 2006) ........ 100

Ilustração 58 - Vértice convexo do Claustro Principal (Ilustração nossa, 2013). ......... 101

Ilustração 59 - Pormenor do interior de um arco, no piso inferior do Claustro D. João III


(Ilustração nossa, 2013). ................................................................................................... 102
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 21

2. A VIDA MONÁSTICA E AS SUAS ARQUITECTURAS .............................. 25

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS ORDENS RELIGIOSAS .................................................... 25


2.1.1. O INÍCIO DA VIDA RELIGIOSA .......................................................................................... 25
2.1.2. A REGRA BENEDITINA E A IMPORTÂNCIA DE CLUNY.......................................................... 25
2.1.3. O SURGIMENTO DA ORDEM DE CISTER ........................................................................... 26
2.1.4. AS ORDENS MENDICANTES ........................................................................................... 27

2.2. DISTINÇÃO ENTE MOSTEIRO E CONVENTO ............................................................................. 27

2.3. AS PROPRIEDADES ESPACIAIS DO CLAUSTRO ........................................................................ 28


2.3.1. DEFINIÇÃO ESPACIAL DE CLAUSTRO .............................................................................. 29
2.3.2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DOS CLAUSTROS ........................................................... 30
2.3.3. CONTEXTUALIZAÇÃO MORFOLÓGICA DOS CLAUSTROS...................................................... 32
2.3.4. AS FUNÇÕES DO CLAUSTRO ......................................................................................... 34
2.3.5. O MISTICISMO DO CLAUSTRO E OS SEUS SIGNIFICADOS ................................................... 36

3. AS INFLUÊNCIAS DOS TEMPLÁRIOS ...................................................... 41

3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E GEOGRÁFICA ................................................................... 41

3.2. A ARQUITECTURA MILITAR E A ORDEM DO T EMPLO ............................................................... 43

3.3. A Q UEDA DA ORDEM DO T EMPLO ........................................................................................ 44

3.4. O SURGIMENTO DE UMA NOVA ORDEM ................................................................................. 45

4. O CASTELO DE TOMAR E O CONVENTO DE CRISTO............................ 49

4.1. O CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO ............................................................................... 49

4.2. CARACTERÍSTICAS ESPACIAIS E F ORMAIS ............................................................................. 50

4.3. INTERVENÇÕES DE ALTERAÇÃO E AMPLIAÇÃO ...................................................................... 53

4.4. CONVENTO DE CRISTO PATRIMÓNIO MUNDIAL ....................................................................... 75

5. O CLAUSTRO D. JOÃO III .......................................................................... 77

5.1. O MANEIRISMO E AS SUAS INFLUÊNCIAS ............................................................................... 80

5.2. O MANEIRISMO EM PORTUGAL ............................................................................................. 81


5.3. CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA E F UNCIONAL .................................................................... 83
5.3.1. A REGRA DE SÃO BENTO .............................................................................................. 83
5.3.2. A FUNÇÃO DO ESPAÇO E A VIDA RELIGIOSA ..................................................................... 84
5.3.3. O CONVENTO BENEDITINO E A ARQUITECTURA ............................................................... 85
5.3.4. AS PARTICULARIDADES ESPACIAIS DO CONVENTO DE CRISTO ........................................... 86

5.4. O MANEIRISMO PORTUGUÊS NO CLAUSTRO D. JOÃO III ......................................................... 87

5.5. OS SIGNIFICADOS DO CLAUSTRO D. JOÃO III ........................................................................ 91

6. CONCLUSÃO ............................................................................................ 105

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 115

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 119


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, diversos foram os estudos publicados acerca do Convento de


Cristo, em Tomar. O seu interesse enquanto Património da Humanidade, as suas
características arquitectónicas únicas e ainda a mística relacionada com os Templários
foram alguns dos factores que têm suscitado o interesse de cada vez mais estudiosos
em diversas áreas, desde a engenharia à pintura, passando pela arquitectura e pela
escultura, entre muitas outras. Há, no entanto, um vasto leque de conhecimento ainda
por explorar.

O conjunto monumental do Convento de Cristo é composto pelo Castelo Templário e


pelas dependências do Convento da Ordem de Cristo, ao longo de 7 km até ao
Aqueduto do Convento, incluindo ainda o Oratório Templário, a Charola.

Desde a construção do Castelo, sob as ordens de D. Gualdim Pais, iniciada em 1160,


foram muitas as alterações feitas à medida das exigências das diversas épocas.
Muitos foram os elementos ampliados e acrescentados, mas que, no conjunto,
permitem identificar uma atitude de acompanhamento das tendências de cada época,
nunca constituindo uma mímica do que existia previamente.

No reinado de D. João III dá-se uma reforma da Ordem de Cristo, retirando-lhe a


valência militar, que já não era necessária nesse tempo devido ao clima de Paz que se
vivia, e aplicando a regra de clausura, transformando os Cavaleiros em monges
contemplativos.

É nesta época que se reforma também o Convento de Cristo, acrescentando-lhe, entre


outros espaços necessários, uma área considerável de carácter rural, que em tempos
era a Cerca Conventual, espaço que corresponde à actual Mata dos Sete Montes.

Desde muito cedo se tentou demonstrar com a Arquitectura o poder da Ordem de


Cristo utilizando para isso um conjunto de diversas tendências artísticas, tais como o
Românico, o Gótico, o Manuelino, o Renascimento, o Maneirismo e o Barroco, sendo

Susana Isabel Lince Condeço 21


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

para tal essencial a intervenção de arquitectos como João de Castilho, Diogo de


Arruda, Diogo de Torralva e Filipe Terzi.
É nesse contexto que se identificam neste monumento as suas características únicas,
a sua Identidade Histórica. Não apenas um conjunto de “acrescentos” mas sim um
todo formado por diversas partes, cada uma com o seu Tempo, de acordo com um
determinado Estilo e com o fim a que se destinava.

Quanto ao claustro principal, iniciado em meados do século XVI, pode dizer-se que ele
reflecte muito do que era a arte italiana, ao gosto do Rei D. João III, podendo a
primeira intervenção, de Castilho, ser inserida no estilo Renascentista, e considerar-se
ao gosto Maneirista com Torralva, aquando da segunda intervenção neste espaço,
intervenção essa que é a que hoje vemos em Tomar, sendo possível observar um
pouco do que seria a obra de Castilho em algumas zonas.

Em Portugal, o Gótico Final prolongou-se durante bastante mais tempo que na


restante Europa, coexistindo com o Estilo Manuelino, o que levou a um grande atraso
na passagem para o Renascimento. Estes atrasos sucessivos tiveram muitas vezes
como resultado uma substituição do Renascimento pelo Maneirismo, que tem um dos
seus mais importantes exemplos neste claustro, cujas características costumam
considerar-se como pertencendo ao Maneirismo Português.

Tal como refere Pais da Silva, o Renascimento em Portugal é uma “corrente de gosto
artístico assinalada no país durante parte do século XVI, que desponta em clima de
Gótico Final e de Manuelino” acabando por ser “ absorvida pelo Maneirismo e afecta a
totalidade dos sectores artísticos então cultivados em Portugal” (Pais da Silva, 1992).

Estando o conjunto arquitectónico do Convento de Cristo profundamente marcado pelo


simbolismo templário, as principais ideias que se pretende explorar estão relacionadas
com a relação entre a arquitectura do Claustro D. João III e a Ordem de Cristo: se
estas intervenções estão de alguma forma relacionadas com a Ordem de Cristo e as
suas ideologias; se o Claustro era utilizado para cerimónias religiosas e quais as
qualidades que deveria ter, de modo a poder ser usado com essa função; e se o Estilo
Arquitectónico (ou estilos) e a ornamentação nele contidos serão espelho da Ordem
de Cristo e daquilo que eram os seus costumes ou uma realização do arquitecto por
ele responsável, baseada apenas nos seus conhecimentos e na sua criatividade, não

22 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

tendo em conta quaisquer elementos relacionados com a Ordem a que se destinava o


espaço que desenhou.
Este trabalho encontra-se, assim, organizado da seguinte forma:

- No capítulo 2 faz-se uma descrição histórica e arquitectónica do conjunto edificado


“Convento” e do espaço “Claustro”, na qual se pretende realizar uma contextualização
geral do edifício em estudo, focando os usos, formas e significados deste espaço
específico;

- No capítulo 3 realiza-se uma breve contextualização histórica sobre os Templários e


as suas arquitecturas;

- O capítulo 4 inclui uma descrição geográfica, histórica e morfológica do Convento de


cristo, na qual se incluem as obras de alteração ou ampliação realizadas ao longo dos
séculos e sua contextualização artística;

- No capítulo 5, desenvolve-se o estudo do Claustro D. João III quanto à sua forma,


função e significados, e relacionam-se essas características com a Ordem de Cristo e
a sua simbologia;

- Finalmente, no capítulo 6, apresentam-se as conclusões a retirar deste trabalho e as


considerações finais.

É importante referir que este estudo é realizado do ponto de vista do arquitecto, e não
do historiador, pretendendo realizar uma análise mais formal e das características
espaciais, e não apenas analisar a sua história, tendo em conta, no entanto, que é
impossível estudar determinado monumento sem que dele se realize uma análise
contextual e histórica que torne possível compreender as razões que levaram a
determinadas soluções arquitectónicas.

Neste trabalho não se pretende realizar uma análise exaustiva do Convento de Cristo,
de todas as suas dependências ou de todos os estilos arquitectónicos que nele se
podem encontrar, realizando-se apenas a necessária contextualização histórica do
conjunto, pois dada a complexidade do tema acabaria por tornar-se um estudo
demasiado longo para o fim a que se destina.

Susana Isabel Lince Condeço 23


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

24 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

2. A VIDA MONÁSTICA E AS SUAS ARQUITECTURAS

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS ORDENS RELIGIOSAS

2.1.1. O INÍCIO DA VIDA RELIGIOSA

Datam do início do séc. IV os primeiros indícios de uma vida monástica, no Egipto,


tendo a palavra monge origem grega, significando “só” (monos), sugerindo alguém que
vive retirado do Mundo e dos seus males.

Surgem posteriormente duas formas de vida dentro do contexto monástico,


denominadas de acordo com as suas características principais. Os Eremitas (eremos
– deserto), onde cada indivíduo vivia só, normalmente no deserto, e os Cenobitas
(koinos e bios – vida em comum), que viviam em comunidade e se submetiam a
regras e a uma autoridade hierárquica e espiritual denominada abade (abba – pai, em
sírio).

Foram diversas as experiências de vida monástica a partir deste momento até surgir o
modelo que acabou por se espalhar pelo Ocidente, através de S. Bento de Núrsia, que
viveu entre 480 e 547 e foi o fundador da ordem Beneditina (Faure e Moulilleron,
2001).

2.1.2. A REGRA BENEDITINA E A IMPORTÂNCIA DE CLUNY

No início do séc. X a vida monástica na Europa parece ter tomado duas direcções,
quase opostas. Enquanto por um lado alguns seguiam o modelo eremita dos monges
que viviam no deserto, vivendo em grutas, desprezando os prazeres carnais e
sobrevivendo apenas da bondade do seu Deus, sem terem quaisquer valores a que
chamassem seus; outros seguiam o modelo beneditino, cujas principais características
eram a estabilidade e a seriedade no trabalho, quer espiritual, quer físico,
estabelecendo-se tal como faziam as famílias feudais, tendo como base a exploração
do património fundiário.

É, assim, fundada a abadia beneditina de Cluny, em França, sob a direcção do abade


Bernon, sendo ela soberana e independente, não permitindo qualquer intrusão, nem

Susana Isabel Lince Condeço 25


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

mesmo dos Bispos. Quando se procedeu à sua expansão, esta foi realizada através
da aglomeração de um grande número de casas modestas em torno de uma só figura,
o abade, seguido as orientações de São Bento de Núrsia mas interpretando a regra
beneditina de um modo muito particular, já que aceitava a riqueza e a opulência,
fazendo desaparecer os trabalhos físicos dos monges e contratando criados para os
realizarem.

Durante um longo período de tempo Cluny tornou-se exemplo e fez surgir novas
abadias que seguiam o mesmo estilo de vida, assim como levou à renovação de
algumas já existentes. O seu tempo enquanto exemplo da vida religiosa chegou ao fim
quando teve início o dos mosteiros, nos quais os monges seguiam o caminho
espiritual da austeridade.

2.1.3. O SURGIMENTO DA ORDEM DE CISTER

Iniciado o séc. XII, coexistiam na Europa duas formas de vida religiosa quase opostas:
a que seguia o modelo de Cluny, na qual os monges não tinham de realizar quaisquer
trabalhos físicos e onde lhes era permitido possuir objectos aos quais podiam chamar
seus; e a que procurava aplicar a Regra beneditina, baseando-se numa vida em
comum na qual não era permitido aos religiosos possuir quaisquer objectos, seguindo
os preceitos do ascetismo (monges eremitas).

Esta última forma de vida religiosa obteve grande destaque e um grande número de
religiosos acabou por optar por ela, vivendo da bondade de Deus e daquilo que
produziam com o seu trabalho.

Uma das Ordens religiosas que seguiu estes ideais foi a Ordem de Cister que, sob a
orientação de Bernardo de Claraval, se expandiu por toda a Europa, contando em
1145 com mais de trezentos mosteiros, exercendo um papel crucial na Igreja e na
sociedade entre os séc. XII e XIII.

Além da sua espiritualidade monástica ser diferente do que era comum até então, esta
Ordem religiosa provocou mudanças muito importantes na economia, já que os
mosteiros eram construídos em locais nunca antes ocupados e que supostamente

26 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

eram pouco férteis, transformando-os em áreas produtivas e habitáveis, fazendo com


que muitas povoações surgissem perto deles (Duby, citado por Eugénio Lins, 2002).

2.1.4. AS ORDENS MENDICANTES

A partir do séc. XII e com o aumento de área das cidades, acompanhado pelo
respectivo aumento da população, surgem novas questões morais relacionados com a
importância do dinheiro e com a economia baseada nele, problemas estes que vão
acabar por afectar a Igreja.

É assim que emergem as Ordens Mendicantes, de entre as quais se destacam os


dominicanos e os franciscanos, cujos religiosos faziam voto de pobreza, sobrevivendo
de esmolas, em contraste com esta sociedade, onde o dinheiro começava a ser muito
mais importante que os valores morais.

Os conventos destas Ordens funcionavam, no entanto, de forma diferente dos outros,


já que os frades apenas os utilizavam enquanto espaços destinados a partilhar a
comida que lhes era oferecida e a pernoitar, realizando as restantes actividades do dia
fora do convento e não levando uma vida de clausura como era habitual até então.

2.2. DISTINÇÃO ENTE MOSTEIRO E CONVENTO

Quanto à distinção entre os termos Mosteiro e Convento, utilizados anteriormente, é


importante mencionar que se referem a conceitos semelhantes mas que apresentam
algumas diferenças.

Enquanto a palavra Mosteiro se refere sobretudo ao conjunto edificado das habitações


dos monges, também denominado Abadia quando dirigido por um abade, indicando
sobretudo o espaço arquitectónico; a palavra Convento significava acima de tudo um
conjunto de religiosos que vivem em comunidade e não tão particularmente as suas
habitações, sendo aplicada acima de tudo às Ordens Mendicantes, em que os frades
faziam voto de pobreza e portanto não podiam ser possuidores de nenhum bem.

Susana Isabel Lince Condeço 27


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Deste modo, os Mosteiros e os Conventos tinham arquitecturas distintas que se


adaptavam ao estilo de vida dos religiosos que neles habitavam e com as funções que
iriam desempenhar relativamente à sociedade em que se inseriam.
Conclui-se, assim, que um Convento era acima de tudo um grupo de pessoas e não
tanto um conjunto de edifícios. Era um local de refeição, oração e pernoita mas não
era posse dos frades. O mais importante num convento eram os indivíduos e não os
seus muros.

2.3. AS PROPRIEDADES ESPACIAIS DO CLAUSTRO

A palavra “Claustro” deriva do latim claustrum, que se refere a um local fechado. Esta
palavra pode, no entanto, referir-se a todo o conjunto edificado em que uma
determinada comunidade religiosa Cristã vive em clausura, isolando-se
voluntariamente da sociedade; ou designar um espaço arquitectónico, quadrangular na
maior parte dos casos, delimitado a toda a volta pelas paredes dos edifícios
pertencentes ao convento.

Ilustração 1 - Claustro de Santa Bárbara, no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).

Podem distinguir-se duas qualidades de espaços em cada claustro: a zona central,


descoberta, onde muitas vezes se encontrava um jardim e um poço ou fonte; e a zona
de transição entre interior e exterior, geralmente delimitada por uma colunata, em volta
do espaço central descoberto. Estas duas zonas distintas tinham usos diversos uma

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

em relação à outra, e estes eram diferentes também dependendo da época do ano e


da hora do dia.

Na época medieval, este espaço era construído especialmente em mosteiros fora das
cidades, em meio rural, mas rapidamente começaram a ser utilizados nas catedrais
das grandes cidades. Era por vezes mencionado em latim como hortus conclusus, isto
é, jardim fechado, visto que na maior parte dos casos eram plantados de diversas
espécies vegetais, sendo sempre predominantes as espécies de folha perene.

“O homem necessita de um espaço de paz e recolhimento que o proteja do espaço


exterior, hostil e desconhecido, mas que, sem estorvo, participe do dia e da noite, do
sol e da lua, do calor, do frio e da chuva. Este espaço, que está submetido ao passar
dos dias e das estações, ou seja, às regras que determinam a existência, é o pátio”
(Blaser, 1997).

2.3.1. DEFINIÇÃO ESPACIAL DE CLAUSTRO

Um Claustro poderá definir-se como um pátio, murado por todos os lados mas
descoberto, cujos lados são formados por arcadas. Por vezes as colunas ou pilares
destas arcadas apoiam-se em paredes baixas, noutras vezes directamente no
pavimento. A forma de um claustro é normalmente quadrangular, relacionando-se com
os quatro pontos cardeais e com os quatro elementos da matéria criada, embora
sejam também conhecidos claustros de forma circular.

Assim, o Claustro revela ser um espaço intermédio entre interior e exterior, permitindo
não apenas uma mais fácil distribuição dos espaços que sem ele não poderiam obter
luz solar mas funcionando ainda enquanto protecção contra as intempéries,
possibilitando aos monges ou frades percorrerem as diversas áreas do convento ou
mosteiro sem necessitarem de atravessar um espaço totalmente descoberto, devido à
existência das galerias.

Em relação ao tipo de espaço arquitectónico, podemos relacionar o claustro com o


conceito de pátio: um espaço murado por todos os lados e descoberto. Apesar de o
claustro conter algumas diferenças em relação ao pátio, parecem ter origens

Susana Isabel Lince Condeço 29


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

semelhantes, tendo sofrido alterações ao longo do tempo relacionadas com as


necessidades de cada caso particular.

2.3.2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DOS CLAUSTROS

Obtemos os primeiros indícios de um espaço que se revela semelhante ao claustro no


Palácio de Cnossos, do séc. XVI a.C., no qual existiam já diversos tipos de pátios, cuja
função era, além de fornecer luz solar às salas para ele voltadas, permitir também uma
melhor comunicação entre estas. Tal como no claustro, o conjunto luz-comunicação é
uma das características principais de qualquer pátio.

Ao analisar os Livros de Vitrúvio, podemos encontrar diversas semelhanças entre a


tipologia das casas urbanas romanas e o conceito de claustro. As divisões da casa
romana eram dispostas em volta de um ou mais pátios, sendo as mais antigas
compostas geralmente por, pelo menos, dois (Atrium e Peristyla) que apesar de
apresentarem uma tipologia de espaço semelhante tinham funções e características
diferentes.

Ilustração 2 - Planta esquemática de uma casa romana (Vitrúvio,2009).

Enquanto o Atrium era de menores dimensões e não continha colunas, no Peristyla


existia já uma galeria coberta, uma colunata e no centro um espaço descoberto. Em

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

ambos os casos, as águas das chuvas eram encaminhadas para o centro do pátio, no
qual se encontrava o implúvio, o tanque que se encontrava ao centro destes pátios
cuja característica principal era o aproveitamento da água da chuva, que acabaria por
criar um espaço mais fresco em dias de muito calor e melhorar a qualidade térmica do
espaço.
Assim, podemos relacionar o Claustro dos Mosteiros e Conventos da arquitectura
religiosa católica com a forma dos pátios das casas romanas, particularmente com a
do peristilo, devido apenas às suas características formais já que a sua função era
totalmente diferente.

Ao longo dos séculos, podemos observar o surgimento da construção de claustros nos


mosteiros, como acontece com os da Síria Central, no séc. V, particularmente nos
casos de Chaqqa e el-Barah, onde estes espaços apresentam arcadas em apenas
três dos seus lados. Apesar desta característica, já funcionavam enquanto espaço
distribuidor, facilitando a iluminação e a comunicação entre as dependências do
mosteiro. A origem deste tipo de claustro poderá estar na adopção pelos monges da
tipologia das casas particulares do Sul da Síria, adaptando-as às suas necessidades
enquanto comunidade religiosa.

Alguns autores, como Eschapasse (1963), defendem que foi nos mosteiros da Síria
que se basearam os planos dos mosteiros do Ocidente, planos esses que foram
sofrendo alterações baseadas no local de implantação, variando segundo as
características climatéricas, topográficas e hidrográficas de cada local, e ainda
dependendo do facto de se tratar de um ambiente urbano ou rural.

A partir do início do séc. VI, a regra de S. Bento atribui o nome Claustro a todo o
espaço arquitectónico de um mosteiro ou convento, atribuindo-lhe um sentido mais
lato e levantando questões relativamente à necessidade de existir ou não um espaço
Claustro no sentido estrito, enquanto espaço murado descoberto.

È com o Concílio de Tours, ainda no séc. VI, que se decreta a obrigatoriedade da


existência de pelo menos um claustro que proporcionasse aos monges ou frades um
espaço de contacto com a natureza, de reflexão, que lhes permitisse dedicarem-se à
leitura ou à meditação.

Susana Isabel Lince Condeço 31


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

No Ocidente, onde os religiosos, dedicados exclusivamente ao serviço de Deus, vivem


em comunidade, este espaço surge provavelmente da necessidade de proporcionar
uma área exterior mas resguardada, que poderá ser utilizada em qualquer época do
ano sem que as condições climatéricas tenham muita influência no seu uso, e cujas
características arquitectónicas permitem, não só um controlo térmico mais eficiente,
mas também diversos tipos de utilização de um mesmo espaço.

Considera-se ainda de salientar o papel do Claustro enquanto organizador do espaço


arquitectónico formado pelo conjunto edificado e uma importante relevância espiritual
no seu uso, na medida em que este é um espaço favorável à oração e ao repouso
espiritual, numa forte relação com a natureza, nos claustros plantados; com o Céu,
nos seus diversos sentidos; e com a água, que se encontrava quase sempre presente
sob a forma de um poço ou fonte, símbolo de vida.

É, assim, um espaço de sensações e de sentidos, onde o som da água se conjuga


com o aspecto visual do espaço arquitectónico e com o perfume das plantas, fazendo
com que seja agradável utilizá-lo, e até essencial para quem vive em clausura
(Coelho, 1987).

2.3.3. CONTEXTUALIZAÇÃO MORFOLÓGICA DOS CLAUSTROS

Quando analisadas as plantas e programa de mosteiros ou conventos de diversas


épocas, podem encontrar-se espaços e usos comuns entre eles, independentemente
do seu ano de construção, observando-se a existência de um esquema geral de
organização espacial que foi sendo adaptado a cada situação mas aplicado na grande
maioria dos casos.

Deste modo, o conjunto arquitectónico de carácter religioso era formado pela cerca, na
qual se encontravam as dependências relacionadas com o acolhimento de pessoas
que não eram parte da comunidade religiosa local, como a enfermaria, a capela, a
hospedaria, a botica, a horta e o pomar; o mosteiro, formado pelo dormitório,
biblioteca, claustro, sala do capítulo e oficinas; e a Igreja, com a respectiva sacristia.

Quanto à sua morfologia, os Claustros são geralmente de planta quadrada, embora


seja também possível encontrar exemplos com planta rectangular, trapezoidal ou

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

circular. Em Portugal existe um claustro com planta circular, situado em Vila Nova de
Gaia, no Mosteiro da Serra do Pilar, ao qual se faz referência por ser menos frequente.

Um Claustro pode ter entre um e três pisos, sendo este último menos comum.
Geralmente apresentam uma galeria coberta em volta do espaço central descoberto
cujo ritmo dos vãos varia de acordo com os estilos arquitectónicos, o arquitecto autor
do projecto e as épocas de construção. Deste modo, também o número de colunas, a
sua forma e/ou estilo, e a sua função (suporte, decoração ou ambos) variam de acordo
com diversos factores, entre os quais o local e época de construção do mesmo.

Ilustração 3 - Claustro de planta circular no Mosteiro da Serra do Pilar (Oliveira, 2013).

Enquanto elementos não ornamentais e fundamentais à construção das galerias do


claustro podem indicar-se o intradorso, os arcos e os capitéis das colunas. O
paramento interior das galerias era geralmente revestido, utilizando-se para esse fim
diversas técnicas, entre as quais o mosaico, o fresco, o baixo-relevo e o azulejo,
sendo este último muito frequente em Portugal, apesar de em alguns claustros não ter
sido aplicado aquando da construção original.

Em edifícios religiosos de maior importância, como grandes abadias e catedrais,


existiam por vezes dois claustros cujos usos variavam segundo a hierarquia religiosa,
sendo um deles, o de maiores dimensões, acessível a toda a comunidade religiosa e o
outro destinado ao abade e a altos dignatários eclesiásticos. O primeiro dava acesso

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

às áreas comuns como o refeitório, a sacristia, a sala do capítulo e os dormitórios,


enquanto pelo segundo se acedia ao cemitério, à enfermaria e biblioteca (Coelho,
1987).

2.3.4. AS FUNÇÕES DO CLAUSTRO

Num edifício religioso, este “pátio” podia ter diversas funções, entre as quais facilitar o
acesso rápido aos diversos espaços do mosteiro ou convento, funcionando em
qualquer tipo de condições climatéricas devido à protecção oferecida pelas galerias
que o envolvem. Além deste, eram dados ao Claustro outros usos, sendo o seu uso
como espaço de Estudo o mais importante. O claustro era um espaço onde os
religiosos podiam estudar, reflectir, ler e ainda dar lições a crianças. Na área coberta,
salvaguardados dos elementos, dedicavam-se a copiar e iluminar vários géneros de
manuscritos.

Este espaço funcionava também como um local de debate de ideias entre membros da
comunidade religiosa nos momentos em que lhes era permitido falar, facilitando a
troca de conhecimentos.

Ilustração 4 - Claustro da Hospedaria no Convento de Cristo, Tomar (Ilustração nossa, 2013).

Alem destes usos, pode ainda dizer-se que o Claustro funcionava enquanto local
dedicado à higiene pessoal da comunidade, sendo a fonte utilizada para lavar mãos e
pés enquanto se dirigiam para o refeitório, para lavar a roupa e, no caso dos homens,

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

para se barbearem; e como local de sepulcro, em alguns casos, onde se realizavam


as cerimónias fúnebres dos religiosos falecidos.

Quando se tratava de um conjunto arquitectónico onde existiam vários Claustros, era


comum cada um deles ser dedicado a uma destas funções, como acontece no
Convento de Cristo, do qual se trata neste trabalho, e no qual existem diversos
claustros nomeados segundo as suas funções (Claustro do Cemitério, Claustro da
Hospedaria, Claustro da Lavagem).

Ilustração 5 - Claustro das Lavagens no Convento de Cristo,


Tomar (Pereira, 2009).

Finalmente, os Claustros eram por vezes utilizados para a realização de Procissões


aos Domingos, durante a Páscoa e o Pentecostes, assim como durante outros
importantes momentos litúrgicos. Nestes dias, os membros da comunidade religiosa
percorriam as galerias em volta do espaço central do Claustro entoando cânticos e
orações (Faure e Mourilleron, 2001).

Deste modo, pode dizer-se que o Claustro é um espaço essencial na vida espiritual e
intelectual da comunidade religiosa, sendo o lugar dentro do conjunto arquitectónico
que simboliza a verdadeira realização espiritual monástica, fechar-se sobre si mesmo

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

na contemplação de Deus, resguardado de todo o pecado e todos os males, em


perfeita harmonia com o voto realizado e a aceitação da Regra pelo religioso.

O claustro era portanto o centro de um universo fechado, envolto por áreas colectivas
do conjunto arquitectónico, constituindo um espaço de contacto com o exterior mas
resguardado, onde a natureza é controlada, separado do Mal.
Neste espaço pretende-se recriar a Natureza nos primeiros dias do Mundo, sem
mácula, pura e fresca, através do ar, do sol, das plantas e da presença da água. As
dimensões e forma deste espaço são pensadas numa tentativa de exprimir a perfeição
perdida ao longo dos séculos (Duby, 1979).

2.3.5. O MISTICISMO DO CLAUSTRO E OS SEUS SIGNIFICADOS

A forma quadrangular, normalmente relacionada com os pontos cardeais e com os


quatro elementos da matéria criada, restabelece a harmonia e a proporção a este
pequeno universo circunscrito. A Arquitectura fala ao Homem, criando nele o
sentimento da presença de Deus em tudo o que o rodeia, ajudando-o no seu percurso
espiritual. Foram vários os autores que dissertaram acerca de um significado especial
para o claustro, tendo em conta a sua evolução ao longo do tempo.

Tendo em conta que inicialmente o Claustro era composto por apenas três lados
fechados e um aberto, Kinder (citado por Rocha, 2003) sugeria que cada lado dava
resposta a uma das três necessidades humanas principais: corporal, espiritual e
intelectual, a tríade “corpus” “anima” “spiritus”. A galeria ocidental que forma o último
lado do claustro foi inserida neste pela Ordem de Cister de modo a permitir o acesso
dos conversos ao Coro, local que até então era apenas permitido aos monges (Duby,
1979).

Para Juan Maria de La Torre, as quatro galerias do Claustro poderão relacionar-se


com o projecto da vida monástica, expressando em si aquilo que se espera do
religioso quando oferece a sua vida à oração. O religioso é convidado a tornar-se
perfeito enquanto Homem, passando pelos quatro lados deste espaço todos os dias
durante toda a sua vida, unificando nele as partes do seu ser (psíquico, social,
corporal e espiritual).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Segundo De la Torre, o Claustro é considerado pelos religiosos da Ordem de Cister


como um espaço de silêncio, onde se dedicam ao estudo da Palavra, à leitura e à
criação e consolidação da ponte entre esta e a oração, normalmente seguida por um
momento mais ou menos longo de reflexão e interiorização sobre a Palavra e a
Oração. Assim, este espaço serve enquanto catalisador e promotor de uma relação
mais próxima entre o religioso e Deus, com base no tipo de ambiente que lhe
proporciona.

Em relação aos sues significados intrínsecos, a galeria anexa à parede da igreja é


considerada a ala espiritual do Claustro, zona de leitura da palavra de Deus, de oração
e da lectio divina, esta última mais comum nos mosteiros beneditinos, constituída por
Leitura, Meditação, Oração e Contemplação, uma parte essencial da vida da
comunidade religiosa, considerada por S. Bento "como um dos meios mais adequados
e necessários para a vida dos monges" (Colombás, 1997).

Sendo que o objectivo principal da vida religiosa é a sublimação espiritual, a conecção


com Deus, a aproximação à perfeição que Ele deseja para o Homem, e que esse
objectivo não é possível sem Educação e Trabalho, a galeria dedicada à
Intelectualidade era a que se encontrava próxima da sala do capítulo, da biblioteca e
do scriptorium, local onde se precedia à cópia de manuscritos.

Neste local potenciava-se a relação Mestre-Discípulo, numa clara relação com a ideia
de ouvir e aprender através da disciplina e da obediência a uma entidade, neste caso
o Mestre, cuja sabedoria é mais vasta, um dos valores da tradição religiosa cristã (De
La Torre).

Quanto à simbologia dos quatro lados do claustro, podem relacionar-se com os quatro
rios do jardim do Éden, com a forma da cidade de Deus, com os quatro evangelhos ou
as quatro virtudes cardeais. O quadrado acaba por relacionar-se, ele próprio, com
Deus, sendo o Claustro um espaço de harmonia, de aparência controlada,
pretendendo atingir a perfeição, com a intenção de aproximar o Homem dos
ensinamentos do seu Deus. Os quatro compartimentos quadrados (existentes na
maior parte dos claustros) e a sua fonte central chegam a ser considerados como um
modelo cósmico (Duby e Delumeau, citados por Rocha, 2003).

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Guillaume Durand, no séc. XVIII, citado por Aschapasse (1963) refere uma relação
entre os quatro lados do claustro e quatro muralhas “o desprezo de si mesmo”, “o
desprezo do mundo”, “o amor do próximo” e “o amor de Deus”, e relaciona ainda a
base das colunas com a paciência, fornecendo-nos informações importantes
relativamente ao significado do claustro nesta época, cujos valores ainda hoje são
cultivados entre a comunidade cristã.

Um claustro é por vezes considerado um espaço místico, ou que encerra determinada


mística, e uma das razões para tal é o jogo de luz e sombra criado nas galerias pelos
elementos esculpidos nas arcadas e colunas, tendo em conta os diferentes graus de
luminosidade ao longo do ano (Lins, 2002).

Para potenciar ainda mais esta ideia existem todos os outros elementos constituintes
do mesmo que sugerem um ideal de Paraíso, fazendo dele um espaço onde as
plantas se interligam com a arquitectura e o elemento água e criam um lugar
agradável e onde se podem realizar vários tipos de actividades, sendo até o único
espaço ao qual não estão atribuídas funções específicas.

Ilustração 6 - Fonte do Claustro D. João III, Convento de Cristo,


Tomar (Ilustração nossa, 2013)

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Quer enquanto espaço de leitura e meditação, aprendizagem, oração ou socialização,


o Claustro sempre foi ao longo do tempo um lugar vocacionado particularmente para a
introspecção, a conversa consigo próprio após escutar o outro e a contemplação. Para
tal contribuía não apenas a sua forma, mas os seus cheiros, sons, luminosidades,
cores e ambiente, enquanto potenciadores de uma relação mais próxima com Deus e
consigo próprio.

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3. AS INFLUÊNCIAS DOS TEMPLÁRIOS

3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E GEOGRÁFICA

Fundada com o objectivo de proteger os peregrinos que se dirigiam a Jerusalém


devido à tomada deste território pelos Turcos, a Ordem do Templo torna-se a primeira
Ordem militar e religiosa da História. Tem como propósito, além da protecção dos
Peregrinos, a libertação da Cidade Santa e a cristianização, recorrendo para isso à
chamada Guerra Santa.

Aquando da sua fundação, entre 1118 e 1120, em Jerusalém, era formada por um
grupo de nobres cavaleiros e as suas funções, que inicialmente eram essencialmente
defensivas, acabaram por se tornar claramente ofensivas, respondendo às
necessidades daquela época com especial ênfase nas incursões contra os chamados
“infiéis”, e com o intuito de manter o domínio cristão no Oriente.

Vinculados à Santa Sé, estes cavaleiros combatiam ao longo das fronteiras da


cristandade, com o objectivo de cristianizar pouco a pouco cada território, ou manter
aqueles territórios que já eram Cristãos. Esta característica tornou a Ordem do Templo
uma organização que não se subjugava a nenhuma política em particular, obtendo-lhe
uma certa independência em relação à realeza Ocidental.

A sua Sede foi estabelecida no local onde se erguera o Templo de Salomão, onde
presentemente se encontra a Mesquita de Al-Aqsa, recebendo o seu nome com base
neste. Edificam, assim, o seu quartel-general no lugar a que se chamava Casa de
Deus, considerado à época como centro do mundo cristão.

Na ordem do Templo, os cavaleiros comprometiam-se a viver na pobreza, castidade e


obediência, e as suas primeiras regras foram redigidas no Concílio de Troyes em
1128, quando a Ordem se encontrava já em rápido crescimento, com o recrutamento
de um maior número de cavaleiros, cujas nacionalidades eram as mais diversas, mas
onde se destacava um maior número de franceses e ingleses. A Ordem do Templo
obtinha o sustento da sua casa religiosa graças a doações régias e a rendas
provenientes da exploração de propriedades por ela detidas.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

A primeira Regra da Ordem, em latim, era bastante severa e previa uma hierarquia
que reflectia a estrutura social do século XII, na qual os combatentes (os monges-
guerreiros que prestavam voto de castidade e pobreza) eram os cavaleiros de origem
nobre, os sargentos e escudeiros eram recrutados entre a burguesia e o povo e a
função religiosa era assegurada por clérigos.

Foi o carácter militar da Ordem que acabou por forçar a edificação de castelos e
fortalezas que pudessem auxiliar a manutenção dos territórios e a defesa contra
ataques que tinham como objectivo reconquistar os mesmos. Consequentemente,
estas edificações acabam por ter um papel fundamental, não apenas nas questões
defensivas, mas especialmente na organização ofensiva e no abastecimento de
provisões.

Além das suas funções religiosas e militares, a ordem do Templo desenvolvia ainda
uma actividade inovadora para a época que consistia no depósito de valores feito
pelos peregrinos que se dirigiam à Terra Santa para que não fossem despojados deles
ao longo da sua viagem, e que podiam levantar à chegada através da entrega uma
carta de garantia numa comendadoria da Terra Santa, que funcionava de um modo
semelhante aos actuais cheques.

Deste modo, os Templários geriam uma vasta riqueza, da qual não eram os
detentores mas sim os guardiães, que financiava as suas actividades no Oriente. Este
facto trazia à Ordem um enorme poder, tendo a ela recorrido diversos monarcas de
reinos europeus, particularmente os reis de França, que se socorreram do seu auxílio
em momentos de crise financeira. Eram também os fiéis depositários do tesouro real
francês desde o reinado de Filipe-Augusto, que mantinham guardado na sua “casa” de
Paris, a que muitos chamavam “O Templo”.

A Ordem expande-se rapidamente e desenvolve um modelo que é composto não


apenas pela função militar, mas também pela exploração da terra através de
comendadorias e “casas”, particularmente no Ocidente. Com a queda do Reino de
Jerusalém a acção dos Templários tornou-se ainda mais concentrada na
administração das rendas das terras pertencentes à Ordem. Em Portugal e em
Espanha, no entanto, os Templários continuam a ter uma acção militar muito
importante.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

É provável que os Templários já combatessem no território do Condado Portucalense


em 1125 mas a sua presença só se encontra devidamente documentada a partir de
1128, aquando da doação do Castelo de Soure à Ordem por D. Teresa, confirmada
por D. Afonso Henriques em 1129, acção tomada devido às dificuldades por que o
território passava na defesa contra os muçulmanos, tratando-se de uma necessidade
estratégica.

Foram diversas as doações de terras à Ordem do Templo com o intuito de obter


auxílio na conquista do território, já que os cavaleiros ocupavam ou construíam
edifícios de carácter defensivo nesses locais e defendiam a área adjacente, algo que
se revelou essencial para o sucesso da expansão das fronteiras.

A tomada de Santarém, em 1147, marca a afirmação da Ordem em Portugal e em


resultado da sua vitória são-lhe doados os termos eclesiásticos e o termo da vila. A
conquista desta região era de extrema importância, particularmente após a conquista
de Tomar e Leiria, já que detinha uma posição estratégica junto ao Tejo, de onde
partiam as incursões inimigas.

No ano de 1158, D. Gualdim Pais ascende a Mestre da Ordem e rapidamente se torna


num dos seus mais importantes Mestres, tendo combatido em diversas importantes
batalhas, e sendo responsável pela edificação de diversos castelos e fortalezas
(Pombal, Tomar, Almourol, Penas Róias, Longroiva, Soure).

Com D. Gualdim Pais regista-se um desenvolvimento rápido da Ordem e um aumento


do número de cavaleiros. Por volta de 1250 os territórios da Ordem estendiam-se pela
Beira centro, interior e Nordeste transmontano.

3.2. A ARQUITECTURA MILITAR E A ORDEM DO TEMPLO

Quanto à arquitectura militar, a ordem do Templo trouxe consigo algumas inovações


na edificação de castelos e fortalezas, entre as quais se destacam: a Torre de
Menagem, erguida isoladamente das muralhas e ao centro do recinto do castelo,
normalmente no ponto mais alto; o alambor, que consistia num reforço das muralhas
através de um escarpamento de pedras ou utilizando uma escarpa natural; e o

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

hurdício, uma protecção em madeira que permitia um aumento do angulo de tiro a


partir a zona superior das muralhas e torres (Santos, 2008).

O Castelo templário de Tomar foi um dos edifícios de maior importância da Ordem do


Templo, não só pelo seu posicionamento estratégico, mas acima de tudo pela sua
Charola, edifício de planta centralizada, poligonal, que seguia o modelo do Templo da
Rocha, em Jerusalém, e cuja entrada se fazia a Nascente.

A Ordem do Templo foi, assim, uma organização indispensável para Portugal ao longo
dos séculos, não apenas na conquista do território que hoje é o nosso país e na sua
fundação, mas também noutros momentos marcantes da nossa História, como os
Descobrimentos.

3.3. A QUEDA DA ORDEM DO TEMPLO

A actividade “bancária” desenvolvida pela Ordem do Templo vai fazendo com que a
sua impopularidade aumente ao longo do tempo, particularmente agravada em França
devido às cobranças de impostos em momentos de aflição financeira com a intenção
de obter fundos para levar avante as suas batalhas, com especial ênfase para as
guerras na Flandres.

Em torno dos Templários formou-se uma animosidade de grandes proporções e


também um conjunto de boatos que acabaram por explicar as acusações deduzidas
contra eles, que levaram à extinção da Ordem.

Através de uma impressionante operação, o Rei Filipe-o-Belo acaba por conseguir


prender todos os templários nas suas comendadorias a 13 de Outubro de 1307 não
obtendo qualquer resistência da parte dos monges-guerreiros.

A notícia espalha-se rapidamente por todo o território francês e acusam-se os


templários em praça pública de apresentarem comportamentos impróprios e de
cometerem crimes de religião, como a sodomia, a adoração de ídolos e a realização
de rituais obscenos e anti-cristãos.

44 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

A 14 de Outubro são aduzidas as acusações, sintetizadas no documento Rex Jubet


Templarios Comprettendi, baseadas em depoimentos questionáveis e diversas
denúncias, que davam conta de acções heréticas e comportamentos desviantes, como
a negação de Cristo e da cruz, práticas forçadas e consentidas de homossexualidade
e adoração de um ídolo (conhecido como “bafomet”).

Foi através da tortura que se obtiveram grande parte das confissões que confirmavam
as acusações, que incluíam todos os mais graves motivos de censura. Essas
acusações acabam por se espalhar pelos meios populares, particularmente em
circunstâncias anti-clericais, e a eles se acrescenta a fama dos Templários devido ao
secretismo da Ordem e da sua riqueza acumulada (Pereira, 2009).

É então que o Papa Clemente V, que vivia em França e fora eleito através das
manobras de Filipe-o-Belo, vai servir os propósitos do monarca, emitindo uma Bula, a
22 de Novembro, na qual se ordena a prisão de todos os Templários. A 2 de Maio de
1312 a Ordem acaba por ser extinta apesar dos protestos dos freires templários.

3.4. O SURGIMENTO DE UMA NOVA ORDEM

Ao contrário do que acontecia em França, em Portugal o Rei D. Dinis não desenvolveu


qualquer tentativa de extinguir a Ordem do Templo. Aquando da recepção da Bula
papal que ordenava a prisão dos cavaleiros, o monarca não apresentou urgência em
levar a cabo essa directiva, sendo por essa razão bastante lento o processo de
extinção da Ordem.

Apesar de não terem sido encontrados fundamentos para as acusações aos


templários, era necessário garantir a obediência ao Papa pelo que, a 27 de Novembro
de 1309 é emitida uma sentença real que decide o regresso à Coroa das posses da
Ordem mas a sua extinção acaba por não ser completamente concretizada, já que os
Reis de Portugal, Castela e Aragão decidem reservar os bens do Templo e mantê-los
“de parte” (Pereira, 2009).

Quando finalmente se concretiza a extinção da Ordem do Templo, D. Dinis funda a


Ordem de Cristo que “herda” os bens e os cavaleiros da Ordem do Templo, e cuja

Susana Isabel Lince Condeço 45


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

sede é localizada no Castelo de Castro Marim, no Algarve. Apenas em 1357 a sua


sede regressa ao Castelo de Tomar.

A transferência dos bens da Ordem do Templo para a Ordem de Cristo garante, assim,
a actividade dos Templários em Portugal, já que nada diferencia a nova Ordem da sua
antecessora. Além do seu nome ser equivalente, também o hábito permanece o
mesmo, assim como a sua insígnia, cuja cruz recebe a inscrição de uma cruz grega
branca. Mais tarde altera-se a cruz, cujos extremos são modificados, transformando-a
na conhecida Cruz de Cristo, que assume com D. Manuel um valor equivalente ao da
insígnia Real.

Ilustração 7 - Heráldica do Município de


Tomar (Câmara Municipal de Tomar, 2008.

Aquando desta refundação da Ordem do Templo na Ordem de Cristo, é-lhe dada a


Regra cisterciense e nomeado um Mestre, D. Gil Martins, que acumula funções
enquanto Mestre da Ordem de Avis, Ordem que também tinha adoptado a Regra de
Cister, sendo o superior espiritual da Ordem de Cristo o Abade de Alcobaça.

Com o objectivo de resolver problemas relacionados com a dependência espiritual e


de obediência para com Cister, um capítulo reunido em Tomar adoptou, a 11 de Junho
de 1321, a Regra de Calatrava, mantendo-se os frades como monges-cavaleiros.

A partir de 1417 o cargo de mestre da Ordem passa a ser desempenhado por


elementos da Casa Real ou pelo próprio Rei por nomeação do Papa, tornando-se
assim Administradores ou Governadores da Ordem de Cristo. O primeiro mestre deste
novo regime foi o Infante D. Henrique, que deu continuidade aos Templários,

46 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

mantendo o seu espírito de cavalaria e cruzada mas direcionando-os para a conquista


da Ásia, através das viagens marítimas que foram financiadas pela própria Ordem.

Apesar do sucesso que a Ordem teve no cumprimento do seu papel e da sua


importância nos Descobrimentos, a sua organização interna, instituída desde o reinado
de D. Dinis, na qual existiam freires-cavaleiros e freires-clérigos, é objecto de uma
profunda reforma no reinado de D. João III.

A principal alteração está relacionada com a distinção total entre freires e cavaleiros,
transformando a Ordem de Cristo numa Ordem de estrita clausura e dando-lhe agora
um papel apenas contemplativo e monástico, claustral, baseada na Regra beneditina
(Pereira, 2009)

Esta reforma de tão grandes proporções leva à construção de um “novo” convento,


renascentista, que foi integrado no conjunto edificado do mosteiro e da fortaleza
medieval. O Castelo acaba por se tornar apenas um resíduo da vocação guerreira
inicial dos Templários.

São estas profundas alterações que levam à construção de um convento cuja


organização espacial se concretiza em torno de espaços claustrais, não apenas um,
mas diversos, devido principalmente ao lugar onde são edificados, e que serão
descritos e analisados nos capítulos seguintes.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

48 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

4. O CASTELO DE TOMAR E O CONVENTO DE CRISTO

4.1. O CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO

Tomar e a sua envolvente são caracterizados por uma paisagem diversificada,


fortemente marcada pelo rio Nabão, que conjuga num mesmo local zonas de planície,
mais perto do rio, e de relevo mais acentuado, como o conjunto de elevações que
envolve a colina onde se situa o Castelo, conhecidos como os Sete Montes de Tomar.

Este conjunto forma uma “unidade de paisagem” diferente, especial e muitas vezes
relacionada com os templários, ao envolver um vale onde se desenvolverá todo o
espaço construído pelo Homem, após a fundação templária.

Assim, a edificação do Castelo Templário foi iniciada no ano de 1160 por ordem de D.
Gualdim Pais, Mestre da Ordem do Templo, após mandar “lançar sortes” para decidir
sobre o melhor local e por três vezes cair a sorte na elevação onde posteriormente se
construiu o Castelo (Inquérito ordenado por D. Diniz após a extinção da Ordem do
Templo, citado por Barbosa, 2009).

Aquando da sua construção, era já um dos maiores redutos defensivos edificados no


território português, revelando a dimensão do empreendimento, a importância dos
Templários e a competência de Gualdim Pais, cuja experiência de cinco anos de
campanhas na Terra Santa forneceu uma ideia de como deveria ser o plano do
Castelo, testemunha da avançada arquitectura militar do Reino de Jerusalém (Pereira,
2009).

Devido à natureza da fundação deste lugar, o Convento da Ordem de Cristo ficou


sempre associado à povoação de um ponto de vista urbano e à região de um ponto de
vista rural devido à organização senhorial que existia.

Este Castelo era composto pela casa militar dos cavaleiros templários, incluindo o seu
oratório, e pela vila fortificada, construída no interior das muralhas, sendo notória a sua
implantação num local estrategicamente defensivo, de onde é possível controlar
grande parte da paisagem envolvente.

Susana Isabel Lince Condeço 49


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Diversos vestígios indicam que no local onde se edificou o castelo existiam


construções anteriores, tão antigas quanto a ocupação romana, algumas das quais
com inscrições que demonstram quão importante este lugar era muito antes da
construção do castelo templário.

Exemplo disso é a pedra de altar que faz parte do embasamento da torre de


menagem, cuja inscrição, relacionada com o espírito do lugar, nos revela que, já
durante a época romana, este se tratava de um lugar de cariz sagrado ou espiritual.

Em Tomar, a Ordem era detentora de alguns edifícios que ajudavam ao seu sustento,
como era o caso de moinhos, lagares e armazéns, onde eram levadas a cabo trocas
comerciais de recursos agrícolas. Assim, não só se explorava o solo, como também se
dispunha dos meios para transformar, armazenar e vender os bens produzidos.

4.2. CARACTERÍSTICAS ESPACIAIS E FORMAIS

Fazendo parte de um dos mais extensos conjuntos monumentais da arquitectura da


Península Ibérica e da Europa, o Convento de Cristo abrange uma área de quarenta e
cinco hectares, sendo cinco destes correspondentes ao conjunto edificado do Castelo
templário e do Convento, e a restante área relativa à antiga cerca conventual.

No que respeita ao espaço do castelo, pode dizer-se que se encontra dividido em três
partes por duas muralhas interiores e envolvido por uma cintura de muralha, que
delimita o perímetro exterior da fortificação.

A Sul, encontrava-se o espaço de maior área, onde os edifícios formavam a vila de


Tomar, espaço onde morava a população povoadora da mesma, protegida pelas
muralhas cuja porta apresentava dois torreões, outro meio de protecção. Na área
muralhada central situava-se o terreiro do castelo, a sua praça de armas.

Por fim, na área mais elevada e a Norte, situava-se o paço dos Cavaleiros Templários,
constituído por duas zonas distintas: a Alcáçova, a nascente, com a respectiva torre de
menagem, e a Charola Templária, a poente, um templo fortificado cujo espaço central
é composto por oito ângulos com uma nave envolvente poligonal de dezasseis lados.

50 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

A Charola encontra-se ligada à cortina exterior de muralhas que se encontravam a


Norte e a Sul, formando assim um perímetro irregular e assente no terreno original.
Trata-se de um dos mais importantes exemplos de arquitectura templária, integrada na
campanha de obras românica e gótica dos séculos XII e XIII. Pretendia-se que este
edifício, devido à sua morfologia, se assemelhasse a outros, conhecidos dos
templários, como a Igreja do Santo Sepulcro ou a Mesquita de Omar.

A estrutura cilíndrica tem planta octogonal no seu núcleo mais interior, envolta por
paredes exteriores que se desmultiplicavam em dezasseis panos, reforçados por
contrafortes sólidos. Ao observar atentamente pode constatar-se que a Charola foi
construída em duas fases (a primeira, em alvenaria miúda até ao primeiro andar e a
segunda em silharia aparelhada).

Ilustração 8 - Exterior da Charola (Pereira, 2009).

Na cidadela, onde se erguia a antiga povoação de Tomar, a entrada era feita pela
Porta de Santiago, construída no século XV. À sua esquerda erguia-se a extensão das
muralhas da Almedina, assentes sobre um poderoso “alambor”, o mais extenso e de
maior largura de todos os castelos em território português.

Susana Isabel Lince Condeço 51


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

A porta original, do século XII, é a Porta do Sol, que era flanqueada pelos muros da
Alcáçova e pela muralha da Almedina devido ao facto de ser situar numa reentrância,
não por acaso, mas pela dificuldade acrescida que criaria aos inimigos.

No pano de muralhas voltado a Sul situa-se a Porta do Sangue, ou da Almedina, cujo


nome provem do cerco que em 1190 o exército de Al-Mansur impôs à povoação,
sendo que a fortaleza acabou por não sofrer quaisquer danos, dando conta do seu
poder e efeito dissuasor (Pereira, 2009).

Diversos foram os elementos construtivos trazidos pelos templários para a edificação


das suas fortalezas em Portugal, mas um dos mais importantes, e que foi
implementado em Tomar, foi o “alambor”, consistindo num reforço do embasamento
das muralhas exteriores com recurso a um escarpamento de pedras ou tirando partido
das condições topográficas do local quando nele já existiam zonas escarpadas
(Santos, 2008), em declive acentuado, que impedia a aproximação dos exércitos
inimigos e evitava a tentativa de escavação e demolição dos muros.

Ilustração 9 - Alambor da fortificação templária em Tomar (Pereira, 2009).

52 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Devido a obras de ampliação posteriores, partes das muralhas acabaram por ser
desmontadas ou parcialmente adossadas aos edifícios construídos ao longo do tempo,
principalmente nos seus percursos Norte e Poente, sobretudo nas obras do reinado de
D. Manuel e de D. João III.

4.3. INTERVENÇÕES DE ALTERAÇÃO E AMPLIAÇÃO

Com a extinção, em 1312, da Ordem do Templo, surge em Portugal a Ordem de


Cristo, durante o reinado de D. Dinis, em 1319. Esta Ordem acaba por herdar bens,
graças e privilégios da Ordem do Templo e dá-se então início a um dos períodos mais
importantes da História de Portugal, os Descobrimentos, levando a uma abertura de
Portugal ao Mundo, a outras Culturas e a outros lugares.

É no século XV que se dá uma das mais importantes alterações urbanísticas e


paisagísticas em Tomar, implementada pelo Infante D. Henrique entre o rio e a
encosta do castelo templário, agora ocupado pela Ordem de Cristo após a extinção da
Ordem do Templo em Portugal.

Na zona da várzea, o Infante decide dividir a terra em talhões e criar ruas paralelas e
perpendiculares ao rio, numa malha ortogonal, criando açudes para aproveitar o curso
deste enquanto energia motriz e “domesticando” o seu leito (Barbosa, 2009).

Ainda sob as suas ordens, a antiga alcáçova, a casa militar dos Templários, e o
convento templário foram integrados no Paço do Infante, enquanto eram edificados
tanto o Claustro do Cemitério como o Claustro das Lavagens.

O Claustro do Cemitério, adjacente à Charola, remonta a 1420 e é da autoria de


Fernão Gonçalves, em estilo gótico flamejante. O seu nome deve-se à sua função, já
que se destinava a ser local de sepulcro dos freires e dos altos dignatários da Ordem
de Cristo, enquanto complemento ao panteão situado em Santa Maria do Olival.

De modo a articular o Claustro do Cemitério e o Paço do Infante, edifica-se o Claustro


“das lavagens”, sendo necessário adaptar a construção ao grande desnível entre as
cotas de soleira do Claustro do Cemitério e da zona palaciana, sendo assim composto
por dois pisos. A funcionalidade era um dos requisitos deste claustro, construído num

Susana Isabel Lince Condeço 53


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

estilo que remete para a arquitectura do gótico tardio mediterrânico, destinado às


tarefas domésticas da comunidade religiosa.

É neste local que se o Infante acaba por delinear a sua estratégia de expansão, com
base nos conhecimentos e tecnologias que obteve da Ordem do Templo.

Com D. Manuel I, Governador da Ordem de Cristo, surgem outras obras significativas


neste conjunto, especialmente devido aos benefícios das Descobertas, utilizando as
riquezas que estas produziram com o objectivo de dignificar a congregação e o espaço
por ela ocupado em Tomar.

Em 1503 realiza-se em Tomar um Capítulo geral, com a presença do Rei, com o


objectivo de rever os Estatutos e disciplinar a Ordem de Cristo, sendo bastante
provável que D. Manuel tenha tentado forçar a renovação do conjunto edificado desde
então.

É apenas em 1510 que o monarca pode dar seguimento às suas intenções, ordenando
a edificação de um Coro a Poente da Charola Templária, encomendado a Diogo de
Arruda e cuja construção encostada à face Ocidental da Charola não tem qualquer
precedente tipológico, formando uma nave ao gosto Manuelino.

Ilustração 10 - Nave Manuelina e Coro (Pereira, 2009).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Esta nave contém, no seu lado Poente, a Janela do Capítulo, elemento de grande
importância histórica e escultórica, executado por Diogo de Arruda segundo programa
iconológico definido pelo Rei.

A conclusão das obras da igreja é da autoria de João de Castilho, que foram iniciadas
por volta de 1515, com o intuito de resolver problemas que Arruda deixara sem
solução e concluir a cobertura da nave, além de criar um novo acesso monumental, a
Sul, que exprimisse a grandeza da congregação e do seu mais grandioso mecenas.

Este novo discurso decorativo celebra, não só a Coroa Portuguesa, mas também a
Ordem de Cristo, numa imagem de Poder e Fé interligados, constituída por uma
conjugação de estilo Manuelino, Gótico e já influenciado pela linguagem do
Renascimento.

Ilustração 11 - Janela Manuelina da Sala do Capítulo do Convento


de Cristo (Ilustração nossa, 2013).

Além das obras de carácter escultórico e arquitectónico, são ainda executadas obras
de ornamentação na abóbada, no deambulatório e no tambor central, cujos motivos
são arquitectónicos, vegetalistas e figurativos.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

São também expropriados no reinado de D. Manuel I os moradores do interior da


muralha do castelo, tornando-o assim um espaço exclusivo da Ordem de Cristo.

Ainda durante o século XVI, a reforma da Ordem de Cristo promovida por D. João III e
executada por Frei António de Lisboa, na qual esta perde o seu ramo de cavalaria
mantendo apenas o religioso, leva a mais uma profunda alteração arquitectónica e
espacial do castelo templário: a construção de um convento de grandes dimensões
que se desenvolve em torno da Igreja templária.

O objectivo principal desta grande reforma da Ordem era reconduzi-la à pureza de que
se encontrava afastada, impondo-lhe para isso uma nova orientação religiosa a partir
de 1529.

Por volta de 1530 iniciam-se as obras do Claustro Principal, da autoria de João de


Castilho que é posteriormente parcialmente demolido e substituído pelo actual, de
Diogo de Torralva, que estaria terminado, no seu essencial, em 1562, e ao qual se
coloca o nome do rei.

Ilustração 12 - Claustro D. João III da autoria de Diogo de Torralva


(Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Este exercício arquitectónico e escultórico, num estilo que cruza o renascimento, o


maneirismo e outras influências arquitectónicas, particularmente do Norte da Europa,
denota uma relação clara entre o passado e o presente, quanto à sua data de
construção.

Devido à imposição da Regra de clausura, surgem então os espaços conventuais


organizados em volta de seis novos claustros e a paisagem da Cerca Conventual,
área envolvente do convento, murada, conhecida como floresta ou mata dos Sete
Montes nos nossos dias, símbolo da terra que o Homem deve habitar e transformar
com o seu trabalho. O lugar dos Sete Montes é assim agregado ao Convento
renascentista, formando uma paisagem histórica e um conjunto único no seu género.

Ilustração 13 - Vista da colina do castelo templário e do convento, parte integrante da Cerca


Conventual (Ilustração nossa, 2013).

Pretendia-se renovar e melhorar o comportamento da Ordem e direccioná-la para um


objectivo monacal, assim como dotar o Convento de um conjunto de monges letrados,
versados em Latim, Teologia e Artes, já que ao longo dos anos se tinha observado
uma decadência do clero da congregação.

Os antigos freires-cavaleiros não acolheram da melhor forma este conjunto de


alterações e decorreram purgas que deixaram as suas marcas e muitos

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

ressentimentos. Apesar disso, o rigor da reforma e a inspiração espiritual agostiniana


de Frei António de Lisboa acabaram por vencer (Pereira, 2009).

Em resultado do conjunto de espaços que frei António acreditava estarem em falta,


edifica-se assim um conjunto arquitectónico de grandes dimensões, acrescentado aos
edifícios medievais e manuelinos, segundo uma visão moderna e funcional.

João de Castilho é então encarregue deste projecto em Março de 1530, cujo plano
obedecia a um conceito extremamente funcional e racional, tratando-se de um
quadrilátero para poente do Coro Manuelino, organizado em volta de um espaço de
circulação em cruz. De cada um dos lados deste espaço localizavam-se quatro
Claustros: o principal, o da Hospedaria, o dos Corvos e o da Micha.

Ilustração 14 - Ortofotomapa do conjunto edificado do Castelo Templário e do Convento de Cristo em


Tomar (Google, 2013).

A este conjunto de claustros acrescenta-se ainda o Claustro das Necessárias, um


corpo saliente a poente destinado apenas ao saneamento, e o Claustro de Santa
Bárbara, destinado a preencher o espaço entre o coro manuelino e os novos edifícios,
agregando-os.

É possível que a obra de Castilho tenha sido iniciada pelo Claustro de Santa Bárbara,
que forma um espaço cúbico apoiado nas paredes do coro e da igreja manuelinos,
constituindo uma das principais rótulas de articulação entre os novos espaços e os

58 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

pré-existentes. Devido aos desníveis do terreno, o piso inferior deste claustro


encontra-se quase subterrâneo e o seu piso superior foi desmontado mais tarde de
modo a valorizar a janela manuelina.

Além de influências do Renascimento italiano, e entre outras, encontramos em todo o


projecto de Castilho um conjunto de elementos que terão sido produzidos segundo o
estilo Plateresco, um estilo arquitectónico de origem espanhola cuja aparência faz
lembrar um trabalho de ourivesaria pela sua profusa ornamentação.

Ilustração 15 - Claustro de Santa Bárbara (Ilustração nossa, 2013).

O Claustro Principal, do qual se falará em detalhe no próximo capítulo, foi edificado


entre 1533 e 1545 e deveria constituir uma obra-prima da arquitectura do seu tempo,
mesmo inacabado, mas acaba por ser parcialmente desmontado e substituído pelo
claustro que hoje podemos observar, da autoria de Diogo de Torralva, outra obra-
prima da arquitectura, iniciado em 1558.

Um dos espaços menos explorados até aos nossos dias e com muitos elementos por
desvendar é a Sala do Capítulo, de acesso directo a partir das portadas iconografadas
do piso térreo do Claustro Principal, cujas obras nunca foram concluídas.

Destinada ao Capítulo dos cavaleiros, expulsos entre 1530 e 1534, as suas


proporções eram manuelinas mas a organização do seu alçado parece revelar uma

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

raiz gótica e foi provavelmente iniciada por volta de 1515, com as obras retomadas em
1530, imediatamente após o início da reforma da Ordem.

Ilustração 16 - Sala do Capítulo incompleta (Ilustração nossa,


2013).

Ilustração 17 - Vista do piso superior da Sala do Capítulo incompleta (Ilustração nossa, 2013).

60 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

No piso superior, com acesso pelo terraço de entrada ao nível da igreja, possui ao
fundo um arco triunfal ao gosto manuelino que deverá ter sido reconstruído
posteriormente. Era neste piso superior que deveriam reunir os cavaleiros mas após a
sua expulsão nunca foi concluído.

Castilho acaba por abrir no piso inferior outra dependência, quase em cripta, que seria
destinada ao Capítulo dos monges da Reforma de 1429 e uma área de recepção em
átrio é datado de 1541 segundo a inscrição na porta de acesso.

Ilustração 18 - Portal da Sala do Capítulo incompleta de Castilho (Ilustração nossa, 2013).

No exterior é possível observar uma monumentalidade ainda manuelina que absorvia


uma parte da muralha da Almedina, aglutinando-se com ela e adaptando-a, podendo
antever-se que este espaço teria uma proporção equivalente à do coro, igreja e
sacristia manuelinos, mimetizando também a sua composição em dois pisos.

Os Claustros da Micha e dos Corvos podem considerar-se espaços mais funcionais,


cuja arquitectura não necessitava de ser tão nobre, já que se destinavam
particularmente ao noviciado e à assistência, nunca obtendo o nível de acabamento e
perfeição dos restantes embora estejam com eles relacionados.

No Claustro da Micha, cujo significado é “côdea”, pode observar-se a Portaria


Conventual onde se fazia a entrada original no Convento. Edificado entre 1530 e 1546,
este Claustro encontrava-se numa zona intersticial devido à sua construção precoce.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

No piso superior encontravam-se os dormitórios dos noviços e alguns outros espaços


de menor importância, enquanto pelo piso inferior era possível aceder a dependências
funcionais como a Adega, as Despensas ou a Cozinha, assim como a Casa do
Procurador, o armazém da lenha, ou o forno de cozedura do pão, que dá o nome a
este espaço claustral.

Ilustração 19 - Fachada exterior da Sala do Capítulo inacabada (Pereira,


2009).

Ilustração 20 - Claustro da Micha no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Também por aqui se tem acesso à Casa de Dom Prior, edificação como que
acrescentada à construção inicial, e às monumentais Salas das Cortes, que
originalmente compunham um conjunto homogéneo cujas funções estavam
relacionadas com o ensino dos noviços nas duas primeiras, e a capela do noviciado na
última.

Ilustração 21 - Vista de uma das Salas das Cortes (ilustração


nossa, 2013).

Nestas três salas Castilho pretendia mimetizar a sala hipóstila de Vitrúvio, criando nas
duas primeiras salas um espaço arquitravado, com cobertura em madeira suportada
por quatro colunas centrais.

Na sala quadrada que remata o piso superior situa-se a capela do noviciado,


composta por dezasseis colunas coríntias, canónicas, com capitéis compósitos
também canónicos, que sustentam uma cobertura em madeira, arquitravada, com
abóboda em caixotões. Foi mais tarde reproduzida em pedra na Capela de Nossa
Senhora da Conceição, da qual se falará adiante, sendo esta sala a mímica da sala
hipóstila de Vitrúvio das quais as anteriores são apenas ensaios.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 22 - Capela do Noviciado, mímica da sala hipóstila de Vitrúvio (Ilustração nossa,


2013).

Com um desenho aproximado ao do Claustro da Micha, o Claustro dos Corvos foi


edificado entre 1537 e 1546, com planta quadrangular, servindo enquanto espaço de
ligação e organização das zonas destinadas aos freires letrados. Entre estes, podem
destacar-se a Livraria, entretanto desaparecida e que se encontrava ligada
interiormente ao scriptorium, as salas de estudo e no piso superior os dormitórios
destes freires.

Ilustração 23 - Claustro dos Corvos no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Entre 1541 e 1542 edifica-se o Claustro da Hospedaria, cuja forma e tipologia deverão
ter sido adoptadas no claustro grande da autoria de Castilho, embora neste o seu
desenho seja mais simples do que no Claustro Principal inicial.

Ilustração 24 - Claustro da Hospedaria no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).

Ilustração 25 – União do Claustro da Hospedaria com a fachada da


Nave Manuelina da Igreja (Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Este Claustro funcionava enquanto organizador dos espaços destinados a acolher os


hóspedes ou visitantes do Convento, seguindo por isso um desenho mais elaborado e
nobre do que os claustros destinados a áreas de cariz mais funcional, procurando à
maneira renascentista alcançar a perfeição e negando a ornamentação manuelina ao
“encostar-se” à fachada Norte do Coro e da Igreja e acabando por ocultar parte desta.

O espaço intersticial que divide os quatro claustros de maiores dimensões forma um


“cruzeiro”, cuja arquitectura é limpa e despojada de ornamentação excessiva. A sua
cobertura é formada por uma extensa e monumental abóbada de berço, composta por
caixotões de madeira, ao gosto clássico.

Ambos os pisos apresentam planta em cruz latina e obedecem a princípios funcionais,


já que se trata da área de acesso às celas dos monges, constituindo a mais extensa
construção portuguesa desta tipologia e articulando-se com outros espaços conforme
estipulava a Regra: a norte o Coro e a Igreja, a Sul o Claustro Principal e a Poente o
Refeitório.

Na união entre estes dois espaços de circulação forma-se o cruzeiro, projectado por
Castilho com a assistência de Pedro de Agorreta, cuja cobertura em cúpula contém
um lanternim, quebrando a simplicidade e sobriedade do espaço particularmente
através da ornamentação que apresenta (grinaldas e putti).

Ilustração 26 - Zona de circulação que permite o acesso aos dormitórios dos conversos
(Ilustração nossa, 2013).

66 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 27 - Vista da cobertura da zona central do "cruzeiro" (Ilustração nossa, 2013).

Em 1533 edifica-se no final do corredor poente-nascente uma capela, espaço cúbico,


em consola e balançado para o Claustro de Santa Bárbara, na qual encontramos uma
escultura de terracota representando Cristo sentado (datada de 1654) sobre um
baldaquino, e que ocupa a quase totalidade do espaço.

A abóbada desta capela foi realizada em pedra, ornamentada com caixotões, também
eles em pedra, que representam figuras da mitologia clássica, de histórias moralistas,
de um Rei ou Papa e de um Bobo, todos eles motivos fora do que seria de esperar.

No espaço do refeitório, de planta rectangular, podemos observar uma abóbada de


canhão, com caixotões de nervuras em madeira e secção quadrangular interior em
pedra, assente numa cornija contínua.

Destacam-se os púlpitos, de 1535-1536, em cada um dos panos laterais deste espaço,


que se encontram exactamente em posições opostas um ao outro, com acesso pelo
exterior do espaço, ornamentados por motivos clássicos simbólicos, tipicamente
renascentistas: dois Eros.

Complementando o Refeitório existe um espaço de apoio, a Copa, que comunica com


a cozinha e com o armazém, num conjunto de dependências mais funcionais e de
utilização mais “doméstica”.

Susana Isabel Lince Condeço 67


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 28 - Púlpitos do refeitório do Convento de Cristo (Pereira, 2009).

A adega é um espaço que se desenvolve com planta rectangular, cuja parede mais
afastada da entrada se abre para o laranjal dos freires em três vãos, em arco de volta
perfeita.

Acerca deste espaço, anterior à obra nova de Castilho, alguns investigadores


acreditam ter-se tratado de uma área onde teriam lugar cerimoniais templários, de
entrada restrita, sendo a sua função ocultada pela de Adega, não havendo, no
entanto, provas em relação a estas suposições, baseadas em elementos escultóricos
no acesso ao espaço em causa (Pereira, 2009).

Ilustração 29 – Trifronte no acesso à adega do Convento (Pereira, 2009).

68 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

A Ermida de Nossa Senhora da Conceição, desenhada por João de Castilho, é


construída a meio caminho entre o mundo dos Homens, a cidade, e o de Deus, o
Convento, entre 1547 e 1572, na área pertencente à Cerca Conventual.

Este espaço terá sido erguido sob o patrocínio do reformador da Ordem, Frei António
de Lisboa, e mesmo pelo próprio Rei, D. João III, tendo os seus acabamentos sido
executados, primeiro, por Torralva e, depois, por Terzi, que concluiu as obras do
edifício.

A fachada da igreja reflecte as fachadas dos templos romanos, com frontão triangular,
e consegue resolver um dos problemas da arquitectura renascentista de inspiração
clássica através da organização espacial das três naves, cuja altura é igual, inscritas
num volume rectangular (Pereira, 2009).

Ilustração 30 - Ermida de Nossa Senhora da Conceição na Cerca em Tomar (Ilustração nossa,


2013).

Este edifício rectangular, de planta em cruz latina, com três naves e transepto
ligeiramente saliente, avista-se de diversos pontos da cidade e, segundo o ponto de
observação, mostra-se ora delicada, ora monumental.

No seu interior reina a harmonia entre ordens arquitectónicas através de um


interessante jogo de luz que cria a ilusão de grandiosidade e profundidade,
consagrando-a como uma das obras-primas do Renascimento Europeu.

Susana Isabel Lince Condeço 69


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 31 - Interior da Eremita de Nossa Senhora da Conceição


(Ilustração nossa, 2013).

Desenvolve-se segundo um conjunto de proporções relacionadas com o número de


ouro, sendo o seu interior modular composto pelas três naves, o transepto e a capela-
mor, cuja divisão é composta por um conjunto de colunas com capitéis coríntios.

Ilustração 32 - Cúpula no cruzamento entre o transepto e a nave central da Eremita (Ilustração


nossa, 2013).

70 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Assente nas colunas, um delicado e interessante conjunto de arquitraves que definem


a hierarquia dos espaços sustenta abóbadas de berço ornamentadas com motivos
típicos do Alto-Renascimento. A abóbada da capela-mor é em meia-laranja, em
concha, e no cruzamento entre as abóbadas do transepto e da nave central a
cobertura contém uma cúpula.

Apesar dos diversos elementos que apontam para a função de mausoléu de D. João
III e D. Catarina deste espaço, e dos diversos estudos realizados a esse respeito, há
sempre algo que leva a crer que esta não poderia ser a finalidade deste espaço já que
apesar de ser uma obra-prima, não tem dimensões para abrigar os túmulos dos
monarcas, que repousam no Mosteiro dos Jerónimos.

Ilustração 33 - Vista de uma das fachadas da Eremita de Nossa


Senhora da Conceição (Ilustração nossa, 2013).

Deste modo, a verdadeira finalidade deste edifício, apesar de quase ter sido provada
por Rafael Moreira enquanto mausoléu, parece ser ainda um dos muitos mistérios por
desvendar em Tomar e um dos mais significativos também, não apenas pelo valor
arquitectónico do edifício, mas também pela sua importância histórica.

Susana Isabel Lince Condeço 71


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Durante os reinados filipinos procede-se à conclusão do Claustro Principal, da autoria


de Filipe Terzi, e à construção, de cariz maneirista, de uma nova Sacristia, integrada
nas obras do Claustro do Cemitério, e ainda de um fontanário no Claustro Principal.

Devido à grandiosidade do Convento, Castilho desenvolveu diversos estudos acerca


dos trabalhos hidráulicos necessários para possibilitar o fornecimento de água mas a
grande cisterna desenvolvida por ele não obtinha uma quantidade suficiente para um
tão grande número de freires, pelo que era necessário trazer água de maiores
distâncias.

Em 1619 conclui-se o grandioso aqueduto que conduz água ao convento proveniente


de fontes a vários quilómetros de distância, marcando assim o lugar com novos
elementos que lhe modificam a vivência e a espacialidade, e resolvendo
definitivamente a preocupação castilhiana relativa à escassez de água.

O aqueduto do Convento de Cristo é, assim, um dos maiores e mais extensos em


Portugal, desenhado por Terzi e composto por troços subterrâneos, semi-subterrâneos
e elevados, apresentando uma grande monumentalidade. Culmina numa sucessão de
vinte e um arcos que se vão adossar à fachada Sul do Convento, terminando na fonte
do Claustro Principal, cuja construção marca a conclusão das obras do aqueduto,
sendo a sua autoria atribuída a Pedro Fernandes Torres.

Ilustração 34 - Aqueduto do Convento de Cristo da autoria de Terzi (Pereira, 2009).

72 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

É bastante discernível o contraste entre o Claustro Principal e as intervenções


realizadas nos reinados filipinos, que incluíram a Portaria Nova, edificada em estilo-
chão em 1620 sem quaisquer elementos decorativos, o Novo Dormitório e a Sala dos
Reis.

O ramo de cavalaria da Ordem de Cristo é restabelecido no reinado de D. João IV sob


a forma de laicado, e é durante a Guerra da Restauração que são construídos o
Hospital e a Enfermaria da Ordem, na zona Norte-Nascente do castelo templário, que
conferem ao alçado Norte do Convento a sua monumentalidade.

Cria-se assim um volume de dimensões consideráveis já no reinado de D. Pedro II,


entre 1688 e 1690, que serve enquanto Enfermaria conventual. Num dos vértices do
edifício situa-se um espaço ao qual a tradição oral chama a Sala dos Cavaleiros, onde
estes supostamente recebiam a bênção, mas que deverá ter tido funções de Sala de
Cirurgia, devido à proximidade e relação com a Enfermaria e a Botica.

Entre o final do séc. XVII e o início do séc. XVIII amplia-se o Claustro da Hospedaria
em mais um piso, dando continuidade à enfermaria e articulando-se com o convento
renascentista (Barbosa, 2009).

Ilustração 35 - Claustro da Hospedaria no Convento de Cristo (Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

No séc. XIX, com a extinção das Ordens Religiosas em Portugal e a distribuição do


seu património, deu-se uma quebra na unidade deste conjunto edificado, e em muitos
outros, devido, especialmente, a uma falta de atenção em questões como a
salvaguarda do património arquitectónico.

Foi permitido aos novos proprietários realizarem obras que em nada contribuíram para
a preservação dos sete séculos de História do conjunto. As obras de adaptação do
Claustro dos Corvos e do Pátio dos Carrascos de modo a poderem servir de
residência e casa agrícola ao Conde de Tomar e à sua família, entre 1843 e 1934,
foram apenas um dos exemplos desta situação.

Ilustração 36 - Galeria do Claustro da Micha (Ilustração nossa, 2013).

Iniciado o séc. XII, este monumento foi ocupado até meados dos anos 80 do séc. XX
pelo Exército e pelo Seminário das Missões Ultramarinas até que o Estado voltou a
assumir a posse do conjunto, cujas funções se tornaram culturais e turísticas, funções
essas que ainda se mantêm.

Na sequência de diversas tentativas com o objectivo de dar uso a um conjunto


edificado de tanta importância histórica e arquitectónica, algumas delas totalmente
erradas, conseguiu atingir-se um equilíbrio entre a realização de conferências, o
contacto com o público em geral e a preservação dos espaços da forma menos
invasiva e respeitando a identidade histórica do monumento.

74 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

4.4. CONVENTO DE CRISTO PATRIMÓNIO MUNDIAL

Em 1983, o Convento de Cristo foi classificado como património da humanidade e


inscrito na lista do património mundial da UNESCO, já que correspondia aos critérios
de originalidade do bem cultural associada ao génio criativo da humanidade.

A existência da Charola templária e da janela ocidental da nave manuelina foram as


razões principais desta classificação no caso do Convento de Cristo. A Charola devido
à sua importância arquitectónica e simbólica, sendo um dos raros exemplos desta
edificação medieval e um dos mais significativos. A janela Manuelina pois constitui a
síntese das artes europeia e ocidental quanto à sua gramática decorativa.

Além destes dois elementos, fulcrais para a classificação enquanto património da


humanidade, também o restante conjunto edificado deste Convento, um dos mais
extensos da Europa, conjugado com o seu enquadramento paisagístico, se revelam
únicos e demonstram o valor dos mais de 850 anos de História deste monumento.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

76 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

5. O CLAUSTRO D. JOÃO III

O Claustro D. João III foi uma obra realizada a dois tempos, sendo ambos visíveis
ainda nos nossos dias, já que partes da primeira campanha de obras podem ser
observadas apenas meio encobertas pela segunda intervenção.

As primeiras obras são da autoria de João de Castilho, fazendo parte das intervenções
renascentistas no Convento. Deste modo, as suas proporções, morfologia e elementos
decorativos são uma aglutinação de elementos mitológicos provenientes to
Renascimento italiano e de elementos religiosos católicos, como representações de
anjos e santos, assim como elementos alusivos à nacionalidade portuguesa.

Ilustração 37 - Elementos da campanha de obras de Castilho no Claustro D. João III (Ilustração


nossa, 2013).

O Renascimento italiano teve a sua base em diversos factores mas um dos mais
importantes foi a descoberta de habitações soterradas muitos séculos antes, como a
de Nero, cujas pinturas, esculturas e espaços vão influenciar os artistas que a elas
acediam, fazendo com que a cultura Clássica volte a fazer parte do seu vocabulário
artístico.

Assim, o Renascimento traz de volta os cânones clássicos à Arte e à Arquitectura,


com base nestas explorações e também na descoberta, tradução e reconhecimento de

Susana Isabel Lince Condeço 77


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

diversos tratados de origem clássica, nem sempre directamente relacionados com a


arte mas especialmente relacionados com o entendimento e o pensamento clássicos.

Da autoria de João de Castilho, o Claustro maior do Convento de Cristo, construído


entre 1533 e 1545, poderia ser considerado uma obra-prima do Renascimento, mesmo
antes de estar concluído, por aquilo que é possível observar ainda nos cantos do
claustro mais recente.

Ilustração 38 - Elementos remanescentes da obra de Castilho que


foram recentemente desentaipados (Ilustração nossa, 2013).

O traço original apresentava quatro tramos em cada um dos quatro lados do Claustro,
sendo cada um deles composto por um contraforte e dois arcos gémeos no piso
inferior, repetidos proporcionalmente no piso superior. Em volta do Claustro,
organizavam-se o refeitório, o dormitório dos freires e a sala do capítulo, ainda que
incompleta, assim como as zonas de distribuição que incluíam o Claustro de Santa
Bárbara e os acessos à Hospedaria, à igreja e ao coro.

Também as escadarias a Norte, Poente e Nascente são da campanha de obras


Castilhiana, instaladas na espessura das paredes “membrana” cujos vãos de acesso

78 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

eram ornamentados com um conjunto iconográfico esculpido, cujos motivos são


essencialmente religiosos e relacionados com a vida de santos.

Ilustração 39 - Escadaria remanescente da campanha de obras castilhiana onde é notório o


conceito de parede-membrana (Ilustração nossa, 2013).

Ainda antes de concluída, obra até então realizada por Castilho é considerada
perigosa e uma grande parte dela acaba por ser alvo de demolição sendo substituída
por um novo espaço, cujas proporções são muito diferentes das que constituíam a
obra anterior.

Ilustração 40 - Elementos da campanha de obras de Castilho (Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Em 1554, Diogo de Torralva sucede a Castilho na direcção das obras do Convento e


assume a tarefa de substituir o primeiro claustro, conseguindo realizar esse objectivo
com mestria e erudição, sem paralelo na Europa, transformando-o num exemplo de
domínio da linguagem clássica mas numa linguagem apesar de tudo diversa em
relação ao anterior, desta feita dentro do gosto Maneirista.

A intervenção de Torralva demonstra não só o conhecimento acerca da linguagem


clássica, mas também revela influências dos livros de Serlio e de obras inspiradoras,
sobretudo italianas, no entanto, as suas proporções foram visivelmente programadas
para o programa do Claustro, assim como a conjugação dos materiais.

5.1. O MANEIRISMO E AS SUAS INFLUÊNCIAS

O Maneirismo é uma tendência artística que surge no século XVI em Itália e que se
desenvolve no seguimento do Gótico tardio e do Renascimento, acabando por se diluir
gradualmente com o surgimento do Barroco.

Em Itália, os artistas rompem deliberadamente com o Renascimento, utilizando os


elementos clássicos mas alterando-os de diversas formas, enquanto na maioria da
Europa são realizadas cópias do Maneirismo italiano, por artistas que não são
versados nos elementos Clássicos e que se limitam a transpôr para as suas obras
aquilo que observam noutras, muitas vezes acabando por cometer erros sem o
saberem.

Este facto, no entanto, não impede que acabem por existir obras ao gosto maneirista
cujos autores tinham conhecimentos suficientes para quebrarem as regras clássicas
propositadamente, sabendo qual era a forma correcta mas escolhendo utilizar uma
outra, transgredindo as regras codificadas no Renascimento.

Enquanto características principais do gosto maneirista podem salientar-se o uso de


ambiguidades, como colunas que não são necessárias enquanto suporte mas que
também não podem ser incluídas na categoria de decoração, o antinaturalismo, os
efeitos surpresa, a utilização do bizarro e a beleza ideal neoplatónica enquanto
objectivo.

80 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Estas especificidades do Maneirismo destinavam-se a um grupo restrito de


conhecedores que sabiam as regras do Renascimento e que conseguiam decifrar e
valorizar os conceitos ocultos nestas obras.

Ilustração 41 - Elementos dos vértices do espaço central do


Claustro D. João III (Ilustração nossa, 2013).

5.2. O MANEIRISMO EM PORTUGAL

No século XVI, a arte Portuguesa desenvolve-se em três fases (Pais da Silva). No


início do século pode observar-se um prolongamento do Gótico terminal, com
influências do Norte da Europa, muçulmanas e ainda alguns elementos renascentistas.

A partir de meados do século, o Renascimento chega a Portugal com influências


francesas no seu carácter escultórico, por vezes de inspiração florentina, sendo ainda
realizadas algumas obras de arquitectura, mas durante um período breve.

Entre 1520 e 1530 dá-se um abandono da profusão decorativa do Manuelino


coincidente com profundas transformações económicas em Portugal, levando a um
retorno aos princípios sóbrios, cuja tradição é mais antiga no País, durante o reinado
de D. João III (Kubler, 1988).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Alguns estudiosos deste assunto, como Kubler, admitem a possibilidade de alguma


desta sobriedade e austeridade arquitectónica se possa dever à personalidade do
monarca, D. João III, conservador, fechado, religioso, solitário, frugal, cerimonioso,
mas um grande conhecedor e apreciador de Arquitectura e monumentos antigos, em
oposição à jovialidade associada a D. Manuel I e ao estilo Manuelino (Kubler).

Pode considerar-se que o Maneirismo foi iniciado em Portugal entre 1530 e 1540,
tardiamente em relação à restante Europa, como já tinha acontecido com a maior
parte das tendências artísticas. A sua generalização deveu-se particularmente aos
Jesuítas e foi na sua 2ª fase que se tornou mais nacionalista e actuante.

Iniciaram-se, assim, obras com inspiração italiana, francesa, castelhana e flamenga,


na maior parte dos casos por artistas estrangeiros, em Lisboa, Évora, Coimbra e
Tomar, já ao gosto maneirista.

Como acontecia nos outros países, também em Portugal existiam artistas conscientes
das transgressões praticadas relativamente ao código renascentista e outros que
apenas não compreendiam ou não eram conhecedores das normas clássicas.

Em Lisboa, a reconstrução da capela-mor do Mosteiro dos Jerónimos, por Torralva, é


o primeiro indício de arquitectura maneirista, em 1540. Seguem-se a Sé de Portalegre
em 1556 e a fachada “palladiana” da igreja do Convento da Graça, em Évora, em
1557.

O Claustro D. João III, em Tomar, foi, no entanto, uma das obras mais importantes
desta época (1558), na qual Torralva propõe métrica e morfologia completamente
diferentes daquela que Castilho iniciara, revelando um vasto conhecimento do léxico
renascentista, que quebra deliberadamente de uma forma que só pode ser descrita
como sublime.

Apesar de associado ao Maneirismo Português, o claustro D. João III desenhado por


Torralva contém influências italianas, particularmente do Norte de Itália, numa
composição única mas que revela semelhanças com a Villa Imperiale, desenhada por
Francisco de Hollanda, e com o Páteo do Belvedere, de Bramante, apresentando

82 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

ainda elementos que nos remetem para a adequação de Serlio e para a nobreza de
Palladio.

Ilustração 42 - Enquadramento da fonte central do Claustro D. João III (Ilustração nossa, 2013).

Em 1594, Terzi inicia o ensino teórico da Arquitectura em Portugal, o que marcará um


novo rumo artístico em que o arquitecto tem bases importantes, de origem clássica, e
passa a saber as regras, de modo a poder quebrá-las com conhecimento, em vez de
as quebrar por ignorância.

5.3. CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA E FUNCIONAL

No Claustro D. João III encontramos as características principais dos claustros dos


conventos beneditinos. Como acontece em outros conventos que seguem a Regra de
São Bento, este espaço pretende proporcionar, não apenas a protecção necessária
em relação às condições climatéricas, mas também um local de recolhimento, de
reflexão e de contemplação.

5.3.1. A REGRA DE SÃO BENTO

A Regra de São Bento, seguida no Convento de Cristo quando D. João III retirou à
Ordem de Cristo o ramo de cavalaria, é composta por setenta e três capítulos, nos

Susana Isabel Lince Condeço 83


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

quais São Bento ensina quais são as orações a fazer, em que momentos, como
devem agir os frades, quais as funções que devem desempenhar, quais as
ferramentas e objectos existentes na comunidade, entre muitos outros ensinamentos.

Entre estas regras encontram-se ainda indicações que vão influenciar o espaço onde
habitam e o seu uso, como por exemplo a obrigatoriedade de receber os peregrinos,
que levava à necessidade de edificar uma hospedaria, ou a obrigatoriedade de realizar
o “Ofício Divino”, também conhecido como a “Liturgia das Horas”, que acontecia sete
vezes por dia, inclusive durante o período nocturno, levando à necessidade de uma
proximidade entre a igreja e os dormitórios.

5.3.2. A FUNÇÃO DO ESPAÇO E A VIDA RELIGIOSA

Assim, podemos relacionar um conjunto de regras da vida religiosa de uma


determinada comunidade com a arquitectura, particularmente em relação à
organização dos espaços inseridos em edifícios de carácter religioso.

Enquanto exemplo da influência da função do espaço de caracter religioso na


arquitectura temos o espaço claustral, cujas funções no conjunto do convento são as
mais extensas, já que os restantes espaços têm, usualmente, apenas uma função
cada, algo que neste espaço particular não acontece, sendo utilizado para um
determinado conjunto de tarefas.

Deste modo, em redor de um espaço quadrangular descoberto encontramos uma


tipologia de espaço, a galeria, que funciona como ponto intermédio entre o “dentro” e o
“fora”. Sendo exterior, é um espaço coberto, cujas funcionalidades eram diversas,
variando conforme as diferentes épocas do ano, particularmente do ano litúrgico.

Com o intuito de compreender completamente o funcionamento de um claustro, é


necessário analisar as funções dos espaços que o envolvem, de modo a ter em conta
quais as áreas mais percorridas, em que momentos do dia, do mês ou do ano e quais
os locais que eram espaços de pausa, de espera ou de estar.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

5.3.3. O CONVENTO BENEDITINO E A ARQUITECTURA

O modelo do convento beneditino tinha, regra geral, apenas dois claustros, sendo um
deles mais privado e mais pequeno que o outro. No caso do Convento de Cristo não
foi possível, devido ao declive do terreno e à sua composição, reunir todas as funções
necessárias em volta de apenas dois claustros. Deste modo, não apenas se conseguiu
um convento de maiores proporções, como se organizou o mesmo em diálogo com o
lugar, envolvendo um conjunto de oito claustros.

O claustro principal dos conventos beneditinos é normalmente um espaço que se


destina a um conjunto de actividades ou tarefas relacionadas com a vida religiosa e
essas suas funções influenciam a sua morfologia e a organização espacial de todo o
convento.

De um modo geral, o claustro principal era utilizado aquando das festividades


religiosas, realizando-se procissões pelas galerias, nas quais eram por vezes
transportadas imagens de santos, incensórios e outros elementos de carácter religioso
que necessitavam de ocupar determinada área.

Pode dizer-se que por essa razão existia uma necessidade de criar um espaço onde
fosse possível proceder a este tipo de actividade, com a área disponível
proporcionalmente relacionada com o número de pessoas e os objectos que estas
deviam transportar.

Além das procissões, a Regra obrigava ainda a que os frades se dirigissem por sete
vezes durante cada dia ao local de oração para cumprirem o Ofício Divino, com horas
pré-definidas, algumas das quais durante o período nocturno, o que levava a uma
necessidade de aproximar funcionalmente a igreja onde os frades procediam à oração
e o local onde pernoitavam, sendo este percurso realizado normalmente através do
claustro, cujas galerias cobertas possibilitam aos frades a realização do mesmo com
alguma protecção contra os fenómenos climatéricos.

Outras tarefas realizadas no claustro principal pelos beneditinos incluíam: a oração


solitária após a realização do Ofício Divino, de onde os frades deveriam sair em
silêncio de modo a possibilitar a mesma; a leitura ou a cópia de livros, normalmente
realizada na zona de galeria adjacente ao scriptorium; ou ainda o ensino aos mais

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

jovens, numa relação muito próxima com o espaço da biblioteca. Era ainda local de
lavagem quando os frades se dirigiam ao refeitório para as refeições.

5.3.4. AS PARTICULARIDADES ESPACIAIS DO CONVENTO DE CRISTO

Em Tomar, muito devido às características peculiares do terreno onde o convento foi


implantado, não se organizou o conjunto edificado em relação a dois claustros apenas,
mas sim de um conjunto de oito espaços desta tipologia. Além deste número tão
grande de claustros, foi ainda necessário realizar muros de suporte e aterros para que
o convento fosse estruturalmente estável.

Deste modo, o Convento organiza-se em três níveis, formando um dos conjuntos


arquitectónicos religiosos de maiores dimensões em Portugal e na Europa, além de
conter sete séculos de História, acompanhando uma grande parte dos estilos e gostos
da monarquia portuguesa ao longo dos séculos.

Nas proximidades deste claustro encontramos, assim, muitas das funções que
encontraríamos em qualquer convento da ordem beneditina, como o refeitório, a sala
do capítulo, o dormitório dos professos e a igreja. No entanto, o scriptorium não estava
relacionado com o claustro principal, mas sim com o Claustro dos Corvos, assim como
a Sala dos Estudos.

Ilustração 43 - Planta esquemática da área envolvente do Claustro Principal (A), onde se observa a sua
proximidade com a Igreja (B), com o Claustro de Santa Bárbara (C) e com o Dormitório dos professos (D),
(Silva, 1992)

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Constituindo um conjunto edificado tão extenso, é possível verificar uma separação


entre as alas destinadas aos professos, e as que se destinavam aos noviços,
compostas por dormitório, salas de aula e capela, organizados em redor do Claustro
da Micha e com passagem pelo Claustro de Santa Bárbara.

5.4. O MANEIRISMO PORTUGUÊS NO CLAUSTRO D. JOÃO III

Após a suspensão das obras de Castilho neste claustro e sendo já a Rainha D.


Catarina a regente, Torralva assume a tarefa de substituir o claustro precedente,
acabando por realizar essa tarefa com mestria e erudição.

A obra, iniciada em 1558, revela o domínio da linguagem clássica, interpretando o


sintagma clássico mas agora com as características do Maneirismo, entre as quais a
ambiguidade e a contradição, mas respeitando a disposição vitruviana através da
adopção de duas ordens clássicas e da sua utilização conforme as regras clássicas, a
dórica ao nível do piso térreo e a jónica no piso superior.

Ilustração 44 - Enquadramento da Fonte do Claustro D. João III


com uma das fachadas interiores do mesmo (Ilustração nossa,
2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Entre muitos elementos conhecidos de outros edifícios, encontramos como elemento


inédito a duplicação das pilastras na frente aberta para a crasta, resultando num
conjunto de galerias de uma graciosidade e transparência incomparáveis, criando uma
luminosidade suave, graciosa, amena, potenciada pela pedra branca, de coloração
quente (Pereira, 2009).

Também inédito, mas em relação à Península Ibérica, é o conjunto de vãos com


diversas formas (óculos, espelhos, sobrepostas) que permeiam as paredes dublas
formadas pelos elementos que foram justapostos ao claustro anterior, trazendo à
memória um cenário.

Nas galerias, Torralva cria uma interpretação de “nervura”, relacionando-as com a


chave quadrada de cantaria, com cartelas em relevo, e interligando-as com as paredes
do seu claustro e do anterior.

Ilustração 45 - Galeria do piso inferior do Claustro Principal


(Ilustração nossa, 2013).

Em relação ao piso superior, sobressai a criação de uma “serliana”, com o arco central
enquadrado por duas colunas, sustentando de cada lado uma arquitrave, assim como
o conjunto de vãos “falsos”.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Não fosse de proporções monumentais, o conjunto poderia ser uma maquete, tendo
em conta a atenção e detalhe revelados no jogo de luz e sombra acentuado pela
coloração dos materiais, particularmente notória no contraste entre o calcário amarelo
do primeiro plano e o mármore negro dos planos reentrantes.

Dois dos elementos mais importantes ao nível formal são a monumentalidade e a


escala do conjunto, principalmente na proporção dos vãos e dos elementos portantes.
Apesar disso, os verdadeiros elementos maneiristas que sobressaem no conjunto são
as escadas em espiral de acesso ao terraço, inscritas em cilindros nos cantos
interiores do claustro, particularmente na forma como os corrimãos são visíveis
atravessando os vãos, transformando um elemento funcional, a escada, numa peça
escultórica.

Ilustração 46 - Vista de um dos vértices, neste caso convexos, do


Claustro Principal (Ilustração nossa, 2013).

Neste claustro podemos ainda encontrar outra janela manuelina, idêntica à da Sala do
Capítulo em estilo mas cujo tema são os artefactos utilizados nas festas. Neste local é
muito perceptível quanto foi “escondido” no tempo de d. João III e após o seu reinado,

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

entaipando com a elegância Clássica a forte carga ornamental manuelina, considerada


exagerada e absurda por muitos.

Ilustração 47 - Pormenores da fachada interior do Claustro D. João III (Ilustração nossa, 2013).

Ilustração 48 - Pormenores da fachada interior do Claustro Principal (Ilustração nossa, 2013).

Pode observar-se também aquilo que parece ter sido a intervenção que completou o
claustro, de Filipe Terzi, numa das fachadas interiores, a Sul, que apresenta ligeiras

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

diferenças em relação às restantes, como são exemplo os elementos quadrangulares


das outras fachadas em comparação com os elementos rectangulares nesta.

Estas pequenas alterações de um arquitecto para outro eram muito comuns,


provavelmente com a intenção de deixar uma marca da sua intervenção em
determinada obra, para que as gerações vindouras tenham consciência de que este
espaço não foi concluído pelo mesmo arquitecto que o iniciou.

5.5. OS SIGNIFICADOS DO CLAUSTRO D. JOÃO III

No decorrer do estudo do claustro principal do Convento de Cristo, foram surgindo


diversas questões relativamente às diferenças entre o claustro da autoria de Castilho e
o claustro que o substituiu, da autoria de Torralva.

Aquando do início deste estudo, as principais questões levantadas encontravam-se


ligadas à relação entre o simbolismo do Claustro Principal do Convento de Cristo e a
extinção do ramo de cavalaria da Ordem.

Uma das conclusões a que se pretendia chegar prendia-se com a relação entre o
Maneirismo do Claustro de Torralva e a simbologia templária, na medida em que se
procurava compreender se por entre a simplicidade ornamental e a mestria da
arquitectura haveria espaço para a simbologia relacionada com a Ordem de Cristo.

No decorrer da pesquisa realizada surgem três premissas-chave que vão alterar toda
a compreensão deste claustro e, portanto, as conclusões que dele se podem retirar:
em primeiro lugar, não se trata de um claustro “simples” mas de um claustro mais
recente que vem substituir um outro, construído anteriormente e do qual existem ainda
vestígios; além disso, o primeiro claustro, da autoria de Castilho, teve como mote a
transformação da Ordem de Cristo numa ordem contemplativa, retirando-lhe a função
militar, o que dará a este espaço um certo carácter, relacionado com as funções a que
se destina; por último, as obras do primeiro claustro foram suspensas e o seu
conteúdo foi encoberto por ser considerado “perigoso”, sendo que no seu interior foi
edificado um novo claustro com um conceito completamente distinto.

Susana Isabel Lince Condeço 91


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Tendo em conta estas três especificidades, foi possível então chegar a conclusões
relacionadas com os significados deste claustro e com a sua relação, ou neste caso a
relação que não existe, entre a sua construção e a simbologia relacionada com a
Ordem do Templo.

Ilustração 49 - Elementos restantes da intervenção de Castilho neste espaço, recentemente


desentaipadas (Ilustração nossa, 2013).

Ilustração 50 - Elementos remanescentes da campanha de obras castilhiana (Ilustração nossa,


2013).

92 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Apesar de a Ordem de Cristo ter herdado da Ordem do Templo os símbolos, as


métricas, os membros e muitos outros princípios, quando Castilho inicia a obra do
Claustro Grande parece não utilizar nele quaisquer elementos que possam ser
relacionados com essa simbologia. Utiliza, no entanto, a linguagem própria do
Renascimento italiano, na qual é visível uma conjugação de elementos da Arquitectura
Clássica e de iconografia cristã, com ambos os pisos “ao Romano”, compostos por 32
arcos

A altura do piso inferior seria de trinta e cinco palmos e a do piso superior, abobadado,
de vinte, sendo que a conclusão das balaustradas do claustro se dá em 1551,
precedendo a morte de Castilho (Kubler, 1988).

Na fachada exterior do claustro, junto à entrada da nave manuelina, é possível


observar também vestígios que aparentam pertencer à intervenção Castilhiana,
especialmente devido à iconografia apresentada, composta por putti, seres cujos
corpos são compostos por dois animais diferences (como grifos) e outros elementos
de inspiração clássica, tão diferentes da pureza maneirista da intervenção de Torralva.

Ilustração 51 - Elementos da fachada exterior do claustro


(Ilustração nossa, 2013).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Contudo, em 1545 D. João III ordena a suspensão das obras no Claustro Principal,
ainda em vida de João de Castilho, e a obra é considerada perigosa. Muitas são as
teorias possíveis quanto a essa perigosidade sendo a mais plausível uma questão
estrutural, já que é possível ter existido um erro que tornasse o claustro da autoria de
Castilho pouco seguro ou instável.

Outra hipótese acerca do que poderá ter levado à suspensão das obras é a questão
das dimensões. O claustro de Castilho é, segundo o que se pode observar nas zonas
recentemente desentaipadas, de dimensões muito menores do que as do actual, pelo
que também é possível e plausível que este tenha sido considerado insuficiente e que
se tenha ordenada a construção de um outro claustro cujas dimensões fossem mais
grandiosas, especialmente nas galerias, algo que Diogo de Torralva concretiza na sua
obra.

Esta última hipótese aparenta ser uma das mais prováveis, já que era comum este tipo
de mudança de planos em relação a obras de Arquitectura. No entanto, também a
perigosidade estrutural do claustro de Castilho se apresenta como possível, tendo
acontecido até algo semelhante cerca de duzentos anos mais tarde, num outro
claustro (o de Santa Clara a Nova, em Coimbra) cujo piso inferior foi iniciado,
apresentando falhas estruturais que levaram a alterações profundas antes do final da
obra (Bonifácio, 1990).

Não existindo uma relação directa entre os dois claustros, até pela grande diferença
temporal, é no entanto plausível que a situação tenha sido idêntica, levando à
construção de um novo Claustro mais estruturalmente estável que o anterior.

Segundo Kubler, o desenho do claustro de Torralva foi iniciado em 1554, ainda


durante o reinado de D. João III e “é uma esplêndida colgadura feita para cobrir as
paredes partidas e superfícies deterioradas, obra de gerações anteriores”,
consideradas “destapadas e perigosas”.

Contudo, apenas podem lançar-se hipóteses acerca das razões que levaram à
construção do claustro de Torralva, substituindo o de Castilho na sua quase totalidade,
sendo apenas ponto assente que o interesse do Rei nesta obra era muito significativo.

94 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Foi nesta época que os arquitectos portugueses que trabalhavam em Portugal


desenvolveram um fascínio pelas relações geométricas e volumétricas entre interior e
exterior e também com as possibilidades espaciais da parede em si, enquanto
membrana, canal, passagem, barreira, vedação, limite ou obstáculo que pode ser
transformado. Muitas destas transformações acabam por tratar o elemento parede
como uma estrutura celular ou como zona de circulação (Kubler, 1988).

O mais importante exemplo deste interesse nas combinações geométricas de origem


clássica é o claustro D. João III, cuja composição não se baseia unicamente num
modelo específico mas sim num conjunto de influências e numa variedade de fontes
europeias, repensadas conforme as preferências portuguesas (Kubler, 1988).

Pode, assim, dizer-se que a sua edificação tem uma maior componente espacial do
que iconográfica, já que a ornamentação que nele podemos encontrar é simples e
pouco profusa, dando uma maior importância ao espaço arquitectónico do que à sua
ornamentação.

Enquanto em períodos anteriores se ornamentava o espaço arquitectónico através da


escultura, oferecendo-lhe assim determinado carácter, neste claustro parece ser
possível afirmar que é o espaço que é esculpido, através da construção dos vãos e
das galerias, dos arcos e das colunas, das métricas e dos elementos estruturais, que
lhe concedem um carácter único, quase etéreo na qualidade da luz.

A obra de Torralva pode, assim, ser considerada uma das mais significativas obras
maneiristas executadas em Portugal e a sua grandiosidade, e de todo o renovado
convento, demostram como a Ordem de Cristo era ainda apreciada e apoiada pelos
monarcas portugueses.

Apesar da importância que a Ordem de Cristo ainda tinha e de ela ter mantido a maior
parte dos preceitos da Ordem do Templo, o claustro de Torralva não apresenta
simbologia relacionada com esta ou cujo valor se possa relacionar com os antigos
símbolos e significados Templários, no entanto apresenta alguns elementos que
podem relacionar-se com a Ordem de Cristo, mas apenas de um modo muito geral e
não vinculado a quaisquer significados “ocultos”.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 52 - Pormenor de alguns elementos ornamentais (Ilustração nossa, 2013).

Podemos incluir neste conjunto, pouco vasto, de elementos ornamentais os


apontamentos vegetais esculpidos nas faces interiores das colunas, na maior parte
das vezes rosas em diversos estados de floração, símbolo de Nossa Senhora da
Conceição, padroeira da Ordem de Cristo.

Ilustração 53 - Pormenor de elementos ornamentais do Claustro (Ilustração nossa, 2013).

As conchas, que podem simbolizar o baptismo, o início de uma nova vida (como a vida
religiosa), os peregrinos ou até o convite a conhecer Deus baseado na lenda de Santo

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Agostinho, são elementos sempre presentes neste espaço, especialmente sobre as


aberturas dos vãos.

Ilustração 54 - Ornamentação em forma de concha num dos nichos


(Ilustração nossa, 2013).

Pode, assim, afirmar-se que o claustro da autoria de Torralva apresenta alguns


elementos escultóricos mas cujo significado não está relacionado directamente com a
Ordem de Cristo ou com a antiga Ordem do Templo, mas apenas com a simbologia
religiosa comum, particularmente das Ordens beneditinas, e com a linguagem
maneirista.

Apesar disso, podemos intuir que a simbologia dos elementos ornamentais neste
claustro não é o mais importante, mas sim a simbologia do espaço e das suas funções
religiosas, de contemplação e oração principalmente, já que é a qualidade do espaço
que se revela mais proeminente devido a uma redução dos elementos ornamentais a
um mínimo, que faz com que sobressaiam os elementos estruturais.

Esta característica é própria do gosto Maneirista, em que se costuma inserir este


espaço, cujos elementos estruturais ganham um novo valor e uma nova importância. A
ornamentação é parca, mas o uso de diversas linguagens arquitectónicas está bem

Susana Isabel Lince Condeço 97


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

explícita, respeitando o uso das ordens arquitectónicas clássicas e criando um ritmo


bem marcado em todo o espaço.

Ilustração 55 - Vista do interior de uma das galerias do piso


superior (Ilustração nossa, 2013).

O Maneirismo é por vezes visto como o início de uma negação do Renascimento,


através da quebra das regras Clássicas mas essa quebra é normalmente realizada
com conhecimento, mestria e apenas em relação a algumas das regras, não da sua
génese, criando obras arquitectónicas de ritmo marcado e sem monotonia.

No caso de estudo, as ordens arquitectónicas e as regras básicas do Renascimento


parecem manter-se, sendo a ambiguidade e a repetição que acabam por modificar o
significado do espaço.

Entre os diversos elementos que se evidenciam mais claramente estão as colunas,


que respeitam a ordem Clássica, mas utilizadas num tão grande número que acabam
por se tornar ambíguas, já que a maior parte das colunas que compõem as fachadas
interiores do claustro não servem o seu propósito estrutural.

98 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

É esta a primeira pista que temos de que este espaço não é construído ao gosto
Renascentista. No Renascimento, os elementos estruturais funcionavam exactamente
enquanto estrutura, nunca enquanto criadores de métrica ou enquanto ornamentação
de carácter arquitectónico como podemos observar no espaço em estudo.

Outro exemplo de profusão de elementos arquitectónicos que acabam por se tornar


ambíguos é o conjunto de vãos que compõem as fachadas interiores do claustro.

Ilustração 56 – Contraste entre a intervenção posterior de Torralva e elementos remanescentes


da intervenção de Castilho (Ilustração nossa, 2013).

Num total de três arcos em cada uma das fachadas interiores, alternados com portais
rectangulares, mesmo nos ângulos, o piso inferior deste claustro totaliza doze arcos e
doze portais.

Além de aparentar um duplo pé-direito, pode observar-se ainda uma composição


tipicamente maneirista: um vão porta encimado por um vão de janela. Este conjunto
pode considerar-se uma reutilização do existente no Mercado de Trajano, onde se diz
que os comerciantes trancavam a porta pelo interior e saíam pela janela por cima
desta, levando consigo a escada e evitando assim que as suas lojas fossem
assaltadas.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 57 - Interior do Mercado de Trajano (Museo dei Fori Imperiali, 2006)

No piso superior as fachadas apresentam arcos mais estreitos, flanqueados por


aberturas arquitravadas, o que duplica o número de aberturas e evita a repetição
consecutiva do mesmo tema e a monotonia por ela causada, solução da qual se pode
observar um exemplo na Basílica de Vicenza, da autoria de Palladio, cuja influência na
obra de Torralva é notória.

Um outro conjunto de características que podemos observar neste espaço e que


denotam claramente um gosto de origem Clássica, mas que não se poderia incluir no
gosto Renascentista, é formado pela escadaria em caracol que liga o piso superior à
cobertura em terraço, cuja guarda é claramente visível atravessando os vãos,
obviamente intencional, criando propositadamente algo que contraria as regras
Clássicas.

Além destes, podemos ainda apontar o uso das “serlianas” no piso superior e dos vãos
falsos, cobertos por um material pétreo pelo interior de coloração escura, apenas
outros dois elementos claramente Maneiristas neste conjunto.

As serlianas, caracterizadas exaustivamente por Serlio no seu Tratado de


Arquitectura, são descritas como uma composição simétrica composta por um vão

100 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

central com um arco de volta perfeita e por dois ou mais vãos laterais encimados por
uma arquitrave, com duas colunas entre cada um e o vão central.

Ilustração 58 - Vértice convexo do Claustro Principal (Ilustração


nossa, 2013).

Apesar da sua aparente simplicidade ornamental, podemos encontrar mais alguns


apontamentos que nos remetem para a linguagem Clássica, particularmente o uso de
elipses e formas quadrangulares, particularmente no interior dos arcos do piso inferior
do claustro.

Torralva altera também as proporções deste claustro em relação às que Castilho


planeara, utilizando agora trinta e quatro palmos de altura no piso inferior e vinte e
sete no piso superior, criando uma variação do tema palladiano contrastante entre os
dois pisos.

As aberturas fazem parte de um conjunto de contrastes emparelhados, neste caso o


contraste entre aberturas circulares e rectangulares ou entre arcos e portas, assim
como entre plano e convexo.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Ilustração 59 - Pormenor do interior de um arco, no piso inferior do Claustro D. João III


(Ilustração nossa, 2013).

No desenho de Torralva é evidente uma muito maior complexidade em relação a


qualquer desenho italiano do mesmo século: os ritmos nunca são simples ou
uniformes; trabalha as masses e volumes em profundidade; os intervalos repetem-se
jogando uns com os outros; trabalho intenso de dois planos, o primeiro e o médio
(Kubler, 1988).

O motivo palladiano é composto por seis divisões de formas contrastantes em arco ou


arquitravadas e de superfícies fechadas e abertas, ladeadas por colunas de maior ou
menor dimensão, em proporção e a distâncias deliberadamente contrastantes, criando
um ritmo rico e interessante.

A estas variações, Torralva acrescenta ainda um outro sistema de variações com um


maior grau de complexidade, cujo estudo aprofundado é realizado por Kubler na sua
obra “A Arquitectura portuguesa Chã: Entre as especiarias e os diamantes, 1521 –
1706”, na qual analisa o claustro D. João III em pormenor.

Segundo o mesmo autor, Torralva combina de forma interessante as suas ideias com
influências diversas, entre elas as do Romano e do Veneziano, de Serlio e de Palladio,
criando um jogo prismático de luz dentro dos volumes da parede num “apelo à
compreensão táctil entre formas habilmente reduzidas, a sugerir um movimento
possível nas fronteiras destas superfícies luminosas, cor de mel, de grão polido”.

102 Susana Isabel Lince Condeço


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Este espaço é assim ao mesmo tempo táctil e visual, temporal e físico, e podemos
aceitar que aqui a ornamentação não é muito profusa e a sua simbologia relaciona-se
apenas com os estilos arquitectónicos que nele se encontram expressos, não havendo
qualquer tipo de relação com a Ordem de Cristo, e optando-se por “esculpir” o espaço
em vez de o ornamentar ou por utilizar uma ornamentação de carácter geométrico em
vez de figurativo.

“No estado actual, o Claustro de D. João III foi iniciado no segundo ano da regência da
rainha viúva D. Catarina de Áustria e constitui a obra-prima do legado artístico de
Diogo de Torralva (1500-66). A sua conclusão deve-se a Filipe Tércio (c. 1593) e a
Pedro Fernandes Torres, que desenhou a fonte central. Este sector reveste a
importância de ser uma das obras mais complexas de toda a história da arquitectura
nacional, o mais importante reflexo na Europa transalpina da «Basílica» de Vicenza
(co. 1549) do mestre paduano Andrea Palladio (1508-80) e, decerto, uma das peças
mais notáveis do Maneirismo arquitectónico europeu.” (Silva, 1993, p. 190).

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

6. CONCLUSÃO

O Convento de Cristo, Monumento Nacional e Património Mundial, é um conjunto


edificado construído a vários tempos, cuja identidade histórica é evidente, iniciado em
1160 com a edificação do Castelo Templário sob as ordens de D. Gualdim Pais.

No seu conjunto, conta mais de oito séculos de História e reflecte os períodos mais
importantes da arquitectura portuguesa nas diversas intervenções de que foi sendo
alvo ao longo do tempo, demonstrando o poder exercido pela Ordem do Templo e pela
sua sucessora, a Ordem de Cristo.

Entre as diversas influências que podemos observar neste conjunto destacam-se as


do Gótico, do Manuelino, do Renascimento e do Maneirismo, embora todas elas
tenham elementos tipicamente portugueses, que enriquecem o Convento e o
relacionam com o lugar onde se encontra.

Além das diversas influências que o tornam único e incomparável, também o lugar
onde se encontra e a sua implantação contribuem para a sua individualidade já que a
situação geomorfológica do terreno de implantação levou a que se edificasse um
conjunto de seis claustros que possibilitam a vivência do conjunto como um todo, mas
acabando por concretizar uma variação pouco comum na distribuição dos espaços de
edifícios com a mesma função.

Deste modo, estamos perante uma peça de Arquitectura única, na qual são
respeitados os princípios da identidade histórica tendo em conta que cada intervenção
nela realizada é da sua época, não tentando de modo algum reproduzir as pré-
existências mas sim acrescentar-lhes valor e mostrar na arquitectura quão importantes
foram a Ordem do Templo e a Ordem de Cristo para Portugal.

Com o intuito de compreender todo o conjunto antes de nos debruçarmos em


questões mais específicas, iniciou-se este estudo com a contextualização do
surgimento da vida monástica e a relação que esta foi criando ao longo dos tempos
com a arquitectura.

Susana Isabel Lince Condeço 105


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Considerou-se importante sublinhar que a vida monástica se iniciou em duas


vertentes, a de solidão e a de comunidade, que utilizavam espaços diferentes e que
foram evoluindo, muitas vezes acabando por se interligar ou até por se aglutinar,
criando uma vivência “mista” entre solidão e comunidade, como é o caso das Ordens
Mendicantes e das Ordens de clausura.

Ao longo dos séculos, a vida religiosa foi mudando, foram surgindo novas ordens,
novas Regras e novos ideais, levando à existência de uma grande variedade de
Ordens Religiosas, algumas onde existiam criados para as tarefas mais “mundanas”,
estando os monges apenas dedicados às actividades religiosas, como a oração ou a
cópia e iluminura de livros; e outras onde os monges também trabalhavam na
manutenção da comunidade a que pertenciam, como por exemplo os trabalhos nas
hortas e pomares pertencentes ao Mosteiro.

A distinção entre Mosteiro e Convento foi, não apenas por curiosidade pessoal, mas
também com a intenção de compreender melhor as questões que relacionam a vida
religiosa e a arquitectura, uma questão à qual se procurou responder.

Segundo o que se conseguiu apurar, um Convento é, mais do que um edifício


pertença dos frades, um local de pernoita e partilha, normalmente relacionado com as
Ordens Mendicantes ou outras onde os religiosos faziam voto de pobreza, como era o
caso da Ordem de Cristo, já que se relacionava mais com o conceito de comunidade
do que com os espaços edificados em si.

Um Mosteiro, ou Abadia quando estava sob a direcção de um Abade, era acima de


tudo o edifício onde os monges viviam, sendo um conceito relacionado com os
próprios edifícios, e onde os religiosos não faziam voto de pobreza, podendo possuir
bens.

Tendo em conta esta informação, procurou-se então compreender melhor o espaço de


que se pretendia falar, um claustro, tentando ir tanto quanto possível às suas origens
ou àquilo que se pensa serem as suas origens.

Durante o estudo das origens do espaço claustral, chegou-se à conclusão que é


possível que os primeiros espaços com características idênticas tenham existido no

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Palácio de Cnossos, no séc. XVI a.C., onde segundo diversos autores existiam
diferentes tipos de pátios cujas funções se relacionavam com o fornecimento de luz
solar, mas também com a organização dos espaços que se distribuíam em volta deles.

Através da observação de diversos exemplos deste tipo de espaço, acabamos por


também relacionar esta tipologia de espaço com os pátios da arquitectura Clássica,
descritos por Vitrúvio no seu Tratado de Arquitectura.

Ao observar os esquemas, alguns deles reproduções dos originais schematta, podem


encontrar-se muitas semelhanças entre os pátios das casas romanas e os claustros
dos edifícios religiosos, não no que respeita ao seu simbolismo, mas nas funções mais
básicas que eram atribuídas a ambos: proporcionar iluminação natural aos espaços
envolventes e melhorar a comunicação entre eles, através da mesma tipologia de
organização espacial.

Um claustro é, regra geral, um espaço formado por uma zona central descoberta e por
uma galeria envolvente, sendo a sua forma mais comum quadrangular, apesar de
existir também em formas circulares ou rectangulares, e tem, geralmente, dois pisos.

Podemos, assim, depreender que um claustro é um espaço murado em todos os seus


lados que quase sempre contem na sua zona central elementos vegetais, como
árvores de fruto, ervas medicinais e plantas utilizadas para condimentar ou temperar
alimentos, e ainda um ponto onde existe acesso a água, como um poço ou fonte.

Este “jardim fechado” era então um espaço que possibilitava aos religiosos um
contacto com o exterior mas de um modo resguardado física e intelectualmente do
Mundo devido, não só ao seu carácter privado, mas também devido ao ideal de
perfeição que este espaço muitas vezes tentava alcançar, particularmente na forma,
idealizada e perfeccionista, como se organizava.

A existência de água neste espaço sempre foi uma das questões mais importantes
relacionadas com o significado, ou significados, dos claustros. A função do poço ou
fonte depende muitas vezes do claustro onde se encontra e dos espaços que se
interligam através dele mas, regra geral, relaciona-se, não só com a simbologia
associada ao início da Vida, tanto humana como religiosa, através do baptismo, mas

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

também com som que a água pode produzir, proporcionando um ambiente sereno,
apto para a reflexão e a oração. Tem também muitas vezes uma relação mais prática
com a vida quotidiana dos monges, sendo por vezes o espaço onde se lavavam antes
das refeições ou onde se barbeavam.

A forma mais comum nos claustros, o quadrado, é muitas vezes relacionada com os
pontos cardeais e normalmente cada um dos seus lados tem um significado
associado, como acontece com o lado que comunica directamente com a Igreja, onde
muitas vezes os monges prosseguiam as suas orações individualmente ou meditavam
na palavra de Deus, ou o lado adjacente à Biblioteca, onde muitas vezes os monges
com mais idade ensinavam os mais jovens.

Poderíamos encontrar muitos outros significados para as diversas partes do claustro e


para as suas formas mas optou-se por realizar uma análise menos exaustiva, de modo
a possibilitar a compreensão do espaço sem que a descrição de todos os seus
elementos nos desviasse do objectivo principal deste estudo, o Claustro Principal do
Convento de Cristo, em Tomar.

Quando mencionamos o Convento de Cristo falamos do seu conjunto, incluindo


também o antigo Castelo templário, e a associação à Ordem do Templo é inevitável,
visto que este local foi durante séculos a casa-mãe dos Templários em Portugal.

Apesar disso, existiram ao longo do tempo diversas intervenções neste conjunto,


particularmente ampliações, e é importante saber ao certo a que épocas nos referimos
e qual a importância da Ordem do Templo, e posteriormente da Ordem de Cristo, em
cada momento.

A fundação da Ordem do Templo é normalmente apontada entre os anos de 1118 e


1120 em Jerusalém, no local onde se erguera o Templo de Salomão, de onde provem
a sua nomenclatura. As suas funções iniciais estavam relacionadas com a protecção
dos peregrinos que se dirigiam ao território aquando da tomada de Jerusalém pelos
Turcos.

A Ordem do Templo torna-se, assim, a primeira Ordem militar e religiosa da História e


além de se dedicar à protecção dos peregrinos tem como objectivo libertar a Cidade

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Santa pela força militar, acabando por se tornar claramente ofensiva, ao invés de
puramente defensiva, respondendo às necessidades da época.

Estando vinculada à Santa Sé e tendo conexões importantes com diversos países não
se subjugava a nenhum deles, mantendo a sua lealdade para com a Fé cristã e não
em relação a um país ou a um monarca.

Os cavaleiros submetiam-se ao voto de pobreza, castidade e obediência, sendo a sua


primeira Regra muito rígida, redigida no Concílio de Troyes em 1128, quando a Ordem
se encontrava já em crescimento, especialmente através do recrutamento de um maior
número de cavaleiros, de diversas nacionalidades.

O sustento da Ordem do Templo era acima de tudo proporcionado por doações régias
e pelas rendas provenientes de propriedades por ela detidas.

A Ordem do Templo acumulava ainda uma outra função ligada à protecção dos
peregrinos, que deixavam dinheiro à guarda da Ordem no seu país e partiam em
direcção à Terra Santa com um certificado que lhes permitia, aquando da sua chegada
ao destino, levantar as suas posses, como actualmente acontece com a actividade
bancária.

Os Templários geriam assim uma vasta riqueza da qual não eram os detentores mas
os fiéis depositários, que acabava por financiar as suas actividades no Oriente,
trazendo à Ordem um grande poder, já que a ela recorreram alguns monarcas
europeus em momentos de crise financeira.

Após a queda do Império Cristão na Terra Santa, a Ordem acaba por basear o seu
sustento nas rendas das diversas propriedades de que era detentora, sendo a sua
actividade militar menos necessária, à excepção dos territórios da Península Ibérica,
onde ainda se travavam grandes batalhas.

Em Portugal, os Templários tiveram grande importância na libertação do território e na


sua devolução aos monarcas cristãos após a conquista moura, e foi através da
atribuição de propriedades à Ordem que esta foi conseguindo avançar para Sul,

Susana Isabel Lince Condeço 109


O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

utilizando para isso um conjunto de construções militares, cuja arquitectura e


engenharia provinham dos conhecimentos obtidos na Terra Santa.

D. Gualdim Pais torna-se um dos mais importantes Mestres da Ordem do Templo,


sendo responsável pela edificação de diversos castelos e fortalezas em posições
estratégicas para a defesa das fronteiras, como os de Pombal, Tomar ou Almourol,
entre outros.

Em 1312, após muita contestação, a Ordem do Templo acaba por ser extinta pelo
Papa Clemente V, acusada de diversos crimes contra a religião cristã, sendo muitos
cavaleiros torturados e alguns mesmo condenados à morte, particularmente em
França.

Apesar das ordens do Papa, em Portugal não se extingue logo a Ordem do Templo,
principalmente devido ao seu poderio e à importância que ela teve para a formação do
Reino de Portugal. D. Dinis não desenvolveu quaisquer diligências urgentes com o
objectivo de prender ou condenar os cavaleiros, acabando por ser obrigado a
obedecer às ordens do Papa e em 1309 os bens da Ordem deverão retornar à Coroa.

No entanto, os monarcas dos reinos de Portugal, Castela e Aragão decidem manter


estes bens “de parte”, provavelmente com o intuito de permitir a criação de uma nova
Ordem que os viesse gerir. Assim se fez em Portugal, com D. Dinis a criar a Ordem de
Cristo, “herdeira” dos bens e dos homens da Ordem do Templo.

A actividade dos templários fica assim garantida em Portugal através da Ordem de


Cristo, mantendo o hábito e a sua insígnia, cuja cruz recebe uma outra, grega, inscrita,
de cor branca. Mais tarde acabam por se fazer alterações mas nenhuma delas muda o
facto de, no fundo, se tratar da mesma Ordem, apenas com uma nomenclatura
diferente.

Aquando desta refundação da Ordem, é-lhe dada a Regra Cisterciense, já que o seu
Mestre, D. Gil Martins, acumulava funções enquanto Mestre da Ordem de Avis, que
também seguia a Regra de Cister. O superior espiritual da Ordem de Cristo passa,
assim, a ser o Abade de Alcobaça.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

Em 1321, por motivos relacionados aparentemente com a dependência espiritual e de


obediência para com Cister, um Capítulo reunido em Tomar adopta a Regra de
Calatrava, mantendo assim os frades o seu estatuto de monges-cavaleiros.

A partir de 1417 o cargo de Mestre da Ordem passa a ser desempenhado por


elementos da Casa Real ou pelo Rei, sendo o primeiro mestre segundo esse regime o
Infante D. Henrique, que deu continuidade às actividades relacionadas com os
Templários mas direccionando os seus ideais de cruzada e de conquista para os
Descobrimentos e a conquista da Ásia.

Uma das principais intervenções neste conjunto trata-se da campanha de obras


Manuelina, que adicionou à Charola Templária uma nave, alterando-lhe o local de
entrada, e um dos ex-libris do conjunto edificado, a Janela do Capítulo. Toda esta
intervenção é fortemente marcada por ornamentação complexa, cujos motivos estão
relacionados com as Descobertas e a exaltação da Coroa Portuguesa e da Ordem de
Cristo.

Devido, provavelmente, à falta de justificação para a existência de uma Ordem Militar,


visto que já não existiam grandes batalhas, D. João III decide realizar uma reforma da
Ordem de Cristo, impondo-lhe a Regra beneditina e tornando-a uma Ordem estrita de
clausura, cujo papel passará a ser contemplativo e monástico, perdendo a valência
militar.

Esta reforma implica a ampliação do Castelo e do Convento e a criação de espaços


que possibilitassem a aplicação da Regra beneditina, como é o caso da distribuição
espacial através do claustro.

Devido à geomorfologia do território, a organização do “novo” Convento é realizada


com recurso a um conjunto de seis claustros, que distribuem respectivamente os
espaços dedicados aos noviços e aos conversos, assim como os espaços destinados
a actividades mais funcionais.

Esta obra de ampliação é dirigida por João de Castilho e pode dizer-se que tem muitas
características provenientes de um vasto conhecimento do Renascimento italiano.
Apesar disso, podem ainda encontrar-se diversas outras influências, entre as quais a

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

do Plateresco, estilo arquitectónico de origem espanhola produzido a partir de um


conjunto de outros estilos, entre as quais o Renascimento, cuja ornamentação faz
lembrar a ourivesaria.

É então neste contexto que Castilho desenha o Claustro Principal e dá início à sua
edificação, cujas obras se iniciaram em 1553 e acabam por ser suspensas sem que
existam registos concretos de uma ou várias razões para a paragem dos trabalhos por
volta de 1545, e deixadas inacabadas durante alguns anos.

As únicas informações disponíveis em relação a este assunto apenas nos indicam que
o claustro, após a paragem dos trabalhos, foi considerado perigoso, não se sabendo
ao certo em que aspecto. A razão mais provável seria uma degradação estrutural
devido à exposição do claustro inacabado às condições atmosféricas que teriam
prejudicado a estrutura.

Assim, Diogo de Torralva é encarregue de demolir grande parte do inacabado claustro


Renascentista de Castilho e edificar no seu lugar um novo, iniciado em 1558, segundo
os seus conhecimentos e a nova tendência do gosto arquitectónico, o Maneirismo,
tarefa que desempenha com mestria, criando um dos mais importantes exemplos de
Maneirismo português.

Segundo Kubler, Torralva utiliza na sua obra, não só o conhecimento que tem da
Arquitectura Clássica e das transgressões levadas a cabo pelo Maneirismo, mas
também as suas próprias ideias originais e elementos tipicamente portugueses,
particularmente o conceito de parede habitada, que desde sempre fascinou os
arquitectos portugueses.

Apesar da aparente simplicidade monumental do claustro de Torralva, o seu desenho


implica uma grande complexidade, especialmente no que diz respeito à métrica e ao
desenho das fachadas, cujos ritmos nunca são monótonos.

As variações e os contrastes no desenho de Torralva são, assim, muito mais


complexos, segundo Kubler, do que qualquer desenho italiano da mesma época,
integrando num mesmo espaço influências do Romano e do Veneziano, interligando
elementos ora das obras de Serlio, ora de Palladio, e criando um jogo de luz e sombra,

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

e entre planos, de grande qualidade, que demonstra um conhecimento extraordinário


das diversas influências.

É assim que chegamos, finalmente, a diversas conclusões relativamente ao Claustro


Principal do Convento de Cristo, em Tomar.

Entre as nossas questões iniciais encontrava-se a relação entre elementos simbólicos


da arquitectura templária e o Claustro Principal, relação essa que aparentemente não
existe, já que os elementos presentes, tanto no Claustro de Castilho como no de
Torralva, eram espelho do gosto arquitectónico da sua época, tendo sido ambos
edificados após a Reforma da Ordem de Cristo por D. João III, grande apreciador e
conhecedor de arquitectura.

Conclui-se, portanto, que quaisquer elementos decorativos existentes neste claustro,


quer da primeira intervenção quer da segunda, serão elementos puramente
relacionados, ora com a ornamentação referente ao gosto Renascentista ou
Maneirista, ora com significados de carácter religioso, não existindo neste espaço
qualquer relação com a existência dos cavaleiros da Ordem do Templo ou da Ordem
de Cristo antes da Reforma.

Este espaço aparenta ser, assim, o fruto dos conhecimentos, erudição e originalidade
dos seus autores, particularmente de Torralva já que é o seu desenho que obtém
visibilidade nos nossos dias, e não tem qualquer outra relação com a Ordem de Cristo
ou a sua antecessora além do facto de ter sido edificado para servir o Convento.

Em relação às celebrações que poderiam ser realizadas neste espaço, assume-se que
seriam as que se realizavam nos restantes conventos seguidores da Regra de S.
Bento, usualmente procissões nas quais se percorriam as galerias do Claustro
Principal, não existindo evidências de qualquer outro uso para este local além dos que
eram comuns nos conventos beneditinos: a procissão, a leitura, a introspecção e a
oração.

O Convento de Cristo apresenta, além de um projecto único devido à relação entre a


Arquitectura e a envolvente, algumas das mais importantes campanhas de obras da

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

História de Portugal e algumas das mais relevantes intervenções de diversos estilos


arquitectónicos realizadas no nosso país.

Além da sua relação com o lugar, também o modo como cada ampliação adicionou
valor ao conjunto ao longo dos séculos e como o conjunto se foi desenvolvendo, sem
que as intervenções fossem uma cópia do que já se encontrava edificado, contribuem
para aquilo a que chamamos a sua autenticidade histórica.

É comum associar-se directamente o Convento de Cristo aos Templários enquanto


objecto de arquitectura que espelha características e elementos usualmente
relacionados com eles.

No entanto, nem todo o convento se encontra relacionado com a Ordem do Templo


em si, estando grande parte relacionada exclusivamente com os estilos
arquitectónicos e gostos da sua época de construção, como acontece com o Claustro
Principal, onde Castilho e Torralva utilizaram os seus conhecimentos de arquitectura e
não quaisquer elementos ou métricas tipicamente relacionados com a Ordem do
Templo ou a Ordem de Cristo.

Com este estudo pretende-se tornar explicita esta questão, onde a Arquitectura e a
História se unem, justificando-se mutuamente, e sublinhar a importância das decisões
régias na Arquitectura, que por vezes ditavam a suspensão de determinada obra sem
que existissem outras razões que não a vontade do Rei, e a sua substituição por um
projecto mais recente, mais grandioso, ou simplesmente que agradasse mais ao
monarca.

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O Convento de Cristo – O Claustro D. João III e os seus Significados

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