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EXPERIÊNCIA E APRENDIZAGEM

5 S versus 3 S

De vez em quando aparecem no EB alguns expertos que convencem os


chefes sobre alguma novidade mundial e saem atropelando tudo, pois não
podem perder tempo, isto é, se demorar ser implantada sua ideia, poderá
mudar o chefe e o novo poderá não concordar, não gostar e assim o tal
intelectual perderia prestígio e uma possível promoção, por escolha. Assisti a
um que permitiu muitas promoções, mas que perdeu prestígio e foi implantado
a fórceps: organizar o EB de modo sistêmico. Foram produzidos milhares de
folhas de papel, consultas a especialistas paisanos, militares no exterior e por
aí a fora. Tive o prazer de ler e estudar a parte do DEC com profundidade. Mais
por curiosidade e futuro emprego e implantação, pois eu era major, meio de
carreira. O idealizador, já general, fez uma palestra a um grupo de militares,
que não me lembro de que departamento. Mas possivelmente ligados ao então
Departamento de Material Bélico (que seria extinto em tal manobra). Fui assistir
à palestra. De cinco palavras, ele repetia que os oficiais teriam que “ver o EB
como um sistema”. Perguntei a ele que duas coisas não fecham: “análise”, que
é a divisão e entendimento do todo e o “sistema” que é o funcionamento do
todo. Então ver um sistema logístico e depois um sistema operacional
independentemente, era análise: separação e estudo da parte e depois a
integração, portanto análise clássica da lógica. E também como seria funcionar,
de forma sistêmica, a estrutura vertical e departamentalizada: numa companhia
com três pelotões, um sargento de um pelotão não trata nada com outro
sargento ou quem quer que seja de outro pelotão; assim como, um tenente de
uma companhia nunca tratará nada com outro tenente de outra companhia. Ele
ou não entendeu ou não quis entender: continuou dizer que era uma forma
nova de ver o EB e tinha que ser visto de forma sistêmica. Fiquei deveras
decepcionado. Nessa leva, depois de uns cinco anos criaram o COTER -
Comando de Operações Terrestre, fruto de tal estudo; dez ou quinze depois
criaram o DLOG - Departamento Logístico, mas que deveria ser Comando
Logístico.
Depois disso, o mundo embarcou numa ideia de americano que já era
pratica de japonês. E, assim, ganhar dinheiro de alguns afobados:
Reengenharia. Era uma maluquice niilista: derrubar a organização existente e
refazê-la segundo um método. Encontrei agora na internet o seguinte: – “A
reengenharia " ... consiste no repensar fundamental e no redesenhar radical
dos processos de trabalho com o objectivo de obter melhorias dramáticas nas
medidas contemporâneas críticas da performance da empresa, seja nos
custos, na qualidade, no serviço ou no tempo".   Michael Hammer e James
Champy - "Reengineering the corporation" 
Felizmente no EB isso não tinha como aplicar.
Mas, competindo com a Reengenharia havia outra ideia revolucionária:
A Gestão para a Qualidade Total (GQT) ou, na terminologia inglesa, Total
Quality Management (TQM), corresponde a um tipo de gestão caracterizado
pela procura permanente de introdução de melhorias graduais e contínuas nos
processos e procedimentos já existentes, procurando sempre a excelência na
qualidade. E aí muitos se agigantaram. Tudo era qualidade total.
Mas teve um esperto que novamente criou método de gerenciamento
que era rotina entre os japoneses: o 5S. Copiei da internete:
O 5S é uma metodologia de trabalho que usa uma lista de cinco
palavras japonesas: Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke.
Denominação
Conceito Objetivo particular
Português Japonês
Classificação 整理, Seiri Separar os desnecessários Eliminar do espaço de trabalho o que seja inútil
Ordem 整頓, Seiton Situar os necessários Organizar o espaço de trabalho de forma eficaz
Limpeza 清掃, Seisō Suprimir os supérfluos Melhorar o nível de limpeza
Normalização 清潔, Seiketsu Sinalizar anomalias Prevenir o aparecimento de supérfluos e a desordem
Manutenção 躾, Shitsuke Seguir melhorando Incentivar esforços de aprimoramento

E aí foram toneladas e toneladas de arquivos queimados ou vendidos a quilo. O método


pode até ser eficiente, mas jamais poderia caber em órgão publico. Não há a definição de cliente
ao órgão publico. E o órgão público não tem como repassar os custos para alguém, como numa
empresa privada. Dou o seguinte exemplo: um aspirante que se senta numa mesa e cadeira, ou
que faça uma nota de aula e que dali a trinta anos seja promovido a general, a mesa e cadeira e
a nota de aula fazem parte da história do EB, da unidade, do pelotão. Até o espadim passa para a
história se seu portador atingir o generalato!!!
Na Amazônia foi um desastre. O 2º GEC tinha cópia de todos os projetos rodoviários de
todos os batalhões. Quando o visitei, pela ultima vez, a sala de arquivos de projetos, da Seção
Técnica, estava limpa. Perguntei a um funcionário civil e ele me disse, com certa tristeza: –
“infelizmente o 5S levou tudo”.
O mais cruel disso foi com um comandante do 5º BEC. Ele comandou um ano em comum
comigo. Mas o companheiro deu azar. Por praticar pouco o servir em corpo de tropa, pois era
generalável, foi comandar sem ter muita informação da coisa. Teve azar de receber um major
completamente maluco, entretanto um excelente combatente – FE, Comandos, paraquedista e
outros bichos mais. Deveria estar no Btl FE e não numa fiscalização de BEC. Pois o jovem meteu
os pés pela mão. O batalhão estava quase sem obras. Mas tinha um excelente britador. Assim, o
comandante resolveu murar o batalhão que era todo cercado de arame. O velho escambo: trocar
tijolos e cimento por brita. Mas logo, logo, um civil, se sentindo prejudicado resolveu denunciar o
comandante para tudo o que fora justiça: militar, federal, estadual e todos os ministérios públicos
além dos comandos superiores. E o operacional FE trocou brita com muito mais coisa e brita pela
metade do preço da do paisano. Houve até indícios e nunca soube do resultado final, que ele
também trocou brita por coisas particulares, o que duvido muito. Mas foi inquérito pra todo lado.
Bom, o major, comandante, o tesoureiro e mais alguns oficiais foram arrolados pela irregularidade
de trocar brita por tijolos e cimento. Quando eu fui servir em Manaus, lá estava o coronel como
ChEM transferido para ali para ficr mais perto da Auditoria Militar e ser julgado depois de impetrar
todos os recurso. Foi condenado a alguns meses de prisão. Mas, quando foi julgado, o juiz tinha
certeza que houve a irregularidade, mas sabia que não houvera desonestidade. E numa das
fases do processo o juiz disse a ele se tinha condições de provar que houve controle dessa troca;
ele respondeu que tinha pois havia uma contabilidade feita pelo tesoureiro onde transformava a
quantidade de brita em dinheiro e comparava com os valores de tijolos e cimento. Então o juiz
pediu uma cópia dessas prestações de contas. Disse o coronel que seria fácil, pois deveria estar
nos arquivos do batalhão. E aí aconteceu o que nunca deveria ter acontecido: os arquivos não
mais existiam. Graças ao Ch EM anterior tudo fora queimado... tudo fora destruído em função do
5S – suprimir o desnecessário. E o coronel foi condenado porque o pelo 5S. Morreu de câncer
prematuramente pelo sofrimento de ter que provar que não fora ladrão... e foi condenado porque
um falso intelectual resolveu ser importante com o 5S.
Em Manaus, no CMA, o 5S era visto com total indiferença. Tudo que o método
recomendava, já estava direta ou indiretamente no R/3 – Regulamento de Administração.
Ninguém estava preocupado com isso embora o comando do EB, aliás alguns espertos, para
garantirem a próxima promoção, se engajavam nisso com unhas e dentes. Apareceu um coronel
da região militar para fazer uma palestra sobre a necessidade de tal implantação. Chegou ao
absurdo de afirma que o "cliente do EB" era seu "publico interno". A palestra era para oficiais e
sargentos. Lá pela tantas, eu já não aguentava mais a baboseira, que tem o jargão de “rolha”,
quando o coronel resolveu perguntar ao subtente se estava entendendo a ideia principal de modo
a se conscientizar da necessidade do método. O subtente se levantou e disse em alto e bom
som: – “Coronel, aqui no CMA nós resolvemos tudo com “3 S”. O coronel fez uma cara de
espanto e perguntou o que significava o 3S. O subtenente disse: “aqui é Sim Senhor!” “Selva”!!!
Foi uma explosão de risos... E entrou para o folclore do CMA.
As ideias imediatistas, sem amadurecimento, levam os apressados a cometerem desatinos
que deixam a força patinando em m..., por anos. A força tem que absorver ideias atualizadas,
mas depois de consagradas e não deve se meter em aventuras especulativas, em modismo
efêmero, que são mais adequados ao meio civil e em particular ao meio privado.
A NGA

As Normas Gerais de Ação (NGA) são boa ferramenta para quem chega recém num
quartel. Ali se tem toda a rotina e se dá continuidade a essa rotina. O número de erro é menor.
Acontece que poucos são os comandantes que as deixam atualizadas. Aqui confirma o velho dito
popular que nunca se tem o bom porque se persegue apenas o ótimo. Como não consegue
regulamentar todas as rotinas, não se faz nada. Outros, não querem saber de NGA porque são
personalistas e querem sempre ter a última palavra, em geral de desagrado. É o que eu classifico
de “pessoa química”: de manhã, escova o dente com ácido sulfúrico; no café, engrossa o leite
com soda cáustica e, durante o trabalho, toma copos de vinagre, de hora em hora, como se água
fosse. Está sempre tentando achar um motivo para destilar o azedume cultivado. Pois bem, ter a
NGA e o subordinado proceder segundo as normas aprovadas, pela autoridade, ele não terá a
oportunidade de arreliar e achar defeito.
Mas, nesse assunto, tive um comandante que não era químico, mas também não queria
saber da NGA. Por questões óbvias, vou chamá-lo de Paulão, mas o nome começa com “P”. A
NGA existente era do comando anterior e ele não quis que a atualizasse. Num dia, ele mandou
refazer um documento. E o oficial que iria refazê-lo estava chateado. Num gesto de sadia
camaradagem, um bom samaritano quis amenizar a situação, como consolo, e perguntou: – “mas
não está de acordo com o modelo de costume, que é o da NGA, dos anos anteriores?”
Respondeu o que estava chateado: – “Com ele não funciona esse negócio de NGA. Com ele é
PGA”. Aí o consolador estranhou e perguntou: – “porque PGA?” – “Aqui é: Paulão Gosta Assim.
Se não for como ele quer e gosta, repete-se mil vezes”. Foi uma risada generalizada.

A Comunicação Social que Vi

Como já dito, em outro lugar, quando no DEC, tinha como missão fazer Comunicação
Social, do Departamento. A coisa se resumia em Relações Públicas. Entretanto, tinha relatório
trimestral de atividades do Departamento, em Comunicação social, cujo relatório era um modelo
padronizado, expedido pelo CComSEx, no seu Sistema de ComSoc, materializado no Plano de
Comsoc do EB. Mas as origens dos acontecimentos eram os mesmos: iniciavam-se nos
batalhões de construção. A mesma informação (relatório) seguia pelo canal técnico: BEC – GEC -
DOC e DEC e para o CComSEx; na outra vertente, de comando, vinha BEC – GEC – Comando
Militar de Área e CComSEx. No DEC ainda tinha as outras diretorias, mas com baixíssima
atividade e atuava no público interno. Bom, cabia, a mim, condensar os relatórios e entregá-los ao
CComSex. A minha maior atividade, na Comunicação Social, era o de relações públicas:
aniversários, despedidas dos “partintes”, currículo dos “chegantes” e, o mais desgastante,
coordenar com o assistente do general as agendas e com isso administrar as esperas de oficiais
agendados com o Chefe do DEC. A grande maioria generais.
Mas agora, num comando militar, caberia, a mim, vigiar as mensagens sobre o comando,
em particular, e sobre a força como um todo. Assim, tinha responsabilidades em todos os campos
da atividade de comunicação social.
Para qualquer Exército, a atividade de comunicação social não é meramente o que hoje as
escolas de comunicação apregoam, em particular as brasileiras. A comunicação social participa
do combate como instrumento de apoio ao combate. Ela se entrelaça com o sistema de
inteligência. Com ele, opera tanto na busca de informação, de dados, de conhecimentos, bem
como na difusão de informação, de dados e de conhecimentos de um inimigo real ou potencial.
Ela não é, como alguns pensam, apenas, para contrapor-se à imprensa em geral. Isso pode até
acontecer, numa ação periférica. Ultimamente, as ditas Escolas de Comunicações ou as
faculdades de diferentes atividades dentro da comunicação têm inventado, para consumo próprio,
tantas definições, tantas profissões, tantas denominações que desfigurou e confundiu,
completamente, o sentido da atividade Comunicação Social.
Senão vejamos, nas respostas postadas no seguinte endereço:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070208103113AAFuqsR:
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...
“A Comunicação Social é um campo de conhecimento acadêmico que estuda a
comunicação humana e questões que envolvem a interação entre os sujeitos em sociedade”.
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“Entre as subdisciplinas da comunicação, incluem-se a teoria da informação, comunicação
intrapessoal, comunicação interpessoal, marketing, publicidade e propaganda, relações públicas,
análise do discurso, telecomunicações e Jornalismo”.
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“A comunicação social lida com as técnicas de transmissão da informação, o formato com
que a informação é transmitida, e os impactos que a informação terá na sociedade e a relação
entre os sujeitos em uma situação comunicativa”.
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“Grande parte de sua prática está associada ao estudo da Teoria da Comunicação”.
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“A comunicação social possui diversas especialidades, como o jornalismo, publicidade e a
editoração, o rádio e tv, as relações públicas, o cinema e a produção cultural.”
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“No Brasil, algumas dessas áreas reservam-se a empregar apenas profissionais habilitados
em cursos superiores de Comunicação Social”.
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Pelo que se depreende, de tantas tentativas de caracterizar a atividade, é que há uma


enorme confusão entre o meio (a média ou a mídia como querem os intelectuais do ramo) de
transmissão de informação; a produção da informação; e o destino da informação.
O objeto da Comunicação é a MENSAGEM. A finalidade da mensagem é conter
INFORMAÇÃO. A informação é conhecimento que se quer. Portanto, a teoria da Comunicação
nada mais é que a teoria da informação. Assim, toda a teoria da comunicação está no velho “fluxo
de mensagem” ou “processo de comunicação”: emissor – meio – receptor. O emissor é quem
prepara a mensagem; o meio é o instrumento de difusão e o receptor o alvo a atingir. Á medida
que os “meios” foram aperfeiçoados, pela tecnologia, a técnica de elaborar a mensagem
(linguagem) também evoluiu e o “emissor” passou a ter variadíssimas funções na sociedade
desde política até o comercio (publicidade e propaganda) tendo como “receptor” a população em
geral.
A COMUNICAÇÃO, com suas múltiplas facetas: tipos (incluída aí a social), meios (mídia),
disciplinas que a compõem, especialidades, conceitos, elementos, tecnologias (da informação, da
computação), escolas de comunicações e outras ações novas que a cada ano aparecem, tem sua
origem na atividade militar. E a coisa não é nova. A mensagem (informação) foi emitida por
Milcíades, segundo conta a lenda, tendo como meio um mensageiro – Fidípides - que foi
mandado a correr os 42 quilômetros (250 estádios), que separavam Maratona ,de Atenas, para
anunciar a vitória grega. Após anunciá-la com a frase "Alegrai-vos, atenienses, nós vencemos!",
caiu morto devido ao esforço. Também nas obras de Sun Tzu se vê o uso da informação, da
mensagem, na espionagem, na obtenção da informação sobre seus inimigos. Portanto, a
comunicação, com uso de meios variados, para variados receptores, em favor de uma causa, tem
origem militar.
Assim, no sistema guerra, a comunicação atende tanto à “atividade de inteligência” (nosso
conhecimento sobre o inimigo e negação de conhecimento ao inimigo sobre nós) como a de
“reportar” ao povo, dessa força armada, sobre sua atuação. Aqui, então está a Comunicação
Social – reportar a um receptor - o povo, o publico alvo - o que acontece com sua força armada,
usando os meios disponíveis.
Há que esclarecer que reportar, pela etimologia é – trazer para trás – re-portar: - latim
reporto,as,ávi,átum,áre - levar para trás, retirar, transportar para trás; levar ou trazer (voltando). A
palavra, embora tenha origem latina, foi introduzida, na língua portuguesa, tanto pelo inglês
(report – informar, contar, noticiar, comunicar) quanto pelo francês - reporter. Assim repórter (origem no
inglês e pelo sufixo) é aquele que narra, para os que ficam atrás, de algo acontecido na frente.
Isto é, narra para os da retaguarda, o que acontece na frente de combate.
Como emissor - o repórter – terá que usar regras para ser o mais fiel sobre os acontecido
ao reportar algum evento ou acontecimento. Para isso, usará a aristotélica regra de redigir, que
também é cartesiana, que alguns conhecem como Lista de Verificação:
O QUE É (a ação); QUEM? (o Protagonista); ONDE? (o lugar); QUANDO? (a data e hora);
POR QUÊ? (a causa); COMO? (a maneira); COM QUE? (os meios). Para os americanos é o
5W2H - What (o Quê), Why (Por quê), Where (Onde), Who (Quem), When (Quando), How
(Como) e How Many (Quanto);
Para o EB, a Comunicação Social, como elemento do sistema de guerra, obedece a
doutrina de emprego. Contém três atividades, que estão codificadas em Manuais de Campanha,
ligadas à população em geral: - RELAÇÕES PÚBLICAS - AÇÃO COMUNITÁRIA -
OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS. Tem subdivisões:
- Ação Comunitária - ACISO; Defesa Civil e Serviços Públicos Essenciais. Esses três são
fundamentais em áreas conquistadas ao inimigo;
- Operações Psicológicas: Guerra psicológica e Ação Psicológica: conquistar o apoio de
grupos Inimigos (Hostis); Neutros; ou Amigos; conquistar emoções, atitudes ou comportamentos
favoráveis à consecução de objetivos específicos.
Em tempo de paz as Relações Públicas se agiganta. Entretanto, as outras atividades
devem e são planejadas. Na verdade, há que ter um centro com atividades multidisciplinar e não
somente de militares combatentes para desenvolver cada uma das atividades de Ação
Comunitária e Operações Psicológicas.
Imagino que tais coisas tenham evoluído, para melhor. Já há cursos e especialização para
militares em Operações psicológicas, coisa muito levemente apreendida pelos oficiais e sargentos
com curso de Forças Especiais.
Como se vê, embora as escolas de diferentes atividades de Comunicação Social, por
motivos ideológicos, queiram ser hostis à forças armadas, são estas que tem um espectro de uso
da atividade bem maior que qualquer empresa de multimídias, em particular as de televisão.
Há entre os jornalistas, de boa índole, a vontade de ser FIEL à filosofia da profissão:
manter o povo informado. Mas há o capitalismo da empresa jornalística que tem que ter lucro; se
não, acaba o jornal e o emprego do jornalista. Há o dinheiro publico que a empresa precisa e que,
se apoiar os governos de plantão, terão mais fáceis as verbas de propagandas. E, assim, os
governos e seus partidos aliados publicam o que querem e não o real que os jornalistas poderiam
apurar. Portanto, as empresas com suas mídias sempre serão garoto de recado de ideologias,
partidos políticos e governos, embora neguem que assim sejam.
Os governos sempre usaram, desde SunTzu, e cada vez mais usam, função da tecnologia
dos meios (mídia), as operações psicológicas face a permeabilidade da difusão dos
conhecimento, por diferentes meios de comunicação. Olhando os meios de comunicações, desde
os meus tempos de menino, talvez seja a coisa que mais evoluiu no universo. Muitos meios foram
fundidos e que antes eram completamente distintos. E a cada ano, são tais meios que ditam a
qualidade tecnológica de um país. Assim, de momento, não temos mais distinção entre: telefone,
computador pessoal, televisão, gravador de som, gravador de imagem, fotografia, manipulação
com refinado aprimoramento de imagens e sons, mapeamento digitalizados de áreas, mapas de
cidades com resolução e nitidez de dez metros de distancias. Transmissão de enormes massas
de informações comerciais, financeiras e industriais. As riquezas já não mais caminham apenas
por navios. Quando se fala em economia globalizada é porque os meios de comunicação não
deixam mais o mundo repousar: quando é dia no Japão e China é noite na América. As
transações comerciais do dia lá continuam com as da noite aqui. Os países que dominam tais
tecnologias são os líderes econômicos e consequentemente líderes mundiais como potencias
militares. Os sistemas de armas militares são dependentes dos mesmos meios de comunicações
dos telefones celulares. Hoje há combate eletrônico, entre forças armadas, uma querendo passar
informação falsa e receber informação confiável por meios de “vírus”, “programas espiões”, e
páginas fantasmas.
Mas em tempo de paz se agiganta as Relações Publicas. Não cabe aqui tentar definir o
que seja porque é uma profissão ainda em evolução, embora desde Luiz XIV, o que inventou a
etiqueta, as cerimônias dos palácios, os cerimoniais das cortes eram as relações públicas em
gênese e aí se já se fermentavam, embora não com tal nome.
Para uma unidade militar, a maior atividade é exatamente no trato com o publico externo,
em particular com as atividades ligadas ao jornalismo. E aí tem outro nome com a semântica
variando segundo os interesses de faculdades. Até mesmo pessoas, hoje, possuem seus
“assessores de imprensa”. Jornalista cuidanado das notícias de personalidades. Logo, logo
teremos os “Personals press”. Essa atividade - jornalismo - está tão intensa que tomou o nome do
meio de transmissão – hoje se diz “MIDIA” ao invés de jornalismo. Jornalismo vem de jornal +
ismo. Sobre jornal, e visitando a etimologia, vê-se que é confusa e tem origens questionáveis. O
mais provável é que vem de do latim diurnális,e - relativo ao dia, diário. Depois do século XIX,
passa a ter acepção de publicação diária, gazeta, periódico. Portanto, Jornalista é o profissional
de jornalismo e quem reporta, a quem não viu o acontecimento, o acontecido no dia.
Infelizmente, os jornalistas não sabem que eles são explorados pelas atividades de
inteligência. Assim, qualquer analista medianamente treinado é capaz de entender, de codificar, e
interpretar o que foi publicado em particular quando lhe interessa algum efeito. Assim,
inocentemente, o jornalista acha que sua fonte está lhe ajudando, mas na verdade está lhe
usando em seus interesses.
Mas como consegui tocar isso, sem tornar vulneráveis as coisas militares e sem
descontentar quem precisa sobreviver dando informação.
Trouxe uma boa bagagem do comando de batalhão: Em Rio Branco havia cinco emissoras
de televisão e outras tantas de rádio. E todas produzindo matérias para seus jornais. Assim, às
vezes respondia cinco vezes sobre a mesma coisa. E eu tinha paciência o suficiente para até
ajudá-los. Nunca fui surpreendido com perguntas impertinentes. Sempre repassava a pauta e se
tivesse algo difícil ou indesejável, eu me preparava intelectualmente para responder aquilo.
Também aprendi com uma cartilha da Rede Globo, cópia tirada em Cruzeiro do Sul. As
recomendações que faziam aos cinegrafistas, eu passei a fazer quando eu dava entrevista. Ele é
o responsável pelas imagens boas ou ruins. Assim, eu procurava, com o cinegrafista, a melhor
posição tanto para ele como para mim. Se chegasse com câmera ligada, estava suspensa
qualquer atividade. Não admitia desconsideração e molecagem.
Bom, num desses simpósios de comunicação social, aprendi com um marinheiro algo
fundamental. E com tal concepção cabei por montar uma palestra que já ministrei em alguns
lugares, para militares. Por oportuno, colocarei aqui apenas as partes mais importantes.

A PROFISSÃO MILITAR:
– ENVOLVE:
- Violência e destruição; Sublimação do medo; Eliminação do semelhante;
– REQUER: Convenções rígidas; Disciplina; Comando hierarquizado; Comunicação em
forma de ordens;

Portanto:
– A INSTITUIÇÃO MILITAR é autoritária por necessidade e todos os seus componentes o
são por ser parte do todo.
– Acresce, à estas particularidades, outras duas muito importantes:
- Necessidade de sigilo (táticos, estratégicos e logísticos);
- Contrainformação (negar informações ao inimigo);

–Para a imprensa o Militar é (ESTEREÓTIPO):


- Autoritário; - Conservador; - Discreto; - Reservado; - Avesso a declarações; - Hostil à
imprensa;
– Para nós militares a imprensa é (ESTEREÓTIPO):
- Inconsequente; - Irresponsável; - Leviana; - Amadora - Distorcida; - Insidiosa. Etc.
O que é difícil o homem de imprensa entender é que as forças armadas é a parte viva da
nação. Na organização do Estado, de que é parte e principal guardiã, detém informações
privilegiadas. E que tais informações privilegiadas, se divulgadas, poderão por em risco a
existência da própria nação, e em consequência do jornalista, do seu jornal e de sua empresa.
Apoiados por demagogos, que montaram a Constituição Federal, para lhes beneficiar, disseram
aos coitados que eles têm que ter acesso, de qualquer maneira, a todas as informações. Mas, os
próprios jornalistas exigem o direito de defender suas fontes de informação e de não compartilhar
o que tenha apurado. Uma contradição. Sempre estão querendo ter o infinito orgasmo de ter dado
um “furo de reportagem”. É furo porque é pelo furo que vaza a informação contida num
determinado local. É uma metáfora.
Há a deformação da ideologia marxista nas escolas de comunicação onde, qualquer
governo, menos os comunistas, esconde coisas do povo, para manter o povo sob cruel
dominação. Não querem cá o que eles fazem acolá.
Portanto, entre os militares e os jornalistas, haverá sempre um jogo de inteligência: um
escondendo o que deva esconder e outro buscando o que está escondido. Quando os jornalistas
entendem o lado patriótico que deva ter a informação (mesmo as desfavoráveis ao Estado) e em
sintonia com o militar, entendem o melhor momento de informar, sem prejudicar a nação, tudo
fica justo e perfeito.
Mantive excelentes relações com a imprensa em Campo Grande, pela forma de tratá-los,
mas sendo “duro no trato”; franqueza às raias da deseducação. Uma coisa difícil era fazê-los
entender sobre a responsabilidade com a informação. Portanto, enquanto não soubesse a fundo
o que gerou a notícia, eu não deixava divulgar. Só fazia isso depois de muito bem seguro. A
informação prestada por mim não trazia o carimbo de “fonte de informação”, mas sim o carimbo
da instituição – “o Exército informou...”. A minha relação foi tomando respeitabilidade tal que a 5ª
Seção passou a ter mais credibilidade que a assessoria de imprensa do gabinete civil e militar do
governo do Estado.
Com as assessorias e cerimoniais dos governos de Estado, aprendi a se antecipar a
problemas em ebulição. Assim, antes de terminar uma cerimônia já se perguntava aos jornalistas
se queriam entrevistar algumas autoridades presentes e sobre o que gostaria de falar. Muitos
tinham pauta, outros não tinham nada e pegava carona nas entrevistas alheias. Assim, se a
reportagem da emissora concorrente apresentasse a matéria, eles também a apresentariam de
modo a não ficar de fora do acontecimento. Mas antes de os repórteres aproximarem, se fazia
uma rápida passagem no que eles poderiam perguntar. Assim, se ajudava ao chefe recordar de
tudo sobre o tema e assim ele estar preparado para perguntas embaraçosas. Também antes da
presença dos jornalistas se fazia uma passada (detesto nome em inglês, mas aqui cai bem -
briefing). Em geral eram assuntos de governo, de nível nacional, que muito pouco uma autoridade
local poderia se manifestar. Mas sempre tinha alguém querendo fazer de problemas alheios um
problema doméstico.
O general tinha boa dicção e bom timbre de voz (voz FM). E era bem articulado pra falar.
Assim, tinha uma capacidade de falar e não dizer nada bem respeitável. Ele mesmo dizia que
poderia usar duas técnicas: de Paulo Maluf onde ele respondia o que ele queria, independente
do que fosse perguntado; e outro do Ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, em
que ele enchia de termos técnicos. O repórter não entendia nada, se perdia e não fazia a
segunda pergunta.
Aprendi com uma jornalista recém-formada que cobria o 7 de Setembro. Ela começou a
perguntar sobre dados do blindado. Eu disse que era muito técnico e que tal informação seria
pouco producente em seu texto. E ela respondeu que todas as jornalistas e os jornalistas que
estavam ali eram bons e escreviam bem. O que traria diferença entre uma reportagem e outra
seriam os detalhes. E por isso ela estava procurando detalhes que os outros não buscavam por
serem autossuficientes.
Um dos problemas chatos, que tive, foi administrar as vaidades de mulher de general. É
que, se não prestar atenção elas, sem querer ou se insinuando, acabam entrando nas cerimônias
essencialmente militares, por falta de previsão de procedimentos. Vou me repetir, de escrito em
outro lugar. O EB não tem um cerimonial militar. Tem regulamentos militares e muitos são
Manuais de Campanha. Ora, se o general vai com sua mulher, cuja finalidade é prestigiar as
esposas de companheiros, em cidades de pouco recursos de lazer (e a ida seria uma forma de
quebrar a monotonia local) não deve ir diretamente para um quartel. Deve, obrigatoriamente,
passar pelo local de hospedagem (hotel, hotel de transito, casa de comandante). Se não, a
esposa do general estará passando em revista a guarda do quartel junto com o marido; andando
de salto em ruas embarradas ou gramados enquanto o marido recebe as honras de uma guarda;
tomando chuva desnecessariamente. Vi isso algumas vezes durante a carreira. Felizmente, na
minha vez de trabalhar na 5ª Seção, consegui me antecipar a esses detalhes. Quando convenci o
meu comandante disso, ficou fácil. A programação já sai do CMO com as paradas obrigatórias e
os “pontos obrigatórios de “passagem.”
Como no CMO, o chefe da 3ª seção era um oficial de engenharia da turma de 70 (que fora
punido no comando pelo bendito comandante do GEC tomador de mate) ficou fácil nós
trabalharmos em eventos militares, conduzidos pela terceira seção. Nós fazíamos o jogo de
guerra dos eventos em todas as suas atividades. Fazíamos exatamente o que aprendi com o JC
– subcomandante do CPOR/PA. Assim detectávamos estrangulamentos que precisaria ser
desfeitos. Muitas vezes tivemos que ir até o ChEM solicitar pessoal (oficiais e sargentos) para
apoio em orientação de visitantes, homenageados, convidados.
Fizemos um Plano de Comunicação Social, para o CMO, desenvolvendo os eventos
sugeridos pelo Plano do CComSEx. Ficou uma coisa muito própria do Comando. Infelizmente, o
general engavetou e não deixou sair. É que, para cumprir alguns eventos, deveria ter despesa e
isso permitira a subordinados solicitar recursos. E o Plano era para isso mesmo: permitir que as
atividades de Comunicação Social, tanto para o público interno como para o público externo,
fosse feito com o respaldo de despesas. Fazer algo como era feito pelo sistema de informações
(inteligência, agora em governos comunistas): reuniões periódicas, equipamentos modernos,
encontros com civis, participação de escolares em formaturas e desfiles (para isso deveríamos
bancar o transporte por ônibus), participação mais efetiva de familiares de recrutas nos quartéis.
Ficaram listados, no plano os feriados, as datas nacionais e as datas militares com obrigações de
eventos mínimos. Por exemplo: Tomada de Monte Castelo: haveria obrigatoriamente uma
palestra aos soldados recrutas com projeção de filmes. Já em 1995 se podia usar filmes em DVD
ou DC; Sobre Dia da bandeira, havia uma palestra sobre a legislação da bandeira: quando
hastear, como hastear, até que horas, o que são panos da bandeira, qual a precedência em
relação a de outros países.
Tentei também fazer um Manual de Cerimonial para o CMO. Levei a experiência para
Manaus. Bom, não sei se ainda usam, mas quebrou um galhão. Mandei-o como esboço para uma
cartilha ou coisa parecida, para a Secretaria Geral do Exército. Creio que não aproveitaram. A
Secretaria já fizera alguma coisa, voltada para etiquetas, sobre composição de mesas para
reuniões sociais. Encontrei partes da minha cartilha em outros lugares. Por isso, creio que fiz bem
a minha parte.
Fiz um “maceteiro” para ser usado nas reuniões preliminares de qualquer evento ou
comemoração. Segue na próxima página.
ATIVIDADE(S): EVENTO(S):
ÍTEM PROVIDÊNCIAS RESPONSABILIDADE
Coordenar as atividades
Quem faz a Nota de Serviço / Boletim Alusivo
Quem faz leitura Boletim Alusivo / Ordem do Dia
Relação de convidados - Definir para ALMOÇO / JANTAR
Relação De Autoridades - Definir p/ almoço/jantar/solenidade
Definir se almoço/jantar será acompanhado da esposa
Definir ida Palestra/Formatura: EMG? EM Esp? Cmt OM? FAB?
Mar? PM? CBM? Cmt Bda? Todos Of Gu? Cmt RM?
Definir uniformes/trajes para eventos / programação social
Definir hospedagem (quartel/HTO/Hotel)
Previsão do Local da solenidade em CASO DE MAU TEMPO
Definir local de Palestra/Solenidade
Definir os locais (poltronas) reservados dentro do auditório
Definir COQUETEL após solenidade: - local / cardápio / serviço
garçom
Coquetel: - cartão anexo / relação convidados/ nível hierárquico
Dispositivos para debates: Acertar mesas e microfones
TRANSPORTE:- Definir Vtr Disp / coletivo / operacional
Reserva da Sala VIP
Definir quem vai ao aeroporto para a recepção / despedida
Final das atividades e entrega brindes (o que/quantos/a quem)
Curriculum Vitae: - quem resume/quem lê/quem distribui cópia
Preparação da exposição do Cmt : Quem frita transparência
Preparação de cópias de: palestras / discurso / Ordem do Dia
Contato com Elm lig sobre cardápio (não preferido) da autoridade
Contato com Elm lig da autoridade Transp/Hosp/programação
Contato com Elm lig sobre vinda esposa autoridade/convidado
Preparação de auditório: local/som/imagem/micro/lapela/com pé
Medalha/diploma: convidados/decreto/paraninfo/dispositivo
Mesa lateral: para controlador dos debates
Imprensa: Release ( Nota Oficial? ) - convidar / Credenciar Repor
Cobertura fotográfica: - filmagem (distância - local ñ permitido)
Providenciar placa de brinde - nominal/funcional
Expedição de convites para
recepção/despedida/palestra/almoço/jantar)
Comissão de recepção (QG/evento/almoço/jantar)
Recepção/despedida – bagagem de autoridade/comitiva (equipe)
Insígnia/bandeira da autoridade: onde/quando hastear
Hino do país da autoridade (onde/quando) - acertar com banda
Toque de corneta (onde/Quando/a quem) acertar com corneteiro
Expediente no quartel/na Gu – trocar/ mais cedo se for o caso
Guarda de Honra: - definir local/hora e treinamento
Banda: - treinamento/solenidade - hinos - canções
Preparação do (s) quartel (éis) / local (ais) da atividade - limpeza
Sinalização para locais (auditório/WC/Cofee Breack )
Sinalização com a PE / PM :– atividade / estacionamento
Previsão de estacionamento (cartão estacionamento)
Previsão local reunião preliminar das autoridades VIP
Estabelecer circulação de ônibus/VTR na chegada/final atividade
Definir gerador de luz reserva para o evento e atividade social
Coletiva imprensa - Local/Arrumação/Asse/Ap cinegr/Creden
Repórter
Elaborar chá/roteiro visita/passeio turístico para esposas
Elaborar roteiro passeio turístico para autoridade/convidado
A confusão do Confusão

Bom, entre os funcionários civis que recebi veio um motorista que assim que
resgatamos um caminhão, o sem taipa, ele se apresentou como voluntário para dirigir e
assim começou a trabalhar. Era dinâmico, insinuante para o trabalho. Foi para equipe de
bueiro com seu caminhão sem freio. Era um artista ao subir e descer ladeiras dos trechos
não terraplenados. O motorista acabou por ser apelidado de “Confusão”. Não porque fosse
briguento para inimizades, mas por excesso de dinamismo para manter seu caminhão
funcionando. Quando parava junto de um mecânico, ele ia pegando ferramentas para
reapertos, ajustes , lubrificação e assim por diante. Ás vezes isso era motivo de reclamação,
mas todos entendiam que ele fazia isso pelos serviços. Acertava no atacado mas
incomodava no varejo por não pedir e sim fazer as coisas com as ferramentas que não
estavam distribuídas a ele. Um belo dia ele pediu par ir a Rio Branco. Haveria um avião da
FAB e ele iria de carona até Rio Branco. Já havia feito a inscrição no posto da Prefeitura.
Qual não foi minha surpresa quando voltara de MGG com sua mulher e ainda por cima
grávida. Fez um Tapiri perto do acampamento de Bueiro e lá ficou com a mulher. Eu até
havia esquecido o detalhe. Num determinado dia, ele me procurou em Feijó e disse que
tinha um probleminha e que só eu poderia resolver. Dei a deixa para ele continuar e, ele, se
abriu: – “minha mulher está na época de descansar”. Descansar, na idiossincrasia local, era
– está na hora do parto. – “E para quando é isso, Confusão?” E ele na maior tranqüilidade: –
“é para essa semana e a qualquer momento”. Caramba, o MGG só viria dali a quatro ou
cinco dias. Pedi que ele que acomodasse a mulher em Feijó e assim, na primeira
oportunidade, mandar a mulher para Rio Branco. O MGG estava autorizado a operar até
MUrbano. Não me lembro como foi que ela chegou a Rio Branco. Sei que não retornou a
Feijó.
Quando assumi o comando do 7º BEC, e vou inspecionar a Companhia em Rio
Branco, eis que vejo uma figura conhecida. Era o próprio Confusão. Assim como o
mecânico, pediu demissão no 5º BEC e foi contratado no 7º BEC. Era motorista de caçamba
e vivia no trecho. Quando mudamos a sede do 7º para Rio Branco, escalei o Confusão para
ser motorista de trecho do Comandante. Não durou um mês. Pediu para voltar para sua
caçamba porque ser motorista de comandante era muito monótono e no trecho ele sempre
conseguia alguns pés de macaxeira para aumentar o cardápio de casa. Numa comemoração
no Batalhão ele levou a mulher. Bom, já no final do meu comando ele me convidou para ser
padrinho de formatura de sua filha mais velha. Era a menina que andara por Feijó no ventre
da mãe. Já era casada e tinha três filhos. Ela se formava em pedagogia pela Universidade
Federal do Acre. Fiquei muito honrado com o convite e registro esta história pelo inusitado
da situação em que fiquei refém da mulher grávida do Confusão. No momento que escrevo
isso, o Confusão já tinha ido para o andar de cima, por câncer no intestino. Fica minha
homenagem a ele.

A DOC – Diretoria de Obras de Cooperação

Quando tenente, não sabia da existência da DOC. Era um escalão que não me via e
nem a via.
Quando capitão, destacado, soube das reuniões com seus integrantes em Manaus.
Na época, destacado em Ji-paraná, nunca tropeçara com alguns de seus componentes. Mas
fiquei sabendo que existiam. Particularmente o medo que transmitia a todos; o terror com
que os comandantes de batalhão ficavam quando submetidos ás duras sabatinas dos planos
de trabalho. Lembro, quando tenente, em Humaitá, lá pernoitou o comandante com sua
tropa para a reunião em Manaus, com a DOC. Cinco picapes, cabine dupla: a primeira, com
o comandante, e sua mulher; a segunda, com o fiscal Administrativo e mais dois capitães da
Seção Técnica; a terceira, com quatro ou cinco mulheres dos oficiais; a quarta, com três
sargentos e uma parafernália de máquinas de escrever e de calcular, mimeógrafo e um
monte de tranqueira; a quinta era com o cabo que era o “ordem do comandante do batalhão”
como se apresentava, que era reserva: para eventual quebra de picapes e ou lugar para
bagulhos da zona franca, na volta. Custei entender: seria medo; necessidade de já deixar
tudo pronto, se tinha tempo para isso ser feito na sede do batalhão?
Depois, eu como major e com a obra de 84 na BR 364, tomei contato e fui tentar
entender o que era e como funcionava. Bom, servindo-me de um trabalho de um
companheiro, material para lubrificar uma futura promoção e não pelo interesse na história,
colhi as informações abaixo:
“Pelo Decreto Nº 68.275, de 19 de fevereiro de 1971, que organizou o Departamento
de Engenharia e Comunicações ( DEC ), a Diretoria de Vias de Transporte ( DVT ) passou a
denominar-se Diretoria de Obras de Cooperação ( DOC ), que ficou subordinada
diretamente àquele Departamento, e, com esta denominação, passou a funcionar a partir de
10 de março de 1971”.
“A Diretoria de Obras de Cooperação ( DOC ) é o Órgão de Apoio do Departamento
de Engenharia e Comunicações ( DEC ), incumbido de realizar as atividades normativas de
caráter técnico e administrativo, relativas à execução de obras de cooperação que, por força
de convênios com outras entidades da Administração Pública, venham a ser atribuídas ao
Ministério do Exército”.
Chamo a atenção para o “... realizar as atividades normativas de caráter técnico e
administrativo, relativas à execução de obras de cooperação...”.
Os governos ditos militares, com os Planos Nacionais de Desenvolvimento – PND
elegeram as infraestruturas e dentre elas a econômica, em particular a rodoviária. Do PND
nasceu o Plano Rodoviário Nacional. Vigiu até pouco tempo. Mudaram o nome, mas nãoa
essência. Assim, milhares de quilômetros de rodovias foram abertos e outro tanto asfaltados.
Para a Amazônia eram as ditas rodovias pioneiras. E por isso foram transformados e para alí
transferidos tantos BEC. Na verdade, pegaram os batalhões rodoviários e apenas os
renomearam, sem mudar a essência. Com tantas estradas, o DNER ficou tão ou mais
poderoso que o Ministério dos Transportes. Seu Diretor geria bilhões de cruzeiros.
A interface com o Exercito, como se viu na transcrição acima, seria feito com a DOC.
O trato do Diretor do DNER era diretamente como o diretor da DOC. Nunca procurei saber
se estavam no mesmo patamar de autoridade na lei das precedências. Mas tal
relacionamento também superlativou a importância da DOC perante o Exercito. Assim, a
DOC, para não ter interferência do Exército acabou por criar uma blindagem, descendo tal
blindagem até aos batalhões. Entendo que se vivia momento de pouca luz, em termos de
trabalhos em obras publicas. Como na antiguidade onde os homens mais ilustrados criavam
escolas herméticas a fim de evitar interferência de ignorantes. Dessa maneira seria
protegida a Arma, o trabalho e a eficácia das unidades. Tive oportunidade de ouvir muitas
asneiras como: porque pró-labore, se já recebe gratificação de localidade como a infantaria?
Mas a infantaria não saía do quartel o ano inteiro; porque o lucro da engenharia não é
dividido com outras armas? Mas as unidades de engenharia nunca tiveram lucro e não têm;
porque os PNR das unidades de engenharia são só para a engenharia? Porque fora de
economia das gestões de verbas de estradas e não orçamentária do EB. E por a fora. Tudo
isso é compreensível e poderia justificar uma couraça, uma blindagem.
Mas o Diretor da DOC ficou tão blindado que ficou independente e não dava
satisfação nem ao DEC e nem ao Ministro do Exército. Era um comando independente.
Assinava, “desassinava”, substituía, fazia aditivo de convênios sem dar satisfação a
ninguém. Só se sabia pela publicação no Diário Oficial, que era feito pelo DNER, INCRA, e
muito depois INFRAERO. A coisa era tão caótica que o primeiro a tentar a controlar a DOC
foi em 1988, quando o chefe da Assessoria 2 ou 3 do DEC, quinbequiano também, resolveu
solicitar à DOC uma relação com os objetos, prazos, valores e aditivos de todos os
convênios da DOC. Foi uma grita geral. O Diretor da DOC foi perguntar ao subchefe do DEC
se a DOC estava sob suspeição, pois nunca fora controlada e porque agora? O coronel da
assessoria disse que a diretoria era subordinada ao departamento e, como tal, teria que
saber o que acontecia para ter capacidade de informar ao Ministro quando este quisesse.
Antes, teria que comer na mão da DOC.
Com o DNER, no começo havia um enorme convênio guarda-chuva, como era
chamado. Assim para uma rodovia específica, se fazia um aditivo. Depois, isso acabou
sendo obrigado um convênio para cada obra. Parece que depois da Lei 866, a lei das
licitações.
Mas o poder era tanto que as nomeações de comandantes teria que ter a aprovação
da DOC para saber se o futuro comandante tal unidade teria o perfil desejado pela diretoria.
O comandante de área e o órgão movimentador ou eram ultrapassados ou não interferiam
em nada. Como já dito em outro local, comandante fora destituído durante uma reunião com
diretor da DOC. Teve um diretor, que era genro de Presidente e fora alguma coisa ligada ao
petróleo (CNP – Conselho Nacional do Petróleo) que, segundo testemunhas, costumava
gritar desvairadamente nas reuniões e, por telefone, simplesmente ligava para os órgãos
movimentadores, antes EME para QEMA e DGP para os demais, depois DGP para todos, e
destituir o comandante.
O poder passou a influenciar na formação dos soldados. O que era previstos nos
antigos Programas Padrão, era simplesmente ignorado: a diretriz da DOC era que
determinava, para cada batalhão, o que ensinar aos soldados. Muitos, nem período básico
cumpriam, pois era uma mão de obra barata que não poderia esperar três meses de período
básico. E infeliz do comandante que mostrasse seus recrutas na sede tendo instrução
militar. Isso eu assisti: “mande esse pessoal imediatamente para as frentes de serviço;
deixem de bobagem”.
A interferência era até na data de incorporação (havia unidade com duas
incorporações), na distribuição de fardamento, no período de férias (ia para a DOC o plano
de férias das unidades). A DOC fazia o que faz hoje o comando de área. Os comandos de
grupamentos ficavam entre o mar e o rochedo: atender a toda poderosa DOC e atender ao
comandante militar da área.
Tudo era uma grande empresa de terraplenagem. Mais tarde, os oficiais mais novos,
em particular da minha geração, passaram a impor o conceito de adestramento, de
formação militar, de uso da arma como unidade militar com subunidades constituídas, com
frações completas (pelotões e não mais equipe disso, equipe daquilo com tenente, às vezes
com mais de duzentos homens). Os militares de outras armas, os comandantes de grandes
comandos não entendiam nada de nada, não sabiam de nada. Para eles os canteiros de
obras eram como um OVNI para uma tribo. Eram alheios e alienados. Os mais humildes se
aproximavam e iam ao trecho para, pelo menos, responder perguntas de autoridades civis.
A importância dos batalhões de construção era elevada. Em Rondônia, quando cheguei, o
comandante do 5º BEC era mais importante, na cidade e para o povo que o governador;
depois, a 17ª Brigada de Selva, era menos conhecida que o BEC, para qualquer pessoa da
cidade, desde o prefeito até o picolezeiro. Nos trabalhos de 84, o coitado do comandante da
brigada ficava doido, pois a todo o momento era informado, não pela cadeia de comando,
mas pelo comandante do 5º BEC da chegada de altas autoridades civis e de muitas
militares. A engenharia sabia, ele não.
Quando oficiais generais, não oriundos da engenharia, entraram na DOC,
imediatamente fizeram valer o que foi copiado no início do texto: ...realizar as atividades
normativas de caráter técnico e administrativo, relativas à execução de obras de
cooperação... (grifei). Portanto, a mega seção técnica participando de projetos; a mutua
bajulação com o DNER; a ligação direta, sem a autorização do escalão superior, foram
diminuídas e até eliminados. A grita foi grande, pois narcotizava a atividade, a pressa, o
aproveitar do tempo, a oportunidade climática e, particularmente o mais importante: a
visibilidade na força, no governo e nas áreas de obras.
A engenharia era e, ainda é, um grande enigma que produz muito, que os paisanos
batem palma, mas que o restante do EB não entende. Daí, algumas vezes, por retaliação, as
OM ficaram sem obras, pois diminuindo, no jogo do poder, os oficiais generais de
engenharia, os de outras armas não sabiam como usar e onde procurar obras. E por lá
passaram vários generais não oriundos de engenharia que foram desastrosos. No jogo do
poder, a diminuição de representante da arma, no alto comando, já fora uma forma de cortar
a influencia política na força pela via “obras de cooperação”: Deputados ia à DOC,
senadores iam à DOC; governadores iam à DOC e assim prefeitos, vereadores, cacique de
tribos...
As retaliações eram a atuação da já conhecida, no EB, como lei da compensação ou
Lei da Vingança.
Meditando sobre a coisa, acho que tudo foi levado pelo entusiasmo dos oficiais de
engenharia, com curso do IME, a partir do momento que não mais fizeram a ESAO e nem
eram obrigados a cursarem a ECEME. Foi dito e eu ouvi, muitíssimas vezes, que os três
anos do curso restante para a graduação de oficiais de fortificações – IME - eram mais
importante que ESAO e ECEME. Para as empresas civis, não resta dúvida. Mas para o
combate há um profundo equívoco. Assim, tais oficiais se tornaram engenheiros civis de
farda, com mentalidade de engenheiros civis, com elevada formação de engenharia civil e
nada de engenharia (engenharia militar é pleonasmo, pois a civil, a mecânica, a elétrica
nasceram da engenharia primitiva que sempre fora da hoste militar). Ao IME caberia formar
“militares engenheiros” e não simplesmente engenheiros. Para estes, em cada estado tem
uma universidade federal, no mínimo. Pelo que me foi permitido discernir, é que no IME
muito pouco se vê de Fortificações de Campanha. Assim, a influência e o contato a miúdo,
com civis, o militar engenheiro se civilitariza.
Caso pudesse interferir, há muito teria extinguido a DOC, fortalecido os grupamentos
e teria uma diretoria normativa, tanto técnica como de execução, apenas com o nome de
DIRETORIA DE ENGENHARIA que seria a atual Diretoria de Obras Militares. As obras
militares, que realmente interessa ao militar como um todo “entendível pelos demais
militares”, seriam gerenciadas pelos grupamentos de engenharia. Continuariam as Obras de
Cooperação, importante para o Brasil, mais ainda para engenharia e para a força terrestre. É
uma forma inteligente de adestrar tropa. Todas as unidades de engenharia, até as de apoio
à Brigada, têm condições de trabalhar em qualquer obra: desde que tenha um escritório
técnico de escalão superior. Agora, acabaria com um órgão desnecessário, dispersivo,
arcaico e pernicioso.
É difícil citar qual o grande feito nacional executado pela DOC que não seja a
solenização do óbvio.

A Flexibilidade Estrutural dos BEC

Na organização da maioria dos Exércitos, a UNIDADE de tropa não é soldado,


indivíduo, pessoa. A unidade é uma organização – unidade militar. Tem um valor em efetivo
e um quadro de material específico, segundo sua função no combate. Com variações, em
nome, firulas, a unidade é BATALHÃO. É composto por frações: as subunidades; que
recebem o nome genérico de Companhias; as companhias são fracionadas em pelotões
(veja que não há adjetivação pertinente a unidade ou suas partes); os pelotões em grupos e
grupos em esquadras.
Uma coisa que muito incomoda os militares de outras armas são as organizações dos
batalhões de construção. As demais armas usam as subdivisões padrão (frações de
unidades): batalhão, companhia, pelotão e grupo, como já dito. Nos BEC há algo diferente:
batalhão, companhia e, agora a diferença: ao invés de ser pelotão é Residência. Isso, acho
que foi copiado de órgãos civis, mais particularmente do antigo DNER. Quando o DNER
tinha estrutura para fazer seus trabalhos, por administração direta, cada distrito, fração
estadual do Departamento Nacional, tinha várias residências (fração distrital), como se
fossem pelotões destacados, chefiadas por engenheiros recém concursados e em início de
carreira. Assim, o engenheiro civil ficava ao pé da obra e era o responsável técnico e
administrativo de determinada obra (canteiro de obras) ou de determinado trecho. Contava
com a estrutura de pessoal, máquinas e equipamentos e geria pagamentos, medições e
aquisições. Com a deterioração moral, interferências políticas e o avanço da corrupção
generalizada (do Ministro dos Transportes até ao engenheiro Residente), a coisa foi sendo
destruída. E culminou que, hoje, os engenheiros do substituto do DNER (DENIT – trocaram
o nome na tentativa de o nome apagar os erros), não têm nenhuma experiência de campo e
assim ficam mais fáceis de serem manipulados e corrompidos. Mas nos BEC, comparando a
finalidade e o tipo dos trabalhos de engenheiro residente e o compatível com um tenente de
engenharia, adotou-se o nome e a organização. Mas o BEC, sendo da estrutura militar de
guerra, é composto, por doutrina, por três companhias; cada companhia por três pelotões;
pelotões por três grupos de engenharia. Não há subdivisão do grupo. Nas obras de
cooperação, não poderia ser pelotão porque pelotão, na estrutura militar de guerra, não tem
“trens de apoio”, no linguajar operacional (linguagem de comando) – oficina, rancho,
garagem, depósitos, alojamentos, enfermarias, etc. – e nem poderia ter, em sua estrutura,
pessoal civil. Então, como residência, não só a zona de ação como também o canteiro de
obras e todo o aparato, que forma seu “trem de cozinha”, seria função da missão, meios e
efetivos, variáveis e flexíveis. A missão no caso é o Plano de Trabalho. Como Residência,
além de ser comandada por tenente, poderia chegar ao efetivo de até companhia. As
residências podiam ter variáveis “Equipes” (terraplenagem, bueiro, revestimento,
desmatamento, britador, usina de asfalto, topografia, laboratório de solo), enfim, uma gama
de serviços. Dependendo da missão, uma equipe poderia ser comandada por tenente. E,
numa equipe, poderia ter variadas turmas: “turma” de mecânico, de lubrificador, de
laboratório de solo, de topografia, de eletricista... . Se a turma estivesse estacionada no
acantonamento poderia ser subdividida em seção. Exemplo da turma de eletricidade que
poderia se dividir em seção de bateria e seção de alternadores e geradores. Se fosse
comandada por capitão aí recebia o nome usual de companhia. Em função da missão, o
efetivo poderia chegar à companhia reforçada. Quando a missão era tal que empregaria
efetivo e meios maiores que de duas companhias aí era destacado um oficial superior e a
fração recebia o nome de “Destacamento”. Como destacamento, poderia até haver
delegação de competência para lançar licitação de materiais e serviços. É que sendo obras
muito distantes, da sede, e até em outro Estado da federação, com melhor estrutura que o
da sede, tais delegações são normais.
Portanto, em uma residência o efetivo começava com vinte a trinta homens e ia até
trezentos, quatrocentos homens. Em Feijó, cheguei a ter quase quinhentos homens, como
segundo tenente.
Então, um BEC, em trabalhos de cooperação, tem a seguinte estrutura: Batalhão –
Destacamento (Oficial Superior) – Companhia – Residência (Pelotão) – Equipe (pelotão
/grupo) – Turma - Seção.
Bom, explicar isso para militares de outras armas é fácil; eles entenderem é que fica
difícil.
Também ficava difícil informar que, na estrutura doutrinária, o batalhão engloba seus
equipamentos e viaturas na Companhia de Equipamento. Na prática o separava e assim era
no 5º BEC: a companhia de equipamento ficava com os equipamentos rodoviários e o
Serviço de Transporte Auto (STA) ficava com a manutenção, que seria apenas o gestor de
uso de viaturas leves e não elemento de manutenção; Em alguns batalhões, com apenas
uma peça de manobra, uma companhia de engenharia, retirava o comando da companhia
de equipamento (cabeça de companhia, como diz o jargão) e deixa a manutenção e controle
dos equipamentos com umas Oficinas Gerais e Garagem (OGG). E outros, ainda, juntam
nas oficinas gerais até as viaturas. Fica uma OGG enorme comanda por um QOE. Então,
para os militares de outras armas entenderem essa “salada de frutas” é uma enorme
dificuldade.
A Idiossincrasia do Carioca

Carioca é um nome, pelo dicionário, de etimologia no tupi: kara'ïwa 'homem branco' +


'oka 'casa'. Eu acho, como bom terena, que é no guarani: cariu – pessoa estranha + oca –
moradia. A partir de algum tempo, passou-se a chamar de carioca apenas os nascido na
cidade do Rio de Janeiro e não o nascido no Estado do Rio de Janeiro. A cidade do Rio foi
descoberta em 1º de janeiro de 1502, por Gaspar de Lemos; em 1763, o ministro português
Marquês de Pombal transferiu a sede da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro. Foi a
capital do Brasil de 1763 a 1960, quando o governo transferiu-se para Brasília. Por sua
história de capital, concentra a maior população negra urbana do país. A cidade até hoje
guarda o resquício de capital de colônia portuguesa onde qualquer crioulo, isto é, nascido na
colônia, se achava no direito de enganar, prejudicar, falsear qualquer português por
palavras obras e atos; ou restos de comportamento de escravos com o jeitinho de fazer de
conta que trabalha, que se interessas pelas coisas do sinhô, mas, bastando aquele virar as
costas, o escravo pára o trabalho. A comida, a roupa e a moradia era problema do senhor de
escravo; a produção e a produtividade, não interessava ao escravo pois nada ganharia se
produzisse mais ou menos.
Por abrigar, por quase dois séculos, os governantes há uma falsa idéia de ali se
concentrar o centro cultural do Brasil. Cultura brasileira não existe, por ser um país jovem. O
que há são cópias, para pior, de artes diversas, de diversas partes do mundo, em particular
francesas. As artes locais mais genuínas, são as musicais vinda dos morros e de diferentes
periferias, como em todas as megalópoles. São pobres em melodias, com as devidas
exceções, ruins de letras e de absurdo abuso de ritmo. Com o advento da ideologização
dessa arte, pelas esquerdas governantes, para buscar o apoio das classes sociais
periféricas, o populismo desvairado passou a ser pratica: aplaudem hipocritamente tais
manifestações e as classificam como sendo artísticas; incensam os autores e propagadores
como intelectuais e fazem vistas grossas para o crime organizado e todas as formas de
delitos consagrados como apenas contravenção. Tais crimes organizados e contravenções é
quem sustentam todas as tais manifestações artísticas arrotadas como culturais. E, juntos,
sustentam as eleições dos governos de esquerda.
Também por ser muito tempo capital, o Rio virou uma ilha de costumes. A cidade não
precisava se integrar às demais cidades de outras regiões do Brasil. Pelo contrário: ali
estavam as melhores manifestações artísticas, as maiores autoridades, o centro nervoso do
poder do Estado. Então, ir para a capital, ser como da capital, vestir-se como na capital, falar
como na capital era o máximo de banho civilizatório, para quem nunca poderia ir para
Londres, Paris ou Roma. Assim, o carioca conservou seu sotaque lisboeta, com o agravo, a
mim me parece, das dificuldades de pronúncias dos africanos. Então o sotaque carioca
destoa da média de sotaque dos brasileiros. É um chiado irritante nos plurais; um exagero
do som de “X” no lugar do ”S”; um excessivo gutural do “R”.
O comportamento do cidadão médio é eivado dos maus costumes herdados de
escravos e outros prestadores de serviço, ditos livres; estão sempre em guarda para se
defender de algo que eles mesmos não sabem o que seja; são de ironias debochadas;
tentam se agrandar, não se elevando por desempenho, mas por rebaixar o desempenho do
próximo fazendo dele um trampolim; denotam ser obrigação sempre parecer esperto e o
outro otário; não são confiáveis, capaz de respeitar a propriedade alheia; estão sempre a
enxovalhar alguma coisa para aumentar o valor do serviço, do produto, do trabalho; louvam
as espertezas desonestas, como se fizesse parte do caldo social; são intrinsecamente
desonestos. Sente-se que isso é quase genético e não adquirido. Parece inculcado no
inconsciente coletivo.
Herdaram dos portugueses, que aportavam por aqui para “fazer a América” e retornar
rico para a “terrinha”, algumas atividades comerciais. Daí, tudo improvisado, tudo mal feito,
tufo empilhado como se fosse abandonar tudo no dia seguinte. Os bares, os restaurantes, as
padarias, são de uma extrema imundície.
Esse espírito de relapso, “porque passarei pouco tempo”, se transferiu para o
comportamento social da população média. Basta ver nas periferias, os bares, os botecos,
as padarias. Não mais são de portugueses, mas o local tem o mesmo aspecto. As moradias
improvisadas, amontoadas nas encostas dos morros e empilhadas uma sobre a outra
contrariando a lei da física e os cálculos das resistências de materiais. E sem fiscalização ou
orientação pública.
Quanto ao comportamento social são debochados nas coisas sérias; irreverentes
quando algo deva ser tratado com responsabilidade. As promiscuidades são as das
senzalas ou as dos abrigos de forasteiros. A seminudez feminina é vista como a forma
libertária das mulheres jovens. As escolas de sambas, os pagodes, os bailes funks são tal
qual arenas de preliminares sexuais. O total despudor feminino é louvado pela mídia local
como manifestação cultural, pela sensualidade. Estrangeiros em geral consideram as
mulheres brasileiras, devido a postura da mulher carioca, como prostitutas baratas pelas
imagens de carnaval, de praia...
Estes comportamentos, para quem chega, são chocantes. Nos ambientes de
presença popular são agressivos. É claro que, na dita zona sul, com presença de turistas e
dos moradores mais ricos, tais idiossincrasias são mimetizadas. Os funcionários brincam
que são educados e os patrões cariocas fingem que acreditam. Agora, entre eles, cariocas,
são altamente solidários e prestativos. Como na escravidão: todos se juntavam para minorar
o sofrimento de alguns.
Assim, nesta terceira chegada ao Rio pude completar minhas observações dos
tempos de cadete, do curso da ESAO. Agora mais maduro e mais observador, puder
confirmar aquilo que pensava, mas não admitia por se autoconsiderar muito exigente. Foi
assim que vi a idiossincrasia carioca.

A Idiossincrasia nordestina

Ao chegar a Porto Velho me incomodou muito o sotaque local. O sotaque era


nordestino, mas com uma entonação própria, singular, da região. Eu tinha o ouvido afinado
para esse tipo de sotaque porque, na minha região, quando menino, chegavam levas e levas
de famílias vindas do nordeste, corridas das estiagens prolongadas. Na década de
cinquenta, chegou um trem de passageiro com três ou quatro vagões de famílias
nordestinas onde, pelo menos de dois vagões, desceram e ficaram em Terenos.
Na Academia, pude identificar melhor o sotaque nordestino. No quarto ano, pelo
sotaque, se distinguia um baiano, de um pernambucano, de um cearense, de um paraibano,
de um piauiense... Algumas entonações eram diferentes, alguns significados alterados,
palavras mais alongadas, algumas gírias e expressões de surpresa com repetições maiores
ou com fonação distinta: Então o “Oh! Xente”; o “vigi!!!”; o “Visse?!” traziam algumas
diferenças. A pronúncia do “T”, dos sons é e ó, abertos, onde não tem acento agudo, trazia
alguma entonação distinta. Mas foi na Academia que notei alguma coisa diferente, além
nessa forma de falar. Alguma coisa me incomodava e eu não conseguia identificar o que
era. Cheguei ao Acre. O sotaque também era nordestino, mas com uma entonação de
cearense devido à colonização da região feita por gentes cearenses, em diversas ocasiões
de estiagem prolongadas no nordeste. Os registros das maiores imigrações, promovidas
pelo governo, foram as de 1870 a 1875, no Segundo Império, e 1945, na Segunda Guerra
Mundial, com a tentativa de aumentar a produção de borracha onde muitos nordestinos
foram enganados com a fábula do “Soldado da Borracha”.
Passaram-se muitos anos até que eu pudesse identificar isso. Toda a região
nordestina foi berços dos grandes engenhos de açúcar e, consequentemente, dominada
pelos senhores de engenho. Tais “Senhores” eram portugueses ricos que investiam seus
dinheiros na colônia usando, para o trabalho no campo, a força dos escravos. A parte
produtiva da sociedade se dividia em três classes. Nessa relação, existia o proprietário do
engenho e seus familiares que forma a casta superior; os capatazes de fazendas, com o
título mascarado de Feitores, considerado o termo no diacronismo, como antigo, formavam a
segunda classe. E a terceira, as dos escravos negros, que formavam a massa ignara. Se
comparada à sociedade romana teríamos: patrícios, plebeus e escravos. Bom essa massa
ignara foi que deu origem à população da base da atual pirâmide social, ou seja, a classe
dos trabalhadores assalariados, dos agricultores de subsistência, dos vendedores
ambulantes e toda sorte de trabalhadores informais.
No nordeste, parece que tais idiossincrasias, de classe social, ainda persistem até os
nossos dias. É com naturalidade o uso do tom, do gesto e do tempo do verbo na forma
autoritária, quase agressiva. É cultural. A relação entre um mais rico com um menos rico é
na distancia, ainda, do senhor de engenho com o escravo. O patrão, ou mesmo o gerente, o
capataz, o mestre de obras trata o subordinado com severidade acima dos padrões normais
de outras regiões do Brasil. Um funcionário público, mesmo o faxineiro, toma ares de grande
autoridade perante o vulgo. Um soldado da polícia militar, um investigador, um oficial de
justiça quer ser tratado como vice-rei da colônia. Na hierarquia das relações diárias, o
intermediário se desmancha em falsas mesuras ao seu superior e pisa, maltrata, tripudia
sobre os subordinados; este, caso tenha alguém mais abaixo na hierarquia, também bajula o
superior e esculacha o seu subordinado. A todo instante, faz de conta que é humilde, o
superior faz de conta que é autoridade e faz de conta que acredita na humildade e o
subordinado se sujeita as altercações ou por já estar acostumados, por sentir isso desde
que nasceu, ou porque precisa do trabalho.
Para comprovar isso, basta prestar a atenção nas falas. O nordestino sempre fala
com o verbo no imperativo: “vá” fazer isso; “dê” o material ao senhor...; ...“chegue” até
aqui...; ...“traga” isso aqui....
Prestar a atenção na altura da fala: o orador sempre fala mais alto que o interlocutor,
mesmo que tudo seja pilheria, mas tem a necessidade de que sua voz esteja em tons acima
da do ouvinte.
Prestar atenção na gesticulação das mãos: sempre fala, além de alto, com a mão
levantada, e o “dedo em riste” em direção do nariz do interlocutor, também mesmo que a
fala seja de uma piada ou de alguma brincadeira. A mão fechada e o dedo em riste agem
como se fossem um punhal, uma adaga, uma espada pronta a submeter um oponente. A
mão e o dedo partem da altura de seu queixo e vão à altura do nariz do interlocutor, num
movimento de vai e vêm como se fosse um martelar, frenético, para superar a resistência de
algum oponente. Quanto mais primitiva for a educação, mais o dedo é apontado. E,
prestando mais atenção, se verá que o dedo toma um ângulo para baixo como se o
interlocutor estivesse uma plataforma mais baixa ou o orador num degrau mais acima.
Prestar atenção aos atendentes de qualquer coisa (publica ou privada) quando trata
com público, mesmo que seja um cliente. Tratam como se o atendido fosse completamente
ignorante, sertanejo, matuto. E, entre uma palavra e outra, faz a inserção da palavra “viu!!!”.
Mas de uma maneira alongada que lhe permita dar uma total entonação autoritária: “... volte
depois, viu!!!; ...espere aí, viu!!!. Para alguns, pela fisionomia, pelo olhar e pela expressão
facial parecer sentir que está em atitudes cerimoniosas. O “viu” com os verbos no
imperativo, constrange até estátua. Nunca entendi se o tal “VIU” é do verbo “ver” (pretérito
perfeito – você ou ele viu) ou se corruptela do ouvir (pretérito perfeito – você ou ele ouviu e,
pela corruptela, – “(ou)Viu!!!”. Mas, tem também a da atitude de superioridade, para
tratamento com o vulgo: é o VISSE?, assim mesmo: no interrogativo. Não sei se é o verbo
“ver” ou corruptela do “ouvir”. O “visse”, com os demais verbos no imperativo é terrificante.
Ao morar em João Pessoa, um faxineiro do meu prédio foi demitido pelo síndico.
Perguntei a ele por qual motivo a demissão e ele respondeu: – “olha seu moço, eu trabalhei
já em São Paulo, no Rio e em Recife. Não consigo mais trabalhar no nordeste ou com
patrão nordestino. Eles são muito brutos no tratar com os empregados”. Instintivamente, o
empregado sentia o que há muito já observava. Perguntei ao síndico o motivo da demissão
uma vez que o funcionário era excepcional, ao que respondeu que “ou faz o que eu mando
ou vai embora: tem muita gente esperando a vaga dele”. O Motivo da demissão: o rapaz
pedira a compra de outra vassoura porque, a que tinha, era já velha, com a piaçaba rala;
havia um pé de castanhola que soltava muita folha nos meses de agosto e setembro sobre a
calçada e síndico a queria sempre limpa. Mas a vassoura não ajudava. Tinha que juntar com
a mão folha por folha. Aí faltava tempo para outras atividades. A vassoura nova faria ganhar
tempo. O sindico mandou que ele “desse o seu jeito”.
Também obsevei nos acreanos uma forma de procedimento que ás vezes me irritava
profundamente. Depois de um fato, em geral desfavorável à pessoa, elas, para restabelecer
a dignidade, coisas de insegurança, e para mostrar que ainda resiste, começa com o falar
“se eu soubesse antes”...
É como criança que está com bastante vontade, para uma pelada de futebol e, pelo
baixo desempenho, não é escolhida pelas demais crianças. E, aí, vira e diz: – “eu nem gosto
de jogar, por isso não precisa me escolher e nem quero ficar aqui”...
Como o Acre é colônia nordestina, encontrei no nordeste o maldito costume. Coisas
acontecidas ou acontecendo eles aparecem com soluções que em nada atende a
necessidade. Soluções no condicional para uma situação parecida, mas no condicional.
“Para resolver isso, se estivesse na casa de meu tio, ele tem a ferramenta; puxa! ontem meu
tio jogou fora este material... acho que jogou semana passada... se a gente soubesse eu
teria pedido a ele que guardasse; se meu dente não estivesse doendo eu comeria um quilo
de sorvete;... não como agora porque não estou com o dinheiro e também o dente vai
doer;... Ah! se minha tia estivesse aqui ela resolveria isso... ela entendia tudo disto... pena
que ela morreu mês passado;... Ah! se tivesse o martelo de unha bem grande, mas não
tem... Com uma chave de boca isso sai fácil, mas ninguém tem”... “Já pensou, eu com o
dinheiro da loteria: iria comprar uma casa para cada um dos irmãos, iria viajar;... semana
que vem vou jogar”!.. “Se eu soubesse antes”...
É como se desse um autoconsolo, pela impotência ou incompetência, para sair da
situação.
A conversa vira uma conversa de bêbado, de cerca Lourenço, como se diz na
terrinha, de chove e não molha. O interlocutor acaba por ser consolado ou atenuado de sua
preocupação ou consolado pela sua falta de sorte.
Outra característica é a que eu chamo de “fazer sombra com chapéu alheio”. Tem um
termo chulo que melhor explica, mas que não será o caso de aqui colocá-lo. É o contar
vantagem, como se o sucesso fosse seu, de sucesso que alguém obteve. “O carro mais
carro é do Doutor fulano, lá do meu bairro; custou 500 contos; ele me disse ... tenho
testemunha”;... “meu primo foi motorista do deputado fulano”... “meu patrão tem vinte
apartamentos, dos mais caros da cidade, visse... eita homem rico tá ali”.
Vejo que minhas observações é uma real constatação. São verdadeiras. A
idiossincrasia é regional e não local.

A linguagem rude

Depois que me formei oficial, fui comandar pelotão, como se faz desde os tempos de
Alexandre, o Grande. Na Unidade, havia vários oficiais de diferentes origens. Uns eram um
ano mais antigos, outros oficiais temporários e os da minha turma. A maioria de família de
classe média, média, para cima. O contingente de soldados era, na grande maioria, de
outros municípios e do meio rural. O sotaque variado, o meio rural, a baixa escolaridade
fazia a linguagem muito rude, viciada, corrompida. Não havia a gíria por modismo de jovens
desocupados do meio urbano. Era o enorme esforço de estabelecer a comunicação que
deteriorava a língua, ou linguagem (que me desculpem os filólogos, pela ignorância). Para
trabalhar, os soldados eram excelentes. Aprendiam rápido. Mas, entender os sargentos e os
tenentes era um problema. A linguagem coloquial, para os tenentes, era extremamente
formal e culta, para eles. Soma-se ainda serem de locais que foram colonizações
estrangeiras. E diversificadas: alemães, poloneses (polacos), russos, ucranianos, italianos e,
já sendo a minoria, a nossa indiada. Descendentes dos charruas, e outras tantas
descendências tribais, mas com forte marca dos guaranis: cara arredondada, olhos
rasgados, bigode ralo e espetados - cara gato. A indiada tinha uma enorme capacidade de
adaptação a situações climáticas adversas. Nos acampamentos, com chuvas ou frio eles se
agigantavam.
Mas, a mim, foi uma festa. Procurei explorar essa diversidade de jeito, de pensamento
e língua, ao máximo, para a minha aprendizagem. Isso me foi de uma utilidade imensa.
Quando fui para a Amazônia, trabalhar com funcionários civis, de todas as partes do Brasil,
me foi fácil traduzir o que eles queriam dizer e diziam. O meu cérebro, até hoje, é capaz de
identificar os nordestinos de diversos matizes; os gaúchos, da serra, da “sera” como diziam,
da fronteira e o urbano de Porto Alegre; os paranaenses, onde o “leite quente dói o dente da
gente”; os “catarinas” de “choinnvile” e do litoral, os “paulistas megalopolitanos”, os paulistas
do interiôôrrr, mineiros, goianos e, à miúdo, sotaques de corumbaense, cuiabano, bela-
vistense. Mas, não apenas o timbre, o sotaque e sim as construções de frases, as
semânticas particularizadas que caracteriza o regionalismo. Talvez, por Terenos ter sido um
cadinho de brasileiros, eu entendia a todos. Por isso, fui quase um intérprete nos quartéis,
até como coronel. Há até uma linguagem própria do “homem do cerrado” que ainda os
filólogos brasileiros não se aperceberam e que chamo de “língua brasileira”.
Na primeira unidade, lembro-me de um “gringuinho” (gringo, para a indiada, era
qualquer um que tivesse descendência estrangeira, mesmo os “hermanos” castelhanos)
que, numa instrução no terreno, reclamou, a mim, do trabalho que não estava bom porque
“tenenta, essa tera tem muita arreia”. Convidei e ele aceitou: “pagamos” uma série completa
de vinte repetições de exercícios físicos. Depois eu lhe disse: – “Agora fale comigo e vamos
colocar os erres nos devidos lugares e mais, eu não sou tenenta”. E aí repetimos as
palavras até ele conseguir falar corretamente: “esta terra tem muito areia”. Mais tarde, mais
maduro na profissão, como capitão talvez e lendo os clássicos militares e os grandes
generais e líderes militares senti que eu seguira a senda certa. Na história militar do Brasil,
talvez herança portuguesa, que trouxe fortes heranças romanescas, até por volta da década
de trinta do século passado, os jovens eram convocados para servir ao Exército, em
particular. Após o serviço militar inicial é que eram designados, para a escola militar e lá
fazer curso e se habilitar à carreira militar como oficiais. Após completarem o curso, iam
servir em suas unidades como tenentes. Alguns, com alguns anos mais, complementares,
saiam com o diploma de “bacharel” em física, ou química e ou matemática. Outros, com
exames de seleção específicos, saíam como engenheiros civis. Talvez isso tenha sido
mudado por haver criado uma enorme rivalidade entre os com cursos suplementares,
chamados “bacharéis”, e os tropeiros. Os bacharéis estavam sempre envolvidos em
movimentos políticos, não pela grandeza da instituição, e dos militares em geral, mas sim os
que pudessem trazer maiores benefícios a si, a parentes e a grupos. Por isso, no Brasil, se
teve revolução de “Tenentes”; teve capitão interventor de uma região geográfica toda
(interventor do nordeste) e outras aberrações.
Mas, retirados os excessos, essa forma de selecionar os oficiais fazia com que eles,
embora letrados, conhecessem a realidade dos seus companheiros de incorporação e
quando saíam, para serem oficiais, tinha a total autoridade moral, e a consequente
liderança, entre os soldados e as praças em geral. A vivência e a convivência direta, com
seus soldados, na caserna, são vistas na biografia de Alexandre, o Grande, de Julio César,
de Otaviano, o Augusto, de Osório, aqui no Brasil e de Jose de Sucre, no norte da América
do Sul (Venezuela). Mais recente, no Brasil, o exemplo do General Rondon que era bacharel
em matemática, mas sempre fez da caserna sua maior morada. Eram, todos, homens que
viviam juntos de seus soldados, literalmente, comendo da mesma comida, e dormindo nas
mesmas condições. A convivência aproximada não é pressuposto de convivência com
anarquia, de amizades íntimas que iniba a autoridade, de promiscuidade da hierarquia e
nem da banalização dos sinais de respeito e consideração.
Em particular, sou uma das testemunhas de que, para a instituição militar, isso é
sadio e louvável. É claro que, na atual Academia Militar, todos Cadetes executam todas as
tarefas das praças, para aprender e sentir as dificuldades das inúmeras funções. Mas, são
todos do mesmo nível intelectual e assim, tem uma mesma forma de falar, uma linguagem
mais castiça e até uma semântica própria e inúmeras gírias, próprias do seio castrense.
Assim, tendo uma linguagem toda particular e os soldados tendo suas linguagens
regionalizadas, há um fosso separando a comunicação e uma enorme perda de
oportunidade, para serem exercitadas a difícil arte de líder, e a liderança é o que se espera,
no mínimo, de um oficial, em particular de um tenente. Eles têm dificuldades em entrar na
amizade, na conquista da confiança, na sinceridade íntima, quase familiar, dos soldados. Na
verdade, há sempre uma excessiva preocupação dos oficiais mais antigos, com o tenente,
considerando-o pouco maduro e ou inocente e que poderia ser ludibriado por soldados mais
vividos nas coisas do mundo. Comigo, isso não aconteceu, pois toda e qualquer
malandragem era parecida, senão igual, a que eu tinha visto. Como a situação de paz é a
exceção, acaba pela necessidade de se estabelecer círculos entre os militares e há o
afastamento das partes na convivência de quartel. Na guerra, há aproximação entre o
soldado e seu comandante de pelotão. O dia a dia das trincheiras, das posições em
combate, das dificuldades e horrores do combate e o valor da vida unem as pessoas e
embotam as convenções. Há relato, de quem participou da Segunda Grande Guerra de que,
no estertores da morte, o soldado chama pelo tenente e pela mãe.
Retomando, saber falar e saber ler a linguagem rude dos soldados me foi muito útil
tanto no rendimento de trabalho como na formação de meu caráter de líder. A mim, não tão
rude, pois era a da minha origem.

A NAVAMAER

Depois do frenesi da entrega do espadim, e voltando mais à realidade, tínhamos que


nos defrontar com a NAVAMAER.
Como já dito, a NAVAMAER era o torneio entre as escolas militares de formação:
Academia Militar da Agulhas Negras – AMAN; Academia da Força Aérea – AFA e Escola
Naval.
A Academia Militar, tradicionalmente desfila no dia Sete de Setembro no Rio de
Janeiro. Menos os atletas. Todos os “desfilantes” iam de Resende até ao Rio de ônibus, na
minha época. Antes, iam de trem e aí existiam estórias das mais variadas. Os atletas
seguiam uma semana antes do Sete de Setembro, em geral de ônibus. Os únicos diferentes
eram os atletas de Pentatlo Militar que, coitados, iam de caminhão e escolta por causa do
armamento e munição. Cada arma era ajustada para um atirador. Os não atletas eram quem
desfilavam e ficavam treinando para o desfile, na Academia. Nessa semana, os atletas
aprontavam os treinamentos no Rio nos locais das competições.
Depois de terminado o desfile, na época, na subida da Avenida Presidente Vargas, os
Cadetes entregavam o armamento estavam liberados para ficar no Rio, irem para suas
casas quem era do Rio ou voltar para a Academia, os “laranjeiras”. Os que ficavam no Rio
tinham a obrigação moral de torcer nas competições da NAVAMAER. Aí os Atletas iam
cumprir suas obrigações.
A equipe de futebol e parte da de atletismo ficou hospedada na Escola de Educação
Física. Para quem não conhece, fica na fortaleza de São João, no Bairro da Urca,
imediatamente abaixo do morro (que é uma enorme pedra) do Pão de Açúcar. Tem uma
bonita praia. Ali foi meu batismo de praia, com aprendizagem de pegar ondas (jacaré), de
saber pegar sol sem se queimar e ficar todo ardido. Nada mais prático do que severa
observação e perguntar quando não sabia. Aprendi também a segurar um siri com a mão e
caçar “tatuira” na areia. Bebi muita água, levei alguns arranhões (caixote) e quase que não
volto de uma puxada de onda. No final já estava esperto o suficiente para ajudar a um
tenente instrutor na AMAN a se safar das pedras para onde a corrente de ondas estava lhe
levando. Ia se esborrachar nas pedras. Para um terenense, na praia eu aprendi muito. Á
noite, pegava um ônibus e ia conhecer Copacabana, Leblon e Ipanema, andando à pé, pelo
bairro. Assim, eu guardaria os nomes dos bares, das ruas e via melhor o tipo de gente que
ali circulava. Numa das voltas, pensando ser já muito malandro, peguei o ônibus errado e fui
bater na Central do Brasil. Quando me senti perdido, conversei com o cobrador. A
malandragem foi ir até o final e voltar e descer, num determinado local, indicado por ele,
onde passaria meu ônibus. Cheguei, ao Forte, quase duas da manhã.
O treinamento era puxado. De manhã e à tarde. De manhã treinamento físico e à
tarde treinamento técnico. O primeiro dia de treinamento físico na areia quase que não
agüento. Por pouco não pedi para parar. A meta era dez quilômetros na areia. Nunca pensei
que seria tão sofrido. Na verdade, pelo cansaço pouco sobrava para desfrutar da paria.
Na semana da competição nada de rua. O treinamento só pela manhã e apenas tático
como instrutores da Escola dando “pitaco”, por solicitação do nosso treinador, capitão e com
o curso de Educação Física. Foi Ali que conheci o, depois muito famoso, Cláudio Coutinho,
capitão, que não sabia nem chutar uma bola, mas foi técnico da seleção brasileira.
Geralmente ele apitava o treino. Deu-me uma bronca porque não fui numa bola de cabeça.
Eu chegaria atrasado e faria falta. Segundo ele era preferível a falta que ser surpreendido
pelo desenrolar da jogada. Até hoje acho que eu é que estava certo, naquela jogada.
Eu era reserva e um bom reserva. Além de ser zagueiro direito também era bom
lateral direito. O que o Coutinho chamou mais tarde de “overlap” eu já fazia como lateral,
copiado do Djalma Santos que já fazia há muito antes. Chegou o dia do jogo. Foi no estádio
do Vasco da Gama, num dia do meio da semana que não me lembro. Para mim fora o
máximo. Já tinha estória para contar aos netos. Perdemos o jogo por 2 x 1 para a
Aeronáutica Tinha um “ponta esquerda” deles que acabou com o jogo. Tinha um zum zum
de que fora profissional no Tupy de Juiz de Fora. Eu estava profundamente nervoso.
Quando o técnico me olhava, eu sentia um calafrio. Não me lembro porque não houve o jogo
contra a Marinha. Mas, fora a despedida de muitos integrantes da equipe. Haveria uma
renovação geral. Eu sentia que seria o titular. O “Charuto”, então o titular, me disse, na
volta, que confiava em mim. Bom, só restava esperar o sábado que teria o atletismo que
seria no Estádio Célio de Barros, no Maracanã, e voltar para a AMAN. Durante a
competição, chegou o Capitão técnico de futebol e tentava reunir o máximo da equipe de
futebol, para todos se reunirem na escola de Educação Física. Uns pouco malandros já
tinham escapado e fugido do Estádio. Feita a reunião veio a notícia: a Aeronáutica, que tinha
ganhado no meio da semana, queria nos massacrar e conseguiu que fizéssemos a
preliminar, no domingo do jogo Santos e Flamengo. Fiquei tenso. Não vi o Charuto e nem os
outros veteranos que eram titulares. Não deu outra. Às treze horas estávamos em pleno
Maracanã para fazer a preliminar. E eu titular. Ah! Se o povo de Terenos soubesse.... . A
nós, tocou o vestiário que seria do Santos. Por isso, nossas coisas foram todas guardadas
nuns sacos e era pouca coisa, pois saímos uniformizados (abrigo desportivo e tênis –
chuteira na mão) da Escola de Educação Física. Tudo foi levado para o banco de reservas.
Quando entramos, naquele túnel que é “entrada padrão”, em fila indiana, correndo
para o gramado, quase tive um colapso. O Maracanã estava completamente lotado. Parecia
uma caixa de abelha. Um barulho ensurdecedor. As roupas multicoloridas pareciam uma
obra de pintura modernista. E os rostos muito distantes, pareciam bonecos. A grama era tão
fofa que a chuteira enterrava toda. A grama fora molhada. O campo parecia interminável...
Continuei meu aquecimento correndo quase de uma área à outra para sentir o tamanho e
me desesperei: vamos morrer de correr aqui. Alertei a todos disso e pedi que tocássemos a
bola ao máximo. Para isso tínhamos muito bons jogadores, um deles bicho como eu.
Comprei uma briga com um veterano, do terceiro ano, um bom baiano, porque perdeu a bola
e não perseguiu o zagueiro que veio perigosamente para o ataque. Ficou uma arara, mas
reconheceu que estava errado e pediu desculpas. Ficamos amicíssimos depois. O primeiro
“tiro de meta” que fui bater achei que não chegaria ao meio do campo. Fiz pior. A chuteira
afundou na grama e a bola saiu como um tiro de morteiro. Caiu pouco mais de dois metros
da linha da área grande. Felizmente tinha um jogador de meio campo que dominou e saiu
jogando. O banco de reserva achou que eu tinha feito de propósito e que aquela seria a
melhor maneira de sair jogando.
Mas, havia o “ponta esquerda”... realmente jogava muito. Baixinho, como deve ser
todo aviador, mas rápido com um caça. O nosso lateral direito leva drible de todas as
formas. Cada drible era uma manifestação da torcida que era um “uh! uh! uh! uh!” vindo das
arquibancadas... Na verdade não se entendia nada e não se ouvia nada com clareza.
Comecei jogando pela direita e outro “bicho” que tinha apelido de bicho – Gato, pela
esquerda. O bendito “ponta esquerda” estava impossível... Havia uma falha na nossa
defensiva. Se eu saísse na cobertura e também fosse driblado, só restaria o Gato com uma
ruma de atacante sobre ele. E assim aconteceu algumas vezes. Mas, mesmo sem conseguir
falar com o técnico e por orientação do Baianinho, alguém do meio campo, que não me
lembro quem era, cobria a minha saída. Assim ficaria completa a defesa. Pedi ao lateral para
não mais cercar e sim dar o bote para ou tomar a bola ou ser driblado. Sai na cobertura, do
drible do ponta, e joguei-o com bola e tudo na bandeira do escanteio. O juiz nem considerou
falta. Na segunda jogada dele, enquanto o lateral o cercava, eu o atropelei... Meu joelho
pegou na altura do seu peito... O juiz marcou falta e me advertiu... Ele reclamou que eu iria
machucá-lo. Disse que iria mesmo, se ele continuasse com a palhaçada dos dribles para
aparecer para torcida. Foi jogar no meio campo atrapalhando o lateral esquerdo deles. Aliás,
o lateral esquerdo era de Campo Grande e estudamos o ginásio no mesmo colégio... Quis o
destino que estivéssemos juntos, na ativa, como coronéis: ele Comandante da Base Aérea
de Campo Grande e eu servindo no Comando Militar do Oeste.
O que faz o destino... Servia eu como tenente em Porto Velho. Lá, o Batalhão tinha
um avião civil que era pilotado por tenentes da FAB. E um deles ficou muito meu amigo e
era exatamente o “ponta esquerda” da AFA que jogou no Maracanã.
Detonamos a FAB. Ganhamos de 3X1, fora o olé... Eles começaram correndo o
campo todo. No segundo tempo dominamos o jogo por completo. O gol deles foi mais por
displicência do nosso goleiro que mérito deles. É que, como não conseguiam entrar na área
(o Gato estava uma fera nas antecipações, o que fazia muito bem), começaram a chutar de
longe. O goleiro fazendo golpe de vista, mal os atacantes chutavam ele já saia para pegar a
bola... A torcida se manifestava bastante. Fez um, dois, três golpes de vista e numa delas
ele saiu para pegar a bola, mas ela entrou na “gaveta” e ele procurando a bola atrás do gol...
foi um uh! uh! uh! fantástico da torcida, pelo frango do nosso goleiro. Acho que fiz a melhor
partida da minha vida. Tudo que eu fazia dava certo. Fiz até o lançamento para o terceiro
gol. Assim estreei na equipe de futebol da Academia. Talvez tenha sido o único terenense
que tenha jogado no Maracanã.
Voltamos ainda à noite para Resende. As festas tinham se acabado e era hora de
voltar para o recanto das forjas de guerreiro. O campo, os professores, a Ala já estavam
com saudades nossas.

A Ordem Unida

Havia uma mentalidade na época de que só o tenente deveria dar instruções de modo
que ele liderasse o pelotão. Eu discordava e sempre achei que, se o tenente não for capaz
de liderar o pelotão, isto é, não tiver o espírito de liderança aflorado, não será o fato de
permanecer com o pelotão que lhe fará fazer líder. Pelo contrário, mais rápido perderá a
liderança e automaticamente alguém assumirá tal liderança. Dividi a instrução com o
Sargento, em particular a ordem unida. A Ordem Unida é um instrumento de caserna onde
mais rapidamente enquadra o militar à disciplina. É um caso para a psicologia estudar. E ela
não é apena para uniformizar movimento, como a um balé. Ela é um trabalho de grupo.
Nunca será o soldado “A” ou o “B” que executou os movimentos bem ou mal. Sempre será o
pelotão. Há um nivelamento por baixo: o resultado do pelotão será tão bom quanto bom for o
pior executor. Na Ordem Unida não existe o melhor, o mais inteligente, o melhor atleta, o
mais belo... Existe o pelotão. E como a ordem unida revela a personalidade de quem a
comanda!!! As ordens, bem dadas, no tempo certo, no ritmo certo, fazem o pelotão crescer,
vibrar, participar, colocar alma em cada movimento. Isto dá imagem, dá personalidade ao
pelotão. O comando mole, fraco, displicente terá resposta mole, fraca, displicente,
pachorrenta. É aí que começa a tropa ser o espelho do comandante. Vi homens inteligentes
soçobrarem por não possuir dom e características físicas para eficiente na ordem unida. Vi
homens medianos que arrastavam consigo seus soldados, pela ordem unida. Há uma
sinergia entre o comandante e sua tropa. Aprendi que ela deva ser rápida, forte, intensa,
viril. Se atingidos os objetivos, deve ser encerrada antes do horário. Aquele que faz
movimentos desnecessários, apenas para cumprir horário, estará banalizando a instrução.
Ao ser banalizada, ela perde o interesse para quem a executa. Um comandante deve baixar
diretriz, para se planejar a instrução dos recrutas de modo que todos os oficiais e sargentos
dê pelo menos uma instrução de ordem unida, no mínimo, por ano de instrução. Aliás, a
instrução dos recrutas é responsabilidade de todos, independente das funções que exerçam.
A finalidade de existri o quartel são a formação do recruta, em tempo de paz.
Como comandante de Batalhão muitas vezes, em formatura geral semanal,
dispensava o corneteiro e, à voz, dava um minuto de ordem unida a todo o batalhão
formado. Via nos olhos dos jovens uma ponta de inveja. Não consegui saber se do homem
que comandava tantos homens ou se do conjunto comandante e tropa. Havia, neles, um
sentimento pueril do tipo: “ainda serei um desses”. Algumas vezes, passando pelo pátio,
pedia aos Tenentes para me deixar dar dez minutos de ordem unida a seus pelotões. Eu me
sentia renovado.
Com isso quero reforçar que ali, na ordem unida, o comandado começa a conhecer
seu comandante. E parece que esta postura do tenente na ordem unida, é como uma
energia cósmica, vital, que acompanhará o militar pelo resto da vida e cuja energia
transmigrar ampliada para todos os subordinados até o ultimo dia de serviço ativo.

A Pajelança

Como dito em outra parte, a Educação Física era uma atividade intensamente
praticada no QG do CMA. Havia, no momento, uma forte influência da brigada paraquedista,
pois, o comandante do CMA e a grande maioria dos oficiais, se não todos, eram
paraquedistas. Ou melhor, o único que era QEMA e não paraquedista era eu. A educação
física era de duas horas, com sol ou com chuva. Fazia parte da Educação Física “natação
utilitária”, no Rio Negro. Esclarecendo, Natação Utilitária é o nome militar dado ao nado de
rio e lago. Qualquer homem rural, que aprendeu nadar em rio, lago ou açude, sabe o nado
utilitário. É o nado com a cabeça totalmente levantada, com forte arqueamento das costas e
que é difícil usar os pés. O melhor é nadar com as pernas bem abertas e assim melhorar a
batida de pé que é bem forte e cadenciada. No CMA, qualquer coisa só começava depois da
Educação Física. Até a reunião do Alto Comando. O general era o primeiro a chegar. Era
feita a preparatória e, depois, todos saíam para uma corrida livre até onde aguentasse. A
volta ou era correndo ou andando. Mas todos iniciavam a atividade correndo. A natação era
feita nos fundos do quartel, próximo ao grupamento de engenharia quando o Rio estava
baixo. A Companhia de Comando colocava corda e boias balizando, paralelo à margem, em
duzentos metros. Todos eram obrigados a fazer os duzentos metros, até mesmo andando,
pois a profundidade ficava até a cintura ou um pouco mais. Os mais nadadores entravam rio
adentro e nadavam além da corda. Quando o rio estava alto, havia uma piscina logo abaixo
da seção de Educação Física, de vinte e cinco metros. Também todos teria que nadar 200
metros ou andar. Foi o período, como oficial, que tive o melhor condicionamento físico.
Aprendi muito com um coronel de artilharia, com estágios e cursos com Cooper, nos EUA e
no exercito francês. Aprendi a correr, a respirar e a aquecer. Assim, num Teste de Aptidão
Física, fui um dos melhores entre coronéis e cheguei a 2900 metros em 12 segundos.
Mas, nas quarta feiras, e todas as quarta feiras, havia a Pajelança. E toda a Educação
Física se resumia nela. No campo de Parada, também um campo de futebol e, ainda, uma
pista de atletismo de sofrível a péssima. Todos em forma, desde a área da preparatória, ao
comando do ChEM e o general ao lado, se abordava o campo de futebol por sua cabeceira
(local do gol). Começava com duas voltas de corrida leve, corrida militar: em forma, no
passo certo, com cadência marcada por palmas. Depois da segunda volta, que terminava no
local que fora a entrada pista, vinham os exercícios específicos em movimentos. Todos eles
retirados e adaptados da Ginástica Básica, dos paraquedistas, e alguns movimentos da
antiga ginástica sueca e da Calistênica (CALISTENIA é uma palavra que tem origem grega e
significa kallós - belo, sthenos - força + o sufixo ia. Significa cheio de vigor, força, buscar
pela exercitação a harmonia do corpo). Na outra cabeceira, retomava-se a corrida até a
segunda lateral do campo. Aí se fazia alguns exercícios parados (de pé ou sentado ou
deitado) da ginástica básica e outras tantas da calistênica e sueca. Terminada a série, todos
se levantavam e retomava a corrida pela primeira cabeceira, a da entrada. Assim, havia
cinco voltas de exercícios. Como tinha vários exercícios com os braços para o alto, braços
levantados, em particular na primeira lateral do campo, bem semelhante aos trabalhos de
pajelança dos índios, a série tomou o nome de Pajelança. Creio que ela tenha se perdido no
tempo. Pretendo ainda recuperar alguns exercícios dela, conversando com companheiros da
época. Os oficiais recém-chegados penavam com a pajelança. Era uma série de exercício
completamente diferente de tudo que já se tinha feito. Era de um enorme efeito localizado
com resultados práticos imediatos. Pena que o Exército não o tenha adotado como alguma
alternativa para exercícios físicos em quartéis que tenha espaço para isso.
Bom, por tudo isso que o CMA tinha elevado espírito de corpo.

A promoção e a mulher

Em Vilhena fiquei conhecendo uma figura ímpar. Numa das viagens a Porto Velho,
ficou tomando conta da casa do comandante um soldado que, à primeira vista, parecia uma
toupeira. Na verdade ele tinha o ginásio, isto em linguagem de hoje: havia terminado o
ensino fundamental. Era casado e tinha dois ou três filhos. Segundo os sargentos, ele
literalmente tomou conta da casa. À tarde, tomava banho, colocava um pijama, pegava um
jornal e sentava na varanda e lia seu jornal. Eu nunca ficava na tal varanda com medo de
mosquito. Mas ele se colocava como o dono da casa e praticava o rito como tal. Bom, sua
função era meramente mão de obra não especializada. Onde precisava, lá estava ele
fazendo força. Era carioca e já tinha estabilidade. Obriguei-o a ir a Porto Velho fazer um
curso de soldador, porque na residência não tinha um soldador efetivo na sede. Quando eu
voltei, na segunda vez que voltei ao 5º BEC, ele já morava em Porto Velho, e trabalhava na
Companhia de Equipamento. Mas, já era cabo. No meio do caminho e ele fez seu curso de
cabo. Assim, já o encontrei como encarregado de soldagem. No encontro, perguntei pela
família e pela mulher. Senti que ficou incomodado. Mas desembuchou que havia se
separado porque, como cabo ele teria que ter uma mulher à altura da nova graduação, mas
que a mulher antiga estava bem e morava em Porto Velho com os filhos. Passados os anos,
eu visitava Porto Velho, quando comandava e visitava o 5º BEC, reencontrei o militar. Agora,
beneficiado pela legislação, fora promovido a sargento. Por brincadeira de mau gosto,
chamam de lei Juruna e aos sargentos de sargento Juruna. Ainda pertencia a Companhia de
Equipamento. Perguntei da família e ele ficou sem graça. O companheiro dele, percebendo
a situação se adiantou: – coronel, ele já trocou de mulher novamente. Perguntei o por quê,
ele respondeu, ser agora sargento e que, para freqüentar o ambiente de sargento, teria que
ter uma mulher às alturas. Assim, para cada graduação, ele buscou uma mulher adequada.
Penso que ainda ele deva morar em Porto Velho.
A Saúde na cabeça do Cachorro

Algumas informações aqui já foram abordadas de uma forma esparças. Mas fui
entender bem tudo de apoio de saúde quando do convênio com o Ministério da Saúde. Em
cada PEF há uma estrutura de saúde: médico dentista, enfermeiros. O EB carreia para lá
todas suas necessidades de medicamentos quer de uso hospitalar quer de uso ambulatorial.
No Amazonas, e em particular na dita Cabeça do Cachorro, tem em São Gabriel um hospital
de guarnição que é a segunda linha de evacuação médica. Depois disso tem o Hospital de
Manaus, Hospital Militar de Área, como dito agora. Como informação, ainda tem na linha de
evacuação o Hospital Central do Exército – HCE. Como dito, no período que estive na 6ª
Seção, com os convênios com o Ministério da Saúde, conseguimos aumentar em muito a
qualidade dos medicamentos bem como a quantidade. A contra partida era atender índios,
garimpeiros, seringueiros e qualquer um do gênero humano que ali procurasse atendimento.
Isto aumentou a responsabilidade e o trabalho do pessoal de saúde. É que, antes, sempre
havia restrição, só atendendo os casos de vida ou morte. Mas os atendimentos foram
aumentados e em particular os fornecimentos de medicamentos, pois logo a noticia
espalhou. Com isso, aumentou muito a vinda de colombianos e venezuelanos. Na Cabeça
do Cachorro, em particular, os PEF com rios que vinham da Colômbia havia casos
interessantes. Os desacertos das FARC com moradores, entre eles mesmos e entre
moradores, havia tiros, facadas, machadadas... e, assim, alguém colocava o moribundo
numa canoa e soltava rio a baixo. Ao passar pelo PEF sempre tinha um bom samaritano que
via o barco descendo de “bubuia” como diziam, e ali alguém corria para o médico salvar a
figura. E também vinha muitos índios. Os índios ficavam até o último momento esperando a
solução do Pajé. Quando estavam para morrer, aí eles procuravam o PEF. Em particular as
mulheres em serviço de parto, tuberculose e ataque de animais peçonhentos. E havia
sociólogos da FUNAI que acha isso certo, pois há que se respeitar a cultura. Bom se assim,
melhor deixar morrer. Quase toda semana há uma missão misericórdia da FAB pra trazer
alguém de um PEF para São Gabriel. E ali eu vi um lance que me emocionou bastante. No
hospital tinha uma enfermaria de crianças. E ao visitá-la com o major diretor, vi que os
berços tinha, um arco de cano soldado. Perguntei a ele o porquê daquilo e ele me disse que
as índias não põem seus filhos no berço. Elas armavam redes nas cabeceiras de modo que
a criança não ficasse deitada no colchão. Aí eles resolveram soldar o cano que modo a
facilitar a colocação da rede por sobre o berço. E em todas as enfermarias, nos PEF com
índios, com berço, tinham esse “gatilho” nos berços. Alguém, num período qualquer, teve a
ideia de proibir as mães índias de ficarem com filhos na enfermaria. Na verdade, não tem
nenhum conforto, pois é enfermaria e não apartamento. Mas foram surpreendidos quando
viram as mães índias, sob chuva e sol, dia após dia, na porta da enfermaria ou sob a
pingadeira do telhado, velando por seus filhos. Ficavam dia e noite, mesmo sem comer. Aí
acabaram cedendo e permitindo que elas ficassem ao lado de seus filhos e dentro da
enfermaria. Conseguia alguma cadeira, colchão no chão... O verdadeiro instinto materno, um
selvagem instinto materno ali estava manifesto.
Em São Gabriel, quando o 1º BEC foi para lá, já tinha uma enorme estrutura de
missões religiosas católicas. E as enfermeiras faziam o atendimento médico sem serem
médicas. Em particular as alemãs. O batalhão teve problema, pois as religiosas conseguiram
jogar a população contra o batalhão. É claro que era uma concorrência. Elas só atendiam
mediante a chantagem da conversão ao cristianismo, como milenarmente vem fazendo.
Em Yauaretê o governo do Estado, num arroubo de momento eleitoreiro, construiu um
pequeno hospital na comunidade que era basicamente de índios, que os paisanos da FUNAI
chamam de ianomâmi. Bom, nunca conseguiu ninguém para ir operar o hospital: nem
médico, nem enfermeiro e nem o faxineiro. E tinha bons equipamentos. O recurso foi do
Ministério da Saúde. E o Ministério queria ver a coisas funcionar, pois era um momento de
grande povoamento de barbudinhos nas diferentes diretorias. O Ministério da Saúde queria
que o EB assumisse o hospital, mas o governador queria o dinheiro ali empregado para
fazer outro em outro lugar. Havia problemas legais para isso. Restaria um convênio entre o
CMA e o governo do Estado. Mas o barbudinho da Secretaria de Saúde queria que o EB
assumisse o prédio e os aparelhos, os medicamentos, a manutenção dos aparelhos e do
edifício. Enfim, não queria contribuir com nada. E a obrigação era dele para com a
população civil e da a FUNAI para com a indiada. E, no tempo que lá passei, nada fora
resolvido. Mas, mesmo assim, fomos ocupando o local. É que, para o atendimento da
indiada e de colombianos, o médico e o dentista se deslocavam para lá.
Em todos os PEF da Cabeça do Cachorro tivemos problemas com o Ministério da
Saúde. É que aumentaram assustadoramente o caso de tuberculose. Nos relatórios de
atendimentos o aumento fora de o dobro e o triplo. Aí, o Secretário Geral criou caso e
mandou uma auditoria para ver como os médicos militares trabalhavam, pois os casos, ao
invés de diminuir, aumentavam. E lá fui conseguir um avião para barbudinhos, e eram cinco
ou seis, seguirem para São Gabriel e dali visitar alguns PEF. Voltaram com o rabo entre as
pernas. É que os colombianos e venezuelanos estavam vindo que quase perto de suas
capitais para se tratarem de tuberculose, pois em seus países, de graça eles não
conseguiam. Não aumentaram os números de casos, mas sim o número de pessoas
infectadas. Até a indiada começaram a abandonar os pajés, para desespero dos sociólogos
da FUNAI.
Se não fosse a presença do EB, graças a Doutrina da Presença, que sempre defendi,
aqueles moradores morreria como animais, pois já vivem como animais selvagens. Até acho
que o EB deveria cuidar de tudo: índio, garimpeiro, combate às FARC...

Ao Mestre

Uma homenagem ao mestre NELSON, que faleceu em 18


abril de l996. Mato-grossense de Três Lagoas e que,
carinhosamente, dizia que éramos cordiais inimigos até eu
apresentar esta redação a ele. Obrigado por tudo que me ensinou
em tão pouco tempo.
Os textos são de tarefas que ele passava: uma página, no
máximo, manuscrita. E por elas tivemos algumas discussões. Em
uma dela ele ficou triste porque disse que não gostava de decorar
regras de português. E ele me chamou de desinteressado. A
resposta foi na segunda crônica. Na terceira fora a despedida e o
último trabalho. Pena que eu, embora tenha escrito antes de sua morte, não o tenha
mostrado que o conjunto forma minha homenagem a ele. Quando quis fazer isso ele já
estava na UTI do HCE. Fica a homenagem.

ACIDENTE DE PERCURSO

O tema proposto é livre. Sendo o assim resolvi escrever sobre o professor de


português ao qual tenho profunda admiração.
Conheci-o na ECEME. Logo de início causou-me impressão pela vitalidade,
jovialidade e disposição pueril.
Reconheci que estava diante de um mestre da língua pátria de ferrenha e aguerrida
dedicação.
Disse a mim mesmo: - dai-me, senhor, forças para que eu atinja esta idade defendo a
Engenharia, o Exército e o Brasil com a vibração e a energia do mestre.
Nas primeiras aulas ele acenou com a possibilidade de discutir os problemas
nacionais. Pensei encontrar um Benjamim Constant. Resolvo testar. Fiz uma redação
descambando para a filosofia. Cometi três erros grosseiros de português, não intencional, de
envergonhar. Ele, atento passou-me uma descompostura. Conclui que eu não tinha um
Constant e sim um vigilante técnico. Viu a forma. Não lhe tocou o conteúdo.
Dito isso quero chegar ao fulcro da questão: o incidente da última aula. Senti ter ferido
o mestre. Não fui hábil. Deixei-me levar pela sinceridade pura e ingênua do matuto mato-
grossense que trago no peito.
Assim, meu caro professor NELSON CUSTÓDIO DE OLIVEIRA, ou melhor, professor
Nelson, só me resta uma atitude e dizer; perdoe-me se lhe magoei.

Rio, 26 Abr 90
HIGINO

UM MATO-GROSSENSE

Vim ao mundo aos onze dias de janeiro de 1948. Cheguei na pequenina Terenos,
berço de terenas quase extintos.
Descendo de guaranis por parte da avó materna.
Até os 12 anos fui agricultor com meus pais. Entrei em escola com oito anos de idade.
Aos doze e treze fui morar em casa de parentes para poder estudar, agora em Campo
Grande. Em Troca tratava de uma égua e era jóquei de cancha reta. Ou vendia refresco
(raladinha) em campos de futebol aos domingos.
Aos quatorze anos meus pais se mudaram para Campo Grande. Meu pai carpinteiro.
Eu servente de pedreiro, às vezes, mas sempre estudando.
Aos dezenove fui servir como soldado raso. Cursava o "3º científico".
Antes, custeava as despesas de colégio jogando futebol. Ou na equipe da Companhia
Telefônica ou em fazendas e municípios vizinhos por vinte cruzeiros a partida.
No quartel, foi onde encontrei a melhor alimentação com substância.
Para conciliar e não parar com o colégio fiz o curso de cabo e depois o de sargento.
O Ministro do Exército passou a recrutar candidatos para a AMAN através de um
aviso: os primeiros colocados dos colégios brasileiros seriam aproveitados pela escola. O 1º
lugar foidesrtado por ser mulher; o segundo por baixinho. Eu fui indicado. Em 1967 terminei
"o científico", o curso de cabo, o curso de sargento e fui para a Academia.
Como oficial de engenharia tenho plantado mais de cem quilômetros de estadas
pioneiras e oitenta quilômetros de asfalto, na AMAZÔNIA.
Como tenente, e capitão novo, contraí cinco malárias.
Talvez na ECEME seja um dos únicos oficiais que possuí medalha do serviço
amazônico com duas castanheiras.
Talvez seja este o motivo de minha pressa.
Sou extremamente prático e busco a praticidade em tudo e para tudo. Sou franco, leal
e amigo chegando às raias da meninice.
Sou extremamente severo comigo mesmo, Não me admito ofender, destratar ou
desmerecer desde um mendigo de sarjeta ao Presidente da República.
Eis meu caro professor NELSON o "moço" que não quer decorar as regras de
português.
Para não esquecer as origens tomo tereré, como bom mato-grossense.
Rio, 30 Mai 90
HIGINO

UMA PÁGINA DO MEU DIÁRIO

Como não o tenho tive que buscá-lo no arquivo da memória.


Deparei com as despedidas de quartel que embora sendo rotineiras e várias ocorridas
se fará o possível para condensá-las em uma página.
Como é difícil uma despedida.
Antes da publicação da transferência há uma euforia interna. Acho que é provocada
pela vontade de conhecer logo o novo desafio.
Mas no dia da despedida a vontade é não mais ir embora. Cada amigo, cada seção,
cada árvore, e até os cachorros, é uma saudade. É uma parte da gente.
A última formatura, a reunião de oficiais, a leitura do elogio vão sendo suportados com
sacrifício. Quando chega a hora das palavras de despedidas... é o ápice. O coração acelera
e, indisciplinadamente, não aceita comando. A respiração fica difícil. A palavra se embola
com a língua, na boca e não sai. Sente-se um aperto na garganta e uma pressão no peito
que só se desfazem com o rolar das primeiras lágrimas.
E, meio envergonhado, retomamos as despedidas querendo que não termine.
Talvez seja porque a despedida de um quartel é como despedida de morte. Temos a
certeza que nunca mais encontrará o mesmo grupo, ainda que um dia volte ao mesmo
quartel. No fundo da alma temos a esperanças que isto aconteça – encontrar a todos, um
dia.
Rio, 22 de junho de 1990
HIGINO

Apoio de Vacinação Contra Raiva.

Um fato engraçadíssimo foi num apoio que o EB daria à secretaria municipal de


saúde. Era sobre vacinação contra raiva em cães e gatos. Pela 5ª Seção do CMO, foram
acionados a 9ª Região, serviço regional de saúde, e hospital da guarnição. Foi convocado
um número muito grande de soldados recrutas, de diferentes unidades, para treinamento de
vacinas. As unidades montariam, segundo a necessidade da prefeitura (Centro de Zoonose),
sua barraca em determinado ponto e ali os soldados treinados vacinariam os animais. Eis
que num determinado momento, estando apenas os recrutas vacinando e ninguém da
prefeitura e nem graduado militar, uma senhora leva seu gato para vacina. Quando o recruta
finca a agulha no gato, o bicho estrebucha e arranha a mulher com gravidade. Ela fica
apavorada, pois pensava que o arranhão do gato poderia infectá-la com o vírus da raiva. No
desespero da mulher, o soldado não teve dúvida: vacinou também a mulher. Quando
chegou ao quartel, ele avisou ao sargento sobre o que fizera. Imediatamente fui acionado,
que acionei o Diretor do centro de zoonoses. Ficamos uma semana percorrendo o bairro até
encontrar a mulher de modo que ela fosse monitorada por médicos sobre possíveis reações
adversas da vacina. Ficou a lição: apoiam-se as vacinações com tudo, menos com militares
vacinando.

As Armas no Exército

Armas, no Exercito, é um conceito um tanto confuso para os civis e até para os


militares de outras forças como Marinha e Aeronáutica. Isso é o que me foi dado ver quando
tive oportunidade de trabalhar com militares dessas forças. Arma não é o armamento, mas
as especialidades e funções de tropas no combate.
Então vou tentar esclarecer tal coisa. Para entender isso é necessário entender o
fundamento histórico e filosófico da força de terra. A guerra é real, gostem ou não dela. É
parte da estupidez humana. Assim sendo, ela tem por essência o envolvimento do homem.
As ciências e as tecnologias modificaram e modificam a guerra: ora aumentam a proteção
do amigo e ora aumentam a letalidade ao inimigo. A força terrestre, e nunca poderá ser
diferente, se fundamenta no homem. A partir do homem é que ela se organiza de forma
complexa e sistêmica.
Então, em contato com o inimigo está o homem dotado de um mínimo de ferramentas
de guerra e combatendo a pé. É muito mais ação do homem que da máquina, do
instrumento, do armamento. Esses homens são organizados no terreno e, de posse de seu
armamento, para enfrentar o inimigo, faz o combate aproximado. A sua sobrevivência
dependerá única e exclusivamente de sua inteligência e adestramento, em sinergia com o
combatente da direita e com o da esquerda. A eficiência e a eficácia são do homem.
Logo imediatamente atrás (2ª linha), há outro sistema, mas com um equilíbrio entre o
homem e o uso da máquina. A máquina serve, para deslocar mais rápido os homens, dar-
lhes alguma blindagem quando muito próximo do inimigo e melhorar sua potencia de fogo. A
máquina, que dispõe de algum armamento, serve para agilizar o homem a pé. São os
sistemas dotados de veículos motorizados, mecanizados, motomecanizado (viaturas,
motocicletas, helicópteros). São veículos leves, rápidos e de alta mobilidade. O homem
desembarca e combate a pé. A eficiência e a eficácia são equilibradas entre homem e
máquina.
Uma terceira linha de sistema há a presença maciça de máquina. O homem é apenas
ferramenta de funcionamento. É claro que a letalidade desse sistema, por muito tempo
ainda, dependerá da vontade do homem, do seu comando, de sua razão e do seu raciocínio
para funcionar (até que as máquinas tenham raciocínio). São potentes em fogo e blindagem.
Sua ação é muito mais a lei da física – a quantidade de movimento – a massa multiplicada
pela velocidade. A massa de blindado rompe o sistema defensivo inimigo e o homem a pé
penetra por ele. Ou ataca protegido por essa massa. Embora motorizada (aérea ou terrestre)
a massa atua não como um meio, mas como uma arma. Os blindados de lagarta ou os
helicópteros são arma. A eficácia e a eficiência são da máquina.
Esses três conjuntos têm que atuar de forma sistêmica e em sinergia. Para isso, os
homens são adestrados em cada sistema deste. E, assim, para cada sistema tem-se o que
se conhece como TROPA.
A tropa que atua e combate o inimigo muito próximo é conhecida como INFANTARIA.
Seu armamento é o fuzil. É assim desde a mais remota antiguidade. Há que se entender que
a estrutura dorsal da força terrestre é a Infantaria.
Para aumentar o poder de combate dessa tropa existem outras. Há quem facilita a
tomada de dispositivo quando reconhece o inimigo á frente; há os que facilitam o movimento
terrestre quer por rodovia, ferrovia ou pelos campos; os que usam armamentos potentes e
aumentam, assustadoramente, o poder de fogo estando postados atrás, atiram bem à frente
da tropa; quem faz os atendimentos aos feridos; os que fazem chegar os alimentos,
fardamentos, armamento e munição; os que fazem manutenção de veículos e armamento;
os que montam um sistema de comunicações de modo que haja coordenação e controle
desde a linha de combate até os elementos de logística na retaguarda. Todos são sistemas
distintos.
Quando, com veículo leve (que já foi o cavalo), uma tropa se projeta para reconhecer
o inimigo (dispositivo, natureza) ou quando necessita de apenas segurança de um flanco se
identifica a tropa de CAVALARIA. Embora, orgulhosamente os cavalarianos se autonomeiem
de “base para o combate”, isso não é verdade. O combate só se consolida com a ocupação
do terreno, pela infantaria. Essa autovalorização dos cavalarianos é culto de uma tradição
vinda da antiguidade, quando ainda não se dispunha das metralhadoras, onde o cavalo
intervia no combate com grande poder e até mesmo venciam batalhas.
Para facilitar o movimento dos amigos e dificultar o dos inimigos, seja nos meios de
transportes, seja nos campos de minas, na construção ou remoção de fortificações, essa
tropa se denomina ENGENHARIA. Dessa engenharia é que nasceu a engenharia aplicada
aos civis – a engenharia civil.
Para aumentar o volume de fogo com uso de canhões, obuses, mísseis e outros
“engenhos” usam-se a tropa de ARTILHARIA.
Para manter o continuado fornecimento de armamento, munição, combustível,
alimento, vestuário, saúde e a manutenção das máquinas têm-se a tropa de LOGÍSTICA
com Serviços de Saúde, Serviço de Material Bélico e Serviço de Intendência, cada um com
sua tropa.
E para montar uma rede de comunicações entre os diversos escalões, para que
realmente haja uma ação coordenada, existe a tropa de COMUNICAÇÕES.
Cada sistema com sua missão muito próxima do inimigo e, a todo o momento, com
risco de entrar em combate aproximado, recebe o nome de ARMA. Assim tem-se a Arma de
Infantaria, a de Cavalaria, a de Engenharia, a de Artilharia e a de Comunicações. Não se
tem a arma de Logística. Os subsistemas que a compõe, como já dito, são chamados de
Serviços. Os apoios que prestam se caracterizam uma prestação de serviço. Isso,
entretanto, não evita serem bombardeados pelos sistemas de armamento do inimigo.
Assim está estruturada qualquer força terrestre de quaisquer forças armadas do
mundo.

As Caça Maridos

Para a Academia iam caravanas de meninas em visitas. Tinha até um internato de


Niterói, parece-me, que levavam ônibus cheios de meninas entre quinze a vinte anos para
visitar a Escola.
Em Resende também o assédio era forte. Meninas mal completavam quinze partiam
para conquistar seu Cadete. E Cadete carente era o que não faltava. Eram muito bem
recebidos pelas famílias. E eles passavam a ter o que fazer nos finais de semana. Não só as
meninas da cidade, mas das próprias Vilas Militares onde filhas de oficiais e sargentos
disputavam palmo a palmo seu quinhão.
Nessa luta de sobrevivência, havia bandidos e mocinhos. Do lado bandido sempre
estava uma mãe querendo encaixar uma filha. Lembro que um dia eu passava por um bar
ainda da margem esquerda do rio (do lado de Agulhas Negras) quando ouvi alguém
chamando insistentemente “Cadete! Cadete!”. Até pensei que fosse algum problema sério.
Quando entrei no bar, havia uma mãe com mais duas meninas, entre vinte a vinte e cinco
anos. Perguntei do que se tratava, virou a mãe e mandou que eu me sentasse. Bom,
sentaram-se eu as meninas e a mãe levantou e saiu dizendo: “agora é com vocês. O Cadete
está à disposição de vocês”. As meninas constrangidas tentaram entabular uma conversa
dizendo que moravam no Rio e que as mães sempre as traziam a Resende numa tentativa
de conseguir um namorado; que eram estudantes e todo um papo de “cerca lorenço”. Todas
querendo chamar ao máximo a atenção. A mãe voltou e mandou que servisse qualquer
bebida que eu quisesse. Disse a elas que ficava lisonjeado por ter sido escolhido, mas que
eu não pretendia ter namorada no Rio. Agradeci a bebida e saí. Não sei se conseguiram o
namorado Cadete.
Havia estórias das mais variadas aonde algumas mães vinham de carro, no sábado e
levavam Cadete para o Rio para passear, mesmo sem conhecê-lo. Chegando à suas casas,
os pais saiam e deixavam a filha à disposição do Cadete. Era pura armadilha. Em Resende,
isso era muito comentado. Havia coitadas que já tinham passado por vários Cadetes e
ganhavam apelidos por isso – Rep, de repetida; pinta brava; VO... E também a maldade de
que meninas debutavam de quatro em quatro ano: o Cadete que a via debutar não poderia
vê-la novamente, pois teria se formado e saído de Resende.
Do lado do mocinho, tinham famílias que acolhiam o Cadete como se fosse filho,
independente de ter filha mulher ou não. As famílias, cujas moças namoravam Cadetes
tratavam com muito esmero a relação dos dois. Tanto que a quantidade de Oficiais casados
em Resende é enorme.
Depois do casamento é que sobressaem aqueles onde houve capciosidade no
evento: terminam cedo; e aqueles que foram bem conduzidos que se tornam mais estáveis.
Há história de casamento terminado na saída da igreja. Assim que terminava a cerimônia, o
coitado do jovem tenente, e só pode casar como tenente, ainda bem, recebia a notícia que a
moça não queria mais o casamento e que iria providenciar a separação para ficar com uma
pensão. Pior é quando, intencionalmente, gerava um filho para daí a sentença judicial ser
mais eficaz e o valor maior. A criança fica como moeda de extorsão. Se o tenente der azar, a
sentença será tanto mais severa quanto são as desilusões das juízas de família.
Dois dias antes do meu Aspirantado encontrei uma jovem de Resende exatamente no
meio da ponte. Eu a conhecia de longe, por ser ela jogadora de vôlei famosa. Sua irmã tinha
arranjado um casamento também no dia do Aspirantado do ano anterior. Ela me cercou
como se me conhecesse há anos. Logo viu meu nome no “biriba” da farda e se danou a se
entregar. Propostas cabeludas. Eu tentava andar e ela me cercava, me segurava como se
eu fora namorado antigo. Alguém deu minha ficha, pois ela sabia muito de mim e eu nada
dela a não ser a fama de jogadora de vôlei. Foi difícil sair. Tive que usar minha “finesse
terenense”. Mais tarde, já Coronel, a vi casada com um militar, mas como dizem o pessoal
de cavalaria, “de segunda ou terceira montada”. Esses desacertos são repetitivos:
acontecem todos os anos. Por mais que a escola tente dar orientações.

As Diferentes Idades

Quando incorporei, tinha exatos dezenove anos, completados em janeiro. Aniversário


a onze de janeiro e incorporação a dezesseis. Eu olhava para os sargentos e os achavam já
muito maduros. A mim, pareciam ter a idade de meu pai. O Tenente, segundo tenente, já me
parecia velho. Ao chagar ao curso de cabo, ficamos adidos (situação burocrática,
temporária, em que pertencia àquela organização militar, para todos os efeitos, mas ainda
vinculada à minha, anterior) à Companhia de Comando do QG. É a organização que fornece
todos os soldados para a manutenção do QG. O capitão comandante, dessa Companhia,
era de estatura média e usava um indefectível óculo escuro que permitiram poucas vezes
vermos seus olhos. Passei a ter uma má vontade com todos os militares que usam óculos
escuros: se for por doença, não poderia estar na instituição, por falta de inaptidão do
principal órgão para o combate - o olho; se for por vaidade, ali também não é local para
vaidoso. No mais das vezes, é blindagem para esconder alcoolismo. Mas, quando lhe vi pela
primeira vez o achei tão velho... Na minha cabeça, muito mais velho que o Tenente da
minha companhia. Na estrutura administrativa, de qualquer companhia, tem um elemento
responsável pelo material - o Subtenente. Geralmente se atinge essa graduação após os
quarenta e cinco anos. Naquele quartel, ele me pareceu muito velho. Tinha a sensação de
que era meu avô. Depois, fui para o curso de sargento. Lá tive, como instrutor, tenentes de
academia, tenentes do quadro de administração (dos que vinham de praça), capitães
também do quadro de administração. Aí sim que tive a sensação de alguns muito velhos.
Gordos quase disformes, com figuras muito próxima das dos desenhos de revista em
quadrinhos. Muitos me pareciam mais velhos que o General que eu vi no QG, cuja idade eu
desconhecia. Ao chegar à Academia, encontrei muitos capitães e zilhões de tenentes, todos
primeiro tenentes. Aos capitães, ainda continuei achando velhos, quase carecas, já
barrigudos. A maioria já caminhava pelas casas dos trinta anos. Ao chegar à minha unidade,
os majores e o comandante, Tenente-coronel, também me pareceram velhos, um pouco
mais que os capitães e um pouco menos que os capitães de administração e o general.
O tempo, algoz dos humanos, também me bateu forte. Quando cheguei a Capitão, os
tenentes me pareciam muito jovens. O preconceito primeiro foi de que eles não tinham
bagagem de experiência para tocar suas funções. Olhe só, eu que arrotei tanto, quando
tenente, que era um combatente experiente e estudioso das coisas da minha arma. E,
assim, fui me “surpreendendo”ao achar o capitão inexperiente, o major muito novo, o
Tenente-coronel imaturo. Imagino que todos eles me achavam velho . Eis aí uma situação da
vida que, se não auto-policiada, se pode cometer desatino, mágoas, injustiças. Ainda bem
que descobri isso já na Academia: me “peguei” pensando que ali também tinha gente velha.
Mas só podiam ser velhos na idade correta: major com idade de major, tenente com idade
de tenente. E, assim, me policiei. O melhor mecanismo de defesa que usei, até como
coronel foi considerar: o Tenente é tenente como eu o fui e, portanto, ali não estava um
tenente, mas sim um capitão iniciando ou, um coronel iniciando. O tempo o faria capitão e o
faria coronel.

As Instruções Especiais

As instruções especiais, na AMAN, começaram na minha geração. Foi uma


necessidade vista pelos oficiais que combateram a guerrilha. Enquanto os guerrilheiros se
adestravam no exterior, a tropa regular tinha apenas o treinamento doutrinário. A guerra
irregular, ou guerrilha era a moda. Em todo o mundo as guerras convencionais estavam
estagnadas. Havia uma enorme confiança nas tecnologias militares nascentes: satélites,
mísseis, radares, contra-radares... Mas o mundo, nas décadas de sessenta e setenta, tinha
um mapa muito negro. Mais da metade dele estava sob o escopo do comunismo. Mesmo
assim, tanto na África, América e Ásia as guerras irregulares ardiam nas áreas favoráveis a
elas. As armas convencionais eram caras para serem lançadas sobre pequenos grupos,
portanto tecnologicamente muito elevadas, mas inúteis. Qualquer político chinfrin, sob a
tutela da União Soviética, China ou Cuba, filial de Moscou, recebia armamento, treinamento
e reforço em homens como foram os casos de Angola, na África, no Brasil, na América do
Sul e Vietnã, Tailândia e Coréia, na Ásia.
Na Academia foi criada uma Seção que depois evoluiu para Destacamento, apenas
para aumentar o efetivo de oficiais especializados em particular os com curso de Comando.
Como já foi dito antes, havia muito de teatral que acabava por quebrar a realidade rotineira e
entrar na realidade de combate sem a necessidade do uso do fogo inimigo. Em particular,
reforço aqui minha admiração pela qualidade das instruções, a qualificação dos oficiais e as
excelências da organização da instrução. Nunca se perdeu um Cadete em acidente. Muito
poucos deixaram a instrução por problemas físicos adquiridos na instrução. Meu profundo
reconhecimento aos oficiais daquela época.
A técnica era, então, levar o Cadete ao seu limite de esforço físico retirando dele o
descanso, a alimentação e o sono. Os castigos ou penalizações, como queira, por erros
eram todos físicos. Eram algumas modalidade de exercícios físicos executados na
Educação Física e previstos nos manuais. Para os cadetes criados em conforto era um
martírio. Alguns pais, militares, que nunca tivera tal tipo de instrução, abominavam tal
instrução. Achavam um excesso cometido contra seus queridos filinhos. Alguns pais, que
conheci, e que reclamavam, em geral não eram combatentes. Eram um pouco mais que
funcionários públicos fardados. Esse tipo de militar sempre considerei parasitário e perjúrio.
Parasitário porque não se preparava para cumprir o fim para o qual a nação o convocou.
Perjúrio, pois negava o juramento que fez quando praça. Desses que faz da caserna um
meio de vida.
Das instruções de que participei algumas lições foram tiradas.
A primeira foi eu me conhecer. Ter entendimento da minha real capacidade. Assim
como eu, todos os Cadetes. Nunca pensei que eu fosse tão resistente à fadiga. A
capacidade de recuperação era coisa espantosa. Aprendi a usar ao máximo os momentos
de descanso para recuperar a capacidade física. Cinco minutos de sono é capaz de
revigorar qualquer um. Depois descobri que os oficiais da aeronáutica chamam a isso de
“recarregar a bateria”. Daí a minha geração ter criado a expressão: “quando o Cadete achar
que não dá mais, que vai sucumbir, ainda lhe resta quarenta por cento de força”. Pode até
parecer um dito piegas, infantil, mas muito verdadeiro.
A segunda foi conhecer os companheiros. Já dito anteriormente, com a fuga e evasão
eu selecionei meus futuros generais da turma de Engenharia. Não acertei nenhum,
infelizmente. Havia aquele companheiro que em sala de aula, nos corredores, nas instruções
leves se agigantava. Em particular quando tinha alguém observando por perto. Falava alto,
era muito enquadrado, em geral aparentemente muito dedicado, se apresentava como líder,
no momento de colher os louros. Cunharam o apodo de “Combatentes de Asfalto”. Mas, na
instrução especial se mostrava ingênuo, inseguro, egoísta, falso, traidor até... É que, para os
instrutores do DIEsp, as caras de sofrimento, os enquadramentos mistificados, as
demonstrações de cansaços não eram considerados. Eles consideravam os resultados e
não as aparências individuais. Na hora de repartir a pouca água, o pouco alimento,
interromper o descanso, liderar um ataque mesmo sabendo que seria infrutífero eles se
revelavam egoísta, mesquinhos e aproveitadores. Verdadeiras falhas de caráter. Na fuga e
evasão houve alguns que atacaram a nossa reserva de alimento, retirado do rancho no
“apagão” do gerador. Aliás, nunca fiquei sabendo quem o comeu, pois tinha sobrado alguma
coisa e, depois, fugimos. Assim, conheci um por um, a partir do segundo ano, tendo
instrução especial. Ainda hoje sou capaz de montar uma equipe de guerreiros realmente de
fibra. Também havia enormes surpresas. Alguns “moitas”, moitas muito mais por timidez que
por desinteresse, mas no mato, na necessidade, na dificuldade se agigantavam. Faziam
valer suas experiências e suas capacidades de convencimento. Daí eu ter juntado as
observações permitiram eu fazer meu juízo valor sobre Líder, já escrito em crônica.
A terceira, a fragilidade de pessoas. É impressionante como, após alguma privação,
certas pessoas se esgotam física e psicologicamente. Algumas entram em tal estado de
submissão que não raciocinam mais. Simplesmente agem como animais domésticos. Esse
tipo de pessoa, na mão de inimigos competentes retira todos os segredos que ele detém.
Elas perdem a dignidade humana com muita rapidez. Como já dito, no campo de prisioneiro
alguns se sentaram no chão para pegar farelos de pão jogados. Outros, mesmo sabendo de
que se trata de um exercício, faziam reivindicação como se realmente estivesse em
operações. Perderam completamente o senso de realidade, de identificação de imagem,
pois os administradores do campo não eram estranhos, eram instrutores com quem já
tivéramos inúmeros contatos. Outros passaram para o lado do inimigo, também perdendo o
senso de realidade. Em troca de um pão ele passou a cooptar outros prisioneiros à causa do
inimigo. Passaram a repetir as ladainhas do inimigo. Eu ficava pasmado com isso porque
não era um faz de conta, para ganhar o pão. Ele estava realmente crendo na situação, como
um obsedado, e achando que os instrutores eram inimigos e crendo neles como amigos
bonzinhos. Numa situação, apareceu um dos instrutores, o dito major de engenharia, com
roupas civis, terno, gravata e chapéu de palha branco. Foi apresentado, em formatura do
campo, como o representante da ONU. Então ele perguntava se alguém tinha algo a
reclamar. E não é que teve muita gente que fazia reclamações quanto a tratamento. Era
incrível que ele não tenha notado que era o major que, há meia hora antes, estava vestido
de uniforme camuflado e na torre enchendo a paciência. Naquela situação foram reveladas
personalidades até então desconhecidas e incubadas e impossíveis de serem despertas nos
trabalhos de sala de aula e até mesmo em testes psicotécnicos. Brilhantes inteligências
ornavam covardes personalidades. Alguns com verdadeiros desvios de personalidades:
traição, covardia, negociatas, favorecimentos desde que, egoisticamente, não fossem
incomodados ou privados de alguma coisa.
Em particular, a mim não mudava nada. Era uma instrução de elevada “ralação”, mas
que teria um fim. Como disse um amigo: “nada é tão cansativo que não termine numa sexta-
feira”.
A quarta coisa foi a confusão mental durante a fuga. Os instrutores todos usavam
uma boina preta, na época, privilégio dos oficiais e sargentos com curso de Comando
(infelizmente banalizaram a cor da boina). Pois bem, era comum ver alguém se jogar no
chão por ter visto uma boina preta em algum relance de vista. Os postes de cerca eram os
maiores vilões. É que, alguma vez, eles se queimaram, por fogo no pasto talvez, e assim, a
parte superior ficava preta. No relance de vista era o suficiente para apavorar a todos crendo
que o companheiro tivesse tido uma visão real – a boina de um instrutor. E assim se viu luz
de carro, fusca pendurado em árvores, castelo iluminado... era uma alucinação completa.
Foram essas instruções especiais que, a mim, trouxe a noção exata do que deve
acontecer num combate. E assim me fez valorizar alguns conceitos antes pouco relevantes
como a extrema lealdade ao comandante; a extrema confiança no companheiro do lado
direito e no do da esquerda; a inspiração de confiança que eu deveria passar a esses
companheiros da esquerda e da direita; a elevada confiança no armamento; o extremo
cuidado com nosso corpo para não se quebrar, não se ferir; a busca da sobrevivência a todo
custo; o desapego a conforto, a tipos de alimento. Foi onde pude avaliar o valor de um copo
d’água, de uma jacuba, o gosto inigualável dos moranguinhos silvestres, do grão de milho
seco; o cheiro das relvas na madrugada e o insuportável mau cheiro de um corpo humano
sem banho, por uma semana. Aprendi que para tudo tem que ter elevado treinamento. Não
se faz um maratonista por concurso, se faz com treinamento e aptidão. Acho que assim
devem ser os combatentes. Principalmente os combatentes, onde as vitórias e as derrotas
custam vidas.
Faltou ensinar fazer mochilas... usávamos muito os bornais. Fui aprender a fazer uma
mochila como Coronel pós-comando. Passei uma noite todas para montar uma mochila para
três dias. Ainda voltarei tocar nisso mais tarde. A minha autoconfiança me foi construída nas
Instruções Especiais.

Assalto ao Banco do Brasil

Até o segundo ano, o pagamento de salário era feito por envelope. Depois, a
administração pública, ao se modernizar, começou a exigir que os pagamentos fossem feitos
via bancos oficiais. Inicialmente o banco destacava um ou dois “caixas” para efetuarem os
pagamentos de Cadetes, na Academia. Mas, no terceiro ano, resolveram criar um posto
dentro da Academia, próximo do “Hall” térreo, do elevador. Lá pelo início do mês de abril,
quando o trote corria solto, teve um trote engraçado. O trote ia forte até o inicio das primeiras
provas. O mais engraçado não foi pelo trote em si, mas pela conjuntura que se vivia. Isso
era 1970, período que o terrorismo político campeava solto. Para terem dinheiro, os
terroristas se aliavam aos assaltantes de banco e todos os dias havia dois ou três assaltos
nas capitais dos estados mais importantes. Vários Cadetes voltavam da rua, num final de
semana, isso já duas ou três da madrugada. Pois bem, havia um veterano da infantaria que
arrebanhou uns trinta “bichos” e fez um “assalto ao Banco do Brasil”, no posto ainda por
inaugurar. Até hoije acho que houve um ensaio antes porque foi sensacional. Havia todas as
equipes certas: equipe de segurança e cobertura de fuga, equipe de assalto, equipe de
matar, equipe de ação no objetivo, equipe de apoio de fogo. Mas nas equipes, os elementos
tinham que fazer o barulho de suas armas com a boca. Os coitados que eram atiradores de
metralhadora quase morrem de imitar as rajadas. Mas foi tão engraçado que os próprios
“bichos” rolavam de rir. Foi uma apresentação teatral de graça e inusitada e de grande
qualidade.

Bonfim

Bonfim era um dos peões e um dos “pouco alfabetizados” ou, sem alfabetização
nenhuma. Lavando banedeijão, à tarde, sempre tinha uma meia dúzia de atrasados que me
atrasavam para ir ao colégio. Pela regra, eu não podia deixar as bandejas sem lavar, pois
como era precário o local de lavá-las, os cachorros bagunçavam com o material. Num dia,
tinha uma prova de física e estava tudo atrasado. Desesperado, sentei e coloquei as duas
mãos na cabeça. Já tinha jogado a toalha e me conformado com a falta à prova. O professor
era militar (um tenente da então 4ª Companhia Média de Manutenção) e diria a ele o que
aconteceu ou inventaria que fui puxado por uma escala de serviço. Várias vezes ele me
mandou lavar o rosto porque eu não resistia ao sono, na sala de aula. Era uma das pessoas
que passei a admirar também. Eu tirava sempre boas notas. Ele me tratava como
companheiro, pois sendo segundo tenente, não era muito mais velho que eu. Depois passou
lecionar Desenho Descritivo matéria que também me agigantei. Já eu Aspirante, ainda eu o
vi em Campo Grande. Depois, nunca mais. Gostaria de ter tropeçado com ele. Mas, no
momento estava desesperado, tenso, nervoso, pronto para brigar. Senti alguém bater em
minha costa. Era o Bonfim. Chegou e disse: – “Higino, deixa que lavo tudo isso. Eu escutei
você falar que vai perder uma prova. Eu não tive oportunidade de aprender a ler, não é justo
que eu deixe você faltar por causa de bandeja suja. Vá tranqüilo”. Agradeci e disparei. Não
havia tempo para demonstrar as emoções que o gesto me despertou. No outro dia agradeci
quase de joelho, o que eu faria hoje, quando melhor avalio o enorme gesto de
camaradagem. Aprendi que a nobreza nasce com o homem não escolhendo se bronco, se
letrado. Aos espíritas, é a comprovação de reencarnação: um espírito nobre numa matéria
bronca. Algumas vezes ele, Bonfim, me repetiu esse grande favor. Também, eu só pedia em
caso de extrema necessidade. Retribui tirando serviço de guarda em um final de semana pra
ele ir visitar familiares.
O mundo gira rápido. No final do ano, não fui para São Paulo, promessa do parente,
mas para Academia Militar das Agulhas Negras.
Já sendo coronel, pós-comando, servindo em Manaus, a minha seção era
responsável pelos inúmeros convênios do Comando Militar da Amazônia. Um deles, com a
Secretaria de Educação do Estado do Amazonas e, por isso, tinha comigo uma professora,
daquela secretaria, para acertar os papéis que vinham dos pelotões de fronteira. Numa
manhã, de despacho demorado com o General, voltei à seção, já era passado das onze
horas, quando a professora disse: – “tem um senhor que quer lhe falar. Está aí desde as oito
da manhã”. Em seguida apareceu o senhor. Pedi que entrasse e se sentasse. Ele olhou bem
nos meus olhos e perguntou:
– “Tá lembrado de mim?”
Olhei firme, me pareceu familiar; o cérebro girava à velocidade da luz para identificar
a pessoa e não conseguia. O disco rígido quase derrete procurando os arquivos.
– “Seu rosto me é familiar, mas não me lembro”, respondi;
– “Fomos soldados juntos, sou o Bonfim”.
Levantei, dei a volta na mesa e ele, ainda uma síntese de humilde, ficou até meio
assustado, cumprimentei-o com um longo abraço. Se alguém me botou uma escada, o
Bonfim a segurou para eu subir o primeiro degrau. Talvez o dez que tirei na prova de física
tivesse sido o divisor de águas da minha vida. Talvez ele mesmo não tivesse consciência
disso. Parei minha seção que tinha quatro soldados, dois deles recruta, o major, a
professora e os dois sargentos e contei essa passagem e a importância daquele gesto.
Encerrei dizendo a todos: – “o hoje coronel Higino chegou até aqui porque teve um
empurrãozinho do Bonfim”. Foi a vez dele se emocionar. Já tínhamos mais de cinquenta
anos e nessa idade o coração fica mole, cozido na panela da vida.
Perguntei sobre sua vida e ele, querendo manter a modéstia dele e maximizar a
minha, ele atalhou: - “sei todos os quartéis que o senhor serviu. Acompanhei sua carreira
até o último dia em que estive na ativa, sempre pelo Noticiário do Exército. Vou trazer meu
filho para lhe conhecer. Sempre disse a ele que tinha um amigo coronel e ele não acredita” .
Pedi que trouxesse e um dia ele o trouxe. Pedi que dispensasse o senhor: ali estava o
Bonfim e o Higino.
A sua trajetória me foi contada em seguida. – “Você várias vezes me falou da
necessidade de estudar; chegou até ser impertinente com isso”. Em resumo sua narrativa foi
assim: depois que eu fui para a Academia, ele foi transferido para o quartel da Polícia do
Exército onde ficou engajado, como soldado. Fez o curso do Mobral. Depois, apareceu a
oportunidade de fazer um curso de cabo. Saiu cabo e foi transferido para Coxim, onde tinha
vaga. Esteve lá o que foi permitido, pelos regulamentos. Perto de completar dez anos, optou
por ser transferido para a Amazônia, e assim, ultrapassar os dez anos e adquirir a
estabilidade. Foi classificado no pelotão de fronteira de Cucuí, no rio Negro, na divisa com a
Venezuela (subordinado antes à 5ª Companhia de Fronteira, hoje 5° BIS - S. Gabriel da
Cachoeira). E lá completou o seu tempo de serviço militar com os benefícios que a
legislação permite. Casou com uma professora do pelotão e tinha filhos. Morava em Manaus
onde tinha casa própria. Para passar o tempo, trabalha no SENAC ou SESC, não me
lembro. Disse, ainda, vir sempre a Mato Grosso do Sul visitar seus parentes e rever os
amigos. Depois de sua narrativa, fiquei feliz por, naquele momento, saber que também
contribuí para o sucesso de alguém. Em 2004 a carcaça do Bonfim não agüentou. Soube
por amigos comuns que ele faleceu em Manaus. Aqui ficam, então, minhas homenagens e
meu agradecimento. O Bonfim foi um nobre.

Casa de Hóspede

Nos Batalhões de engenharia de Construção, e em alguns de Combate, por influencia


daqueles, sempre tem uma casa de hóspede. Isso se deu para que os oficiais em inspeção
e visitas tenham um lugar seguro e com relativo conforto para se hospedar. Em muitos
lugares e ou cidades, as instalações de hospedagem eram, e são extremamente precárias e,
às vezes, muito distante das unidades inspecionadas. Por ser sempre pioneiro nas regiões,
cabe aos batalhões de construção criar as infra-estruturas de apoio para seu pessoal –
oficiais e sargentos - e em algumas unidades para cabos e soldados. Atende também
oficiais e ou sargentos quando ainda em trânsito, ou chegando à unidade ou saindo. Tais
instalações são normais até o nível companhia. As que encontrei, no 5º BEC, eram todas de
madeiras pré-fabricadas e com projetos dos antigos batalhões rodoviários, pois os mesmos
projetos são encontrados no Batalhão Ferroviário de Lages. Tais instalações eram
subordinadas ao SAS. Nas situações de inspeção, os inspecionadores não pagavam a
hospedagem e alimentação. Nos casos de viagem a lazer ou em trânsito, eram pagos tais
hospedagens. Se fossem elementos do batalhão, tal hospedagem era descontada no final
do mês com demais descontos em favor do SAS. Nunca soube se tais instalações sempre
foram tradicionais no Exército ou se em algum tempo isso foi copiado dos batalhões de
engenharia. O certo é que hoje o Exército mantém estruturas de hospedagens com o nome
de Hotéis de Trânsito, para oficiais e sargentos, mas com hospedagem pagas. Em sede de
região militar sempre tem um hotel de trânsito ou em sedes de grande comando ou em
cidades mais isoladas, mantidas por batalhões. Nos BEC, com a falência e extinção dos
SAS, as Casas de Hóspedes passaram a se chamar de Hotéis de Trânsito também e todos
que lá se hospedam pagam a diária de hospedagem cujo recurso vai para o fundo do
Exército, hoje o gestor financeiro dos HOTEIS DE TRÂNSITO.
Nos BEC, por serem uma atividade de assistência social, e na época o SAS ter
robusto recurso, como já foi dito, havia sempre um par de chinelo havaiana, um jogo de
toalha de banho e de rosto, escova e pasta de dente, sabonetes e um frigobar com alguns
refrigerantes e ou cervejas. Para quem chegasse de longa viagem, e havia esquecido algum
desses materiais, era um achado. As bebidas ser uma benção dos deuses das estradas.
Bom as casas de hóspedes eram um bom indício (indício de manutenção) de como andava
a unidade: os cuidados com os detalhes das casas identificavam rapidamente os cuidados
dos oficiais e do comando com detalhes tipo: torneiras vazando, chuveiro queimado, ar
condicionado fazendo barulho, frigobar sujo, teia de aranha no forro e outros detalhes mais.
A melhor coisa que se tem a fazer é mandar alguém limpar e depois pedir para que uma
mulher inspecione: ela irá ao detalhe da limpeza que ela gostaria de ver se usuária fosse.
Assim, ao longo de todo o trabalho, quando se topar com o termo Casa de Hóspede trata-se
então de um meio de hospedagem muito bem cuidado num BEC.

Cigarro

Eu fumava muito, para os padrões de hoje, mas normal para os padrões da época:
uma carteira por dia. Fui fumante desregrado e mal-educado, pois fumava em qualquer
lugar. Só não me lembro de ter fumado em igreja.
Bom, se eu estivesse no acampamento facilmente me sujava de graxa e óleo. Se
estivesse no trecho me sujava de poeira e barro. Assim, para pegar o cigarro da carteira era
uma “briga” para não sujar o filtro, parte que ia à boca. Aprendi com os peões a retirar todo o
cigarro da carteira, mas mantendo-o dentro do protetor interno (papel aluminizado) e virar
todos os cigarros. Assim ao pegá-lo se faria pela ponta onde seria dado o início da queima.
E o filtro viria direto para a boca sem se sujar.
Mas, em alguns lugares onde tinha muito mosquito, qualquer mosquito que fosse, o
cigarro era um aliado. É que, ao entrar sob o mosquiteiro, sempre algum mosquito
acompanhava. Se fosse o pium então nem adiantava o mosqueteiro. Como já dito, ele
aterrissa, passa pelo buraco do filó e pica o freguês que está embaixo do mosquiteiro. E
assim, depois de entrar, se acendia um cigarro e se soltava muita fumaça. Daí era só
levantar uma parte do mosquiteiro e os mosquitos saiam em desatino. Em lugar de muito
mosquito reforçado pelas abelhas, em particular as “catepila”, a maneira de suportar era
retirar a camiseta branca, colocá-la na cabeça e fazer os buracos dos olhos com o cigarro
aceso. Bom, além de ajudar a furar a camiseta e a espantar mosquitos, o cigarro cumpria a
finalidade de acalmar os inquietos, visto ser obrigado a parar ou diminuir sua atividade para
fumar.

Colônias de Imigrantes

À essas colonizações, até certo ponto, tenho enormes restrições. Foram muito ruins
para o Brasil, uma vez que, por afinidades, criavam núcleos isolados, formando quistos
impenetráveis a outras comunidades de origem diferentes. Os significados, as entonações
de palavras variavam de local para local, segundo a comunidade e seus isolamentos. E, há
uma falsa postura dos descendentes dessas colonizações. Os tais cultos às tradições, os
grupos folclóricos, o manter vivo as heranças culturais são formas veladas de cruéis
PRECONCEITOS com quem os recebeu como irmãos e cederam suas terras, para matar-
lhes a fome, reconhecidos seus enormes esforços físicos e emocionais. Quando tais
imigrantes aqui chegaram, o Brasil era formado de gente embrutecida, quase selvagem ou
selvagem, sertaneja. E eles se consideravam, e se consideram, de outra cultura mais
civilizada, mais desenvolvida, mais técnica, mais pura. As tais manifestações tradicionais,
junto com as recordações da terra longe deixada, é também uma forma de sempre mostrar
“a esse povo atrasado, que somos e que fomos capazes de fazer isso e eles não sabem,
não têm nada parecido e é incapaz de isso aprender”. Como são poucos brasileiros que tem
a coragem de revelar isso embora sinta, sofra, mas cala e aplaude. Ficamos, nessa postura
de falsa timidez, achando que ofenderemos aos que nos trouxeram novas artes, assim como
os escravos não dizia nada que pudesse ofender ao senhor da fazenda. Achamos que eles
nos fizeram favores. E não nos fizeram nenhum favor: matamos-lhes a fome. A saudade da
fome, das doenças, das guerras fratricidas, deixadas para trás (que também tem cultura
milenar), eles não cultuam. Infelizmente, os brasileiros “descendentes” também assimilam a
prática do culto folclórico, estes, talvez como forma de diversão e com ingenuidade. Os seus
“antecedentes” o fazem por retaliação cultural. Mas, os descendentes sempre como Pedro.
Pedro, o apóstolo que, frente ao Cristo, jurava fidelidade e, junto aos romanos, dizia não
conhecer seu líder. Assim são esses descendentes: junto aos seus familiares são
estrangeiros e renegam os incivilizados, mas frente à indiada dizem ser brasileiros.

Comissão Regional de Obras e a Comissão de Estrada de Rodagem

As comissões regionais de obras foram criadas há vários anos. A intenção da sua


criação se perde no tempo.
Junto com elas, foram criadas também as CER – Comissões de Estradas de
Rodagem. Tanto uma como a outra eram organizações militares, mobiliada por oficiais de
engenharia, com uma estrutura de chefia e escritório técnico capaz de terceirizar serviços e
fiscalizar a execução. Na Seção Técnica ou Escritório Técnico era onde se aninhavam os
oficiais de engenharia com curso do IME. Essas organizações eram meramente
administrativas, portanto, sem compor a estrutura militar de guerra, e por isso compunham
as Regiões Militares. Quando se criou o DEC as CER ficaram vinculadas, tecnicamente, a
ele, pela DOC. As CRO vinculadas, tecnicamente, pela DOM. Seus oficiais, enfatizando,
eram todos “oficiais de engenharia” com curso do IME, exceto algumas funções
burocráticas. As CER foram extintas. Deduzo que em fução da criação dos dito Batalhão de
Engenharia de Construção. A última, foi  a CER/3, de Jardim, MS, com seu acervo
incorporado ao 9º BEC e seus equipamentos repartido entre este e o 5º BEC. Não tenho a
cronologia. Mas em 1975, eu 1º Tenente, recebi na companhia de Equipamento do 5° partes
dos equipamentos da CER/3 com muitas máquinas obsoletas o que deu um trabalho danado
para sua alienação. Acervo do então DNER.
Como dito, tais organizações tinham estrutura de chefia. Isto é: uma “cabeça” de
comando de batalhão com um chefe, em geral coronel/tenente-coronel, oficial de engenharia
com curso do IME, repetindo, (não se tinha o QEM) e toda a estrutura de Estado Maior de
Unidade. Em particular, as CRO e as CER eram muito fortes em Funcionários Civis. Esses
eram em muito maior número que os militares. Então, toda a burocracia com pessoal,
controle financeiro, aquisições, contratações, alguns operadores, mestre de campo,
mecânicos, eram feitos por funcionários civis. Com isso a Organização Militar mantinha um
arquivo vivo e experiente. Portanto, os oficiais técnicos se preocupavam com a técnica. A
burocrática era com sargentos e funcionários civis. Com as constantes mudanças no quadro
de funcionários, as CRO passaram a ficar “desmobiliadas” de funcionários e sem militares
suficientes que substituíssem aqueles porque nunca ajustaram o QO de militares. Hoje,
todos, sobrecarregados. Mas cabe ressaltar que nunca teve tropas para execução. Exceção
de algumas CER em raras oportunidades, executarem serviço por administração direta.
As obras das CRO eram totalmente voltadas para os aquartelamentos. Então, era
uma organização militar, com alguns oficiais com curso do IME que executava trabalhos
essencialmente civis: construção civil em ambiente militar. Foi assim e é até hoje, mesmo
com a criação do QEM. As chefias dessas organizações são de oficiais, do Quadro de
Engenheiros Militares, tanto oriundos da AMAN quanto os formados pelo IME.

Considerações de ordem “histórico-tático”

Quando saí aspirante a oficial, o Exército estava sendo reestruturado. Antes, havia as
divisões que recebiam diferentes adjetivações: de infantaria, cavalaria, blindada... Esta
estrutura era modelo secular no mundo e que os norte-americanos, na Segunda Grande
Guerra, começaram a mudar. Na verdade esta estrutura respondia as necessidades da
época. As divisões divididas em Brigadas; as brigadas em regimentos; os regimentos em
batalhões e os batalhões em companhia e estas pelotões, como são agora. Nessa
reestruturação foi eliminada a figura do Regimento. Apena a cavalaria, por saudosismo, com
eufemismo de tradição, manteve o nome de regimento, mas, na verdade, a estrutura é de
qualquer batalhão. O regimento, comandado por um coronel que os intelectuais
anglicanizam para “coronel full”, compunha-se de três batalhões, estes comandados por
tenente-coronéis. A estrutura da hierarquia atendia a estrutura da força da época: General
de Exército, para comandar Exército, que a força terrestre tinha quatro e que hoje
correspondem aos Comandos Militares: Sul, Sudeste, Leste, Nordeste; General de Divisão
comandava divisão (adjetivadas); General de Brigada, Brigada da arma base; e agora sim -
Coronel comandava Regimento, Tenente-coronel comandava Batalhão, Capitão, companhia
e tenente, pelotão.
Assim, a engenharia era estruturada para dar apoio à divisão: um batalhão de
engenharia, com três Companhias de Engenharia, apoiava a divisão; as companhias
apoiavam as Brigadas e os pelotões de Engenharia aos Batalhões e não ao regimento.
Com a eliminação do regimento a estrutura ficou Divisão - Brigada – batalhão e assim
fechando com a estrutura de apoio da engenharia. Todas essas mudanças se deram devido
ao aumento da velocidade das armas. Foram transformadas em Brigadas, várias Divisões
que eram estruturas pesadas, complexas. As Brigadas passaram a ser a menor estrutura,
como sistema de armas, isto é, continha os elementos necessários, de combate, para ter a
flexibilidade de atuar isolada.
Antes, infantaria era a pé; cavalaria, hipomóvel; artilharia, a cavalo. A mais sofisticada
era a engenharia por ser motorizada. Tudo aumentou velocidade e, assim, a mobilidade. A
engenharia foi alcançada e ultrapassada pelas outras armas e até hoje não conseguiu se
livrar das viaturas, para ter a mobilidade da infantaria e cavalaria. Apenas, dialeticamente,
criam-se nomes porque sabem que logo terá outro luminar para recolocar outro nome. Isto é,
não há interesse em resolver o problema, mas sim rebatizá-lo para mimetizá-lo, até que
esteja outro mais moderno, na função, e sofra com o problema mais algum tempo e assim a
força se incapacita cada vez mais. Assisti a: engenharia blindada, engenharia mecanizada,
engenharia de selva, engenharia aeromóvel e, ate pára-quedista. Mas nunca se parou para
estudar um veículo próprio para a engenharia de modo a substituir as viaturas sobre rodas
dos pelotões e companhias de apoio direto.
Quando cheguei a Alegrete, a 2ª Divisão de Cavalaria, de Uruguaiana, havia se
transformada em 2 ª Brigada de Cavalaria Mecanizada. Antes o Batalhão apoiava a Divisão;
quando cheguei o batalhão apoiava a Brigada; mais tarde, passou a apoiar a 3ª Divisão de
Exército (3ª DE) nova figura depois das extinções das divisões adjetivadas. Sem as
adjetivações, enquadrava qualquer tipo de Brigada, função da missão recebida.

Considerações sobre o solo do Acre

Como já dito, na Amazônia, no geral, são seis meses de chuva e seis meses de seca.
Mas na seca também chove. E na época de chuva tem dias de estiagem. Os maldosos
dizem que na seca chove todos os dias e no período de chuva chove o dia todo. Assim,
depois do período de chuva, se tem um longo período de solo saturado de água mesmo
depois de iniciado o período de seca.
Sem entrar em conhecimentos de classificação de solos para as diferentes atividades
humanas, todo o Acre é formado por Tabatinga, uma argila esbranquiçada, incluída entre os
solos podzólicos (latossolos). Tabatinga é um nome indígena, como já foi visto, mas que
será repetido: tawa'tinga – tawa = argila; tinga = branco; barro branco, esbranquiçado. O
terreno é sedimentar e foi fundo de mar. De modo geral, os movimentos tectônicos
permitiram a formação dos Ande e, junto, a planície do Amazonas. Em vários cortes, na
estrada, era comum se ver variados horizontes de argila, com variadas cores. Também
havia horizontes com areias de alguns metros. Nessas areias era comum se ver restos de
conchas marinhas. Num desses cortes foi encontrado fóssil de algum animal muito grande.
Esse material ficou por muito tempo na sede do batalhão e depois foi parar nas
universidades de Rondônia e do Acre, coisa que não existia na minha época. Essa argila
tinha uma característica engraçada: quando úmida era quase uma borracha; quando seca
parecia pedra. Era comum, no período de seca, nas motoniveladoras, fazendo raspagem em
aterros prontos, a lâmina atingir o rubro de quente. Na classificação de solo, por
peneiramento, se encontra, grosso modo, o pedregulho, a areia grossa, a areia fina, o silte e
a argila. A argila, na classificação granulométrica, está na mesma granulometria do talco
usado para toalete. Seus grãos passam pela peneira 200 (peneira em que existem duzentos
fios por polegadas quadradas) e tem em média 0,001mm de diâmetro. Uma das grandes
características da argila é a impermeabilização depois de úmida. Mas a do Acre é rica em
caulim (o termo caulim ou “china clay” deriva da palavra chinesa Kauling (colina alta). Em
compensação, tem enorme expansão, quando adquire umidade e enorme retração, quando
perde umidade. Há uma quantidade de umidade que torna a tabatinga como chiclete. Ela
gruda muito e é difícil de ser retirada. Quando se estava no trecho e chovia, o melhor era
encostar a viatura e esperar pelo menos duas horas, se fosse tempo de seca e nem sair do
lugar se fosse tempo de chuva com o solo saturado.
Estava no acampamento do bueiro quando choveu. Eu tentei vir para a cidade. À
medida que ia rodando, ia juntando barro na roda do jipe. Depois foi enchendo o paralama
de barro preguento. Não chegamos a um quilômetro para o jipe, já tracionado 4x4 e em
marcha reduzida, não rodar mais e a embreagem esfumaçar. Tentei retirar o barro com a
mão, mas não conseguia porque ele ficara como que homogeneizado como uma massa de
pão e não se podia arrancar porque escorria por entre os dedos. Puxei minha acompanhante
de sempre, minha faca, e comecei a cortar o barro como se fosse pão na padaria. Logo fui
alcançado por um pessoal da equipe de terraplenagem que abandonou o caminhão e seguia
à pé. Por solidariedade e também na esperança de que tudo desse certo para eles pegarem
uma carona e economizar cindo quilômetros de caminhada, me ajudaram a limpar o
paralama. Depois de árduo trabalho de mais de hora, o jipe rodou mais cinqüenta metro e
novamente estava tudo entupido. Resolvi deixar o jipe e tocar à pé com o pessoal. Pelo
menos chegaria ao acampamento da terraplenagem. Se lá tivesse chovido menos, poderia ir
com o outro jipe ou caminhão. É que as chuvas eram por trecho. Em dez quilômetros se
pegava três chuvas com intensidades diferentes. Comecei a caminhar e notei que o coturno
ia crescendo e eu aumentando de altura. Depois o barro começou a crescer pelo lado e
mais adiante ele quase que revestia o couro da parte de cima do coturno. Ia quase se
tornando um galocha de barro. Aí um operador me disse que o melhor seria tirar o coturno e
andar descalço. Notei que todos estavam descalço menos eu. Notei também que eu crescia
e que a argila tentava encobrir meu pé. O macete era dar um coice para trás e assim aliviar
o pé do excesso de barro e continuar a caminhada. Engraçado que de tempo em tempo
alguém dava uma paradinha e três coices para trás. Parecia apresentação de balé. Isso me
fez rir bastante. Mas o pior estava por vir. Como à frente acabara de dar uma garoa, a
ladeira estava escorregadia. Mas escorregadia como se estivesse passado sabão. Era como
nessas brincadeiras de parques de diversão onde se ensaboa uma pista de plástico para se
tentar jogar futebol. E aí aprendi mais uma coisa, que era prática dos seringueiros: para
subir as ladeiras teria que pisar, mas abrir o dedão do pé e cravá-lo no chão de modo que tal
dedo servisse de âncora e assim se mudaria o outro passo com o dedão cravando o barro.
Assim se chegava ao todo. PA descer uma ladeira era cravando o calcanhar no barro. É que
sendo a argila impermeável, cinco centímetros abaixo estava menos molhada e, portanto
mais firme, com melhor capacidade de suporte. Tentei prover o jipe de enxadão com cabo
curto, o que foi usado uma vez só. A parte metálica entrava tanto no barro que ao fazer a
alavanca com o cabo de madeira, ele acabava por se quebrar. As tentativas me fizeram
desistir do enxadão e aprendi que, se chover, o macete era tirar o coturno, emendar os
cadarços e pendurá-lo no pescoço e ir caminhando atolando o dedão nas subidas e o
calcanhar nas descidas.
Coisa interessante como novidade, que se contada, desavisadamente, parecerá
estória de pescador. Numa tarde, perto das quatro horas, caiu uma chuva da marca
registrada local. O Chefe de Campo chamou um operador e mandou que limpasse o máximo
da crista de um corte, que molhara muito e não permitia trabalhar, para abrir pista de
trabalho (abrir boca, na linguagem da peãozada). Tinha parado de chover e assim raspando
cerca de cinco a dez centímetros já se podia trabalhar à noite. Qual não foi minha surpresa
quando o D/8 começou a subir e, no meio do morrote, começou a escorregar para baixo,
mas as esteiras rodando para levá-lo para cima. A gravidade era maior que a força de atrito.
As sapatas ficaram tão saturada de barro que ficaram lisas. Depois de tentativas em
diferentes direções, foram suspensos os trabalhos mesmo o noturno. Iríamos apenas forçar
as máquinas com uma produção baixa. Pena que não se tinham, como hoje se tem, as
máquinas fotográficas digitais para fotografar ou filmar isso.
Também interessante como novidade e inusitado era o que acontecia nos corte. Os
morrotes eram cortados pelas escreiperes e colocados o material nos aterros. Bom, como
não se tinha laboratório de solo, então não havia sondagem do material entre o terreno
natural até a “linha de greide” (grade em inglês). Ia-se às cegas encontrando os diversos
materiais nas diferentes alturas do corte. Assim, às vezes se trabalhava em um perfil de
tabatinga e logo abaixo havia um horizonte de arreia. Só se ficava sabendo por que, quando
a tabatinga estava em torno de um metro, apenas, de espessura ela se quebrava e o trator
afundava na areia. A areia e água ficavam confinados na tabatinga. Assim a areia, dentro de
uma piscina, virava uma “areia movediça” como era tratada pelos peões de trecho. Era tão
fundo e mole que ás vezes mal dava para o operador abandonar a máquina. Vi trator D/8
ficar apenas com a chaminé de fora. Bom, o problema era retirar o trator. Em geral ele fica
numa posição que impedia a entrada de outro que também afundaria. Assim se esperava
umas duas semanas para que a água evaporasse e com outro trator escavar em volta e
arrastar com cabo de aço a máquina atolada. O tal engenheiro da assessoria deu uma idéia
que foi a salvação nossa quando num dia afundaram dois tratores. Ora, se a areia e água
estavam confinadas, então era raspar com trator de esteira numa das saídas do corte e
assim fazer vazar a água confinada. Em dois dias o corte ficou seco e retiramos as
máquinas sem maiores esforço O problema maior era lavar, lubrificar e recompor a máquina
depois de uma afundada dessas.
Uma coisa até teatral era quando o corte atingia a parte mais cinzenta da tabatinga. A
lâmina da caçamba da escrêiper tem uma saliência de uns dez centímetros. E essa saliência
mede mais ou menos um metro e meio de comprimento. Os operadores cortavam na
profundidade de vinte centímetros. A argila era tão compacta e liguenta que ela não se
acomodava na caçamba. Subia um filete de barro, como se fosse uma barra de sabão
comprida na largura da lâmina e na profundidade cortada, mas muito comprida. Ela entrava
pela caçamba, subia por sobre o avental e se quebrava atrás do avental. Aí, quando se
tentava descarregar a caçamba, o pedaço que caia por trás, atrapalhava tudo. Para retirar
tais pedaços só se cortado com machado. Isto mesmo, de machado.
Mas, por absoluta falta de técnica e de estrutura de laboratório, a sede do batalhão,
orientada pela Seção Técnica, oferecia gratificações a quem informasse sobre jazidas de
cascalhos. O que faz a ignorância ou desinteresse.
Quando no comando do 7º BEC, após a mudança para Rio Branco, pude notar um
fenômeno que merece ser estudado por alguém. Tendo Rio Branco como referencia, se
seguir em direção a Porto Velho, até trinta quilômetros, se encontra boas jazidas de
cascalho, de laterita, particularmente. É mais ou menos onde a BR 364 conta a BR 317.
Mas, à medida que se caminha para Rio Branco, essas ocorrências de lateritas
desaparecem rapidamente. Na verdade elas começam a ter granulometria menores e
quantidades pequenas. Bom, ao ultrapassar o Rio Acre, e seguindo ainda pela BR 364, em
direção à Sena Madureira, continuam tais ocorrências de pouca quantidade e baixa
granulometria. Ao se chegar, hoje município do Bujari, pouco além do atual aeroporto de Rio
Branco, tais ocorrências desaparecem por completo. Vai até Cruzeiro do Sul. Não há nem
areia grossa. E areia, quando aparece, só no fundo dos rios, com muita argila ou em alguns
cortes com horizontes não muito maiores que um metro. Dificilmente com dois metros de
altura. Ora em menos de cinqüenta quilômetros há uma brutal mudança no tipo de solo. Sem
dados técnicos, apenas na observação, acho que há um fenômeno qualquer para que
justifique tais mudanças: ou há falha geológica em que o rio Acre corre por ela ou próximo
de Rio Branco era, quando tudo fora fundo de mar, o limite entre a parte de água e a parte
de continente. Em outras palavras, por ali existia a transição entre mar e terra, com algumas
possibilidades de praia.
Em Rio Branco foi contratada uma empresa para fazer sondagem para abertura de
um poço artesiano. Em três locais tentados, não se conseguiu nada, até à profundidade de
120 metros de profundidade. Em um local, aos 11 metros, houve uma ocorrência de areia
grossa de meio metro. O restante, incluídos os dos outros locais, foi puramente argila. Foi
uma surpresa geral, tanto para nós militares como para os técnicos da empresa assistir a
cento e vinte metros de pura argila.
Eis, portanto algumas observações do solo que trabalhávamos no Acre. Nos locais
difíceis e momentos difíceis sempre aparece um espirituoso. Um peão, depois de aprender
alguma coisa de laboratório de solo, deu a seguinte sugestão: – “ora, se tudo é argila, então
é só fazer um aterro bem feito, cortar lenha na mata e fazer uma enorme fogueira por sobre
o aterro e assim o aterro viraria um tijolão. Bastaria asfaltar por sobre o tijolão”. Bom, teve
sorte por não ter pedras no local, por isso não foi apedrejado, mas foi “atorroado” com
torrões de argila seca.

Corrida Fardado

No terceiro e quarto ano havia fazia parte das provas de Educação Física uma corrida
com farda, isto é, calça e coturno e com ou sem camiseta. No terceiro ano era de quatro mil
metros e no quarto ano de cinco mil metros. Era muito desgastante. Bom, eu era privilegiado
e estava entre os dez ou quinze melhores em condicionamento físico. Em duas
oportunidades aconteceram algo inusitado. Como soldado, treinei para a aaté hoje existente
Corrida do Facho em Campo Grande e com isso fiquei com o passo aferido, isto é, eu corria
mil metros em três minutos. Assim, eu administrava a dosagem de esforço. Em caso de
competição, o que nunca mais quis, treinava para baixar esse tempo. No caso de corrida
fardado eu tentava perseguia esse tempo. Mas o meu tempo real era três minutos e e vinte
segundos. Se apertassem um pouco mais me destacava entres os companheiros.
No terceiro ano, quando faltavam uns seiscentos metros para chegar, fui passando
vários Cadetes porque, por não saberem dosar o esforço, nesse final já estavam quase
morrendo. Ultrapassei um jovem infante, caracterizado pela sua enorme capacidade de
resistência à fadiga. Quando lhe ultrapassava ele me disse, muito ofegante que iria me
acompanhar. Como eu estava dominando o fôlego e administrando a corrida, lhe disse que
eu não o esperaria, pois queria tirar nota máxima e também chegar entre os dez primeiros.
Disse ainda que se ele mantivesse aquela passada chegaria para a nota dez. Ele disse que
eu continuasse na minha corrida. Apenas ele iria tentar me acompanhar. Bom, como esse
diálogo me atrasou um pouco, resolvi aumentar a passada. Qual não foi minha surpresa
quando vi o infante me acompanhar lado a lado. Aumentei mais e ele resistiu. Assim fomos
até a linha de chegada. Quando paramos, ele perdeu o domínio da respiração. Falta ar e ele
começou a urrar buscando ar. Foi perdendo cor, mas como era valente, levantava e caia
quase a ponto de explodir na busca de ar. Tinha uma ambulância com oxigênio e os
sargentos da Seção de Educação Física o levaram para se oxigenar. De momento fiquei
com remorso de judiar do amigo. Mas também admirei a capacidade de sofrimento do
amigo. Foi de uma valentia enorme. Foi o mesmo que, no primeiro ano, me disse que, se
houvesse uma guerra, ele gostaria de estar comigo em combate. Pena que, decepcionado,
deixou o combate para ser um engenheiro a mais no país depois de pedir demissão do
Exército.
Outra situação foi no quarto ano. Vários cadetes de engenharia resolveram me
acompanhar. Eu disse que correria com eles, numa passada tal que, depois da metade da
corrida, se mantida, todos chegaria para o dez. Eu, depois da metade, faria a minha corrida.
Pedi que dosassem o esforço mesmo que se sentissem bem nos primeiros quilômetros. A
corrida era de cinco quilômetros então teria que ser dosada adequadamente. Entre os
cadetes de Engenharia, estava um que tinha se acidentado na manobra no ano anterior.
Quebrou um osso do tornozelo e passou o resto do ano num perrengue danado. Quando o
freguês está inteiro, tem muita gente para aplaudir. Mas, se se machuca, o freguês fica
“solito” e ninguém o socorre. O tal amigo gastou muito dinheiro, com médico particular, para
concertas seu tornozelo. Quando tínhamos corrido os dois primeiros quilômetros ele me
disse que queria abrir a corrida, pois estava se sentindo muito bem. Disse que isso era com
ele. Bom, fiquei preocupado e logo disse aos demais que mantivesse a passada, pois iria ver
como estava e onde estava o amigo, até então ex-traumatizado. Fui uns trezentos metros e
não o encontrei. Voltei e acompanhei os demais. Quando passamos pelos três mil metros,
resolvi abrir e deixar o grupo que se mantivesse a passada tiraria o dez almejado. Bom, com
a ida e volta, e depois a forçada, para recuperar o tempo perdido, fiz um esforço enorme e
devo ter chegado entre os quinze primeiros. Mas cheguei muito desgastado. Quando me
recuperava e aguardava os demais do grupo, encontro o ex-traumatizado, recuperado e
sorridente. Quis dar-lhe uma bronca: – onde você se meteu? Vim tentar encontrar você e
com isso me atrasei. E ele bem tranqüilo me disse: – ah, me senti bem e abri. Cheguei aqui
em quarto. Que surpresa agradável. Demonstrara que estava recuperado. E mais, para
surpresa dele e de todos nós naquele momento se descobriu ser um grande corredor de
corridas longas: cinco mil, dez mil, vinte mil... Deixei de ser referencia a ele. Já todos nós
Tenentes-Coronéis, ele professor o IME e eu cursando a ECEME, ele ainda competia em
corridas de rua. Como vibramos, todos do grupo de corrida com o amigo. Era um atleta
enrustido. Nem ele e nem nós sabíamos...

Diferentes Acervos

Em várias oportunidades me referi a ACERVO. Pelo dicionário eletrônico do Houaiss


– “conjunto de bens que integram o patrimônio de um indivíduo, de uma instituição, de uma
nação”. Bom, pretendo explicar o que seja na forma: curto e grosso. É bem verdade que
acervo foi motivo de discussões, incompreensões por parte de alguns militares que antes de
procurar entender qualquer coisa, e pela autoridade que exercia, vai logo pelo “achismo”.
Quando há um convênio com um órgão público, o recurso orçamentário é repassado
de um financiador para um executor. No nosso caso, executor, as obras sempre eram do
DNER ou INCRA ou INFRAERO, financiador. Bom, pelo plano de trabalho, se necessário, se
poderia adquirir equipamentos. Quaisquer materiais permanentes adquiridos, por quem quer
que seja, terão que entrar no patrimônio do Estado Brasileiro. Tem um rito burocrático para
isso em qualquer órgão público federal. Essa inclusão no patrimônio, – que no EB tem mais
controle: é a chamada inclusão em carga – o material permanente é do acervo do órgão
financiador. O órgão executor informava que, do recurso orçamentário recebido, “foram
adquiridos “X” reais em material permanente assim descrito”: e aí entrariam todas as
descrições que a inclusão no patrimônio necessitaria. O tal financiador então passava a
controlar tal material. Não raro, vinha funcionários para ver como estavam e onde estavam
tais materiais. E não era para fazer cara feia: era regra do jogo. Assim, sempre que servi em
BEC, tive oportunidade de trabalhar com diferentes acervos. Variava de trator D/8 até
máquina de calcular eletrônica, passando por ressuscitador de UTI. Esta situação era muito
boa pra o EB, pois não ficaria com nenhum patrimônio imobilizado. Explicando melhor para
militares não de engenharia: a unidade ficaria com material de dotação atualizado
tecnologicamente e com muito mais em extra-dotação. Assim era uma “mobilização”, sem
mobilizar a sociedade civil, com material atualizado sem que o EB usasse seu recurso
orçamentário, para adquirir tal material, para adestramento. Em termo militares, ter o
material à mão é uma necessidade tática; em economia, o material imobilizado é prejuízo,
pois o valor do equipamento, se fosse líquido (de liquidez financeira), renderia juros
constitucionais (só no Brasil) de 12% ao ano. Quando o equipamento atingia seu tempo de
vida, por uso ou acidente, se fazia a alienação e se recolhia ao órgão financiador o valor em
dinheiro dos resíduos apurados: ou por licitação (em geral leilão) ou como sucata se não
conseguisse a alienação, por leilão. E a maioria dos ministérios civis tinha uma burocracia
muito pratica para descarga do material. Ao contrário do EB, pois, para o EB, uma viatura é
um bem de combate, é um material bélico. E como material bélico tem um controle de
elevado rigor. O mesmo rigor de uma arma.
O que eu achei uma intromissão indevida foi, por volta dos meados anos oitenta para
os meados noventa, quando alguns chefes de departamento resolveram ditar “achismo”
naquilo que não tinham noção. E uma meia dúzia de oficiais, de engenharia, para galgarem
postos mais elevados, se encolheu diante dos achismos. Sem a devida autoridade para
dizer “não” e saber explicar, aos das demais armas, que estavam errados. Os recursos
orçamentários passaram a compor o orçamento do EB. Inchou o orçamento com recursos
que beneficiaria outros ministérios e não o EB. Tudo para que se dissesse que o material era
do EB. E por isso se viu absurdo praticados, por oficiais de engenharia, que nada entendiam
de patrimônio, de economia, de emprego tático. Bom, como o material era acervo do EB,
teve comandante de área, de engenharia, que mandou pintar com cores de camuflagem até
usina de asfalto. Onde ele iria esconder uma usina de asfalto soltando tanta fumaça, tanta
poeira, tanto movimento? Só faltou mandar camuflar computador, chave de fenda, telefone
celular. Que tristeza!!!
Mas então, acervo, em batalhão de construção, nada mais é que o material adquirido
com recursos de convênio de outro órgão. É bem verdade que nos governos de esquerda o
CONVÊNIO está tão desmoralizado que até igreja faz convênio com órgãos governamentais
– são as ONG.
Assim se equipa um Batalhão de Construção no Brasil, até mesmo com locomotivas e
vagões - ACERVO.

Elogio

“Para satisfação e alegria de todos, despede-se hoje de nossa OM, o fulano de tal.”
“Durante o tempo que aqui serviu, esforçou-se para cumprir o expediente. Militar
muito determinado buscou superar as deficiências de sua inteligência limitada e confusa. O
seu obeso vigor físico é mantido por uma dramática e ofegante corrida semanal”. “Como
Chefe soube aplicar, com equilíbrio, o ROCO (Regulamento de Ordens e Contra Ordens)”.
“Como subordinado tornou-se um fardo a seu Chefe, com dispersantes soluções e
contraditórias sugestões”. “Muito disciplinado intelectualmente, só consegue executar uma
missão de cada vez”. “Dado ao fácil trato, dedicou longas horas diárias, de expediente, ao
público externo, na parte externa do quartel, maximizando os interesses particulares e
minimizando os burocráticos interesses do serviço”.
“Espírito empreendedor, concebeu, implantou e dinamizou uma eficaz estrutura do
jogo da Loto, Loteca, Sena, e Teimozinha, apesar dos parcos recursos da OM”.
“Sua saída preenche uma lacuna que dificilmente será aberta”.
“Desejamos paciência e resignação aos seus futuros companheiros, extensivos à sua
digníssima família”. (Individual).

ESAO – Impacto Psicológico

Como já disse em outro local, senti um impacto psicológico enorme na ESAO.


Imaginava alguma coisa essencialmente prática, com idas e vindas ao campo já que eu
sairia um capitão comandante de companhia e aperfeiçoado podendo até comandar
Batalhão; que deveria estar apto a entrar em combate no dia seguinte da formatura. E para
isso eu não sentia nenhuma segurança: nem teórica e nem pratica; nem de massa de
conhecimento e nem o “aprender fazendo”. Mas tudo era de uma rotina mais que surda –
absurda. Entretanto, bem mais tarde fui entender a coisa. Ora, se a Escola tivesse me
ensinado antes a “semiótica” do curso eu entenderia o porquê de ser rotina embora ainda
discuta a falta de exercício prático no campo. Talvez a escola estivesse no local
inadequado, já no meu tempo, pior ainda hoje, embora ali fosse o ideal no início do século
passado e local formidável mesmo na época do império. Reconheço que a formação é
essencialmente voltada para a própria arma. O tenente é doutrinariamente, comandante de
pelotão. Em caso de desastre qualquer é que ele assume a companhia. Até antes da ESAO
se olha apenas para o próprio umbigo. Na ESAO se vê os primeiros empregos combinados
de arma. Como a engenharia é arma de apoio, então há que entender o que faz a arma
apoiada para então saber como prestar-lhe tal apoio. Daí entender a função da engenharia
no contexto do combate. Pois bem, para ser iniciado nesse conhecimento sobre a guerra, se
tem que começar “pelo começo”, isto é, tal como o beabá na alfabetização. A ESAO é a
alfabetização do emprego combinado de armas. Na formação se vê apenas o trabalho
adiabático no interior da companhia, com seus pelotões.
No beabá, tudo tem que ser o “ideal”: o tamanho da letra, a forma de pegar o lápis, as
curvas e traços das letras, o cuidado com o caderno. Antes de se aprender a escrever
frases, se aprenderá escrever letras, depois palavras... E muita repetição até que o cérebro
registre em definitivo a nova atividade. A repetição também faz parte da aprendizagem e não
apenas do adestramento. No adestramento poderia citar os jogadores de alto nível de
basquete e vôlei onde a repetição exaustiva, leva a saturação do sistema límbico e o cérebro
passa a agir como se tudo fosse natural, espontâneo, necessário.
Na ESAO tem que ser dentro do “ideal da doutrina” de modo que se possa assimilá-
la. Doutrina da arma base, da arma considerada no apoio e no apoio das outras armas de
modo a não haver interferência desnecessária. Depois de aprender, aí cada um planeje
segundo suas capacidades criativas. Mas na escola há que ser bitolado. É exatamente
assim que deve funcionar a ESAO.
Mas esse ensinamento de forma ideal, não impede que se tenha, a aprendizagem
prática. Pelo menos é isso que alguns pedagogos recomendam para profissionais técnicos e
de liberais de área científica: aprender fazendo. Dificilmente alguém poderá aprender a
nadar sem entrar na piscina. Assim, numa ofensiva, no estudo de terreno, o bendito do
OCOAV tem que ser dado no terreno, olhando para um local ideal (um terreno americano
como se diz na engenharia). Obstáculos, Acidentes Capitais e Vias de acesso tem que ser
algo primário, dado como se desse a analfabeto: caminhando morro acima ou abaixo. Tão
detalhado como se fosse a cadete: a começar por via de acesso de pelotão. De modo que,
de qualquer distancia do PO, o cérebro se ajuste e possa entender onde cabe um pelotão, e
o porquê cabe, e assim, dois pelotões, portanto uma companhia e sua reserva. Com tal
evolução da tecnologia já deveria existir isso em “simuladores eletrônicos de terreno” como
para aviadores, carros de fórmula 1... O que não pode é um capitão de engenharia, de
intendência, de artilharia olhar para um morro e não entender nada. Aprende-se nas
benditas cartas, hoje já superadas, com “maceteiro de infante” as benditas “setas em
escalas”. Até mesmo os capitães de infantaria conseguiam ver na carta, mas no terreno só
viam “Via de Acesso” de pelotão. E é assim até hoje, trinta anos depois, quando na ESAO
estive, com oportunidade de conversar com os capitães. Da mesma maneira prática, para
mim de engenharia, os tais obstáculos naturais deveriam serem não só visto, mas olhado no
local e comparado. Um buraco no solo é obstáculo para carro porque um carro blindado não
passa, e junto do obstáculo estar um carro na tentativa de passar. Fui aprender alguma
coisa de terreno na ECEME porque solicitei a um instrutor de infantaria, dedicado, e pedi
que me mostrasse no terreno, tudo: onde caberia um pelotão, depois a companhia e em
conseqüência o batalhão e a brigada e gravei (pena que não tirei fotografia), na mente por
olhar para o cenário por mais de hora. Nunca mais esqueci. Só essa aprendizagem valeu
por todo o exercício que ali fizera. Portanto, isso se tem que aprender fazendo.
Na engenharia tem os tais dados médios de planejamento que na minha época eram
apenas referencias. Eram dados de máquinas e equipamentos usados na segunda guerra,
traduzidos de dados americanos. Nada me disseram que até então os dados eram “faz de
contas” até eu aprender alguma coisa. Eu reagi e fui até a Caterpillar e consegui um manual
de produções de todos os tipos de máquinas rodoviárias e doei ao curso. Na verdade não
precisava de dados tão precisos: os dados eram pequenas ferramentas para eu aprender:
era o lápis do beabá, depois poderia vir a caneta.
Muita coisa deveria ser essencialmente pratica, com avaliação escolar na hora:
análise visual do solo e sua capacidade de suporte; avaliação com Vade-mécum de pontes,
pontilhões; capacidade de suporte de rodovias, ferrovias; material de circunstancias,
recursos locais... Poderia arrolar aqui um cem números de assuntos. Tudo isso se resolveria
com três ou quatro acampamentos de uma semana em Resende, por exemplo.
Se houvesse então tal preparação psicológica, acredito que o curso se tornaria mais
proveitoso. No mínimo sua semiótica. Infelizmente há a “contra operação psicológica”:
oficiais mais antigos a dizer que o capitão só vai perder tempo; que a família vai ficar
exposta a assaltante; que a escola é apenas para pegar duas ajuda de custo em um ano e
por aí vai. O desestímulo acompanha até em não reagir com a baixa qualidade de mordia.

Escolha de Arma

A escolha de arma é um dos passos mais importante na Academia. Nas profissões


ditas liberais, caso o profissional entenda que aquele ofício não é o que desejava e, assim
não tem a vontade dele fazer uma profissão, então pode, ainda amparado neste para
custeio, então frequentar outro curso a qualquer instante. Entretanto ao militar, não há como
voltar e frequentar novamente a escola. Os frustrados (na linguagem castrense) acabam por
fazer algum curso de especialização e, infelizmente, tentam pelo curso do IME (Instituto
Militar de Engenharia) ou outras especializações ligadas às escolas militares e, por aí, se
enterram fazendo-se mais um funcionário público fardado que militar.
Na minha época, havia uma preparação, isto é, cada Arma fazia uma palestra
informando onde localizavam suas unidades, os atrativos das cidades dessas unidades, os
históricos de combate da arma. Ninguém apresentava a sua maior ou menor importância no
grande e complexo sistema chamado força terrestre. Em particular, fui entender como cada
uma tinha sua importância e como isso funcionava após dez anos de oficial – na Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais. O que havia era uma Publicidade e Propaganda improvisada a
onde cada instrutor procurava vender uma imagem de “ser mais importante” que as demais
e, assim, atrair os melhores classificados, admitindo que tais “melhores classificados” seriam
futuros “melhores oficiais”.
Havia alguns testes psicotécnicos, uma espécie de orientação vocacional, mas que
eram muito primários ainda. Os psicólogos, no mundo, ainda estavam começando com
testes vocacionais. Depois dos testes, na ala comentava-se como foram as respostas e cada
um respondeu o que interessava: se as respostas interessavam a quem gostaria de ir para a
artilharia, colocava seu gosto por canhões, mísseis, obuses...
Aos de origem civis, havia a indução para as chamadas Armas técnicas como
Engenharia, Material Bélico e Comunicações. Em particular, os que viam a possibilidade de,
dessas Armas, chegarem até ao IME.
Aos que tinham familiares militares, havia sempre a possibilidade de tentar ser da
mesma arma do avô, do pai, do tio.
Aos que, na minha época, vinham da Escola Preparatória (Prep), por lá ser todo o
curso do então científico (segundo grau, ensino médio) vinham com uma boa noção das
Armas embora os instrutores lá fossem de cavalaria e infantaria, na grande maioria e
naturalmente havia influencias.
Por falta de uma boa orientação, aconteciam, e não foi uma vez apenas, algumas
aberrações. Um jovem da minha turma escolheu a Cavalaria porque sua noiva, em visita,
gostou de ver os cavalarianos calçados com botas. Então, para contentar a noiva, ele
escolheu a cavalaria. Outro era admirador de infantaria, ma na metade do segundo ano
começou a namorar a filha de um coronel que era de artilharia. A pedido da namorada,
escolheu Artilharia. Depois de Aspirante, desfez o namoro. Outros escolhiam porque tinha
um determinado quartel na sua cidade e, assim, a pedido da família, ele escolhia a arma
para um dia lá servir. E havia os compulsados que eram mandados, para completar números
apenas.
Bom, essa falta de orientação e a falta de convicção, ao escolher uma arma que fosse
possível professar o seu ofício, fizeram aberrações maiores. A coisa, na malha fina da
peneira da moral, era imoral. Uma deformação da própria instituição, a de valorizar o
desempenho escolar muito mais que o desempenho prático, da profissão, era e é a
responsável por isso. Muitos, optavam por escolher arma de modo a ficar melhor
classificado nela, mesmo que não tivesse nenhum perfil para exercer as atividades ali
exigidas. Tudo era legal, tudo estava direito, mas havia um cheiro de mercenarismo, de
mercantilismo, de oportunismo vulgar. Faziam um investimento para usufruir o que a
instituição ofereceria, a ele, no futuro, por ser uns dos primeiros naquela arma. As benesses
não aconteceriam, se sua classificação fosse, ao final do curso, pelo meado da turma na
arma que de fato admirava e professava. Em geral foram ruins oficiais. Eram artificiais no
entusiasmo, insípidos no conhecimento da arma e oportunistas naquilo que pudesse burlar a
lei. Infelizmente, alguns chegaram ao generalato.
Ouvindo oficiais que serviram no exterior e conversando com oficiais estrangeiros que
vieram fazer curso, no Brasil, comentaram de outras formas de se escolher armas. No Brasil
há outras maneiras de escolha de arma que parece ser melhor que a do Exército. Na
Marinha do Brasil, com os fuzileiros Navais, os Cadetes (Aspirantes, na linguagem dos
navais) aprendem tudo. No curso deles se aprende todas as especialidades: além a
formação de arma base (infantaria), aprende uso da cavalaria, canhões e obuses, técnicas
de engenharia, comunicações. O tenente fuzileiro naval está apto a desempenhar qualquer
ação em combate. Está apto a comandar qualquer efetivo valor pelotão independente da
tropa subordinada que seja. Quando chega a Capitão, aí faz a Escola de Aperfeiçoamento
(mestrado militar), no Exército, na especialidade em que demonstrou melhor aptidão:
infantaria, cavalaria, engenharia, artilharia, comunicações. A parte logística é diferente e faz
parte da formação do Oficial da Armada: chamados de marinheiro, comandante de navio.
Tenho a impressão que essa seria a forma mais adequada ao Exército. A forma atual
tem criado alguns embaraços em tempo de paz. Uma delas é o chamado “espírito de arma”
que tanta desagradável situação de favorecimentos indevidos tem criado. Cria-se uma força
dentro da força. Há uma injustificada perda da visão geral da força, para a busca de
benefícios particulares da arma. Chega-se ao cúmulo de prejudicar a reestruturação da
força. Isso é e foi verdade com blindados, com helicópteros, com a logística de tratamento
d’água e será com aeronave de asa fixa e será com os centros de operações de mísseis
quando tiver. Um embaraço, como exemplo muito claro dessa luta interna, surda e calada, é
o Centro de Embarcações em Manaus: já foi Companhia de Engenharia de Transporte,
Companhia de Intendência de Transporte, tudo subordinado à Região Militar; Centro de
Embarcações, com função experimental e operacional, desenvolvendo doutrina própria, sob
o Comando do CMA e, ultimamente (2007), voltou para a Região Militar, para apenas ser
transporte (logística simples). Sem falar nas armas dos comandantes nomeados para a
unidade. Embaraços, maiores ainda, foram as mudanças de sede de algumas unidades,
extinção das obsoletas e modernização de outras.
A escolha de arma é importante, como foi dito, não só para o indivíduo como para a
instituição, nos moldes que se tem hoje. Em particular, acho que deveria ser aperfeiçoada
diante dos históricos equívocos de se elevar os interesses das armas, apoiada no
sentimentalismo de algumas autoridades, em detrimento da força terrestre como um todo,
sem falar para a Nação.

Estimular a Estudar

Antes, quando da abordagem em homenagem ao Soldado Bonfim, viu-se um


vencedor que consegui estimular para estudar.
Quando assumi o pelotão, havia dois soldados que cursaria o primeiro científico, o
que hoje corresponde ao ensino médio. Trouxeram suas transferências de colégio de
Erexim, onde moravam. Ao chegar foram desestimulados a estudar. Quando eu soube, fui
me inteirar da situação. Bom, obriguei aos dois irem se matricular no colégio estadual
noturno que ficava próximo ao quartel. Mas o diretor não quis aceitar a matricula. No outro
dia os soldados me vieram falar sobre a negativa do Diretor. Resolvi que à noite eu iria falar
com ele. O diretor me recebeu e alegou que já estava cansado de matricular soldado e eles
desistirem no meio do ano e assim retirando vaga de alguém que realmente chegaria até o
final do ano. Disse ao diretor que assumia o compromisso de acompanhar os soldados e,
embora eles fossem senhores de seus atos, mais de dezoito anos, eu ficaria como
responsável por eles nos aspectos dedicação, resultado e disciplina. Disciplina era apenas
para ter assunto, pois os jovens eram bem nascidos e, educados e de “fino trato”, palavra da
moda na época. Com os soldados combinei que eles tirariam serviços normais, como todo
mundo, mas que depois passaria tirar reforço, tipo de serviço que poderia ter flexibilidade e
deixar alguém a tirar os horários em que estivessem em sala e depois eles completariam a
noite. Como eu fiz no curso de cabo. Nos finais de semana, ou sábado ou domingo, segundo
as necessidades deles eu emprestava a sala do pelotão para estudar. Mas era estudo
obrigatório durante todo o dia. Á noite, saíam como todos os demais. Assim, teriam tempo e
local para por em dia as matérias da semana. Nas matérias que tivessem dificuldade, que
procurassem qualquer tenente que saberiam explicar sobre tudo: matemática, química, física
e até biologia. Pois bem, terminaram o ano e cumpriram o ano letivo. Um deles, quando eu
servi em Porto Alegre, o encontrei e trabalhava como gerente do Carrefour. Aliás, ele me
encontrou e conversamos bastante. O outro, segundo esse mesmo encontrado, disse que
havia completado o curso de Engenharia Eletrônica e faz carreira na Marinha, não sei se de
Guerra ou Mercante. Assim, estava contribuído, usando minha posição, com jovens
dedicados em estudar exatamente como eu fiz.
Mas, antes do Bonfim, havia uma jovem que trabalhara comigo na fábrica de cera e
vela, em Campo Grande. Ficamos amigos o bastante para que ela me escrevesse durante
os quatro anos de Cadete. Ela também pegou a corda de estudar e acabou por fazer uma
faculdade cuja especialidade não me lembro. Talvez eu tenha dado a ela muito mais, mais
do que poderia e deveria, de que alguma esperança cuja “espera”, por ela, tenha sido inútil.

Eu agora um QEMA

Segundo meu diploma e segundo minhas alterações, o dia da diplomação se deu a 26


de novembro de 1991. Assim, a partir daquela data eu era tal qual o major que eu vira em
Campo Grande em 1967 e que dera uma aula de emprego das armas num combate e
depois foi descrever o que cada uma delas fazia no combate. E agora eu um seguro oficial
de Estado Maior. Mas, por ter prestado a atenção em inúmeros oficiais com tal curso eu me
senti frustrado. Eu deveria ter aprendido mais. Eu queria saber mais. E até hoje acho que o
curso deveria ser mais denso. Reconheço que já é muito intenso e qualquer aumento de
carga horária cairia no rendimento decrescente e o todo seria prejudicado por excesso de
assuntos.
Há algum tempo, e deixo até a datação para comparação, fiz um texto onde eu já
registrava minha pálida decepção. O texto reflete o que eu havia dito ao comandante da
ECEME quando do almoço com oficiais de sua turma. Disse que faltava o terceiro ano da
ECEME, como terceiro ano da escola e não um curso sem definição de emprego. Disse a
ele que “Em particular a forte impregnação de geopolítica e geografia militar que o terceiro
ano dava” enriquecia o curso que hoje fica no nível de uma ESAO de dois anos. “E todos
ali”, da turma do general, “tiveram ECEME de três anos”. “... quanto à ECEME de três anos
ele também concordava porque sentia que o CPAAEX não atendia a necessidade do EB a
menos como pré-selecionamento” para o generalato.
O meu texto tem o título de O CURSO DE EM
O Curso de Comando e Estado Maior é o curso que habilita para as funções de
assessoramento, de planejamento de guerra e o acesso ao posto de general.
Até o meado da década de setenta era feito em três anos.
Quando ainda tenente ou capitão, se olhava para um oficial com o Curso de Estado
Maior, oficiais do QEMA (Quadro de Estado Maior da Ativa), com lupa. Os conhecimentos
que detinham tanto profissional como geral eram algo inatingível para os mais jovens. A
revista “A Defesa Nacional”, editada pela Escola de Comando e Estado Maior, trazia artigos
de Majores e Tenentes-Coronéis em abundância. Qualquer que fosse o tema, as palestras,
desses oficiais, se destacavam pelo conhecimento enciclopédico que apresentavam. Eram
grandes motivadores para que, nós os mais jovens, tomássemo-los como exemplo e
quiséssemos ser um deles algum dia.
Quando chegou minha vez, fiz o curso, agora em dois anos, e verifiquei que eu não
era “os majores e tenentes-coronéis” de antes, em termos de cultura profissional e geral.
Achava-me muito abaixo. E isto que procurei, a partir de capitão, ler de dez a dose livros por
ano. A revista de antes não trazia artigos de brasileiros. Eram traduções das "Military Reviw"
americanas.
Tentei, junto a oficiais mais antigos, encontrar uma justificativa. Discuti o assunto com
um ex-comandante que fez o curso em três anos e que por quase dez anos foi instrutor da
Escola de Comando e Estado Maior – ECEME - agora com dois anos.
Acharam que três anos de curso eram muito. O país não tinha recursos para
sustentar tantos oficiais como alunos. O curso foi reduzido para dois anos de modo que
fosse explorada a parte tática. Em fim, se aprofundasse mais em empregos de Brigadas e
Divisão de Exército. Foi ventilado também que o curso de Estado Maior, isto é, a parte
referente ao planejamento e assessoramento, fosse feita por todos os oficiais como o são os
cursos de aperfeiçoamento de capitães. Os que se sentindo capazes de atingir o generalato
fariam, a "posteriori", um curso de Comando onde seria forte em estratégia. Seria o que hoje
as empresas exigem dos executivos empresariais – MBA (Master Business Administration)
onde o homem seria profundo conhecedor de sua empresa “tanto na paz como na guerra”.
O fato é que a parte sobre o trato de documentação, linguagem de Estado Maior, e a parte
mais importante que é estratégia foi condensada para caber em dois anos.
Já no início da década de oitenta foi criado um curso, que seria o terceiro ano, até
com nome pomposo: Curso de Política e Alta Administração do Exército - CPAAEX. Pelo
substantivo que o nome forma e os assuntos tratados, no curso, há confusão. Veio ter a
mesma finalidade de cursos da Escola Superior de Guerra, ligada ao então Estado Maior
das Forças Armadas, hoje Ministério da Defesa. E a “alta administração”, que é sem
novidade, pois tudo é administração pública, ficou a dever.
O fato é que as novas ideias não substituíram o terceiro ano da Escola de Estado
Maior. Este terceiro ano era forte em estratégia e tinha assuntos que, hoje, se tiver que ser
restaurado não encontrará mais instrutores a não ser um ou outro octogenário, como
Geografia Militar, Geopolítica, Estudo de Problemas Brasileiros e outros. Tais assuntos
aplicados aos majores do QEMA, estes teriam um grande tempo para digerirem tais
informações comparando a teoria e a prática dentro da realidade vivida nas diversas regiões
onde iriam trabalhar. Assim, teriam o respaldo da formação escolar. O CPAAEX não
substituiu o terceiro ano do curso antigo da ECEME. Os oficiais, que tiveram o privilégio de
fazer, também, o curso de Estado Maior fora do Brasil são unânimes em dizer que o nosso
curso é muito forte em tática, mas muito fraco em política e estratégia. E a estratégia é a arte
dos pensadores e formuladores de soluções inteligentes antes de se chegar ao conflito
generalizado. É através da estratégia que se cria a dissuasão tanto das ações militares,
bélicas, como as econômicas. HIgino - Campo Grande, 06 Jan 2002.
Além dessas considerações de embasamento intelectual, tive minhas decepções
quanto à forma de trabalhar. Quantas e quantas atividades fizemos, na escola, com Estado
Maior constituído. Mas nunca houve uma demonstração de como isso deveria funcionar.
Aquilo que qualquer empresa de nível intermediário faz com seus gerentes, seus executivos:
treinamento. Parece que a coisa é tão óbvia que ninguém tem a coragem de admitir que não
sabe; de perguntar como isso deva funcionar. Parece que a obviedade envergonha os
oficiais de dizer: – “olha, nunca vi isso, não nascia sabendo disso, portanto me ensinem”!
Nas poucas vezes que servi com generais, sendo eu QEMA, nunca vi eles conduzirem uma
reunião onde se exercia uma efetiva reunião de Estado Maior. Era reunião comum como
qualquer paisano faz e que fiz em situações de trabalhos de engenharia de construção ou de
festejos cívicos com prefeituras e governos de estados. Também não vi Chefes de Estado
Maior conduzir uma reunião onde efetivamente se usou a técnica de reunião de Estado
Maior. Portanto, a não prática, pelos chefes e por oficiais mais antigos, não era por falta de
vontade, mas por pura falta de conhecimento, de técnica, de aprendizagem formal. O que é
mais triste: não empregavam a técnica por absurda ignorância. Ignorância de como se
trabalhar em Estado Maior sendo um oficial com Curso de Estado Maior. Ainda bem que
paisanos não sabem disso. Quando aluno, tentei dialogar com alguns companheiros sobre
isso, mas senti que eles não conseguiam entender que eles não sabiam como trabalhar com
isso.
E como trabalhávamos na Escola?
Bom, antes, vou tentar explicar sobre o que eu entendi sobre Estado Maior. Procurei
com exaustão nos sítios de informações, em particular o Google, fontes de informação que
apresentassem um modelo de trabalho de Estado Maior. E o melhor que achei foi
referências a ele. Foi na graduação de curso de nível universitário de Administração de
Empresa. Na introdução, da parte histórica, apresentam que, nas administrações, “A
organização do tipo linear tem sua origem na organização dos antigos exércitos”; “A
organização funcional é o tipo de estrutura organizacional que aplica o princípio funcional ou
princípio da especialização das funções”; e “O tipo de organização linha-staff é o resultado
da combinação dos tipos de organização linear e funcional” - www.ricardoalmeida.adm.br.
Aparece aí uma palavra inglesa, mas adotada pelo idioma português – STAFF: (pl staffs,
staves) 1 pau, bastão, mastro, vara, bengala. the General Staff o estado-maior. (grifei)
http://michaelis.uol.com.br/. Por dedução, staff é algo em quem alguém se apoia.
Tudo começou com a fundação da Marca de Brandemburgo. O Mark, ou Marca, de
Brandemburgo foi um dos principais Estados constituintes do Sacro Império Romano-
Germânico. Ele (o Mark)foi criado como Margraviato de Brandemburgo em 11 de junho de
1157 por Alberto, o Urso. Isto é tal qual uma MARCA romana de onde o adminsitrador era
um Marquês. Como área de intensa instabilidade politica e constantes conflitos, houve
diversas evoluções nas forças combatentes de diferentes reinado, principados, ducados e
marcas. Um dos grandes modernizadores e um dos mais brilhantes adminsitradores foi
Frederico II. Ficou conhecido como o Grande, e como um déspota esclarecido. Uma das
modernizações foi a criação de ASSESSORIA que passou a ser chamada de Estado Maior.
Portanto, “A evolução do princípio de assessoria e a formação de um estado-maior geral
ocorreu posteriormente na Prússia, com o Imperador Frederico II, o Grande (1712-1786)”. -
http://www.professorcezar.adm.br/Textos/InfluenciasHistoricasAdm.pdf. Bom, a revolução
industrial se apropriou de diversas técnicas organizacionais dos exércitos de então. O
Estado Maior (Staff), a hierarquia, a ligação verticalizada, a disciplina rígida, a unidade de
comando são exemplos de então. Ainda hoje, na obra de Alvin Toffler The Third Wave (A
terceira onda) ele ainda relaciona a forte influencia das técnicas de guerra com as técnicas
de administração e de economia. No Manual de Campanha C 22-5 - ORDEM UNIDA, 3ª
Edição, 2000, na apresentação está transcrito: {b. FREDERICO II, Rei da PRÚSSIA,
governante do século XVIII, dava grande importância à Ordem Unida, e determinava que
diariamente seus súditos executassem movimentos, a pé firme e em marcha, com a
finalidade de desenvolver, principalmente, a disciplina e o espírito de corpo. Dizia
FREDERICO II: “A prosperidade de um Estado tem por base a disciplina dos seus
Exércitos”}.
“A classe dos advogados, cujo Estatuto está disposto na Lei 8.906/94, garante ao
advogado o direito de ser recolhido, antes de sentença condenatória transitada em julgado,
em SALA DE ESTADO MAIOR.... A “Sala de Estado Maior” é a dependência existente em
unidades das Forças Armadas ou Forças Auxiliares podendo ser usada pela autoridade
militar, Federal ou Estadual, para desempenhar suas atividades de comando, estratégica e
planejamento, que está a cargo de um Oficial”.
http://www.oabpa.org.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=1108:prerrogativa-do-advogado--a-prisao-civil-por-
alimentos-e-a-sala-de-estado-maior-mario-fima&catid=47:artigos&Itemid=109 – acesso no
domingo, 23 de outubro de 2011;
Mas como se trabalha como um Estado Maior? Estado Maior é um apêndice de um
organograma ou é uma técnica administrativa ou um fundamento de assessoramento?
No EB tem um excelente manual e que foi atualizado no ano de 2003. Mas tem
alguns pecados: Abre um capítulo com PRINCÍPIOS, mas não apresenta princípios e tudo
fica sem princípios. O que se depara é o óbvio: assessoramento específico para as
atividades militares em campanha, pois o Manual é de Campanha: Manual de Campanha C
101-5 - ESTADO-MAIOR E ORDENS - 1º e 2º Volumes, 2ª Edição, 2003. O anterior era de
1971. No manual está tudo especificado desde os mementos de estudos de situação até os
de elaboração dos planos e as etapas e sequências de cada coisa dessas.
Mas não se treina o ali preconizado. Não se pratica como faria uma empresa que
paga um curso de MBA a seus executivos (tal como o EB paga aos alunos de EM). O tempo
de paz é o tempo de preparação para a guerra, parafraseando os romanos. É o mesmo que
querer treinar natação lendo técnicas sem cair na piscina. Penso que todas as atividades,
em um comando de general, teria que ser com o ritual estabelecido no Manual de
Campanha. Até mesmo as atividades administrativas e de rotinas financeiras.
Volto à pergunta: e como trabalhávamos na Escola?
Bom, as soluções eram do agrado da casa. Se elas eram boas, ou não, nunca se
sabia. Havia a solução da casa e os argumentos e explicações do porque daquela solução.
Mas em nada parecido com o preconizado no manual que deveria ser a bíblia para qualquer
trabalho; nem na solução da casa e nem nas respostas dos alunos. Tenho absoluta certeza
que o tal manual nunca fora consultado a não ser seus anexos com modelos de Ordem de
Operações e seus planos. Cada um tendo sua função no Estado Maior, já partia para a
solução do problema da sua função. Era como se todos quisessem se livrar o problema o
mais rápido possível e não o de participar de uma aprendizagem, meticulosa, passo a
passo, mastigada e deglutida, aos poucos, como se usando um vade-mécum. Era como se
todos fossem veteranos. Feita a sua parte, o oficial colocava seu trabalho para integrar com
os demais, isto feito pelo E/3 que além de conceber a manobra ficava com uma espécie de
relator. Agora, como o companheiro chegou a aquela solução, só ele ficava sabendo.
Portanto, o trabalho era um tratado individual apresentado para o grupo e não um trabalho
feito pelo grupo: primeiro o estudo da missão (todos juntos), depois estudo do terreno (todos
juntos), depois... finalmente a linha de ação eleita (todos juntos). O Estudo de Situação que
deveria ser o orientador cartesiano; o vade-mécum; a técnica; o modelo o muito afamado e
de cantado MÉTODO CARTESIANO, esse ninguém fazia. E o Estudo de Situação é o
método preconizado para problemas novos de caráter tático. E como era feito? O E/3 olhava
para a carta, via os limites, escolhia os objetivos, as vias de acesso, a linha de partida ou
linha de contato (esta vinha estabelecida), compunha a tropa a empregar, função das
informações. Os demais participantes corriam atrás para montar sua parte. Na redação dos
documentos, cada um pegava a sua parte e redigia: apoio de fogo com o artilheiro;
engenharia com o engenheiro; as comunicações com o comunicante; o apoio logístico com o
E/4... Existia algo que alguns ex-instrutores da ESAO faziam, particularmente os infantes e
entre estes, o FE (Forças Especiais) que era o “Jogo da Guerra”. Nas análises das linhas de
ação opostas (nossas linhas de ação versus possibilidades do inimigo), coisa que nunca se
fazia, eles fazia o “jogo de guerra” com todas as linhas de ação. Assim: “nessa linha de ação
eu ataco com isso; o inimigo tem aquilo e deve reagir assim; eu uso aquilo; o inimigo deve
reagir assado; eu uso aquele outro recurso e o inimigo reage cozido”,.... Bom com isso se
tirava, muito próximo da realidade, as vantagens e desvantagens das linhas de ação e
facilitava a decisão. Nunca se praticou, se ensinou tão importante técnica que necessita de
intenso treinamento de modo que a experiência permita rapidez, qualidade e pertinência.
Acho uma enorme falha da escola. Depois de formado, nunca consegui que nenhum dos
generais que conheci fizesse uma reunião desempenhando um exemplo de trabalho de
Estado Maior. E tenho uma enorme dúvida que nunca consegui tirar: o Estudo de Situação é
válido para escalões Exercito e DE? Nunca me responderam. Como eu nunca seria
convidado para ser instrutor, pelo meu baixo desempenho escolar, não teria como explorar
os conhecimentos de “instrutores de carreira”: instrutor da AMAN, da ESAO e da ECEME.
Confesso que me arrependo muito de não tê-lo estudado mais a afundo, discutir com
estrangeiros, discutir com militares de outras forças.
Mas e como se trabalha em Estado Maior, fora de problemas novos de natureza tática
que se embasa em Estudo de Situação, em tempo de paz em particular para problemas
administrativos?
Resolvi tentar a prática no CMPV quando presidente. Tentei também fazer isso
quando comandei. Fiz várias experiências com bons resultados como ChEM da 9ª Região
Militar.
No CMPV todos os diretores eram alunos, como eu. Portanto, inexperientes nas lides
de trabalho com grupo. No primeiro dia eu disse de como gostaria de trabalhar. Trazendo
dos batalhões de construção, eu não cobraria desempenho de ninguém. Cada um, ao
entender o que deveria ser feito, só pararia de agir quando a missão estivesse cumprida. Se
não entendesse, tinha a obrigação de perguntar “trocentas vezes” até estar entendido. Lema
dos tempos de tenente: “não diga não dá; diga não deu, porque assim sei que foi pelo
menos tentado fazer”. Fizemos um calendário para o ano. Solicitei que cada um lembrasse o
que poderia ser feito na sua área. Ou se não houvesse evento, que auxiliasse quem tinha,
com ideias. Fizemos uma reunião cuja pauta era: calendário anual. Os secretários sem
eventos ficariam em condições de apoiar os eventos resultantes. O calendário não foi
nenhuma criação ou concepção nossa. Nada mais foi que uma cópia de PGE (plano geral
de ensino - das escolas militares). No PGE, como já dito bem antes, tem tudo: desde o 1º dia
até o último com feriados, provas, folgas, competições e muito mais. Bom, o calendário
anual passou a ser nossa Missão. Passamos a tratar os eventos classificados como
importantes com um mês de antecedência; o mesmo evento era ajustado com quinze dias
antes; era começada a execução uma semana antes. Assim, com quinze dias se tinha a
divulgação, os anúncios com horário, dia, trajes, conjuntos e preços. A agenda era montada
pelo Diretor Secretário e o presidente. Assim, para a reunião semanal, se tinha na pauta
evento para dali um mês; pauta, com eventos já aperfeiçoados, para dali a quinze dias; tinha
eventos daquela semana e tinha evento de rotina: pagamentos, demissões contratações,
isto é, meramente administrativo. Como eu começava a reunião? O primeiro assunto da
pauta eram os eventos longes e que teria algumas ou muitas providencias, mas muita coisa
de consulta, sondagem, avaliação, verificação de preços. Em fim eram os dados para
planejamento, para o Estudo de Situação (Analise da Situação, como dizem os marinheiros).
Se o evento sobrepunha a algum já em andamento (o Diretor Social estava sempre
sobreposto) algum diretor mais aliviado passava a gerenciar o evento longínquo. Depois, os
médios em que já haveria assunção de compromisso: contratos de bandas, contratos de
garçom; compras de materiais diversos; por fim, aqueles da semana que teriam que ser
resolvidos e decididos naquele dia já muito em situação de conduta. Quem começava a
falar? Eu, depois de anunciar o que seria tratado: ler a Pauta. Em seguida passava a
palavra ao evento mais longínquo. O Diretor falava sobre ele, suas concepções e como
queria executá-lo. Eu retomava a palavra e acionava os diretores envolvidos: tesoureiro, o
das aquisições (que era o vice-presidente – o E/4), o da divulgação... Cada um falava
daquele evento e só daquele. Depois de deixar falar os diretamente envolvidos, eu passava
a palavra a cada um para, em três minutos, dar sua sugestão, experiência anterior ou até
mesmo “achismo”. Depois da rodada de ideias, eu decidia sobre aquele evento. Assim,
matava a pauta. Sempre procurei evitar a discussão bilateral acalorada, e sem dados reais
para discutir. A discussão paralela permite o seguinte risco, indesejável, pernicioso,
desestimulante, até ofensivo: permite que alguém, ao invés de discutir a ideia de outrem,
para melhorá-la, aperfeiçoá-la, passe a contestar a pessoa do outro. Isto pode ser por
maldade ou por falta de educação, de postura e até mesmo de treinamento. Os ditos de
personalidade fortes são, na verdade, mal educados que aproveitam o campo livre para
criticar. Assim, discutir ideias não é criticar pessoas. E também não se deve desestimular a
discordâncias com ideias alheias. Se desestimular, não precisaria do elemento ali: as ideias
apresentadas seriam sacramentadas. Quando algum estava muito consciente de sua ideia,
eu juntava, depois da reunião, os dois ou três da discussão e esgotava o assunto. E quando
se chegava a conclusão que o “teimoso” tinha razão, na próxima reunião se esclarecia e se
tomava posição favorável a aquela ideia. Assim, não deixava os críticos com cordas para
chicotear o envolvido diretamente e nem deixava o envolvido como dono da ultima palavra.
Qualquer sugestão era ouvida e discutida. Sempre com reunião particular daquilo que não
interessa a todos. Engraçado que já no final, eles mesmos quando tinham alguma ideia
discordante, marcavam um encontro depois da reunião ou outro momento (se já fosse tarde)
para aperfeiçoar sua ideia. E havia reunião que terminava à meia noite. Quando ainda me
restava dúvidas, não tinha convicção, eu partia para a eleição: maioria de votos. Começava
pelo mais antigo ate ao mais moderno perguntando apenas se concordava ou não.
Linguagem de computador: sim ou não. Todos já tiveram sua cota de falar. Esse processo
eu não inventei. Eu adaptei das cerimônias da maçonaria. Ali cada um fala e todos ouvem,
por mais bobagem que fale. Quando for o momento da fala do distinto ele pode discordar da
fala do anterior, mas nunca negar a ideia do irmão; pode e deve complementar; se for de
conceito e ideias com erro de conhecimentos da ordem, acabe aos mais antigos corrigir o
conceito. Acho que foi um grande aprendizado para mim e para os demais diretores.
Quando comandante, os oficiais do batalhão não tinham o traquejo dos alunos da
ECEME. Na unidade, tinha-se um plano de instrução, que vem imposto pelo escalão
superior. Nele tinha um calendário anual de instrução que se conhecia por “Tripa de
Instrução”, pois eram várias folhas emendadas lateralmente (não havia EXELL e nem a
posição de retrato). Assim, era só acrescentar ali o que se queria par ao ano. A “tripa”,
atualizada passou a ser nossa agenda. E da mesma maneira que no CMPV, passamos a
trabalhar com muita antecedência. Tanto que passamos a cobrar do GEC coisas que eles
nem tinham pensado ainda. Da mesma maneira que no Circulo, eu começava os assuntos
com o responsável pelo evento. Depois, por antiguidade, eu pedia sugestões, experiências
ou observações. Sempre eram ouvidos o fiscal administrativo e o tesoureiro. Em tempo de
paz toda missão tem um custo e alguém tem que pagar. Na guerra, não se leva em conta o
custo na missão, mas apenas que se cumpra a missão. E é uma pratica muito sadia. Muitas
vezes eu entrava na reunião com uma ideia já formada, tanto pelo nível de informação que
dispunha como também pela experiência. E quantas vezes me surpreendi, com detalhes
importantes, levantados pelo mobilizador, pelo médico ou pelo tesoureiro, coisas que
corrigidas iriam facilitar em muito a missão.
Como ChEM é como descrevo abaixo de como deve ser um Oficial de Estado Maior.
Fiz este texto quando em visita aos parentes no Acre. Em momentos de reflexão resolvi
registrar minhas experiências. Deixo a datação apenas como registro.
Portanto, essa pratica particular e sem a prática escolar eu farei agora a minha
sugestão do que é e como deva trabalhar um Estado Maior em atividades burocráticas, mas
que treina o cérebro para o exercício do trabalho de Estado Maior em combate. Em
particular o cuidado para analisar detalhes como se Estudo de Situação fosse. Reproduzo
um texto que chamei de Oficial de Estado Maior (OEM).
"Um OEM é, antes de tudo, um assessor. Assessor, pelo dicionário Houaiss, 2001, 1ª Ed,
etimologicamente, vem do latim assessore, õris = ajudante, acompanhante; oriundo do verbo assidare
– estar sentado ao pé; junto de...; Daí, se deduzir que o assessor, além de estar muito próximo, deve
inspirar confiança e, mais ainda, entender a personalidade do assessorado. Assim, fará com a
autoridade um conjunto sinergético.
Mas porque alguém necessita de um assessor?
As autoridades ficam com menos tempo à medida que aumentam seu nível hierárquico.
Determinados níveis impedem, literalmente, a uma autoridade ter tempo para ler documentos, inteirar-
se das novidades de leis, meditar sobre problemas, criar soluções. Atender as atividades ritualísticas e
as liturgias, que o cargo requer, além dos compromissos sociais, inerente ao cargo, é suficiente para
esgotar qualquer agenda. Assim, há a necessidade de um assessor, para digerir todos esses afazeres de
modo há ter o tempo necessário, para tomar decisões, que é a principal função de uma autoridade. A
autoridade deverá se valer dos resumos, resenhas, quadros sinóticos e outros formatos de documentos
mais compactos.
No caso, o OEM é o assessor especialista naquilo que vai tratar. Entenderá com profundidade e
extensão o seu assunto. Mas, também será consciente de que não disporá do tempo que gostaria, para
fazer seus assessoramentos. Então, o próprio despacho (reunião específica para tratar de assuntos
burocráticos daquele assessoramento), ou uma reunião de Estado Maior (reunião entre a autoridade e
todos os seus assessores onde cada um apresenta as possibilidades e necessidades, da sua
especialidade, sobre um evento proposto), passa a ser uma atividade que exigirá muita organização,
disciplina e gênio.
A experiência mostra que nas agendas das altas autoridades, um minuto é tempo para decidir
entre fazer ou não fazer uma guerra. No caso militar, a agenda de um General de Brigada deve ser
escalonada em “janelas” de trinta em trinta minutos; o de um General de Divisão, de vinte em vinte
minutos; já a de um General de Exército, de dez em dez minutos. Portanto, sendo assessor de General
Exército terá dez minutos para despacho. Dificilmente terá tempo de três janelas na agenda dele.
Assim, transmitirá todas as novidades, as informações que embase o raciocínio (seu e dele) e sua
opinião o mais compacto, objetivo e claro, possível.
Para aumentar a eficiência como OEM, o militar terá que adotar alguns procedimentos prévios
que facilitará a autoridade, a tomar decisão, e que facilitará a sua função e a sua responsabilidade. Há
que ter um “preparo” tanto para um despacho quanto para uma reunião de Estado Maior. Preparo
documental e intelectual.
- Para despacho, dias antes, ou à medida que os documentos chegam – preparar a “Agenda de
Despacho”.
- Para cada assunto (evento) o assessor anota as dúvidas, as sugestões, os amparos, os
documentos já recebidos e expedidos em sequencia cronológica, em meia folha de papel. Anote aí,
ainda, as ordens, as mudanças, as prioridades dadas pela autoridade, antes ou durante o despacho.
- Antes de sentar à frente da autoridade, ainda em sua repartição, faça a preparação intelectual.
Procure tentar antecipar alguma pergunta que autoridade poderia deduzir; faça uma ordem de
prioridade; se tiver mesma prioridade, veja o que é mais urgente (prioridade e urgência da engenharia);
se houver alguma insegurança, chame seu auxiliar e esgote o assunto com ele; se ainda houver dúvida,
tire o documento da pauta; separe os documentos, que chegaram, em três grupos: o que a autoridade
apenas deva saber que existe; aqueles em que alguma parte ele tem que dominar e aqueles que a
autoridade terá que ler, interpretar e dominar por completo, isto é, terá que ter tempo para ler e digerir
o conteúdo.
- Ao abordar o tema tratado, apresentar o assunto, como se você (OEM) fosse um gravador,
apenas reproduzindo esse assunto de modo a ambientar a autoridade, com o assunto; evitar que ela
(autoridade) comece a fazer perguntas nesse momento; se assim acontecer, haverá perda de tempo e a
autoridade poderá “tomar a parte pelo todo” e decidir sem saber do problema globalmente;
- Após a ambientação (objetiva e sintética, quase telegráfica) apresentar sua sugestão de
assessor e o embasamento dela;
- A partir daí, é que se estimula a intervenção da autoridade. De início, os chefes relutarão em
só ouvir. Querem logo dar suas ideias, adiantar os despachos. Mas, é grande o risco de alguém não
inteirado de um problema “dar ideias” ou “decisões equivocadas”. Isso é muito mais comum do que se
pensa. A autoridade há que ter uma disciplina intelectual forte para reaprender a ouvir e interpretar,
para depois decidir.
- Para assuntos novos (Legislação, Plano de Operações, Diretriz) extensos, fazer uma
condensação em poucas palavras do que já foi dito ou escrito mais extensamente (resenha, compêndio,
epítome, sinopse, sumário) que caiba no máximo em uma página. È de boa prática manter essa sinopse
presa ao documento referenciado.
- Logo de início (para aprendizagem sua - OEM, ou no inicio de função nova) faça um ensaio
do despacho. Nesse ensaio aparecerão necessidades não levantadas por você mesmo - assessor -
(documentos referenciados, legislação, textos originais e textos modificados, dados estatísticos). Faça
ensaio se a autoridade não está acostumada com tal modo de trabalhar. Assim, aumentará sua
segurança e ela adotará seus métodos.
- Se um processo, um estudo ou uma decisão já foi finalizado, faça uma “Memória”, em
“sequência cronológica”, numa folha, e registre passo a passo as idas e vindas fora do comando (seu
quartel); com quais autoridades o estudo esteve; documentos emitidos e recebidos; decisões parciais e
recomendações pertinentes. Pregue na contracapa. Mais tarde, isso servirá para complementar algum
outro estudos ou servir de referencia para tomar ou não tomar uma decisão. E tendo a memória, não
será preciso reler todo o estudo para entender novamente os acontecimentos naquele evento.
- Se a autoridade aceitar trabalhar com minutas, faça-a já como se fosse definitiva. Se não
houver correções o documento poderá ser assinado e, com isso, ganhar tempo; se houver correção, leve
as folhas corrigidas, pela autoridade, ao levar o texto novo, pronto, para assinatura;
- Um assessor não pode ficar melindrado se a autoridade mandar alterar textos de documentos.
O responsável pela informação é quem assina. Portanto... (bem pior seria, se ela alterasse e mandasse
o assessor assinar).
- Antes de responder a um documento, leve-o a autoridade com todos os demais documentos
que o esclareça para que ela decida e oriente como responder. Lembre-se que o documento é da
autoridade, e não seu. A resposta tem que ter a ideia dela e não a sua ou de seu auxiliar.
- Evite espichar o despacho. Seja objetivo. A autoridade pode ter outras urgências maiores; não
queira exclusividade.
- Mesmo que a autoridade o chame, evite ficar na sala quando há outra pessoa em despacho;
deixe toda a liberdade para que eles se entendam ou desentendam nos assuntos deles;
- Para reunião de Estado Maior onde o assunto é de sua competência, se possível faça um
ensaio de sua apresentação. Leve todos os documentos e manuais que disponha. Faça anotações de
todas as ideias, mesmo as que de momento pareçam estapafúrdia. Evite que haja discussão bilateral,
entre dois assessores, pois a reunião virará “bate-boca” que é improdutivo, inoportuno. Lembre de que
“VOCE” é quem deve entender mais do “SEU” assunto.
- Em reunião de Estado Maior, ou outra qualquer, nunca deixe de expor a sua ideia, mesmo que
seja frontalmente contrária a da autoridade. Em particular, nos assuntos de sua responsabilidade. Para
concordar com o chefe, em qualquer assunto, não necessita de assessor e sim de cumpridor de ordens,
apenas. Assessor não é processador das ideias do chefe... Aprenda (tenha a coragem moral para) a
dizer “não” à autoridade. Mas tenha a disciplina intelectual de acatar como se fosse sua a decisão da
autoridade. Não raro, do meio para o fim é possível ver que não se tinha total razão. Se não tem ideia a
apresentar, tenha a mesma coragem moral de dizer que “não a tem”.
- Se, pela sua antiguidade, for nomeado Chefe de Estado Maior (ChEM), lembre que será o
Chefe do Estado Maior, isto é, dos elementos constitutivos do Estado Maior, você será o Chefe. Será o
coordenador (lat.medv. coordìno,as,ávi,átum,áre - ordenar com), deles, após diretriz ou ordem do
comandante. Tanto que cada elemento do Estado Maior tem seu despacho com o comandante, direto e
não com o ChEM. ChEM também não é o Subcomandante. Subcomandante é o substituto do
Comandante; é comandante abaixo – SUB. O Chefe de Estado Maior, que não sabe seu lugar,
complica o desempenho do General seu comandante. Não é raro tanto o general quanto o ChEM
pensar ser o Chefe de Estado Maior o substituto daquele. Tanto que, na ausência daquele, por
legislação, este “responde pelo expediente”, apenas, aqui no Brasil. O ideal é que o ChEM seja um
oficial com experiência de comando – ex-comandante. A função exige enorme discernimento e
experiência. Ao absorver a diretriz do comandante e o enunciado da missão deverá saber quando
juntar as seções de EM que tem maior interesse no assunto, no evento, na missão. Se necessário
promover reuniões complementares com os mais envolvidos. Portanto, cabe a ele coordenar, isto é,
tornar sincrônico, harmonioso.
- Se for comandante, faça a pauta, ou mande fazer, e depois a depure. Ela é a MISSÃO do
escalão superior. Antecipe a todos os eventos. A experiência me recomendou o seguinte: para os
eventos agendados, o comando militar de área deve lançar seus documentos com três meses de
antecedência; as divisões de exército, dois meses; as Brigadas, um mês antes e os batalhões uma a duas
semanas para suas subunidades. Se for assunto novo, informe aos subordinados se é imposto pelo
escalão superior ou se é do comando. Tanto um como o outro oriente seus subordinados de como quer
cumprir aquela missão. É a Diretriz do comandante. Não permita que a solução seja do assessor e nem
que ele fique de idas e vindas sem saber como o comandante quer a solução. Marque uma nova data
para saber como foram concebidas as soluções para o evento ou missão e dê sua decisão final. Lembre-
se que os escalões subordinados, pelas posições geográficas que ocupam, têm muito maiores
dificuldades que os escalões superiores em cidades com mais recursos.
- Procure deixar tudo registrado em Ordens de Operações (atividades essencialmente militares),
Ordem de Serviço (para escalão subordinado e superior), Nota de Serviço (para aplicação na guarnição
ou organização militar a que pertença).
- Como OEM deve escrever para que os outros entendam e não apenas para você. Há uma
tendência, por ter a coisa muito elaborada no cérebro, de deixar muita coisa no seu cérebro e querer
que os demais, do grupo, adivinhem, subentendam ou deduzam. A maioria das ordens mal cumpridas
são ordens mal dadas.
- Lembrar sempre – Um OEM é um assessor e especialista na sua função. Não é o comandante.
Quinari, AC, 270806"

Do visto acima, se depreende que há um erro de definição nos documentos oficiais do


EB. Chamam a um assistente particular, de generais, de Estado Maior Pessoal. É uma
Pessoa, e é oficial QAO. Para ser oficial de Estado Maior teria que ter o curso de Estado
Maior; para ser de Estado Maior teria que ser assessor e especialista em alguma Atividade
de Estado Maior, seja geral ou especial. Mesmo os oficiais generais de exército, que
agregam um oficial superior, com curso de Estado Maior ou não, será apenas ASSITENTE
para atividades de ordem particular da autoridade. Há confusão entre ASSESSOR E
ASSISTENTE. Portanto, não existe Estado Maior Pessoal. O que realmente existe é:
ASSITENTE PARTICULAR ou como algumas autoridades civis têm: secretários particulares.
A melhor sugestão é: ASSISTENTE PESSOAL.

Eu e as Medalhas

Todas as minhas condecorações me foram outorgadas em corpo de tropa. Apenas


algumas, as recebi por estar em Brasília. Mas a outorga foi em tropa.
Assim, a primeira, de dez anos, recebi em Itajubá, ainda capitão. A medalha de tempo
de serviço embora pareça automática, o interessado tem que requisitar. Não é automático.
Em Brasília recebi a de vinte anos. Fiz jus por ter vinte anos de serviço e não por
indicação ou por estar em Brasília; recebi também a de Mérito Amazônico, passador de
prata, duas castanheiras, também por tempo de Amazônia, mais de cinco anos, e não por
estar em Brasília; recebi a do Pacificador, também em Brasília, assim que saí tenente-
coronel. Como disse em outro local, a proposta fora feita quando eu major em Porto Velho,
mas que fora arquivada no DEC, canal técnico, por ser Major.
Como comandante de batalhão, portanto comandante de corpo de tropa, recebi: a da
Policia Militar do Acre (Medalha do Mérito Plácido de Castro), do governo do Acre – Estrela
do Acre, no grau de Grande Oficial – recebidas em Rio Branco; a da Ordem do Mérito Militar
– grau de cavaleiro, recebida em Manaus; a do Castelo de Ouro (Castilho de Oro) do
Comando de Engenharia da Bolívia entregue em Cobijas – Bolívia.
Considero também comendas o Diploma do Mérito Cultural dos Nauas – Da
Prefeitura de Cruzeiro do Sul; o Titulo de Cidadão Murbanense e o Titulo de Cidadão Rio-
branquense. Embora não saiba se é condecoração ou outro tipo de distinção, recebi o
Distintivo de Comando – dourado, tudo durante o comando;
Em Campo Grande, no CMO, que é também Divisão de Exército, portanto, para um
QEMA é corpo de tropa, tempo arregimentado, recebi a Medalha da Vitória, - no 9º BE Cmb;
Insígnia do Mérito da Polícia Militar (05 Nov 96);
Em Manaus, a medalha do Mérito Amazônico, passador de Ouro, três Castanheiras
(15/08/97) e Medalha Militar de Ouro (25/08/97); Medalha Marechal Mascarenhas de Morais
em 24 agosto de 1999.medalha outorgada pela Associação de Ex -combatentes Brasileiros,
na ocasião da inauguração do monumento aos Ex-combatente, em frente ao antigo QG da
9ª RM, na Avenida Afonso Pena.
Assim, meus troféus de guerra também são compostos por medalhas.

Eu e o CMPV

Quase no final de ano, talvez final de novembro de 1990, um susto. Fui chamado pelo
coronel chefe da divisão de ensino em sua sala. Em lá chegando, ele me disse que eu tinha
oito dias para apresentar uma diretoria para o CMPV. O oficial, o segundo mais antigo, tivera
um mês e não apresentou tal diretoria. Bom, fiquei abobado. Nunca tinha sido diretor,
presidente, gerente de clube nenhum, embora fosse duas vezes fundador do Circulo Militar
de Alegrete: 1972 e 1981. A fundação, em 1972, desapareceu: nenhum livro, nenhum rastro.
A de 1981 foi forçado pelo comandante do B Log. Começamos a usar o centro Hípico do 6º
RCB, inicialmente. Aliás, levamos um NÃO bem grande da então Diretoria de Assistência
Social. Pedimos dinheiro para construir uma piscina no círculo. Veio a resposta perguntado
para que queríamos piscina em Alegrete se tínhamos apenas dois meses de sol forte por
ano. Foi um balde de gelo no nosso entusiasmo.
Na ECEME, a coisa era dividida assim: o oficial mais antigo, o xerife-mor, ficaria de
presidente do chamado Grêmio Castelo Branco; o segundo seria Presidente do Circulo
Militar da Praia Vermelha ou o CMPV. Era escalado mesmo. A presidência então era de
aluno. O general mais antigo, entre o comandante da ECEME e o do IME ficaria de
Presidentes Honorários. Bom, com isso criei uma inimizade, até por ali. O bendito que não
apresentou a diretoria, achou que eu deveria comunicá-lo disso. Ora, eu recebera ordem.
Não era uma chapa: era uma diretoria. Quanto à eleição, isso ficaria para depois, seguindo o
Estatuto. O oficial presidente, o Japo, de Mat Bel, terminando o curso deveria seguir destino.
Bom, eu passei um dia pensado de como montaria isso. Fui conversar com alguns
instrutores da minha turma. Eles tinham feito o curso, assistido dois presidentes no mínimo.
Da conversa, surgiu a ideia de eu convidar um oficial cada arma, o que daria exatamente o
número de oficiais que precisava. Comecei pelos mais antigos. Aí o povo tira o corpo fora.
Mas montei. Consegui uma equipe de altruístas e de abnegados. A exceção foi as
Comunicações: ninguém quis participar. Todos estavam de olho no desempenho do curso.
Não convidei os primeiro de turma porque seria uma ofensa. Assim montei minha diretoria.
O engraçado que, para compensar a falta dos comunicantes, chamei mais um de
engenharia. Assim ficamos três: eu, o vice-presidente e o Diretor Secretário. Acho que
escolhi o camarada certo: tinha uma capacidade de se antecipar a problemas. Era até muito
chato porque ele sempre via o “meio copo vazio”; um bandido em cada esquina; uma
armadilha em cada passo. Assim eu tinha o contraponto de qualquer coisa ali conversada.
Tinha um pequeno problema: ninguém tinha sido diretor ou pertencido a algum clube, circulo
ou coisa parecida. Íamos com a cara e a coragem. Os majores eram atrevidos. Depois fiquei
com três tenentes-coronéis que eram da turma de 72. Disse a todos que ali estavam numa
vitrine. Embora muitos não tivessem aceitado, tinham inveja e ciúmes, pela projeção social
que, ser da diretoria, proporcionava. Depois da projeção, vários gostariam de estar no lugar
deles. Mas isso é porque a coisa estava funcionando bem. Eles não aceitaram por medo de
não dar certo. Falta de autoconfiança.
Mas, nós substituiríamos a diretoria que saia sem, entretanto, ter sido eleitos. Já de
início um grande desafio: era tradição, do Círculo, fazer um baile de Réveillon de grande
repercussão. Muita gente e a festa com qualidade. Felizmente os funcionários eram muito
experientes e acabamos por comer nas mãos deles. O circulo tinha cerca de 60
funcionários: de gerente a faxineiro. A coisa era confusa em termo de entrada, saída, hora
extra, alimentação de funcionários, garçons funcionários, garçons avulsos, mestre de
garçom (maître). E havia um convênio com SESC/SENAC para estágio de alunos e alunas.
E como sempre tenho sorte, fui ajudado pelos anjos: o mestre orientador dos alunos do
SESC era Irmão de maçonaria. E passou a frequentar nossa Loja. Foi meu grande professor
em tudo. E aí ele me mostrou alguns gargalos de desperdício e também alguns indícios de
desvio, pura e simplesmente. Assim passei a cuidar desses gargalos de modo a não se
deixar enganar e nem assustar todos e ter um pedido de demissão em massa e o círculo
ficar “ingovernável”. O Vice-presidente ficou ligado ao abastecimento (era o E/4). Na verdade
ficou como um fiscal administrativo. Tinha, na secretaria, um funcionário de quinze anos de
serviço. Estudara e era advogado. Portanto era nosso assessor jurídico. Recebemos oito
casos trabalhistas. É a praga dos garçons: se contratá-lo seguidamente cria vínculo
empregatício. E aí, ao acusador não cabe o ônus da prova. Um dos gerentes era ex-cabo
que servira na própria ECEME. Paraibano muito falante, embora gago, mas que entendia
bem de tudo: desde o orçamento de festas até churrasco de final de semana. O Circulo tinha
instalações bonitas, embora não luxuosas. O presidente, de dois anos antes, de engenharia,
conseguiu fazer uma bela reforma e construir mais um salão de festas. O local era muito
bonito e os salões com conforto. Tinha um ar medieval. Era muito procurado para recepção
de aniversários e casamentos. A regra era: para qualquer recepção, a bebida e os coquetéis
eram do restaurante do circulo. Tinha cozinha e cozinheiro muitos bons, a grande maioria da
Paraíba e aparentados. O restaurante produzia um cardápio de pelo menos trinta pratos, á
base de carne, aves e peixe, além de variados tipos de salgados e canapés para coquetéis.
Nos aluguéis dos salões, em geral o clima era quente e todos sempre suados. O ar
condicionado dos salões nem sempre era suficiente. Então, havia uma doutrina entre os
mestres do circulo, que em carteira eram dois: quando o responsável da festa autorizava
servir, haveria quinze a vinte minutos para serem servidos. Vinha uma avalanche de chope,
dois ou três garçons com bandejas cheias e o chope em copos suados; cinco minutos
depois vinham os canapés. A tática era: com sede, o freguês bebia logo um ou dois corpos
de chope como se água fosse; em seguida, levas e levas de salgados. Bom, o teor etílico
pelo chope bebido como água era imediato; aí o distinto agredia os canapés e acabava por
se empanturrar de salgado com grande economia para o restaurante: ele comeria menos do
prato principal. Se fosse jantar, ele jantava o salgadinho.
A festa do Réveillon foi um sucesso. Conseguiu-se, não sei como, contratar a
Orquestra Tabajara. A nossa estreia foi pra lá de gratificante. O maior desafio era a
decoração e o tema. Não se tinha dinheiro e nem tempo para contratar alguém do ramo.
Foram as mulheres dos diretores que se engajaram pra fazer a decoração. Quando foi lá
pelas sete da noite deu uma chuva com vento tão grande que imaginei que a festa ia ser
cancelada. Mas às dez da noite já tinha estrelas. O estrago não foi tanto assim. Esta festa
era o grande momento para capitalização do restaurante. Nos momentos de vacas magras
era essa receita que cobriria a escassez. Era como um fundo de reserva.
Logo nessa festa tive o primeiro aborrecimento. Era tradição, até o ano anterior, o
círculo reservar várias mesas para coronéis chefes de departamentos tanto na ECEME
como no IME. Como pelo planejamento estava tudo muito curto, e alertado pelo gerente, fui
falar como general meu comandante. Ele disse que deixasse apenas uma mesa com quatro
lugares pra os presidentes de honra. Se ele não fosse, iria o comandante do IME; se
nenhum dos dois confirmasse a presença, a mesa reverteria para o circulo. Quando os
convites não chegaram juntos das “autoridades de terceiro escalão”, mandaram inquirir o
presidente do círculo. Eu apenas disse ao gerente que a ordem era do comandante da
ECEME. Alguma dúvida que fossem perguntar a ele. Como eles eram medrosos, nunca
foram perguntar a quem de direito.
A coisa era por fora bela viola, mas por dentro, pão bolorento. A cozinha, o material
de restaurante, as câmeras frigoríficas, os depósitos eram um desastre de ruins, de
deteriorados, de sujos. Os funcionários também er mal acomodados. Quando tinha festa
noturna, ficava uma equipe que dormia feito animais nos depósitos e até de baixo de árvores
de modo que terminada a festa eles limpavam tudo e arrumava para que no dia seguinte
tudo estivesse pronto. E haja pagar horas extras. Também eles se alimentavam com
alimentos do cardápio. Logo foi inventado um cardápio de alimentos para funcionários. E
todos se alimentavam em um lugar para isso escolhido, isto é , sempre tinha um salão
desocupado e ali mesas eram colocadas e todos tinham seu momentos de refeição. É claro,
fugiam dessa rotina os garçons. O círculo tinha até eletricista de plantão, bombeiro hidráulico
de plantão. Devagar fui demitindo todos.
Procurei entender comoeram adquiridos os produtos de manipulação: carne, óleo
(muita frituras), frango, peixe. Ainda bem que a Vigilância Sanitária nunca esteve por lá.
Bom, as carnes eram nobres: filé mignon, e picanha. Fui descobri, por informação do
gerente e do mestre do SENAC que um quilo de carne teria que dar três pratos com preço
da carne in natura; assim, o primeiro terço era para pagar a carne; o segundo para pagar as
despesas e a terceira seria o lucro da casa. Vi também homens honestos e dedicados: o
mestre da cozinha não deixava perder nada. A carne que era limpa, as sobras eram para
alimento dos funcionários e outras eram para, depois de moídas, confeccionar rissoles,
pastéis, coxinhas e outros salgados. Mas a origem das carnes é que era danado. Havia um
fornecedor que entregava no Circulo. Era de Nova Iguaçu. Imagine o matadouro onde o
fornecedor apanhava a carne. Era uma temeridade. Depois se conseguiu um fornecedor de
carne de um açougue até perto: a firma que entregava ao açougue também nos entregava
os quilos de picanhas e filés da semana. Se houve algum consumo exagerado, o escape era
os supermercados. Procuramos montar nossos preços de modo a deixá-los compatível com
o bolso dos oficiais. Se ficasse muito caro eles não frequentariam e cairia a arrecadação.
Tinha uns restaurantes: no flamengo, outro em Copacabana e outro no Rio Sul onde nós
fazíamos comparação com nosso cardápio: qualidade e preço. Procurávamos estar sempre
abaixo. Abrimos os almoços de domingo para moradores da Urca. É claro que havia um
pereço diferente para os sócios que sempre portavam a carteira.
As instalações eram um comodato com o Forte do Leme que era administrado pelo
CEP (Centro de Estudo de Pessoal). É que o Círculo ficava no mesmo conjunto de morros
que terminava no Forte do Leme: morro do Leme, Morro do Urubu. Na parte norte, do
conjunto de morros, ficava a Estação do Bondinho, o IME e o Círculo; na parte sul: a Favela
Chapéu Mangueira e Favela da Babilônia.
Era tradição, do Círculo, servir o chope próximo do zero grau. Para isso, em tempos
passados, fizeram uma serpentina bem mais comprida. O gasto com gelo também era bem
maior. Mas o chope saia muito gelado. Quando alguém chegava ensolarado, suado, bebia
duas tulipas como se água fosse; depois da terceira tulipa, o tira gosto poderia vir cru,
queimado, sem sal, salgado que o freguês achava divino. O círculo, no ano anterior e
naquele ano chegou, por algum tempo, a ser o terceiro maior vendedor de chope da cidade
do Rio. Com isso tínhamos bônus em barril, o que nos permitia vende ainda mais barato,
sem perder a margem de lucro. A única coisa que não conseguimos vender foi chope
escuro. Além da pouca saída, o danando depois de aberto teria que ser consumido em vinte
e quatro horas. A diretoria anterior, com patrocínio da diretoria anterior da Brama, foi
convidada para o camarote da Bramam naquele ano para o carnaval na Sapucaí.. No meu
ano, diretoria nova, fomos esquecidos.
As atividades eram constantes e diversificadas. Nós fazíamos toda a segunda feira
uma reunião da Diretoria onde conversávamos sobre o que passou e o que tinha por vir.
Todo mês havia um chá de senhoras. Era cobrado por pessoa. As esposas dos
diretores é qum organizava, isto é, criavam os temas e os cardápios. O pessoal do círculo é
quem produzia: cozinheiros, garçons, métres e o gerente. A qualidade era alta e o local
aconchegante. À convite, até o padre da Urca veio participar de chá de senhoras e passar a
mensagem dele. Ficou de levar o Roberto Carlos para uma visita informal ao círculo. O
pessoal espera até hoje. O padre acabou sendo sócio convidado, pois nos finais de semana,
ele almoçava e queria o abatimento de sócio.
Havia um ruma de oficiais da reserva. Até o alegretense que encontrei comandante
do 1º Ferroviário e depois fora promovido no DEC, era um dos frequentadores. À pedido, do
Diretor de Esportes, fizemos um torneio mensal de dupla de vôlei, mas apenas de sócio do
circulo. O circulo dava como brinde, patrocínio, um barril de chope servido sob a
“amendoeira” (Nome Comum: Chapéu-de-sol, Sete-copas, Amendoeira, Amendoeira-da-
praia, Amêndoa, Amendoeira-brava, Amendoeira-tropical, Guarda-sol, Noz-da-praia,
Terminália, Amendoeira-da-índia, Amendoeira-do-pará, Anoz, Árvore-de-anoz, Árvore-de-
noz, Cuca, Castanhola, Guarda-chuva, Chapéu-de-praia, Amendocira Amendoeira; - Nome
Científico: Terminalia catappa). Esclarecendo: O terreno do Círculo era inclinado por ser na
encosta do morro do Urubu. Havia uma árvore enorme cujo nome popular varia de estado
para estado. Por isso, coloquei todos os que encontrei, na internet. Pois bem, ao pé da
amendoeira ficava quase que um lugar reservado e protegido ou do sol no dia ou do sereno
à noite. Era um lugar disputadíssimo. Como o local era nobre, então a comemoração do
torneio era naquele lugar nobre. Segundo os mais antigos (tinham vários pais com filhos na
ECEME) estava sendo o período que melhor foram tratados.
O diretor social, uma figura impar: infante, piloto de helicóptero, paraquedista, forças
especiais, baiano e diretor social. Mas, juntos, fizemos coisas boas como um baile mensal,
com prevalência de musica regional: Sul, Sudeste/Centro Oeste, Norte/Nordeste e Carioca.
Ainda não havia a praga do Funk. Abrimos com o sudeste/centro oeste vindo um grupo, de
músicas caipiras, de Minas Gerais, trazido pelo Diretor de Esportes, mineiro, de Belo
Horizonte, mas ligado às músicas caipiras. Houve até um repeteco, pois o vocal era muito
bom e o trouxemos outra vez num final de semana. Assim fomos contentando os diferentes
brasileiros ali presentes. Quando foi a vez da região sul, haveria uma apresentação de um
grupo folclórico gaucho (não me lembro, se de CTG). E que apresentaria alguns números
com apresentações típicas: chula, dança do facão e outros. Depois haveria a parte
dançante com o conjunto. Lá pelas tantas da noite, pela meia noite, havia um prato quente e
a música parava. Nesse intervalo, vi o rapaz que tocava o tambor “legüeiro” como é
conhecido em toda a bacia do Prata. Perguntei de onde ele era, pensando que era um
gaucho renegado. Qual nãofoiminha surpresa quando ele respondeu, com todo aquele
chiado carioca: – “Sou de Marechal Herrrmexxx”. Ainda repeti: – “então você é gaucho de
Marechal Hermes”? E ele confirmou: –“com muito orrrgulho”. Quando eu disse prato quente,
lá pela meia noite, é porque foi uma fórmula bolada pelos diretores para chamar a atenção e
o interesse dos associados. Assim, para compor o preço, era computada a despesa com
músicos (apresentação, transporte, comida e bebida – não escapava nada – todos pedidos,
de músico, eram por comandamento), com garçons extras, com cozinheiros extras e
funcionários extras. Isso era dividido, pelo número de mesas que se estabelecia e daí se
teria o preço por mesas. Não vendíamos entradas em separado. Vendia cadeira extra para
uma mesa. Bom, as bebidas eram á parte. Se fosse incluí-la, seria injusto, pois quem bebe
muito pagaria o mesmo que quem bebe pouco. Bom, alguns eventos a coisa foi fraca. Aí
surgiu a ideia do que ficou conhecida como a “falsa Boca livre”: se anunciava que, entre
onze e meia noite, haveria um prato quente, que em geral eram três, de graça. Muitos
tinham isso como um jantar. Então, no preço também estava incluído o prato quente. Mas
isso era anunciado como brinde. Assim, os enganados achavam que tinha uma “boca livre”
na festa – um jantar de graça.
Também foi ideia dele fazer um baile para adolescente com o tema Anos Sessenta.
Assim, proporcionaria um baile só para jovens. E fizemos questão de mobilizar toda a
diretoria de modo que, nos salões, só teriam adultos da diretoria. Todos com direito à mesas
com talhas, arranjo se atendimento por garçom. Como todos os pais eram sócios, então
ficaria fácil cobrar as despesas.
O Circulo patrocinou vários cursos rápidos às senhoras, todas ligadas à decoração,
arranjo de festas, etiquetas em cerimônias. Afinal, todas as esposas de alunos da ECEME
seriam eventuais esposas de comandantes de batalhão e muitas de generais. Também, com
patrocínio de uma agencia de viagem, foi feita uma viagem do Rio à Foz de Iguaçu, com
visitas à Cataratas, à Itaipu e ao Paraguai para bagulhar. Foi até oficial aluno do primeiro
ano da CEME.
A diretoria, que saiu, deixou costurado um contrato com o Banco Real para que fosse
colocado nas instalações um posto do Banco Real. Na verdade teria que ser uma licitação.
Mas, no EPV havia dois bancos: Do Brasil e Caixa. Acho que houve acordo de cavalheiro e
não criaram caso com o Real. Mas eu acabei por alterar algumas coisas tratadas porque ele
não estava querendo cumprir o combinado fora do contrato. É o tal de arranjos: tudo certo
no papel, mas... E para sofrimento meu, o futuro chefe do posto, mas que viraria uma
agencia, era filho de oficial de engenharia: o dito que ficou perenizado em Rondônia com o
“corte do Künner”. O jovem era filho do coronel Künner que fez o corte quando era capitão. E
mais sofrimento ainda: era Irmão de maçonaria. Bom, o banco construiu uma agencia que
eu obriguei que ficasse com a porta do lado de dentro das instalações. Ele queria que a
entrada e saída ficasse para fora. Eu, círculo militar, poderia comprar uma briga
desnecessária com a Associação de Moradores da Urca – AMOUR e com o patrimônio da
União. É que poderia acontecer que todos os moradores do bairro, com conta no Real,
viesse ao posto, o que começou a acontecer e teria filas e atrasos para o pessoal militar. E
também por questões de segurança do posto: com a porta pelo lado de fora poderia ser
assaltado com grande repercussão para o nome do EB. Depois que eu passasse a
presidência, fizessem o que quisessem, e como fizeram: Mal passei a direção, e o gerente e
a diretoria refizeram a saída. No local do banco era um parquinho infantil: Foi transferido
para outro local, mais seguro e com mais equipamentos. Isso renderia uma mensalidade
pelo comodato (comodato oneroso) e as instalações, quando o banco se retirasse, ficariam
para o circulo. O comodato era de dez anos, caso não me engano. A AMOUR, como disse
era bem articulada. E me socorri dela para impor de vez minha argumentação de entrada do
posto pelo lado de dentro do circulo. O Presidente da época se sentiu lisonjeado ao ser
consultado. Assim, mandei um oficio a associação com uma resposta dizendo que embora a
associação não tivesse ingerência em área militar, iria consultar o Patrimônio da União para
fazer um laudo sobre o consultado uma vez que poderia haver desfiguração do ambiente
arquitetônico. Com isso, os diretores do banco se calaram. Que eu me lembre, nunca
chegou nenhum laudo por lá. Minha preocupação era legítima, pois qualquer intervenção de
entidade civil repercutiria mal para a ECEME.
O Plano Collor reteve uma grande bolada de dinheiro do Círculo. Na minha gestão, o
danado foi desbloqueado. O rendimento pago pelo dinheiro bloqueado foi muito bom. Foi
uma agradável surpresa. Assim podemos fazer algumas obras que melhorava a rotina de
trabalho. Conseguimos reformar o telhado da cozinha; fazer um alojamento e refeitório pra
funcionários; fazer banheiros para os ocupantes dos espaços abertos, adaptação de um
local bonito, mas inadequado, para qualquer coisa e que chamamos de Salão Casa Blanca
(homenagem ao um cassino que ali existiu nas décadas de quarenta ou cinquenta). O “Casa
Blanca” ficou multiuso: de churrasqueira até espaço para ginástica. Com o aluguel do Banco,
fizemos um local para a administração do circulo. A que existia era apertada e
inconveniente. Assim se ganhou mais espaço para o salão do piso térreo.
Dentro do nosso Plano de Obras, foi feito um acesso, ao deposito e às câmaras
frigoríficas, mais adequado. Antes, quase entrava salão a dentro para usar uma escadaria
perigosa. Em particular quando tinha eventos numa dos principais salão a coisa era
incômoda e pouco pratica e prejudicava quem ali ia entregar alguma coisa. A concepção foi
minha: um “insight” de mestre. O engenheiro que fazias outras obras gostou ideia. Em três
dias, o suficiente para curar o cimentado e algum concreto. Assim foi feita uma porta como
se fosse portas de forte medieval, o que combinou com a arquitetura local e assim, por uma
escada se atingia facialmente os depósitos e as câmaras frigoríficas. Bom, seguro morreu
de velho: o depósito passou a ter dois cadeados, daqueles também medievais: uma chave
com o chefe de cozinha e outro com o administrador ou gerente da noite. Assim sempre teria
dois responsáveis, ou “suspeitos”.
Tivemos um problema. Um dos funcionários, veja só, cozinheiro, caiu doente e não
mais voltou. Em vinte dias morreu. Pelo atestado de óbito, apresentado pela família, estava
a “causa mortis” – AIDS. Levei um susto, por dois motivos: um, a repercussão negativa por
ser cozinheiro e ninguém ainda dispor de informações adequadas sobre a doença. Dois, se
teve AIDS pegou onde? Se fora no circulo, foi com quem? Ou se passou a doença a alguém
do círculo. Só depois da morte é que soube ser ele, hoje tão na moda – bissexual. E quem
detinha a informação era uma funcionária. Nem os homens ou por medo ou por desconhecer
mesmo. Pedi uma dispensa na escola e fui falar com o Diretor do IBEX – instituto de Biologia
do Exercito. Antes eu telefonei e pedi a ele uma orientação, mas eu iria lá ao IBEX em
Triagem, próximo ao HCE (Hospital Central do Exercito). Lá ele me reuniu com um médico
do HCE e outro infectologista do Instituto. Lá eles me explicaram sobre possíveis riscos de
contaminação em outros funcionários, mas que eu não tinha coo fazer nada. O hospital onde
morrera o funcionário é que tomaria providencias pra que alguma pesquisa epidemiológica
fosse feita. Quanto aos riscos de contaminação de alguém era quase nula a não ser a carga
de rejeição de frequentadores. Bom, vim mais aliviado, e levei ao conhecimento do
subcomandante e comandante da ECEME tanto sobre a morte quanto a minha ida e as
orientações do IBEX. Reuni os gerentes e mestre e o cozinheiro chefe e disse a eles que
deveriam evitar comentários entre os funcionários. E aí eu tive um lapso de inteligência,
coisa rara, disse ao gerente: “olha, se ficarem comentando muito, os clientes e
frequentadores saberão, não virão e teremos um enorme prejuízo com risco de demissão; e
todos seriam suspeitos da coisa; e se alguém perguntar sobre o cozinheiro e ou morte de
funcionários digam que realmente morreu, mas não foi divulgada a causa; que pela rapidez
da morte possivelmente fosse câncer”. Eles aceitaram a argumentação e a coisa caiu na
normalidade. Tanto para o enterro, como para a missa, escalei três funcionários como
representante do Circulo. E também o circulo pagou a missa do sétimo dia. No meu
comando, tive que repetir a mesma xurumela: incorporamos um soldado contaminado. Na
pesquisa ficou visto que ele pegou de uma enfermeira que já havia morrido uns dois meses
antes da incorporação.
Quase tenho um atrito sério no CMPV. Bom, todo final de semana teria um dos
diretores de serviço. Eu era livre atirador, pois deveria estar lá sempre, no mínimo à noite.
Tal oficial de permanência tinha como recompensa o não pagamento de seu almoço com a
família, naquele dia. Existiam uma discoteca aos domingos entre dezoito e vinte e uma
horas. Para os adolescentes era uma festa. Mas alguns filhos de companheiros, ex-alunos e
servindo no Rio, começaram a frequentar o CMPV embora os pais não fossem sócios.
Começaram a entrar por consideração. Mas juntos com alguns vieram convidados dos
convidados e logo descobrimos que havia gangues rivais que frequentavam o CMPV.
Investigando a fundo, o líder de uma das facções era um filho de um oficial de engenharia,
turma de 72 e primeiro de turma. E mandei barrar o filho dele e todos os convidados. Não
deu outra: lá pelas oito da noite apareceu o tenente coronel espumando. Foi de dedo em
riste na cara do major de serviço procurando saber por qual motivo a discriminação com o
filho dele. O major disse que era ordem do Presidente do Circulo e que o telefone dele era
tal. Quando o tenente-coronel ouviu o nome do Presidente, baixou a bola, como disse o
major. Mas aí o major, fez o aproveitamento do êxito, quando o jovem vacilou. Logo me
telefonou. Fui até lá e falei com o pai do menino. E fui duro e claro: – “olha, o filho é teu e
você deve saber com quem ele anda. Entretanto aqui ele só entra sozinho e não com os
amigos dele que são mais de vinte. têm menores destratando garçom querendo bebida
alcoólica. Estou sendo bem sincero contigo pois não tolerarei mais desacato de convidados
de teu filho com pena de comunicar ao comando da ECEME. Aí que o bicho estremeceu:
–“Higino, que é isso, nós somos amigos; deixe que vou orientar o menino quanto aos amigos
dele, mas fique tranquilo que não quero perturbar o ambiente que conheço dos meus
tempos de aluno. Bom, chegou o major e, querendo ir à forra, disse: – “o coronel chegou
nervoso... mas parece que lhe conhece bem pois quando falei em seu nome ele se
acalmou.” Bom, nunca mais o menino apareceu. Engraçado que tivemos que espantar um
capitão da Escola de Educação Física que vinha dançar junto com os adolescentes. Quando
descobrimos, fiz um documento sigiloso ao comandante dele. Também nunca mais
apareceu.
Não sei por que cargas d’água teve uma turma do IME que se formou no meio do
ano. Todos eram R/2. Nenhum oficial de carreira. Fui convidado pelo comandante e tive que
repartir a mesa principal com general. Mas como a maioria eram de jovens, não deu outra:
bebedeira e porre. Quando o general disse que estava preocupado eu chamei o mêtre e
pedi que freasse o atendimento de bebidas, pois, e era verdade, estava havendo
desperdício. E muita gente passando da medida. O general encerrou a festa umas duas
horas mais cedo. Eu tentei fazer uma festa dirigida para os oficiais do IME, na volta das
férias do meio de ano. Assim, quebraria a dureza com eles levavam o curso. É bem verdade
que o curso é difícil, mas algum lazer era necessário. Pois bem, se não fosse os oficiais da
ECEME, teria sido um fracasso. Nunca mais fiz nada para facilitar a vida deles. A festa de
graduação final e encerramento de ano fora feito no círculo. O orçamento foi normal para
sócios e apenas isso. Até hoje ainda acho que a dificuldade do curso do IME é apenas
gênero, moda, estilo para se tornar misterioso. Mas...
Ali pelo meio do ano aconteceu algo que foi um marco. É que o gerente já tinha muito
mais de dez anos de casa. E todos desconfiávamos que houvesse desvio e não era pouco.
Ele vivia com padrão de vida bem acima do que ganhava embora fosse um camarada
virado. Entendia bem de tudo: de orçamento de festa até onde estavam oferecendo
melhores preços para compra de material. Como dito, fora cabo na ECEME. Quem me
alertou para o fato fora o Mêtre do SESC e irmão de maçonaria. Ele me sugeriu comprar
uma máquina registradora onde tudo ficava registrado segundo o relatório emitido.
Passamos por treinamentos os caixas ( e aí morava o maior perigo). Eram de confiança,
mas não de tanta confiança. Treinamos o pessoal da tesouraria. Assim no encerramento do
caixa, se tinha um relatório com taxa de ocupação de mesas e também o número de
comandos que cada mesa sofria. Nada mais era manual; nada seria capaz de sumir com
comandos em papel. Até hoje não sei por que chamam os papeis de anotações de garçom
de “comanda”; se o nome correto seria “COMANDO”. É o papel que comanda a cozinha, o
homem do bar... Cada folha de papel se refere à mesa considerada e mesmo que nãos seja
o mesmo garçom que “comanda” o pedido, a despesa será dirigida para aquela mesa. Mas a
máquina durou pouco. Logo “pifaram” adanada... Assim as mesas com mais despesas
nunca seriam computadas no balanço da noite, no fechar o caixa. Tivemos que demitir uns
dois caixas para que o pessoal ficasse experto. E aí ou por coincidência ou por controle da
máquina tanto o gerente do dia como o da noite pedem demissão por um motivo justo e
nobre: iriam participar da licitação promovida peloclube Militar. O restaurante lá era com
movimento muito maior que o nosso. E era terceirizado. Era grande oportunidade de se livrar
deles. Facilitamos tudo, até a irregularidade de eles devolverem os 40% do FGTS. Também
avalizamos a capacidade técnica e idoneidade moral dos dois. E assim foram demitidos.
Ganharam a concorrência no Clube Militar. Até a última vez que eu os encontrei estavam
muito bem. Ficaram com o restaurante da Avenida Getúlio Vargas. O gaucho é que desistiu
da sociedade e voltou para o sul. Assim, ficamos livres de algo que naturalmente não
conseguiríamos: dois gerentes com mais de dez anos de casa. Mas veio uma enorme dor de
cabeça: achar substituto para os dois. E também os melhores cozinheiros começaram a
debandar. Bom, ainda bem que tinha mais paraibanos bons de cozinha lá pelos bairros onde
moravam. Para substituir os gerentes, resolvi contratar um tenente QAO, por um salário
igual ao do antigo gerente. Tinha um problema: estava difícil conseguir alguém para o
trabalho noturno. Assim decidi pagar mais aos Metres do Circulo que eram três. Assim, eles
se revezavam na noite, apenas para gerenciar e tinha seus salários bem aumentados.
Terminava o movimento em geral à meia noite e eles fechavam os caixas e deixavam as
instalações para o vigia da noite. À vezes ficavam alguns trabalhadores arrumando mesas,
limpando salão e deixando tudo pronto para ou outro dia. Assim tinha um encarregado de
limpeza e arrumação. E isto era, nos finais de semana, um trabalho intenso. É que a partir
das sete da manhã já começava a chegar o pessoal do vôlei, da caminhada na Pista Cláudio
Coutinho e da sala de musculação e todos prontos para o chope; às dez começavam os de
almoço que ia até à 15 horas; depois vinham os que começavam a esquentar a tarde se
preparando para a noite. E assim ia até tarde da noite. Não raro alguns aqueciam no chope
no circulo para depois subir ao Pão de Açúcar, pois lá em cima a bebida era muito cara. Mas
o Tenente tinha que verificar, durante o dia, tudo: desde falta de funcionário até as
aquisições. É claro que na cozinha tinha o cozinheiro chefe que fazia seu pedido
diariamente; o pessoal do salão com material de limpeza... Promovemos duas meninas para
os orçamentos de festas. Na verdade já eram elas que faziam. O serviço era intenso e o
companheiro QAO só aguentou três meses. Fui buscar outro, ou melhor, o que saiu indicou
outro. Assim deixei uma bomba relógio para a diretoria que entrou.
Na fase de elaboração de nosso Plano Diretor, e o fizemos, contamos com apoio de
desenho do IME, pois um dos Diretores era do IME. Como a diretoria era a comando da
ECEME, a Diretoria de Patrimônio era de um instrutor do IME. O da minha diretoria era do
curso de Química. Fizemos um desafio e colocamos o curso de fortificações à prova e
pedimos a um professor catedrático (desde a reforma universitária de 1968, não há mais
cátedras nem catedráticos no Brasil, infelizmente) e pedimos um projeto de piscina num
lugar terrível. Era uma ravina por onde passava muita água quando chovia. A drenagem
seria terrível. Bom, um outro professor, queria testar uma teoria de que para piscina não
precisaria ter concreto, bastaria alvenaria de tijolo. Bom, o fato é que pelos projetos, a
piscina custaria uma fortuna e nós não teríamos dinheiro e tempo para termina-la. Assim
deixamos tudo com a nova diretoria. Sei que construíram a piscina, mas não sei se foi o dito
projeto.
Outra peripécia foi uma obra de contenção que foi feita para proteger o muro que
protegia da maré. Pois bem, a maré, por qualquer razão começou a brocar o alicerce do
muro e já tinha adentrado uns dois metros. Atingia a amendoeira e quase se via o cone da
raiz pivotante. Falamos com um instrutor da Escola de Guerra naval, que era formado pelo
IME e pedimos a ele uma sugestão. Ele nos orientou que teria que aterrar a parte corroída e
fazer um tipo de plataforma de modo que evitasse a água atingir o muro. Se assim não
fosse, tudo se repetiria depois de algum tempo. Seria uma caixa de alvenaria de tijolos
maciço, com enchimento de resto de construção e areia. Depois seria revestida com lâminas
de pedra o que tornaria a alvenaria da contenção semelhante ao do alicerce e com material
mais resistente à ação da água do mar. Todo o muro era sobre um alicerce em pedra de
mão e com argamassa de areia e óleo de baleia. Era coisa frágil. A contenção seria para
evitar a ação da água no alicerce e ficariam na mesma altura: contenção e alicerce. E já
havia rastros de outras tentativas de contenção em diferentes locais do muro. Inclusive havia
um portão lateral que dava acesso à praia por aquele lado (atrás da amendoeira e passando
pelo Salão Casa Blanca). Tinha uma escada de alvenaria, pela praia, encostada ao muro,
que passava pelo portão lateral e dava continuidade para subir no morro. Esta escada tem
outro caso que contarei abaixo. Pois bem, ali, pelo lado de dentro, havia tinha um braço
metálico com roldana a guisa de guindaste que em algum tempo, segundo os mais antigos,
era para baixar e içar barcos e caiaques do Circulo que ali ficavam guardados. Abaixo desse
guindaste é que ficaria o muro de contenção. O curso da ECEME tinha uma viagem de uns
dez dias. Ficou como único representante da Diretoria o oficial do IME. Estávamos em pleno
vapor nas obras. Combinamos com o engenheiro que na semana seguinte, devido a maré
baixa, ele deveria mandar colocar todo os refugos e resto de construção no buraco debaixo
do muro, refazer o alicerce e muro e fazer um concreto forte como muro de arrimo que era a
contenção. Ainda bem que ele fez um desenho da cosia. E por incrível que pareça, quando
saímos, nada estava começado. Quando voltamos, o arrimo estava pronto. Quando
voltamos, fui chamado para falar com o general comandante da ECEME. Ele foi logo
perguntando: – “de quem foi a ideia maluca de vender chope na praia? Eu fiquei assustado e
devolvi a pergunta: – “bom general, quem foi que disse que alguém ia vender chope na
praia? Como ele queria uma resposta, e não uma pergunta, parece que não gostou muito do
diálogo, e desembuchou tudo, como bom cavalariano: – “recebi um telefonema do general
[não sei das quantas] que disseram a ele que o CMPV fez uma plataforma de modo a
vender chope na praia e que havia uma lei municipal que proibia vender bebida alcoólica na
praia em particular chope. E eu voltei com a pergunta: – “mas general, quem foi que disse
isso”? “Não foi ninguém da Diretoria do Circulo; e que plataforma de vender chope é essa”?
Ele sentiu que eu fora surpreendido com a coisa. E aí mais calmo, me disse: – “olha
construíram um “mondrongo” horroroso na praia; e foi feito pelo circulo; vá até ao coronel Y,
que fora comandante do EsIE (Escola de Instrução Especializada) e veja com ele com se faz
para explodir com dinamite o que vocês construíram”. Aí eu reagi forte: – “General, eu não
sei do que o senhor está falando; para destruir com explosivo é fácil, pois sou oficial de
engenharia; agora se for obra do Círculo, é obra e não mondrongo; se foi feito é porque
precisava ser feito. Aí ele baixou a bola. Pediu que eu fosse até lá e verificasse a coisa. E
era a contenção que estava pronta: faltava o revestimento. Chamei o engenheiro e trocamos
ideia para ser colocada as placas de pedra bem maior que as que ele pensava em colocar,
pois queria então deixar bem mais harmonioso com o muro e alicerce. E assim foi feito.
Como informação mal direcionada pode causar mal estar, medo e ideias precipitadas! Tenho
a impressão que, se eu não voltasse naquela semana, eles teria explodido a contenção.
Voltei e expliquei ao general o que fora feito, com o desenho em planta e com a assinatura
de um engenheiro civil e disse que aquilo fora sugerido pelo Capitão de Fragata XY da
Escola Naval. Ele engoliu em seco e disse que tudo estava esclarecido. Eu imagino que
alguém telefonou para algum general da turma, mais antigo que o comandante da ECEME e
ele, no ardor do cagaço, ficara com medo de perder a próxima promoção. Aliás chegou a
general de exército. O coronel do explosivo também e foi meu comandante no CMO. Olha,
eu não tinha tido a ideia de vender chope na praia sobre a contenção. Mas, com o
guindaste, o portão lateral a coisa era perfeita: se não fosse a lei, o circulo seria logo, logo o
maior vendedor de chope do Rio. Depois descobri a coisa, na reunião de diretoria onde o
major do IME relatou a semana. Foram os próprios funcionários que comentaram e
aventaram a possibilidade de ali seria um bom ponto de vender chope e qualquer coisa: até
almoço. Então alguém ouviu, telefonou para Brasília e de lá telefonaram ao comandante da
ECEME, que ficou todo assustado. Penso que o “mondrongo” ainda resite por lá.
A escada que passava frente ao portão lateral, beirando o alicerce, dava acesso a
uma casa de um pescador. Não entendi muito o desenrolar da coisa, mas havia uma ação
de despejo provocada pela justiça federal. Com toda a certeza fora impetrada pelo CEP,
pois como disse até o círculo usava o terreno como comodato. A ação rolava a bastante
tempo e o distinto não mudou tentando forçar a barra. Sabia que mais dias ou menos dias
teria que sair. A mulher do pescador era costureira de muitas mulheres dão EPV e Urca. Um
belo dia, alguns oficiais de justiça entraram lá e retiraram toda a mudança do homem que,
com mulher e uma filha, procuravam algum lugar para ficar. Tinham parentes, num bairro
longe que não me lembro mais qual, mas como e onde deixar a mudança como fogão,
geladeira, maquina de costura, mesas e cadeiras que foram colocadas na praia. O tenente
gerente me telefonou. Bom Lá pelas cinco da tarde, pedi que alguns funcionários recolhesse
o material e disse ao pescador que fosse tentar buscar alguma condução para levar sua
mudança. Assim ele fez. No outro dia, voltou e levou seu material. Mas a juíza, do alto de
seu prepotente notável saber e ilibado autoritarismo judiciário, queria ajuizar uma ação
contra o presidente do círculo porque dificultou a ação da justiça. Bom, por um oficial de
justiça que por lá apareceu eu mandei dizer que ninguém atrapalhou a justiça, uma vez que
o despejo fora consumado. Entretanto, por um ato de humanidade, coisa que não levada em
consideração, o material fora recolhido, a pedido do réu, apenas o tempo suficiente para que
ele conseguisse transporte. Se o material ficasse na praia, poderia ou ser roubado ou ser
tragado pelo mar. Bom, só sei que a coisa ficou como estava. Apenas, na primeira
oportunidade o Comandante do CEP mandou derrubar a casa deixando apenas o piso.
Cheguei até cogitar a construção, no local, de uma casa de hóspede para atender sócios.
Seria tipo hospedaria com direito ao café da manhã. Como havia sempre cozinheiro que
dormia nos alojamentos, e já fazia café aos que trabalhavam à noite, poderia fazer café para
os hóspedes. Mas já não teria tempo para isso. Antes, teria que ter um novo comodato, fazer
o projeto e depois construir com arquitetura que não destoasse da já existente.
Como disse no começo, o CMPV tinha um Assessor Jurídico. Era um antigo
funcionário, que com esforço, terminou seu curso de direito. E já era assessor jurídico há
tempos. Mas pela função de contrato, ele fazia isso muito bem, era a contabilidade. E fazia
os balancetes nos moldes que o tesoureiro queria. Os gerentes tinham até suprimento de
fundos. Mas, por ser advogado, queria, por espontânea vontade, defender as causas do
Circulo nos caso de justiça do trabalho. Nunca ganhávamos nada – sempre acordo; e todos
os empregados que saiam do circulo entrava contra o Circulo. Recebi três casos que foram
resolvidos e passei uns quatro. Dois ou três anos depois foi descoberto que ele, em conluio
com um advogado, informava ao dito o nome e endereço do demitido e o advogado entrava
com uma ação. Ele era o advogado com procuração e com ele sempre havia o acordo. Os
três repartiam botim. Ele nunca deixava alguém do Círculo ir às audiências. Depois que saí,
uma das duas ou três diretorias posteriores, descobriu e entrou com uma ação contra ele e
fora demitido por justa causa. Quis lograr o comparsa e este o denunciou na OAB. E esta,
talvez num único gesto honesto da autarquia, denunciou-o ao Círculo.
O circulo também cooperava muito com os dias nacionais dos ONA. Alguns faziam
festas de alto nível. Envolviam a Embaixada e o consulado no Rio.
Assim foi minha experiência como Presidente de um Círculo Militar. Talvez tenha sido
a missão mais espinhosa e a que mais eu tenha engolido sapo. Tive que tolerar muitos
chatos que de nada entendiam, mas que se achavam no direito de exigir. A muitos eu fui um
bom administrador. A outros eu administrava bem, mas era um brutamonte no trato. E a
outros eu apenas militarizei um clube que era de laser. Fiz o que eu achava que era bom.
Os diversos diretores tinham afazeres de sua Diretoria e também tinha a missão de
cobrir as necessidades das outras. O mais sobrecarregado era o Diretor Social em particular
no dia do evento. Assim, todos estavam à disposição. Bom, o único que tinha mesa
privilegiada era o PRESIDENTE. Entretanto eu convidava, por rodízio, um diretor por festa.
A bebida era por conta de cada um. No final, a conta ficava cara, pois em todos os eventos o
presidente deveria estar. E a maioria dos diretores ia. Assim, o que parecia ser um privilégio
era na verdade uma enorme despesa. Entretanto, entre os demais alunos e oficiais,
pertencer à Diretoria e estar à frente de eventos de qualidade dava um “Status” Social
enorme. E todos tinham imagens destacadas perante a massa. A Diretoria de Assistência
Social, além de atender aos funcionários, atendia também a uma Escola Maternal que ficava
dentro da área do EPV. Tinham crianças, na maioria de capitães do IME, mas também de
funcionários do circulo e até de funcionários do EB. Felizmente a esposa do Diretor de
Assistência Social era pedagoga. Tivemos uma despesa a menos. Assim, era bem
diversificada a atividade de cada diretoria.
Os diretores eram muito capazes. O que até me surpreendeu, positivamente, foi a
intensa dedicação de todos. Os oficiais de engenharia estavam acostumados a trabalhar sob
pressão e mostrar resultados, no final. Mas os de outras armas não tinham esse cacoete.
Também, como eu, sem experiências anteriores no trato com pessoas todos no mesmo nível
social, intelectual que nós. Nos quartéis as cobranças são de poucos, todos de superiores.
No Círculo, cada sócio era um oficial como nós. Dedicavam-se de corpo e alma. Consegui
uma boa união entre eles e trabalhar como equipe. É claro que tinha que aparar rusgas;
pedir que explicasse o que realmente estava dizendo, para que outros não entendessem o
que estava querendo entender. Foi meu enorme treinamento para ser comandante. Fui um
privilegiado de trabalhar em Estado Maior com QEMA sem ter sido general. Copiei
eletronicamente o discurso de despedida onde eu faço o meu agradecimento nominalmente.
E como homenagem a todos, e minha gratidão, listo os nomes com a mesma lista que usei
durante a gestão.
Exemplo a ser seguido

O fato de eu ter ido para a Academia Militar trouxe uma mudança nas classes
seguintes que prestaram o serviço militar. Espalharam, por todos os quartéis de Campo
Grande, que um recruta da Cia DAM fez concurso para a Academia Militar e passou; no
curso de cabo, de todas as unidades da guarnição (no jargão, “guarnição” é um núcleo de
unidades militares de um ou mais município, mas que tem características parecidas e
ligações fáceis), os instrutores usavam o fato, para motivar seus alunos. Soube que em
alguns cursos a média geral foi altíssima. Fiquei muito lisonjeado quando soube disso. E eu
soube disso quando era capitão, nuns momentos em que visitava meus pais, em Campo
Grande.
Quando já coronel, e era Chefe do Estado Maior da 9ª Região Militar, tive uma
enorme satisfação. Um tenente, do quadro de administração, fazia parte do cerimonial de
recepção, de um evento, no Parque Regional de Manutenção. A ele se juntaram outros, que
eu não conhecia. Chamaram-me para roda onde aguardavam o início do evento e me falou
– “Coronel, estamos aqui comentando e agora o chamamos para que o Senhor tome
conhecimento de uma coisa. Estamos relembrando como o Senhor foi uma importante
motivação para nós seguirmos a carreira militar. O fato de o senhor ter ido para a AMAN,
como cabo, nos motivou. Não que nós fôssemos repetir o seu feito, mas a seriedade da
nossa instituição ficou patente. Ela valoriza a pessoa e o que essa pessoa faz. Assim,
entramos confiante de que aqui o homem vale pelo que é, pelo que faz. Queremos então
registrar que o seu exemplo foi importante para muitos de nós e em particular para esses
aqui reunidos”. Fiquei sem muito o que falar. Emocionado, por ser o foco do acontecido,
lisonjeado como qualquer humano, orgulhoso por pertencer à instituição, surpreso pelo
inusitado da comunicação. Agradeci, apenas. Pedi que continuasse a repetir o fato aos
recrutas, pois ainda na ativa e na função que desempenhava, minha figura ficava muito
visível nas cerimônias e então poderia ser referência para eles, recrutas. Tem um chavão
que geralmente encerra os elogios militares (elogio é uma referencia escrita e publicada que
ressalta valores militares e consta dos assentamentos dos militares) – "é um exemplo a ser
seguido" - achei apropriado para o subtítulo.

Fé Professada

Toda pessoa assimila a sua profissão na escola, ou seja, no período de formação.


Nesse momento é que se aprende a professar a atividade. E, para isso, tem que saber todos
os detalhes, todas as “firulas” técnicas, todas as concepções filosóficas de sua profissão.
Algumas atividades têm cadeiras específicas para que o aluno assimile o jeito, o éthos da
profissão. É o estudo da SEMIÓTICA (SEMIOLOGIA – estudo geral dos signos que estuda
todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas de signos – significação, segundo
Ferdinand Saussure), matéria importante em medicina para a sintomalogia das doenças.
Entre os militares, já foi ciência importante e representa todos os comandos por sinais e não
por voz ou outro instrumentos. A Semiótica faz parte do conjunto das ciências semelhantes,
com nomes outros, como semasiologia, semântica e sintomalogia. É uma pena que os
militares nada mais sabem da semiótica militar.
A atividade militar é muito diferente das demais atividades. Ela tem aspectos
semelhantes, apenas, com a medicina. O médico e o militar têm que saber fazer tudo de sua
profissão. É inadmissível ter um médico especialista em cirurgia de crânio, mas que não
saiba aplicar uma injeção. O médico há saber a sua parte e fazer a parte do técnico, que é a
parte do enfermeiro. O enfermeiro será tanto melhor quanto mais informação o médico lhe
passar. Também assim é o militar. O oficial tem que saber tudo do seu escalão e de todos
os seus subordinados. Também é inadmissível um oficial não saber desmontar qualquer que
seja a arma usada no seu escalão. Pior é não saber fazer sua mochila. As demais profissões
liberais não têm esse problema. O engenheiro não sabe executar o que o mestre de obra
sabe, nem o que o pedreiro sabe, nem o que o carpinteiro sabe. Apenas diz se gostou ou
não, mas pegar o serrote, o martelo ou a trolha e a massa será um desastre. Outras nem
tem os correspondentes técnicos. Mas, entre o militar e o médico tem essa similitude. A
grande diferença, entre elas, é que os médicos, novo e velho, têm a mesma técnica e o
mesmo conhecimento. Já o militar sempre terá o mais velho, com mais conhecimento. O
Coronel sabe fazer o que o tenente, o capitão, o major fazem, mas estes não sabem fazer o
que o coronel faz. É claro que o coronel até sabe fazer, mas não deve, pois fará mal. É que,
embora os graus hierárquicos menores tenham menos conhecimentos que aquele, para
executá-los terá que ter imenso vigor físico que aquele já não tem. Essa importante tomada
de consciência da atividade militar não é passada na Academia. Podem até chamar de
lavagem cerebral, mas ela é necessária e imprescindível.
Infelizmente, vim botar sentido nisso já no final da carreira. Vi tenente querer dar
soluções que só caberia ao coronel e vi coronel querendo fazer coisas de tenente. Vi militar
se escusar de fazer as coisas mais representativas de sua atividade: marchas,
acampamentos, instruções teóricas, educação física, treinar tiro. Não professavam suas
atividades. Não eram profissionais. Eram meros civis fardados.
Funcionários Civis

Quando cheguei à primeira vez no 5º BEC fiquei assombrado pela quantidade de


funcionários civis. Guardei um número: 1.200 funcionários. Havia história de já ter sido mais
de dois mil. Era o maior empregador em Rondônia e Acre. Era também o maior formador de
mão de obra. Na sede, oitenta por cento dos funcionários eram de mulheres. Todas as
seções tinham mulheres. Até nas burocracias das oficinas tinham mulheres. Nas formaturas
gerais, todos os funcionários trajavam uniformes e assistiam a formatura geral da quarta
feira. Era um mar de gente.
Como já dito, havia gente de diferentes fontes pagadoras: funcionários estatutários,
oriundos do DNER, pertencentes ao Ministério dos Transportes, portanto funcionários
públicos federais; CLT contratado pelo DNER (Ministério dos Transportes), incorporados
como os estatutários; os estatutários oriundos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Para
estes, o Ministério dos transportes repassava o dinheiro. Para esses, não havia entressafra
de trabalho. Tinha, ainda, os CLT do Batalhão. Para estes, os recurso de pagamento era o
da rodovia. Se não tinha trabalhos rodoviários, não tinha como pagar. E teria que fazer
mágica, pois teria que reservar dinheiro para os meses sem trabalho. Daí ter que se produzir
em seis meses pelo ano inteiro e deixar recurso para a entressafra de trabalho. Completava
os CLT SAS. O SAS teria que gerar recursos, ter lucro, para pagar seus funcionários.
Com o passar dos anos fui vendo diminuir os funcionários. É que, quando as obras
eram continuadas, se sabia onde trabalhar, embora não se sabia o “quantum” de obra e de
recursos, o batalhão conseguia manter o seu quadro. Assim cumpria duas funções: manter o
pessoal com emprego e também não perder o pessoal qualificado, cuja qualificação tinha
um preço e um tempo. Um operador de motoniveladora demora dez anos para ser completo.
Mas, à medida que os tais governos militares foram afrouxando, para os políticos, os
recursos começaram a escassear, as missões ficaram menores e houve a necessidade de
demissão. Muitas famílias ficaram em situação difícil. Fazia-se um enorme esforço para
manter um “núcleo base” de funcionários civis.
As dificuldades iniciais, na sua chegada, face à completa desestruturação da cidade
de Porto Velho, obrigaram ao batalhão a criar mecanismos para tornar mais humana a vida
de seus funcionários e militares. Tanto mais verdade quando se refere à implantação
pioneira onde os funcionários eram os primeiros pés de branco a pisar por ali. Entretanto,
isso permitiu acomodações dos civis: parecia, a muitos, que o batalhão jamais sairia dali e
que jamais seriam demitidos e jamais teriam dificuldades. Tinham atingido o nirvana. Tinham
atingido o paraíso. Tinham chegado ao comunismo: cada um tinha segundo sua
necessidade e a produção a mais repartida aos demais. Há um princípio militar universal: é
obrigação moral do militar - defender seu subordinado. Princípio gerado ao longo dos
séculos. Por isso, o batalhão criou tal estrutura, através do SAS, que ia desde leiteria,
hortaliças, granjas até uma invejável assistência médica.
Agora eu major, o efetivo de funcionários era diminuto. Os do Ministério dos
Transportes, se aposentando. Os CLT batalhão agora eram contratados para serviço
temporário. O Ministério do Trabalho criara o mecanismo de Mão de Obra Temporária:
contratada para aquele determinado serviço previsto no Plano de Trabalho. Para o batalhão
foi bom: não teria que “parir” dinheiro nos meses de chuva. Para os empregados foi uma
lástima. Pouco antes da constituição de 1988, uma lei efetivou todos os CLT que haviam
sido contratados por órgãos públicos. Já era o início de ações populistas. E isso foi uma
enorme perda para a qualidade dos funcionários. Bons funcionários civis CLT se tornaram
péssimos funcionários estatutários, em particular quando a constituição de 1988 permitiu a
sindicalização de funcionários públicos. Muitos, tidos como aliados, passaram a contestar
tudo. Por ser funcionário publico, não estavam autorizados a fazer horas extras e nem
trabalho à noite. E nem poderiam receber compensação por produtividade (produção, como
se dizia na época). Em diversas situações foi melhor deixá-los vegetar em algum canto que
contar com seus trabalhos. Para trabalho no trecho eram inúteis. Como era estatutário, os
seus salários estavam no orçamento e vinha o ano inteiro. Portanto, seu trabalho era
desnecessário.
A mim foi muito prazeroso ver os dedicados a ascenderem a diferentes funções ou
até evoluírem nas funções contratadas. Havia homens com inteligência acima da média,
mas que por falta de oportunidade, de ter educação formal, se sujeitava ao ganho que ali
oferecia. Se tivessem a oportunidade de estudar seriam excelentes médicos, engenheiros e
oficiais do EB. Eu os respeitava muito por serem muito mais inteligentes que eu. Assim eu
os explorava nas soluções: eu apresentava o problema e solicitava uma opinião de solução.
Fui surpreendido algumas vezes, pois eu tinha minha solução, pelas soluções que me foram
dadas de maneira mais simples e objetivas que as minhas. O Batalhão era um grande
trampolim, para esses CLT. Se não existisse a unidade, seriam subempregados
extrativistas, na região. A demissão de muitos foi de intensa tristeza.
Também encontrei muitos que eram devedores da justiça. Segundo os mais
experientes, quando o nome era muito pequeno: José da Silva; Pedro Santos... ou algo
próximo disso, era o segundo ou terceiro nome, pois pelo nome original era procurado pela
polícia. Muitos lhes faltavam a inteligência. Faziam tudo na força bruta. Havia situações que,
se não fossem dirigidos, ficavam sujeitos a acidentes. Partiam para execução de olhos
fechados sem se importar com as consequências para sua saúde e pela sua integridade
física.
Encontrei os aventureiros. Embora tecnicamente muito bons, às vezes, não
conseguiam ficar mais que um ano. Queriam mudar de cidade, de chefe... Para eles, a
felicidade estava além do horizonte. Muitos, há décadas, não sabiam noticias de nenhum
familiar e nem esses, deles. Há muito, havia perdido o sentimento de família, de pais, mãe e
irmãos. Família soava longe, já.
Entre os CLT, em particular depois dos serviços temporários, a mistura de origem
regional era uma salada de frutas. Particularmente de nordestinos. Até mesmo entre os
cabos e soldados, a taxa de “arataca” era grande. Mas esse cadinho era bom de conviver
não só pelos folclores que acontecia, mas também pelas divertidas “mentiras e causos” que
tinham pra contar.
Foi a partir da observação desse pessoal que criei o conceito de vagabundo e
preguiçoso. O preguiçoso, geralmente é inteligente, mas, por índole, não gosta de fazer
esforço físico. Quando se lhe dá uma tarefa repetitiva e ou com muito esforço físico, ele
rapidamente inventa uma maneira ou instrumento para ter o rendimento suficiente, mas sem
muito esforço físico. Assim, sempre tem uma ideia ou cria um instrumento, para realizar
tarefas rotineiras e chatas. Já o vagabundo, em geral, é de pouca inteligência e também não
gosta de esforço físico. Como não tem inteligência para ser criativo, produz pouco e custa
absorver novas rotinas.
A experiência de liderar civis, de diferentes regiões, de diferentes inteligências e de
diferentes visões de mundo, foi muito enriquecedora, para mim, como homem, como chefe e
como militar. Os soldados, quer queiram ou não, logo se enquadram e é fácil trabalhar com
eles: basta dar a missão e entregar os meios. Por isso, a confiança neles é imediata. Aos
civis tinha que se conhecer o homem com profundidade para depois ir liberando os freios.
Sempre com liberdade vigiada até a completa confiança.
A mim foi uma enorme escola de liderança.

FUNRURAL

– O FUNRUAL - Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – foi criado


pela LEI COMPLEMENTAR Nº 11 - DE 25 DE MAIO DE 1971 - DOU DE 26/05/1971- No
preâmbulo diz que “Institui o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, e dá outras
providências”. No artigo segundo estabelece que: Art. 2º O Programa de Assistência ao
Trabalhador Rural consistirá prestação dos seguintes benefícios: I - aposentadoria por
velhice; II - aposentadoria por invalidez; III - pensão; IV - auxílio-funeral; V - serviço de
saúde; VI - serviço social.
Na parte de saúde, o FUNRURAL fazia convênio com outros órgãos públicos de
modo a ter maior abrangência. Com o Exército, pela grande capilaridade, foi feito um
convênio com a Diretoria de Obras de Cooperação. O convênio previa que as subunidades
destacadas deveriam dar assistência médica às populações regionais, isto é nada região
onde operava a tropa militar. A contra partida era o fornecimento de microônibus equipados
com equipamento de dentista; um local para consulta ambulatorial com uma mesa onde se
poderia fazer micro cirurgia. Era dotado de um grupo gerador de uns quinze KVA, tracionado
pelo ônibus, para fazer funcionar os equipamentos e um aparelho de ar condicionado para
dar condições de trabalho mesmo em local ao relento do sol. Assim, uma dupla - médico e
dentista - atendia aos militares, funcionários civis dos batalhões e também todos os
Habitantes Regionais – os “HR”. Bom, com a 3ª Companhia, sede em Sena, tinha um
desses microônibus. Como já dito, havia algumas fazendas que faziam derrubadas para
criação de pastos para criação de gado. Quando estávamos na Operação Jurupari, o
microônibus, no nosso rastro, resolveu entrar e também tentar chegar até nosso
acampamento. Por algum motivo eu sai do acampamento em direção de MUrbano.
Encontrei o micro com dois aspirantes de Saúde. Paramos e eles disseram que iriam até ao
acampamento. Assim que nos separamos, depois de rodar uns quinhentos metros, vi saindo
da mata dois homens com um terceiro numa rede em uma vara. O da rede tinha levado uma
facada e estava com todas as vísceras de fora. A camisa é que ficou de faixa para segurar
tudo: intestino, fígado, tudo á mostra. A tentativa deles, sabendo que havia movimento de
veículos ali, ter a sorte de passar alguém e dar socorro. Imediatamente virei o jipe e saí atrás
do micro. Falei com o médico que ficou branco. O motorista do micro manobrou e saiu á
toda. Quando chegamos ao local o homem estava preste a desmaiar pela grande
quantidade de sangue perdido. Aí que o Aspirante ficou branco. Disse ele: –“mas o que vou
fazer com esse cara aqui na estrada?” No que respondei: “– ou você faz alguma coisa que
pode salvá-lo ou ele vai morrer de qualquer maneira. Ele, com o dentista, os outros dois
peões, colocaram o home na mesa de pequenas cirurgias. Bom eu tirei meu time de campo.
Voltei para o acampamento. Soube depois, já na minha volta, uns vinte dias depois, que o
médico aplicou anestesia de dentista no abdômen e com algumas linhas de sutura que tinha,
colocou as vísceras para dentro e fez alguns pontos e com algumas faixas e gases enfaixou
o dito cujo.
Tocou direto para Sena Madureira. Bom, segundo o médico, no hospital de Sena, ele
fez todos os procedimentos que podia fazer. Ele achava, que pela infecção provável,
dificilmente o cara iria escapar da morte. Mas o paciente ficou a cargo do hospital e seus
médicos. Par surpresa do médico, passados uns quinze dias, chegou alguém lhe procurando
na Companhia. Era o peão costurado, forte e rijo. Foi para agradecer ao doutro e pedir uma
carona para ir até o local onde trabalhara para buscar seus “tarecos”. Bom, se retornou ao
trabalho ou não, não conversamos sobre isso. Mas chegamos a uma conclusão, o médico e
eu: o animal homem é bicho duro de morrer.
Apenas como registro histórico, por tal convênio fora permitido ao batalhão contratar
médicos e dentistas para mobiliar as frentes de serviço. Foi o caso da dentista de Vilhena.
Lá não se contratou médico por falta de interessado e falta de médico mesmo. Em Vilhena
não havia microônibus.
Assim o ônibus do FUNRURAL prestou serviços muito além do que poderia.
Infelizmente o convenio se acabou e me coube, como major fazer a descarga, isto é, retirar
do patrimônio e alienar o velho Mico do FUNRURAL. O fiz com muita pena.

Generosidade
Um dos dias em que eu ficaria até mais tarde, no colégio, para esperar que a PE se
recolhesse, fui até a esquina para ver se estava por perto. Nesse dia, chovia e choveu o dia
todo e a noite toda. A patrulha não estava no lugar que sempre me esperava, mas eu ainda
não confiava. Aí um colega de aula disse:
– “porque você não dá um pique e pega o ônibus andando. A PE não vai parar o
ônibus”. Respondi:
– “a idéia é boa, mas eu estou duro. Não tenho dinheiro. Amanhã é sábado e eu
estarei de serviço, acho que vou direto para o quartel”.
Quando ia voltar para o colégio, que logo em seguida fecharia as portas e só ficariam
os faxineiros, uma senhora, com uns cinqüenta anos de idade, bem baixinha, me abordou:
– “soldado, eu escutei que o que você disse. Realmente não tem dinheiro?” Respondi:
– “Não tenho nenhum dinheiro, senhora”.
– “Então aqui está, dou-lhe dinheiro para o ônibus”.
Era uma nota de cinco cruzeiros. Recusei com veemência. Mas ela insistiu:
– “Faça de conta que você não é um estranho e nem que é um soldado. Faça de
contas que seja meu filho, pois faço isso como se fosse a um filho”. Aí, eu disse:
– “Aceito, mas quero saber onde a senhora mora. Um dia eu lhe devolverei o
dinheiro”. Havia mais orgulho ferido que possível delicadeza em agradecer o gesto
magnânimo. Disse que tinha uma fábrica de camisa perto da Igreja N. S. do Perpétuo
Socorro e que, se eu quisesse, poderia ir até lá, para comprar camisas e levar meus amigos.
Era a Camisaria Elódia. Alguns dias mais tarde, eu passei e identifiquei o local. Não
perguntei o nome dela. Entrei numa espiral de atividades: curso de cabo, corrida do facho,
curso de sargento e o colégio e me esqueci do compromisso com o dinheiro. Já Cadete,
num daqueles dias de banzo, em que a gente repassa a vida, lembrei-me da Camisaria
Elódia. Fui ao correio, comprei papel e envelope e fiz uma carta. Não tinha o número correto,
mas chutei mais ou menos em referencia à igreja. A camisaria deveria ser bem conhecida
dos carteiros. Na carta, eu disse que “devolvia os cinco cruzeiros, não como paga de uma
dívida, mas simbolicamente. Assim com serviu a mim, poderia servir a outros filhos que ela
poderia encontrar nas noites chuvosas de Campo Grande”. Quando de férias, fui até lá para
ver se recebeu a carta. Ela não estava. E os funcionários ou parente me receberam mal. Eu
tentei contar a história, que para eles deveria ser muito maluca, inverossímil e muito
fantasiosa e fizeram caras de poucos amigos. Assim, nunca fiquei sabendo se a dona da
Camisaria Elódia recebeu o dinheiro. Os cinco cruzeiros foram bem usados. Esse valor daria
para umas dez passagens de ônibus. E eu o usei judiciosamente. Só pegava ônibus nos
dias de chuva ou de muito frio. Rendeu por muitos meses. Tanto no dia em que fiz a carta,
ou sempre que me lembro do fato, ou o conto para alguém, e já fiz isso muitas vezes, me
emociono e, como na música “Cuitelinho,” “o coração fica aflito, bate uma e a outra falha; e
os olhos se enchem d’água, que até a vista atrapalha”. Aprendi, ali, o que era solidariedade.
Não me perdoo por não ter insistido e agradecido pessoalmente depois de formado, isto é,
depois de ser sagrado oficial do exército. Pelo modo de falar da senhora, acho que ela
ficaria muito orgulhosa de seu ato que com certeza não foi o único. Aqui, consigno a minha
tardia gratidão tentando reparar a eterna ingratidão.

Guerra na Selva que vi

Há o conto de fadas, de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen, que foi


inicialmente publicado em 1837 - A Roupa do Rei ou O rei está nu. Ambiente de vaidoso: o
rei; de farsantes: o tecelão e o alfaiate; de cortesãos que não sabem falar não ao rei. A única
pessoa a desmascarar a farsa foi uma criança: "O rei está nu!". O grito é absorvido por
todos, o rei se encolhe, suspeitando que a afirmação seja verdadeira, mas mantém-se
orgulhosamente e continua a procissão estando nu.
Da mesma maneira que todos não tinham coragem de dizer estar o rei nu, há os que
não têm coragem de dizer ser a Guerra na Selva possível, mas muito pouco provável. Há
um enorme esforço para resultados poucos previsíveis. O rei nu - e ninguém tem coragem
de falar que na verdade não existe uma guerra na selva... Pelo menos o que me foi dado a
ver. Não há como haver combate na selva. O máximo é combate entre patrulhas. Como
sempre existiram combates entre patrulhas em qualquer guerra: de dia, de noite, de
madrugada; com chuva, frio e calor; em floresta, em mangue e em deserto; em qualquer
tempo, desde Alexandre. Tudo se resume em ação de pequenos grupos. De fração nunca
maior que grupo de combate. E a “autonomia” na selva é de três dias, pois se leva tudo na
mochila: uniforme, munição e alimento. No máximo trinta quilos na mochila. Ora, pelo que vi,
tem-se autonomia de três dias para se chegar a um destino; ou um dia e meio entrando e
um dia e meio saindo. Saindo para uma margem de rio ou uma clareira identificada, para
suprimento de mais alimentos e munição (munição de boca e munição de arma, como se
dizia na época do império), no mínimo.
Nunca visualizei uma guerra entre duas tropas de duas nações. Caso aconteça tal
invasão da área, vejo ali guerra de guerrilha como tantas outras existiram no mundo,
incluídas as bíblicas.
Acho que a Marinha tem uma melhor definição. Ela chama a isso “Operações
Ribeirinhas”. Do “Ribeirinha” nunca consegui uma definição que me convencesse. Até a
Marinha se perde na etimologia e ou na semântica. Mas, por dicionário, é o diminutivo de
ribeira – parte molhada das margens de rios pequenos (ribeirão, ribeiro); a parte mais para
mangue que para terra firme. Tem a semântica de nomear quem mora às margens dos rios
de qualquer porte. Este entendimento é o normal na região norte: população ribeirinha. A
Marinha tem tropas de fuzileiros navais especializados nesses tipos de operações - Batalhão
de Operações Ribeirinhas. O Exercito também tem sua definição didática e operacional. Mas
a Marinha se contenta com a margem e não entra na floresta usando esta como elemento
de proteção e cobertura. No meu entendimento a ribeira deveria ser além da calha, do
talvegue. Deveria toda a “Bacia” do rio considerado (a calha mais os afluentes). E o uso da
floresta como cobertura e proteção é um poderosíssimo instrumento de combate. A tropa,
para isso, terá que estar aclimatada e adestrada. Praticando as marchas através selva, pude
avaliar quão desgastante é transitar por ela. Além da baixíssima mobilidade, o calor e o suor
é fator que de desgastes violentos do físico e do psicológico. Mas esse tipo de combate só
pode ser empregado por uma semana, no máximo um mês. Mais que isso levará a tropa à
exaustão. Os treinamentos de sobrevivência, o próprio nome revela – SOBREVIVER e não
VIVER. É ter SOBRE VIDA, caso se perca, fique ferido ou qualquer tipo de extravio. Nesta
situação, há que conhecer o bioma para dele retirar a “SOBRE VIVENCIA” em alimentos,
água e abrigos de intempéries, para melhor se orientar. No CIGS, todos os conhecimentos
ali ensinados são excelentes. O combate será por encontros, muito dificilmente por
emboscadas. Para isso se terá que, num lance de sorte descobrir a rotina do inimigo ou
algum de seus erros. As armadilhas com meios de fortuna talvez servisse apenas para
manter a pressão ou leve inquietação sobre o inimigo. Nunca acreditei que aquilo fosse
capaz de decidir alguma coisa, mesmo no moral da tropa. Querer comparar a nossa selva
com as do Vietnam, país com 331.689 km, é desmoralizar nossa selva. Lá tudo era
previsível.
Acho que o EB deveria estudar mais as Operações Ribeirinhas da Marinha e juntar as
duas táticas. Apoiado nos rios e lagos, usar a selva como cobertura para surpresa em algum
objetivo que não estaria muito longe de um rio de apoio ou de acolhimento ( três dias de
marcha).
O EB precisa, nos rios amazônicos, de instrumentos de combate fluvial: lanchas
blindadas, lanchas artilhadas, lanchas rápidas de reconhecimento... Precisa aprender a
escolher e fortificar Pontos Fortes em margens; criar “guerra de minas fluviais” que não
existe na Marinha e nem no Exército. Teria que ter uma tropa especializada nessas
operações que caberia tanto na Amazônia como no Pantanal. Há que considerar que quem
domina a foz, domina o rio, pois um rio é uma estrada de ferro: entrou terá que sair; não há
desvio. Só usar a selva é desprezar as enormes massas de água. E as locomoções em tais
massas requerem habilidades de profissionais de pilotos com severo adestramento para
conhecer os paranás, os furos, os bancos de areias, os canais de talvegue. Também requer
cada vez mais conhecimentos dos instrumentos de bordo, tanto para a navegação como
para os posicionamentos, além das interpretações dos batímetros e de sonares.
Admiro os treinamentos atuais; respeito os cursos atuais; admiro as técnicas usadas;
admiro a diuturna aprendizagem com os soldados indígenas; mas acredito que poderia
melhorar, mais. Poderia ser para tropa especializada. Se perderia os rótulos da formação
por armas e serviços, como o são rotulados os combatentes convencionais. Tal qual são os
militares com curso de comando e de forças especiais. Para suportar três dias de marcha na
selva há que ter técnicas, conhecimentos e adaptações. Ninguém poderá entrar sem ter um
mínimo de conhecimento. Aceito que a tropa ali adestrada é a melhor do mundo para resistir
na selva. Melhores que eles apenas os índios. Acho que os soldados dos BIS deveria ter
uma QM própria. A instrução é tão singular que poderia ser QMG 07 e QMP 003
combatente de selva. Entretanto acho que poderia ser mais especializadas adicionando os
conhecimentos de rios e lagos.
Espero que, um dia, cada BIS tenha suas embarcações e seus portos de modo que
possa se deslocar, por operações ribeirinhas, internar suas tropas e abastecê-las por algum
tempo e depois fazer a junção e acolhê-la. Que mais gente veja o rei nu.

Iniciação em Mecânica de Equipamento

Num certo momento da recuperação de máquinas, começou a faltar material. Havia


duas coisas a fazer: canibalizar as piores, e seguiria a tendência de nunca mais serem
recuperadas e, assim, ter o fim que sempre levaram as maquinas canibalizadas: descarga e
alienação como sucata; ou reutilizar peças velhas, mas que teria alguma vida útil. A segunda
era a mais difícil, pois ficava na pura e santa experiência dos mecânicos sendo um evento
aleatório, intuitivo e empírico. Mas por lealdade e por disciplina eles vinham me consultar
sobre isso. Não havia um “manual de manutenção” no sentido recuperação e reparação de
máquina no local. O que todos chamavam de manual de manutenção nada mais era que um
manual de lubrificação. As seqüências de montagem, os apertos, os testes tinha apenas um
manual e ficava na Companhia de Equipamento na “seção de motores” com os chamados
“mecânicos cardeais”, mas depois, no ano seguinte, fui descobrir que não eram tanto assim.
Tal manual não saía de lá nem com a guarda em forma, pois ali estava o grande mistério
que obrigava a vários componentes serem transportados a centenas de quilômetros e serem
recuperados pelos tais cardeais. Também não tinha a facilidade de hoje das cópias da
“Xerox”. Então, os mecânicos vinham me perguntar se retiravam de outra máquina ou se
usavam ainda as peças velhas ou outra da sucata. Eu não entendia nada. Lembro que o
mecânico mestre, apelidado de Kid, por ser rápido no “gatilho”, (depois digo por que gatilho)
veio me perguntar se eu concordava em aplicar uns “roletes de flange duplo” num trator D/8.
Fui com ele até ao barracão. Durante o trajeto eu tentava, vendo os outros tratores, parados
no pátio, localizar onde ficava o rolete e porque tinha flange duplo e, o pior, em que o flange
influenciava, pois fora isso que ele queria saber: se o nível de desgaste do flange ainda era
compatível para o uso. Na banca, ele me mostrou. Quando Cadete, fomos visitar a
Caterpillar do Brasil, no Rio. E lá nos mostraram tudo, mas em um dia nem robô guardaria
tudo de importante. Lembrei-me de algo, lá no fundo do cérebro, sobre um gabarito, um
medidor de profundidade de ranhuras profundas em algumas peças da esteira. E o rolete de
flange duplo era da esteira do trator. Perguntei ao mecânico se por ali não existia algo
parecido. Senti que ele acusou o golpe por me considerar tão leigo. Diferente do outro
tenente, que tinha curso de emprego e manutenção de equipamentos, feito na escola de
especialização do Exército, a famosa EsIE (Escola de Instrução Especializada) cheguei com
fama de não entender nada. Fui sincero quando, na primeira formatura disse que nada
entendia e que dependia deles todo e os convidava a serem meus mestres. E foram.
Quando perguntei sobre o gabarito, ele disse que, se tivesse seria em Porto Velho, e que no
Trecho ele nunca viu. Como não tinha gabarito, tudo dependeria do olho. Aí eu perguntei se
tinha alguma máquina que tivesse a mesma peça, mas que fosse nova. E tinha. Aí fomos lá
medimos a profundidade do flange e comparamos. O desgaste era de cerca de sessenta por
cento. E aí eu apelei para a experiência dele e disse: na sua experiência, quanto tempo esse
rolete suportaria. E ele, aí já falando com cuidado, disse que o terreno era argiloso e úmido o
que desgastaria muito menos se fosse em lugar que tivesse areia ou pedregulho. Assim
decidimos colocar o rolete peças. Mas, como tenho mais sorte que Inteligência, fui a outro
mecânico, um japonês que adorava fazer gatilhos e cortes com máquina de solda. Era um
perigo: qualquer dificuldade ele queria cortar com máquina de solda – “Tenente, a gente
corrta (erre forte) com máquina de solda e emenda depois, né” – ... e era um perito soldador,
também. Com o japonês perguntei se um rolete com sessenta por cento ainda do flange
agüentaria o plano de trabalho. Ele disse que sim, mas que seria melhor se colocado na
parte mais traseira, pois os da frente sofriam mais impacto. Aí eu voltei ao primeiro e falei
com ele sobre a posição do rolete. Ele me olhou assim com surpresa e concordou.
Demonstrei a ele uma inteligência que eu não tinha e uma experiência “piratiada”, na
linguagem de hoje. Pelo sucesso anterior passei a ficar mais nas oficinas e fazer “zilhões” de
perguntas. Em particular o “porque quebrou”, “porque gastou” e “como funcionava o
conjunto” onde tal peça estava e “qual a função” a peça. Perguntava a um, fazia a mesma
pergunta a outro, que acrescentava mais alguma coisa; eu voltava no primeiro que
melhorava mais a compreensão e acrescia mais uma idéia; eu voltava no segundo... Bom,
em três meses eu já era respeitado, não pelo conhecimento intrínseco, mas pelo total. Isto é,
não no varejo, mas no atacado. Passei a ler muito manual de peças, manual de lubrificação
e tudo o que se referisse a máquinas. Na ocasião da visita da Caterpillar, o engenheiro
mecânico era conterrâneo e me mandou muita literatura sobre tudo de Caterpillar. Assim
acabei por ser considerado, no final do ano, como um especialista e emprego de máquinas e
de dos planejamentos de manutenção. Logo consegui um Manual de Produção que era a
bíblia das máquinas Caterpillar sobre produção, capacidade, rendimento e várias tabelas de
conversões, pneus, motores, séries, arranjos... As peças Caterpillar tinham uma referência
diferente: era um número, uma letra e quatro números – 3 S 4567. Uma peça poderia ter
várias aplicações em diferentes máquinas. Isso acabou por me dar um enorme dor de
cabeça no ano seguinte – na máquina de escrever a letra S é ao lado da D e basta trocar
uma pela outra para se ter uma grande confusão. As peças de viaturas Mercedes-Benz, a
grande maioria das viaturas ditas pesadas, era um número com dez dígitos. Isso também
teve um caso interessante. Fiz um verdadeiro curso de óleos lubrificante e de graxas. É que
cada marca de óleo tinha um sistema de nomenclatura. Se não tivesse alguém que
entendesse, poderia ter os lubrificantes no estoque sem saber para que servisse. E cada
marca recomendava não trocar de marca alegando sérios prejuízos à máquina, o que não
era verdade. O fundamento delas era o mesmo. Tive que aprender também sobre o sistema
de armazenagem.
O Kid era porque ele era rápido para fazer um gatilho. Gatilho era uma solução
emergencial e de caráter excepcional. Acontece que o pessoal de trecho tinha como
mentalidade fazer a coisa andar. E, assim se especializavam nos gatilhos. Tudo ia até atingir
a fadiga. Era o ter que produzir em seis meses ou menos pelo ano todo. Assim, as máquinas
iam para o sacrifício porque, teoricamente, teria seis meses para sua recuperação. Mas o
gatilho tinha que ser visto como uma emergência, para pequenos deslocamentos e ou uma
melhor posição para recuperação e uma exceção. Ali a exceção virava regra. Um bom
“gatilheiro” não permitia que o gatilho disparasse na sua mão. Isso era ponto de honra.
Conheci muitos e dos bons.
Uma coisa que me fazia me sentir uma besta era de como eles, semi-alfabetizados,
dominavam os tipos de chaves tanto de boca como de encaixe e de soquetes. Eu, com
massa encefálica pouca não conseguia entender como eles identificavam uma chave ¾, de
uma ½, outra de 3/16, claro tudo da polegada. Depois, com as viaturas Mercedes-Benz é
que começaram a aparecer as chaves milimetradas. Eu ouvia o peão pedir a outro: – Oh!
Fulano passe a 3/16! Mas eu não conseguia saber como ele sabia quando uma era maior ou
menor que outra. E tinha vergonha de perguntar. Até que um dia vendo um catálogo de
ferramentas vi escrito um rol de chaves e aí deu a “heureca”. Uma polegada (1”) foi dividida
em 16 partes. Então, ia de 1/16” até 1” que era o 16/16. Portanto, a sequência era: 1/16; 1/8
(2/16); 3/16; ¼ (4/16); 5/16; ¾ (6/16); 7/16; ½ (8/16); 9/16; 5/8 (10/16); 11/16); ¾ (12/16);
13/16; 7/8 (14/16); 15/16 e 1” (16/16). Ajudei ao \kid dar um trote num mecânico que viera da
sede para auxiliar na recuperação de maquinas pesadas. Bom o Kid deu a ele, para
batismo, a troca de uma esteira de D/8. Aí o cara ficou com má vontade, mas procurou o Kid
para pedir uma bomba hidráulica para sacar o pino da esteira. O Kid veio com ele e me
disse que o cidadão da Cia Eq queria uma prensa hidráulica. Pedi que entregasse a ele a
única que tínhamos: uma marreta de dez quilos. O jovem quase chora... Dissemos a ele que
baixasse a bola porque todos sabiam trabalhar, só não tinha eram as ferramentas
adequadas... Ficou doente e foi evacuado em quinze dias. Hoje seria de depressão.
Foi assim que se deu minha iniciação na ampla arte de manutenção, mecânica e
operação de equipamento. Digo, sem modéstia, que até hoje, mais de cinco anos na reserva
e coronel, ainda sei muito dessa parte profissional Cheguei ao requinte de saber se uma
máquina estava sendo bem operado ou não apenas pelo barulho do motor.

Iniciação De Aprendiz a Mestre

Foi uma longa caminhada. No final de carreira consegui estabelecer minhas


convicções sobre manutenção. Consegui, ao pé da letra, no mais absoluto empirismo:
método das tentativas e método do erro e acerto. Mais acerto. Li muito sobre tipos de
lubrificantes e graxas. Li muito sobre manuais de operações dos mais diferentes
equipamentos e viaturas, aliás, de todos que chegaram à minha mão. Tentei fazer o curso
de manutenção de equipamentos de engenharia na ESIE, mas fui desaconselhado porque
meu requerimento seguiria com parecer desfavorável.
No Exercito, temos o orgulho de dizer que a manutenção funciona. Isto porque
algumas viaturas da Segunda Guerra ainda funcionam. A vontade que a assertivo seja
verdadeira é que é grande. Tem uma especialização, curso de formação, entre os oficiais,
com acesso até ao generalato, que são os oficiais de Material Bélico, para armamento e
viaturas. Tem uma escola com curso de especialização (Escola de Material Bélico – EsMB)
para os oficiais de outras armas, para a orientação de manutenção em sua unidade da arma,
também sobre armamento e viaturas. Tem Qualificação Militar, para sargentos, de
mecânica, dos mais variados materiais: viaturas, rádios, armamentos, radares...Tem uma
unidade de apoio só para cuidar de manutenção de grande unidade apoiada – os batalhões
logísticos. A manutenção no Exército é uma obsessão em todos os níveis e para todos os
materiais. Além das especialidades, das fiscalizações diretas, tem manuais, diretrizes e
inspeções rotineiras e inopinadas. Há uma cadeia de suprimento que, hoje, nasce no mais
alto nível, Comando Logístico (COLOG) e termina na oficina da unidade. Para os grandes
planejamentos estratégicos, os manuais dividem a logística em Atividades Logísticas. E,
nela, a Manutenção e o Suprimento são duas importantes atividades que devem funcionar
em operações. E também, e muito, como adestramento, em tempo de paz.
Mas sempre, em um Exército de paz, o teórico se agiganta. A acomodação, a
omissão legal, a transferência de responsabilidade faz com que a Força fique na “vontade de
fazer”. Todos os dias repetem tudo o que fora verdade na guerra, ou no seu tempo de
capitão ou no quartel de aspirante. Quando surge um intrépido aventureiro, reinventa a roda.
Um dos conceitos trazidos da guerra é o de “Disponibilidade” de viatura ou qualquer
material. É comum, nas inspeções, os inspecionadores perguntarem da percentagem de
disponibilidade; ou o comandante inspecionado, na sua exposição apontar, radiante, como
grande feito, suas viaturas com 80, 90, 100% de disponibilidade. Ou, chateado porque não
passou de 50% de disponibilidade. Não interessava, se nos 100% tinha viatura que mal
chegaria ao corpo da guarda. Nem o mecânico, nem o motorista e nem o comandante
confiaria na viatura “disponível” para dar uma volta pelo quartel. Mas o comandante a
apresenta no rol das “DISPONÍVEIS”.
A vivência me permite afirmar ser o conceito de DISPONIBILIDADE muito
envelhecido embora não consiga identificar quando ele surgiu. Mas como conceito é
superado.
Quando Capitão/major, cheguei a conclusão que o conceito de “disponível” era muito
vago e não definia nada. Bastasse funcionar o motor e, pronto, era considerado disponível.
Se por algum motivo faltasse um pneu, bateria, já se considerava “indisponível”. Então criei,
para consumo próprio, outro conceito: o de “CONFIABILIDADE”. Se se aplicar determinadas
peças, novas, com outras usadas, de uma parte ou de um conjunto, qual a confiabilidade
aquele investimento me daria? Então tudo dependeria do “objetivo” para o qual a máquina
ou viatura estava sendo reparada. E aí vêm outras considerações, pouco proveitosas, sobre:
reforma, recuperação e reparação do que não tecerei comentários. Em BEC, a viatura e a
máquina tinham que atender ao Plano de Trabalho. Então a “confiabilidade” era para aquele
Plano de Trabalho, do ano considerado. Se no Plano de Trabalho exigia três tratores de
esteira, se recuperaria três tratores, embora o batalhão pudesse ter quinze. Em unidade de
combate, se se necessitava a “confiabilidade” para um exercício no terreno, não se iria mais
que isso; se fosse para apoio a uma marcha a pé, também não passaria disso. Então, o
investimento na recuperação teria que atender a um objetivo: ser confiável para atender tal
objetivo. Num conceito moderno: se a unidade é de pronto emprego, todo seu material tem
que ter confiabilidade total, até o final de vida útil desses materiais.
Pude perceber que não bastava apenas a estrutura organizacional, os tratados de
manutenção, teóricos, as inspeções regulares, os vade-mécum de lubrificação, as fatídicas,
mas úteis, “cartas-guias de lubrificação”, o pessoal especializado. O que faltava eram os
meios: ferramentas, utensílios, asseios (limpeza) tanto dos locais como das pessoas...
Talvez mais importante que o pessoal com alto adestramento, são os meios. O homem sem
adestramento com a literatura logo aprende. Mas sem a chave do bujão do cárter do motor X
ele jamais fará a manutenção.
Então, outro fator importante na atividade manutenção são os ferramentais
específicos, permanentes, de uso continuado. Ora, a maioria das caixas de ferramentas é
composta de “jogos de ferramentas”, isto é, tem uma chave de cada bitola. Mas sempre
haverá um parafuso e respectiva porca com a mesma bitola. Caso o mecânico não tenha a
chave, perderá um enorme tempo a procura de outra chave da bitola requerida. Ou usará
ferramenta inadequada que danificará o sextavado da porca ou parafuso. Outro detalhe
muito pouco observado, mas de enorme importância, se não de capital importância, são as
trocas de óleo e graxa. De nada adiantará os mais modernos lubrificantes e graxas se, no
momento da troca, não existir funil para o abastecimento, trapo, e não estopa, para limpeza
de bocais e as benditas ferramentas apropriadas para retiradas de bujões, tampas e bicos
de lubrificação. Diferentes modelos, até de mesma marca, de máquina, tem ferramental
diferente, para manutenção de graxa e óleo. Se não existir a ferramenta adequada, entrará
em ação a fatídica talhadeira e marreta. De nada adianta ter o óleo limpo, novo e moderno
se no abastecimento for sujeira de areia, poeira ou lama e fiapos de estopa. De nada
adiantará as mais modernas graxas se o bico de lubrificação estiver entupido ou quebrado.
Tais bicos têm que existir à mão e serem substituídos no menor indício de falha. Não podem
ser mais ou menos, nunca. É como pasta de dente: ter quando precisar. Uma hora de
trabalho sem a lubrificação adequada mata a vida de mil horas de uma peça importante.
Existem itens que não podem ser economizados. E nas unidades de combate, tudo depende
da “cadeia de suprimento”.
Outra experiência que existe em BEC é o da atualização tecnológica. O sistema de
apropriação facilita levantar se uma máquina ou viatura tem viabilidade econômica, para ser
reinvestida nela ou não. Se não, ela é descartada (alienada); se atinge o tempo ou
quilometragem limites, mesmo que o resíduo ainda seja aproveitável, ela deve ser
descartada. É algo incompreensível como tais experiências nunca foram absorvida pelo
restante das unidades do Exército. O chavão do início, de que a manutenção é boa, porque
viaturas da Segunda Guerra ainda funcionam, é falaz. As peças de reposição em geral são
adaptadas ou colhidas em ferro velho, porque já não mais existe a produção, por
obsolescência. A confiabilidade de se sair do quartel com a viatura é zero.
Embora tenha aplicado minha teoria nas OM que servi, mesmo de combate, e na que
comandei, e tenho certeza que ela funcionou, tenho uma enorme frustração com
manutenção. Esperava que com o advento da Aviação do Exército a metodologia fosse
melhorar. Sempre a novidade tende a influenciar o conservadorismo ilógico, isto é a
mentalidade acomodada explicada pelo jargão popular: “time que está ganhando não se
mexe”; ou, a muito mais covarde: “se está funcionando, não mexa, se estourar que seja na
mão de outro”. Os rigores, de manutenção da aviação, em nada alteraram a mentalidade
sobre a manutenção dos demais materiais. Não mexeram no time e deixaram como estava
para ver como é que ficará. Imaginei que as peças para suprimento viessem com “tempo de
mortalidade”, isto é, cada peça ou conjunto com o montante de horas definidas para uso e
não mais o olho do mecânico a dar diagnóstico, sem critério, do tipo: “ainda está boa”;
“agüenta mais um tempo” ou “dá pra quebrar o galho.” Chegada a hora, se peça ou
conjunto, seriam substituídos. Imaginei um dia mandar parar um D/8 e, surpreendendo a
representante Caterpillar, dizer: – “o material rodante está com xy horas, acusado pelo
sistema de manutenção do EB; retirem-no e coloque outro manutenido; ou, do mesmo D/8: o
motor atingiu o número de horas previsto: substituam-no”. Infelizmente foi mais um dos
meus sonhos arquivados ao longo da vida. Mesmo assim ainda sonho. Ainda me pego em
elevados devaneios, quase um delírio real, uma alucinação, pela clareza das imagens como
se eu fosse tenente ou capitão com paginas de formulários imprimidos parando máquinas no
trecho. Às vezes penso que beiro a esquizofrenia.

Iniciática e Simbologia

O soldado romano "ao entrar para as legiões, jurava obedecer a seu general e segui-
lo por onde quer que o conduzisse".
Os soldados de Alexandre, o Grande, (356-323AC) faziam votos de fidelidade ao
Grande General e juravam por ele dar a vida. Para pertencer à sua guarda pessoal, tinha
que ser iniciado nos mistérios dos oráculos gregos, em Delfos, no Templo de Apolo.
Pertenciam à Cavalaria dos Companheiros de Alexandre.
Também eram iniciados e juravam dar as suas vidas, os soldados da guarda pessoal
e os corpos de combatentes mais importantes, do imperador Juliano, o Apóstata (331-363),
no Império Romano do Oriente.
Na Idade Média o juramento do soldado era para defender os Reis e Monarcas. Havia
já um sentido de pátria e de nação visto que os monarcas aí representavam o Estado. Eram
Chefes de Estados.
Assim, a iniciação nas atividades militares não são novidades recentes. Julgo que é
uma necessidade esse envolvimento dos militares, em particular oficiais e sargentos, nos
conhecimentos esotéricos em geral e nos iniciáticos, em particular. Não sabem, os “não
iniciados” (profanos), e os praticam sem saber: o juramento à bandeira, o juramento de
Cadete, o juramento ao primeiro posto, a Rendição da Parada, o Sentinela, a espada e a
Incorporação da Bandeira, para não estender muito. Para exemplo, detenho-me apenas nas
considerações sobre a espada e o Juramento à Bandeira Nacional.
A espada, além da alegoria mais conhecida que é a representação da autoridade, ela
tem simbolismos antiguíssimos que vai até aos assírios e babilônios. Todos os povos
antigos tiveram a direção vertical como o simbolismo de aliança com o criador. Nos registros
bíblicos, tem-se a da Torre de Babel; nas construções gregas as diferentes ordens de
colunas (Jônica, Dórica e Coríntia); nos templos egípcios as infinitas colunas verticais que
são pirâmides em direção ao céu; essas colunas, transformara-se em obelisco distribuídos
pelos romanos por todas suas colônias e depois seus descendentes a distribuíram pelo
mundo. Vemos também na cruz latina que os cristãos adotaram como símbolo do
cristianismo. A vertical é o espírito. A direção horizontal também é simbólica. É a matéria. Na
cruz cristã, quanto mais para cima a horizontal, maior a presença do Verbo e predomínio do
espírito sobre a matéria. Este símbolo, a vertical, está presente no homem: é o falo.
Portanto, todas as verticais fálicas referem-se ao homem na terra, capaz de recriar matéria e
aprisionar nela o espírito que é uma fagulha divina. Daí, inúmeras civilizações, até tribais,
cultuarem o falo como divino. Pois bem, a espada é o falo. E, para parecerem modernos,
alguns “iluminados” insistiram, e conseguiram, que as mulheres pertencessem a instituição
militar. Nos postos militares, como sinais de modernidade, de “despreconceito”, de modismo,
MULHERES passaram a usar espadas. Concederam à mulher o direito de exibir o seu
“FALO” nas formaturas. Ora, se mulheres fossem adequadas à guerra, os romanos e gregos
já teriam feito isso. É só ler os enigmas contidos na história.
Outro simbolismo há muito desprestigiado, pelos militares, em particulares por todos
os oficiais, é o Juramento à Bandeira. Ele passou a ter valor apenas para os soldados como
os últimos suspiros de uma tradição também milenar. Esse aspecto já foi tratado quando me
referi ao meu juramento à bandeira.
Pior ainda, embora ainda seja mantido, mas com muita simplificação, é a
Incorporação da Bandeira. Com desculpa de ganhar tempo, a Bandeira sempre é
incorporada à tropa, às escondidas, de modo que esse evento não incomode aos visitantes
e a outras autoridades. Ora, nenhuma autoridade pode ser mais importante, simbolicamente,
que a Bandeira. A não ser que não se tenha em conta o simbolismo exato da bandeira. E,
isto, seria inconcebível, a qualquer brasileiro, e por muito mais razão a qualquer militar. Pior
é a “desincorporação da bandeira”. Há um espirituoso que, com razão, apelidou o evento de
“fuga da bandeira”. Chega a ser um perjúrio.
Poderia juntar, ainda, a localização dos quartéis (torres, castelos), a heráldica de
todos os matizes.... Mas já é o suficiente para registrar o confuso uso dos símbolos,
emblemas e alegorias devido à extrema ignorância.

Inverno Amazônico

Há um enorme equívoco e um erro grosseiro no conceito do inverno amazônico. É um


erro crasso tal qual o de se admitir um triângulo de quatro lados. O que chamam de inverno
amazônico nada tem de inverno.
Por ação da física astronômica, no nosso sistema solar, há a translação do Planeta
Terra em torno do Sol que toma diversas posições em diferentes instantes. Tomando
posições em quatro instantes, que nos interessa, teremos uma posição de maior
afastamento do sol (inverno), uma de menor afastamento (verão) e duas posições que são
as transições dos dois anteriores: um que vem do mais longo para o menos longo
(primavera) e do menos para o mais longo (outono). Essas quatro diferentes posições são
as Estações do Ano e são determinantes nas formações dos sistemas climáticos do Planeta
Terra. Portanto, o frio, o calor, o equilíbrio entre os dois, nos dois hemisférios da terra, são
em função das estações do ano. É a estação que determina o clima e não o clima que
determina a estação. Tenho a teoria que temos na verdade oito estações do ano: quatro em
cada hemisfério. Quando é inverno no sul, será verão no norte; quando for primavera no sul
será outono no norte; daí se terá quatro estações no norte e quatro no sul, inversas.
Mas onde isso influencia o erro do conceito chamado inverno amazônico? Bom, a
região norte, como um todo, tem forte influencia da região nordeste. Isso começa no Pará e
vai até o Acre. O acesso dos nordestinos à região norte é desde os tempos coloniais. Ao
longo da historia, em diferentes momentos, o governo brasileiro incentivou a ida de
nordestinos para a região norte, tanto por conseqüência de fortes secas no nordeste quanto
por necessidade da busca de borracha. A cronologia dessa ocupação não cabe no
momento. No norte, todos os costumes, vindos de homens brancos, são de origem
nordestina. As influências indígenas são poucas.
No nordeste, quando chega o INVERNO no hemisfério sul, e será inverno para todo o
sul do Planeta Terra e não apenas no Brasil, há intenso período de chuvas e amenização de
temperaturas. Tais alterações, dependendo das intensidades das frentes frias vinda da
Antártida, vão além da faixa litorânea e atinge também o agreste e o sertão da região, no
interior do continente. Assim, quando começa o período de chuvas, o nordestino sabe que
isso se dá pela chegada do inverno no nordeste, no Brasil e no hemisfério sul. Portanto, para
o nordestino, só chove no inverno e isso está perfeitamente correto.
Na região norte, as chuvas são intensas, mas no período de verão. Na verdade, é
quase um semestre de muita chuva e um semestre de pouca chuva. Assim, à grosso modo,
a chuva vai da metade da primavera, mais todo o verão e mais a metade do outono. Função
de convergências de correntes frias polares, com correntes úmidas equatoriais e evaporação
dos oceanos, na região norte, nesse período, de verão, chove mais, ou chove menos.
Mas, ao chegar as chuvas, com forte intensidade, sendo o povo de origem e com forte
influência cultural do nordeste, para tal povo é INVERNO. Mesmo sendo pleno Verão.
Infelizmente, esse erro se propaga até entre altas autoridades públicas da região norte.
Não há como concordar com o argumento de que isso já foi incorporado à cultural
local. Primeiro, porque ainda não se tem cultura local: tudo é cópia da do nordeste; segundo,
porque há que se inverter a posição do Sol de modo a se ter duas estações no mesmo
hemisfério.
Portanto, há um grave erro nessa troca de estação do ano. Para o período de chuvas
no NORDESTE, a posição da terra em relação ao sol estabelece a estação do ano de
INVERNO. Para o período de chuva no NORTE, a posição da terra em relação ao sol
estabelece a estação do ano de VERÃO. Tal erro é em função da colonização nordestina em
todo norte. Hoje, se há chuvas, para o nortista também é inverno. Como inverno se no
hemisfério é verão? Daí, ao admitir inverno onde é verão é pior que admitir triângulo de
quatro lados.
JP, quinta-feira, 21 de maio de 2009

Lago Parima ou El Dourado

Quando comandei, fiquei sabendo dessa possibilidade d que o “El Dorado” tão
buscado pelos espanhóis, poderia ter sido em Roraima. Quando voltei a Manaus, vi numa
livraria o livro com imagens e mapas sobre o assunto. como a grana escava pouca, deixei
para mais tarde, pois custava em torno de sessenta reias, mais ou menos sessenta dólares
EUA, na época. Não me lembro do nome do autor. É possível que seja do chileno Roland
Stevenson - Roland Wilhelm Vermehren Stevenson.
Foto da savana,
parcialmente alagável, na
atualidade situada no complexo
das bacias dos rios
Parima(Branco). Isto é o “lavrado”.
Mapa Geografico de America Meridional, Cruz Cano y Olmedilla,1790 /
 South America, Seale, 1744 / Gujana, John Lerius, 1556

As imagens acima “mostram as marcas da linha da água do extinto Lago Parima,


Manoa ou Rupununi, descoberto em 1987 por Roland Stevenson e codescobridores, lago
este tido historicamente como um mar interior de água salgada ou salobra do norte
amazônico de dimensões comparadas ao Mar Cáspio que constituía o marco geográfico da
Província Mineral do El Dorado. Essas linhas da água que circundam as elevações e
montanhas do perímetro da savana bastante plana, impermeável e sazonavelmente alagável
na atualidade, localizada na depressão da bacia dos rios de mesmo nome chamados
Parima (Branco) em Roraima e Rupununi na Guiana, marcas estas perfeitamente
horizontalizadas e niveladas a 120 metros a.n.m., constituem a prova definitiva de que o
Lago Parima do El Dorado existiu de fato no passado recente”.
http://eldoradodoparima.blogspot.com/2010/04/para-nos-o-brasil-sempre-sera-o-pais-
do.html; quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Registro aqui, por ser algo que muito me chamou a atenção embora eu nunca tivesse
oprotunidde de aprofunda r em nada. Atualmente tem muita matéria em B Log e sítios na
internete.
Tentarei reproduzir resumidamente assunto.
Os espanhóis encontraram muito ouro com os índios Incas;
Entretanto nos cumes dos Andes não tem ouro e sim prata e cobre.
Os índios disseram que o ouro viria de uma local onde tudo era de ouro; e os
espanhóis deram o nome de “El Dorado”; na história, da America do Sul, têm-se relatos de
inúmeras expedições procurando o tal El Dorado, mesmo partindo aqui do atlântico sul;
- no aspecto humano, a agressividade dos espanhóis obrigaram os índios a tentar
esconder suas mulheres e crianças que eram violentadas e assassinadas por eles; assim,
parece ser na região de Roraima, perto do dito lago, que tais famílias se esconderam; há
relatos de que Francisco Orellana, em 1540, encontrou ou viu tais famílias só de mulheres e
assim as nomeou de As Amazonas, correlação com a lenda grega; são atribuídos aos
espanhóis a presença, na região de Roraima e Cabeça do Cachorro, de índios com pele
branca e alguns de olhos azuis; isso é comum na região, em particular entre os ditos
ianomami; são índios de baixa estatura, quase pigmeus, muito semelhantes aos índios
Kampas (nômades), na Serra do Divisor, no Acre, também descendentes dos Incas;
- no aspecto geográfico o território de Roraima está dividido quase pela metade entre
floresta exuberante e a parte de savana, um cerrado baixo, chamado de “lavrado” pelos
roraimenses. É nesta parte de serrado é que existiu o lago de Parima; por algum motivo, ele
vazou pelos afluentes do Rio Branco ou Parima, como se vê nas imagens acima. Um
curioso, um chileno de nome Roland Stevenson, e depois com ajuda de geólogos e
antropólogos ou coisas parecidas, descobriu evidencias fortes tanto por encontrar ouro,
quanto pelos sinais deixados pelos índios Incas: ferramentas, armas, acampamento e locais
de garimpo. Como curiosidade, assim como no pantanal tem os cavalos pantaneiros
selvagens, no lavrado também tem seus cavalos selvagens, se alguma ONG não tenha
pedido para matá-los pois não pertencem à rica cultura indígena.
Assim, pelos sinais geológicos, geoglifos como chamam, e pelos genótipos dos
índios, é verossímil o acontecimento.

Lendas de Trecho

Embora tenham os folclores amazônicos bem registrados na literatura, no trecho de


em Rondônia e Acre encontrei algumas essencialmente populares. Até as considero local e
pontual: 5° BEC.
A Titanabóia
Numa manhã, eu entrando de serviço de oficial de dia, antes de render a parada,
junto ao mastro da bandeira, alguém deu um alerta: olha a “tirabóia”... olha “tiranabóia!!!” A
guarnição saiu correndo e se espalhando. Era um inseto grande quase um beija-flor voando
no pátio na direção rancho-alojamento. O bicho acabou por cair no pátio. Tenho a impressão
que sua autonomia de voo é pouca. Fui conhecer o bicho. Muitos soldados, em volta, me
dizendo que aquilo era extremamente venenoso. Era uma “cobra voadora”. Era cega e voa
em qualquer direção. Tinha um ferrão entre as patas. Se aquele ferrão fincasse em qualquer
ser vivo, este ser morreria. Matava até árvore. Bom, mataram o bicho. Depois fui descobrir
um exemplar em formol na “Policlínica” do batalhão. Ali me contaram a mesma história. Um
dia, consultei uma enciclopédia Barsa e não era nada disso. Era apenas um tipo de cigarra.
Hoje, com a internet, tem muitas informações sobre o bicho. Só nomes têm vários: - cigarra-
cobra; - cobra-voadora; - cobra-de-asa; - jequiranaboia; O nome científico da tiranaboia é:
Fulgoria Laternaria. A origem é tupi iakyrána = cigarra mbóia = cobra.
Estava em Jaci-paraná, fazendo a travessia de caminhões para o Acre. A ponte,
agora rodoferroviária, estava isolada nas duas cabeceiras. O Rio Madeira estava nas
enchentes de ano par – 1974. Íamos, com soldados, caçamba e carregadeira ajuntar
“pedras de mão”, no jargão, num local onde elas afloravam para tentar obturar atoleiros. A
área era coberta por uma mata rala, talvez por causa da pedra. Bom, um soldado viu uma
cobra verde, mas diferente dessas cobras arborícolas que comem pequenas aves e insetos.
– “Tenente, cuidado é uma cobra-papagaio,” gritou. Essa era de mais de metro e com as
características de cobra venenosa: cabeça triangular, fossas lacrimais e afinamento brusco
da cauda. Seu corpo tinha anéis esbranquiçados de distância em distância. Os soldados
ficaram apavorados. Um deles ajudava ao meu companheiro de turma que tentava localizar
o bicho, bem desperto e rápido nos deslocamentos em galhos, e abatê-lo a tiro de pistola. O
bicho foi mais rápido e fugiu. Os soldados disseram que era uma cobra venenozíssima. Se
ela picasse alguém e se fosse morta, antes dela cantar como papagaio, o alguém escaparia
da morte; se ela cantasse antes, podia comprar o caixão. Hoje tem inúmeras informações
dela na internet. Trata-se de um bicho não venenoso e é como jiboia, mata sua presa por
esmagamento; só que vive em árvores. È amazônica. Há na Amazônia, em particular, uma
jararaca verde que tem o nome de “bico de papagaio”. Tem o nome científico de Bothriopsis
bilineata - é uma espécie venenosa. Bom, a que vimos, não sei de qual espécie é. O
inusitado é o fato de que, se cantar, depois de picar, o freguês bate as botas.
O Sapo Curu
Outro folclore que encontrei foi a do Sapo Cururu. Diziam os peões que, se caso se
alguém se perdesse na mata e, ao tentar encontrar uma saída, voltasse ao mesmo lugar,
isto é, começasse a andar em círculo, é porque perto do local de partida, e chegada, teria
um Sapo Cururu, grande, numa toca. Tal sapo é que fazia o perdido retornar à origem. O
perdido iria morrer e o sapo iria se banquetear com o distinto. Então, se perdido e retornasse
ao mesmo lugar, teria que procurar o sapo e matá-lo e, assim, quebrar o encanto do bicho e
se livrar de seu grande magnetismo de fazer o freguês vir a morrer perto dele.
O Tatu de Quinze Quilos
Particularmente no Acre havia a crença de que, se caçando e matando um “tatu de
quinze quilos”, tudo dava errado naquele mês. Era uma maldição mensal. Se estivesse sol,
choveria; Se tivesse máquina trabalhando, dava uma ziquizira e parava tudo; se o pessoal
estivesse sadio, ficava doente...
O “Tatu de Quinze Quilos” eu nunca vi. Apenas vi uma toca que os peões disseram
ser dele. Eu tinha quase certeza que tal tatu era o que em Mato Grosso se chama de Tatu
Canastra - O nome científico é “Priodontes maximus”, que também nunca vi o bicho e nem a
toca. Mas o mestre Google provou que não, o “tatu de quinze quilos” é típico da Amazônia e
tem nome científico diferente. O tatu-de-quinze-quilos (Dasypus kappleri) é uma espécie de
tatu que vive na Colômbia, Venezuela, Bolívia e Brasil. Bom, do tempo em que vivi no Acre,
nunca vi tal tatu. Apenas soube do estrago que ele fazia se fosse morto.
Cemitério de Índio
Uma maldição parecida era invadir cemitério de índio. No trecho Manuel Urbano /
Feijó isso aconteceu pelo menos umas duas vezes, particularmente chegando ao rio
Jurupari. Até poderia ser de seringueiros as sepulturas, mas... . O fato era a ziquizira grande.
Felizmente, quando eu no trecho isso não aconteceu.
As formigas Tocandira
Outra lenda boa é a das formigas Tocandira, tocandeira ou tucanguira, como se diz
na terrinha. Uma formiga enorme e, segundo a internet, tem em todo o Brasil. O pessoal
destacado tinha um medo danado dela. Uma ferroada é um dia de dor intensa sem remédio
que desse jeito. Pior que escorpião. Há até um ritual de passagem de adolescente para
adulto de uma tribo indígena, n Amazônia, onde se faz os garotos colocarem a mão numa
luva de capim ou cipó trançado, mas com as formigas amarradas com o ferrão para dentro.
E assim eles colocam a mão dentro. Se chorar, pelas picadas, ainda não é homem.
Mas a lenda que eu conheci era a de que a formiga virava cipó. Há quem diga que o
cipó titica, forte e resistente, usado em inúmeras atividades, desde amarração de peças
pesadas para casas até em artesanatos pequenos e delicados, é originado da formiga
todandira. Eu conheço o cipó e ele começa no chão e sobe em outras plantas. Mas segundo
o pessoal a formiga se prende em outro cipó, ou galho, e seus membros vão crescendo até
atingir o chão. Aí ela vira planta e se torna cipó. Tive oportunidade de ver uma formiga
tocandira, morta, já seca, num ramo de arbusto com uma das pernas com uns cinco a dez
centímetros de comprimento. Retirei com delicadeza, mas acabei por descuidar e por estar
seco se quebrou toda. Não sei se, ao encostar-se à terra, viraria cipó. Achei que seria uma
doença qualquer, um fungo que degenerava as patas do inseto. Bom, conheci o cipó titica e
vi a formiga com as patas alongadas. Não sei se a formiga viraria cipó, mas a lenda existe.

Meu Maior exemplo de “Como não Ser”

Começamos, no 5º BEC, o ano de 1976 em situação difícil. O novo comandante tinha


o curso do IME e ali sempre fora professor. Tinha curso de arquitetura também. Era dos tais
comandantes, mais tarde batizados, por um diretor da DOC, como “comandantes
adiabáticos” – voltado pra seu interior sem troca de energia com o exterior (com os muros do
quartel): era preocupado com o rótulo sem se preocupar com o conteúdo. Para ele o
aniversário do batalhão era mais importante que a companhia com a principal missão da
unidade. A figura merece um comentário, pois, foram esses militares que me serviram de
exemplo para toda a vida: nunca tê-los como modelos de militar e muito menos de
comandante. Sua primeira atitude, como comandante, foi projetar uma nova entrada para o
batalhão: criou uma nova frente para o pavilhão de comando (lago, peixes e passarelas) e
um pórtico para entrada, na guarda. Reformou a piscina do então “Clube dos Oficiais” para a
comemoração de “Dez anos do Batalhão” (1966-1976). No aniversário da unidade, cuja data
parece ser no meio do ano, não sei se junho ou julho, não me lembro. A data é enrolada
porque tem a data de criação e a data de chegada a Porto Velho. Mas o inusitado foi que,
para tal aniversário, foram trazidas rosas o suficiente para contornar toda a borda da piscina,
numa camada de um palmo, exagero para alguém sensato, mas assim me foi contado, e
verossímil pelo ambiente. Piscina reformada e com iluminação em torre de trilhos, da
Madeira Mamoré (existente até 1993). Mas, o disparate maior é que tais rosas foram
trazidas, de São Paulo, em uma Kombi, frigorificadas. Não custa lembrar que a estrada de
Cuiabá até Porto Velho eram 1500 km de terra. O Jornal “O Alto Madeira”, se não me
engano, mesmo o dono do jornal sendo convidado, deu como manchete sobre o aniversário
mais ou menos assim: “Festa Nababesca Comemora o Aniversário do 5º BEC”. Seguindo
suas preferências, o Comandante autorizou que os oficiais, da Seção Técnica, projetassem,
na Seção Técnica do Batalhão, com participação de sargentos calculadores e topógrafos e
de civis desenhistas, com arquitetura do Comandante, todas as sedes de futuras prefeituras
de Rondônia. As sedes seriam criadas como preparação da passagem do Território para
Estado. A desculpa de que eram feitas nos finais de semana é querer justificar o
injustificável. O preço dos projetos nunca se ficou sabendo; soube-se que não era barato.
Ah, o comandante doou seus esboços arquitetônicos ao governo de Rondônia. Um
filantropo.
Mas quando fui pedir um ônibus para levar as famílias de cabos, soldados e civis, e
as crianças de colégio, do acampamento, Km 12, até ao centro da cidade de Humaitá, o que
era feito em um caminhão Mercedes, "108 D". Ele se irritou comigo dizendo que a unidade
não tinha tais recursos e ele não poderia desviar recursos do SAS para isso. Mas pôde para
as rosas...
A negativa do ônibus; a notícia da festa de aniversário do batalhão; as caravanas de
camionetes para as reuniões em Manaus, com as mulheres, e a volta com todas as picapes
superlotadas, de coisas da zona franca, burlando o fisco; e os jantares mensais no Clube
dos Oficiais, apenas para os oficiais da sede (os destacados não eram convidados, nem por
consideração) é que abreviou a minha estada por Humaitá. Pedi transferência em agosto e
em setembro estava chegando a Itajubá. Saí no meio do Plano de Trabalho.
Muito mais tarde, quando eu servia em Brasília, um general da comissão de
promoções, soube que eu fora subordinado de tal coronel, agora compondo a lista de
escolha, e me inquiriu. Disse o que sabia, como o narrado acima. No final ele me perguntou
se eu gostaria de tê-lo como comandante oficial general, respondi, na lata, que ele era o
meu pior exemplo de comandante, embora não discutisse sua inteligência, como professor e
arquiteto. Quando eu cursava a ECEME e era Presidente do Círculo Militar da Praia
Vermelha, ele esteve por lá diversas vezes. Eu sempre me desviava dele. Ele, já na reserva,
se me perguntasse alguma coisa da época eu poderia dizer tudo o que eu não disse a ele,
como tenente, por disciplina. Ele, de longe, parece que me reconhecia, mas também não se
aproximou, nas oportunidades que teve para isso. Assim mantive minha mesma impressão
e o tive como modelo de anti-comandante, ou anti-modelo de comandante. Ou até, eu
procurei ser ele multiplicado por menos um [ eu = ele x (-1)].

Nível de importância

No ano anterior – 1984, obras na da Variante, estávamos desconfiados de desvio de


combustível. A média de consumo de determinados grupos de máquinas tinha subido. Foi
detectado no O C A – órgão central de apropriação – na Seção técnica. Inicialmente pareceu
ser as idades das máquinas, já bem velhas, e isso levaria a um maior consumo. Mas não
havia tempo e nem gente para parar e investigar. Proceder a uma sindicância. Pensou-se
até colocar a polícia federal a nos ajudar. Mas, poderia vazar, ir para jornal, tv... e nós, como
já dito, estávamos sob a desconfiança de muitos. Mas, com apenas o serviço da mineradora
e alguns do INCRA, ficou fácil pegar: o gargalo era bem mais fechado e aí não foi difícil
saber o “como” e os “quem” envolvidos. O encarregado de controlar todo o combustível, no
trecho, recebia os caminhões da Petrobrás, e descarregava nos tanques. Daí ele mandava,
em caminhões do batalhão, para as diversas obras. Era uma forma de se ter um gargalo.
Acontece que a figura colocava 300, 500 litros a menos num caminhão do batalhão.
Quando, pelo seu controle já tinha quinze mil litros, um caminhão cheio da Petrobrás, o
caminhão entrava, ele dava como recebido (liquidação), mandava a nota fiscal para
pagamento, mas não descarregava e eles vendiam o combustível e dividiam o dinheiro. O
problema que quem controlava o combustível era um sargento temporário “acima de
qualquer suspeita”. Os tais que se entregava de corpo, alma, espírito e mais alguma coisa
pelo serviço: sábado, domingo, feriado... Fora até elogiado pela dedicação. Eu, como
cético... achava muita dedicação.... Trabalhar é ruim, cansa, desgasta... o somatório sempre
será zero. Em poucos dias foi desfeito o esquema, e tudo foi apurado pela polícia civil. Se
fosse um IPM, ele ficaria vários anos pendurado como criminosos. O sargento, com tempo
legal para licenciamento, solicitou licenciamento e respondeu como civil. O motorista da
Petrobrás, ou terceirizado, foi demitido. Mas os dois resolveram vender algumas coisas e
devolveram parte do roubo. Diminuía a pena. Eles investiram em terrenos e carros.
Ficou a aprendizagem: “Nível de Importância”. No calor do combate, pelo volume de
recursos e materiais, o pegar um desvio de um caminhão ou dois, de combustível, era de
menor importância que desviar um oficial para investigar, numa sindicância. Mas com pouco
serviço, um caminhão de combustível era muito dinheiro e o seu “nível de importância”
cresceu assustadoramente. Então valia a pena buscar corrigir o desvio de conduta e roubo.
Assim, passei a cunhar o seguinte conceito: “em todas as atividades, tem vários eventos
com níveis de importâncias diferentes; em um momento, um evento tem um nível de
importância baixo; em outro, o mesmo evento cresce assustadoramente de nível de
importância. Caberá aos líderes saber avaliar uma coisa e outra”. Requer tirocínio,
experiência e malícia. Não vem em livros didáticos de nenhum curso.
O “Peça-Rara”

Essa denominação é pejorativa. Chega às raias da discriminação, se considerado o


contexto rotineiro dos quartéis, mas um fardo, se considerado a finalidade dos militares da
AMAN: ser combatente e estar preparado para tal, se for empregado.
No linguajar castrense, “peça-rara” é a denominação dada a alguém de atitude
singular, distinta, inigualável, como se fosse a “peça’ diferente, individualizada de uma
coleção. Mas essa individualidade não é pelo inigualável desempenho. Tal personagem se
torna único, mais por desacertos que por desinteligência. Pelo contrário, o peça-rara é, em
geral, inteligente. Essa classificação, no mais das vezes, se dá pela personificação do
estabanado. E o estabanado não só na execução, mas também nas formulações de
soluções e apresentações de ideias. Muitos, acham que isso se dá por falta de maturidade.
Os psicólogos de banheiro, como eu, arriscam afirmar que é inaptidão para o que se propõe.
Os desastres maiores são nas lideranças, nos momentos de comandar, de dirigir. Sozinhos,
como pesquisadores, calculadores ou para executar suas provas escolares são bons e se
sobressaem. Mas, o que me foi dado ver é que, para a atividade militar, como condutores de
homens, como líderes, deixam muito a desejar. E é uma temeridade tais pessoas galgarem
o oficialato. Mas o que tem de trágico nisso é que, contrariando a maioria das pessoas, o
peça-rara não muda com o tempo. O peça-rara novo continuará sendo até ficar velho. Por
isso, cheguei à conclusão que o peça-rara não envelhece porque continua se comportando
como peça-rara, mas apenas embranquece o cabelo. Peça-rara não envelhece, apenas fica
mais experiente.

O Apartamento

Para melhor entender, pois parece que ficou confusa a coisa, vou esclarecer mais a
compra do apartamento. Foi dito no texto narrativo que fiz uma carta desaforada à POUPEX
em 1992, pois fiquei sabendo das vendas das “ultimas unidades” de um empreendimento
que sempre procurei seguir: qualquer coisa da POUPEX em Campo Grande. Bom, eu tinha
alguma coisa em Poupança, isto é, toda a minha ajuda de custo do Rio- ECEME- a Cruzeiro.
Eles me responderam que ainda havia dois apartamentos: um no segundo andar e outro no
sétimo andar. Claro, com preços diferentes. Eu, por telefone, atendido por um funcionário da
POUPEX, disse que tinha valores imediatos na poupança e outros valores a prazo fixo, mas
com data diferentes de vencimento e que eu daria tudo como entrada e financiaria o
restante. A data de vencimento das cadernetas a prazo fixo seria a 23 de julho e 30 de julho
de 1993. Portanto, nestas datas eu transferiria para a POUPEX todo o valor ali apurado. Mas
o somatório seria a preço inicial, isto é, a POUPEX ficaria com os juros do compromisso até
o vencimento da caderneta. Acontece que a renda familiar estava no limite. Eu tinha
gratificação de comandante e de localidade especial. Assim, minha renda familiar daria. Mas
eu nãos seria sempre comandante em ficaria em localidade especial. Bom, preço do imóvel,
menos a popança restaria um monte ser financiado. Para o “a ser financiado,” a minha
renda familiar estava no limite, considerando as excepcionalidades. Depois de certo tempo,
concordaram com minha situação: aceitar a renda familiar, mesmo sabendo que eu sairia
daquela situação excepcional. Mas, até resolverem isso, eu já havia chegado a Rio Branco.
E o contrato de compra e venda fora assinado a 10 de julho de 1993. Foi registrado em
cartório em Campo Grande em 15 de outubro de 1993.
Mas estou da registrar isso mais para mostrar como estava a moeda brasileira. O
valor do apartamento era: CR$ 2.938.511. 187,59. Isso mesmo – dois bilhões, novecentos e
trinta e oito milhões, quinhentos e onze mil, cento e oitenta e sete cruzeiros e cinquenta e
nove centavos. Que precisão – foi até nos centavos. Eu dei de entrada, como “arras e sinal
de negócios”, como diz o contrato, a bagatela de CR$ 431. 611. 887,59 – quatrocentos e
trinta e um milhões, seiscentos e onze mil, oitocentos e oitenta e sete cruzeiros e cinquenta
e nove centavos. Depois, no vencimento das cadernetas, duas parcelas: 342.000.000,00 +
192.000.000,00C = R$ 534.000.000,00 – quinhentos e trinta e quatro milhões. Ficaram, para
serem financiados, portanto, CR$ 1.972.889.300,00 - um bilhão, novecentos e setenta e
dois milhões, oitocentos e oitenta e nove mil e trezentos cruzeiros. Isso seria em 240 meses
(vinte anos), juro de 11% ao ano pela PES - Plano de Equivalência Salarial. O
comprometimento salarial era de 29,11% e a primeira prestação foi para o vencimento de
10/08/93. Mas, num esforço hercúleo e não aceitando prorrogar ou refinanciar, paguei com
onze anos. Isso, graças aos inúmeros planos e moedas novas até chegar ao real. Até hoje
nãosei se me atrapalhou ou se me ajudou.
Coloco abaixo copia das três ultimas folhas do contrato com os números. A copia não
é boa porque o original fora imprimido com impressora matricial, a tecnologia de ponta da
época. Para completar, guardei o endereço decorado. – Rua Dom Aquino – 2069 – Apto 701
- CEP 67 002-182; telefone - 3382-6954; segundo telefone – 782-3382 (depois o sete foi
substituído por três e, mais depois, acresceram mais um três) Hoje seria 3382-3382 -
telefone do condomínio – 3383-4550.
O Azarado

Da mesma maneira que fui beneficiado com muitas coisas e algumas pareceram que foram
feitas apenas para meu benefício, tive alguns casos, em particular de legislação, que não me
beneficiaram. O título é porque sempre que eu ia me beneficiar de algum privilégio da legislação
ela mudava. Se houvesse benefícios de lei, eu chegava atrasado. Um mês ante, modificavam e
eu ficava a ver navios. A única que me beneficiou foi o de ganhar no posto acima, mas quando fui
promovido a major, tive prejuízo sem ter que chiar.
Antes, é explicar melhor uma situação. Havia duas figuras legais: uma pecuniária, para
gratificações especiais e outra de tempo de permanência; uma era a de Localidade Especial e
outra a de Unidade de Fronteira. A Localidade Especial era por ser a localidade de pouca infra-
estrutura para o pessoal: médico, escolas, alimentação; lazer, isso nem pensar. Assim, havia um
rol de lugares onde eram considerados como localidades especiais. A figura de unidades de
fronteira era se a cidade onde estava “hospedada” determinada unidade estivesse na tal faixa de
fronteira (100 km da linha de fronteira), então se recebia uma gratificação de fronteira. Era quase
a mesma coisa na finalidade e nos valores – fronteira ou localidade especial. A legislação
relacionava quais assim eram: especial ou fronteira. Mas havia uma subdivisão: as de Localidade
Especial em Primeira, Segunda e Terceira Categoria; as de Fronteira em Categoria A, B e C. A
letra “A” e Primeira Categoria tinham gratificações maiores e tempos de permanecia menores. Era
assegurada, ainda, a escolha para a nova unidade, após o tempo exigido, no mínimo a guarnição
se houvesse mais de uma unidade no local escolhido.
Quando cheguei ao 5º BEC, no anterior haviam modificado a legislação para o tempo de
guarnição em localidade especial. Passou de um ano para dois anos na guarnição. Ganhava uma
gratificação que não me lembro quanto por ser localidade especial. E do recurso da rodovia
recebíamos um o pró-labore que dois anos antes era 100% do soldo. Quando cheguei era 60%.
Bom, modificaram novamente as gratificações e permanências: em 1976, a minha sede era Porto
Velho, passou a categoria B, com sua gratificação por isso, e mais o pró-labore só para quem
estivesse destacado que passou para 40% do soldo. Mas os destacados como eu ficavam em
áreas que, para outras Armas, era categoria “A” com tempo de permanência de um ano. Havia
uma enorme incoerência que levou anos para ser corrigida. Para “Categoria A” e para “pró-labore
100%”, cheguei atrasado.
Também uma das idiossincrasias do Exército, tudo por não se ter autoridade de exigir o
que merece: para melhorar o total do salário: criava-se penduricalhos gratificatórios. Assim, não
era considerado salário, mas a grana saia do mesmo saco que saia o soldo. Um desses
penduricalhos chamava-se “Compensação Orgânica”. Os aviadores da FAB ganhavam e
ganham; paraquedistas ganhava e ganha e mais modernamente, mergulhadores militares e
pilotos de helicóptero ganham. Era uma lorota bem montada. Alegam que a atividade aérea e ou
subaquática trás sérios danos à saúde e tal grana faz a compensação. Fazendo um pouco de
ironia, basta o militar receber a grana que sua saúde se restabelece. Mas, quando cheguei na
Amazônia, e amparado pela mesma legislação, o militar que, “a serviço” voassem um tanto de
horas de vôo no ano, receberia um percentual de gratificação no ano seguinte. Se acumulasse
um certo número de horas durante a carreira, a gratificação era garantida pelo resto da vida.
Assim, os que serviam em quartéis comandados por generais faziam viagens de visitas, por
escala, pelas linhas do CAN pela FAB. Não raro, quando no Acre, meu destacamento precisava
de mandar pessoal para Rio Branco, e até mesmo gente da população, doente, não podia
embarcar porque a aeronave estava cheia de oficiais e sargentos em viagem de conhecimento,
na verdade fazendo horas de vôo. Pois bem, quando tenente, pela antiguidade, eu jamais iria
fazer tal viagem. E quando viajei pela FAB, foi de carona e por isso não se contava as horas por
que não era viagem oficialmente autorizada como as dos ditos “visitantes de conhecimento”.
Quando cheguei a Capitão, que poderia fazer tais viagens, foi suspensa a contagem de tias horas
de vôo. Somente os paraquedistas incorporavam ao salário tal compensação orgânica (pelo resto
da vida). Assim, não tenho registrada em meus assentamentos nem um minuto de “Horas de
Vôo”. Na minha vez, a coisa foi mudada, ou aperfeiçoada.
Outra situação vivida, situação de recompensa, foi os que no folclore de caserna passou a
chamar de Biônico. Em determinado tempo dos governos militares, copiando experiências
européias, uma cota do número de Senadores era por nomeação. O pessoal de esquerda, mais
realista que o rei, os apelidou de Senadores Biônicos. Bom, onde entravam os biônicos do
Exército? É que para cursos militares, exceto AMAN, quem viesse de guarnição Especial ou
Fronteira, a escolha de sua nova unidade, após o curso não dependia de grau de desempenho
escolar. Era uma tentativa de harmonizar o direito que, se o militar ficasse na localidade especial,
teria direito de escolha. Assim, estenderam o direito até o término dos cursos.
Pois bem, estava no 5º BEC, sede Porto Velho, destacado em Ji-Paraná, em 1979. A
primeira metade de minha turma faria ESAO no ano seguinte. Em outubro, mudaram a legislação.
Só seria Biônico quem tivesse cumprido pelo menos 2/3 do tempo de vinte e quatro meses (16
meses). Em novembro fui incluído no rol dos matriculados. Aleguei o direito, mas disseram que a
inclusão no rol da matrícula foi após a nova legislação. Mesmo que saísse de Porto Velho num
dia e se apresentasse na ESAO no mesmo dia ainda faltariam cinco dias. Portanto, perdi a
bionicidade por dias.
Após ESAO, fui para Alegrete, pela segunda vez. Ano seguinte, 1982, fui para o CPOR/PA
(Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre). Estava chegando um
comandante novo, com um subcomandante novo. Resolveram fazer daquilo um quartel, pois
pelas notícias da dedicação, dificilmente igualaria a uma repartição pública de funcionários civis
prestes a aposentar. Até então o CPOR tinha meio expediente. Assim, pela tarde os oficiais e
sargentos iam cuidar de suas vidas particulares. O quartel era “bico”. A atividade fim era fazer
faculdade civil rapidamente para ter tempo ainda de ganhar dinheiro com um segundo emprego.
A partir da minha chegada, meio expediente era para os alunos, que pela tarde obrigatoriamente
teriam que ir para a Faculdade. Os oficiais e sargentos ficariam para preparar as instruções do dia
seguinte, fazer a manutenção do material, limpar o quartel. Segundo os sargentos com mais
tempo de unidade, só ficava no CPOR o pessoal de serviço. Os militares com mais tempo diziam,
com ironia: – “até o ano passado isto aqui era o Céu.P.O.R; agora virou quartel”. Eu cheguei
atrasado.
Estava em Porto Velho, pela terceira vez, e agora era guarnição de segunda categoria
sendo dois anos o mínimo de tempo de guarnição. Cheguei em janeiro de 1984, vindo do CPOR.
Poderia então sair em janeiro de 1986. Havia um calendário que estabelecia a data a partir da
qual os oficiais e sargentos indicavam quais as guarnições de preferência e indicavam três. Isso
geralmente era lá por setembro ou outubro. Bom, uma semana ou dez dias antes da data final de
indicação para transferência, saiu uma legislação dando o tempo mínimo de guarnição para Porto
Velho, que perdera o status de guarnição especial, de dois para três anos. Mas eu entrei com
meu pedido transferência para Brasília, pois pretendia me preparar par o concurso da ECEME.
Todos, incluído eu, raciocinamos que, por ter chegado à guarnição especial no ano anterior,
estava garantido o direito de dois anos da guarnição (a lei não retroage para prejudicar, é o jargão
jurídico). Bem, fui transferido para a então Diretoria de Movimentação (DMov) cujo diretor era o
meu Comandante de Alegrete quando eu aspirante e seu assistente o Primeiro Tenente que era o
Subcomandante. Portanto, estava indo para um lugar de conhecidos. Já sabia até qual a
repartição que trabalharia. Qual não foi a surpresa que chegou um rádio anulando minha
transferência, pois teria que cumprir os três anos. O meu comandante ligou para o assistente do
general da DMov e o mesmo pediu zilhões de desculpas a mim, mas houve uma outra
interpretação da legislação pelo Consultor Jurídico do Exército: eu só faria jus aos dois anos se a
data que vencesse os dois anos fosse antes da nova legislação. Portanto, eu não tinha o tal
“Direito Adquirido” porque meu prazo só venceria em janeiro do ano seguinte. O mecanismo
anterior era solicitar a transferência, ser movimentado porque com as férias do final de ano
completaria o tempo. Facilitaria para quem tinha filho em escola, início de ano fiscal e tantos
outros benefícios tanto para o militar como para o Exército. A partir daí só poderia solicitar
transferência quem estivesse com o tempo fechado. Mas não houve jeito: fiquei mais um ano em
Porto Velho.

O Cabo Velho

No 5º BEC, havia um super efetivo para um batalhão. Muito além do documento legal
conhecido por Quadro de Organização (QO – no jargão). Quando saí do Rio Grande do Sul, havia
uma informação que repercutiu muito no âmbito do então III Exército: havia vinte cabos
estabilizados excedentes. Isto queria dizer o seguinte: por algum motivo, talvez até descontrole,
mas o mais provável seria a extinção de algumas qualificações de tais cabos, já com estabilidade
(mais de dez anos de serviço), ficariam a exercer outras qualificações até atingir a inatividade.
Passando para a reserva, extinguiria a vaga. Bom, quando cheguei a Porto Velho, o 5º BEC tinha
a bagatela de cento e trinta cabos excedentes. A grande maioria destacados e em funções
importantes. A forma de como chegaram já foi aclarada em outro lugar.
Há um dito de caserna, na cavalaria, que se perde no tempo, sobre os cabos velhos. Bom,
na cavalaria hipomóvel (para os mais novos era a cavalaria com seus cavalos tanto para o
combate como para a logística), “hipo” para os íntimos, a cavalhada era alimentada por alfafa.
Esse alimento vinha em fardo, como feno, na forma de um paralelepípedo, mais ou menos de
0,50 x 0,50 x 1,00 metros, amarrado com três enlaces de arame de 3 mm mais ou menos e muito
maleável. Pois bem, o dito cavalariano é que “um cabo velho, com alicate e arame de alfafa
resolve todo e qualquer problema em qualquer quartel”.
Ouvi, de um chefe militar, numas destas falas de formatura de inspeção, outra referencia
aos cabos incluídos também os soldados engajados e estabilizados. O militar disse que “quem
guarda o quartel, quem tem afeição pelo local, quem preserva a unidade são os cabos. Eles
transmitem esse sentimento aos soldados. Esse apego ao quartel se dá porque os cabos e
soldados são da cidade, da região, do estado”. Concordo com o ponto de vista do antigo chefe.
Também vi, ouvi e senti tal sentimento entre os cabos. Eles têm o verdadeiro sentido de “espírito
de corpo”: além da relação humana que tal sentimento deva ter, têm o apego ao quartel, ao lugar,
às instalações. Os oficiais e sargentos geralmente são de outros Estados da Federação e estão
ali por necessidade do serviço. Embora adquiram o espírito de corpo, do relacionamento humano,
lhes falta o apego ao quartel.
No 5º BEC, a imensa maioria de operadores de máquinas eram cabos. Os melhores
mecânicos eram cabos. Os melhores laboratoristas de solos eram cabos. Os melhores motoristas
eram cabos. Bom, paro por aqui. A grande maioria, como disse, com funções importantes.
Reforço aqui minha teoria de que, num BEC, se dá missão a cabo estabilizado (cabo velho -
jargão que nunca sei se é carinhoso ou pejorativo) que, em outras armas, seria para capitão com
aperfeiçoamento. Não pelo conhecimento científico ou técnico, mas pela exuberante experiência
de trabalho e de vida. Há um companheiro de engenharia, e de BEC, que afirmava, e hoje como
general ainda afirma: “os BEC só cumprem Plano de Trabalho porque têm os cabos velhos”.
Quando lá cheguei, a maioria tinha seus trinta a trinta e cinco anos. A grande maioria já
havia feito cursos de especialização tanto em estabelecimentos militares como em indústrias
civis. Foram eles os grandes instrutores práticos de todos os tenentes que conheci, incluído eu.
Eles detinham o conhecimento prático de todos os setores do batalhão fazendo a interface entre
a técnica teórica e a técnica prática. Eram os “arquivos vivos”. Hoje seriam os “bancos de dados
vivos”. A grande maioria era de inteligência acima da média da de cabos que até então eu
conhecera.
Sendo minha atividade, em um BEC, essencialmente técnica, cuja técnica era a que eu iria
empregar num combate, foi com eles que aprendi a respeitar o técnico e aprendi a respeitar um
aforismo popular: “quem sabe, sabe; quem não sabe bate palmas”. Vi e vivi situações onde o
cabo mecânico, no momento, era mais importante que o comandante do Batalhão e o
comandante teve a humildade suficiente de reconhecer que o batalhão dependia do
conhecimento do cabo. Antes que algum apressadinho conclua errado, é claro que nenhum
planejamento deva ficar refém de uma pessoa, apenas. Mas numa atividade onde os meios são
brutalmente escassos, as habilidades humanas são imprescindíveis para as situações
emergenciais. Tal reconhecimento somente os tem quem viveu emergências. Aos burocratas e
planejadores do “dever ser” jamais terão oportunidade de entender.
Aprendi o valor do companheirismo e da liberdade entre superiores e subordinado. Em
diversas oportunidades em que eu era o único oficial, tive com eles convivência fraternal e nunca,
mas nunca, um deles tenha me faltado, ou mesmo insinuado alguma forma de desrespeito. Era
aquilo que se busca incansavelmente entre os militares: disciplina e o respeito. Sabiam
reconhecer um oficial líder. Eram atentos ao chefe interessado em aprender, em entender o
serviço e o ambiente. Aos chefes que lhes conquistasse a confiança eles seguiam de olhos
fechados, iam ao extremo de suas resistências físicas e até de saúde, aplicavam ao máximo suas
capacidades de raciocínio. Com eles aprendi que nunca se deve dizer ao chefe: não dá; se deve
dizer não deu. A segunda resposta implica no entendimento de que pelo menos a solução foi
tentada.
Mas, no 5º BEC tinha coisas terríveis. As pressas, as soluções urgentes, a estrada como
solução política e não como adestramento de tropa, a visão míope de muitos chefes, a visão
distorcidas de muitos comandantes que via a coisa pública como coisa própria, comandantes de
alto escalão, sublimando seu poder, usavam o cargo para impor seu personalismo e não a
solução técnica adequada fizeram cosias terríveis a muitos cabos no BEC. Antes de entrar no
mérito, conto uma passagem acontecida comigo. Estando em Feijó, AC, fui intimado em Porto
Velho para atender alguma coisa de justiça cujo motivo não me lembro. Fui de Rio Branco a Porto
Velho de ônibus. Além de eu gostar de ver o trecho, mania de relatório de viagem, mas que no
fundo era um treinamento de reconhecimento de itinerário, eu gostava, como gosto até hoje, de
observar os tipos humanos e suas ações. Bom, junto comigo, por algum outro motivo, estava um
cabo da equipe de topografia. Um negro forte, rijo, cuiabano de boa cepa, que eu conhecera em
Feijó, que não perdera o sotaque cuiabano, apesar de quase dez anos na região. Descemos na
rodoviária de Porto Velho combinamos para rachar o valor da corrida de táxi. Ao chegar à sede
do Batalhão, passamos pelo corpo da guarda e ele me perguntou: – “Tenente, onde fica a
Companhia de Comando e Serviço”? Ali era o local aonde todos os cabos e soldados, vindos do
trecho, teriam que se apresentar, no que garantiriam o alojamento e as refeições. Surpreso com
o inusitado da pergunta eu lhe disse: – “Cabo, você está querendo brincar comigo”? No que ele
respondeu: – “Tenente, eu cheguei aqui junto com o Batalhão e neste lugar não tinha nada,
somente mato. Começamos a roçar de facão e a dormir em barracas para limpar o local da
construção do Batalhão. Depois de um mês fui escalado para compor a equipe de topografia junto
com alguns funcionários civis e nunca mais voltei. Hoje, levei um susto quando vi tudo isso aqui
assim bonito, limpo... eu não conhecia isso”. O cabo me olhava com um olhar maravilhado e sua
emoção ajudava a carregar seu sotaque cuiabano que para mim era prazeroso. Eu não sabia se
chorava ou se ria. Chorar porque era um absurdo um militar ter voltado à sede oito anos após; rir
porque era de uma comicidade retumbante ver alguém perdido dentro de seu próprio quartel. Isso
se contado a alguém menos avisado soará como mentira do tipo “de pescador”. Mas é a pura
verdade.
No momento oportuno conto que desse encontro houve consequências positivas, no meu
entendimento. Com isso quis apenas demonstrar o estado de abandono que tais criaturas, nem
falo no militar, estavam ao longo das estradas. Eles eram encontrados desde Vilhena, a 760 km,
de Porto Velho ate Feijó, + - 860 km, com desvios para Guajará-Mirim (+ - 350 km) e para
Humaitá (+ - 320 km), no Amazonas.
Essa falta de ação de comando e a falta de liderança dos oficiais permitiram enormes
desvios de condutas. Repito o que já escrevi, em diversos lugares, algo dito por um oficial
angolano: “o civil militarizando é um ganho, mas o militares apaisanado é uma enorme prejuízo
para a sociedade e uma desgraça para a organização militar.” Quando ele disse isso, lembrei-me
dos cabos velhos que conheci. Muitos deles, não sabiam nem fazer continência. Em várias
oportunidades, eu os corrigia não como afirmação perante eles de minha situação hierárquica,
mas para recolocá-lo na trilha militar que já há muito haviam saídos. Se encontrassem um
superior, apenas exigente, eles estariam submetidos a constrangimentos incompatíveis com os
serviços já prestados. Tirando os cabos e soldados da sede do batalhão, que participavam das
formaturas diárias, a grande maioria desconhecia o uso do fuzil automático leve, o popular FAL.
Desconheciam por completo os movimentos de armas, se colocados em formaturas. Nem
imaginavam como atirar com tal arma. E eram considerados militares. Em fim, eram excelentes
profissionais, mas nada restava de militares.
Muitos haviam sido empurrados para o alcoolismo. Havia um que fora considerado o
melhor operador de trator de esteira em desmatamento. Chegou a ser condecorado com a
Medalha do Pacificador. Mas era completamente esquizofrênico. Disseram a mim que, quando
chegou, era um homem falador, brincalhão. Mas o trabalho isolado em trator o fizera se
transformar em um louco. Desaprendeu a falar, apenas grunhia. Tinha medo de gente. Entre
pessoas estranhas se sentia um bicho, uma fera acuada. Os comandantes falavam, com orgulho,
que “bastaria dar uma garrafa de pinga ao cabo e ele ficaria três dias, isolado, desmatando a
faixa de domínio”. Se preciso fosse, buscava o combustível rolando tambores por dias a fio.
Dormia debaixo do trator. Nos locais onde havia perigo de onça ele cava com a lâmina do trator,
colocava a máquina sobre o buraco e se arrastava para de baixo e lá dormia. Não tirava férias,
não sabia que dia estava vivendo. Se lhes davam férias ele ficava por Sena Madureira e ou
Manoel Urbano. No período que o conheci, o vi uma vez em Porto Velho. Era completamente
desorientado. Isso o homem que conheci. Foi encontrado morto numa sarjeta em Porto Velho,
depois de ter passado para a reserva, em completo abandono. Nunca se soube se tinha filhos,
pais ou irmãos. Na região de Sena Madureira e Manoel Urbano, todos os anos apareciam
mulheres espertas alegando ter filho do coitado do cabo. Como era abestalhado, ele acabava por
dar todo o dinheiro dele. Tinha que escalar alguém para gerenciar o seu salário. Sua farda era um
molambo. E os oficiais o recebia com lisonja de herói. Os comandantes falavam dele como se
fosse o “rambo quimbequiano”. Era na verdade uma triste figura pagando o preço pela sua
dedicação a pessoas pouco dedicadas a “defender seus subordinados”. Fora tratado como cana:
esgotaram-lhe o suco e deixaram o bagaço. Embora contrariado, sou obrigado a reconhecer que
muitas promoções floresceram sobre seu cadáver. Era também um pervertido sexual. Os
operadores civis tinham o maior medo dele. Se algum peão ficasse embriagado, logo o tal cabo
passava a cuidar do bêbado. No outro dia o embriagado sentia o resultado da embriagues e o
cuidado do cabo no momento em que fosse defecar.
Quase todos os cabos foram, para Porto Velho, sozinhos. Muito poucos, dos que foram e
eram casados, levaram as mulheres. Como o cuidado com o subordinado não havia, eles ficavam
seis meses, um ano, sem vir para Porto Velho. Mesmo as mulheres morando em Porto Velho,
havia o caso de o marido arranjar outra mulher no estado ou cidade onde trabalhava. Há purista
que pode alegar que a fidelidade é questão de princípios morais e religiosos. Mas todos sabem
que é muito mais de oportunidade, a não ser que seja hipócrita. E tanto vale a fidelidade de quem
estava fora quanto a de quem estava dentro de casa. Assim, havia enormes problemas familiares,
sociais e de saúde que passava ao largo dos comandantes e dos demais oficiais. Os oficiais, os
menos vocacionados, queriam passar o tempo mínimo e serem transferidos. Os cabos, para que
conseguissem a estabilidade, por portaria ministerial, teriam que ficar no mínimo vinte anos. Isso
quando cheguei. Teria sido dez anos, antes, mas que, por mudança de legislação, foram
prejudicados. Depois desse tempo mínimo, poderia escolher a unidade de volta. Claro que a
maioria pretendia voltar para sua origem. Muito poucos voltaram. A maioria criou raízes em
Rondônia, no Acre ou no Amazonas.
Um belo dia, assume o comando do CMA uma figura impoluta vindo de Brasília, por
promoção. Era um alemão com fama de bravo que dava voz de prisão como primeira palavra
antes de dizer Bom Dia. Estive com ele na ocasião de sua inspeção ao quartel do 54º BIS, em
Humaitá. A mim não tinha muita diferença da do cabo do desmatamento. De cada três palavras,
duas eram para repetir “parabéns”. Olhar e feição de transtornado obsessivo. Esse maldito faz
parte dos traidores citados no livro de Sylvio Frota – IDEAIS TRAÍDOS 1 na página 503, como
1

Ideais Traídos - - Sylvio Frota – Jorge Zahar Editor Ltda – 2ª Edição - 1996
subtítulo e na página 528, como figura principal. Nesta está escrito – “Jamais pensaria que...
pudesse trair-me, embora não me agradasse o riso alvar que integra sua personalidade e o
complexo de frases neutras – sem significação precisa – que emprega em suas palestras para
não se definir”. Pois bem, essa mentalidade espúria resolveu disciplinar os cabos e soldados
antigos da Amazônia, a grande maioria deles muitos mais necessitados de internamento
hospitalares, por alcoolismo, que o Regulamento Disciplinar do Exército. E não foi apenas os de
engenharia. A figura era desses militares que conhecia a Amazônia apenas pelo mapa. Pois bem,
muitos dos nossos já eram punidos, pelo menos uma vez, por alcoolismo que, pela redação da
punição, se deduz aparecer ali as conseqüências do alcoolismo: chegar atrasado; visível estado
de embriagues no trabalho; desavença familiar, desentendimento com companheiros... O Senhor
Comandante, símbolo da retidão impoluta, submeteu a Conselho de Disciplina todos os cabos e
soldados estabilizados que foram punidos, pelo menos uma vez, por bebida alcoólica. Passou a
ser conhecido como HITLER DA AMAZÔNIA. Que fique bem claro aos apressados de plantão
que não se defende o alcoolismo. Tais desgraçados foram impingidos a consumir álcool por falta
de presença de comando, por falta de condições adequadas de trabalho, por falta de cuidados
com suas saúdes. Foram induzidos a cometerem tais transgressões, pois para suportar meses e
meses sem ver família e até gente, a única maneira de suportar tal pressão era pela bebida. Hoje
seria “Craque”. E tal bebida além de diretamente os prejudicar, ainda os enfraquecia para
suportar os incontáveis casos de malária. Conheci um sargento em Sena Madureira, dos ditos
pioneiros, que parou de contar as ocorrências de malária quando chegou à cinqüenta. Os cabos
nunca se deram ao prazer de contá-las, pois nunca seriam ouvidos. Fui escalado para ser
defensor de um desses injustiçados – Cabo Pedro, que morreu desgostoso pelo acontecido. Dizia
que não suportava nem olhar para os rostos dos filhos. Até hoje acho que fiz uma defesa
brilhante. Não fiquei com cópia. Quando voltei a servir no 5º BEC, procurei uma cópia, não
consegui. Quando servi em Brasília tentei junto ao Gabinete do Ministro alguma coisa desses
Conselhos e nada achei. Quando servi em Manaus, também nada encontrei. Ainda quando
estava em Brasília, levei cópias do inquérito que o ex-cabo Pedro ainda tinha, mas já passara do
prazo de recurso e pior a coisa já era considerada prescrito. Usei a amizade da Assessora
Jurídica de onde servia para, como as ditas cópias obter alguma orientação do consultor Jurídico
do Ministério do Exército, de então. Como nada poderia ser feito, avisei ao Pedro que eu
queimaria tudo aquilo e que não lhe devolveria para que ele não mais alimentasse alguma
esperança de um dia alguém reincluí-lo como Cabo. Era um desses cabos que além de Chefe de
Campo, era capaz de operar qualquer tipo de máquina ou viatura. Foi punido porque não
esperou, em Ariquemes, ponto de pousada do FOGO SIMBÓLICO DA PÁTRIA que vinha de
Cuiabá para Porto Velho. Fora atender uma motoniveladora com pneu furado e chegou já depois
de mais de dez da noite. E no seu acampamento, do qual era o chefe, perto de um posto de
combustível e onde tinha um bar, o dono do bar disse que “talvez o Cabo estivesse bebendo
pinga em algum lugar”. A autoridade que conduzia o fogo se sentiu ofendido por não ser
esperado e não ter alimento à sua espera, participou o fato ao Comandante do Batalhão, o
mesmo combatente que dizia: “Ali está Feijó”. E tal punição foi o suficiente para que o Hitler da
Amazônia o submetesse a Conselho. Pelo conselho, ele foi considerado inocente. Mas o
Comandante era candidato a promoção, por escolha. No seu relatório concordou “parcialmente”
com o Conselho. E a Assessoria Jurídica do Comando Militar da Amazônia, no seu parecer, que
se transformou no despacho do Comandante do CMA, disse uma série de asneiras burocráticas e
teóricas que valeria para qualquer cabo: tanto brasileiro como chinês. Quando servi em Manaus,
em 1996, tentei descobrir tal figura que se escondeu covardemente sob o manto da conveniência,
de modo a não levantar a ira do Hitler, para lhe dizer, olho no olho, sobre a injustiça que ele
permitiu que fosse cometida. Para sorte minha, e dele, já tinha falecido. Para quem gosta de
fatalidades, maldades e vinganças do destino, o comandante que discordou do Conselho
terminou sua vida com suicídio: deu um tiro na cabeça. Ah!!! o cabo do desmatamento não foi a
Conselho porque detinha a medalha do Pacificador. O Hitler da Amazônia terminou como Ministro
do Exército recebendo, de corpo presente, dita pelo Ministro que ele substituiu, a mais infame das
ofensas a um militar: TRAIDOR.
É claro que uns poucos Cabos enlameavam todos os valores, aqui tentado mostrar. Mal
conduzidos, formavam o já dito “Sindicato dos Cabos”, alimentada por chefes despreparados
como o tal subcomandante que encontrei quando ali cheguei.
É uma enorme pena que nunca poderei lembrar-me de todos aqueles com quem trabalhei.
Mas fica aqui o registro da minha admiração por todos esses grandes e anônimos homens que
conheci.

O Cadete e a Academia.

Poderia começar por chamar de “Cadete de origem humilde”, sem se prender à hipocrisia
da semântica, mas com honestidade é sobre os de origem pobre que quero tratar. Muitos, de
favelas, se do Rio de Janeiro, da periferia, se de São Paulo e de Bairros, se de outras cidades.
Muitos, da zona rural, do interior do interior. E daí faltar trato, civilidade e conhecimento mesmo,
de atividades sociais elementares que muito lhe serão cobradas como futuro oficial. Um oficial,
em qualquer lugar, chama a atenção pela postura, desenvoltura e habilidades superiores aos dos
presentes. Sua presença sempre será notada. A sua desenvoltura será alvo de comentários
favoráveis ou desfavoráveis. Pois bem. A academia poderia e deveria ajudar aos Cadetes. Pelo
fato de ter muitos de origem urbana e de família de classe média a alta, não deveria nivelar por
cima o proceder de seus Cadetes, tendo por modelo esses, e nem deixar que se nivele por baixo,
por aqueles. Deveria contribuir para diminuição da “taxa de constrangimento” ou baixar o índice
de vergonha ou inibição ou, termo da moda - timidez. Seria melhor superar constrangimentos e
inibições errando na Academia, ao aprender, que passá-los como oficial. Daí ser minha sugestão
ensinar etiquetas de mesa, não no quarto ano, mas no primeiro e nos primeiros dias.
Etiquetas de costume (para aprender a se vestir, a se calçar). Infelizmente se vê tenentes
indo aos aniversários de amigos, civis e militares, de bermudas, camiseta regatas e chinelão. Se,
para cada atividade militar, há um uniforme também o mesmo critério há que ter na vida
particular, ou civil, mas alguém tem que regular o “uniforme paisano” como se diz na gíria
castrense. Ninguém nos ensina como se vestir para as diferentes ocasiões. E não é questão de
gosto por esse ou aquele tipo de traje. Saber se trajar é uma necessidade profissional e como tal
deveria ser ensinada. Como há dificuldade de se saber o que é traje passeio, passeio completo,
“black tie”... ; para as mulheres, então, é um Deus nos acuda.
Embora seja abstêmio, terá que saber um mínimo sobre os tipos de bebidas alcoólicas
sociais como vinho (tipos de uvas, regiões, ocasiões de uso), cerveja, uísque e até refrigerantes.
E agora o que é mais crucial em particular para o inibido, ou para o tímido: dançar. Não as
danças da época vivida, mas todas as épocas: valsa, tango, bolero, baião (incorretamente
chamada de forró), salsa, merengue, samba de gafieira, samba de escola de samba e, as
modernas: rock, funk, RAP (Retime And Poesy). Os infelizes, que não sabem dançar, aprenderão
ou com prostituta, se ainda solteiro, ou depois de casado com a mulher. Mas precisa aprender
com técnica, com elegância, com desenvoltura.
Se isso tivesse me acontecido na Academia me teria poupado inúmeros constrangimentos,
nesse Brasil interiorano, e ainda evitado receber pela cara: “mas como um oficial do Exército não
saber isso!!!”.

O capixaba

Uma tarde, eu estava no Posto de controle quando já se encontrava um senhor com uns
sessenta anos. Ele quando soube, pelo soldado, que eu era o comandante da residência, veio
direto conversar. Havia a ordem de não deixar ninguém passar com família porque, naquela
semana, o trecho estava medonho. Estava engolindo milhares de veículos. Ele disse para eu o
deixar entrar. A altivez do cidadão me chamou a atenção. Ele me fez o pedido não como alguém
pede uma esmola. Ele me fez o pedido como alguém que entra num desafio, que se voluntaria
para algo nobre. Apesar da sua pequena estatura, franzino, com físico mais desgastado pela
atividade que pelo tempo vivido, voz pequena e arrastada, mas forte, período curto, fala de um
ser resoluto, determinado a cumprir o que pensava. Aliás, tipos de personalidade que sempre me
fascinou e que, na medida da minha incompetência ia copiando. A desse, copiei tudo. Resolvi ir
até onde ele estava estacionado. Disse que vinha do Espírito Santo, de uma cidade que não mais
lembro. A fila ia para mais de três quilômetros. Só entrava “tanqueiro” e ônibus. Quando vi a
família do senhor quase tive um colapso. Era um caminhão pequeno, antigo, Chevrolet, do
tamanho de um da Mercedes Bens, na moda na época, o MB608. Era um “pau de arara” bem
enlonado e onde trazia toda a família mais um burro pequeno, alguns porcos, um gradeado de
galinha, milho para os animais e toda a tranqueira de casa: panela, balde e muito mais coisa. Só
não vi cachorro. Ele e a mulher se acomodavam na cabine; na carroceria, duas filhas uma de,
mais ou menos, oito a dez anos e outra mocinha, de quinze a dezesseis e um rapaz de uns
dezoito anos. Quando vi aquilo perguntei a ele para onde ia. Ele disse que não sabia, mas ia
tentar arrumar um pedaço de terra pra ele. Fui duro, mas nobre: – “Meu senhor, seria uma
irresponsabilidade minha deixar o senhor entrar assim, sem destino; pelo amor de Deus, fique por
aqui, descarregue esse caminhão e fique por Vilhena; espere o período de seca; eu me proponho
a levá-lo até ao INCRA, para tentar alguma coisa para o senhor; se depender de mim, o senhor
não passa daqui.” Ele entrou na minha frente e disse compassadamente, olhando nos olhos: –
“Tenente, o senhor é um homem novo e tem muita vida ainda pela frente; o senhor pode esperar;
eu sou um homem já velho e essa é a minha última tentativa de ter alguma coisa; o senhor não
pode fazer isso comigo. Tudo que tenho na vida está aí, ó, nesse caminhão; vendi tudo o que
podia vender e toda minha riqueza está aí; eu preciso entrar”. Meu Deus, que fazer. A malária
estava agredindo muito. Havia estória de morte em atoleiro embora eu não tenha conseguido
identificar onde e quem. Era sempre a mesma coisa: “o pessoal estava comentando isso”. Disse a
ele que tudo que acontecesse era toda responsabilidade dele. Assim, pelas três da tarde ele
entrou. O Soldado do posto disse que era uma temeridade, pois as notícia dos caminhoneiros,
que chegava do trecho, dizia que a coisa estava feia. Bom, no outro dia, fui ao trecho, até o
acampamento de Marco Rondon. Não deu outra, encontrei-o atolado com a caminhãzinho quase
trombando e ele em apuros para descarregar o burro, as galinhas e tudo mais. Dei-lhe uma
espinafrada dizendo que ele estava sendo teimoso e inconseqüente. Não me respondeu nada.
Parei um caminhoneiro e arrastamos o caminhãozinho. O pior é que ele não conhecia nada. Não
tinha a menor idéia de onde andava. O pobre capixaba achava que Porto Velho estivesse a cem
quilômetros dali. Arrastei-o até ao acampamento de Marco Rondo. Chegou noticia que havia
aberto um enorme buraco perto de Pimenta Bueno. Expliquei ao capixaba os locais onde tinha
nosso acampamento. Ele iria entrar só quando o meu pessoal desse o pronto. Assim, pararia dois
ou três dias num local, mas seguiria sem atolar e sem o risco de quebrar o caminhãozinho. Bom,
a última notícia que me deram é que ele foi arrastado até Pimenta por uma caçamba que lá fora
conseguir algumas peças para o batalhão.
Passados os anos, na minha segunda vez que servia no 5º BEC, (78/79) fui destacado em
JI-paraná. O meu trecho agora começava em Pimenta Bueno. À frente de Pimenta era de
responsabilidade dedo 9º BEC. Fui até Pimenta Bueno e paramos no mesmo posto de gasolina
para tomar café do mesmo dono em Cacoal. Quando menos espero me chega um senhor com
um chapéu de palha bem surrado e um cigarro de palha na boca. Aí, ele abriu um sorriso enorme
e disse: – Tenente, o senhor ainda por aqui? Nunca mais tinha lhe visto. Eu não o reconheci.
Disse eu que estava voltando e que já não era mais tenente, embora isso pouco importasse a não
ser o prazer de rever-lhe. Disse sem que ainda o tivesse reconhecido. Ele notou minha
dificuldade, e perguntou se eu não o estava reconhecendo. Respondi que a pessoa me era
familiar, mas não se lembrava de onde e quem. Aí ele foi até irônico: - “o senhor lembra-se do
homem que o senhor não queria deixar entrar porque não tinha para onde ir? Pois bem sou eu.
Tenente, eu venci e de qualquer forma tenho muito a lhe agradecer. Toda a minha família ainda
lembra muito do senhor”. Perguntei onde ele estava e o que estava fazendo. Disse que tinha
recebido um gleba de terra na linha não sei das quantas e que já tinha lavoura, casa boa, trator e
mais alguma coisa. Tinha plantado café, atividade que ele tinha no Espírito Santo. Pela hora não
daria tempo de eu ir até lá onde ele morava. Trocamos um forte abraço, abraço fraternal de irmão
e nos despedimos, imagino que para sempre. Hoje o velho sou eu.

O Centro de Embarcações do CMA - CECMA.

Quando cheguei ao CMA encontrei uma nova criação do CMA. A então Companhia
Especial de Transporte que era subordinada à 12ª RM e tinha atividade apenas logística, por isso
passara do comando de oficiais de engenharia pra oficiais de intendência – transporte - agora era
uma unidade operacional. Como unidade operacional, passou a ser subordinada diretamente ao
CMA uma vez que teria que se estudar a doutrina de emprego, a organização detalhada e o
pessoal que mobiliaria tal unidade. Mas, por necessidade, continuava com as missões logísticas.
Os transportes para São Gabriel, porto Velho, Tabatinga; Cruzeiro do Sul teria que continuar,
como sempre, desde Pedro Teixeira ("Tomo posse destas terras, se houver entre os presentes
alguém que a contradiga ou a embargue, que o escrivão da expedição o registre)." Para isso
colocaram como seu comandante um oficial do QEM, com inteligência acima da média, e que
tinha os curso de paraquedista, comandos... Era alpinista como cadete; como oficial auxiliou em
instrução de montanhismo para cadete e para o curso de Comando que fora feito na AMAN.
Tinha doutorado em materiais e assim foi juntada a técnica com a operacionalidade. O
comandante do CMA dava guarida ás loucuras do nosso coronel: homem certo no lugar certo. Ele
não só especificava as embarcações e o material com que deveria ser feito, fazendo os projetos,
como também propunha os aspectos operacionais. Tal comandante assumiu quando eu ainda
comandava (meu 3º ano). Dei-lhe de graça (transferi o patrimônio) um rebocador de fundo chato
para navegar em água rasa. E ele me telefonou perguntando onde poderia usar a embarcação.
quase que lhe digo onde usar, mas respirei e disse para que servia o rebocador, de elevada
potencia. Bom, com isso a unidade ficou com uma cara de engenharia pela quantidade de
embarcações. Depois dele veio um oficial de engenharia da turma de 74; logo depois veio outro
que fez ECEME comigo e parece que da turma de 75.
As embarcações foram batizadas com nomes diferentes das nomenclaturas tanto da
marinha quanto da engenharia, como se segue:
EBP (*) – Embarcação Base de Pelotão; EBG (*) – Embarcação Base de Grupo; EPE (*) –
Embarcação Patrulha de Esquadra; EBA (**) – Embarcação Base de Artilharia; EPT (**) –
Embarcação Plataforma de Tiro;
EBE (**) – Embarcação Base de Engenharia; EBL (**) – Embarcação Base de Logística;
EBC **– Embarcação Base de Comunicações; (*) Embarcações em fase de validação. (**)
Embarcações em projetos.
As ditas como “em validação” foram construídas em estaleiros de Manaus e foram testadas
por nós em diversas situações: velocidade, capacidade de carga, maneabilidade, provas em
igarapés, em lagos, em “elevadas massas de águas fluviais” (rio muito largo como o Negro); as
EBP e as EBG conseguiam girar no próprio eixo, o que permitia responde a fogo de margens.
Entretanto, tais embarcações não eram para ataque a pontos fortes em operações ribeirinhas.
Elas eram para transporte de tropa. Havia loucuras de oficiais querendo harmonizar, ou achar
emprego para suas armas. Assim, já queriam colocar tropa com jet ski - (Jet ski, moto aquática ou
mota de água, português de Portugal, também referido como veículo aquático pessoal (VAP); Jet
Ski, é nome de fábrica - desenvolvido e fabricado pela Kawasaki Heavy Industries - como de
reconhecimento e contato com inimigo, na mão Cavalaria; queriam, plataformas, (até
conseguiram, o general comandante do CMA era artilheiro). Apoiar com artilharia em selva,
somente em cabeças voltadas para as tradições das armas de Mallet (muito útil na guerra do
Paraguai). A eterna disputa, não pela eficácia,mas pela tradição de armas.
Um esbelto infante, major recém vindo da ECEME, fez uma proposta, que foi encaminhada
ao EME, de organização do Centro de Embarcações do CMA. A concepção tática era a seguinte:
uma companhia de embarcações transportaria um BIS com ± 650 homens e seus apoios, em
uma vaga (vaga programada, no conceito da Marinha). Cada pelotão de embarcações com uma
companhia de fuzileiro; e cada grupo de embarcações com um pelotão de fuzileiros, que é o
valor ideal de emprego em ambiente de selva. Assim, sairiam todos juntos e à medida que se
aproximasse do inimigo, a companhia de embarcações desovariam os pelotões de embarcações;
e estes desovariam os grupos de embarcações (reforçando - com tropa de selva valor pelotão).
Tais tropas entrariam pelos igarapés. Entrando pelos igarapés aproveitaria a capilaridade de
linhas d’água e teria a dispersão necessária. Ou ocupariam pontos na margem do rio
considerado. Essa era a concepção do CECMA operacional. Seria também um centro de
instrução de navegação fluvial, de manutenção de material fluvial e de pilotos (rebocadores, botes
variados, embarcações regionais com motor central, motor de rabeta e outros) para as unidades
de selva e de engenharia. A tripulação da tropa da Companhia de Embarcações teria que ter
elevado adestramento, como um motorista de carro de combate ou um piloto de aeronave.
Essa concepção me fez propor a criação de um batalhão de Engenharia de Selva ou um
Batalhão de Engenharia Anfíbio ( que alguns exércitos têm). Esta proposta foi encaminhada ao
EME, via CMA, depois de analisada pela Seção de Doutrina do CMA.

Batalhão de Engenharia de Selva

Transcrevo abaixo o Estudo de Estado Maior remetido ao EME.

ESTUDO DE ESTADO MAIOR Nº 2 / 98

Assunto: BATALHÃO DE ENGENHARIA DE SELVA

1. PROBLEMA:
Inexistência de uma tropa de engenharia com equipamento de navegação especializado,
diferente dos equipamentos existentes nos atuais batalhões de engenharia, para o apoio à Arma
Base em ambiente de Selva e/ou ambiente de grandes massas de águas fluviais (pantanal e na
foz do complexo aquático Amazonas/Solimões com seus afluentes com larguras superiores a
trezentos metros).

2. HIPÓTESE:
Para a Amazônia e para o Pantanal avulta a necessidade do apoio ao movimento em
aquavia, com emprego de embarcações operacionais pelos eixos fluviais, nas operações em
ambientes de selva, pelas regiðes lacustres e pelas grandes massas de águas fluviais e o
posterior apoio em terra como tropa de engenharia de acompanhamento.

3. FATOS QUE CONDUZEM AO PROBLEMA:


a. Premissa:
– A Arma de Engenharia apóia o movimento da Força Terrestre, que por ser terrestre, se
deslocará por rodovia, ferrovia ou aquavia.
b. Constatação
– Apoio por rodovia e ferrovia a Engenharia já dispõe de experiência e para isso se
adestra, quer em obras de cooperação, quer no cumprimento dos Períodos de Adestramentos
Básico e Avançado.
Para o apoio em aquavia inexiste uma OM de engenharia para:
- operar as embarcações de transporte operacional;
- operar as embarcações de apoio ao combate e apoio logístico;
- minar e desminar rios, margens, praias;
- reconhecer áreas, rios, praias, margens, ponto d'água e outros;
- continuar o apoio, após o desembarque, executando trabalhos técnicos de engenharia e
- executar atividades logísticas (tratamento d’água e manutenção das embarcações até o
3º escalão).

4. DISCUSSÃO:
a. Unidade
Os Batalhões de Engenharia são singulares e flexíveis em suas organizações. Todos eles
têm, doutrinariamente:
 - 3 Cia E
 - 1 CCSv
 -1 Cia Especializada
As diversas adjetivações são decorrentes dos equipamentos da cia especializada que em
geral, é a encarregada de operá-los e manutení-los.
Se a Cia Especializada for Companhia de Equipamento(Cia Eqp)  = BEC
Se a Cia Especializada for Companhia de Pontes (Cia Pnt)  =BECmb
Se a Cia Especializada for Companhia de Avançamento (Cia Avç)  = B Fv
A Cia de Engenharia especializada do Batalhão de Engenharia de Selva é a Companhia de
Engenharia de Embarcações.

Dessa forma, a unidade pretendida, um Batalhão de Engenharia de Selva (BES) fica assim
constituído:
– 3 Cia E Sl
– 1 CCSv Ou Cia Ap
–1 Cia Eng Embc

Fazendo um paralelo, assim como as Cia E Cmb (do chamado BE Cmb) apóiam a
arma base, com seus equipamentos e na dosagem necessária, assim as Cia E Sl (do chamado
BE Sl) também farão o apoio de engenharia à tropa considerada usando seus equipamentos para
isso dimensionado. Isto é, será capaz de apoiar o prosseguimento de Tropas de Selva em
operações na selva, em operações ribeirinhas e em operações aeromóveis. Assim como a Cia E
Pnt (a Cia Eng Especializada do BE Cmb) que, nas operações convencionais, são acionadas
para empregar seu material, uso de meios descontínuos, de travessia de curso d’água, no apoio
ao movimento; ou como especialista em navegação, na operação dos diversos equipamentos de
flutuação, assim a Cia E Emb (a Cia Especializada do BE Sl) também fará o apoio ao movimento
da tropa de selva (tropa considerada) até a sua zona de reunião, área de combate ribeirinha, ou à
sua base de combate com seus equipamentos de navegação.
A navegação de embarcações é uma atividade eminentemente técnica e o pessoal
que a exerce tem que estar habilitado, adestrado e enquadrado por um comando também técnico.
A navegação quer à remo quer à motor, com variáveis potências e com variáveis posicionamento
nas embarcações, exige cuidados e preparações antes, durante e depois da execução. O
comandante e/ou piloto das embarcações têm responsabilidades diferente da do comandante
operacional. O carregamento ou embarque de tropa, o posicionamento da tropa ou carga dentro
da embarcação, as situações de perigo durante o deslocamento, as ordens de procedimentos nas
ocasiões de perigo terão que ser obedecidas por todos. Isto quer dizer que os comandantes de
embarcações e/ou pilotos não poderão estar sob o comando do militar mais antigo da
embarcação. Terá que estar a comando do comandante da embarcação, após iniciar o
movimento.
Como não haverá assalto, a partir das embarcações, a não ser condutas em reação
à emboscadas, a “função das embarcações” será a de “conduzir a tropa” de assalto ou em
missão de selva (operações convencionais de selva ou operações de resistência). Fará a função
das viaturas blindadas de infantaria, das VTP das tropas de fuzileiros da cavalaria mecanizada,
das viaturas motorizadas de infantaria, dos helicópteros das tropas aeromóveis e dos pára-
quedas das tropas aeroterrestres. Portanto, cada piloto de embarcação é como um motorista de
carro blindado ou de viatura.
Esses mesmos especialistas farão também a “operação das embarcações de apoio
logístico”. Caberá ao comandante logístico indicar o “quanto”, o “quando” e o “a quem” entregar
determinado suprimento. Caberá à tropa de engenharia de selva, dimensionando embarcações e
tripulação, dizer o “como” transportar.

b. Material
O material para engenharia de selva terá que ser um conjunto de embarcações
especiais que formam um sistema de transporte de tropas que atenda desde o emprego de
pequenas frações, próprias de operações em ambientes de selva e operações de resistência, até
valor batalhão.
Este material ficará concentrado na Cia Especializada com pessoal capaz de manutení-lo e
de operá-lo – a Cia de Engenharia de Embarcações.
O material que a Cia de Embarcações, do Centro de Embarcações do CMA, está
experimentando é o adequado para a Cia de Engenharia de Embarcações do Batalhão de
Engenharia de Selva,
As embarcações estão descritas no Anexo A ao presente estudo.

c. Doutrina
A doutrina de emprego da engenharia, em operações convencionais, está
consagrada e sistematizada em manuais de campanha.
As técnicas de navegação, em rios obstáculos considerados de larguras normais
(menor que 150 metros de largura) e os rios obstáculos de vulto (com largura maior que 150 e
menor que 300), os batalhões de engenharia tradicionais estão aptos e se adestram
freqüentemente. Mesmo os chamados Btl Eng Cnst têm condições, com período de adestramento
técnico menor que um mês, de operar embarcações e materiais de pontes nesses rios, visto que
os quadros (oficiais e sargentos ) que mobíliam essas OM são os mesmos que mobíliam os
chamados Btl Eng Cmb.
Falta a doutrina para o apoio de engenharia em áreas operacionais com rios
maiores que 300 metros de largura, considerados rios de grande vulto ou em locais de “elevadas
massas de águas fluviais”; águas lacustres como são os ambientes amazônicos na calha dos
conjuntos Amazonas / Solimðes e junto da foz de seus maiores afluentes (baixo dos rios) e como
são os ambientes do Pantanal desde Cáceres até a divisa com o Paraguai.
A doutrina preconizada para o emprego do Centro de Embarcações, no tocante à
Cia de Embarcações, é um bom projeto de doutrina para o apoio de engenharia em aquavia.
Falta estabelecer o apoio de engenharia após o desembarque, que pouca coisa diferirá da tropa
de engenharia de acompanhamento nas transposições de cursos d’água. Em verdade, seja
atravessando essa grandes massas d’água de margem a margem, seja deslocando ao longo dos
eixos (calhas de rios menores) em operações ribeirinhas ou atravessando um grande lago, é uma
transposição de curso d’ água com longo tempo de travessia.
Em face da necessidade de grande descentralização, a dosagem de engenharia será
modificada. A dosagem de engenharia fica assim estabelecida, para a região amazônica e o
pantanal:
– DE (Sl) um Grupamento de Engenharia com OM Eng hoje chamada de Engenharia de
Construção, OM Eng hoje chamada de Combate (para as regiões com maior densidade de
rodovias) e OM Eng de Selva, todos no Apoio ao Conjunto;
– Bda Inf Sl  Batalhões de Engenharia de Selva (Tipo II ou III);
– BIS  Cia Eng Sl
– Cia Fzo Sl  Pel Eng Sl
A Cia E Embc é capaz de transportar um BIS com ± 650 homens e mais a tropa de
engenharia de apoio direto em uma vaga (vaga programada, no conceito da Marinha).
5. CONCLUSÕES
Por rodovia e ferrovia a Engenharia já dispõe de experiência e para isso se adestra, quer
em obras de cooperação, quer no cumprimento dos Períodos de Adestramentos Básico e
Avançado. Falta à Engenharia a capacidade de apoiar o movimento, da arma base, em aquavia
(grandes massas de águas fluviais) e continuar o apoio de engenharia após o desembarque como
tropa de acompanhamento. Após essa adoção a Engenharia terá:
– uma unidade forte em apoio no solo (rodovia e ferrovias) quando empregar suas
unidades hoje chamadas de Construção;
– uma unidade equilibrada em apoio no solo (rodovia e ferrovias) e em apoio em aquavias
(rios obstáculos de vulto) quando empregar suas unidades hoje chamadas de Combate;
– uma unidade forte em apoio em aquavias nos rios de “grande vulto” ou nas grandes
massas d’água fluvial quando empregar suas unidades de Engenharia de Selva.
6. PROPOSTA:

Os Btl Eng de Selva serão organizados em:


 - 3 Companhia de Engenharia de Selva
 - 1 CCSv = Cia Ap
 -1 Companhia de Engenharia de Embarcaçðes
Os Equipamentos de navegação são as diversas embarcações que compõe o Centro de
Embarcação do Comando Militar da Amazônia (CECMA), em fase de validação, e outras em fase
de projeto.
São elas:
EBP *– Embarcação Base de Pelotão;
EBG *– Embarcação Base de Grupo;
EPE *– Embarcação Patrulha de Esquadra;
EBA **– Embarcação Base de Artilharia;
EPT **– Embarcação Plataforma de Tiro;
EBE **– Embarcação Base de Engenharia;
EBL **– Embarcação Base de Logística;
EBC **– Embarcação Base de Comunicações;
(*) Embarcações em fase de validação.
(**) Embarcações em projetos.
Portanto – os B E Sl têm missões de apoiar as DE (Sl) e as Bda Inf Sl nos movimentos das
OM operacionais e no fluxo logístico empregando as Cia E Embc.
– As Cia E Sl, tropas de engenharia para o apoio direto ou apoio ao conjunto, com missões
na selva, nos reconhecimentos diversos, nos portos fluviais, nas margens, nos locais de
desembarque da Op Rib, nas instalações diversas e, principalmente, na guerra de mina com
minagens de praia fluvial, de leito fluvial, de agravamento de margens e minas terrestres
tradicional..
A Estrutura organizacional da Companhia de Engenharia de Selva está no anexo A deste
estudo.

Manaus, 30 de março de 1998

HIgino Veiga Macedo – Cel Eng

Anexo A: Organograma da Cia E Embc; Anexo B: Articulação da Cia Eng Embc


Anexo A: Organograma da Cia E Embc

Companhia de Embarcações (Cia Embc)

1. Estrutura Organizacional

Obs: (1) Cia E Embc = 04(quatro) Pel E Embc ; (2) Pel E Embc = 04 (quatro) G E Embc;
Cada G E Embc compõem-se de: 01 (uma) EBP, 02 (duas) EBG e 04 (quatro) EPE.
2. Dotação:
É da estrutura organizacional de Btl Eng Sl, orgânico de uma Brigada de Infantaria de
Selva e ou GEC (OM Eng de DE).

3. Missão
a. Companhia de Engenharia de Embarcações (Cia E Embc)
- Operar embarcações táticas, para o movimento dos BIS das Bda Inf Sl
- Operar embarcações logísticas, para o movimento dos B Log Sl das Bda Inf Sl.

b. Pelotão de Engenharia de Embarcações Táticas (Pel Eng Embc Tat)


- Operar embarcações táticas, para o movimento de 01(uma) Cia Fzo Sl.

c. Pelotão de Engenharia de Embarcações de Manutenção (Pel Eng Embc Mnt)


- Manutenir as embarcações da Cia Embc, até o 3º escalão.
d. Pelotão de Engenharia de Embarcações Logísticas (Pel Eng Embc Log)
- Operar embarcações logísticas, para o movimento dos B Log Sl das Bda Inf Sl.
e. Pelotão de Engenharia de Embarcações de Apoio ao Cmb (Pel Eng Embc Ap Cmb)
- Operar embarcações que sirvam como base para as OM de Art, Eng e Com
Manaus, 30 de março de 1998
HIgino Veiga Macedo
(Anexo B ao E-EM2-98)
ARTICULAÇÃO DA Cia E Embc

1. Tropa e Tripulação
TRANSP – EFETIVO
MODULO FRAÇÃO (homens/Inf) EMBARCAÇÃO TRIPULAÇÃO (*) Cap Embc
(homens)

Gp Cmdo 5 1 EBG 3(*) 13 (EBG)

Gp Eng 1 GC 10 1 EBG 3 13 (EBG)


Embc
1 GC 2 x 5 = 10 2 EPE 2 x 2 = 4(*) 7 (EPE)

1 GC 2 x 5 = 10 2EPE 2x2=4 7 (EPE)

Cap Transp Pel Fzo Sl 35 0 EBP +2 EBG + 4 EPE 14 –

Pel Ap 35 1 EBP + 2 EBG + 4 EPE 06+2(3)+4(2) = 20 55 (até 58)

Pel Fzo 35 1 EBP + 2 EBG + 4 EPE 06+2(3)+4(2) = 20 55 idem


Pel Eng
Embc Pel Fzo 35 1 EBP + 2 EBG + 4 EPE 06+2(3)+4(2) = 20 55 idem

Pel Fzo 35 1 EBP + 2 EBG + 4 EPE 06+2(3)+4(2) = 20 55 idem

Cap Transporte Cia Fzo Sl 140 4 EBP + 8 EBG + 16 24+8(3)+16(2) = –


EPE 80

Cia Ap 226 4 EBP + 8 EBG + 16 24+8(3)+16(2) =


EPE 80
Cia Eng
Embc Cia Fzo Sl 140 4 EBP + 8 EBG + 16 24+8(3)+16(2) =
EPE 80

Cia Fzo Sl 140 4 EBP + 8 EBG + 16 24+8(3)+16(2) =


EPE 80

Cia Fzo Sl 140 4 EBP + 8 EBG + 16 24+8(3)+16(2) =


EPE 80

Cap BIS 646 16 EBP+32EBG+64EPE 320


Transporte
2. Embc de Apoio e Tripulação

a) Engenharia de Acompanhamento

EFETIVO CAP EMBC


MODULO TRANSP FRAÇÃO EMBARCAÇÃO TRIPULAÇÃO
(homens) (HOMENS)
.. ............. .............. ..........
SEC CMDO

Pel Eng Pel Eng Sl


Embc
Pel Eng Sl Em projeto (EBE)
Pel Eng Sl
Cap Transp Cia Eng Sl

b) Artilharia
MODULO TRANSP FRAÇÃO EFETIVO EMBARCAÇÃO TRIPULAÇÃO CAP EMBC
(homens) (HOMENS)

Sec ART Em projeto (EBA)


Pel Eng Plataforma de tiro
Embc Sec ART – EPT (em projeto)

Sec ART

Sec ART

c) Comunicações
MODULO TRANSP FRAÇÃO EFETIVO EMBARCAÇÃO TRIPULAÇÃO CAP EMBC
(homens) (HOMENS)
Pel Eng Embc Em projeto (EBC)

d) Logística
MODULO TRANSP FRAÇÃO EFETIVO EMBARCAÇÃO TRIPULAÇÃO CAP EMBC
(homens) (HOMENS)
Sec Cmdo A definir (EBL)
Pel Eng Sec Mnt
Embc
Sec Sup
Sec Saúde
Cap Transp
111
3. Tripulação (*):
- A navegação a motor requer no mínimo um piloto, um à voga e um à sota-voga, isto
é, três elementos de engenharia.
- Considerando que as EPE são embarcações pequenas, foi estipulado apenas um
piloto e um à voga.
Manaus, 01 Ago 98
HIgino Veiga Macedo

O Contraste entre Ir e Ficar

Quando comecei a me despedir dos amigos da Cia DAM, meu primeiro quartel, fiquei
muito emocionado. Era “um tal de abraço” que pensei que não sairia de lá a tempo. O
Tenente também ficou emocionado. Apertou minha mão, com muita força, olhou nos meus
olhos e disse: - “amigo, boa sorte”. E ele estava com toda a razão; eu iria precisar de muita
sorte. Até, como comandante de batalhão, adotei como lema: ter mais sorte que inteligência.
Mas era primeira vez, de muitas, que sentia essa sensação. Esta primeira era forte
porque deixaria todo o meu universo conhecido e, pela primeira vez, ficaria mais distante de
casa que a distância até Terenos. Tive uma enorme vontade de ficar (na idiossincrasia da
terra: “Fiquei com vontade de ficar”). Era uma prensa que apertava no peito e diminuía os
espaços para o coração bater.
Mais tarde, eu fiz uma crônica sobre essa sensação, de que sou tomado, nas
despedidas, em particular, mas sentia com intensidade nas transferências. Quando aluno da
Escola de Comando e Estado Maior (ECEME), por imposição do professor de português,
que exigia uma crônica de, no máximo, uma folha, eu consegui registrar isso. Mais à frente
aproveito para prestar uma homenagem ao Professor NÉLSON CUSTÓDIO DE OLIVEIRA,
General Nelson.

O Espadim

A confirmação de Cadete se dá após uma cerimônia específica com largo ritual de


culto à bandeira e à espada de Duque de Caxias. O Espadim é a espada de Caxias
miniaturizada. A proporção nunca nos foi revelada.
O Espadim de Caxias foi criado por decreto n° 20.438 de 24 de setembro de 1931, do
Chefe do Governo Provisório do Brasil, cujo decreto instituiu o Plano de Uniformes de
Cadetes. O referido decreto estabeleceu na “letra a)”, artigo 5°, do título II: “Espadim – com
60 cm de comprimento – cópia da espada do Duque de Caxias”. Em 15 de dezembro de
1932, teve lugar na Escola Militar de Realengo a primeira cerimônia de entrega de espadim,
na qual os Cadetes, pela primeira vez, proferiram essas palavras do cerimonial inalteradas
até hoje:

“Recebo o Sabre de Caxias como o próprio símbolo da honra militar”.

O Espadim como já dito, é uma cópia fiel do Sabre utilizado “pelo Duque de Caxias,
como oficial-general, na pacificação de São Paulo a Minas Gerais em 1842, no Rio Grande
do Sul em 1845 e no comando dos brasileiros nas lutas externas de 1851 a 1870. O sabre
de Caxias, da qual os espadins foram copiados, encontra-se desde 1925, no Museu do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Avenida Augusto Severo, número 8 – Lapa – Rio
de Janeiro – RJ. Constitui-se na maior relíquia daquela instituição dedicada à preservação
da Memória Nacional e da qual Duque de Caxias foi Membro Honorário”.
112
Bom, o Espadim é denominado “Espadim de Caxias”. Não tenho dados suficientes se
tal simbolismo, ou melhor, alegoria, é usada por outros países e também réplica de espadas
de heróis ou patronos de suas forças.
No Brasil, a réplica miniaturizada da espada de Caxias é que recebeu o nome de
Espadim. A palavra existe na língua portuguesa, entretanto com esta semântica de
“miniatura da espada de Caxias” é única. Portanto, outras forças, para enaltecer seus
Cadetes, prestigiar os patronos ou cultuar seus heróis não poderiam chamar a miniatura de
espadas de seus patronos de Espadim. E nem as forças, cujo patrono não usava Espada
como símbolo de autoridade.
Fica registrado o equívoco do uso da réplica de qualquer espada como Espadim, se
não for a réplica da de Caxias.

O Internato do Colégio Militar de Manaus

Quando 2º Tenente fui designado para a Residência de Feijó, no Acre, subordinado à


3ª Companhia de Engenharia, do 5º BEC (1974). Lá já encontrei um soldado antigo na
função de cozinheiro. Tinha ele uns trinta e cinco anos. Passados os anos, voltei como
Capitão, para o mesmo 5º BEC, e fui designado para a 1ª Companhia em Vila de Rondônia,
hoje Ji-Paraná (1978/79). A 3ª Companhia estava instalada ao longo da BR 364 na missão
de asfaltamento acampada em Caritianas. Estava como cozinheiro o mesmo Soldado que
encontrei em Feijó. Voltei, pela terceira vez, ao 5º BEC. Capitão antigo, fui designado para a
função de Fiscal Administrativo, função de major. A 3ª companhia estava ainda na missão
de Asfalto (1984) numa dura missão. E como cozinheiro, de uma das equipes, ainda estava
lá nosso soldado. Quando o serviço se concentrou apenas nas partes de asfalto, então
ficaram cozinheiros ociosos. Como elemento do Estado Maior e responsável pela logística,
todo poderoso Chefe da 4ª Seção e Fiscal Administrativo, decidi recolher o nosso soldado,
para ser cozinheiro na sede do Batalhão. Se eu já me sentia estropiado, imagine ele sempre
destacado. Quando lhe dei a notícia, pensei que ele ficaria contente, mas, ao contrário, ficou
chateado. Disse que “servir na sede seria castigo”. Bom, falei da minha intenção e disse que
já era hora de ele ficar mais aliviado. Não gostou muito, mas se acomodou.
Em um dia qualquer, a secretária anunciou que o agora cabo, queria falar comigo.
Como estava muito atarefado, pedi que ele aguardasse. Esqueci completamente do cabo.
Ao sair para o almoço, topei com ele. Voltei para minha mesa para saber do que se tratava.
Já no anúncio da secretária, precipitadamente, pensei: “o que será que o Cabo vai me
pedir”. Ele abriu a conversa:
–- “Capitão! Gostaria que o senhor conseguisse com o Comandante um adiantamento
pelo SAS (Serviço de Assistência Social) para eu comprar uma passagem para a minha
mulher. A minha já tenho”.
– Quanto custa a passagem e para onde e para que”?
– É que a mulher nunca viu uma entrega de espadim. Como esse é o último filho,
gostaria de levá-la.
Dei um salto na cadeira, de susto.
– Explique melhor?
– Capitão, tenho um filho 1° Tenente de Infantaria, outro, Cadete do Terceiro ano,
também de infantaria, e o último no primeiro ano e receberá espadim agora. Por isso, quero
levar a mulher.
Aí, lhe perguntei:
– Como seus filhos estudaram, se você sempre esteve destacado, passando até seis
meses sem vir em casa?
– Foi graças ao Colégio Militar de Manaus. Todos eles foram internos, lá.
Disse lhe que no final da tarde me procurasse de novo. Fui ao almoço radiante de
alegre. Um soldado destacado conseguiu colocar três filhos no oficialato graças a uma obra
113
quase assistencial da instituição a que eu pertencia. Uma instituição que valorava o homem
e sua capacidade. Uma instituição que também a mim garimpou no seio do povo mais
representativo – de pobre. Enquanto almoçava, o cérebro trabalhava de como resolver a
situação do cabo. O SAS estava mal das pernas. Depois do início do expediente, resolvi
telefonar para uma fornecedora e assistência técnica de máquina ao batalhão. Havia dois
dias que tínhamos feito pagamento a eles (na época podia pagar com cheque) e, por
coincidência, no pagamento, recebia também meu contra cheque. Dividi o valor do cheque
pelo valor do meu salário líquido dava a bagatela de 250 e tantos anos, se eu tivesse que
pagar o tal cheque. Falei com o gerente e contei o caso e pedi se ele não teria como ajudar,
como cortesia, e poderia até fazer alguma propaganda para a firma. Foi de imediato:
passagens de ida e volta de ônibus. Falando com seus superiores abriu-se expectativa de
conseguir muito mais. Poderia conseguir duas passagens aéreas Porto Velho - Rio de
Janeiro. Como não queria arriscar num só, tinha falado também com outro fornecedor de
material de viaturas. Contei o mesmo caso e eles regiram de imediato. Deram a passagem
Rio - Resende e mais a hospedagem em Resende. Fui ao meu Comandante com o fato
consumado (bolo pronto, como eu dizia na época). Ele quis reagir contra, mas lhe disse que
eu contei o caso e pedi ajuda e nada foi imposto ou, do que ele estava com medo: ser
extorsão, propina, roubo. Pensou, mas concordou em seguida. Quando voltei à minha sala,
o fornecedor de material de máquinas me aguardava. Abriu um sorriso e disse que tinha
melhorado o caso das passagens: seus superiores se sensibilizaram, com o caso, e
autorizaram ser duas passagens de ida e volta, mas aérea. Quase fui às lágrimas. Era justo
e merecido. Talvez tenha sido a coisa mais justa que fiz, usando meu poder e autoridade, ao
longo da carreira. No final do expediente foi a vez do cabo realmente ir às lágrimas. Marcado
o dia, a empresa foi até ele e, em cerimônia interna, fizeram a entrega, ao cabo o e à sua
mulher, das passagens, na sede dela. Parece que os levaram até ao aeroporto de carro da
firma.
Depois como Coronel, servindo em Manaus, soube que o Comandante do Colégio
queria extinguir o internato porque dava muita despesa e era muito trabalhoso. Fui ao
General comandante do CMA e lhe contei essa história. Bom, ele também se emocionou
com o caso e disse: –“fique tranqüilo que enquanto eu for comandante aqui e enquanto eu
for general na ativa, ninguém extinguirá o internato. E de hoje em diante tentarei melhorar as
condições do internato”. Mais uma vez a minha alegria foi aos píncaros da emoção.

O Motorista do Caminhão Oficina

Na passagem que tive pela balsa da travessia em Abunã, um dos balseiros era um
senhor já com trinta e cinco a quarenta anos de idade, negro caribenho, como seus
ascendentes, perto de um metro e oitenta de altura, muito forte, balseiro que operava as
pranchas de madeira, me procurou. Na época da construção da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré, foram trazidos muitos negros das Guianas e de diversas ilhas do Caribe. Eram
negros altos, fortes, inteligentes. Descendentes deles, era esse senhor de quem eu falo.
Perguntou se eu era o novo comandante da Cia Eqp. Respondi que sim e aí ele se abriu. –
“Tenente, eu sou da sua companhia, mas pedi para trabalhar aqui. Sou contratado como
‘trabalhador braçal’, CLT DNER, e aqui em Abunã, embora o trabalho seja mais bruto, a
gente tem mais liberdade para trabalhar, como balseiro. Eu queria que o senhor pedisse, ao
comandante daqui, que me deixasse ir a Porto Velho para eu renovar minha carteira de
motorista, que venceu”. Respondi que isso era possível, sim. Pelo cabo que me
acompanhava fui informado que ele era um excelente mecânico de motores pequenos e
motobombas. Depois soube que, as ditas, à gasolina, só funcionava quando ele estava por
perto. Eram as antigas motobombas da marca Montgomery e Brig Station (ou Bridge Station,
ou Bringstation?), todas à gasolina. Na volta do Acre, falei com seu comandante que
permitiu ele ficar uma semana em Porto Velho, para a renovação de carteira e, no dia em
114
que não tivesse no DETRAN, deveria fazer expediente na Cia Eqp. Na semana que ele
estava em Porto Velho, fui até a sede do Batalhão e lá encontrei uma equipe de funcionários
do DNER. Viera ao batalhão para requalificar todos os trabalhadores do seu quadro que
tivesse uma nova habilitação e que gostaria de ser requalificado. Isso era feito de cinco em
cinco anos, me parece. Assim, tinha agente administrativo que era advogado, pedreiro que
era mestre de obras, operador de máquina que já era mestre de campo e o caso do nosso
balseiro que era motorista. Telefonei para a companhia e pedi que me trouxesse o balseiro
imediatamente para a sede. Chegou meio assustado e aí lhe perguntei se queria ser
requalificado. Ele disse que estava com a carteira nova e se fosse possível gostaria sim.
Para a senhora que chefiava a equipe, perguntei o que precisava para ele ser requalificado.
Respondeu que apenas bastaria a carteira com a categoria de motorista que interessava. E
era para motorista de caminhão, na época, categoria “C”. Como a carteira era nova, não
precisaria fazer nada: os testes práticos e teóricos foram feitos no DETRAN; a escolaridade
tinha comprovado lá também. Apenas me perguntou se teria vaga para ele no quadro do
Batalhão. Como estávamos na Seção do Pessoal Civil não foi difícil descobrir que tinha
muitas vagas onde ele pudesse preencher. Assim o balseiro, mão de obra não
especializada, em quinze dias, se tornou um motorista. E como tal, foi classificado em
Humaitá, onde estava a missão principal do batalhão. Voltou para Abunã apenas para trazer
sua mudança e se despedir do pessoal. Inicialmente ficou com a família em Porto Velho até
ajeitar uma forma de levar a família para nova companhia. Como o destino estava
conspirando a seu favor, antes do final do ano, lá estava eu chegando também em Humaitá.
Ele passou a ser meu motorista de viagem tanto para o trecho como para viagem a Porto
Velho. Ele tinha uma grande vantagem; de dia andava a oitenta, cem por hora, mas à noite
dificilmente passava de sessenta quilômetros por hora.
Como dito, fui eu destacado em Humaitá, onde seria a principal frente de trabalho do
batalhão. O ex-balseiro estava já estava lá. Tínhamos um acampamento e terraplenagem ao
lado do Rio Mucuim. Fomos ao trecho e ao chegar ao acampamento, fui até a terraplenagem
onde teríamos um lugar muito difícil de passar. Era um igapó de uns dois quilômetros e não
tinha como desviar. No local havia uma escreiper parada porque havia estourado uma
mangueira e perdido quase todo o óleo hidráulico. Estavam esperando o caminhão que fora
ao acampamento pegar tal óleo. Voltamos ao acampamento e lá estava o caminhão parado.
Perguntado por que o óleo não tinha seguido, disseram que estavam esperando uma
carregadeira para embarcar o tambor. Sai dando bronca em meio mundo, pois um tambor
era facilmente colocado na carroceria por dois homens. Chamei o encarregado do
acampamento e fui demonstrar isso a ele, com o meu motorista. Qual não foi minha
surpresa que o motorista disse: –“Tenente, deixa comigo”. Rolou o tambor até a tampa
traseira do caminhão, que estava aberta, pegou o tambor pela tampa e fundo, levantou até a
cintura, deu um galeio com o joelho e colocou o tambor na carroceria. Quem se assustou foi
eu com a força e com a determinação do jovem. Enquanto ele limpava uma mão na outra
retirando a terra, dizia: – “Bando de preguiçosos... é assim que querem trabalhar no
batalhão?... bando de moças...” Acho que a lição foi completa... Nas outras vezes que de
volta estivemos nunca mais faltou nada nas equipes. O motorista do caminhão não esperou
nem mais um segundo: funcionou e saiu.
Embora a estrada Humaitá-Porto Velho fosse asfaltada, tinha algumas panelas. Ao
serem atropeladas, ocasionavam ou empenamento da roda ou o estouro do pneu. Mesmo
com restrição de peso, a camada asfáltica era muito frágil (areia-asfalto) e, todos os dias
tinham buracos novos. Numa viagem de volta à Humaitá, vínhamos a uns cem km/h quando
o motorista atropelou um buraco. Vi que ele envolveu o volante com os braços e foi puxando
a viatura para a lateral da estrada, que não tinha acostamento. Perguntei a ele o que teria
acontecido e ele disse que talvez tivesse estourado o pneu. Paramos e isso era verdade.
Acontece que a viatura não saiu um milímetro da direção. Se fosse outro motorista,
dificilmente teria segurado o carro na mesma direção, como se nada tivesse acontecido e
facilmente teríamos capotado. O homem era forte.
115
Mas em Humaitá e com o mesmo motorista aconteceu algo que era momentâneo, um
quebra galho que ficou definitivo. Na Cia Eqp determinaram que eu montasse um caminhão
oficina. Bom, depois de montado foi determinado que ele iria apoiar as equipes de
terraplenagem em Humaitá. O caminhão era completo até demais. Foi escalado um cabo
para ser o responsável pelas ferramentas, que eram muitas e ser o motorista do caminhão.
Não era mecânico, apenas trazia o material que poderia ser fornecido aos mecânicos. O
caminhão oficina tinha ferramentas especiais, apenas. Assim, quem precisasse, procurava o
cabo que deveria estar na terraplenagem. Quando alguma outra equipe precisasse, era só
fazer chegar ao cabo a necessidade que ele ou iria até o local chamado ou mandaria a
ferramenta. Mas o cabo era extremamente preocupado. Segundo alguns, ele contava e
recontava as ferramentas até de madrugada. Quando soube disso, obriguei-o que fizesse
um diário de “entrega e recebimento de ferramenta”, num livro-ata. Ele era do efetivo da Cia
Eqp, em apoio à 1ª Companhia e já era ferramenteiro na Cia Eqp, motivo que levara indicar-
lhe para importante missão. Mas, um dia o cabo enlouqueceu e passou uma semana
perdido na mata. Foi uma luta para achar o cabo. Com isso, precisava um motorista para o
caminhão oficina. Olhei o ex-balseiro e disse a ele: – “amigo, preciso de você. Segure essa
peteca até a gente achar alguém para cumprir tal missão. Estamos na metade do PT e
talvez só no final do ano poderemos encontrar alguém. O trecho não pode parar”. E lá foi
ele, voluntário, mas sem muito gosto. Com uma semana estava plenamente realizado. O
caminhão tinha tudo que ele sempre gostaria de ter. Ali ele fazia de tudo: serviço de torno,
solda, ajustagem, parafuso, buchas, arruelas... era uma festa. Como pedi transferência na
metade do ano (1976), o motorista ficou com o caminhão oficina.
Passados uns três anos, volto novamente para o 5º BEC (1979). A principal missão
do batalhão era o asfaltamento em direção a Ariquemes, com a 3ª Companhia, que viera do
Acre. Quem estava no caminhão oficina? O mesmo motorista. Perguntei a ele se não
encontraram alguém para isso, ele respondeu que ele mesmo não queria mais deixar o
caminhão. Embora tivesse muito serviço, era bom trabalhar com o caminhão e ficar
destacado.
O mundo gira, a vida gira junto e a gente gira grudado na vida e eu volto novamente
ao 5º BEC (1984). Agora eu era fiscal administrativo. A principal missão ainda era da 3ª
Companhia. Quem era o motorista do caminhão oficina?...
Fui nomeado comandante do 7º BEC e vou a Porto Velho na passagem de comando
de um colega de turma (1993). Reencontro o motorista, alegre e sorridente. Como eu,
usando óculos de grau, cabeça nevando, barrigudo e com os sinais de descida na rampa do
tempo: diabete, pressão alta... Estava só esperando a aposentadoria. Onde ele se
encontrava? Com o caminhão oficina. O quebra-galho que me fez ficou como solução... de
vida. Ele tem o seu valor. Uma pena que nunca se pode premiar tanta dedicação. Eu me
sinto com uma dívida.

O Motorista Josias

Quando cheguei a Feijó, tinha o motorista do chefe de residência, motorista de jipe.


Chegara a Feijó vindo com o batalhão, desde Manoel Urbano, em 1973. Chegou com a
Equipe Ouro, a maior equipe de terraplenagem que o 5º BEC já teve. E a com maior
produtividade semanal que o 2º GEC já viu. O comandante do batalhão era o sonhador que
repetia no trecho – Feijó está ali!!! Enquanto isso, sua sede virava uma anarquia patrocinada
pelo seu subcomandante. Mas o Josias chegara como o melhor motorista de caminhão
tanque: ele e um soldado, o Viana. Era separado. Não sei se tinha filhos. Era pouco letrado,
uns trinta anos de idade, muito inteligente e com uma enorme característica: estava
constantemente de bom humor. Nunca entendi se era uma casca ou se era alegre mesmo.
Tão alegre que tinha ares de irresponsável, de fútil, de vagabundo. Mas era muito
responsável no trabalho. Nunca atrasava um minuto tivesse o tempo que tivesse. Em Feijó
acabou por arrumar a segunda mulher. Era admirador do tenente Espinelli e do Tenente
116
Pupin. Com o Pupin cheguei a restabelecer contato, mas o Espinelli sumiu do mapa. O
Josias esteve comigo na Operação Jurupari. Fora como motorista de caminhão tanque de
combustível. Para ele foi uma festa – relembrar o que passara dois anos antes. E foi por isso
que o levei; conhecia tudo, cada palmo. Fomos retirar máquinas que a Equipe Ouro e
Equipe Prata deixaram ao longo da estrada, em 1973, atropelados pela chuva. Já estava
consolidado o segundo casamento. A mulher o acompanhara na aventura. Não tinha filho,
mas criava um pintinho guaxo.
Depois de minha transferência vi o Josias mais uma vez. Estava gordo, bem
barrigudo. Muito diferente do esbelto motorista de jipe. Mas era também Deputado Estadual.
Quando fui para Humaitá, a 3ª Companhia do 5º BEC saiu de Murbano e se mudou para o
KM 8 de Porto Velho. O Josias foi o ultimo homem do 5º BEC a sair de Feijó. Saiu de MGG,
o avião que operava para o Batalhão. E com ele o Farofa e o Messias, os dois serrotes.
Conto a historia dos dois em outro título. O Josias levou-os a Porto Velho e lá conseguiu
que eles fossem contratados como CLT. Depois o Josias pediu demissão. Em Rio Branco,
comprou uma Kombi, com o dinheiro da indenização. Ia para o aeroporto esperar pessoas
de Feijó e Tarauacá e os transportavam para médicos e hospitais e ou casas de conhecidos.
Se não tivesse onde se hospedar, sempre encontrava um bom samaritano que fazia isso.
Assim o Josias acabou por se candidatar a Deputado Estadual. E foi eleito por dois
mandatos. Foi uma pena. A falta de educação formal o fez se perder e agir mais por emoção
que por razão. Assim nunca mais foi reeleito. Seu partido o alijou. Registro sua trajetória
como exemplo de empreendedorismo. Ou audácia de um ignorante que talvez por
desconhecimento da selvageria do meio político não sabia avaliar onde estava se metendo.
As últimas notícias que tive dele não foram das melhores: como eu, estava velho, mas ele
sem emprego e passando dificuldade. E havia se separado da segunda mulher. Estava na
miséria. Uma pena.

O Papagaio

Cheguei em Cruzeiro do Sul com o papagaio por via aérea. O bichinho foi comprado
em Brasília, em 1988. Existia em uma das quadras, W 3 ou W 5 com o nome de Panelão. Ao
chegar para a compra do mês, no estacionamento, apareceu um menino com o papagaio
amarrado pelo pé ,e pousado em uma varinha curta.
– Moço, quer comprar o papagaio?
– Como vou comprar o papagaio, se moro em apartamento? Não quero, e muito
obrigado.
Passamos mais de duas horas para fazer as compras eu, a mulher e as duas
meninas. Na saída, o estacionamento estava bem vazio, pois já era mais de cinco da tarde.
Quando estou acomodando as compras no porta-malas de uma Belina, que tínhamos, lá
aparece o menino com o papagaio.
– Moço compre o papagaio? Ainda não consegui vender. Já faz uma semana e
ninguém compra.
– De homem para homem, esse papagaio é teu mesmo ou você pegou de alguém?
- Não senhor, respondeu meio ofendido. O bicho é meu, e eu estou vendendo para
comprar o material escolar, e as aulas começam na segunda.
Aí fiquei dividido. Comprar ou não comprar, eis a questão e já era sábado.
A mulher também ficou profundamente comovida, e as meninas ensaiaram um coro:
compra pai, compra...
Compramos o papagaio por duzentos e cinquenta cruzeiros, o que equivaleria uns
vinte ou vinte cinco dólares americanos.
O bicho estava arisco e bravo. Tentava voar, mas estava com as penas de uma asa
cortada. Foi improvisado um cabo de vassoura amarrado, em um dos cobogóis, da área de
serviço e com uma lata de cerveja, cortada pelo meio foi providenciada sua cumbuca de
comida e água, mas ainda amarrado com uma correntinha e arame que tinha em casa. Dois
117
dias depois, fomos obrigados a comprar uma gaiola de arame para acomodar o bicho, pois
fazia uma sujeira danada. Convivemos dois anos juntos e sempre aprontando das suas.
Depois de certo tempo, achamos que ele poderia ficar com a asa inteira, e transitar entre a
gaiola aberta e os buracos do cobogol, da área de serviço. Como bicho selvagem, se
assustou e voou para uma árvore em frente e já era quase escuro pela entrada da noite. Um
telefonema para o corpo de bombeiro, e nada poderia ser feito a não ser no dia seguinte.
Levantei às quatro da madrugada ,para conferir se o papagaio continuava no mesmo lugar.
Por já estar desadaptado a vida livre, estava no mesmo galho, que pousou no dia anterior.
Tentamos mostra comida, chamar, fazer todos os agrados, mas o bicho nada de descer. Os
bombeiros chegaram, lá pelas sete da manhã. Um soldado subiu até perto e ele voou, mas
logo caiu, aterrissou num arbusto. Deu o pé com tranquilidade, e voltamos para o
apartamento. Fez mais duas, dessas brincadeiras com já irritação dos bombeiros, pois um
soldado, por três vezes, teve que subir na mesma árvore pelo o mesmo papagaio.
Em 99, transferido para o Rio de Janeiro, para o curso da Escola de Comando e
Estado Maior queríamos levar o bicho. Telefonei para o IBAMA e perguntei como poderia
levar legalmente o papagaio. O funcionário disse que não tinha como, pois eu nem poderia
ter a ave, já que não poderia comprovar a origem e provar que foi criado, desde pequeno,
em cativeiro. A afetividade para com o bicho era grande e como todo papagaio,tomou o
nome de Loro. Aprendeu falar papai e mamãe. E sabia quando era um ou era o outro, antes
mesmo de abrir a porta da área de serviço, onde ele ficava. Talvez pelo cheiro. Às seis da
manhã começava chamar: Papai – papá do loro; mamãe papá do loro. Se lá pelas sete,
ninguém se manifestasse para dar a comida, ele abria a goela com toda a força do seu
pulmão: papá do loro. Aí era um "corre, corre", pois acordaria os vizinhos, particularmente
nos finais de semana. A solução era doar o loro para o IBAMA.
Mas resolvemos ir de carro para o Rio. Já estávamos atrasados, para os inícios das
aulas das meninas. A liberação dos apartamentos funcionais, para alunos foi um rolo
fenomenal. Resolvemos arriscar e levar o papagaio no carro, e na gaiola. Nos postos das
Polícias Rodoviárias o Loro era coberto com uma toalha. Dormimos em Belo Horizonte, num
hotel e o papagaio ficou no carro, com sua água e comida. Na estrada ele ia feliz da vida.
Passamos mais dois anos no Rio. Sempre saía com ele para passear, pela praia e pela pista
de caminhada, que havia ao lado do Morro da Urca (Pista Cláudio Coutinho). Continuava o
cuidado para dar comida, antes das sete da manhã. Aprendeu até a cantar "parabéns à
você".
Terminado o curso, direto para o comando do 7º BEC. E como levar o papagaio?
Nova ligação para o IBAMA e a mesma xurumela sobre a autorização. E daí, o mesmo
drama para se separar o bicho.
Apareceu um funcionário do Círculo Militar, nordestino da Paraíba, que deu a solução.
"Papagaio no escuro, não fala e não faz barulho. É só colocá-lo numa caixa de sapato. Dá
para levar até em avião", disse do alto de sua experiência, que os cinquenta anos permitem.
Fizemos os testes e ... perfeito. Resolvemos arriscar. O diabo era que teríamos que passar
por Rio Branco, antes. Era uma viagem que saia do Galeão, pela manhã e chegaria a Rio
Branco, lá pelas onze da matina, com passagem por São Paulo, Campo Grande e Cuiabá
acrescentando as duas horas de diferença do fuso horário. Foi preparada uma caixa de
sapato grande com vários furos, da espessura de um lápis, na lateral. Numa sacola de
butique, foram colocados: a caixa de sapato, de cutelo, o papagaio de pé dentro e dois
apoios de isopor, no fundo, de modo que os furos ficassem livres e em consequência,
permitissem entrar ar para o Loro. Depois de entregue a mudança, que ficaria no Rio com a
gaiola, o papagaio ficou no cabo de vassoura, como no início de sua vida em nossa
companhia. Partimos para o aeroporto com a certeza de que, se fossemos pego, daríamos o
papagaio ao motorista do Gilvan, que estava nos apoiando. O medo maior era a passagem
pelo raio X, mas como era vôo doméstico, passamos direto. Já dentro do avião, em direção
a Campo Grande, abrimos a caixa para ver como estava o bicho. Estava tranquilo, e bem
conversador. Demos água, em copinho e pedaços de pão, da refeição fornecida pelo avião.
118
Quando vinha a aeromoça, a caixa era fechada. Assim, chegamos a Rio Branco. E assim
chegamos a Cruzeiro do Sul. Em Cruzeiro, na casa do Comandante, havia uma enorme
árvore, um jambeiro de uns quarenta metros de altura. Talvez, o maior jambeiro que tenha
visto pela Amazônia. Lá ficou sendo a morada do loro, por um ano. Nunca desceu. Era só
colocar água e alguma comida. Na verdade, se alimentava de jambo. Nem tentar fugir,
tentou. De vez em quando, era trazido por uma vara, para fazer-lhe um agrado, o que era
retribuído, mas morou no jambeiro. De volta para Rio Branco, novamente, o processo da
caixa foi feito,e com grande resultado.
Em Rio Branco, depois de um ano, morando na garagem e com uma vara, que ligava
a uma caramboleira, o papagaio fugiu várias vezes, mas para o interior da vila, onde tinha
vários papagaios. Mas, na manhã de vinte e cinco de dezembro, que era num domingo,
fugiu para nunca mais voltar. Levantamos mais tarde que de costume e dei por falta do
papagaio. Perguntei aos soldados de serviço e nada sabiam. Fiquei muito triste, por ter
perdido o mascote de casa. Até hoje desconfio que ele tenha voado para o terreno vizinho e
lá deram destino ao bichinho. Se não foi comido por gato, deve estar vivo até hoje, cantando
antes das chuvas, pedindo papá e chamando papai.
Muita gente dizia que a que fugiu não era papagaio, mas papagaia.
Entre as muitas chegadas e saídas de oficiais e sargentos, ganhei outro papagaio de
um sargento. Ele disse que não tinha como levar e que na vila ninguém estava querendo.
Dei um de altruísta e fiquei como o bicho. Era bem maior que o de casa. Deveria ser de
outra espécie. Os dois bichos se deram bem, mas o recém-chegado era bravo. Em várias
oportunidades que eu dei o dedo para ele subir, acabou por me bicar forte de tirar sangue.
Algumas vezes dei-lhe alguns piparotes para soltar a bicada no dedo ou no braço. Viviam
em harmonia até que o ou outro fugiu. Ou roubaram.
Pelo mesmo processo que usei, para levar o anterior, do Rio a Cruzeiro, e de lá, a Rio
Branco, fiz para levar este de rio Branco, para campo Grande. Foi ato muito mal avaliado
que cometi e que me arrependo barbaramente. Eu sabia que iria para um apartamento e que
lá não teria como criá-lo. Pensei que ele ficaria bem na casa de meus pais. E que até
serviria de companhia para eles, mas o bicho deu um tremendo trabalho. Fugia a todo
instante. Talvez por estranhar o ambiente. O fato é que o Pai jogou a toalha e disse que
daria o bicho a um primo meu, sobrinho dele, que tinha uma casa ampla, com árvores e que
talvez o bicho ficasse melhor lá. Aceitei, mas agora já não mais como dono do animal. E lá o
primo também não conseguiu manter o bicho em casa. Fugia muito. Embora dono, queria
dar satisfação ao tio e dizer o que o bicho estava bem cuidado. Acabou por dar o bicho a
uma mulher que tinha a uma chácara pelos lados de Cachoeirão, margem do Rio
Aquidauana. Nunca mais se soube do bicho. Nem meu primo. Segunda decepção com
papagaio.
119

O Preço da Precipitação.

Servindo já em Porto Alegre e passando em Campo Grande, rumo ao Acre em férias,


minha irmã e meus irmãos acenaram com um novo loteamento que seria de grande futuro,
pela posição. Ficaria a dois quilômetros no máximo do futuro shopping; era do complexo de
um loteamento bem sucedido com construções de classe média alta; um local de terreno
arenoso e plano; estava ligeiramente ao lado do futuro complexo governamental chamado
Parque dos Poderes. O loteamento anterior era o Carandá Bosque. Carandá é uma
palmeira parecida ao babaçu, mas existente apenas no pantanal. Existia o I e o II. O acesso
era: Avenida Mato Grosso, próximo do futuro Parque dos Poderes, entrava na Avenida
Emilio Zola. Comprei três terrenos de um corretor que não lembro o nome. Os meus terrenos
seriam no Carandá Bosque III. A entrada mais fácil, era pela Avenida Hiroshima até alcançar
(hoje) uma rotatória e entrar na Avenida Aracruz; na primeira rua à esquerda era um terreno
na Rua Torquato de Camilo e outro dois terrenos juntos, na segunda rua à direita, no terceiro
ou quarto terreno, na Rua Acrópole. Mas na época a Hiroshima, que fora asfaltada, e mal,
apenas para o lançamento do empreendimento, era intransitável. O acesso era pela Emilio
Zola até a Rua Melissa e, por ela, até a Hiroshima no local que seria, e agora é, a rotatória.
Bom, ali era a futura casa: um terreno para investimento e os outros dois para construção de
uma casa. Deixei uma procuração com minha irmã para passar a escritura. Remeti a ela o
dinheiro em sua conta. Pago a vista. Quando construir? Sem prazo. A precipitação estava no
apostar na grande e rápida valorização dos terrenos. Os dois Carandás tinham valorizados
assustadoramente.
Em Cruzeiro, havia facilidade para se comprar tanto móveis quanto outros materiais,
para casa, de mogno. E havia marceneiros que eram mais artista que marceneiros. Havia
casas de amigos e conhecidos da cidade onde tudo era de mogno: do portão da casa até o
forro. Os forros todos entalhados como se fossem a cúpula de uma igreja medieval. A casa
que mais admirei foi de um Irmão de maçonaria, o Batista, e a segunda foi a do Ildefonso
Cordeiro. Bom, o negocio de ser “emprenhado pelo ouvido;” ou, se fazer de idiota para não
parecer radical, intransigente, desinteressado, acabei por ceder a alguém que agia por
impulso ou inveja. O fato que acabei cedendo. Fiz um desenho de uma casa com as
distribuições e áreas que eu gostaria de ter e em função dos terrenos em Campo Grande.
Paguei ao desenhista do batalhão para fazer: a planta, o telhado e as fachadas com as
posições das janelas. Assim fiquei com os tamanhos das janelas e o formato delas: janelas
com folhas venezianas e de folhas com vidros. Comprei também os portais e portaladas (as
“forras”, como dizem os nordestinos). A porta da entrada ficou com um metro e vinte de
largura (parecendo porta de igreja) e toda entalhada. Mas era uma peça só, de madeira
maciça. Junto o portal. A que seria a porta da sala ficou com oitenta centímetros de largura,
embora não trabalhada, era também de madeira maciça. Tudo comprado em Cruzeiro do
Sul. Se tudo corresse bem, isso seria enviado a Manaus, de alguma forma e de lá alguém
mandaria, via transportadora, para Campo Grande. Saber quando, seria a incógnita. Mas,
tudo foi atropelado com a extinção do batalhão e depois a ida para Rio Branco. O certo é
que foi para Rio Branco. Foi no bendito transporte a preço de custo que a VASP nos fez.
Uma viagem de dez toneladas que os oficiais e sargentos aproveitaram para mandar as
coisas mais sensíveis sem ter que ir de balsa pelos rios Juruá, Solimões e Madeira e depois
ter que pegar tudo em Porto Velho. Isso depois de seis meses de viagem. A empresa se
sentiu no dever de retribuir os favores que lhes prestemos quando do acidente de uma de
suas aeronaves em Cruzeiro. Este acontecimento está em detalhes no livro do comando.
Nessa viagem de cargueiro eu transportei minha Belina 86 e as benditas portas e janelas,
todas muito bem embaladas.
Em Rio Branco, ficou tudo num galpão, não muito bem guardado porque não tinha
lugar para tudo, mas o suficiente para não deteriorar. De Rio Branco foi para Campo
Grande, num transporte que paguei. O transportador se apresentou como irmão de
120
maçonaria, mas até hoje acho que fui engabelado. Ele levou e deixou na fabrica de móveis
de meu irmão. Mas, em Cruzeiro eu comprei o apartamento em Campo Grande. Com a
compra do apartamento, era para se ter descartado a porta e as janelas, já em Rio Branco.
Mas, num minuto de bobeira, lá estava todos em Campo Grande. E aí reside a maior
precipitação. O normal seria fazer a porta com a casa pronta e não fazer a casa para a
porta e as janelas prontas. Completa inversão da construção. Depois que quase cinco anos,
eu morando na vila militar, como coronel ChEM da Região, é que consegui vender a porta
entalhada e o portal para um senhor Mestre de Obras da firma que reformou o apartamento.
A segunda porta foi de brinde. As janelas continuaram a serem empecilhos e atrapalhos aos
meus familiares. Até que minha irmã, duma casa que comprou, mais três casas que meu pai
comprou, juntas, fez uma creche. Na creche construíram algumas salas de aulas.
Felizmente as janelas foram ali aplicadas, com a justa doação, pois eu não tinha o que fazer
com as janelas e ninguém as compraria para ficar na situação que fiquei: construir uma casa
para as janelas.
Assim ficou uma lição: se não tem certeza do que se vai fazer é melhor não se
precipitar.

O Privilegiado

Em muitas oportunidades tive sinais de que muitas coisas foram feitas para me
favorecer. O Criador oferecia, a todos, oportunidade que favorecia mais a mim e depois
tirava essa oportunidade pura e simplesmente. Parecia que era para aquele momento e para
me atender. Muitas coisas aconteceram sem que eu tivesse o domínio completo da situação.
Parece que havia um bloqueio mental e alguém me dirigia. Sou cético com as coisas
sobrenaturais, mas a mim houve algumas manifestações positivas que estava além de
minha força para resolver ou atingir.
A primeira que me lembro foi a aprovação no “Concurso de Admissão ao Ginásio”, um
pré-vestibular que existia na minha época de estudante. Estudava numa escola de freiras,
pertencente à Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Campo Grande. Terminado o
quarto ano, do ciclo que se chamava “Primário”, para prosseguir no outro ciclo, chamado de
“Ginásio,” havia um exame de seleção classificatório. Pois bem, é certo que o “colégio das
irmãs” havia nos dado aulas complementares, suplementares e até replementares, função
do exame do ano anterior. Mas eu não me lembro de nenhuma questão de três dias de
exames: um para português, outro para matemática e outro para história e geografia.
Engraçado, uma parenta de Terenos começou a perguntar sobre o exame, aquelas
perguntas chatas: qual sua resposta para a pergunta tal de matemática?... qual a sua
resposta para pergunta “Y” de história?... e eu não me lembrava de nada, absolutamente
nada. Senti um sorriso maldoso daqueles que significava: “esse aí não vai passar”... mas fui
classificado na frente dela. Guardei uma resposta que ela me falou ter errado e eu nem me
lembrava da pergunta quanto mais da resposta: quem foi cognominado “O Navegador”? A
resposta era: Infante D. Henrique.
A segunda foi quando trabalhava na fábrica de cera e vela quando fui induzido a fazer
o concurso da Escola de Sargentos das Armas. Bom, eu também não me lembro de
nenhuma questão, entretanto não passei. Foi uma frustração inicial. Hoje reconheço que não
era o meu momento. Parece que havia algo mais importante. Ou eu não estava preparado o
suficiente.
Depois foi a proposta do meu parente para morar em sua casa e trabalhar e estudar
em Jundiaí. Foi pensando em usar essa possibilidade que me fez escolher bem o local de
servir como soldado e que me fez iniciar na lides castrenses. Como sempre na minha vida,
seria uma das muitas coisas que eu teria que começar “do início”, desculpada a
redundância.
121
A ida para a Companhia de Depósito de Armamento e Munição (Cia DAM) também
parece que foi orientada. Ao chegar para fazer a seleção não sabia que lá estava o cabo
com quem jogava no bairro. Foi pela insistência dele que eu fui para a dita companhia.
Apesar de todos os sacrifícios, fui lapidado ali para melhor compreender as lides militar. Ali
foi minha depuração, com o fogo do sacrifício, tal como o ouro sai, pelo fogo, da ganga
impura. O ano de 1967, ao ser lembrado, ainda me aumenta a pulsação quando me recordo
de quantas coisas foram vencidas em apenas um ano.
E foi nesse ano que sairia o tal Aviso Ministerial que me beneficiaria para entrar como
Cadete. Tal aviso saiu por dois anos: um ano antes de eu precisar dele e no ano que
precisei. Depois foi suspenso. Só durou o suficiente para me beneficiar.
O critério para minha indicação também foi inusitada. Pelo tal Aviso, o primeiro lugar,
que deveria ser indicado, era uma menina; o segundo lugar, a estatura estava abaixo da
exigida pelo edital. O diretor parece ter sido iluminado e me indicou. Qual foi a luz que o
guiou, não sei. Apenas fui descobrir, quando já coronel, que ele era meu irmão de maçonaria
e que infelizmente já havia se despedido da terra e eu não pude agradecer-lhe como irmão.
Pude agradecê-lo como Cadete.
Também a promoção a sargento, a “despromoção”, a ajuda de custo, as diferenças
de soldo, entre cabo recruta e cabo engajado, permitiram que eu pagasse a dívida que meu
pai contraíra para que pudesse comprar o enxoval. O que levou ao comandante da
Companhia a atrasar as publicações nunca ficou muito claro. Tentei já indo para a reserva
remontar o quadro para entender isso, mas os atores estavam todos longe, velhos e
esquecidos e tudo se perdeu na ventania do tempo.
Quando por um acidente estive baixado em Porto Alegre, fui para uma Junta de
Inspeção de Saúde. Ali seria o divisor de águas: ou eu continuaria minha carreira de oficial
ou eu seria reformado. Os meus limites de suportar dor tinham chegado ao fim. Nos últimos
quinze dias nenhuma melhoria eu alcançara na fisioterapia. Se a Junta me obrigasse a mais
tempo com fisioterapia, me julgasse inapto, eu abandonaria o tratamento e retornaria para
Alegrete para ser providenciada a minha reforma. Mas, uma junta é composta de, no mínimo
de três médicos e mais alguns especialistas que eles necessitarem recorrer e previamente
convocado. Como informação: um presidente, um secretário e um vogal. Algo aconteceu
que só estava um capitão, o presidente da junta. Fora ele que argumentara para passar uns
tempos em Alegrete para me recuperar fisicamente e psicologicamente e depois retornar
para a cirurgia de retirada dos parafusos do joelho, a segunda cirurgia. Quando ele
perguntou como estava eu disse que bem, que andava, poderia correr. Perguntou sobre a
angulação do joelho, respondi que muito melhor que antes da cirurgia e realmente era isso.
Ele me olhou com uma firmeza de quem tinha autoridade e autoconfiança e me disse: “- vou
lhe dar como apto. Com essa angulação você pode fazer qualquer atividade no quartel. É
claro que nunca será um pára-quedista”. Assim me tornei apto para o serviço do Exercito. Se
estivesse os três componente talvez eu não conseguiria sair apto para o serviço ativo.
No momento em que decidi a fazer o concurso para o Estado Maior, minha
transferência de Porto velho para Brasília deu problema. O tempo para transferência, de
guarnição especial, e Porto Velho o era, passou de dois para três anos. Assim, mesmo
depois de transferido, já sabendo até minha função, pois iria para a Diretoria do meu
primeiro comandante de Batalhão, Diretoria de Movimentação (DMov), tudo foi retificado e
eu permaneci no 5º BEC. Foi o tempo suficiente para que outro ex- comandante fosse
nomeado para o então Departamento de Engenharia e Comunicações e que, ao saber de
meu interesse de para lá ser transferido, criou uma vaga para Major que não existia, de
modo que eu fosse servir com ele. Bom, servi num lugar que me permitiu estudar porque as
atividades eram todas rotineiras. As noites e sábados, domingos e feriados eram livres.
Para seguir para a Escola de Comando e Estado Maior – ECEME – a distribuição de
apartamento atrasou. Eu estava com a corda no pescoço porque o início do ano letivo das
filhas e da própria ECEME estava por acontecer. Pedi uns dias de dispensa e fui ao Rio.
Chegando lá, o Subcomandante disse que nada podia fazer uma vez que o oficial ocupante
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do apartamento, a mim destinado, fora transferido para Brasília e só desocuparia no Rio
quando, lá em Brasília, lhe fosse designado um apartamento. Num esforço de boa vontade,
o Subcomandante telefonou ao dito coronel, que fora meu instrutor como Cadete – o tal
Padre. Ele não estava no apartamento no Rio e fora para Santos, por licença da ECEME,
pois acabara ele de fazer o curso de Altos Estudos Militares. Disse-lhe o Subcomandante
que, se ele permitisse, eu guardaria as quase nada mobílias dele e a cuidaria até que lhe
contemplassem em Brasília. Deselegantemente, ele disse que “o problema era do Exército”.
Voltei a Brasília como fui. Mas, na então Diretoria Patrimonial de Brasília (DPB), hoje
Prefeitura, exatamente onde distribuía os apartamentos, trabalhava um coronel que
servimos juntos em Porto Velho e era irmão de fé. Contei-lhe o caso da ECEME e ele, que
conhecia a figura despreocupada, me disse – “volte à tarde que vou distribuir um
apartamento para esse...” e disse um impropério. Á tarde estava distribuído o tal
apartamento, que nem se quer ainda recebera pintura. Fez o “memorando de designação” e
mandou que eu entregasse no então Departamento Geral de Serviço, departamento para o
qual o tal coronel fora designado. Ao chegar à Chefia de Gabinete, tudo estava vazio,
reunião geral talvez, e apenas um Subtenente estava na repartição que fazia os boletins
internos. Identificamo-nos como irmão de fé, mais um no dia. Contei-lhe o caso desde a
ECEME e era por isso que eu, de outro Departamento, estava ali com uma Mensagem
Direta, da DPB, na mão. Ele disse: “olha, o Chefe de Gabinete não assinou o boletim de
hoje ainda. Vou inserir essa mensagem agora e também fazer um fax para a ECEME
informando a designação do apartamento ao coronel em questão”. Bom, em um dia eu
resolvi o caso que “era do Exército”, segundo o ex-instrutor. Depois soube que ele ficou três
meses em Brasília e pediu passagem para a reserva. Queria mesmo era criar caso. Uma
semana depois recebi a informação da distribuição com ocupação no momento que eu
quisesse. Novamente tudo me foi colocado no caminho, para que eu sofresse o mínimo com
uma situação que eu não criara: dois irmãos numa só tarde e resolvido algo que se fosse
pelos trâmites normais levaria um mês.
Na ECEME, eu estava mal no curso. Sou de péssima inteligência para tratar algo
apenas no faz de conta. Como oficial de engenharia, não consigo criar várias alternativas
para solucionar um problema, as tais linhas de ação. Em geral, pelo espírito de engenharia,
sempre procuro uma solução que resolve o problema que pode não ser a melhor de todas
as soluções, mas uma solução que resolve o problema sem prejuízo para as obras e
pessoas. Como as soluções na escola são teóricas, então é necessário se criar o maior
número de soluções, no mínimo três. Mas, eu tinha que ter uma desculpa que justificasse o
meu mau desempenho. No final do primeiro ano, fui chamado pelo Chefe do corpo de
alunos, um coronel de Cavalaria. Ele me disse: “olha você tem uma semana para apresentar
uma diretoria para o Circulo Militar da Praia Vermelha”, para nós o CMPV. Bom, havia outro
oficial me era mais antigo, mas por motivos que nunca soube, não quis ou se atrasou na
apresentação da diretoria. Foi uma atividade diferente que me absorveu muito e justificou o
um péssimo desempenho intelectual. É claro que o desempenho como Presidente do círculo
sobrepôs, em muito, o mau desempenho no curso. Por que o Coronel me chamou, eu não
sei. Não poderia ser apenas pela antiguidade.
Também naquele ano a ECEME testou, nos trabalhos, o conceito lateral. Em cada
trabalho, com mais de três dias e que envolvia um grupo, seja de estado maior ou não,
havia uma ficha de avaliação de desempenho para aquela atividade. Assim, sem ideia de
hierarquia, cada um dava um conceito que variava de um a cinco, se não me engano, que
era recolhido para uma seção psicotécnica. A filosofia era: uma pessoa poderia se postar de
ator e demonstrar absoluto interesse na atividade só naquele momento, mas não o seria por
dois anos. Nem poderia alguém quer proteger um companheiro por algum motivo: as
avaliações muito destoantes eram desclassificadas e o conceituador teria que se explicar o
porquê da discrepância entre ele e os demais. No final, cada aluno tinha mais de duzentas
avaliações. O curso total teria três partes de graus: o intelectual, valendo 4,5; o conceito
lateral valendo 5,0; e a monografia valendo 0,5. Não tinha o maldito grau de conceito de
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instrutor que muitas vezes é usado como fator discriminante entre os primeiros do curso e é
extremamente subjetivo. Acho que foi graças ao conceito lateral que eu não fui o último do
curso. É daquelas coisas que foram feitas apenas para me proteger.
Durante, ainda, o curso de Estado Maior a filha mais velha – Tatiana – faria quinze
anos. O Clube Militar, com sede no Rio, faz tradicionalmente o baile de Debutantes. Fomos
para o sacrifício e resolvemos dar esse presente à menina. Eram ao todo quarenta meninas.
Tinha um valor de inscrição que cobriria as despesas de visitas, passeios e outros encontros
delas. A isso, acrescenta sapatos, vestidos e outros apetrechos necessários. Eu, como
presidente do CPV, mantinha um bom relacionamento com a Diretoria do Clube Militar. Bom,
um certo dia o Diretor Social telefonou para o Círculo e me perguntou: “– você não tem uma
segunda filha?” respondi que sim – Karina – mas que tinha quatorze anos. Tentei adivinhar o
que ele estava querendo, aliás, acho um péssimo comportamento essas tentativas de
adivinhar antes de ouvir. Achei que ele me perguntaria por que não havia colocado a
segunda menina para debutar. E a resposta estava na ponta da língua: não tinha dinheiro
para isso. E ele continuou: – “olha com quatorze anos ela pode debutar. Você pode me
ajudar numa coisa. Uma das meninas desistiu, por doença. Então me lembrei de sua
menina e gostaria que ela completasse o efetivo. Tudo já está pago para quarenta. A
despesa sua vai ser de um par de sapatos e o vestido, que pode até ser alugado.” Pedi um
tempo para poder falar com a esposa e com a menina. Era uma oportunidade única. – “ou é
agora ou nunca”, disse em casa. A oportunidade é como água de rio: não passa duas vezes
no mesmo lugar. Assim, fui o único que teve duas filhas debutando. Tive que convocar meu
compadre Sava (Elias Dório Sava) que era professor na Academia e padrinho da Karina
para dançar a valsa, pois com duas filhas faltava um (pai) para completar o par. Mais tarde
verificamos que foi um acerto tê-la colocado para debutar. Nunca mais tivemos outra
oportunidade para que isso pudesse acontecer com a pompa e a beleza como a que foi nos
lindos salões da Sede do Clube Militar, na Avenida Rio Branco. Tudo conspirou para me
beneficiar.
A Nomeação de Comando foi outra coisa muito curiosa. Ao sair de Brasília, na
despedida do Departamento, eu disse que queria comandar logo, pois minha turma já
começara a comandar e eu tinha duas filhas em idade próximas a de vestibular. Eu estava
indo para o curso do Estado Maior já bem antigo, quase no limite de idade. Assim, comandar
cedo e depois ficar mais tempo num lugar, até o término de faculdade delas, era minha
meta. Essa possibilidade era tão remota como acertar na loteria. Pois na metade do
segundo ano fui consultado se gostaria de comandar. Aceitei sem muito raciocinar. Foi no tal
“Seja o que Deus quiser”. E que grande desafio foi o comando. Quer queira ou não passei
para história da unidade, para a história da Engenharia e para a história do Exército. Foi
sacrificoso, mas que deixou minha auto-estima muito alta. Na oportunidade houve
companheiros de turma que perguntou se eu estava relacionado para comando. Respondi
que isso nem sempre é preciso e ele ficou irritado porque, por ser instrutor na Escola, ele
teve seu comando adiado. Tive que usar minha “finesse” terenense par acalmá-lo. Talvez
por tudo isso meu comando ficasse marcado com a máxima que os oficiais e sargentos, da
época, até hoje repetem: “sempre tive mais sorte que inteligência”. Sobre o comando, já tem
um livro a respeito.
No mesmo livro tem com detalhes o apoio em aviões da FAB durante a transferência
do 7º BEC para Rio Branco. De um momento para outro, tivemos as maiores dificuldades da
transferência resolvidas. Tivemos pernas de aviões Hércules, Búfalos e até helicópteros sem
nenhum planejamento prévio nosso, sem informações do escalão superior e muito menos
por cortesia dos pilotos da FAB. Tudo foi autorizado “para ontem” como se diz no popular.
Foi autorizado mais pela audácia dos militares do Batalhão do que por caminhos seguros da
burocracia e muitas vezes atropelando até a legalidade sem perder a bússola da moralidade.
Entretanto julgo que tudo foi feito para me beneficiar. Parece que, no caso das aeronaves,
alguém planejou para atender outros, mas que me deixava a brecha para eu aproveitar a
oportunidade.
124
Assim, foram os acontecimentos que me levaram, que me conduziram e que eu não
tinha como intervir. Assim foram os meus trinta e cinco anos de vida militar.

O Templo

A Academia, no meu primeiro momento, era um mundo inconcebível. Sentia haver um


fluxo de energia muito mais poderoso que eu poderia suportar. Embora eu ainda nada
entendesse de simbolismo, e alegorias, cada canto daquele me atraia como se ali
escondesse uma lição, um proceder, uma cobrança. Hoje, na maturidade, consigo ler várias
alegorias deixadas, pelos arquitetos ou projetistas e ou pelos construtores, nas marcas dos
traços clássicos. Sou convencido que tiveram, ali, pinceladas da arte real. Quando, mais
tarde, fui iniciado, tive a mesma sensação, no Templo da iniciação, da que tive na Academia:
cada ícone daquele parecia me espreitar e a me fazer cobrança. Assim como as salas, os
arcos, o portão monumental, as mesas da Academia, pareciam me dizer algo, também no
Templo eles realmente me diziam e a cada dia ia aprendendo a dialogar com eles. O portão
Monumental é algo até exotérico: duas colunas, fora do conjunto arquitetônico. Pena que
não ficou na direção norte-sul.
Mas, além desses rastros deixados, que só os iniciados leem, há na atividade militar,
inúmeras simbologias, e não apenas alegorias, de origem nas ciências ocultas. Até mesmo
para um profano é fácil encontrar tal correlação, apenas inferindo tudo, da história geral, em
particular das vidas dos grandes generais. As duas instituições são milenares e correlatas.
Inúmeros militares de ontem, pertenceram, e de hoje, pertencem, aos dois mistérios: ao
militar e ao esotérico. È uma pena que, no Brasil, a quantidade de militares com
conhecimento esotérico tem diminuído muito e, daí vermos alguns “luminares”
modernizarem a Força Terrestre com atropelos absurdos ao simbólico e ao alegórico. Na
verdade, são afrontas mesmo.
Retomando, a mim, todo o conjunto arquitetônico da Academia era, e continua sendo,
um templo. O é não apenas pela imponência, pelas alegorias, pela arquitetura, mas pela
transformação que ela gera, pela nova alma que ela forma. Como as coisas importantes nos
chegam sempre atrasadas!!! Queria, hoje, retornar e passar mais quatro anos, até mais, só
para percorrer e recarregar todas as minhas energias, como eu faço, nos muitos outros
Templos. Não é saudosismo, é esoterismo. Ah!!! Se como Cadete eu soubesse disso...
pertencer a tudo aquilo é um rito de passagem.... é uma iniciação... é uma nova vida.

O Tenente Instrutor de Escola

Os aspirantes e os sargentos, recém chegados em seus quartéis, por imitação das


escolas de origem, se portam como instrutores dessas escolas. Logo arrumam uma
“varinha” à guisa de “bastão de comando” e passam a agir como supremos conhecedores
da arte da guerra. É claro que no início do período de instrução os recrutas são meros
recebedores de conhecimento. Poucas atividades permitem a aprendizagem prática, o que
deveria ser sempre. Mas, ainda no período básico, tanto os oficiais quantos os sargentos
podem se reciclar praticando junto com os recrutas. Vale o velho jargão: “a fala convence e
o exemplo arrasta”. Aliás, em bom tempo, hoje, antes da incorporação, há períodos de
reciclagem, padronização de instrução, conduta de instrutores e monitores. O que se vê são
os instrutores mandarem os soldados executarem o que não sabem, o que não praticaram.
E o “grande professor”, só indica, com seu bastão, o que o assustado recruta deve executar.
Se não sai a contento, enche o coitado de jargões, uns até engraçados, espirituosos e que
fazem parte folclore castrense. Sou testemunha de que muitas vezes os oficiais não eram
capazes de executar o que eles exigiam. Nem tecnicamente, nem fisicamente. Em particular,
125
nas instruções básicas de progressão no terreno: rastejo, uso de abrigos e cobertas, se
vêem oficiais e sargentos com uniformes limpinhos. Nas instruções especiais de
transposição de obstáculos, se vê oficiais com suas defectíveis varinhas, parado ao lado do
obstáculo batendo papo e sem olhar se a execução está correta ou não. Esses graves
defeitos preponderam quando das instruções técnicas. Tais instrutores jamais sujam as
mãos. É como se fossem pilotos de avião: chegam, sentam e decolam. Nada sabem do
funcionamento dos mecanismos, das manutenções. Não me canso de comparar a atividade
militar com a atividade de médico. Da mesma maneira que não se aceita um médico
especialista em complicadas cirurgias que não saiba fazer um curativo, assim também não
se aceita que um oficial não saiba rastejar, colocar uma metralhadora em posição e ou
montar uma mochila. E tem muito mais gente enquadrada nesse caso do que se imagina,
infelizmente.

Os Capelães Militares.

Conheci capelão militar ainda como Cadete e já me referi a ele. Era um bispo
paraquedista que saía perguntando a cadete de que estado brasileiro era, para confirmar se
já tinha saltado lá, ou não. Depois, fui ver tais figuras quando 1º tenente em Humaitá. Era
um capitão, o padre Quinto, com quem viajei de Porto Velho a Humaitá. Achei engraçado na
época: Capitão Quinto, no 5º BEC. Eu comandava a companhia. Era paranaense e já meio
velhão, pois os capelães, na época, começavam como capitão e em qualquer idade. Tinha
apenas um mês de estágio, improvisado, para aprender fazer continência. Ele foi um dos
poucos que ficou no trecho, por três dias. Dormiu até no acampamento do desmatamento.
Tinha uma característica: escrevia tudo o que fazia no dia. Um diário escrito em uma
máquina de escrever portátil “remignton rand” (era a tecnologia da época). Escrevia a luz de
vela, se preciso fosse. Ele estava junto quando se fez a aproximação com os Waimiri -
Atroaris depois do massacre que tal tribo fez a funcionários da FUNAI, lá por 74/75. Até hoje
não ficou bem esclarecido o massacre. Não duvido que tenha sido a mando de alguma
ONG, sem tal nome, na época. Os índios não falavam português, mas falavam inglês. Tal
capitão capelão assistiu a reaproximação espontânea dos índios, estando ele com o tenente
do desmatamento. Isto me foi contado por ele Capitã Quinto. Este capelão chegou a coronel
e foi chefe do serviço religiosos em Brasília – SAREX (Serviço de Assistência Religiosa do
Exército).
Depois disso só fui ter contato com capelão no meu comando. Do texto sobre meu
comando, transcrevo o que se segue.
“Chegou a Rio Branco conosco também um capelão militar. Aliás, ele veio conosco de
Cruzeiro. Como foi dito, nas instalações de Cruzeiro do Sul ficariam inicialmente um núcleo
do 61º BIS e um da 16ª Brigada de Infantaria de Selva. O capelão, padre Benatti, ao término
de seu estágio em Salvador, na Escola de Administração do Exército, foi classificado no 7º
BEC e posteriormente, quando o Batalhão fosse extinto, ele ficaria com o núcleo da Brigada
e daí para Tefé. O BEC não foi extinto, a Brigada ficou em Manaus e, posteriormente, seguiu
direto para Tefé. Assim, o capelão ficou com o Batalhão. Foi autorizado, pelo CMA, seguir
para Rio Branco, pois seria melhor empregado atendendo a guarnição de Rio Branco, a de
Porto Velho e o próprio 61º BIS. Como ele havia sido cabo de cavalaria em São Luís, Rio
Grande do Sul, era muito enquadrado militarmente e bastante disciplinador. Foi comandante
de vários comboios de material entre Rio Branco e Porto Velho. Participou dos
acampamentos e da Operação Boina nos dois anos que este conosco ministrando instrução
e acompanhando patrulhas. Na sede ministrava instrução de legislação militar nos cursos
de cabo. O padre fez um muito bom trabalho no Batalhão. Quando havia alguma mudança
de comportamento de qualquer militar eu punha o padre para descobrir qual o motivo. Se
fosse de ordem familiar caberia ao padre agir como pastor. Nas vezes que envolvia
problema de fidelidade do militar, eu chamava o companheiro e lhe dava o ultimato,
particularmente se morasse na vila. Ninguém era obrigado morar na vila. Mas se aceitasse
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morar ali tinha que se comportar. Não precisava que todos fossem amigos íntimos. Bastaria
que fossem amigos e se respeitassem. O padre também facilitava levantar insatisfação no
seio dos cabos e soldados. Ele tinha um plano de visita às casa dos cabos e soldados
casados que moravam afastado do Batalhão. Assim chegava ao Comandante as falhas de
atendimento médico, dentista, escalas de trecho, algumas recompensas e até mesmo
irregularidades praticadas por alguém. Foi uma ótima experiência trabalhar com o capelão”.
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“No texto que fiz sobre meu comando, relato como o 7º BEC acabou por ter um
capelão militar. Pois bem, por iniciativa do padre, e para atender o programa de
evangelização da Prelazia Militar, ele lançou a ideia de visitar todos os cabos e soldados
para ver como viviam e onde viviam. Assim, o padre Benatti, hoje falecido, trazia os casos
de desajustes e insegurança das famílias que iriam ser transferida, das que ficariam e das
que queriam ir, mas por imposição do escalão superior teriam que ficar. Em Rio Branco, ele
continuou seu trabalho que, agora, atenderia o 7º BEC e o 4º BIS. Assim fiquei sabendo de
alcoólatras de final de semana; de moradas indignas de quem poderia morar melhor; de
militar com desapego à família; de família desajustada, com desprezo ao militar e até de
desonesto, por delação da família”.
O Capelão ficava “piruando” missão de chefe de comboio, entre Rio Branco e Porto
Velho, só para ser autorizado, por minha conta e risco, de usar uma pistola e munição. Os
capelães não são dotados de qualquer armamento. Depois do meu comando,o padre foi
transferido para Porto Velho, 17ª Brigada – e lá morreu de AIDS.
Há algo que deve ser melhor explicado. Existe no Brasil uma Arquidiocese Militar.
Assim se tem, subordinado diretamente ao Papa, um arcebispado militar. A capelania
castrense tem o capelão militar católico que é um ministro religioso encarregado de prestar
assistência religiosa a alguma corporação militar (exército, marinha, aeronáutica, Polícias
Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares)
Depois de 1988, por lei, se definiu que o “Serviço de Assistência Religiosa será
constituído de Capelães Militares, selecionados entre sacerdotes, ministros religiosos ou
pastores, pertencentes a qualquer religião que não atente contra a disciplina, a moral e as
leis em vigor”. A Capelania Militar é formada de padres e pastores, na proporção da
população militar.
O sítio da arquidiocese militar explica bem isso -
http://arquidiocesemilitar.blogspot.com/. Esta arquidiocese tem um seminário o qual ordena
padres diocesanos militares. Em Rio Branco, o padre conseguiu, por pouco tempo, converter
um sargento temporário. Ele mesmo era da diocese militar. Os bispos e arcebispos outros
não dão “pitacos” na Arquidiocese Militar. A Arquidiocese militar tem um extenso programa,
de atividades, anualmente respeitado. O Arcebispo tem a antiguidade, é assemelhado, de
General de Divisão. Conheci bem, por ter estado com ele tanto no meu comando, onde ele
visitou, como em outras oportunidades o Dom Ávila, falecido em 14 de novembro de 2005.
Em Campo Grande, no CMO, 1995, me deparei com um major, capelão do CMO. Era
um mineiro, de dois metros de altura. Era diocesano e foi convocado para ser capelão.
Esqueci o nome dele. Tinha uma característica: queria jogar futebol, mas era muito ruim,
sem nenhuma habilidade. E também não gostava de perder. Ele sempre queria estar no
meu time porque ele dizia ser eu um homem santo que não se desesperava quando estava
perdendo. Quando a equipe que ele jogava estava perdendo, ele se desesperava e
começava a xingar, falar palavrão. Eu dizia a ele que acalmasse que assim como estávamos
perdendo, se nos organizássemos melhor, nós equilibraria o jogo e até poderia ganhar. Mas
na desarmonia, nunca poderíamos reverter o jogo. Uma vez ficou sem falar comigo quando
eu lhe fiz um convite para ser iniciado na maçonaria. Meses antes de eu ir para Manaus, ele
pediu demissão por problemas de saúde com pai e mãe em Patos de Minas se não me
engano. O padre tinha a fama de grande farrista e bebedor de vinhos caros.
Ainda em Campo Grande, no CMO, chegou outro vindo de Brasília – Tenente-coronel
Emidio ou Hemídio. Era gaucho de Porto Alegre e do tipo intelectual. Era da ordem dos
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franciscanos. Assim que chegou a Campo Grande, ele comprou um carro novo com a ajuda
de custo da transferência. Aí eu cometi uma gafe fenomenal. Ele retirara o carro na tarde de
um dia e, no outro dia de manhã, todos fomos para educação física. O vestiário era em
frente ao estacionamento. Vi aquele carro novo, disse: – “opa, tem gente com carro novo e
de boa marca!” O capelão, rapidamente, orgulhoso pelo carrão, disse: “É meu”. Aí fui cruel,
sem querer: – “ainda bem que você fez voto de pobreza, hein capelão!”. Ele ficou tão sem
graça que não sabia onde enfiar a cara. Eu vi seu desespero, fui ao socorro: – “padre, o
dinheiro é teu e paga o teu salário militar e não o teu trabalho evangelizador; assim, não se
chateia por isso”. Bom, tentei remendar. Estava já no CMO o primeiro capelão protestante -
capitão Ivan Xavier. Carioca tranquilo e de boa cultura geral. Não era dos evangélicos
chatos.
Quando cheguei a Manaus tinha outro mineiro como capelão. Tenente coronel –
Aparício. Era de boa cultura, mas não perdera a inocência de fala de homem rural mineiro.
Mas era bem ladino. Ele já estava há tempos no CMA. Penso que já no meu comando em
Rio Branco. Mas, como capelão, ele nem podia usar armamento e nem fazer curso
eminentemente de combate. Mas nem o Aparício e nem o CMA prestaram atenção nisso. E
lá foi o Aparício fazer curso de guerra na selva. Passou em todos os testes de seleção e
frequentou o curso até quase o final. Faltando quinze dias, veio uma comunicação de
Brasília informando o erro do CMA: capelão militar não faz curso de guerra na Selva (mas
faz paraquedismo!). O pobre foi desligado na ultima semana do curso. Ele tentou algumas
vezes solicitar ao Comandante do CMA a autorização para usar a “manicaca” de guerreiro
de selva, mas não deixaram. Eu particularmente achei uma pena. Na selva era uma fera.
Tinha um senso de orientação fenomenal. Sentia uma azimute errado na saída. Tinha um
defeito: fazia muito barulho e ria muito alto na selva. Isso ecoa a quilômetros. Assim, alguns
oficiais mais concentrados, se chateavam. Em frente ao grupamento, feito pelo grupamento,
há muito tempo passado, tinha uma capela. Bem pequena. Quando estava eu por lá,
resolveram ampliar a capela, passa-la ao capelão, e também fazer uma casa para o padre
ali morar. Isso porque o Aparício pediu um PNR, apesar de solteiro. Mas ele deu uma de
esperto: adotou duas filhas da sua lavadeira. Assim, ele passou a ter dependentes embora
não casado. Mas, as más línguas diziam que o padre tinha rolo com as mães das meninas,
e que adotando as pequenas, uma afilhada, ele levaria a mãe delas para morar com eles,
dada a dificuldade para criá-las, já pré-adolescentes. Então construíram uma casa ao padre.
E ele queria com três quartos e o grupamento queria com dois quartos no máximo. Ele
alegava que receberia visitas de familiares, de padres e capelães e teria que estar em
condições de abrigá-los. Acabou convencendo o general, claro, com a ajuda dos amigos. O
Aparício, autorizado pelo general, usava pistola. Fazia também Teste de Aptidão de Tiro. O
capelão era tido como mulherengo e também cervejeiro: tomava todas nos finais de semana
e frequentava locais que seriam incompatíveis ao padre. A desculpa dele: ia a esses locais
ver se não havia soldados ou outros militares em desordem por bebedeiras. Era um padre
muito preocupado!!!
Outro capelão que encontrei foi na manobra no Amapá. Era um 1º tenente capelão,
carioca, da 23ª Brigada de Infantaria de Selva. Estava se preparando para fazer curso de
paraquedismo e assim servir na Brigada Paraquedista e saltar de paraquedas. Usava um
revólver com um cano enorme, que chegava quase no joelho. O general sabia que ele não
podia usar armas, mas permitia. Todos os dias, lembrava ao padre que ele não poderia dar
tiro em ninguém. O padre corria todos os dias à tarde. À noite, desmontava e montava o
revolver. Mas isso todas as noites. O hilário da coisa foi quando uma vila, comunidade, pediu
uma missa e que o padre fizesse batismo coletivo, pois era difícil aparecer padre. Isso perto
de Tartarugalzinho. Feitos os contatos com a arquidiocese do Amapá e tudo autorizado, o
aprovisionador da Brigada comprou o vinho possível que encontrou, para missa. Na volta da
missa, o padre estava uma arara e fora reclamar com o general, pois o vinho era muito ruim
para ser de missa. O general deu uma engrossada e perguntou: – “você queria rezar missa
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ou tomar vinho; na missa o vinho é simbólico, então o vinho pode ser simbólico” . O padre
não se conformava. Achou que foi uma blasfêmia uma missa com vinho tão ruim.
Essas foram as figuras com quem me deparei. Tem um amigo que diz serem muitos
os capelães, homossexuais. As FA são um bom lugar para eles se esconderem.

Os desfiles de Sete de Setembro

Quando estudante, o meu professor de educação física era um tenente da reserva,


que quando na ativa, fez o curso de monitor de educação física, no Exército. Também era o
responsável pela preparação dos alunos, para o desfile de 26 de agosto, dia da cidade, e
para o dia sete de setembro. No desfile da cidade, o colégio competia com os colégios
particulares, todos com recursos financeiros, para alegorias, uniformes vistosos, bandas e
fanfarras volumosos e modernos. O nosso colégio era o Colégio Estadual Campo-
grandense. Como colégio estadual, tinha apenas bumbos e taróis. Todas as alegorias,
muitos dos instrumentos de fanfarra e tantos outros materiais eram doações dos alunos de
melhores condições financeiras.
Mas, no desfile de Sete de Setembro, o Professor de Educação Física, queria
simplicidade e exigia garbosidade, marcialidade e volume de aluno. Era uma tropa: coluna
por dez; alinhamento perfeito; cadencia e movimento de braços quase coreografados;
emoção à flor da pele; elegância no deslocamento; olhar no infinito; cabeça levantada, peito
estufado e barriga encolhida ( como dizia o professor Alcides Pimentel). Ali não desfilavam
os alunos: desfilavam brasileiros. E assim fui inoculado por essa doença cívica que não me
deixou até hoje. Digo doença por que, nos dias atuais, é pejorativo ter sentimento cívico. O
civismo foi morto pelas ideologias de esquerda.
Como soldado, desfilei em viaturas. Não era o que eu gostaria de ter feito.
Na academia militar, o desfile de sete de setembro era um evento de grande vulto.
Além do intensivo treinamento, o desfile era no Rio de Janeiro, com saída de ônibus, pela
madrugada, comboio com armamento, revista de uniforme, uniforme de gala com barretina,
luva branca, polaina, espadim. Enfim, algo com o qual eu nunca tinha imaginado que
pudesse tal coisa existir, mesmo nos meus melhores momentos de abstrações dos tempos
de estudante, de menino ou de adolescente sonhador. Mas, eu nunca desfilei como Cadete.
Parecia um castigo. É que eu era atleta. E com tal, na semana do sete de setembro, que era
também a das olimpíadas entre as escolas militares do Exército, Marinha e Aeronáutica, eu
competia na equipe de futebol. Como Aspirante sofri um acidente no joelho e não desfilei.
Como Tenente, passei o tempo todo na Amazônia e também não desfilei. E assim fui
acumulando faltas aos desfiles de sete de setembro.
Cheguei a Coronel e, pela minha função, Chefe do Estado Maior da Região Militar,
não iria desfilar. Ficaria no palanque oficial, com o uniforme de gala e minhas medalhas. Era
o último ano, na ativa. O comandante geral da tropa seria um General de Brigada da minha
turma e muito meu amigo. Falei com ele e contei a ele o até aqui narrado. Falei com meu
comandante também. Disse que gostaria de desfilar. Como ele conhecia meu entusiasmo,
até desmedido para a idade, autorizou. E eu fui o comandante de toda a tropa á pé: Exército,
Aeronáutica, Policia Militar, Bombeiro Militar e até as Policias Rodoviária Federal e Polícia
Federal.
Momentos antes do desfile, já no término do desfile estudantil, aos moldes do meu
tempo de estudante, embora agora menos marcial e mais alegórico, dei ordem ao corneteiro
que tocasse o “cessar à vontade”, isto é, que todos os comandantes de batalhões e frações
recompusessem a formatura. Nesse momento, para minha completa surpresa, chegou o
Japo, o doutor Asato, o meu colega de aula no científico, o meu colega dos cursos de cabo e
sargento. Não foi preciso dizer nada: olhamos-nos e, emocionados, nos abraçamos. Todos
orgulhosos, eu e ele. E coube a ele romper o silêncio: – “Quem diria, meu Coronel, vê-lo
aqui, comandante de tudo isso. A você, é um prêmio”. Eu não ouvi a voz do amigo, ouvi a
alma dele falar. Eu disse: – “e você faz parte dessa conquista. Farei esse desfile em sua
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homenagem. Japo, vencemos. E esse é meu último desfile. Graças a Deus, você apareceu,
de não sei onde, nem quem te mandou, mas fico feliz pelo amigo ter vindo me prestigiar,
mesmo sendo sem querer, mesmo que seja pela força do destino”. Passada as emoções, fui
com ele até ao General e apresentei-lhe o Japo. Não falamos nada ao General. Por mais
meu amigo que fosse o General, a ele não teria tanto significado do que, a mim e ao Asato,
o momento tinha. Desloquei-me para o meio da rua de onde a maioria dos comandantes me
veria, Asato na calçada, calcei as luvas, desembainhei minha espada, ajustei os
equipamentos, recompus o uniforme e dei ordem ao corneteiro, antes que a voz me sumisse
e os olhos marejassem: “Toque preparar para o desfile.” Um último abraço no velho Japo,
pois o General já se deslocara para a sua posição perto do palanque. Quando passei pelo
palanque, o cérebro esperava ouvir, como sempre ouvira: “agora o Colégio Estadual
Campo-grandense com sua fanfarra e o primeiro pelotão de alunos...”, mas ouvi: “inicia-se o
desfile da tropa a pé comandando pelo coronel de engenharia Higino Veiga Macedo. O
coronel é sul-mato-grossense de Terenos”. Terminei meus desfiles de Sete de Setembro, no
mesmo local em que comecei. Na mesma Rua Quatorze de Julho, estacionado após a Rua
Maracaju. Como o GADU me foi bom.

Os Garotos na AMAN

Nos primeiros dias de instrução, que a mim não era novidade, como também aos de
origem da escola preparatória, constatei a fragilidade de muitos dos jovens puramente
urbanos. É que, nascidos nessas megalópoles, foram criados sem ter colocado o pé no
chão. Muitos, não sabiam nem atirar uma pedra, coisa inadmissível para um jovem do meio
rural. Eles tinham medo de pisar em lama, de ficar com roupa molhada; ficavam em pânico
quando encontravam insetos comuns como aranhas, gafanhotos, traças. Eu logo cunhei,
para consumo próprio, um apelido: “Frango de Granja”. Os frangos de granja, não
conseguem andar no plano, no chão, por atrofia de seus músculos e pés. Como os frangos,
os jovens não conseguiam conviver com alguma coisa que tivesse terra, água, árvores,
animais. Usando o chavão, impertinente, da atual moda: eles não sabiam conviver com a
natureza. E a instrução militar, essencialmente prática, como deve ser, era um martírio para
aqueles companheiros. Durante as primeiras instruções de marchas, os instrutores
obrigavam, a todos, a se deitar em banhados, brejos, córregos... Os coitados se maldiziam.
Mas era uma necessidade para quebrar os paradigmas de mãe quanto a estar sujo,
molhado, embarrado e para aumentar a rusticidade e ajustar o corpo à rusticidade
necessária ao combatente. Na fase de adaptação, muitos desistiram porque eles achavam
que ser militar era só vestir farda e desfilar em público. Sofreram muito pelo desconforto de
dormir ao relento. O mínimo conforto que tinham em casa, mesmos os de origem mais
humilde, era luxo nas atividades de instrução militar. A rusticidade, a resistência à fadiga, a
capacidade de improvisação, o desprezo momentâneo com higiene eram paradigmas a
serem assimilados uns e mudados outros. A minha origem rude me permitia não estranhar
tais coisas e facilitava ser útil a muitos. Fui até “instrutor de atirar pedras”. Muitos
companheiros não sabiam atirar pedra e muito menos lançar “granada”, um conjunto que
pesava, no máximo, 200 gramas. Dada a dificuldades deles em arremessar a granada, na
distância mínima, íamos para o córrego (o Lambari), no bosque, para atirar pedras com o
peso parecido ao da granada. Incrível, a maioria, dos rapazes do Rio de Janeiro, não sabia
nadar. Nem, “nado cachorrinho” e todos morando, teoricamente, numa cidade de praia.
Engraçado quando, enchendo a boca, diziam onde moravam: “Moro no Riii” com seus
sotaques próprios. Os nordestinos, em geral, eram muito bons de instrução no campo.
Esses “frangos de granja” também tinham dificuldade em usar ferramentas de
trabalhos braçais. Não sabiam usar: machado, picareta, pá, enxadão, enxada, facão, foice...
Cortar uma madeira, com machado, era uma comédia pastelão. Nas instruções de
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fortificação de campanha, que era preciso fazer tocas e espaldões, os coitados calejavam a
mão toda ficando quase em carne viva. Eu tinha pena, mas também me divertia...

Os Mosquitos e as Abelhas

Assim que cheguei ao acampamento, de Feijó, fui recepcionado pelos mosquitos.


Mais particularmente pelos piuns. Cheguei de camiseta, que na época as camisetas eram
brancas. No 5º BEC, se usava, fora do regulamento, uma camiseta branca com o logotipo do
Batalhão. Apenas de camiseta, para os piuns era uma festa. Rapidamente senti um calor no
pescoço, uma ardência nos braços e logo as pintas denunciadoras de sua presença. De
gandola, o calor era sufocante. Sem gandola, os piuns eram insuportáveis. Com o ataque
contínuo, em certos momentos se chegava ao desespero com vontade de sair correndo,
entrar n’água, ficar sob uma fumaça, fazer qualquer coisa. E nessa “qualquer coisa” é que
morava o perigo. O recém chegado acabava por optar por repelentes absurdos como: graxa,
óleo diesel, óleo lubrificante e outro qualquer produto que aliviasse o ataque. Por muito
tempo, achei que o pium fosse um tipo de mosquito de família própria. Como os insetos com
asas são muitos, pensei que ele era particularizado, pela enorme quantidade ali existente.
Quando se fala em muito é muito mesmo. Deixava os locais como se estivesse sob neblina.
Era nuvem de mosquito. Na equipe de bueiro, quantas e quantas vezes, se retirava a
camiseta e ficava só de gandola e fazia da camiseta um turbante tendo apenas os olhos
livres o que não evitava do pium ferrar as pálpebras.
Agora, quando fui escrever sobre eles, resolvi dar uma olhadela na internet. Para
minha grande surpresa, o pium é o mesmo que borrachudo (Simulium pertinax). Esse já me
era conhecido, pela sua existência nas beiras de qualquer córrego da terrinha. Para muitos
são inofensivos. Entretanto, os “simulídeos” são “dípteros semelhantes a pequenas moscas
conhecidos como borrachudos e piuns, que são responsáveis, segundo a Wikipédia, pela
transmissão da oncocercose”. Isso são helmintos – vermes – que formam quistos
subcutâneos encontrados em várias partes do corpo (tronco, braços, cabeça, pernas). Os
piuns começam pela manhã assim que o sol nasce. À noite, particularmente no início da
noite ou do dia, entre cinco e sete da noite ou cinco e sete da manhã, vem outro elemento
terrível de se tolerar. É o bendito pernilongo que tem vários nomes: carapanã; mosquito;
muriçoca. É da família dos Culicidae. Há locais que tanto o pium quanto o carapanã atuam
juntos. Tive várias oportunidades de vivenciar isso. Para tomar as refeições, tinha que ser
sob mosquiteiro se não eles entravam no cardápio, por suicídio no vapor da comida. E isso
não era a solução. O carapanã, que incluem zilhões de tipos e muitos responsáveis por
doenças (malária, febre amarela, lechimaniose e o mosquito comum) tem por característica
de se deslocar voando. Sendo o mosquiteiro de filó (tecido) ele não consegue passar pelo
buraquinho com as asas abertas. Então dele se fica protegido. Mas o bandido do pium
aterrissa sobre o tecido, passa pelo buraco e vai picar o freguês que pensa estar protegido.
Em pouco tempo, o ponto sanguinolento, da picada do pium, vai secando e fica uma
casquinha. Assim a pessoa que ficasse com qualquer parte do corpo descoberta logo ficava
toda pintada como se fosse sardenta. Engraçado que, navegando pelos rios, as pessoas
que moravam nos beiradões, apareciam no terreiro com um tecido qualquer abanando. De
inicio eu achava que eles abanavam como uma forma de cumprimento. Depois fui saber ser
aquilo para espantar os piuns e que eles ficavam uma fera com os navegantes que
acenavam pensando que eram cumprimentos. Um fato interessante é que parece que corpo
se adapta ao ardume da picada. Assim, aquele desespero inicial ia se arrefecendo até que a
pessoa (o corpo) não sentia o incômodo, o que não impedia de ficar a marca. Quando, por
qualquer motivo alguém saia do ambiente por mais de um mês, ao voltar sentia o maltrato.
Segundo os peões, eles gostavam de “sangue novo”. Eu, depois do batismo, em outras
oportunidades, ficava de camiseta. Nos primeiros dois dias, os braços e pescoço
sangravam, mas logo o corpo assimilava o ardume e eu passava a conviver melhor. Caso
contrário era só adiar sofrimentos.
131
Sendo o mundo um teatro e a vida um circo, sempre tem coisa engraçada para se
apreciar por mais sofrido que seja o momento onde se esteja. Bom, pium chupando sangue
era uma constante, isto é, em todos os momentos. Eles sempre procuravam as partes moles
(a não ser os grandes, rebatizados de borrachudos, muito mais presentes em Rondônia que
no Acre, que conseguem chupar pela na sola do pé e deixar um fio de sangue escorrendo.
Eram criados à Toddy, particularmente os do rio Purus e no Madeira, nos locais de travessia
de balsa. Como o corpo adaptado, o ardor não era sentido. Então estavam sempre no
pescoço e na parte de trás do braço: tríceps, sovaco e abaixo do bíceps. Chupavam, se
enchiam e voavam e assim, como caças em um porta-aviões faziam a festa o dia inteiro.
Mas existia um marimbondo bem pequeno, no máximo três milímetros, bem amarelinho, que
os peões chamavam de “catepila” pela cor das máquinas. O pessoal regional chamava de
“Caba Amarela”. No Acre e Rondônia, marimbondo era conhecido como “CABA”, talvez
herança do nordeste e existe no dicionário. Pois bem, o pium cheio era predado por essa
abelha. Assim, quando o pium estava se enchendo, a “caterpila” aterrissava e capturava o
pium abastecido. Acontece que a “caterpila” sendo maior fazia “cosquinha” quando
caminhava nessas partes mais sensíveis. Aí, por ato reflexo, a pessoa fechava o braço ou
encostava a gola com a pele o freguês sentia a ferroada. Os mecânicos eram as maiores
vítimas. Debaixo de máquinas, sombreado as nuvens de piuns eram intensas e junto as
caterpilares. Então era um festival de: ai, ui, filha da... que m... o tempo todo. Parecia uma
sinfonia de reclamações e palavrões.
Voltando aos carapanãs, eram muito abundantes, mas não tanto quanto eu conhecia
no Pantanal, na região do Nabileque. Mas, como lá, no Acre tinha uns tipos graúdos, com
uma cor quase furta-cor, muito próximo da cor azul cambiante das antigas lâminas de
barbear Gillette. Eles eram graúdos e com um ferrão respeitável. Transpassavam redes,
calça e gandola de instrução. Não tinha roupa que aliviasse sua ferrada. Quem não tivesse
mosquiteiro simplesmente não dormia. No escurecer e no alvorecer era um inferno.
Com tais carapanãs, voavam os benditos dos anofelinos, que se contaminados
acabavam com o grupo: disseminavam a malária. O mosquito é o Anopheles com uma gama
enorme de tipos. Ele, ao picar e chupar o sangue de uma pessoa contaminada transmite os
plasmódios ao seguinte. O nome científico é Plasmodium. As espécies habitualmente
identificadas como causadoras da malária são: Plasmodium vivax, Plasmodium falciparum,
Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. Aprendi a identificá-lo quando chupando o
sangue: ele tem as patas traseiras muito altas e com uns traços horizontais brancos. Por
isso ele fica num ângulo de mais de sessenta graus. Ao estar cheio e voar bem lento, fica
fácil de caçá-lo. Voa com o bico bem elevado com se fosse um avião Concord. É até bonito.
O mosquito normal fica posicionado na posição de trinta graus no máximo. Sua larva fica na
horizontal ao tomar ar. O mosquito normal fica angulado. Como disse, os pernilongos
atacam mais no amanhecer e no entardecer. O grande trunfo, nos locais que tinha
contaminação era não se expor nesses horários. Tomar banho só até às dezessete horas ou
depois das vinte horas. Para completar a família dos pernilongos, embora eu não o tenha
identificado, lá na mata, a forma selvagem e sim seu semelhante urbano, o Aedes aegypti,
responsável pela “febre amarela”, na forma selvagem e pela “dengue” na forma urbana.
Havia ainda o Meruim, que no sul é o mosquito-pólvora – “porvinha” como diz o
caipira. È tão pequeno que quase não se vê a olho nu. Mas se sente rapidamente o efeito de
seu ataque. Eles se posicionam no “pé” do cabelo ou de qualquer pelo. Essa praga faz
nuvem. Como são milhares ao mesmo tempo, parece que o corpo está pegando fogo. Dá
um desespero.
Para encerrar, havia o Catuquina, mosquito palha, e outros nomes que tem. É de
difícil identificação no campo, mas que produz um mal terrível: a lechimaniose.
Quanto às abelhas, além da “catepila”, com diziam a peonada, que lá era “peãozada”,
tinha a “abelha preta”, que em Mato Grosso do Sul e fronteira se chama “Arapuá”. È uma
abelha que faz seu ninho em árvore e, não sei da mesma família, faz também em
cupinzeiros abandonados. Julgo ser uma grande polinizadora. Não tem mel e nem ferrão.
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Apenas um sistema de mordedura como formiga de roça, o suficiente para perturbar, mas
sem sangrar. Quando se ataca seu ninho elas enrolam nos cabelos, entram pelo nariz e, o
grande perigo, entra no ouvido deixando o freguês maluco, pois até que morra, fará um
barulho infernal no ouvido. Bom, no trecho elas estavam presentes muito mais pelo suor do
peão que em defesa de seus ninhos. Assim atacava de milhares. Nem fumaça resolvia.
Nessa maluquice de 1973, uma escreiper ficou abandonada porque não se conseguiu trocar
um pneu devido ao ataque das abelhas pretas. E elas têm uma cera no corpo. Se alguém
esmaga uma, aí todas viram inimigas e parte para o revide. Para cada abelha esmagada,
milhares outras chegavam. Se se esmaga, mais fica no nosso pêlo aquela cera que nem
sabão consegue tirar. Também o macete era retirar a camiseta e fazer um turbante, mas
para essa abelha teria que fazer um buraco bem pequeno: furar a camiseta com cigarro
aceso. Assim, a abelha preta começava como exploradora do suor e terminava como
agressora.
Tem outra abelha que na terrinha é conhecida por “marimbondo tatu” e na região
como “caba tatu”. Elas fazem seu ninho em madeira seca e parece com o casco de um tatu
de tamanho variável. Quando alguém esmaga seu ninho elas perseguem por mais de
quinhentos metros. A ferroada é algo perto do insuportável. Um soldado, um dos melhores
operadores de trator D/7, estava fazendo uma limpeza para terraplenagem quando atropelou
um ninho de caba tatu. Quando vi, o soldado abandonou o trator e saiu correndo. O trato
desgovernado entrou mata adentro e eu correndo atrás para desligá-lo. Acabou enroscando
a lâmina num barranco e parou. O soldado levou três ou quatro picadas. Foi o suficiente
para ficar com três dias de febre e o rosto deformado por duas picadas. Uma picada na
bochecha, perto dos lábios, deixou este tão inchado que ele não podia comer e nem cuspir.
Conseguia no máximo babar. Cheguei a acionar o MGG para levá-lo para Rio Branco.
Pensei que morreria.

Os Peões e o Cipó

Um problema que quase se torna sério era o consumo de “cipó”, pelos peões.
Subindo o Rio Envira, a dois Km do porto de Feijó, havia uma maloca de índios aculturado
ou “culturado com civilizados” ou, como queiram, com costumes de brancos. A etimologia de
aculturado é enrolada, vindo do anglicismo, mas formada por raízes latinas e prefixo grego.
Pelo dicionário, pode se ver: a+cultur+ado. Pelo prefixo “a”, grego, dá para entender que
esse “a” quer dizer negação: então é a negação da cultura primitiva, para melhor ou para
pior. Mas a indiada era bem civilizada. O grande líder (cacique) na época era o Seu Inácio,
já com uns oitenta e tantos anos, seguido por seu filho Bruno (cacique herdeiro), já com uns
sessenta anos e bote força. O Seu Inácio fora recebido por Getulio Vargas e ganhou não só
uma terra demarcada como também ferramentas para lavoura, várias vezes. Segundo os
maldosos, mas não muito, venderam ou trocaram por roupas, cachaça, armas, motores de
popa e por aí a fora. Mas, eles eram Caxinauá, descendentes de incas, dedução minha, pois
cultuavam o uso do “cipó”, nome dado por eles mesmos a um chá. O CIPÓ era uma
combinação de uma folha colhida, por eles, num determinado dia do ano, com uma raiz,
também colhida num determinado dia do ano. Aquilo era armazenado e, de tempo em
tempo, era feita a cerimônia de tomar o cipó, de tomar o chá. Em Feijó, havia muitos
brancos, autoridades, que iam para a aldeia tomar cipó com os índios. Segundo seu Inácio,
contado em meu acampamento, que na verdade fora ali pedir cinqüenta litros de óleo diesel,
a tradição remonta a seus ancestrais antes de contato com brancos, onde eles usavam o tal
chá. Se algum guerreiro de uma tribo inimiga assassinava um elemento de sua tribo e entre
elas mantinham-se “centenares” anos de guerras, a tribo se reunia, aos cuidados do pajé, e
tomavam o cipó. As visões alucinativas permitiam que se visse quem fez o assassinato e de
qual tribo era. Os brancos, com familiares longes, tomavam o cipó para viajar
espiritualmente e rever elementos da família. Fui convidado algumas vezes, mas nunca tive
coragem. A cerimônia era mais ou menos assim. Todos se reuniam num galpão, com gente
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sentada em bancos ou no chão para onde o pajé trazia a panela, com a infusão. Começava
uma cantoria indígena, puxada pelo pajé. A um certo momento, era distribuído um copo de
vidro tipo americano com o chá. Segundo o pessoal era muito amargo e não raro provocava
vomitório imediato. Quem vomitasse repetia a beberagem. As mulheres não participavam do
ritual. Bom depois de uns quinze vintes minutos começava fazer efeito. As pessoas que
estava antes calma, serena e de bem com a vida, via coisas lindas, cidades iluminadas,
pessoas amigas antigas, pais, mães, mesmo mortos. Via passado e futuro. Era uma viagem
em que a pessoa ficava vendo tudo: banco, buraco, fogo, água, cachorro e junto via também
o paraíso. Os que estivessem preocupados, perturbados e nervosos, viam cobra grande,
jacarés tentando engoli-lo, latido de cachorro, mas saído de um bicho parecido com um
jacaré... Era um constante pesadelo. O pajé não bebia o cipó. Ele continuava cantando e
cuidando daqueles que, por motivo de alucinação tenebrosa, queria correr, se maltratar ou
fugir. Depois de umas seis horas o efeito passa. Numa manhã quando eu ia para o
acampamento, num sábado encontrei um filho do vizinho, parado no meio da rua, já próximo
de sua casa. O efeito acabava de dar uma recidiva e ele estava tocando violão. Quando
perguntei o quê fazia, ele me reconheceu e disse que, das cordas do violão, saia chispas de
fogo colorida e não som. Levei-o até sua casa e o deixei no portão, mas ele continuava a
tocar.
Mas o perigo era com o meu pessoal. Numa segunda feira, um dos operadores,
conhecido por Acreano, saiu de cima do trator funcionando e saiu correndo, se batendo com
o chapéu. Depois correu e subiu na máquina e a estancou, mas continuou a se bater com o
chapéu e com os braços. Fui até ele e perguntei o que acontecia. Ele respondeu que um
bando de borboletas grandes o estava atacando. Perguntei se tinha tomado cipó na noite
anterior e ele me confirmou isso, mas que à meia-noite o efeito já tinha passado. Mandei que
ele passasse o trator a outro operador e ele terminou aquele dia auxiliando a mecânica.
Esse mesmo ritual foi copiado pelos brancos e sempre tem esperto, fundaram uma
religião que tem alguns nomes: ayahuasca ("vinho das almas", em quíchua, na língua dos
incas peruanos); Santo Dai-me; União dos Vegetais (UDV) e outros. Mas as de maiores
influência nos brancos são: Santo Dai-me e União dos Vegetais. Cada uma se apresenta
como sendo a mais importante. Todas elas angariaram ditos intelectuais, atores, cantores,
pintores,escritores e outros. Hoje há filiais pelo mundo inteiro dessas praticas agora
religiosas.
O “Santo daime” veio via Acre. Não há uma data precisa do seu nascimento. Foi
fundada por um cidadão, negro, que se diz neto de escravos e que veio para o então
Território do Acre e se instalou em Brasiléia, cidade na fronteira com a Bolívia. De Brasiléia
facilmente se chega a Assis Brasil, também Acre e daí ao Peru. Lá na Bolívia, até hoje a
maioria dos seringueiros na Bolívia são brasileiros, o senhor Raimundo Irineu Serra nascido
em São Vicente Ferret, no Estado do Maranhão em 1892, aprendeu a usar o tal chá, com o
nome de ayahuasca e que em Feijó a indiada chama até hoje de cipó. Passou a chamar
Santo Daime porque durante a abertura da cerimônia são repetidas as palavras: "dai-me luz,
dai-me força e dai-me amor!". Essa religião, via Acre tem forte influencia católica porque o tal
fundador, conhecido hoje por MESTRE IRINEU, falecido em 1971, recebeu essa Doutrina
através de uma aparição de Nossa Senhora da Conceição, em uma das primeiras vezes que
tomou a bebida em Brasiléia.
A outra religião, que está nessa disputa de ser a primeira e principal, é a UDV – União
dos Vegetais. Foi fundada por José Gabriel da Costa, nascido a 10 de fevereiro de 1922, na
localidade Coração de Maria - município de Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Foi para
Salvador e depois se alsistou como Soldado da Borracha e foi dar com os costados em
manuas e depois em Porto Velho, naquela época capital do Território Federal do Guaporé
onde trabalhou como enfermeiro em hospital público e conheceu Raimunda Ferreira, dona
Pequenina, sua esposa. Como Rondônia era muito ruim de seringal ele cabou se
deslocando para os seriguais bolivianos, a partir de Guajará-Mirim. Foi um destes seringais
que entrou em contato com a bebida, certamente por meiode alguns índios e ou seus
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descendentes, experimentando ali o vegetal, pelas primeiras vezes. Ainda em território
boliviano, ao lado de Dona Pequenina, Mestre Gabriel criou, a 22 de julho de 1961, a União
do Vegetal. Está é a vertente via Rondônia. Quando servi em Porto Velho, e até hoje tem,
perto do quartel uma comunidade dessa UDV. Tive oportunidade de conhecer
frequentadores de lá, funcionários do Batalhão, oriundos da Estrade de Ferro Madeira-
Mamoré que contou alguma coisa assim: o senhor Mestre Gabriel na verdade foi para a
Bolívia corrido da políca de Porto Velho. Essa religião tem uma mistica ligada às ordens
esotéricas com sinais de reconhecimentos, passados aos mestres. Eles se dizem serem
discretos e não secretos. Não fazem propaganda da religião e nem vendem o chá ou os
vegetais como a outra faz para que seus adeptos levem para outors esatados ou países.
O Santo Daime tem sua Meca. É o local é conhecido como Céus de Mapiá. Fica à
margem de um igarapé, afluente do Rio Purus e desemboca perto da cidade, do Amazonas,
de Boca do Acre, com o nome de Igarapé Mapiá. Foi fundada uma comunidade como se
fosse uma das vilas hippies, da década de sessenta com presença de estrangeiros,
políticos, e todos os de sufixo “ores”: escritores, atores, cantores, pintores... Ali, além da
prática dos ritos, elas também cultivam as plantas e comercializam o material para o mundo
todo. É uma fonte de renda para a comunidade.
Os vegetais que compõe o chá, que os índios de Feijó chamavam de cipó, são: a
CHACRONA (Psychotria viridis) um arbusto que fornecesse as folhas; o cipó JAGUBE
(Banisteriopsis caapi). A composição é descrito como alucinógenos ou enteógenos (que
proporcionam a sensação de contato com o divino). O alcalóide dimetiltriptamina (DMT)
presente nas folhas da chacrona aumenta os níveis de serotonina do cérebro,
proporcionando o êxtase e, segundo os usuários, a cura, o autoconhecimento, o encontro
com Deus, isto é, produz uma expansão de consciência responsável pela experiência de
contato com a divindade interior, presente no próprio homem. Quando misturadas e
ingeridas, as plantas atuam no sistema nervoso central, provocando efeitos comparáveis aos
do cogumelo e do cacto peiote (Lophophora williamsiii, popularizado pelo escritor Carlos
Castañeda em obras como A Erva do Diabo). A Chacrona é também conhecida por Folha
Rainha.
Mas, a Polícia Federal de Rio Branco tinha um farto “dossiê” do assunto. Não ficou
provado que provocava dependência química ou psicológica. Entretanto, havia uma
comunidade que servia, antes da cerimônia, um chá dessa “erva rainha”, que a polícia
afirmavam não ser a Chacrona, mas sim maconha. E era servido indiscriminadamente até
para crianças. Havia uma estória que, caso a criança fizesse peraltice, a mãe ameaçava
dizendo: “hoje você não tomará chá” – e a criança se derretia em choro pelo castigo de não
tomá-lo nesse dia. O chá era viciante. A ação do cipó, como alucinógeno, é tão violenta que
ilude o cérebro. O caso do meu vizinho em Feijó, por exemplo, estava havendo uma
completa inversão em seu cérebro. Aquilo que era sonoro, o cérebro estava entendendo
como visual. Por isso ele via o som e não ouvia o som.
Assim, tentei explicar bem sobre o cipó, porque sempre há curiosidade sobre ele e
que às vezes atrapalhava o bom andamento do meu serviço. Ainda existem tribos que fazem
uso desse chá do cipó em seus rituais de cura, cerimônia de iniciação e cerimônia de
batismo, por assim dizer feito para crianças recém nascidas.
A visita dos Índios
Quando relatei sobre o uso do cipó, disse que o cacique dos índios Caxinauá, Seu
Inácio, fora a meu acampamento pedir, como doação, alguns litros de óleo diesel: a bagatela
de mil litros. Acabei por ceder cem litros. Depois de um mês, pareceu no acampamento,
para conhecer, um rapaz índio da tribo do Seu Inácio, de uns vinte e cinco anos. Esteve no
acampamento perto da cidade e foi até ao acampamento da terraplanagem. Chegou de volta
já na hora do almoço. Bom, eu o convidei para almoçar. Já no final, o sargento encarregado
do acampamento, vindo do trecho, me chamou e disse: –“Tenente, o senhor arranjou uma
bela encrenca. Esses índios nunca mais vão sair daqui”. No outro dia, chegaram uns quinze,
já na hora do almoço. Avisei ao pessoal que iria mandar o caminhão e que o almoço seria no
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acampamento, da terraplanagem, naquele dia. É que tínhamos pouca gente no
acampamento da cidade e assim ficou fácil a manobra. Deixamos a indiada sem comida e
sozinho no acampamento. Depois procurei saber por que eles agiam assim. Pelas tradições
do cerimonial protocolar e social daqueles índios, se alguém convidasse um elemento da
tribo, teria que convidar todos os que tivessem ascendência hierárquica sobre o convidado.
Assim, se convidasse o tenente, teria que convidar da próxima vez até ao coronel. O tal
índio que eu convidei era neto ou bisneto do cacique e era o décimo quinto ou coisa
parecida, na hierarquia. Assim, acima dele, até o cacique, deveria ser convidado.
Que bela fria que entrei.

Os Regulamentos

Dos que se prendiam muito ao regulamento, desde soldado, notei que isso era próprio
dos possuidores de dois tipos de personalidades. A primeira, a dos fracos, de personalidade
dúbia, que por não ter capacidade de defender suas ideias, nem pela teoria, nem pelo
espírito prático, apelavam para o regulamento. Era o que, até major, eu chamava de
“covardia regulamentar”. Mais tarde mudei para “Omissão Legal”. Era mais difícil errar e
mais fácil justificar o erro cumprindo o regulamento que arriscar fora do regulamento. E tem
muito chefe, se não a maioria, que prefere erro, mas dentro do regulamento, que ter a
obrigação de pensar e ter juízo de valor sobre o ato: se foi correto ou não, dentro ou fora do
regulamento. A segunda, é o dos arbitrários. Para justificar suas arbitrariedades,
rapidamente vociferam estar agindo dentro dos regulamentos. Geralmente impõe-se mais
pela capacidade de gritar que de argumentar. E me foi dado ver que, na maioria das vezes,
estavam é muito fora do regulamento. Como os subordinados eram esmagados pelos gritos,
não ousavam verificar se realmente tudo fora feito dentro do regulamento. Usavam o
regulamento para blindar suas artimanhas.
Há uma estória o suficientemente verossímil para ser história. Até meados da década
de setenta, do século passado, os pagamentos eram feitos em dinheiro e dentro do quartel.
Cada companhia era responsável pelo pagamento do seu pessoal. Era separado, cada
pagamento, e os dinheiros colocados em envelope. Isso permitia alguma berrante
arbitrariedade dos “despossuídos” de sensatez. É que sempre inventava uma cota qualquer
para descontar dos soldados, além da fatídica lavagem de roupa de cama, corte de cabelo,
quite de higiene e limpeza. Na época, tais recursos permitiam ao Comandante da
Companhia melhorar suas instalações como: pintura, sempre uma inútil sala de estar com
alguns jogos, material de limpeza e, mais modernamente: televisão, aparelho de som, DVD.
Infelizmente, muitos faziam isso para mostrar ao Comandante, no que muitas vezes era
aplaudido como “brilhante” iniciativa. Esqueciam, os dois, que a obrigação era do Estado.
Então, um capitão recém-chegado, chamou o encarregado dos pagamentos e perguntou
sobre as economias da Companhia. Disse-lhe o sargento “furriel” (do francês - fourier –
“oficial da corte encarregado de garantir alojamento”) - quem fazia a folha de pagamento -
que todo o dinheiro ficava com o Subtenente, encarregado de todo bem patrimonial da
subunidade. O Capitão chamou a este e disse (colocando na mesa uma bíblia, uma
constituição e o RDE - Regulamento Disciplinar do Exército): – “como sou cristão, me guio
pela bíblia; também sou brasileiro e por isso a constituição é a minha luz e como militar nada
faço além ou aquém do que está no RDE; assim, Subtenente, de hoje em diante todo o
dinheiro da Companhia fica na minha mesa”. Três meses depois o Capitão estava
respondendo inquérito, por desvio dos recursos da subunidade. Então, dos que desfiavam
regulamento, a todo o momento, nos lugares onde servi, eu procurava saber que tipo de
pessoa tinha à frente. Quando fui comandante, acabei por cunhar um aforismo:
“REGULAMENTO – é um instrumento para REGULAR; REGULAR é alguma coisa que está
abaixo do Bom - Cruzeiro do Sul, 31 Ago 92”. Até que o interessado entendesse que há
mistura de verbo com substantivo, deixaria de falar em regulamento, por um bom tempo.
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Tirando os “regulochatos”, as regras são necessárias para, no ponto de partida,
uniformizar procedimentos, estabelecer padrões de conduta, estabelecer padrões
desempenho. Como toda coisa que estabelece limite ao ente humano, ela é genérica e,
portanto, é impossível enquadrar todas as necessidades. Entretanto, se a atividade funciona
a contento onde todos sabem “o que” “como” e “quando” fazer, os regulamentos só
atrapalham. Então, o que me foi dado observar é que os regulamentos são necessários para
os inícios das atividades ou para um iniciante de uma atividade. Ou, quando por intrigas,
desacertos e incompreensões a atividade entra em fase caótica, aí se recorre ao
regulamento para restabelecer a ordem e a coisa funcionar, no mínimo, de forma “regular”.

Os Serrotes

O Tenente que me passou as funções me fez uma recomendação sobre o Serrote. “–


olha vou lhe passar o nosso Serrote mais inteligente que temos aqui; quero que você,
enquanto estiver aqui, tome conta dele como filho”. Perguntei o que era “serrote”. Eram as
pessoas que trabalhavam pela comida, me explicou. Pela gíria, pelo popular, “serrar” é filar,
usurpar parte de algo que se come. Talvez tenha tal semântica, por derivação, entendida
com o sentido de: serrar um prato de comida, um lanche ou sanduíche; seria dividi-lo, cortá-
lo, serrar ao meio. Tais pessoas não podiam ser contratadas por algum motivo que veremos.
Em particular o menino, que tinha uns dez anos, de compleição física que denotava
desnutrição quando menor não poderia ser contratado. Era muito esperto. Tomava conta da
hospedaria varrendo, limpando o quintal e outros “mandados” (comprar cigarro, bolacha e
algumas besteiras mais) com diziam o pessoal do lugar. Depois ia para o acampamento
comer. Se os Ministérios de governo vissem isso todos estaria na mídia. Mas o menino
assim sobrevivia. Sua mãe morava na cidade, mas pouco poderia fazer por ele. Pouco podia
fazer por ela mesma. Nunca eu lhe perguntei sobre pai. O tenente que saía me recomendou
o menino com medo talvez de eu mandá-lo sair do acampamento. Se acontecesse um
acidente com ele no acampamento, o chefe estaria em maus lençóis. Mas ficou lá comigo
até o final. Na verdade ele foi repassado para outro Tenente. Quando saímos de Feijó, o
motorista que dirigia meu jipe, o JP1, acabou por levá-lo para Manoel Urbano numa das
últimas pernas do MGG. È que tal funcionário que acabara por se casar (2ª vez) em Feijó, foi
escalado para o rescaldo. Eu já estava em outras paradas. De Porto Velho, eu o repassei a
este novo tenente que chegara em 1975 e ficara em Manoel Urbano – MUrbano como era o
indicativo de rádio. Este menino, na época, entendia de tudo no acampamento: gerador,
dirigir jipe, o que lhe valeu quase uma expulsão, por pegar o jipe sem autorização embora a
finalidade fosse nobre: lavá-lo; dirigir trator de esteira e até escrêiper; operava rádio, a voz,
sabia o alfabeto internacional completo; entendia de tipos de óleo, de graxa; conhecia
ferramentas. Há quem afirmava, mas eu não vi, senão seria chamada a sua atenção, que
chegou a pegar uma escrêiper e fazer várias viagens com ela, no ciclo. Como não tinha
altura, para pisar no acelerador, sentado no banco e ver à frente, ele operava de pé. Além
de interessado era inteligente. De MUrbano, o menino, fora levado para Porto Velho, junto
com a Companhia, quando essa saiu de MUrbano e Sena Madureira, aí dividida em PC
Avançado e PC Recuado, e foi instalada no km 8 na saída para Cuiabá, junto a uma granja
da 17ª Brigada de Infantaria de Selva e paiol de munição. Em 1976, o Batalhão começaria a
trabalhar com asfalto. Bom, reencontrei o menino em 1978, quando retornei ao 5º BEC. A 3ª
Companhia ainda estava aquartelada no Km 8, mas se preparando para Caritiana, ás
margens do Rio Javari, próximo a Ariquemes. O menino seguiu junto. Volto novamente, em
1984, para o BEC e aí o menino já tinha idade e já era contratado como funcionário civil,
embora eu não saiba a partir de quando. Depois de contratado, deixou de ser adotado por
tenente. Não tenho muita certeza, mas o último parece ter sido um tenente descendente do
Marechal Rondon, Asp Of de 1974, ainda em Caritianas. Em Caritianas, o menino, como
sabia de tudo: de elaboração de documentos de apropriação até os controles de material,
diziam que ele já teria sido tudo na companhia: de chefe de campo até substituto da
137
Subtenência num intervalo de saída de um e chegada de outro subtenente. O Menino só não
fora Comandante da Companhia. No final da década de 1980, o danado foi trabalhar no
BAMERINDUS, me parece, na área de informática. Depois disso, tive a oportunidade de
encontrá-lo uma vez quando eu comandava em Rio Branco. Assim, vi um “Serrote” chegar
até funcionário de Banco.
Outro que encontrei em Feijó era um adolescente, seringueiro que abandonara a casa
dos pais para tentar a vida em Feijó, particularmente nos trabalhos com um dos batalhões.
Nunca soube quem eram seus pais, nem onde moravam. Era baixo, no máximo um metro e
sessenta, franzino, com falta de vários dentes. Rosto sofrido que demonstrava ter mais
idade que tinha. Esse começara como “mão pelada”. Fora para MUrbano, como o foi o
anterior graças ao motorista já referido. No período que saí do batalhão, houve um
reajustamento de área de atuação do 5° e 7° BEC. A 2ª Cia do 5º BEC, que estava em Rio
Branco, fora recuada para Abunã, novamente. As instalações de Rio Branco foram
ocupadas pelo 7º BEC. E junto fora até o comandante da companhia. Com isso foram
transferidos o já capitão, os tenentes, os sargentos, os cabos e funcionários civis. O tal
adolescente, pediu demissão em Porto Velho e pediu contratação em Rio Branco. Desde
que saíra de Feijó fora serrote mão pelada. Em MUrbano, passou a auxiliar de mecânico. No
início dos trabalhos de asfalto, fora pupilo do velho KID. Nesse período foi auxiliar de
mecânico, particularmente de material rodante (esteiras, roda guia, roda motriz, roletes e
comandos finais). Um serviço brutal porque as peças são pesadas e os torques nas porcas e
parafusos chegam a quinhentos quilos. Além da sujeira, do barro ou da argila ressecada.
Bom, fui reencontrar o jovem, agora com alguns cabelos brancos, mas profissionalmente era
mestre de mecânica. Era o mecânico chefe, de material rodante do 7º BEC sob meu
comando. E uma surpresa maior e gratificante quando eu andava pelo quartel e passei pelas
oficinas da companhia de equipamento. Lá estava o jovem com um catálogo de material
rodante, em inglês, fazendo pedido de material. Quase tive um acesso de riso, mas me
contive. Troquei idéias com ele, peguei o catálogo para que ele me explicasse qual o
material que pedia e ele o fez com desembaraço. Contei a história ao comandante da
Companhia e pedi que acompanhasse os pedidos de peças. Depois de alguns meses
perguntei sobre os pedidos de peças do mecânico: Disse o capitão que nunca detectara
nenhum erro. Vi um “serrote” e “mão pelada” chegar a mestre de mecânica. Somente num
BEC é possível isso.
Na mesma leva de serrote, estava um adulto. Seringueiro. Viajou, segundo ele, dois
dias pela mata, vindo da direção oeste. Também não me lembro de qual seringal. É que, na
época, o número de seringais falidos eram muitos e os seringueiros ficaram na miséria,
maior que a miséria que viviam. Deixou mulher e filhos para se aventurar em alguma coisa.
Também era de compleição física frágil, com algum de feito no tronco pois seu tronco era
muito pequeno para o comprimento das pernas. Sua altura não chegava ao um metro e
sessenta e cinco. As pernas eram muito arqueadas. Com certeza não passaria na inspeção
de saúde para ser soldado. Tinha já uns trinta anos, rosto encaveirado, sofrido e
desgastado. Trazia alguns fios de cabelo branco, o que denotava um envelhecimento
precoce. Tinha uma enorme capacidade e habilidade de andar na mata. Fora escalado,
várias vezes, para cortar “estroncas” para a equipe de bueiro. Era “serrote”, mas logo
passou a trabalhar como meloso, mesmo na situação de serrote. Em algum dia do mês,
fazia-se um farnel e ele levava para a família. Depois que foi para MUrbano, como foram os
dois anteriores, de MGG, não sei mais como ele fazia isso. Mas, em MUrbano, o tal
motorista providenciou seus documentos em Rio Branco. O motorista me contou anos mais
tarde, que tanto o mestre mecânico como o auxiliar de meloso não tinham nem registro. Em
conseqüência, nem os filhos tinham registros. Depois de um tempo, com o dinheiro que
ganhou como contratado, foi a Feijó à pé, de MUrbano, mais ou menos cento e cinqüenta
quilômetros, e trouxe a família de avião. Por conhecimento em Rio Branco, esse motorista
engrenou alguém para apanhá-lo no aeroporto e deixá-lo em algum lugar para chegar até
MUrbano. Mais tarde conto melhor a história do motorista. Na transferência de Murbano para
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Porto Velho, o batalhão levara sua família. Trabalhou algum tempo no km 8 e chegou a se
mudar para Caritiana. Numa leva de demissão ele foi para a degola. Além de não ter um
desempenho bom, por tudo que era e de onde viera, passou a ser também um alcoólatra.
Soube, não sei por quem, que ele falecera por alcoolismo. A sua família não sei como se
arranjou por Porto Velho. Nem tive oportunidade de conhecer os filhos. Assim, vi um
seringueiro sair dos confins de um seringal e chegar a uma capital. Seus filhos, que era
apenas animais homo sapiens, passaram à condição de cidadãos brasileiros.
Um quarto “serrote”, que na verdade tinha mais um irmão, ficou por Feijó. O seu irmão
era muito devagar nas coisas e pouco ia ao acampamento, pois ninguém gostava de pedir
algo a ele, pois não se esforçava para agradar ou cumprir o que deve se esperava. Esse
quarto “serrote” tinha pai e mãe, mas como estudava à noite, ia serrar o almoço no
acampamento. Era bem esperto. Um mulato franzino, mas muito ativo e pronto para
qualquer parada. Era um belo projeto de homem. Trinta anos depois fui encontrá-lo ainda
em Feijó, mas agora era líder ruralista e naquele dia do encontro estava prevista uma
passeata com possibilidades de confronto com a polícia. Ele era o cabeça do movimento.
Ficamos de ir até a comunidade dele, mas por algum motivo isso não foi possível. Mas um
dia irei.
Assim, assisti ao sucesso dos quatro serrotes que recebi do Tenente, hoje como eu,
coronel. Como nunca mais tive contato com ele, talvez não saiba do sucesso dessas
pessoas que na verdade tal sucesso começara com ele.

Os Soldados depois do Expediente.

Levei muito tempo para conceber o que passo a narrar. E o que direi de soldados é o
mesmo para os cabos e para alguns sargentos. No momento em que escrevo minhas
experiências, de segundo tenente destacado em Feijó, completamente isolado, ao recordar
a mudança do acampamento, da equipe de terraplenagem, lembrei-me das mulheres, e
filhos, dos cabos e soldados que acompanhavam os maridos. Passei quase uma semana
meditando sobre isso. Juntei outras experiências como as dos soldados abandonados no
hospital de Porto Alegre e as de comandante na transferência do 7º BEC. Ao pensar no caso
vieram com tanta clareza o desassombro com que as mulheres em Feijó faziam seus tapiris
e fazia suas mudanças sozinhas. Veio também em mente os rostos inseguros dos soldados
que não sabiam a quem recorrer, mas minados de maldade querendo um jeito de ser
reformado, em Porto Alegre; e os rostos, quase assustados pela insegurança, com
semblantes de súplicas, das mulheres dos sargentos quando eu os reuni, maridos e
mulheres, e disse que iríamos para Rio Branco e eu não tinha nada a oferecer e muito
menos o Exército. Eu mesmo iria com a mudança na cabeça e sem ter onde morar e, como
eles, com filhos em escola. E também a insegurança dos cabos e soldados estabilizados e
funcionários civis que não acompanhariam o 7º BEC para Rio Branco. Era uma transferência
de unidade em situações dificílimas, e talvez a mais difícil, em tempo de paz, que se tenha
realizado nos últimos séculos. Tal transferência, assim eu a senti e assim eu mais me
convenço a cada dia que o foi, embora nunca ninguém me tenha pedido que a descrevesse.
Muitos assistiram comodamente de longe para não se comprometer. Juntando as três
coisas: os soldados abandonados, mudança das mulheres dos soldados em Feijó e da
transferência do 7º BEC, senti uma enorme vergonha de mim e da instituição, tão milenar na
existência, rica nos feitos e tão inexperiente no trato com seu pessoal. Talvez a coisa que
tenha me inspirado pensar nisso foi por estar relendo Leon Tolstoi na esperança de colher
alguma sugestão de nome, para o futuro neto. Nessa obra, Guerra e Paz, as condições dos
soldados, dos camponeses, dos mujiks e da população em geral são simplesmente infames.
A vergonha de mim mesmo foi pela pouca inteligência que tive, para observar isso antes e
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poder tentar mudar, melhorar, mostrar, sugerir alguma coisa. Ainda me vindo sonhos com os
expedientes, com as formaturas, com as fardas, nos meus santificados sonos, o que
comprova ainda a minha dependência psicológica e que continuo ligado à instituição, só
agora, dei conta de como submetemos nosso soldados a duras provas, mas não sabemos
quem são eles. São uns invisíveis. Fazemos tanto pela Pátria, o que é justo e perfeito, mas
não os incluímos entre os patrícios; fazemos tanto pelo governo, mas não os consideramos
integrantes; fazemos tanto pela região, mas não os incluímos como regionais; fazemos tanto
pelo município, mas não os consideramos como um interessado nele, mesmo sendo
autóctone; fazemos tanto pela arma, mas apenas dissemos que tem uma QM da arma. Não
fazemos nada por eles. São como embalagens, descartáveis todos os anos, de seis em seis
anos ou de trinta em trinta anos. Mal conhecemos seus nomes de guerra. Até mesmo o
soldado que trabalha a seu lado, que faz a faxina de sua sala, que faz o cafezinho.
Dificilmente um comandante, a partir de Comandante de Companhia, sabe o que faz, onde
mora e como mora, o que pensa seus soldados.
Sobre os soldados que encontrei no hospital de Porto Alegre já comentei quando
narrei os tempos de segundo tenente, anteriormente.
Como disse, em Feijó, resolvemos mudar o acampamento. Só tínhamos um caminhão
que transportava o pessoal até a frente de trabalho. Pois, num dia, estando no local do
futuro acampamento, que na verdade seriam alguns tapiris, chegou uma jovem, mulher de
um soldado eletricista, com seus vinte anos, uma negra esguia, alta e muito bonita, capaz de
rivalizar com atrizes de TV, com um terçado na mão. Pedia que emprestasse o caminhão
para transportar algumas madeiras e palhas que havia retirado do mato, para fazer seu
tapiri. Perguntei como ela fora até lá, disse que à pé. Perguntei quem construiria o tapiri
respondeu que seria ela porque o marido trabalhava então ela aprendeu a fazer tudo
sozinha. Perguntei se era o caso de se mudar a para lá. Ela disse que acompanhava o
marido, desde que se casou, e tinha vindo com as equipes até chegar a Feijó. Disse ainda
que não seria só para ela, mas outras mulheres também queriam o caminhão emprestado.
Queriam fugir do aluguel. Perguntei a ela onde morava em Feijó, ela me disse onde. No final
do expediente resolvi passar por lá, morada de Feijó. Achei melhor elas irem para o tapiri,
perto do acampamento. O lugar onde eles moravam era simplesmente insuportável. Minha
preocupação era quanto aos alimentos. Mas como todos os dias alguém vinha para a
cidade, isso ficaria amenizado. Também possibilitei que o caminhão viesse no sábado de
tarde com as mulheres que quisesse vir fazer compras. Lembrei-me do que li na história do
Brasil quando da Guerra com o Paraguai, contada por Dionísio Cerqueira. Junto com a
retaguarda marchavam centenas e centenas de carretas com famílias de militares que
acompanhavam o que seria hoje o apoio logístico e se estabelecia na área de apoio
logístico. Aí existiam também vendeiros, mascates, agiotas, prostitutas e toda sorte de
gente. Eram as vivandeiras da guerra. Nós quase as tínhamos. Mas ali pouco se estava
querendo saber se os soldados tinham mulheres, filhos e outros parentes. Todos os chefes,
incluído eu, queriam o cumprimento do Plano de Trabalho. Os tapiris eram problemas para
as mulheres. Como eram decididas, corajosas, abnegadas, persistentes as mulheres dos
cabos e soldados em Feijó.
Em Cruzeiro, os que me acompanharam para Rio Branco, fora de uma enorme
abnegação. Nunca soube de uma reclamação, de um desacerto sequer. Os que ficariam, em
Cruzeiro do Sul, também procuraram entender que embora tivessem a comodidade de não
mudar e não enfrentar os riscos de ir para favelas, de Rio Branco, tinham a incerteza de
como seria viver, depois, como infantaria. No texto que fiz sobre meu comando, relato como
o 7º BEC acabou por ter um capelão militar. Pois bem, por iniciativa do padre, e para atender
o programa de evangelização da Prelazia Militar, ele lançou a idéia de visitar todos os cabos
e soldados para ter uma idéia de como viviam e onde viviam. Assim, o padre Benatti, hoje
falecido, trazia os casos de desajustes e insegurança das famílias que iriam ser transferida,
das que ficariam e das que queriam ir, mas por imposição do escalão superior teriam que
ficar. Em Rio Branco, ele continuou seu trabalho que, agora, atenderia o 7º BEC e o 4º BIS.
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Assim fiquei sabendo de alcoólatras de final de semana; de moradas indignas de quem
poderia morar melhor; de militar com desapego à família; de família desajustada, com
desprezo ao militar e até de desonesto, por delação da família. Um belo dia, resolvi fazer um
treinamento de Plano de Chamada (chamada de emergência, de todos da unidade, fora do
expediente). Iria encadeá-la às três da manhã. Ao ajustar a ação, na reunião com o Estado
Maior, deparamos com dois problemas: primeiro, em Rio Branco, só teria ônibus a partir de
seis da manhã; então como vir a partir das três horas? Segundo, a maioria dos soldados, em
particular os recrutas, morava em bairros e vilas clandestinas, chamadas invasão. Não tinha
ruas, mas becos; não tinha numeração de casas e, no escuro, havia dificuldade de um
soldado achar a casa de outro. Resolvemos fazer o treinamento durante o dia num sábado.
Depois ajustamos, mas com auxilio dos próprio soldados de como desencadear uma nova
ação noturna. Isso vem confirmar que um comandante não sabe onde e como moram seus
soldados. Em arroubos de operacionalidade, alguns estabelecem horários malucos sem
pensar de como seus soldados se arranjarão para cumprir. Isso é muito mais verdade com
motoristas, em particular de autoridades mais elevadas que tem compromissos sociais até
altas horas da madrugada e seus motoristas, além de deixá-los em casa, têm que guardar o
veículo no quartel e ir para casa, voltar pela manhã ao quartel, pegar a viatura e estar na
casa da autoridade no horário que ela marcar. Vi absurdo em que alguns motoristas
dormiam no veículo porque não daria tempo de ir até sua casa. È claro que em algumas
guarnições existem casas de motoristas de autoridades, é de se reconhecer.
Esse registro, reforço, é apenas para caracterizar o quanto, em tempo de paz, os
oficiais desconhecem seus subordinados cabos e soldados. A solução eu ainda não sei.
Entretanto, nas instruções de Chefia e Liderança e nos momentos de motivação profissional,
nas escolas de formação militar, é muito explorada a necessidade de “conhecer seu
subordinado”. Entretanto, isso fica muito engessado na direção dos aspectos operacionais,
nas situações de combate, nas frentes de guerra. Conhecer, defender, proteger seus
subordinados são ações, embora não táticas, mas de profunda necessidade para liderança
no tempo de paz também e principalmente uma vez que a probabilidade de paz está sendo
muito maior que a de guerra no ambiente nacional. Isso, entretanto, não nega a necessidade
do adestramento. Aliás, seria uma forma de os oficiais adestrarem suas lideranças ao se
aproximarem mais de seus subordinados cabos e soldados. Isso não implica em ranhuras
na hierarquia e nem intimidade desairosa que descabem para promiscuidade.
Por isso, o título desse item: “Os soldados depois do experiente”. Os comandantes,
em todos os níveis não sabem onde estão, o que fazem e como são seus subordinados.

Paneiro

A palavra em si tem etimologia e acepções bem distintas. Como já disse sobre


idiossincrasias localizadas, a palavra foi de derivações em derivações se corrompendo até
chegar na acepção que encontrei no Acre. Paneiro, pelo dicionário varia de cesto com alça
até locais em escaler, no lugar onde se colocava os panos de velas na popa. Se considerar
uma palavra espanhola, será um cesto de se colocar pão que recém sai do forno.
Portanto, há significados distintos no Brasil, na Amazônia e no Acre. No Pará,
paneiro é um cesto de cipó onde cabe o conteúdo de uma lata de 18 litros com qualquer
material a granel: arroz, feijão, farinha de mandioca, açaí... Dezoito litros, da lata, são porque
tal lata era a “medida grande”, em muitos lugares do mundo, como no Brasil rural, com que
se embalava principalmente querosene (a antiqüíssima marca – querosene JACARÉ da
multinacional ESSO). Depois de vazia virava embalagem de muita coisa e também como
gabarito de medidas tanto para líquido como para sólidos granulados; virava medida padrão
para muitos produtos. Hoje ainda é embalagem para margarina, leite em pó, bolacha...
Então no Pará um paneiro é um cesto que cabem dezoito litros. Tem também a “rasa”, cesto
de cipó ou qualquer tipo de palha que suporta “dois paneiros” e no qual se transporta açaí da
mata para os locais de consumo.
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Há um tipo de paneiro feito de palha de palmeira ou cipó bem flexível, que
seringueiros e índios usam para transportar mercadorias, ou qualquer outra coisa, até
criança. Teria o uso atual das mochilas. Tem uma alça longa que é colocada na testa para
que, com o pescoço mantenha o paneiro sempre nas costas como se são os tirantes das
mochilas. No Acre recebe o nome de JAMAXIM ou jamaxi. No Pará tem o rio Jamanxim.
Não sei se tem correlação entre os nomes.
Entretanto no Acre eu vi uma peça de tecido, em geral sacos de açúcar ou trigo. O
saco era aberto formando um retângulo. Duas tirar do mesmo tecido se cruzavam sendo
suas pontas costuradas nos cantos do retângulo e ficando, cada tira, na diagonal do
retângulo. Qualquer material ali colocado era levado nas costa de modo que as tiras em “X”
ficassem no peito da pessoa. Como se fosse uma mochila. Com nós, ajustava mais ou
menos conforme a carga, nas costas. Alguns desses tecidos sofriam um tratamento com
leite de seringa (látex também defumado). Tal tecido ficava impermeabilizado podendo
tomar chuva sem molhar o conteúdo. Tal tratamento se dá o nome de “encauchamento”: O
tecido ficava “encauchado” mesmo que o látex usado não fosse extraído do “caucho”. Aliás,
se pode encauchar qualquer tecido de algodão. O problema que, para vestimenta, ele ficava
impermeável sem deixar a pele respirar, como se fosse um plástico em folha. Este paneiro
encauchado era conhecido, em outras regiões, como “encerado”, talvez referência aos
tecidos de lona (tecido de algodão, bem grosso, que recebia um tratamento com cera, talvez
de carnaúba, para cobrir cargas de caminhões). Isso recebia o nome de “lona de caminhão”
ou “encerado de caminhão”. Portanto, no Acre “paneiro” era um instrumento que auxiliava no
transporte de cargas de até dez quilos, encauchado ou não. Bem diferente do significado de
paneiro no Amazonas e Pará.

Parte de Combate

Vilagran Cabrita, ao fazer sua “parte de combate”, foi ferido mortalmente pouco tempo
depois de participar ativamente do combate para a travessia do Passo da Pátria, no Rio
Paraná. E assim como Cabrita, muitos outros oficiais, nos diferentes postos, fizeram suas
partes de combate ao longo de toda a guerra. É isso que se deduz das inúmeras literaturas
sobre as guerras mais antigas, em particular das que o Brasil participou aqui na América do
Sul. Até nas atividades de ocupação, como no caso das construções dos fortes, com
Ricardo Franco, com Melo e Cáceres, havia a parte, como relatório do cumprimento da
missão. Por dedução também se conclui ser isso necessário pela enorme descentralização
na linha de combate, ou região de operações. Por isso era necessário, em escala crescente
de escalões, que o comandante imediato esperasse a parte de combate do escalão
subordinado e assim saber o que realmente aconteceu para relatar ao seu escalão superior.
À medida que os controles, medidas de coordenação e controle, foram se aperfeiçoando
com a era da eletrônica, os comandantes dos escalões superiores sabiam mais rapidamente
o que fôra o combate nos seus escalões subordinados. Daí se ter enormes dificuldades de
encontrar literaturas – livros, artigos, dissertações sobre pequenos escalões: companhia,
pelotões e até batalhões em operações nas duas grandes guerras do século passado. A
maioria dos relatos, dessas guerras, ficou nos escalões Corpo de Exercito, Grupo de
Exercito, escalões nunca existentes no Brasil.
Com isso, se perdeu o hábito de registrar épocas, casos, acontecimentos, momentos
das casernas. Nada mais se registra, e cada vez menos, à medida que as comunicações
aumentam suas velocidades. Assim, os quartéis ficaram sem memória, e o país sem
história. Qualquer unidade tem idade histórica igual ao tempo de serviço do cabo mais
antigo. Com o advento dos microcomputadores, aí que a coisa piorou em termos de
registros históricos. Sem o hábito de criar cópias de segurança, todas as informações se
perdem quando se perde o disco rígido por qualquer motivo. Cada dia o Exército vai ficando
mais inexperiente. E assim corre o risco de reinventar a roda.
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Mas toda essa introdução é como um desabafo porque, ao tentar escrever minha
biografia militar, a cada momento me arrependo de não ter feito minhas “Partes de Combate”
em cada posto e ou em cada nova unidade. Quantos nomes, quantas gentes, quantos
lugares, me fugiram da mente. E olha que ainda me lembro de muitos. Mas, para não ser
injusto com muitos, não cito nomes de alguns. Além da inexperiência minha, contei com a
inexperiência de muitos oficiais bem mais velhos que também não foram motivados e que
levaram para a sepultura todas as suas experiências, deixando órfãos tantos tenente e
capitães que hoje coronéis repetem os mesmos erros. E erro que também cometi porque só
agora me dei conta dessa necessidade. Isso reforça uma idéia que sempre tive: cada oficial
e ou sargento, antes de ir para reserva, teria que fazer uma dissertação de sua vida militar e
isso ficar em algum arquivo. Agora com a eletrônica, e a digitalização de dados isso fica
muito mais fácil.
Mas, me dói muito não ter feita as minhas “Partes de Combate”. Por isso farei minha
Biosofia,como forma de remdiar.

Pelotão Especial de Fronteira – PEF

Não sei em que data, os Pelotões Especiais de Fronteiras – PEF - foram concebidos
e criados. Quando cheguei na Amazônia como tenente,eles já existiam. Na verdade,
sempre foram continuidades das românicas colônias militares, os castros, com diferentes
estruturas e organizações. A finalidade sempre foi uma: manter a presença do Estado nos
territórios mais distantes, ou como diz o termo popular: nos cafundós. É a ocupação para
evitar a, também românica, “utis possidetis”. Além da presença do Estado, em apoio de
índios e brancos aventureiros, é a velha estratégia para a política de ocupação de espaços,
vivificação de fronteiras e criação de ecúmenos. na Amazônia, desde os primórdios da
colonização sempre existiram postos, fortins e fortes em pontos importantes do território.
Foram estes postos que garantiram o rompimento das Tordesilhas para os sopés dos
Andes. Portanto, nada novo. Nada heroico. Nada de favor. É uma obrigação de ofício.
Os PEF são e eram, na minha época, especiais, por vários motivos. O primeiro, por
eles se ligarem diretamente com o comandante de batalhão, isto é, não tinham a
subordinação doutrinária de ser enquadrado por Companhias Especiais de Fronteiras. O
enquadramento era por um batalhão de fronteira, ou comando de fronteira ou batalhão de
infantaria de selva. Em dois casos, que são exceções, há a companhia, não por enquadrar
pelotões, mas por ter efetivo de companhia. Isso fica claro na imagem abaixo.
O segundo, porque, embora exista um sistema de logística, o pessoal aí destacado
tem que criar algumas condições de sobrevivência, caso haja algum desabastecimento. Os
cabos e soldados geralmente tem sua permanência por longo tempo; os sargentos e oficiais
por tempo determinado. Alguns são até com missões temporárias, isto é, ficam destacados
por três ou seis meses e depois voltam para a sede do batalhão. Mas nos PEF têm que
manter algumas atividades de sobrevivência. Se não tiver mercadoria nos armazéns
reembolsáveis (nos locais que ainda os tinham), não há como comprar alimentos. Então, ali
tem hortas, criação de porcos, granja com galinhas. Essas atividades são implantadas pelas
unidades e mantidas pelo pessoal local. Também cabe, ao pelotão, o tratamento de água, a
assistência médica e odontológica. Toda essa estrutura é mantida, na maioria, por rios. Mas
muitos lugares há total dependência de aeronaves da FAB. Sem esse apoio não haveria
PEF. Em quase todos os PEF os cabo e soldados recebem etapas de gêneros alimentícios
do pelotão, pois não há como comprar, para eles e para sua família.
O terceiro, particularmente no período que servi no CMA, os PEF estavam
estabelecidos em locais escolhidos depois de acurado estudo. Não era por escolha aleatória
ou personalismo de autoridades. Cada PEF cobria uma Via de Acesso ou uma Direção
Tática de Atuação Fluvial. Assim, além da ocupação, tinha a missão militar (missão tática)
de vigiar. É verdade que só tinha as estações rádios para informar todos os movimentos de
estrangeiros sejam eles com atividades lícitas ou ilícitas. E os rádios são vulneráveis tanto
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para escutas como para interferência de guerra eletrônica. Portanto, cumpre uma função
militar.
Assim, foi criado um lema para os PEF: Vida, Combate e Trabalho: a tropa deveria
cuidar de sua vida, estar apta para o combate em função de um árduo trabalho.
O quarto é que os efetivos de um PEF são o dobro de um pelotão normal,
doutrinariamente enquadrado por companhias de fuzileiros. O pelotão enquadrado tem em
torno de trinta homens. No PEF o efetivo chega a sessenta militares. Ali terá o médico, o
dentista, os enfermeiros, o responsável pelo tratamento d’água, o responsável pela granja, o
responsável pela horta; o responsável pela energia elétrica; tinha equipes de pesca, equipes
de caça. Esta equipe de caça só é válida para a região fora da cabeça do cachorro, pois
toda a região é muito pobre de caça. As companhias, que não enquadram pelotões
especiais, tem o dobro do efetivo. Isso pela importância da via de acesso ou pela dificuldade
de apoio. Já no momento que escrevo isto, à semelhança do CMO, o CMA tem, em alguns
pontos, Destacamentos Especiais de Fronteira sendo três no Acre e um no Amapá,
compostos por 20 homens, de permanecia temporária feita por rodízio de pessoal. Houve
um gênio militar, que foi até ChEM do CMA, que queria e conseguiu pro algum tempo, a
mudança do nome de Pelotão especial de fronteira pra pelotão de infantaria de selva. Meu
grande medo seria um segundo gênio cortar o efetivo para que fosse realmente como o de
um pelotão de infantaria de selva, que é a metade da do PEF. Como PEF qualquer tenente
pode ali comandar; como pelotão de infantaria, só poderia os de infantaria. Algum ciúme,
conveniência para alguém, ou... Vi a isca, não visualizei o tamanho do anzol.
Na minha época de capitão-major, houve uma falsa importância dada à Amazônia.
Digo falsa porque as condições de vida, dos militares amazônicos, nunca foram melhoradas.
E o muito pouco que fizeram era alardeado como se fosse o máximo de realizações. Num
desses arroubos de integração da Amazônia foi criado o Projeto Calha Norte. Criado em
1985, no início do governo José Sarney. “A principal motivação era evitar invasões de
guerrilheiros como os das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Em 1985,
mais de cem deles teriam entrado em território brasileiro, fazendo reféns em busca de
abastecimento” - http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u17219.shtml. Seriam
aplicados recursos orçamentários, inicialmente pelo Esta Maior das Forças Armadas, depois
pelo fatídico Ministério da Defesa. Na mesma página acima se lê: “O projeto foi criado com o
objetivo de melhorar a infra-estrutura do território ao norte dos rios Amazonas e Solimões e
criar povoados na região, dificultando invasões pela fronteira”.
Agora, MDef, a definição é pastosa, insípida, incolor e inodora: “O Programa Calha
Norte (PCN) tem como objetivo principal contribuir com a manutenção da soberania na
Amazônia e contribuir com a promoção do seu desenvolvimento ordenado”-
https://www.defesa.gov.br/index.php/programas-e-projetos/programa-calha-norte.html .
Agora não mais coisas da ditadura militar: em tempos de “novilíngua e duplipensar”
deixou de se Projeto para ser Programa. Até hoje não consegue ser mais do que foi no
governo Sarney porque não há pagamento de propina a partidos políticos. Mas continua
tendo recursos pingados todos os anos.
No início do PCN, vários pelotões foram instalados e os antigos remodelados. Das
instalações antigas que ainda vi, deu para sentir o descalabro que eram. Para a
remodelação e implantação foram levadas casas de madeiras pré-fabricadas em
instalações de Manaus e transportadas por rios, nos que permitam navegação. Nos demais,
foram necessários a espera de construção de campos de pouso para operação de aviões
Búfalos e Hércules. Aí entrou forte a ação da FAB. Criou uma estatal para a construção de
aeroportos: a COMARA - Comissão de Aeroportos da Região Amazônica. Há historias e
estórias envolvendo a COMARA. Entretanto, foi um trabalho hercúleo. Em lugares que tinha
rio, todo o material ia de balsa, incluído o cimento. Mas tais balsas teriam que estar em
capacidade máxima, para otimizar a viagem. Mas, para isso, teriam que subir os rios em
pleno período chuvoso quando os rios estivessem completamente cheios. Ora, tinham
materiais sensíveis a água. As balsas subiam, até o ponto previsto, e ali ficavam esperando
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até o início do período de sol para assim iniciar o serviço. A logística deveria começar no
meio do ano “A” – licitação, recebimento, pagamento e carregamento, para trabalho no meio
do ano “A+1”. Levavam até brita e areia.
Nos locais onde não havia rios de água suficiente para subir balsas, então os campos
de pouso eram melhorados com ajuda de aviões Búfalos e Hercules e eles levavam os
equipamentos, muitos desmontados, e materiais de consumo. Geralmente encontravam
alguns afloramentos de pedra que permitiam a exploração de pedra para as britas.
Voltando às instalações do PEF, as casas antigas eram sobre palafitas (madeira). As
modernas e as remodeladas eram sobre pilotis (concreto) fundidos em Manaus, pois teriam
que garantir alguma resistência em ensaios de concreto. Em alguns lugares, por ter argila de
boa qualidade, foram tentadas as instalações de olarias.
Já no novo milênio, alguns expertos, conseguiram criar um Projeto para otimizar os
PEF da Calha Sul - Programa de Desenvolvimento da Fronteira da Amazônia Ocidental
(PRODFAO). Este projeto abrange a faixa de 150 km de largura, a partir do estado do
Amazonas, ao longo da fronteira com o Peru, estendendo-se ao Acre, Rondônia e Mato
Grosso, ou seja, começa onde termina o Calha Norte e estende-se até os limites de Mato
Grosso como Mato Grosso do Sul.
Como há imbecis brasileiros em muitos órgãos de imprensa, disseram ser um Projeto
Militar. Ao contrário: Foi um projeto de “esquerdinha” querendo mostra internamente que em
seus governos, os EUA não terão oportunidade de ocupar a Amazônia. Mas, como sempre,
as FFAA, em particular o EB, cumpriram sua parte. Em cada PEF existe um pavilhão,
denominado “Pavilhão de Terceiros”. É um local para qualquer órgão publico civil que ali
tenha algum projeto, estudo ou curiosidade de zoológico humano (ver e admirar os índios).
Pois nunca vi um civil, nem por turismo de aventura, chegar a um Pavilhão de Terceiros.
A sociedade, o governo e o EB muito devem aos militares que ali servem. Em
particular sobre ensino dos filhos de cabos e soldados. Os colégios militares deveriam ser de
graça e até com bolsa de estudos para os filhos deles e uma gratificação por cada filho
estudando. É uma pena que alguns militares, combatentes de carpetes, acabaram com o
internato de Colégio Militar de Manaus, que, de alguma forma, educava os filhos dos cabos
e soldados. Foi uma pena.
Assim vi e senti os PEF. Sou pai de um – o de Santa Rosa do Purus. Os detalhes
estão no texto sobre meu comando. Abaixo um quadro da localização de PEF, com alguns
implantados depois de eu ter saído de Manaus, como é o caso do de Santa Rosa, Tunuí,
Tiriós e outros... Estavam na fôrma.
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Um Comando Militar com Espírito de Corpo.


Uma coisa que os civis não conseguem entender é o tal “espírito de corpo”. Aliás, até
mesmo psicólogos, antropólogos, e outros – ólogos mais, confundem Espírito de Corpo com
corporativismo. O primeiro é próprio de instituições e o segundo de corporações sejam locais
e ou regionais. Em particular, os demagogos de esquerda, sempre revoltados, com alguma
forma de autoridade, ou de categoria profissional, que não a dele, facilmente nomeiam como
corporativismo qualquer coisa que não beneficie sua corporação.
Espírito de Corpo é algo espontâneo que nascem numa instituição, ou setor dela,
movidos por pura satisfação de cumprir bem qualquer missão. Tem valor moral. No “Vade-
Mécum de Cerimonial Militar do Exército - Valores, Deveres e Ética Militares (VM 10)”
aprovado pela Portaria Nº 156, De 23 De Abril De 2002 foi muito feliz em sua definição :
““Deve ser entendido como um "orgulho coletivo", uma "vontade coletiva." - O espírito de
corpo reflete o grau de coesão da tropa e de camaradagem entre seus integrantes””.
No sítio http://generaldepijama.wordpress.com/2007/02/18/pergunte-a-qualquer-
marine/ do Manual FMFM1-WARFIGHTING, US MARINE CORPS, 1989 se tem uma bela
definição: “Cada Marine que viveu algum dia ainda vive nele, nos Marines que ostentam o
título hoje”... “esse senso de pertencer a alguma coisa que ultrapassa a sua própria
mortalidade que dá às pessoas uma Luz por qual viver e uma Chama para marcar sua
passagem pela Terra”. “Os Marines chamam isso de “esprit de corps””.
Assim o Espírito de Corpo é muito comum nas forças armadas. Mas é mais
acentuado entre tropas de mesma especialidade e de mesmo emprego. Sempre o Espírito
de Corpo está acendrado em companhia e, no máximo, batalhão. No Brasil temos uma
exceção que são os paraquedistas. A Brigada de Paraquedista tem um elevado espírito de
corpo. É facilmente explicável por estarem todos reunidos em um mesmo espaço físico.
Mas há uma enorme exceção: ela está no Comando Militar da Amazônia. Lá é todo o
comando militar que tem espírito de corpo. Talvez porque, no CMA, tenha uma ligação direta
entre as Brigadas e o comando, sem a ingerência de Divisão de Exercito. Há o
encurtamento no escalão de comando. Este encurtamento se dá também entre o Pelotão
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Especial de Fronteira e o comando dos batalhões a quem estão subordinados – não há o
elemento intermediário companhia.
No CMA há dois elementos simples e de enorme poder amalgamador: dificuldades e
distancias. Eles unem, solidarizam e aglutinam militares e familiares, superiores e
subordinados, antigos e modernos... A qualquer momento, em qualquer lugar da área,
sempre haverá muitas almas unidas, mas num só corpo amalgamado – um corpo CMA. E há
uma manifestação simples que ecoa desse um só corpo: o grito de guerra... Que é grito de
guerra; que é saudação; que também é estado de espírito: é o SELVA! Dependendo do
“selva,” se pode avaliar a disposição do guerreiro à frente. E Selva serve para muita coisa:
selva! - é sim senhor...; selva é entendi..., seeeelvap! é bom dia...; selva! é fecho de texto;
selva?– é pronome interrogativo. A saudação é dita com orgulho e entusiasmo em qualquer
parte do CMA, em todos os dias de qualquer ano. Selva, também chega às esposas, aos
filhos, às namoradas, aos amigos... enfim, sempre aglutina mais espírito àquele corpo CMA.
O CMA, de há muito lidera mudanças e adaptações no EB de modo a cultivar a
mística do guerreiro de selva e dos amazônidas temporários. Inicialmente, substituiu o
uniforme Verde Oliva por uniforme camuflado. Hoje todo o EB assim usa; com as devidas
adaptações e cópias da brigada paraquedista, abandonou o quepe em favor da boina, verde.
Quando o EB adotou a boina verde como de uso diário, o CMA criou a boina rajada, o que
dura ate hoje. O CMA, também, com inspiração paraquedista, passou a ter um coturno
diferente: de nylon verde, e sola de borracha vulcanizada; das demais tropa era de couro e
hoje também é de nylon preto. Passou a usar diariamente o cinto de guarnição com
suspensório. Criou, também cópia dos paraquedistas, o uso da jaqueta, com coturno e
boina, como uniforme de trânsito. Mais tarde o EB adotou isso como regra geral. Assim, o
CMA, mesmo sendo um comando militar, sob o comando de um general de exercito, tem,
nessas diferenças e cultos, sua maior fonte de inspiração para que todos os seus
integrantes se mantenham em elevado nível de execução e desempenho, fazendo de sua
atividade um momento de exaltação. Vencer as enormes dificuldades e distancias somente
com elevado Espírito de Corpo mantido e cultuado diuturnamente para que se tenha
também viva a chama do dever cumprido.
Tal espírito, ás vezes contamina uma ou outra unidade, mas a prática fica forçada,
sem naturalidade. É o caso de “gritos de guerra” pantanal...; cerrado...; caatinga...;
fronteira...; adotados por unidades, e até mesmo brigadas. Por não ser de sentimento, não
conseguem contaminar o comando militar. Fica uma coisa falsa e de efeito duvidoso. O
espírito de corpo, muitas vezes, extrapola o CMA. Oficiais e sargentos, ao se identificarem
como ex-amazônidas, se cumprimentam com SELVA em outros comandos militares. Houve
até caso de proibição de assim se saudar, pois a saudação é do CMA e não do tal comando
que se incomodou.
O CMA é um corpo amalgamado, de muitas almas e tais almas que lhe dão o elevado
espírito.
Portanto, o CMA é o único Comando Militar, portador de elevado ESPIRITO DE
CORPO, talvez a única palavra que seja escrita da mesma forma em francês e inglês:
“esprit de corps”.

Pinguela

A etimologia nada esclarece, mas é uma madeira roliça que se coloca sobre pequeno
curso d’água e por ela se atravessa sem se molhar os pés. Quando fui para a fatídica
Operação Jurupari, em 1975, aprendi como se fazia uma pinguela para viatura e
equipamentos. Mais tarde, quando minha companhia fez desmatamento, na BR 230,
Humaitá - Lábrea, ai sim consolidou minha aprendizagem em pinguelas no trecho. Para
trator de esteira bastam dois troncos que cubra a brecha e tenha apoio de pelo menos um
metro nas margens. Para um D/8, cada tronco tem que ter mais de oitenta centímetros de
diâmetro. Para viaturas e equipamentos sobre rodas tem que ser quatro troncos, dois a dois.
147
Depois de ter escolhido os troncos, alinhá-los na estrada. Com um trator de esteira, se aterra
o igarapé. Enquanto ele represa a montante, se passa o trator ou outra máquina, para a
segunda margem. Com cabo de aço se puxa as madeiras sobre o aterro e se faz o
alinhamento e as distancias entre os eixos e esteiras. Depois de colocado os troncos no
aterro, há que fixar as pontas com estacas que são facilmente fincadas com as forças do
hidráulico da lâmina ou da concha de carregadeira. Depois de fixadas as pontas, se faz um
aterro nessas pontas; caso fiquem brechas entre os troncos dois a dois, se coloca mais
madeiras finas até fechá-los. Quando as águas arrombarem o aterro, sob os troncos, eles
servirão como ponte improvisada. Em desmatamento, se faz duas ou três por dia. Mas tanto
motorista quanto tratorista tem ser experientes, porque se vacilar vai “tudo por água abaixo”,
literalmente. Pelo fato de serem troncos não trabalhados e serem com meios de fortuna,
então na região do Acre e Rondônia, mais precisamente no 5º BEC, isso se chamava
PINGUELA.
Em desmatamento, na verdade os tratores são mais independentes: aterra-se o
igarapé com galhos, troncos e solo e cruza-se para o outro lado. Daí é que se pensa em
como fazer uma pinguela para a viatura de apoio.

Pinguela Cortada a Machado

Como relatado, na Operação Jurupari, deparamos com a necessidade de cortar uma


árvore para usa o tronco como pinguela. O nosso trator estava a um dia do local e vinha
cumprindo sua missão. Ao chegar ali já deveria ter uma pinguela para não perder mais
tempo, pois nosso prazo já estava praticamente esgotado. Se se esgotasse e acontecesse
qualquer “azar militar”, com certeza, além da responsabilização pelos prejuízos materiais,
haveria outros tantos, com falação e comentários dos “engenheiros de obras feitas”.
Cortamos a árvore, eu ensinando ao cabo e aos dois recrutas como se usava o machado
com mais precisão. Um gesto normal da caserna entre um tenente e seus recrutas.
Passaram-se os anos e volto novamente a servir no 5º BEC, pela terceira vez, em
1984, chegando capitão e o deixando quando major no início de 1987. Mas como major eu
fumava desbragadamente. Fora eu até a 17ª Brigada para uma palestra obrigatória da toda
poderosa Secretaria de Economia e Finanças (SEF) sobre gestão dos recursos do Ministério
do Exército. Abre-se um parêntese. Era Chefe do Estado Maior da Brigada, um ex-instrutor
no meu tempo de Cadete, cujo apelido era “toco de charuto”. Era uma pessoa que eu
respeitava muito porque, como capitão quase major, se prestou a fazer um curso intensivo
de “Comandos” sacrificando suas férias de modo a dar melhores qualidades ás instruções
do CIESP. Em outro momento já me referi a esse caso. Mas, o coronel, quando eu cheguei,
exultando fidalguia com seu ex-cadete, mandou que me servissem água e café. Eu devo ter
feito uma cara não muito agradável porque ele perguntou: “– o café não está bom?” Ao que
respondi: “- coronel, há uma inversão de calor apenas – a água está quente e o café está
gelado”. Ele riu desbragadamente. Fechado o parêntese. Ao retornar ao 5º BEC entrei num
bar até tido como ponto turístico de Porto Velho, pela qualidade da peixada que servia: O
Amarelinho. E era de propriedade de um mecânico da Cia Eqp e que trabalhara comigo no
Acre. O bar ficava na esquina da Rogério Weber com outra que não me lembro o nome, mas
ficava em frente ao almoxarifado da CERON (Centrais Elétricas de Rondônia). Pela Rogério,
tinha um balcão e vendia as bugigangas. Pela outra rua, tinha um salão enorme onde eram
atendidos os bebedores de cerveja. Quando eu pedi o cigarro, escutei um grito vindo lá do
salão das cervejas: “– Ten Higino, quanto tempo! Eu não reconheci nem a voz e nem a
pessoa. Ela se dirigiu a mim, com um copo na mão, já mais para tonto que para sóbrio e
lascou aquela desconcertante: “senhor sabe quem eu sou?” Cabelo desgrenhado, faltando
os dentes da frente, sem camisa e de bermuda e todo suado. Eu disse: “– Amigo, seu rosto
me é familiar, mas sinceramente não ligo o rosto ao nome; bom agora já sou Major”.
Respondeu, –“e eu sou o Soldado Barroso que era recruta e estava com o senhor na
Operação Jurupari; pensei que nunca mais iria lhe ver para lhe agradecer; embora com a
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cerveja, eu faço a maior questão de lhe apresentar ao meu pessoal que está na mesa; hoje
sou funcionário do INCRA, chefe da parte de Topografia em todo o Estado e ali está todo o
meu pessoal, e estamos festejando o cumprimento de uma grande missão”. Fiquei meio
receoso, olhei para o rapaz dono do bar, que olhou meio reprovando, mas fui. O jovem
queria agradecer. Chegando ao lugar, o Barroso tomou uma postura de chefe e começou a
falar: “pessoal, este aqui é o tenente que falei tantas vezes a vocês”. “– Tenente, vou lhe
contar o que já contei a eles: quando o senhor decidiu derrubar aquela árvore lá no igarapé
Maracaju, eu tive um frio na barriga; comentei com o outro recruta, que fora atacado pela
tachi, que nós dois iríamos morrer de cortar a árvore. O senhor era tenente e eu achava que
nunca iria cortar de machado e talvez nem soubesse; o Cabo era operador de máquina;
então só restaríamos nós dois, os recrutas. Mas, para minha surpresa, e a dos outros, o
senhor pegou o machado, chamou a nós todos e começou a cortar e ao mesmo tempo
explicando de como o senhor queria que fosse feito o corte; depois foi o Cabo operador que
não sabia usar o machado e o senhor ensinou ele a pegar melhor na ferramenta, fazer a
mão correr pelo cabo da ferramenta para ter mais força na batida; depois foi eu e da mesma
maneira o senhor me ensinou a usar a ferramenta, pois eu nunca tinha cortado de machado;
o outro recruta tinha noção da coisa; engraçado que quando o senhor pegava para cortar, o
corte rendia; quando nós que cortávamos, o corte ficava todo repicado; o senhor corrigia as
bobagens que fazíamos. O senhor não sabe como aquilo foi importante para minha vida.
Como chefe, sempre mostro de como eu quero o serviço; como o senhor, fico vendo se o
funcionário está fazendo correto e, se não, eu repito o ensinamento; isso eu aprendi com o
senhor e esperava um dia agradecer isso; sou um chefe querido e respeitado pelos meus
subordinados; busquei isso no seu exemplo, pois dali em diante vi que o senhor seria um
exemplo de chefe: sabia mandar, mas sabia fazer; quem é chefe nem precisa mandar, é
começar a fazer que todos o segue; então, perante a todo o meu pessoal, que a maioria o
conhecia de nome, eu lhe agradeço a lição”. Confesso que cheguei às lágrimas. Eu dei uma
abraço no amigo como se fosse um muito velho amigo. Lembro que agradeci, mas sem
entrar,mais em considerações para não ficar elogios e agradecimentos fúteis. Fiquei deveras
comovido e assustado com o inusitado: para mim um simples momento de trabalho que se
tornou uma lenda, exemplos, a muitos. Era um enorme elogio. Talvez uma das maiores
referências elogiosas tanto no aspecto militar como no aspecto humano. Depois, quebrei o
protocolo e tomei com eles um copo de cerveja. Nos despedimos sabendo que aquela feliz
coincidência poderia jamais se repetir. O GADU me orientou para aquilo. Estava tão
exultante da coisa que fui direto dizer ao meu comandante. E ele me parabenizou pelo
acontecido o que me deixou mais atordoado ainda. Como a vida nos dá lições a todo o
momento.

Plano de Carreira Profissional de Trecho (mecânico ou operador)

No 5º BEC, e depois fui saber que era assim em todos os batalhões de engenharia de
construção, os mecânicos seguiam uma sequencia de formação empírica e eminentemente
prática. O funcionário começava como “auxiliar de cozinha”, cujo rol de desempenho era
cortar lenha, fazer fogo, buscar água, lavar panelas, servir o pessoal e cuidar de panelas
com alimentos cozinhando. Geralmente era semi-alfabetizado e afeito aos trabalhos rudes.
Os fogões no trecho eram extremamente precários. Em geral eram feitos de barro, com uma
pequena vala nas bordas das quais se levantavam laterais de argila (barro, como diziam os
peões), com uma trempe ou uma grade feita de vergalhão de meia polegada. Bom, o fogo
geralmente era alto. Então, ao lidar com panelas, geralmente as labaredas atingiam a mão e
os braços de todo o pessoal de cozinha. Por isso, os da cozinha recebiam o apelido de “Mão
Pelada” porque, ao ser atingido pelas labaredas, seus pelos da mão e braço eram
queimados. Então o mão pelada dedicado e bom de trabalho, na falta de “auxiliar de
lubrificador”, outra categoria profissional, era levado para essa função como que promovido
ou como prêmio pelo bom desempenho. Os lubrificadores, por estarem sempre sujos de
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graxa, eram conhecidos por “Meloso”. Assim o cidadão era requalificado, depois de um
tempo de maturação, a pedido de algum chefe, de mão pelada para meloso (auxiliar). Como
tal, de início trocava tambores de óleos lubrificantes, tambores de graxa dos conjuntos de
lubrificação (conhecido também como comboio). Depois, com orientação do meloso chefe,
ele começava a fazer lubrificação pelos bicos de graxa, a trocar óleo, a fazer algum reaperto
de parafuso e a mudar máquinas de lugar, depois da lubrificação. Em alguns anos, acabava
por decorar os tipos de graxa, de óleo, tipos de chaves e cuidado elementares nos
procedimentos mecânicos. Dependendo do pendor do auxiliar de lubrificação, ele passava a
lubrificador. Assim, em três anos saía de mão pelada e chegaria a lubrificador, com aval de
algum chefe.
Mas, na falta de um operador de máquina, o meloso mais habilidoso e com um pouco
de treinamento, dirigido pelo Chefe de Campo, passava a operar máquinas em serviços
mais simples. O chefe de campo dava o aval e geralmente um tenente propunha a
requalificação, com o devido interstício. Outros melosos, que por dom gostassem de
mecânica, na falta de “Auxiliar de Mecânico” era convocado para esta função. Em pouco
tempo era também requalificado e contratado como tal. O maior formador de auxiliar de
mecânico e mecânico era o Kid. Ele era o nosso mestre de mecânica. Isto é, ele, pelos
sintomas apresentados pelo operador ou lubrificador (meloso) era capaz de dar o
diagnóstico da máquina. Era assim também o sargento encarregado da mecânica. Mas o Kid
tinha um conjunto de ferramentas que poderíamos classificar de “completa”. Entretanto, ele
mesmo não desapertava um parafuso sequer. Só ia informando ao auxiliar o que ele tinha
que fazer: – “solte o parafuso 9/16; agora retire o retém do eixo x...; agora, retire o retentor
y...” e quando ele mandava usar uma chave, pedia a chave anterior, limpava com uma
flanela e colocava a ferramenta na caixa. E assim todos os auxiliares que ficasse dois ou
três anos com ele acabava por se tornar um mecânico com muito boa qualidade técnica. As
requalificações eram por ele avalizada e proposta pelos oficiais ligados à manutenção.
Então, a grande maioria, dos operadores e dos mecânicos, percorria este plano,
inclinado, subindo de categoria funcional e conquistando, para melhor, suas requalificações
e melhorando seus salários.
Bom, quando o comando do batalhão conseguia estágios e cursos, as empresas a
isso ligadas sabiam da deficiência educacional desse pessoal. Nas empresas civis não eram
muito diferentes.
Tive a oportunidade de presenciar tais ascensões por ter a fortuna de servir três
vezes numa mesma unidade de construção. Vi soldado mão pelada se tornar chefe de
campo dez anos depois.
Entretanto, tudo era aprendido na prática correta ou incorreta. Muitas vezes as
exceções eram aprendidas como regras. E para se reverter o vício, o tenente tinha que se
impor tanto como líder quanto como conhecedor da melhor técnica. Eram comuns os
argumentos: – “mas tenente, faz vinte anos que faço isso assim como estou fazendo”... eu
retrucava: - “muito bem... mas faz vinte anos que faz errado”. E nunca tive constrangimento
de pegar os manuais, as revistas e ir mostrar ao distinto, ou distintos, que erros eram erros e
antigos. Até o Kid ficou na minha mira. Não sei como, consegui até um dicionário inglês-
português da Caterpillar com termos de mecânicas e manutenção. Minha grande frustração
foi não recriar a qualificação militar (QM) de Mecânico de Equipamento de Engenharia. Em
1988, servindo no DEC, escalado pelo chefe do Departamento, depois de uma pesquisa
grande, consegui refazer o Plano de Matérias e suas cargas horárias para propor ao EME a
recriação dessa QM. Queria aproveitar as inúmeras Qualificações novas que estavam sendo
criadas em função do fato novo no EB – helicópteros. Com essas máquinas, pensava eu,
mudaria a mentalidade de manutenção no Exército e a engenharia iria de carona nisso. Fui
para a ECEME e qual não foi minha frustração quando soube que a proposta não fora
encaminhada porque ninguém se interessou em fazer isso. Simplesmente por falta de
interesse ou de falta de visão futura da importância da coisa, ela morreu numa gaveta.
Engraçado que todos os oficiais de engenharia sabem disso: de Asp Of a General, mas não
150
se consegue decolar isso. Em particular, cheguei a pensar que, conseguindo ressuscitar a
QM de Mecânico de Equipamento, se conseguiria também a QM de Lubrificador para cabos
e ou soldados estabilizados. Mas... como sempre me acontece, foi mais uma idéia a morrer
comigo.

Quem Inventa é Inventor

Esse é um jargão dito na ESAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais) e na ECEME


(Escola de Comando e Estado Maior) quando o aluno arrisca dar soluções de provas
atropelando a doutrina. Inventa soluções distantes da doutrina. Dizem que o aluno é um
InventoR: o grau de sua prova começa com “I” – insuficiente e no máximo chegará a “R” –
regular.
Pois bem, o mesmo conceito deveria ser considerado a muitos inventores no Exército
fora das Escolas. Há muita genialidade inventiva imediatista com olhos voltados não para a
força mas para o carreirismo. Uma dessas genialidades foi a criação e depois ampliação, do
Oficial Temporário. Foi um processo idealizado para atender a Segunda Guerra mundial.
Havia falta de oficiais para atender a necessidade da guerra. Daí, se dava um curso
intensivo de técnicas e convocava o jovem para guerra. É claro que o espírito, a virtude (o
virtus romano), o professar, o introjetar (na acepção psicanalítica) do serviço das armas
ficavam capengas. Muitos desses jovens, apenas viam a atividade como uma “profissão sem
professá-la”. Daí, a meu ver, grande número deles com problemas psiquiátricos, com
neuroses de guerra, após a desconvocação. Em particular, sou de parecer que isso foi uma
injusta fórmula para proteger alguns “filhinhos de papai” (ultimamente são “filhinhos de
mamãe” visto que as mães são mais “machos” que os pais) quer de dentro da força, quer de
pessoa com algum poder (rico, político outras autoridades). São os arranjos que o poder
permite. Na lógica, e no dever patriótico, todos deveriam estar em condições de ir à guerra
em particular os tenentes de carreira. Se optaram, por serem oficiais de carreira, é porque
admitiram estar aptos para a guerra. Mas, a covardia sempre foi o apanágio da humanidade.
Infelizmente, muitos militares optam por ser um covarde vivo que um guerreiro morto. A
honra de defender a pátria há muito se desgastou. Morreram com as monarquias, a
presença dos fidalgos nos combates. Em tempos de repúblicas, isso são coisas de
contribuinte, de proletário. Então, a desculpa de falta de oficial de carreira, levou o Brasil a
optar pela solução do oficial temporário.
Na minha época de Tenente, os pobres coitados se candidatavam ao serviço ativo
mais para fazer uma poupança e, com ela, custear uma faculdade depois. E acontecia um
enorme problema social. Nas cidades do interior o jovem era tenente. Em sendo tenente era
um bom partido para as jovens sem muita alternativa a não ser casar-se com um bom
partido. Assim, depois de quatros anos estava o tenente com uma mulher, filhos, sem
emprego e sem qualificação e literalmente na rua da amargura. E o Exército sem nenhuma
estrutura para ajudá-los. Criaram um monstro e não se sabia como alimentá-lo. E, a esses
temporários fora de período de guerra, era dado Carta Patente, um documento específico
para militar de carreira, extremamente simbólico e tradicional.
A pinimba na época era: ora faço quatro anos de Academia, sou oficial de carreira,
como vou ficar subordinado a alguém menos preparado, não só na técnica, mas também no
sentido holístico da atividade. Depois fui notar que, apesar de algumas falhas técnicas, por
falta de tempo de aprendê-las, no curso intensivo, muitos eram muito dedicados e muitos
deles com enorme humildade para aprender o que não sabia.
Mas, na minha geração, vi muito mais monstros criados e que hoje são verdadeiras
espinhas na garganta. O que me deixa indignado são ações de militares na contramão da
história. Por ignorância de história, preguiça mental mesmo, por estar em situações de
influência, alimentam idéias esdrúxulas. Sempre me espelhei nas experiências da
151
Antiguidade (período histórico antes da Idade Média). E a história mostra que, quem não a
conhece, a repete. Este ditado é muito citado, mas pouco seguido.
O grande argumento para se manter a convocação dos oficiais temporários de armas
era que a carreira militar forma uma pirâmide, ou quase isso. Assim, para um general, no
topo, têm-se dezenas tenente na base. Ora, se a Academia formasse todos os tenentes
necessários para a força, muitos não passariam de Tenentes. Daí, no centro da pirâmide é
criada uma coluna retangular, com os tenentes da Academia. Assim poderia sair da base e
chegar quase no vértice como coronel. O vértice seria o promovido por escolha e seria o
general. Os dois triângulos laterais criados seriam preenchidos com temporários. O que era
só para oficiais, estendeu para sargentos. Também por quatro anos.
Essa situação do temporário foi e está sendo repetida com, cada vez mais, embaraço.
Algum luminar, necessitando mostrar serviço, convence as autoridades sobre determinada
idéia. Para o idealizador e carreirista, dialético sem o saber, não interessa se a coisa é boa
ou má. Interessa que, em determinado momento, ele estará “na mídia”, nos comentários,
nas pautas de reunião dos chefes. Se depois de dez anos a bomba explodir, não der certo,
ele já estará de volta do exterior, terá o galardão de “brilhante oficial”, e seu chefe, que
ajudou vender a idéia, já estará na reserva e sua carreira seguirá pelo generalato. Fazem a
“caca” e todos ficam patinando nela por dez, vinte anos.
O tempo, de serviço dos temporários, passou de quatro anos para oito anos. A
quantidade de ações na justiça que isso causou foi imensa. Pela CF/88 a estabilidade
poderia ser conseguida em oito anos, o que antes era de dez anos. Aí foi um ”pára pra
acertar”, criando-se mecanismos e contas de chegar com férias a gozar, requerimento a
despachar. Não satisfeito com isso, inventaram o tal técnico temporário. Ao invés de se
convocar o temporário para preencher vagas existentes nas armas, isto é, como
combatente, o que até então era legal, passaram a usar brechas na lei e, no lugar do
combatente, se passou convocar tenentes temporários “técnicos”. Isto é, naquelas
especialidades técnicas que o Exército não forma como arquiteto, informática de vários
naipes, contadores, advogados, administração. Um estágio de quarenta e cinco dias forma
um tenente. Como eu sempre disse: “pinta-se o técnico de verde, ensine-o fazer continência
e se paga o salário de tenente e teremos um combatente de papel”, cujo salário, apesar de
ser injusto para um tenente de carreira, é muito alto como salário inicial para qualquer
profissão liberal. O pior é que exigem dele procedimento como tenente de arma tanto na
postura, na desenvoltura e nos serviços de “Oficial de Dia”. O mesmo aconteceu com os
sargentos, nas devidas funções.
No meio do caminho, pioraram a situação. Num arroubo de vanguarda, talvez por
medo de serem taxados de conservadores, retrógrados pela esquerda que domina o país
entraram pelo caminho que outros exércitos e forças se meteram e há muito estavam
arrependidos. Convocaram mulheres para o serviço ativo. A Marinha do Brasil foi pioneira no
Brasil e se arrependia; a Força Aérea logo em seguida e se arrependia; as Polícias Militares
começaram com elas mais como assistentes sociais, nas rodoviárias e nos postos de saúde,
se arrependiam. Em São Paulo, as policiais femininas eram conhecidas por “Dona
Feminina”, assim chamada em particular por nordestinos. Os norte-americanos se
arrependem amargamente. Os Israelenses têm suas restrições embora não possa dispensar
de todo, por falta de efetivo masculino. Ora, se a mulher, como militar, fosse coisa correta os
gregos e romanos teriam usados tal artifício. Os espartanos é que davam algum
treinamento, muito mais físico, às suas mulheres de modo que elas criassem seus filhos
com os olhos voltados para os filhos de modo que eles se criassem dirigidos pelas mães
para se tornarem guerreiros. Considerando as guerras contra os medos (500-449 AC) as
mais antigas dos gregos contra um império, potência estrangeira, teremos aí dois mil e
quinhentos anos sem ser tal prática adotada. E vem uns inventores com experiência de
quinze, vinte anos de militar, arrotar modernidades, sapiência, vanguarda e cria tais
embaraços ao Exército. Como há uma enorme hipocrisia nisso, ainda hoje, responderão que
o desempenho é bom.
152
Bom, tudo que foi montado para homens (serviço temporário) foi montado para
mulheres, quer oficiais, quer sargentos. O embaraço maior foi criado no Serviço de Saúde
onde a hierarquia da atividade foi invertida. Em qualquer hospital do mundo, o médico tem
como auxiliar a enfermagem. O médico é quem tem a ascendência. No Exército, isso foi
desmontado: tem enfermeira “Capitão” recebendo ordem da “Aspirante” Médica e não raro a
capitão enfermeira não cumprindo ordens da Aspirante Médica.
Por muito, muito, pouco, em 1998 ou 99, um dos últimos Ministros do Exército
autorizou a incorporação de meninas, na Academia Militar das Agulhas Negras, de modo a
formar mulheres combatentes. Isso na mesma instalação da academia. Felizmente o
Comandante Militar da Amazônia foi alertado por seus oficiais e, pela sua coerência, o tal
Ministro adiou tudo. Felizmente, até a gora não reinventaram a situação. O que aconteceria
jovens de dezoito a vinte e cinco anos misturados na cidade, nas salas de aulas à noite, nos
finais de semana nas cidades vizinhas...
Um absurdo lógico, histórico e até psicológico.
O absurdo lógico é que, nos combatentes, se introjeta o máximo de agressividade.
Por isso se usa, como combatente, os jovens que dispõem de elevada dose de testosterona.
Sem agressividade, não haverá combatente. Da mesma forma que, sem progesterona, não
se terá a fêmea com os instintos maternos aflorados.
O absurdo histórico é o já narrado por não ser exemplo na história da humanidade e
nem na proto-história.
O absurdo é psicológico, pois as fêmeas se um dia submetidas a intenso combate
onde os horrores desestabilizam os portadores de testosteronas o que não poderá acontecer
a alguém com estrutura mental e hormonal para o uso da emoção. Ou está se querendo
“combatentes sentimentais, humanizados, carinhosos”.
No mesmo diapasão foram criados os quadros complementares de oficiais. Para os
serviços burocráticos e técnicos foi criado o Quadro Complementar de Oficiais. Isso tem
dado uma enorme dor de cabeça. A idéia original foi a de aproveitar soldados, cabos e
sargentos com curso superior. Assim, estimularia a todas as praças a estudar, claro que
nunca seriam as amazônicas e nem as pantaneiras. Inicialmente seguiriam até major. Mas,
um luminar interpretador da CF disse que tal forma não poderia porque o concurso teria que
ter caráter universal, isto é, seleção entre todos os brasileiros. Ora, a PM do ACRE faz isso,
há vinte anos: O cabo é recrutado entre os soldados; o sargento é recrutado entre os
soldados e cabos; os oficiais entre os sargentos cabos e soldados. O EB não conseguiu isso
até hoje. E como os oficiais do QCO se consideram oficiais, embora não combatentes, hoje,
exigem curso de aperfeiçoamento, promoção até coronel, transferência para qualquer local
do Brasil. Exigem até curso de pára-quedismo, guerra na selva e por aí em diante.
Portanto, quantos monstros foram criados. E se fizer a contagem de efetivo, não
houve aumento de efetivo. Mas tem muitas unidades trabalhando com menos de setenta por
cento de seu efetivo previsto. As vagas dos temporários que seriam de arma são ocupadas
por técnicos temporários.
Mas, e a solução disso? Bom, a solução está em criar menos monstros possíveis, em
particular os com nomes de MILITARES. Seria diminuir, retirar as funções burocráticas das
mãos dos combatentes. Falta coragem para propor um quadro de “funcionários civis”
especial, tal como já existe nos ministérios civis ligados à ornamentação, à receita federal e
outros. Tais funcionários teriam salários iguais aos soldo base de oficiais, a partir de
segundo tenente. Conforme o tempo de serviço seriam promovidos. Estariam com um
estatuto especial que lhes retiraria a faculdade de promover greves, de pertencer a partidos
políticos e de se sindicalizar, pois estariam em funções que envolveriam conhecimentos
especiais de interesse do Estado Brasileiro. Assim, os quartéis estariam muito aliviados de
verdadeiros funcionários públicos fardados, preocupado com a faculdade ou com a aula de
futebol do filho. Assim extinguiria os temporários técnicos e o quadro complementar
substituindo-os por funcionários civis de carreira.
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Para completar a pirâmide de oficiais, usaria o processo de completar com
temporário, mas de arma. Para melhor incentivo poderia ser adotado um sistema de melhor
aproveitamento dos alunos dos CPOR e NPOR. Aqueles aprovados em vestibular, que se
interessasse pela carreira das armas e não pela especialidade liberal obtida no vestibular,
poderia ser indicado para a Academia. Para o teste intelectual já fora testado no vestibular.
Seria submetido a exames físicos e psicológicos. Poderia entrar no segundo ano da AMAN
uma vez que parte da formação básica militar já a teria.
No Comando Militar do Oeste (CMO), encontrei uma situação altamente esdrúxula.
Certa manhã, ao entrar pelo corpo da guarda das instalações do CMO, estava de Oficial de
Dia uma Tenente Técnico Temporário cujo Comandante da guarda era uma Sargento
Técnico Temporário, sem sargento Adjunto que seria um Segundo Sargento, no mínimo. Fui
até ao Chefe de Estado Maior do CMO, um General de Brigada, de minha turma, e mostrei-
lhe a situação. Disse a ele que quem estava de fato comandando toda a guarda, de todas as
instalações, ali, seria o Cabo da Guarda. Ele era o único que tinha experiências de
combatente tanto no ataque quanto na defesa. Quis ele argumentar que a tenente ganhava
como tenente. Disse-lhe que ela não era tenente de arma. Ela era apenas técnica em
informática e nisso ela teria que ser competente, não para defesa de instalações e
aquartelamento. Ficou chateado, mas teve que engolir.
Foi assim que encontrei o Exército e foi assim que o deixei. As considerações foram
amadurecidas ao longo da carreira. Não é uma solução imediatista, de “achismo” de apenas
criação de monstros. Ainda mais que sempre servi à instituição e nunca a homens.
JP,quinta-feira, 3 de julho de 2008
HIgino

O R/2

Quando cheguei aspirante a oficial, em meu primeiro quartel, encontrei vários oficiais
R/2 – oficiais da reseva não remunerada. Os da reserva remunerada são oficiais R/1. Os R/2
foram renomeados Oficiais Temporários.
Na minha turma de AMAN tinham vários Aspirantes R/2 que foram dispensados dos
exames de suficiência (vestibular, concurso de admissão) para os primeiros colocados.
Foram muitos e hoje são oficiais como eu o fui.
Com os que servi encontrei-os bastante inseguros quanto à base teórica da profissão,
tanto do combatente quanto do especialista, isto é, da parte específica da arma.
No meu tempo eram convocados para, no máximo quatro anos. Depois eram
colocados na reserva sem remuneração. Muitos faziam esse tempo de oficial para guardar
uma reserva econômica para custear uma faculdade posteriormente. As universidades
particulares eram caras e as públicas difíceis de entrar por serem poucas. Depois isso foi
mudando. Nãosó alteraram o tempo de permanência como as fases de estágios.
Como eles ganhavam igual a mim, apenas eu tinha algumas gratificações a mais, e
não tinham eles o respaldo técnico que eu tinha, eu achava injusto ganhar a mesma coisa
eu eles. Assim, tinha minhas "pinimbas" com os oficiais R/2. Muitas e muitas vezes fui
escalado para instruções mais complexas com a desculpa de que eles não conseguiriam
desempenhar no tempo e na qualidade que se desejava.
Quando eu cheguei ao CPOR descobri que, a cada ano de estágio dos Aspirantes
R/2, nas unidades, o comandante expedia um relatório sobre todas as atividades
desenvolvidas pelo aspirante, no estágio. Na verdade as observações eram dos capitães
comandantes de companhia. Bom, quase sempre ficava no “não observado” a parte técnica
de engenharia. Talvez pela época dos estágios: janeiro a março, onde a formação dos
soldados eram apenas o básico. O que dava para observar bem era a desenvoltura com os
desempenhos de Ordem Unida e de guia ou condutor de Educação Física. E isso vinha
criticas contundentes. Fui à seção técnica de ensino e li os relatórios de cinco anos
passados. Todos reclamavam das bisonhices na ordem unida e educação física.
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Reuni os oficiais e decidimos exigir isso deles. Todos deveriam estudar e treinar a
sequencia de educação física. Durante a educação física deles, um aluno seria o
comandante e outro o guia. O guia poderia ser mudado a qualquer momento conforme
decisão do oficial orientador ou sargento monitor. Também foi recomendado o treinamento
de voz de comando de modo que cada um encontrasse o ritmo e a cadencia da voz de
comando próprios. Valia tudo para isso, em particular imitar oficiais e sargentos que eles
achassem terem boas impostação e extensão de voz. Na ordem unida, todos se revezavam
como comandante do pelotão dando ordem unida. O interessante que se notou é que
aqueles que tinham mais dificuldade eram os que mais eram escalados para repetirem os
comandos. Os que estavam em forma ficavam chateados porque os deficientes, além de
comandarem mal, ficavam muito tempo comandando mal. Depois das seções os demais
caíam de pau no com deficiência para que ele melhorasse logo. Assim, havia uma
autocobrança entre eles. Bom, depois dos estágios no ano seguinte, fui à busca dos
relatórios. Vieram vários elogios. Um e outro com pequenas deficiências. Muitos relatórios
com comparações entre os do ano anterior e daquele ano, pois o comandante era o mesmo
nos dois anos de diferentes aspirantes. O comandante do CPOR mandou me chamar para
saber qual tinha sido o milagre, pois eu alertara ao chefe da seção técnica de ensino que
havia comparações que se deveriam levar em conta. Ele, pelo alerta, resolveu despachar
com o comandante e subcomandante do centro. Bom, ficou como orientação geral a
intensiva em ORDEM UNIDA e EDUCAÇÃO FÍSICA.
No CPOR pude notar uma enorme potencialidade nesses jovens. Eles não eram
melhores formados porque não se dava os conhecimentos com profundidade. E nem teriam
tempo para isso. E nem o objetivos do curso era esse. Tudo era apenas leve conhecimento.
Para aqueles que conseguiam vagas para quatro anos, sabiam onde procurar o assunto e
daí dependeria dele estudar o assunto, perguntar a um oficial da AMAN. Eram todos muito
dedicados e ao chegar ao final do ano tinha arraigado espírito militar. Muitos deles até mais
que alguns companheiros que encontrei na Academia.
Encontrei alguns inteligentíssimos. Teve um que era o primeiro a terminar qualquer
prova. Na saída ele comentava as questões com os oficiais mostrando as perguntas com as
de respostas ambíguas, as respostas com erro, as questões que o pessoal iria errar mais...
Era simplesmente fantástico o rapaz. Fazia engenharia civil e arquitetura na UFRGS. Nem é
preciso dizer que foi o primeiro de turma naquele ano.
Assim, acabei com minha má vontade com R/2. Até passei a admirar os que, com
elevada dose de sacrifício, faziam o curso do CPOR e uma e até duas faculdades civis.
Caberia aos comandantes de companhia ser melhores informados de como explorar o
potencial deles e não simplesmente, como eu pensei, exigir o mesmo desempenho de um
oficial da AMAN embora tivessem os mesmo salários.

Reunião do Café

O texto abaixo foi concebido durante as inúmeras brincadeiras que travávamos no


batalhão, mormente naqueles minutos que se espera sempre um atrasado, para uma
reunião. Ou, para o sempre presente, em qualquer quartel, em qualquer lugar do país: a
reunião do cafezinho com o comandante, no início de expediente, preferencialmente pela
manhã, quando todas as ordens do dia anterior são alteradas. Isto, as brincadeiras,
demonstrava o perfeito entrosamento entre todos. Se vacilasse, o cachimbo caia e a
brincadeira valsava por semanas. Mais tarde, dessas brincadeiras, pude refazê-las e
aperfeiçoa-las e deixá-las registradas, como as seguintes:
Propostas de alto nível para soluções de problemas insolúveis:
– “quando se tem um problema e não sabe como resolvê-lo: nomeia-se uma
Comissão”;
– “quando se tem o problema, não se sabe como resolvê-lo e se quer empurrar com a
barriga até esquecerem-se dele, consulta-se o Escalão Superior”;
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– “quando se tem o problema, não se sabe como resolvê-lo, se quer empurrar com a
barriga para adiar o problema, para estourar na mão de outro, se faz um Grupo de Estudo”;
No mesmo molde da anterior, é a seguinte, sobre o elogio.

Rompendo com o Sistema

Como disse no texto principal, a minha turma estava chegando à promoção a coronel.
Eu jamais imaginei que tantos homens, que eu admirava, fossem tão moralmente limitados.
Para se ter o bendito “perfil profissiográfico” elevado, não bastava os desempenhos
escolares e nem os desempenhos práticos. Os chefes se postavam, como semideuses do
Olimpo, de protetores e ungiam seus protegidos. E os ungidos se domesticavam às raias do
rastejo. Até então, os oficiais eram avaliados por terço da turma. Assim, para a minha turma,
o primeiro terço de antiguidade era avaliado e colocado então em nova escala por
“merecimento”. Para se chegar a esse “mérito” são tantas contas de somar e diminuir:
conceitos, trabalhos teóricos publicados, tempo de instrutor, instrutor nas diversas escolas,
desempenho escolar... Como sempre fui meio de turma, na antiguidade, e meus
desempenhos em cursos eram de bom a regular, isto é – ruim em relação aos demais -
dificilmente eu entraria no primeiro terço. Como já disse em outro lugar, eu não sou
inteligente, sou esforçado. Não sei estudar e nem sei fazer prova.
Mas, de olho em algum ungido, mudaram o sistema. Mudaram com legalidade. É
como se os juízes mudassem a regra de um jogo, mas sem avisar aos jogadores. Assim,
por portaria, passaram a analisar toda a turma. Isso iria beneficiar alguns oficiais, que por
qualquer motivo, haviam se atrasado na promoção. Na engenharia havia um que perdera a
turma, isto é, ficou sendo promovido depois da turma 71 e antes da turma 72, por motivo de
justiça civil. Assim como tinha outro que ficara entre a turma de 71 e a de 72 por motivo de
doença: no mês do aspirantado lhe manifestou uma tuberculose. Fora declarado aspirante
depois e perdeu a turma. Assim, era da turma de formação de 1971, mas com aspirantado
em meados de 1972; o da doença concluiu o curso do IME, saiu da Arma e foi para o
Quadro de Engenheiros Militares. Na Arma de Engenharia, o de problema civil, embora
aspirante com a turma, perdeu a turma ao perder uma promoção – a de 1º tenente. Para a
promoção a coronel, com a nova portaria, e por ter unção, já há algum tempo, tinha números
de conceitos elevados. Ao incluí-lo no rol da mesma turma, ele foi beneficiado; ou melhor,
muitos foram prejudicados. E entre eles, muitos oficiais competentes tanto em desempenho
escolar como em desempenho pratico. Não afirmo que o dito oficial, que perdera a turma,
seja ruim de desempenho e de resultado escolar. O que eu aleguei foi que ele, na turma,
teria um desempenho; ele fora da turma teria outro desempenho. Por ter ficado fora da
turma, nas promoções de 1º Tenente a Tenente-coronel, sempre aparecera como o
“coitadinho” prejudicado.
Assim, tal companheiro foi recolocado na turma como se nada houvesse acontecido:
em hipótese, se era o número 8 na antiguidade de cadete do 4º ano, aí o recolocaram. Ora,
ele teria que ficar imediatamente atrás do último, pois perdera a turma. Como o da doença.
Bom, não sei qual era sua colocação, antes de ser julgado pela justiça civil. Nunca pensei se
as saídas para o Quadro de Engenheiros Militares, de companheiros melhores colocados
que ele, o prejudicaria ou o ajudaria.
Essa situação gerou um “disse me disse” danado. Não havia e-mail, mas a
quantidade de cartas, bilhetes, carona em telefone e qualquer meios obtidos, a coisa era
comentada com veemência. Na engenharia, então, o comentário vinha de todas as armas.
Eu estava no terceiro ano de comando. Estava em Rio Branco. Meu relacionamento,
com meu comandante, era com faíscas, de tanto atrito. Ele arrotava uma experiência que
não tinha e dava orientações perigosas. Pela situação de se colocar o companheiro, da
justiça civil, reposicionado, recebi inúmeros telefonemas. Eu era comandante e sempre tinha
alguém, particularmente de engenharia, a falar do caso. Até um, que mais tarde fora
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promovido a general e que comandara o 1º BEC como “bombeiro”, pois a unidade estava
aos trapos. E ele já servia no gabinetão do ministro não por mérito intelectual ou de
desempenho, mas por ser ungido pelo comandante do 1º GEC, o mesmo que entrou em
processo catatônico quando o chefe do DEC teve o enfarto. A limpeza do 1º GEC lhe
concedeu a promoção a general de divisão; por gratidão, colocou meu companheiro no
gabinetão, pois era influente junto ao então Ministro. E eu, como fiel a meus princípios e à
instituição, perguntava a eles se tinham levado ao conhecimento de seus chefes tal situação.
Mas diziam que de nada adiantaria, que alguém quis assim...
Já havia acontecido a ida da mulher de meu chefe a Rio Branco onde ela tentou
induzir minha mulher a lhe ficar cativa: disse que a promoção a general, de um oficial,
dependia da mulher e de como tal mulher se comportava; ela soube que eu tinha perfil para
ser promovido e ela iria orientar minha mulher. Talvez ter fazer como fazia a mulher do
companheiro do problema com a justiça civil que comandava o 6º BEC. No mínio levar
presentes a ela a cada viagem a Manaus. Eu disse com todas as letras, em casa, que
esquecessem isso, pois eu não me moldaria ao tipo de perfil dos generais que estavam
sendo promovido. Jamais seria omisso e jamais seria subserviente a personalismos de
incompetente. E a cada dia eu sentia que a incompetência, ou melhor, a omissão aumentava
de escalão. Em particular quando criaram o tal Ministério da Defesa. A cada dia eu me
enojava mais de, até, amadorismo no trato com as coisas profissionais militares.
Houve a promoção de 31 de agosto ou 25 de agosto. O companheiro reposicionado
saiu promovido por merecimento. Aí que os telefonemas percorreram mundo. Eu ficava
indignado: porque reclamam se não têm a dignidade de levar ao conhecimento, dos chefes,
o descontentamento. E, no caso, até seria inócua a insatisfação, pois nada faria retroagir da
promoção efetivada.
Eu pensei comigo: não estou legislando em causa própria. Pela antiguidade sou meio
de turma; por merecimento também deverei estar no meio, pois jamais o meu comandante
me fará algum tipo de reconhecimento: primeiro, porque ele nunca vivenciara as agruras de
tenente de implantação pioneira; segundo, que não assistiu as dificuldades de mudar o 7º
BEC; terceiro, que eu vivia em atrito com ele e sempre eu tendo razão no que eu discordava
dele e de seu Estado Maior. Em particular do seu Ch EM, completamente omisso. Assim,
resolvi rasgar o verbo num documento para meu comandante imediato. E mais: eu não
poderia ser omisso como comandante. Que exemplo eu daria a meus comandados!!! . E
como já registrei: tive oito subordinados que fizeram ECEME, por indução minha. Assim,
vesti a toga de comandante e escrevi o que sentia e o estava acontecendo na promoção a
coronel de minha turma de engenharia. Houvera a promoção de 25 de agosto de 1994.
Haveria a de 25 de dezembro de 1994. Em 1995, seriam 30 de abril, 25 de agosto e 25 de
dezembro. Como era um documento confidencial pessoal, eu mesmo datilografei. O texto
até tem alguns erros de português, pois não fora digitalizado para impressora de
computador, foram datilografado em máquina. A cópia esta digitalizada e abaixo.
Eu sabia da seriedade da CPO porque, no DEC, eu era quem incinerava os
documentos gerados pelo Vice-chefe,que fora relator de engenharia por algum tempo.
Depois de uns dois meses de ter remetido o oficio, o meu comandante me liga e
pergunta se eu gostaria que fosse remetido ao escalão superior o conteúdo. É que no último
item eu pedia que se fizesse chegar à Comissão de Promoção de Oficiais – CPO a
insatisfação que o caso estava gerando e, se fosse o caso, mudar, ou aperfeiçoar, ou até
mesmo deixar como estava, para amadurecer o processo antes de dizer que estava errado.
Mas havia uma insatisfação e a cadeia de comando com seus líderes deveriam saber ou
serem alertados. Disse que sim, que ele fizesse chegar ao escalão superior. Eu pensei: até
ao CMA.
Bom, em minhas alterações, de meados de 1994 até minha promoção a 25 de
dezembro de 1995, é rica em quadros de acesso por merecimento e antiguidade publicados.
Mas, para a promoção de 25 de dezembro de 1994, a minha posição para merecimento
caiu, embora eu não saiba de quanto, assustadoramente. Eu estava mais ligado à
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passagem de comando e também nunca me interessei em fazer contas sobre números de
pontos. Eu, sempre tive uma vergonha íntima, disso. Até para reclamar notas de colégio,
como cadete, como capitão. Talvez um excesso de orgulho, mais que timidez. Nesses
casos de avaliação escolar, eu sempre achei que minha obrigação era tirar a nota máxima;
se não fosse capaz disso, era uma desconsideração para com o professo perdendo tempo e
uma humilhação estar pedido décimos, explicando raciocínio, garimpando migalhas. E,
engraçado que isso é recomendado: conferir o número de pontos, nos boletins reservados
que trazem os Quadros de Acesso listados.
Fui transferido, me apresentei pronto para o serviço e novamente aparece o Quadro
de Acesso – Q A para os íntimos, onde ainda mais eu perdia pontos assustadoramente, por
merecimento. Aliás, meus pontos de merecimento eram menores que os de antiguidade.
O comandante do CMO, meu comandante, servira na então Diretoria de Cadastro e
Avaliação. Era a diretoria que fazia as contagens de pontos. Fui a ele para que tentasse
descobrir o porquê eu caíra tanto em pontuação, por merecimento. Era telefonar para o
diretor atual. Depois de uma semana ele me chama e diz que vinha uma documentação da
CPO, assinada pelo Ch EME, e que possivelmente eu seria punido. Bom, nada mais restava
que aguardar.
Uma semana depois chegava a tal documentação. O Chefe do Estado Maior é o
Presidente da Comissão de Promoções. O envelope trazia um calhamaço de papel.
O general meu comandante me chamou e começamos a ver a papelada. O oficio do
Chefe do EME era incisivo: punir e informar. O motivo era a ofensa à CPO contida no oficio
que remeti, de Rio Branco ao GEC. Aí fui ver que o meu comandante anterior, o do 2º GEC,
simplesmente havia xerocado o meu oficio e assim remetido ao CMA. E lá, sem passar pelo
comandante do CMA, foi simplesmente encaminhado, por outro oficio, sem nenhuma
consideração, argumento, critica ou concordância. Foi mais ou menos o que reza o
simplismo do burocrata: “encaminho-vos o constante do anexo, para atender o documento
da referencia”. Quando me foi perguntado se eu gostaria que fosse remetido ao escalão
superior o meu documento, eu imaginava, como de fato deveria ocorrer, que ele faria um
documento dele (o E/2 é que deveria ter feito) falando do assunto e colocando o parecer
dele. Ora, se meu documento fosse crítico, indisciplinado, caberia a ele me punir; se fosse
ofensivo, teria ainda o CMA para me punir ou mandar arquivar, por não ter importância para
a força. A partir do momento que eles receberam e encaminharam, sem restrições, é porque
concordavam com os termos. Mas simplesmente foi encaminhada, a cópia, com todos os
erros de português. Fiquei mais envergonhado dos erros do documento que da punição.
Para mim a punição fora inócua. E, mais ainda, me garantia certificar a quantidade de
incompetentes que permeavam os diferentes postos de generalato, daquela quadra vivida
pelo EB. Mais tarde, fiquei sabendo que o pobre do Chefe do EME pouco sabia da coisa.
Era seu chefe de gabinete, ou um Diretor qualquer que, em qualquer situação, era general
de brigada e secretário da CPO, para mostrar desempenho para a próxima promoção, e foi
promovido, que ficou zangadíssimo com os termos e fez todo o expediente em nome do seu
chefe e aquele apenas assinou. Como se diz na terrinha: “pegou esmola com chapéu
alheio”. Ou de forma xula, mas que explica magnificamente bem: “gozou com p... alheio”. O
Chefe do EME andava acuado, só esperando o tempo passar para a reserva, pois seu filho,
major de infantaria, havia respondido a um IPM por desonestidade. Assim, moralmente, ele
não teria estado psicológico para mandar me punir.
Bom, meu comandante, general de divisão, não ia queimar sua promoção por um
reles tenente-coronel mal criado. Assim fui punido com três dias de prisão que foram
cumpridas no quartel. Punição em 18 de abril de 1995. Veja que o meu comandante não
queria arriscar nada. Normalmente um oficial com tal antiguidade cumpre a prisão
disciplinar, um processo puramente administrativo, na residência. Ele não queria arriscar. Eu
fiquei chateado pela minha família, mas não pelo EB. Nessa situação, com repercussão na
turma de AMAN e entre outros companheiros com quem servi, até oficiais generais, eu sai
altamente fortalecido. Se eu fosse um pilantra, teria usado o caso para criar um caso enorme
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e explorar a situação para me lançar politicamente. E o que me deixou admirado foram os
termo da punição, que está em minhas alterações: não tem nada a ver com o texto do oficio
que mandei. O texto da punição é uma maçaroca de palavras que não diz nada com nada.
Fora simplesmente para cumprir a ordem vinda do Presidente da CPO. No momento em que
conversávamos coitado de meu comandante repetia seguidamente: “infelizmente vou ter
que te punir”... “tenho que cumprir a ordem”... “infelizmente”... e assim repetiu umas vinte
vezes. Depois ele pegou outro bordão: “O CMA conduziu mal esta tua situação”... e repetiu
isso zilhões de vezes até em outra oportunidade. Com isso fui promovido por antiguidade em
25 de dezembro de 1995. Fui ultrapassado por vários oficiais da turma de 72. Eles foram
promovidos por merecimento... Foi bom porque eu pude ficar mais tempo na ativa. Jamais
sairia general e como sai coronel com um ano e meio, depois dos primeiros da turma de
engenharia, eu pude ficar mais um ano e meio na ativa. Há! Outro prejuízo: pela punição eu
perdi o direito de ser promovido na Ordem do Mérito Militar. Hoje, quando vejo guerrilheiros
vagabundos recebendo a comenda, fico satisfeito de não ter sido promovido.
Mas o prejuízo maior foi terem me tirado a oportunidade de fazer o CPAAEX ou a
ESG.
Quando fui para Manaus, tentei, até conseguir, o cancelamento da punição e assim
ter condições de fazer a escola. Eu tinha algumas ideias, mas para isso precisava o
“canudo” de um curso de planejamento de alto nível. Hoje basta fazer um cursinho do dito
“Planejamento Estratégico” e “Relações Internacionais” que resolve o que eu queria. Na
verdade, o chefe do EME, que mandou me punir, morrera e eu tentei a anulação da punição.
Não me deram e depois eu soube o porquê. É que sendo anulação eu poderia pedir a
promoção por ressarcimento, e por aí a fora. Poderia provocar inúmeros incômodos. Assim,
fizeram algo meia boca: cancelamento. Não é o caso de escrever a firula que diferencia uma
coisa da outra. E também a punição fora do Comandante do CMO e não do chefe do EME.
Ele apenas ordenou que o outro fizesse.
Assim, fui punido, fui ultrapassado por mais modernos, perdia oportunidade de fazer a
ESG,o que realmente eu me interessava. Mais uma vez fiquei satisfeito de não ter tido a
oportunidade de sair general com o perfil dos que saíram no período em que fui oficial
superior. Preferi ser o eterno tenente. Infelizmente o conterrâneo Jânio Quadros tinha razão,
infelizmente.
Abaixo deixo cópia eletrônica do oficio que ocasionou tudo.
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Rondônia – Território Federal X Estado

Quando assumi Vila de Rondônia, o Território Federal de Rondônia vivia uma


situação administrativa impar: estava sendo preparado para ser o mais novo estado da
federação. Fora nomeado pelo Presidente da República para governador do Território de
Rondônia, o coronel da reserva, de artilharia, Jorge Teixeira. Antes de chegar por Rondônia,
fora um excelente Prefeito em Manaus. Era o governo militar, como chamam os comunistas,
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e em tal situação nas capitais dos estados complicados, os prefeitos eram nomeados. Antes,
ainda, o coronel fora fundador do curso de guerra na selva. Era ainda paraquedista com
todas as asinhas que um paraquedista merece. Fora nomeado para preparar o Território
para ser Estado da Federação. Assim, quando voltei, pela segunda vez, as vilas com
potenciais de municípios receberam sedes de prefeituras e a composição de todos os
secretariados. Na capital foram criados todas as Secretarias de Estado. Antes, como já dito,
Rondônia tinha dois municípios: Porto Velho que ia até Vilhena e Guajará-Mirim que
chegava até Abunã. Para essas tais sedes de Prefeitura que o antigo comandante do 5º
BEC, arquiteto, concebeu e os capitães da SecTec calcularam as estruturas. Em locais que
só tinha o nome foram transformados em municípios sendo literalmente as cidades criadas.
Os dois exemplos mais contundentes foram Ariquemes e Ca bixi. Ariquemes só tinha um
posto de combustível, duas serrarias e vários prostíbulos, função do garimpo manual de
cassiterita. Cabixi tinha uma vila de pescadores à margem do rio Cabixi e uma serraria. Um
dia voado de helicóptero com ele, me disse que criaria uma cidade ali. Fiz uma cara
surpresa para não denunciar minha incredulidade. Jorge Teixeira era maçom e como tal,
Irmão de Ordem de João Figueiredo. Tinha todas as cartas para jogar, sem intervenção de
políticos. Assim, mobiliou todas as necessidades burocráticas com pessoal treinado em
curso em outros Estados. Como lhe fora dado excepcionalidade, todo o pessoal foi
contratado em Rondônia, sem passar por concurso publico. E todo o foi como funcionário
público federal. A lei de criação do Estado, ao entrar em vigor, deixou o Estado de Rondônia
com cem anos sem despesas com pessoal: trinta de atividades, os futuros aposentados e
as pensões, dos descendentes dos aposentados, como pensionistas de funcionários
federais. Muitos funcionários do BEC foram para o governo do Estado. Junto, e no vácuo,
pelo mesmo argumento o foram os municípios. Todos os funcionários municipais, na
verdade eram funcionários públicos federais. Quem bolou isso foi muito feliz e beneficiou
muito ao novo Estado de Rondônia.

Seleção de soldados

Uma lição quando recruta e passamos a tirar serviço com arma. Aqueles jovens
recrutas eram de profunda heterogeneidade: vinham das mais diversas origens e classe
social. Uns, criados com boa alimentação; outros, com visíveis sinais de desnutrição,
notada pela baixa inteligência e ou coordenação motora; muitos que nunca foram a médicos.
De uma hora para outra recebia um mosquetão carregado com cinco munições e mais um
“pente” (carregador tipo lâmina) de reserva. Eu morria de medo. Todas as vezes que fui
render posto de guarda, fazia o maior barulho para que o “guarda da hora” me reconhecesse
antes de pedir senha e contra senha. Eu não sabia o grau de loucura dele e, com uma
poderosa arma na mão, poderia ter lá um chilique e me atirar. Como Cadete, tivemos
problemas com isso, do que falarei na oportunidade. Como comandante, recomendava que
se escolhessem bem os homens para tirar “guarda armado”. Seria necessário, que tais
jovens fossem submetidos a um teste psicotécnico na fase de “inspeção de saúde” na
comissão de seleção. Aos Cadetes e aos sargentos, isso é feito. A medicina evoluiu tanto e
novas doenças mentais são facilmente diagnosticadas É uma enorme temeridade, nos dias
atuais, não usar tais recursos. É grande o risco de colocar uma arma na mão de
desequilibrados. Estamos atrasados, nisso. Não se tem estatística de acidentes graças às
autossuperações dos tenentes oficiais de dia, que nunca são ouvidos sobre isso.

Serviço de Oficial de Dia

O serviço de oficial de dia era até divertido. Só foi muito pesado na ocasião em que
muitos oficiais estavam fora e outros em estágio e ficamos em três para tirar serviço. Isto no
Alegrete. Era o que chamávamos de Escala Eu, Tu, Ele. E chegou a ser eu e tu. Para
melhorar isso, nos finais de semana, era tirar sábado e domingo direto. Assim teria o final de
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semana seguinte todo livre. Mas, no dia a dia aparecia sempre alguma novidade. Uma
dessas novidades foi uma mulher, logo pelas cinco da manhã, que queria falar com o Oficial
de Dia. Embora os Sargentos tenham tentado saber o motivo, ela não cedeu e insistiu para
falar com o “oficial de dia”. Isso comprovava que ela já estivera no quartel em outras vezes e
sabia a quem se dirigir para resolver o problema. Ao ser avisado me dirigi ao portão e lá
estava uma mulher pequena, magra, mal arrumada. Vi logo se tratar de prostituta. Perguntei
a ela o que tinha acontecido e ela narrou:
– “Tenente, sou dona de uma tasca (na linguagem local era cabaré, do mais ralé) e
tem lá um soldado “gordo”, que é do BE e disse que vai quebrar toda minha tasca. Quero
que o senhor dê um jeito nisso. Também não quero prejudicar o miliquinho”.
Respondi que ia ver o que faria. Chamei o Sargento Adjunto e mandei-o, com o a
viatura-de-dia, até o local e trazer o tal soldado “gordo”. Quando o sargento chegou com o
soldado à paisana, era um camarada de minha companhia bem magrinho. Perguntei ao
sargento onde tinha ido parar o soldado gordo. E aí ele, com um riso de mofa, disse:
–“Tenente, aqui gordo quer dizer bêbado, embriagado, de porre”. Como era sábado de
manhã, mandei colocar o “gordo” no xadrez para curar a ressaca. Nem registro fiz da
ocorrência. Quando ele ficou sóbrio, dei-lhe um esculacho e, dando uma de paizão, fiz a
velha ameaça: “se acontecer a próxima vez...”
Da mesma maneira que o companheiro de serviço se deparava com chuva e pocilga
com porcos, eu ganhei um serviço semelhante: com muita chuva, mas sem porcos. Logo
pela manhã de um domingo chegou uma mulher que queria falar com o oficial de Dia. Lá fui
eu falar com a mulher. Perguntei logo se não era a dona da tasca. Era mulher diferente e
quando abordada me disse:
–“Tenente, quero que o senhor mande uns soldados mudar minha casa”. Quase caí
para trás.
– “Como vou mudar sua casa?” E ela, meio assustada, meio aborrecida, disse:
– “Tenente, o senhor é novo aqui. Todos os anos eles mudam minha casa. Eles já
sabem como fazer”. Vieram ao meu socorro, os sargentos de serviço comigo. O cabo da
guarda sabia da coisa. Resolvi ir eu mesmo, contrariando uma regra fundamental para oficial
de dia: sair do quartel. Isso nunca pode ser feito. Como o representante do comandante,
nunca poderá se ausentar. Onde está escrito eu não sei. Mas, arrumamos uma picape e uns
dez voluntários. Chegando ao local a situação era a seguinte: o rio Ibirapuitã estava
enchendo rapidamente e a casa da senhora, com três filhos, lavadeira e sem marido, era de
madeira, na verdade de sarrafos e folhas de madeira compensada, com dois cômodos, piso
de terra batida e coberta de zinco. Tinha mais ou menos uns quatro por cinco metros. Estava
bem na beira do rio. Fatalmente seria alagada. Bom, ela já tinha retirado tudo de dentro.
Então com os dez soldados, carregamos a casa e colocamos bem ao alto, no barranco,
onde a água não alcançaria. Ajudamos colocar de volta o fogão a carvão e graveto (não
poderia chamar aquilo de lenha) e os tarecos à guisa de mala, cama, colchão e guarda
roupas e voltamos. Na hora de sair ela agradeceu e disse mais: “Tenente, quando o período
de chuva passar, eu irei lá para o senhor mandar colocar de volta a casa porque aqui o dono
do terreno não me permite ficar. Eu tenho a casa, mas não o terreno. Então tenho que voltar
para a beira do rio”. Que sensação de impotência. Se tivesse dinheiro compraria o terreno e
daria a ela. Não sei se ela voltou ao quartel para devolver a casa ao local primitivo.
Mas como Oficial de Dia eu era considerados um dos mais duros no serviço. Nunca
me permiti mais que retirar o capacete e soltar o cinto. Assim exigia dos sargentos cabos e
soldados. Sempre fazia minha ronda entre duas e quatro da manhã, independente da ronda
dos sargentos. Mesmo que, por motivo de efetivo, eu tivesse que participar da escala ronda,
era nesse horário que eu fazia. Muitas vezes, no inverno eu fiz ronda e na volta raspar o
capacete com a unha e dele sair as lasquinhas de gelo. Imagine os soldados na beira do
açude e do rio. Algumas vezes eu mandei recuar os postos de vigilância para o interior dos
galpões de ponte.
164
Alguns lances inusitados nos serviços. Havia um motorista antigo muito conceituado
na unidade. Todas as viagens a Porto Alegre eram com ele. Os transportes mais difíceis
eram com ele. Mas um dia brigou com a mulher e resolveu sair de casa. A mulher foi ao
batalhão e o denunciou como ladrão de peças de viaturas, óleo lubrificante e outros
materiais. O miserável foi recolhido ao xadrez até que se juntassem as provas em sua casa.
Foi recolhido lá pelas quatro da tarde. À noite, lhe foi dado colchão e cobertores. Em meu
serviço, usava o regulamento: preso é preso e do xadrez eram retirados colchão, cobertor e
tudo o mais que pudesse ser usado como fuga ou como instrumento de suicídio. No outro
dia ele me chamou e disse: “Tenente, aqui está o cadeado do xadrez. Eu só não fugi porque
era o senhor que estava de serviço e também para não complicar mais minha vida”.
Perguntei como ele havia feito aquilo ele disse que havia um arame amarrando o chuveiro
do xadrez e com o arame ele tinha aberto o cadeado. Chamei o Comandante da Guarda e
lhe mostrei o cadeado. Ele ficou branco. Jamais entrara no xadrez até o local do chuveiro
para observá-lo. O erro também era meu. Ficou a lição: revistar tudo até dentro dos vasos
sanitários.
Noutro serviço, lá pelas dez da noite recolheram um soldado completamente de porre.
Havia feito arruaça. O bandido disse que queria sair do xadrez porque iria para a casa dele
em Nonoai. Mandei que fosse dormir. Aí ele resolveu balançar a porta, de ferro e bem
pesada. Fazia um barulho infernal. A guarda não poderia dormir assim. Fui até o xadrez com
o Cabo da Guarda e mais dois soldados e dei-lhe um banho de roupa e tudo. Retirei o
colchão e o cobertor. Ficou molhado e no frio. Como o cabo da guarda se levanta de duas
em duas horas para trocar os postos, disse que lhe desse outros banhos de duas em duas
horas. Depois do segundo banho, já de madrugada o cabo me acordou e disse: “Tenente , o
soldado quer falar com o senhor. Está chorando”. Perguntei o porquê, e ele disse que era de
frio. E com seu sotaque de gaucho fronteiriço disse: “Tenente, o macho treme toda vida”.
Perguntei ao soldado se ainda ele faria barulho para a guarda, e agora já mais sóbrio, disse
estar arrependido e que fora coisa de borracho. Mandei que retirasse a roupa, dei-lhe o
colchão e os cobertores. Fui com outro soldado da guarda até o alojamento dele e retiramos
de seu armário uma muda de farda que dissera ter lá, ao nos entregar a chave do armário,
que eu pedi. Assim, no conforto dormiu até clarear do dia. No dia da baixa me procurou e
pediu mais uma vez desculpas e que me via como uma pessoa justa. Pedi minhas
desculpas, e disse que há momentos que não se pode amolecer; ele, no momento
precisava de uma lição dura, maior que a afronta que pretendia causar. Ficamos amigos.

Soluções Técnica para Problemas Disciplinares

Na minha vida de oficial de engenharia, algumas vezes, de tenente a major tive


oportunidades de ter, por subcomandantes, oficiais com curso do IME. Mais tarde, passaram
a serem subcomandantes oriundos do QEM. E tive, quando no DEC algumas vezes Chefe
de Gabinete, de engenharia com curso do IME e nas diretorias subordinadas, chefe de
gabinete também do QEM. Quando comandei, também tive em algumas oportunidades,
subcomandante do QEM. Essas situações me chamaram a atenção para alguns detalhes.
Particularmente se o comandante era inseguro nas lides de construção por haver a
tendência de comer pela mão do técnico. Mas ali o militar não era o técnico: era o
subcomandante com todas as suas ações codificadas.
Alguns oficiais tendiam a serem lenientes com coisas graves, se visto no aspecto
puramente militar, mas compreensíveis, se considerar o ambiente de trabalho. Eles tinham
dificuldade em estabelecer a diferença entre o erro em razão do ofício, isto é, só erra quem
faz, e o mal profissional que pratica o mesmo erro repetindo-o três ou quatro vezes. Esta
repetição, já deixa ser apenas pelo ambiente: há que se pesquisar a imprudência e a
negligencia particularmente. Daí eu ter cunhado o mote: “Errar uma vez é azar; duas vezes
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no mesmo erro, é coincidência; errar a terceira vez a mesma coisa, os dois anteriores viram
antecedentes”.
Outros, com medo de serem considerados “civilitarizados”, eram rígidos demais e
seguiam a ferro e fogo os regulamentos. O erro pelo ambiente, só erra quem faz, muito
comum nos BEC, não era considerado. Daí o militar deixava de ter iniciativa, pois se errasse
saberia que ninguém poderia ajudá-lo a entender o que o levou ao erro. Criava-se um clima
de inércia e de desconfiança até nas atividades simples.
Havia também os que viam em tudo apenas o aspecto técnico. Qualquer atitude se
enquadraria entre o mais e o menos, entre o lucro e o desperdício. Se fosse mais e ou lucro,
era correta; se fosse menos ou desperdício, era errada. Eram desperdícios: a instrução
militar, a educação física, a instrução de tiro, a marcha de oito km... A tropa, por ele, seria
uma empresa civil fardada.
Assim, notei que quando os subcomandantes eram do QEM e os comandantes eram
inexperientes em construção, em geral a coisa ficava confusa para os oficiais combatentes.
Há uma tendência do oficial do QEM tomar medidas técnicas para problemas disciplinares e
administrativos. No meu comando tentei evitar o subcomandante do QEM. Embora mais
antigo, ficou como Chefe da Seção Técnica; o oficial de engenharia mais antigo ficou de
subcomandante. O do QEM me acompanhava em tudo e não entrava em forma em
nenhuma situação: ficava ao meu lado.

Terceira Companhia do 5º BEC

Já me reportei sobre o cabo que voltou à sede depois de oito anos. Ele disse que
saíra, nas equipes de topografia, na 3ª Companhia, na frente do batalhão, em direção ao
Acre e chegara a Feijó, no Acre. Então a 3ª Cia foi a que mais estrada abriu. E estrada
pioneira. Quando se fala “abriu” é porque começava com a topografia, e o cabo velho junto,
o desmatamento, a equipe de bueiro e até a equipe de revestimento. Fora tentado até no
Acre, entre Sena Madureira e o Rio Purus, onde se trazia algum material siltoso, perto de
Sena. E abria estrada que ligava uma cidade a outra ou um Estado a outro como foi o caso
de Rondônia e Acre. Fora na 3ª Companhia que se quebrou todos os recordes de produção,
de números de máquinas trabalhando, números de homens trabalhando. Foi a companhia
que mais serviu de escola a várias gerações de oficiais, hoje alguns são generais. Foi
também onde trabalharam os melhores operadores, os melhores mecânicos. Foi a grande
escola de formação profissional indo de cozinheiro passando do auxiliares de mecânico, de
lubrificação, de eletricistas até a mestres de tais especialidades. Isso sem falar na formação
de mestre de campo.
A 3ª Companhia sempre fora a grande vanguarda quer nos trabalhos de “verão”, quer
de “inverno”. Nesse combate contra o isolamento e plantando desenvolvimento, ela foi tanto
mais pioneira que o próprio batalhão. Ela fora o laboratório onde tudo era testado, até a
pressão psicológica do pessoal de passar seis meses sem ver familiares. Ou, como vi,
famílias inteiras acompanhando indo de acampamento em acampamento com filhos e
mulheres. Quantas pessoas poderiam ter, em seu registro de nascimento, assim descrito:
“Local de Nascimento: BR 364, Km 620, trecho Rio Antimari - Igarapé Fumaça”. A imagem
era a mesma que se deixa aparecer na história do Brasil quando da Guerra do Paraguai:
tropa, carreta de logística, carreta de vendedores, de famílias e até de meretrizes. Se for
verdade o refrão, que consta na canção do Batalhão, “é o quinto que vai”, ele só ia porque
em algum momento a “3ª Companhia já fora” primeiro e já caminhava muito à frente. É que
se existiam as inaugurações, pela sede do batalhão e autoridades, é porque a Companhia já
havia passado e deixado seu trabalho como troféu.
Em 1976 é anunciado que o batalhão terá outro teste de pioneirismo. Começaria o
asfaltamento na direção de Porto Velho. Pioneiro em asfaltamento na Amazônia. Os planos
de trabalhos seriam pequenos para que se formassem as escolas mais especializadas.
Muito oficiais, sargentos, cabos, soldados e até funcionários civis foram fazer estágios no
166
nordeste, sobre asfaltamento. Mas qual foi a Companhia de Engenharia que foi a
subunidade pioniera, do batalhão pioneiro? Novamente a 3ª Companhia de Engenharia. E
nesse pioneirismo chegou a Ariquemes; fez a Variante do Samuel, para se desviar da
represa da hidrelétrica feita nesse Rio. Foi, antes da inauguração, a primeira “implantadora
de asfalto”, cercada de inúmeras empresas civis na mesma missão, a liberar o tráfego à
população quinze dias antes da inauguração. A despeito de todas as dúvidas, de todas as
torcidas contra, até mesmo do 2º Grupamento, aliado à DOC, ao DNER e todas as
empreiteiras juntas, de todas as descrenças, a 3ª Companhia cumpriu seu PT/84 para que
tudo fosse inaugurado no dia e hora exigidos. E sem mentiras, comum nesse tipo de evento,
onde se faz uma imprimação, com taxa elevada, e depois se faz a sinalização horizontal
sobre ela. Faz-se a autoridade sobrevoar e ver tudo como se completo estivesse. Se a
autoridade percorresse todo o trecho da 3ª Companhia veria que ele estava inclusive com os
meios-fios pintados com cal.
Mas, sempre a velha desculpa de falta de recursos. Resolveram tornar o 5º BEC do
tipo III para o tipo II, isto é, suprimiram-lhe uma companhia para transferir para alguém,
como em 1977 fizeram com o 7º BEC, cedendo uma companhia ao 9º BEC. Por mais que se
insistisse, alguns falsos cartesianos, porque de nada entende desta filosofia, renumeraram o
batalhão e suprimiram a 3ª Companhia do BEC. Um imenso desrespeito à tradição, nós que
ufanamos de praticantes da tradição. Penso que se fosse na cavalaria isso teria sido
respeitado. Quantas histórias, quantas malárias em Caritianas, no Britador, na Usina de
Asfalto, nas Malvinas... e as anteriores em MUrbano, em Sena Madureira... simplesmente
um boletim interno, de um maldito dia, sepultou o suor, saúde e mocidade de milhares de
“quinbequianos” (com n antes de b). Matou tudo.
A falta de experiência de alguns, deixa o empirismo tomar conta da razão e permite a
tomada de ações açodadas e ilógicas. A forma como os BEC trabalham, à primeira vista,
parece que menos uma companhia trará economia à unidade. Mas a estrutura administrativa
da sede de um BEC é a necessária tanto para uma como para três companhias. Mesmo ao
retirar uma companhia, a sede continuará com o mesmo efetivo, com os mesmos gastos. E
basta olhar a apropriação de um BEC: a sede só entra nas despesas. Ela não produz, não
gera riqueza. É necessária para os controles e os apoios logísticos. Mas em termos de
produção de construção sua contribuição é zero. Como se dizia, quando tenente: “A sede só
dá prejuízo; é a apropriação que diz”. As despesas da sede são incluídas na produção
aumentando os custos unitários. Em um BEC a três companhias, há o equilíbrio na unidade.
Se se retira uma subunidade, o corpo terá a “cabeça” grande para os membros; se retirar a
segunda, aí a cabeça será a maior parte desse corpo em relação aos membros. Será uma
unidade paraplégica (como deixaram o 7º BEC). Ora, esqueceram da sinergia: três
companhias produzem mais que a produção de: uma vezes três. Tentando uma equação da
coisa tem-se: 1+1+1 > 3x1. Se isso não for verdadeiro, milenarmente os exércitos estarão
errados, por serem ternários. A diluição das despesas da sede, em três frentes de trabalho,
baixará o custo unitário geral da unidade. Sempre existirá SEDE, mesmo que todas as
companhias estejam ociosas. Não informaram isso aos falsos cartesianos.
Ultimamente o Exército tenta se modernizar. Acompanhando a moda do governo,
muda nomes sem mudar atitudes. O que era “ensino” passou a ser “educação”. Pensam que
o um não é precondição do dois. De importante é que foi incorporada a palavra “cultura” no
nome do Departamento responsável pela educação. Tomara que, por tal vertente, se
remonte os valores e tradições (formadores da cultura) da força terrestre. E nesse caudal,
tomara que alguém se lembre de estudar a história da 3ª Companhia do 5º BEC. Com
absoluta certeza, ela tem mais acervo que muitas unidades de construção. Resgatar sua
história parece não muito difícil. Bastaria renomear as companhias do batalhão. O 5º BEC
teria a 1ª e a 3ª Companhia. O inusitado de ter a 3ª sem ter a 2ª já seria o suficiente para
homenageá-la, pelo despertar da curiosidade. A explicação do inusitado honraria os
milhares de militares que foram forjados na sua inquietude, pioneirismo e arrojo... Os que
passaram por sua bandeira, mais que todos, “NÃO VIVERAM EM VÃO”.
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Um Acampamento de uma Equipe

Relutei um pouco para escrever sobre o que era, na minha época, uma Equipe de
Terraplenagem. Não queria, para não tornar o texto cansativo e desinteressante. Mas, o
meu objetivo não é um trabalho literário para ser, ou não, agradável a um leitor que pagará
por uma obra. E também porque tenho plena certeza que, já passados trinta e cinco anos,
não mais existem registros de como isso era feito. Na década de 90, do século passado, um
coronel Chefe do Estado Maior do 2º GEC, para mostrar desempenho para a promoção, por
escolha, acabou com os arquivos e históricos das unidades com uma maluquice de paisano
chamada de “Qualidade Total” que usava o processo 5S, isto é, tudo que é velho e não está
usando, queima-se. E, com isso, os documentos que registravam as atividades, da década
de 70, se foram.
Mas uma equipe era formada segundo uma capacidade de produção, em metros
cúbicos de aterros/corte, de um determinado plano de trabalho. Assim, a equipe seria uma
“UNIDADE DE PRODUÇÃO”. Esse valor não vou registrar aqui porque ficaria muito técnico.
As equipes de máquinas eram dimensionadas para trabalhar vinte e quatro horas por dia
com descanso só no domingo, momento em que a máquina era desligada. É claro que
quando havia problemas mecânicos, então a máquina era desligada. Os operadores
trabalhavam doze horas com duas horas para almoço A equipe da noite fazia um lanche à
meia-noite. A troca de turno era às seis da manhã e dezoito da noite, como já dito em outro
lugar. Era um turno muito longo e que esgotava muito o pessoal O turno da noite pouco
podia dormir pelo calor e pelas péssimas condições dos alojamentos.
Vamos dimensionar as máquinas e funções e depois chegar a um efetivo e dai
dimensionar o acampamento. Então, na Amazônia, em particular no Acre, pelo solo argiloso,
uma equipe de terraplenagem era formada de:
– equipamentos pesados:
– cinco motoescrêiperes, para transporte de material, do inglês “moto-scraper”,
aportuguesado; o nome técnico, em português, seria “moto-escavo-transportdora”; mais
tarde a abreviatura que era MS, passou a ser MT (Moto-transportador)
– cinco tratores de esteira, tipo D/8 como empurrador (PUSHER) – um por
transportadora;
– duas motoniveladoras: uma, nivelando a pista, melhorando os caminhos das
escrêiperes e, outra, retificando rampas de talude de corte;
– um trator de esteira, tipo D/7, para auxílio na pista e limpeza de caixas de
empréstimo e crista de corte;
– equipamentos leves:
– um ou dois rolos compactadores para o corpo de aterro o rolo é pé de carneiro; se
houver material adequado, para a camada final (20 cm compactados) usas-se rolo de pneu
ou liso;
– trator agrícola par arrastar ou os rolos ou as grades de disco ou pequenos
deslocamentos de comboio de lubrificação e máquina de solda;
– grade agrícola para homogeneização de umidade;
– máquina de solda;
– elemento de lubrificação - era um chassi com um compressor de ar, local para seis
tambores (quatro ou cinco de diferentes óleos lubrificante e hidráulico e uma ou duas para
graxa); isso era colocado sobre uma carretinha de arrasto, com quatro rodas sendo duas
dianteiras moveis para facilitar as manobras. A injeção de óleo e graxa era feito por pressão
de ar comprimido por meio de válvula, propulsores e mangueiras de alta pressão. Já no final
dos anos oitenta estava fora de moda sendo substituído, o conjunto, por um caminhão -
comboio de lubrificação
– viaturas:
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– um caminhão transporte de água, caminhão pipa especializado, isto é, com
dispositivos de motobomba, válvula de alívio rápido, mangueiras, barra de aspersão e ou
bico de aspersão (bico de pato), para melhorar a umidade;
– um caminhão de lubrificação: chassis e veículo com um conjunto de lubrificação,
tanque para abastecimento de emergência, água para lavagem, recompletamento de
arrefecimento;
– um veículo de transporte de pessoal (caminhão comercial com toldo ou ônibus);
– veículo para transporte em geral – tambores de óleos lubrificantes, hidráulicos,
peças, conjuntos pesados e ou cargas em geral, preferencialmente dotados de guindaste
tipo munck;
– um veículo leve para mecânicos (peças, caixas de ferramentas, pessoal,
ferramentas especiais);
– um veículo leve (tipo jipe), equipado com rádio (coisa mais para os anos noventa)
com o Chefe da equipe.
– caminhão tanque de combustível para abastecimento das máquinas com diversos
cumprimentos de mangueiras, dispositivo medidor para controle de abastecimento.
Tanto equipamento pesado era função do solo imensamente argiloso onde as motos-
scraper cortavam o material em blocos, como se fossem enormes barras de sabão, que para
serem lançados precisava ajuda de uma máquina de esteira pesada, como se empurrador
fosse. Pelo mesmo motivo, usava-se o trator D/7 para auxiliar as motos-niveladoras no
espalhamento. Há um superdimencionamento de equipamento nisso. As equipes de
terraplenagem, no nordeste difere bastante. Lá, a quantidade de caminhões de transporte de
água é grande devido o transporte longe. Claro que, para outras áreas, esses equipamentos
eram reajustado, ficando um trator como empurrador, para até três transportadores. É bom
lembrar deveria haver um ciclo de máquina adequado para se produzir o desejado e assim
se tornar uma referencia, uma unidade de produção. Penso que a inspiração fora tirada dos
manuais de produção das máquinas e dos manuais do DNER, hoje DENIT.
Para movimentar tudo isso era preciso mobiliar com o pessoal técnico e com o
pessoal de apoio.

Qde Máquina/Viatura Qde Função Obs


5 Moto Escrêiperes (MT) 10 Operadores MS (MT)
5 Trator de Esteira D/8 10 Operadores TE
1 Trator de esteira D/7 2 Operadores TE
2 Moto Niveladora 4 Operadores MN
2 Trator agrícola 4 Operadores TA
2 Rolos compactadores 0 Arrasto no TA K (CLP)
2 Grade agrícola 0 Arrasto no TA GD
1 Máquina de solda 2 Soldadores
1 Comboio de lubrificação 2 Lubrificadores Ou
1 Caminhão de lubrificação 4 2 mot + 2 lubrif CL
1 Caminhão tanque de combustível 4 Motoristas CTC
1 Caminhão transporte de água 4 Motoristas CTA
1 Caminhão Comercial (Trans Pessoal) 2 Motoristas CC
1 Caminhão Comercial (Munck) 2 Motoristas CC (Munck)
1 Caminhão Leve(caminhão 1ton) 2 Motoristas CCL(mecânico)
1 Veículo leve (tipo jipe), com rádio 2 Motoristas CP/JP
1 Grupo Gerador 5/7 Kva 1 Operador GG
2 Chefes de Campo
2 Eletricista de Equp/Vtr
2 Mecânicos
2 Cozinheiros
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4 Apontadores
2 Enfermeiros
2 Radio operadores
1 Operador de Gerador
2 Apropriador
4 Auxiliar de mecânico
4 Auxiliar de lubrif
6 Auxiliar cozinha
1 Ch de Acampamento Sgt/Ten QAO
1 Enc rancho Cb/Sgt
1 Médico Oficial Temp
1 Chefe equipe 2º/1ºTen
SOMA EM PESSOAL 90
Esse era em média o efetivo de uma equipe de terraplenagem. É claro que uma equipe
dessa acabava por ser reforçada por alguma outra equipe: topografia, laboratório de solo; reforço
temporário de mecânico; em Feijó, tinha pessoal para duas equipes alem dos reforços ainda tinha
a Equipe de Bueiro;
Em função disso se montava os tapiris, com madeira local e muito arame ou até prego
coberto de folhas de palmeiras (que o regional chamava de palha) formando duas águas. O
modelo do tapiri para alojamento era padrão: largura com dois cumprimentos e meio de rede e
dois metros e meio, mais ou menos de altura. Em geral tinha uns vinte e cinco a trinta metros de
comprimento. No centro do tapiri se deixava a meia-rede de comprimento para que o pessoa
transitasse sem passar por baixo de redes. Assim, num alojamento tinha duas linhas de redes e
cada um chegava à sua rede pelo centro. Num alojamento de trinta metros, se colocava uma
lâmpada de cinco em cinco metros no centro. As malas, sacos e sacolas era na “esculhambação
pois não tinha armários. A maioria fazia pequeno jirau (trapiche, para os regionais) e sobre eles
acomodavam suas coisas. É claro que havia reclamação de pequenos roubos. Também se
fechava a lateral do comprimento para proteger da chuva. A cabeceira ficava aberta para circular
o ar e facilitar a entrada. Para cada trinta homens um alojamento. Para os trabalhos de vinte e
quatro horas, cada turno tem que ter um alojamento. Assim, quem está acordado não atrapalha o
sono do outro. Se turno de doze horas, no mínimo dois alojamento; se de oito, três alojamentos.
Para rancho se fazia a cozinha e um lugar fechado a pau a pique onde se guardava os gêneros.
Colado a isso se fazia o refeitório com mesas improvisadas com paxiuba. Paxiuba, em particular
a barriguda, é uma palmeira quase oca e que sendo tratada permitia fazer, do tronco, tábuas. Os
seringueiros usam essa palmeira para fechar suas casas, fazer o piso, fazer a cama, mesa,
banco... e os índios arco de flecha. Faz-se meia parede de palha. O refeitório tem que caber
cerca de um terço do efetivo. A latrina é tipo poço de trinta a cinqüenta metros das alojamentos.
Não pode ser muito longe porque, em caso de chuva, à noite o peão não vai até lá e faz as
necessidades por perto. O grupo gerador, em geral o motor era Yanmar ou MWM de um ou dois
cilindros, gerador bambozzi. Ao conjunto, os peões chamavam de cabeça quente porque era
refrigerado a ar e esquentava muito o cabeçote, era para o serviço do rádio e para iluminação de
rancho, alojamento e privada. Em geral esses tipos de acampamento é junto de igarapé que
facilita tomar banho e lavar roupa. É uma vulnerabilidade para ataque de mosquito e de
infestação de malária. Assim eu encontrei uma equipe de terraplenagem e assim me mobiliaram
com pessoal. Mais tarde, em outro trecho procurei melhorar tais tapiris, mas não muito.

Uma Pequena Estatal do Machadinho

Em uma das vezes que servi no 5º BEC, talvez na terceira, comandava o 6º BEC uma
figura bem pitoresca. Era baixinho, franzino, mas de uma vitalidade imensa. E de decisões
rápidas. A mim, parecia muito próximo da precipitação. Os demais comandantes o chamava de
Machadinho. A DOC, quem adjudicava as licitações de viaturas e equipamentos, disse que não
mais adjudicaria licitações de viaturas com chassis dos caminhões Volkswagen. A experiência em
Santarém não fora boa. O Diretor da DOC era poderoso o suficiente para proibir qualquer
aquisição. Mas os preços estavam bons e as viaturas razoáveis em termos de rusticidade. Na
verdade, já dito em outros textos, era uma salada de frutas: motor MWM, caixa de marchas
Allison e diferencial TINK. Inicialmente, cada marca dessas fazia a entrega técnica de sua parte.
E aí o jogo de empurra quando alguma coisa não funcionava. A Volks já havia assumido a
manutenção de todos os componentes, portanto... havia de quem exigir a manutenção e
assistência técnica. O que fez nosso comandante do 6º BEC?... comprou caçambas pelo SAS. O
SAS do 6º BEC tinha muito dinheiro, pois vendia para civis fora do batalhão. Era um
supermercado, talvez o primeiro supermercado de Boa Vista. Os comerciantes locais não
chiavam porque eles não tinham capacidade de oferecer produtos variados a preço nenhum,
muito menos a preços compatíveis. O próprio governo do Estado incentivava ao batalhão. Mas o
mestre Machadinho fez melhor. O SAS tinha CGC, hoje CNPJ e, portanto, podia emitir notas
fiscais. Na época, vendas entre órgãos públicos tinham dispensa de licitação. Como dizia um
capitão do 5º BEC: o SAS é uma pequena estatal com capital majoritário dos batalhões. Bom, ele
comprou três caçambas, pelo SAS com recursos SAS, sem fazer licitação, pois para o SAS não
tinha licitação. Depois ele comprou mais cinco caçambas, pelo SAS, pedindo um prazo de
pagamento (um mês talvez); O SAS comprou as caçambas, emitiu nota fiscal vendendo-as ao
batalhão (como intermediário sem lucro), sem licitação, porque era entre órgãos públicos; a
tesouraria do SAS recebeu o pagamento da tesouraria do batalhão, que pagou à concessionária
dos caminhões. Tudo perfeitamente legal. Poderia alguém alegar irregularidade, mas foi
judiciosamente honesto e moralmente correto. Queriam punir o Machadinho. Ele alegou que
fizera a compra para aproveitar o preço, o que era verdade, portanto tudo o que fizera fora para
melhor aproveitar os recursos do tesouro. Bom, passaram a exigir licitação para compras de
material permanente com recursos do SAS, sendo o controlador o 2º GEC.
E o Machadinho não fez nada com novidade. Ele mesmo argumentava que a Marinha, o
Ministério da Marinha, colocava todo o seu orçamento anual no Fundo da Marinha, e o faz até
hoje. Pelo Fundo, a Marinha compra o que quer, onde quer e quando quer. O SAS do 6º BEC
nada mais foi que um Fundo do 6º BEC.

Vivendo uma realidade Irreal

Já disse algumas vezes que minhas instruções eram muito práticas e muito próximo da
realidade. Essas realidades, no que eu acreditava ser essencial ao tenente, me custaram sustos,
dores e quase a carreira. A minha vida era a realidade de uma guerra “amanhã cedo”. Tal
realidade era a minha vida ou melhorando, a minha vida era essa realidade. Quando eu queria
pensar diferente, por conversas com outros oficiais, me dava um vazio, uma sensação de estar
traindo alguém que eu não sabia identificar: o povo, a pátria, a família, os meus soldados. Era
uma sensação de desconforto. E quando conversava com alguém que fazia da vida militar
apenas um cabide de emprego (daí minha pinimba com os tenentes temporários) me deixava
frustrado e até tratando com desprezo tal militar. Sempre tiver uma enorme facilidade em perder o
respeito profissional por pessoas mercenárias. Em muitas oportunidades cheguei às raias da
indisciplina. Nas oportunidades que tive de escarnecê-las, ironizá-las eu assim fiz. Sem nenhuma
sensação de remorso, de piedade, de dó. Em várias oportunidades preferi agir só que contar com
a ajuda de um mercenário. Já afirmei em outra oportunidade que a atividade militar requer
confiança mútua, em fim lealdade em todas as direções e sentidos. Em mercenário nunca confiei
nem para atividades burocráticas.
Por ter essa concepção de militar, sempre usei minhas armas em excelentes condições de
uso. Quando usava as pistolas do quartel, sempre as desmontava para certificar de sua
manutenção. Sempre usei dois carregadores completos de munição. Munição sempre nova.
Coldre particular que deixava o cabo da arma no comprimento da mão. O fecho do coldre era
lubrificado de modo a desengatar rápido. Sempre tive uma munição na câmera e o sistema de
percussão desarmado. Nos momentos de ação, que tivesse em algumas oportunidades, tinha
uma munição na câmara, a pistola engatilhada e o cão no descanso (um quarto do curso) que é
uma posição de segurança (trava para os leigos). Treinava engatilhar a pistola, no momento de
sacá-la do coldre, comprimindo a alça de mira no cinco de guarnição. Nos treinos foram vários
disparos no chão, até aprender. Comecei com munição inerte, depois com munição real. Quando
de oficial de dia, ia para o estande fazer meus treinos com pistola e com meu revólver particular.
Isso porque eu sempre fui um mau atirador. Meu estado normal de comportamento é o do tipo
dinâmico. Às vezes até o momento do almoço me parecia perda de tempo. Então não tinha
paciência para ficar demorando em cada tiro. Praticava atirar como vaqueiro americano em seus
filmes. Isso porque depois de vinte metros, o tiro com arma curta é de difícil acerto. Considerando
que um homem normal corre cem metros em vinte segundos, então teria que sacar e dar o
primeiro tiro, com eficácia em, no máximo, quatro segundos. Por essa concepção de militar eu
sempre trabalhei, durante as instruções de soldados, dentro da realidade e no limite da
segurança. Aos soldados era o primeiro contato, mas para mim era adestramento. Assim fiz em
todos os postos até o último dia do serviço ativo.

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