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A RTIGO ORIGINAL

Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI):


aplicabilidade no diagnóstico de transtorno invasivo do
desenvolvimento e retardo mental
Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI): applicability in the diagnosis of pervasive
development disorder and mental retardation
Roseli Paicheco1, Julianna Di Matteo2, Simone Cucolicchio3, Cláudio Gomes4, Marcio Falcão Simone5, Francisco Baptista Assumpção Jr6

Data de recebimento: 28/10/2009 Resumo Abstract


Data da aprovação: 07/01/2010 O objetivo da pesquisa foi verificar The goal of this research is to verify
através do Inventário de Avaliação Pediá- through Pediatric Evaluation of Disa-
trica de Incapacidade (PEDI), diferenças bility Inventory (PEDI), differences in
no desempenho funcional e a necessida- performance and the need of aid from
de de auxílio do cuidador em 61 crianças, the caregiver of 61 children, being 34 of
sendo 34 com transtorno invasivo do de- them with pervasive development disor-
senvolvimento e 27 com retardo mental, der and 27 with mental retardation, the
com médias de idade 8,06 e 8,12 respec- average of their age is between 8,06 and
tivamente, todos diagnosticados previa- 8,12 respectively, all previously diagno-
mente por equipe multidisciplinar, atra-
sed by a multidisciplinary team, through
vés das escalas ATA, CARS e Vineland.
the scales ATA, CARS and Vineland.
Os dados obtidos foram analisados
The collected date were statistically
estatisticamente, através do programa
analyzed by the program Bioestat 5.0,
Bioestat 5.0, realizando test t para com-
and T Tests were made to compare the
paração de médias, o qual não eviden-
ciou diferenças significativas no desem- averages, which showed no significant
1. Terapeuta Ocupacional clínica da Asso-
ciação para Valorização de Pessoas com penho e na necessidade de auxílio do differences in performance and the need
Deficiência (AVAPE), na Unidade Clínica cuidador, exceto no item mobilidade de of aid from the caregiver, except for item
de São Bernardo do Campo, especialista em mobility of functional abilities.
saúde mental na infância e na adolescência habilidades funcionais.
pela Faculdade de Ciências da Saúde de São
Paulo. Palavras-chave: Retardo mental/ Key-words: Mental retardation /
2. Psicóloga clínica, Gerente de Unidade da diagnóstico, Transtorno autistico/diag- diagnosis; Autistic disorder/diagnosis;
AVAPE no Programa de Reabilitação Profis-
nóstico, Transtornos globais do desen- Child development disorders, pervasive;
sional da Zona Sul, especialista em terapia
cognitivo comportamental pelo Instituto de volvimento infantil, Avaliação da defici- Disability evaluation; Psychiatric status
Psicologia da Universidade de São Paulo ência, Escalas de graduação psiquiátrica rating scales
(IPUSP).
3. Fonoaudióloga clínica da AVAPE, na Uni-
dade Clínica de São Bernardo do Campo.
4. Assessor Clínico da AVAPE, Diretor do
Serviço de Reabilitação da Santa Casa de
Introdução Características do autismo também
São Paulo. são encontradas em outros transtornos
Autismo é uma síndrome compor-
5. Assessor Clínico da AVAPE, Médico Psi-
tamental de etiologias múltiplas e dis- do desenvolvimento. Em decorrência,
quiatra assistente do Serviço de Psiquiatria foi descrito um “continum autístico”
do Hospital do Servidor Público Estadual túrbios do desenvolvimento, caracteri-
– SP. zados por déficits na interação social, que varia de acordo com o grau de com-
6. Psiquiatra, Doutor em Psicologia pela observados através da inabilidade em prometimento cognitivo(2). Existe uma
PUC – SP, Professor livre docente pela grande relação com a deficiência men-
FMUSP, Professor associado do Instituto
relacionar-se com o outro, usualmente
de Psicologia da Universidade de São Paulo combinado a déficits na linguagem e no tal e esta associação chega até 2/3 dos
(IPUSP). relacionamento(1). casos(3).

Med Reabil 2010; 29(1); 9-12 9


Paicheco R, Di Matteo J, Cucolicchio S, Gomes C, Simone MF, Assumpção Jr FB

O diagnóstico de retardo mental Transtornos Invasivos de Desenvolvi- educadores que estejam familiarizados
(RM) pode variar de acordo com as mento com idade média de 8,06 ± 1,08 com a criança ou através de observação
influências que o indivíduo sofre do anos, entre os meses de abril e maio de direta durante a execução das tarefas.
meio no qual foi estruturado, por isso 2008, todos inseridos em programas de Deve se considerar que a entrevista re-
é um quadro clínico de difícil precisão reabilitação diferenciados, há mais de 2 trata seu desempenho em casa, e a ava-
(4)
. Está relacionado ao funcionamento anos, na Unidade Clínica AVAPE de São liação em consultório pode ser diferente
adaptativo, que se refere ao modo como Bernardo do Campo. uma vez que a criança pode reagir, inti-
o indivíduo enfrenta com eficiência, as Os participantes foram diagnostica- midada, a um ambiente estranho.
exigências do dia – a – dia e o grau em dos previamente por equipe multidis- O teste consiste em três partes, sen-
que atinge os critérios de independência ciplinar, sendo avaliados clinicamente do:
pessoal esperados quando comparados e através das escalas ATA(8) e CARS(9) - Parte I - retrata a funcionalidade da
aos demais de sua idade, bagagem só- , específicas para autismo, e Vineland, criança em ambiente doméstico, corres-
cio-cultural e contexto comunitário (5). visando avaliação de desenvolvimento. pondendo a realização de atividades e
Exceto em alguns casos genéticos, A escala Vineland é de fácil aplica- tarefas cotidianas, em três áreas: auto-
que já são conhecidos e sabe-se que ine- ção e por isso muito utilizada em popu- cuidado (73 itens), mobilidade (59 itens)
rente a eles está o Retardo Mental, estes lação com retardo mental. Avalia o nível e função social (65 itens);
diagnósticos só são definidos após os funcional da criança em quatro áreas, a - Parte II – retrata a quantidade de
primeiros anos de vida, depois das famí- saber, comunicação, atividades de vida ajuda fornecida pelo cuidador, infor-
lias observarem atrasos no desenvolvi- diária, socialização e habilidades moto- mando sobre a independência da crian-
mento, dificuldades em realizar algumas ras mensurando um quociente de desen- ça, na realização de 20 tarefas funcio-
tarefas ou alterações no comportamento, volvimento (10). nais nas mesmas áreas de autocuidado
ou ainda quando creches e escolas refe- O PEDI é um instrumento de ava- (8 itens), mobilidade (7 itens) e função
rem tais situações, pois nesta fase inicial liação infantil, que possui o objetivo de social (5 itens).
da vida, espera-se um desenvolvimento fornecer uma descrição detalhada do - Parte III - verifica se a criança uti-
contínuo, que favoreça a diminuição da desempenho funcional da criança, docu- liza alguma modificação no ambiente,
dependência materna e/ou cuidador, o mentando suas mudanças longitudinais que facilite sua execução/desempenho,
que muitas vezes não ocorre. O conceito em três áreas funcionais: autocuidado, em uma escala nominal que inclui qua-
de independência refere-se a desasso- mobilidade e função social. Fornece tro categorias: nenhuma, centrada na
ciação de um ser em relação a outro, do também, dados acerca do quão inde- criança (utilizadas por crianças com
qual dependia ou era por ele dominado. pendente o paciente é ou se precisa da desenvolvimento normal, como redu-
Seria o estado de quem ou do que tem intervenção de cuidadores, bem como se tor de vaso, utensílios de plástico, entre
liberdade ou autonomia. utiliza alguma modificação no ambiente outros), de reabilitação (para necessida-
Devido à dificuldade que pacien- para facilitar seu desempenho(7). Geral- des especiais, adaptações) ou extensiva
tes com Transtornos Invasivos ou com mente é um teste aplicado em crianças (para mudanças arquitetônicas).
Retardo Mental tem em responder aos com incapacidades/dificuldades físi- Para cada item da Parte I é atribuído
testes psicométricos (6), e sabendo que cas(7), porém já se encontram na literatu- escore 1 se a criança for capaz de exe-
alguns quadros psiquiátricos são carac- ra, pesquisas com aplicação em crianças cutar a atividade funcional, ou o escore
terizados por alterações perceptivas e com retardo mental(11). 0 se não for capaz, sendo o escore total
cognitivas específicas (atenção, memó- Foi traduzido e adaptado no Brasil, , de cada área, obtido através da somató-
ria, planejamento) que prejudicam seu do original norte-americano “Pediatric ria de pontos.
desempenho, o uso de escalas e inventá- Evaluation of Disability Inventory” (12) Na Parte II, cada item é pontuado em
rios é de suma importância para se ava- seguindo todos os critérios e procedi- uma escala ordinal, que varia de 5 (se a
liar o nível funcional e adaptativo. mentos descritos na literatura, que in- criança desempenhar a tarefa de forma
Assim, o objetivo desta pesquisa foi cluíram as etapas de tradução, adaptação independente, sem qualquer ajuda) a 0
verificar, através do Inventário de Avalia- cultural e desenvolvimento de normas (se necessitar de assistência total, sendo
ção Pediátrica de Incapacidade (PEDI) brasileiras, sendo realizado pelos Depar- completamente dependente no desem-
(7)
, se existem diferenças no desempenho tamentos de Terapia Ocupacional e de penho da tarefa funcional). Os escores
funcional e na necessidade de auxílio
Fisioterapia da Universidade Federal de intermediários descrevem as quanti-
do cuidador em crianças diagnosticadas
Minas Gerais. Seus dados normativos, dades variadas de ajuda fornecida, tais
com Transtornos Invasivos de Desenvol-
que constituíram a amostra de padroni- como supervisão (escore 4), assistência
vimento e com Retardo Mental.
zação brasileira, foram obtidos através mínima (escore3), assistência moderada
de 276 crianças da Região Metropolita- (escore 2) ou assistência máxima (esco-
Procedimentos metodológicos na de Belo Horizonte (7). re 1), sendo necessário conhecer os cri-
Foram avaliados 61 sujeitos, 27 É um questionário aplicado através térios definidos para pontuação de cada
apresentando retardo mental com idade de entrevista com o cuidador, pelo jul- item, segundo o manual e os escores de
média de 8,12 ± 1,37 anos, e 34 com gamento clínico de alguns terapeutas ou cada área também somados.

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Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI)

Na Parte III, não há escala quantita- Tabela 1 - Comparação entre os índices do PEDI, habilidades funcionais, nas populações porta-
tiva. doras de Retardo Mental e Transtornos Abrangentes de Desenvolvimento. Diferenças significa-
Os dados obtidos foram analisados tivas observadas somente na área referente a mobilidade para p=0,005
estatisticamente através do programa Autocuidado Mobilidade Função social n
Bioestat 5.0 (13), com as médias entre os RM 53,22 ± 13,7 53,04 ± 6,68 * 37,64 ± 13,31 27
diferentes escores comparadas através
TID 50,85 ± 15,51 57,47 ± 3,68 31,44 ± 13,1 34
do teste t de Student.

Resultados Tabela 2 - Comparação entre os índices do PEDI, assistência do cuidador, nas populações
portadoras de Retardo Mental e Transtornos Abrangentes de Desenvolvimento. Não foram
A partir das avaliações realizadas, observadas diferenças significativas, para p=0,005
observamos os resultados das Tabelas 1,
Autocuidado Mobilidade Função social n
2 e 3.
RM 26,3 ± 10,64 31,59 ± 5,58 12,78 ± 6,22 27
Discussão TID 22,76 ± 10,36 33,5 ± 3,97 11,12 ± 7,1 34

Mediante os resultados obtidos não


foram encontradas diferenças, estatis- Tabela 3 - Comparação entre os Quocientes de Desenvolvimento obtidos através da escala Vi-
ticamente significativas, entre os itens neland, nas populações portadoras de Retardo Mental e Transtornos Abrangentes de Desenvol-
autocuidado e função social na escala de vimento. Não foram observadas diferenças significativas, para p=0,005
habilidades funcionais (Tab.1) e também QD (Vineland) n
entre os três itens da escala de assistência RM 37,70 ± 10,53 27
do cuidador (Tab.2), porém no item mo- TID 36,50 ± 10,29 34
bilidade, encontramos para a população
com Retardo Mental a média de 53,04
± 6,68 e para a população com TID a de somente para guia de funcionalidade e 2. Wing L. The autistic continuum. In: Wing
evolução do tratamento, uma vez que L. Aspects of autism: biological research.
57,47 ± 3,68, médias essas diferentes, London: Royal College of Psychiatrists &
significativas (Tab.1), devido a provável engloba as diferentes áreas comprometi-
The National Autistic Society; 1988.
comprometimento neurológico associado das pelos diagnósticos estudados, sendo 3. Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. ���� Com-
ao RM uma vez que, na população estu- de extrema importância nos processos pêndio de psiquiatria: ciências do compor-
dada, se encontravam 7 casos associados de reabilitação. tamento e psiquiatria clínica. Porto Alegre:
Portanto, independente do resultado Artes Médicas; 1997.
a quadros de Paralisia Cerebral. 4. Assumpção Jr FB, Kuczynski E. Defici-
Como não encontramos diferenças dos escores totais do PEDI é importante
ência mental. In: Assumpção Jr FB, Ku-
significativas entre as médias obtidas verificar não só a pontuação das sub-es-
czynski E. Tratado de psiquiatria da infân-
através do Vineland, para Retardo Men- calas mas, principalmente a observação cia e adolescência. São Paulo: Atheneu;
tal e para os portadores de TID, as duas clínica que interfere, de maneira decisi- 2003. p. 247-63.
populações nos parecem semelhantes, va, na estruturação de um projeto tera- 5. Associação Psiquiátrica Americana (APA)
pêutico. Manual de diagnóstico e estatística de dis-
quer sob o ponto de vista funcional, quer túrbios mentais (DSM IV TR). 4ª. ed. Porto
sob o ponto de vista intelectual obser- Alegre: Artmed; 2002.
vando assim, uma correlação direta en-
Conclusão 6. Klin A, Saulnier CA, Sparrow SS, Cic-
tre a escala Vineland e o PEDI (Tab.3). Conclui-se que na amostra estudada chetti DV, Volkmar FR, Lord C. Social and
Desta forma, as duas populações são não há diferença significativa no de- communication abilities and disabilities
in higher functioning individuals with au-
iguais no que se refere a idade e a padrão sempenho e na necessidade de auxílio tism spectrum disorders: the Vineland and
de desenvolvimento e, embora tenham do cuidador, porém que o Inventário de the ADOS. J Autism Dev Disord. 2007;
diagnósticos clinicamente diferentes, Avaliação Pediátrica de Incapacidade 37:748-59.
apresentam as mesmas necessidades de pode favorecer e contribuir na identifi- 7. Mancini MC. Inventário de Avaliação Pedi-
suporte (observadas através do PEDI – cação de prejuízos no desempenho da átrica de Incapacidade (PEDI). Belo Hori-
cuidadores) mesmo com a população zonte: Editora UFMG; 2005.
criança, possibilitando que o cuidador
8. Assumpção Jr FB, Gonçalves JDM, Cuco-
portadora de RM tendo maior prejuízo, acompanhe a evolução do tratamento licchio S, Amorim LCD, Rego F, Gomes C,
estatisticamente significativo, na área de com nitidez e colabore com o plano de et al. Escala de avaliação de traços autís-
mobilidade. tratamento, trazendo maior autonomia ticos (ATA): segundo estudo de validade.
A avaliação de desempenho não per- para o paciente. Med Reabil. 2008; 27:41-4.
mite o reconhecimento das populações 9. Pereira AM. Autismo Infantil Tradução e
Validação da CARS (Chidhood Autism Ra-
estudadas, pois o estudo não evidenciou Referências Bibliográficas ting Scale) para uso no Brasil. (Dissertação
sensibilidade para a detecção de qua- 1. Gillberg C. Infantile Autism: Diagnosis de Mestrado) Porto Alegre; Universidade
dros suspeitos, ou seja, não possibilita and treatment. Acta Psychiatr Scand. 1990; Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade
diagnóstico, servindo este instrumento, 81:209-15. de Medicina; 2007.

Med Reabil 2010; 29(1); 9-12 11


Paicheco R, Di Matteo J, Cucolicchio S, Gomes C, Simone MF, Assumpção Jr FB

10. Sparrow SS, Balla DA, Ciccheti DV. Vine- 2 e 5 anos de idade. Arq Neuropsiquiatr. of Boston University , Health and Disabili-
land Adaptative Behaviour Scales. Mines- 2003; 61:409-15. ty Research Institute; 1992.
sota; American Guidance Service; 1984. 12. Haley S M, Coster WJ, Ludlow LH, Hal- 13. Ayres M, Ayres Jr M, Ayres DL, Santos AS.
11. Mancini MC, Silva PC, Gonçalves SCM, tiwanger JT, Andrellos PJ. Pediatric Evalu- Bioestat 5.0. Aplicações estatísticas das
Medeiros S. Comparação do desempenho ation of Disability Inventory: Development, áreas das ciências biológicas e médicas.
funcional de crianças portadoras de Sindro- Standardization, and Administration Ma- Belém; Sociedade Civil Mamiraua; 2007.
me de Down e desenvolvimento normal aos nual, Version 1.0. Boston , MA : Trustees 364p.

Instituição onde o trabalho foi realizado: Unidade Clínica de São Bernardo do Campo da AVAPE – Associação para Valorização de Pesso-
as com Deficiência.
Endereço para correspondência: Roseli Paicheco. Av. José Fornari, 1777 – São Bernardo do Campo – SP – (11) 4127-9333.

12 Med Reabil 2010; 29(1); 9-12

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