Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
313
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
314
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
1
MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA. Presídios com Nome de Escola. Inspeções e
Análises sobre o Sistema Socioeducativo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://drive.google.
com/file/d/1g9zmH9HXgN1NGrcxeLAd9u0dMsCvLN9L/view. Acesso em: 15 mar. 2020.
2
Vide item “VI.2.” do Relatório de inspeção realizado no Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo em 28
de janeiro de 2020. p. 10.
3
Vide item “VI.1.” do Relatório de inspeção realizado no Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo em 28
de janeiro de 2020. p. 9.
315
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
4
Cf. item “VI.2.” do Relatório de inspeção realizado no CAI Baixada em 28 de janeiro de 2020. p. 11.
316
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
5
Vide Informe de visita ao Centro de Socioeducação Dom Bosco, elaborado pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura, de 03 a 29 de outubro de 2019. p. 10. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/v835dgxtxrxqlfn/
relatorio%20mecanismo%202019.pdf?dl=0. Acesso em: 4 ago. 2020.
317
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
318
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
À luz dos fatos acima narrados e do instrumento empregado, certo é que existe
legitimidade ativa da Defensoria Pública para impetrar este habeas corpus coletivo,
nos termos do art. 134, caput, da Constituição da República, do art. 5º, II, da Lei nº
7.347/1985, dos arts. 1º, caput, 4º, VII, IX, XI, XVII, da Lei Complementar nº 80/1994
e dos arts. 139, X, e 185 do Código de Processo Civil.
319
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Trata-se de tema que foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal no bojo
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3943, ocasião em que se concluiu pela
compatibilidade constitucional do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985, já que busca
efetivar o acesso à justiça, enquanto componente do núcleo essencial da dignidade
humana, e promover políticas públicas diante das omissões estatais, como reação à
insuficiência dos modelos judiciários convencionais.
Naquela oportunidade, prosseguiu a ministra Cármen Lúcia frisando que a
pertinência entre o ajuizamento de ações coletivas e a legitimidade da Defensoria
Pública limita-se à verificação do enquadramento do caso às funções institucionais,
sendo impertinente eventual restrição quanto ao aspecto econômico dos interessados
coletivos, in verbis:
320
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Jurisprudência da IOB. V. III. Civil, Processual Civil, Penal e Comercial. Jan. 2011.
p. 29)7.
Com efeito, a Defensoria Pública possui ampla legitimação para defesa dos
interesses coletivos lato sensu, tratando-se de verdadeira função classicamente
denominada de atípica, por ser o fator econômico irrelevante quando diante de
hipótese de defesa de pessoas e/ou valores8 abrangidos pela atuação institucional.
Cuida-se de hermenêutica que vem há muito sendo defendida pela doutrina
institucional de Franklyn Roger e Diogo Esteves:
A tutela coletiva não pode ser restrita à hipossuficiência econômica dos indivíduos
como pressuposto para a atuação da Defensoria Pública. Sabe-se que as funções
institucionais da Defensoria Pública podem ou não estar relacionadas às condições
econômicas dos assistidos, conforme já analisado ao longo da obra.
Nesse passo, a defesa dos interesses difusos e coletivos enquadra-se como verdadeira
função atípica da Defensoria Pública, em razão da desvinculação da situação
econômica dos beneficiários. [...]
Não se pode admitir uma interpretação fechada do texto constitucional,
principalmente no que versam as normas que estabelecem princípios, a exemplo dos
arts. 5º, LXXIV, e 134. A hipossuficiência não é encarada apenas do ponto de vista
econômico, mas reflete a ausência de compreensão técnica e educacional somada
a fatores de ordem econômica e social, gerando uma desvantagem – desequilíbrio
nas relações sociais.
É neste contexto que emerge a Defensoria Pública, como Instituição capaz de conferir
assistência jurídica integral aos necessitados nas mais diferentes acepções, refletidos
do ponto de vista difuso, coletivo ou individual homogêneo, independentemente da
matéria versada (tutela do meio ambiente, patrimônio etc.).9
Fixada essa premissa, é evidente que o caso em tela possui forte pertinência com
as funções institucionais da Defensoria Pública. Isso porque, como visto, este habeas
corpus coletivo almeja a concessão da ordem em favor de todos os adolescentes
representados ou sentenciados pela prática de ato infracional no estado do Rio de
Janeiro, no sentido de que seja proibida a expedição de novos mandados de busca
e apreensão e que sejam sobrestados aqueles já expedidos, em razão da situação de
emergência sanitária decorrente da pandemia da Covid-19.
Trata-se, pois, de matéria visceralmente relacionada ao perfil constitucional da
Defensoria Pública, instituição que é incumbida da “promoção dos direitos humanos”
e da “defesa [...] dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados” (art. 134 da CRFB; art. 1º da LC nº 80/1994).
Em sendo a instituição responsável pela defesa dos vulneráveis, não é à toa
que a Lei Complementar nº 80/1994 estabelece que é incumbida da defesa de
crianças e adolescentes, individual e coletivamente, competindo, ainda, atuar nos
7
Voto da Min. Cármen Lúcia na ADI nº 3943 / DF, Julgamento: 07/05/2015, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJe-154
DIVULG 05-08-2015 PUBLIC 06-08-2015. p. 35-43.
8
SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz
sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição? In:
SOUSA, José Augusto Garcia de (Coord.). Uma nova Defensoria Pública pede passagem. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011. p. 40.
9
ROGER, Franklyn; ESTEVES, Diogo. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017. p. 398-399.
321
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Pela narrativa fática apresentada, bem como pelos documentos ora anexados,
percebe-se que há uma situação de risco de os adolescentes acusados ou já sentenciados
pela prática de ato infracional serem apreendidos por força de mandados antigos.
Sobre o tema, o artigo 5º, LXVIII, da Constituição da República dispõe que
“conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso
de poder” (grifo nosso).
No que concerne aos pacientes, diante da conjuntura atual de emergência
sanitária, eles têm direito de permanecerem em liberdade e não serem apreendidos por
mandados de busca e apreensão por fatos anteriores. Submetê-los à constrição de sua
liberdade em período excepcional significa aglomerá-los nas unidades socioeducativas,
em evidente descumprimento das medidas das autoridades sanitárias, sem que haja
qualquer justa causa iminente para tanto.
No que toca aos adolescentes em favor dos quais ainda não há ordem judicial
determinando a sua apreensão, certo é que também se impõe a concessão da ordem,
haja vista que o ordenamento jurídico pátrio admite o habeas corpus preventivo.
Nesses casos, em que pese inexista ainda ordem judicial para tanto, já existe uma
ameaça iminente à sua liberdade ambulatorial.
Acerca do cabimento do habeas corpus preventivo quando alguém for
ameaçado em sua liberdade ambulatorial, leciona Aury Lopes Júnior:
322
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
10
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen,
2011. v. 2. p. 645.
323
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
324
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Como visto, em que pese tenha sido declarada situação de emergência sanitária
em razão do novo coronavírus e da imperiosa necessidade de adoção das medidas de
evitar aglomeração de pessoas, todos os dias ingressam uma série de adolescentes nas
unidades socioeducativas do estado do Rio de Janeiro em cumprimento a mandados
de busca e apreensão, sem que tenham sido encontrados em estado de flagrância
nem tenham cometido qualquer fato novo.
Tal fato, a toda evidência, acarreta risco ainda maior de disseminação do
coronavírus nas unidades socioeducativas. É que, a partir do momento em que há o
ingresso de novas pessoas no seu interior, perde-se completamente o controle sobre
325
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta
e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor,
salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime
inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.
§ 1º Os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício
de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito;
da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição.
§ 2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do
juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá
a responsabilidade do coator.
11
O GLOBO. Pacientes sem sintomas são responsáveis por dois terços das infecções de coronavírus. Disponível
em: https://oglobo.globo.com/sociedade/pessoas-sem-sintomas-sao-responsaveis-por-dois-tercos-das-infeccoes-de-
coronavirus-24307692. Acesso em: 24 mar. 2020.
326
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
12
Para um estudo da cláusula da “proibição do excesso” na doutrina portuguesa veja, NOVAIS, Jorge Reis. As
restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003. p 729 et seq.
327
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Com efeito, não há dúvidas de que há uma estrita ligação entre os princípios e a
proporcionalidade (Verhältnismäβigkeitsgrundsatz), o que decorre da própria definição
dos princípios como mandado de otimização. Assim, enquanto os subprincípios
da adequação e da necessidade referem-se à otimização quanto às possibilidades
factuais existentes; o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito refere-se à
otimização quanto às possibilidades jurídicas existentes14.
Partindo-se dessa premissa, verifica-se que, em princípio, não é possível fechar
por completo as portas do sistema socioeducativo. Isso porque, apesar de ser uma
medida adequada aos fins almejados (evitar o ingresso e a propagação do vírus
no interior das unidades socioeducativas) e necessária (pois permitiria, ao máximo,
alcançar o objetivo final), fato é que ela não é proporcional em sentido estrito.
Vale dizer: fechar por completo as portas do sistema socioeducativo implicaria
restrição demasiada ao interesse do Estado na persecução penal, revelando-se medida
desproporcional.
Nesse diapasão, fazendo-se, uma ponderação entre os interesses em jogo, não
há outra solução senão permitir que só haja o ingresso de novos adolescentes em
caso de apreensão por flagrante de ato infracional.
Além de ser uma medida que encontra amparo no ordenamento jurídico, nos
termos do referido dispositivo do Código Eleitoral, fato é que ela atende a dois dos
alicerces do sistema socioeducativo, quais sejam, os Princípios da Intervenção Precoce
e da Atualidade (art. 100, par. único, VI e VIII, da Lei nº 8.069/1990).
O primeiro exige que “a intervenção das autoridades competentes deve ser
efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida”. Com efeito, é injustificável
a execução de uma medida em tempo muito posterior à prática do ato infracional,
ante a rapidez com que ocorrem modificações na situação de vida de uma pessoa
em desenvolvimento.
Sobre o tema, tem-se os ensinamentos de João Batista Costa Saraiva:
Nada justifica que a execução de uma medida socioeducativa seja um tempo muito
posterior à prática do ato infracional. O adolescente, pessoa em desenvolvimento,
tem sua situação de vida modificado em tempo razoavelmente rápido. Se no
momento da prática do ato infracional havia necessidade de intervenção mais
drástica, pode ser que, em razão de um novo contexto de vida e acompanhamento
familiar, não seja mais necessária a intervenção por medida socioeducativa15.
13
Esse terceiro subprincípio corresponde a uma máxima que é designada por ROBERT ALEXY, Direitos Fundamentais
e princípio da proporcionalidade. Tradução Paulo Pereira Gouveia. O Direito, Lisboa, ano 146, n. 4, 2014, p. 821,
como a “Lei da Ponderação”, que diz que “Quanto maior for o grau de não realização ou de afetação de um princípio,
maior deve ser a importância da realização do princípio colidente”, devendo, portanto, excluir, entre outras, uma
interferência intensa em determinado princípio (P1) que seja justificada apenas pela pequena importância atribuída à
satisfação do princípio colidente (P2). O resultado é a “Fórmula do Peso”. Ibid., p. 823.
14
ROBERT ALEXY, Direitos Fundamentais e princípio da proporcionalidade. Tradução Paulo Pereira Gouveia.
O Direito, Lisboa, ano 146, n. 4, 2014, p. 819.
15
SARAIVA, João Batista da Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 4. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 77.
328
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
16
SARAIVA, João Batista da Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 4. ed. rev.
atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 77.
329
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Foi justamente por essa razão que, recentemente, o ministro Rogério Schietti,
do Superior Tribunal de Justiça, asseverou que a crise mundial provocada pela Covid-19
impõe que o Poder Judiciário adote “intervenções e atitudes mais ousadas”, tendo
determinado que o paciente de um habeas corpus fosse colocado em liberdade
assistida. Confira-se o fundamento empregado pelo ministro, in verbis:
330
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
6. DOS PEDIDOS
331
PEÇAS PROCESSUAIS - Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nº 30 - 2020
Nesses termos,
p. deferimento.
332
Assinado em 25/03/2020 13:57:00
CUSTODIO DE BARROS TOSTES:9687 Local: TJ-RJ
1099
EMENTA
-1-
RELATÓRIO
É o relatório.
VOTO