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SUGESTÕES PARA UM CUIDADO PASTORAL DE

CARÁTER UNIDUAL. REFLEXÕES TEOLÓGICAS


E ANTROPOÉTICAS
SUGGESTIONS FOR PASTORAL CARE OF UNIDUAL CHARACTER.
THEOLOGICAL AND ANTHROPO-ETHICAL REFLECTIONS

Gerson Joni Fischer.1


RESUMO

O cuidado pastoral envolve a todos que desejam comprometer-se com o


evangelho de Jesus Cristo e é direcionado a pessoas que vivem em seus
respectivos contextos familiares e sociais. O questionamento levantado no
presente artigo envolve a percepção crítica de que, por vezes, as ações da
igreja cristã, orientadas por uma teologia de caráter dualista, reproduzem
uma pastoral antropológica e eticamente equivocada. O modo de pensar
cartesiano moderno não faz jus ao testemunho bíblico que anuncia um Deus
que “abraça” as suas criaturas por inteiro. As interpretações bíblicas, que se
transformam em teologias específicas, têm por tarefa pôr-se a serviço de uma
pastoral situada em tempo e local determinado, devendo ser expressão do
amor de Deus pelas pessoas. Justificam-se, portanto, trabalhos que possuem
uma preocupação hermenêutica, que representem o esforço de compreender o
evangelho sempre voltado às pessoas e em diálogo crítico com as realidades nas
quais elas estão inseridas. É hipótese do tema discutido que o cuidado pastoral
deve inevitavelmente se manifestar enquanto ação antropoética; envolver-se-á
com o ser humano de modo respeitoso e ético. O artigo procura dar conta
de dois objetivos. O primeiro motiva a uma leitura bíblica que preste atenção
com mais acuidade à antropologia expressa em suas páginas. Faz-se isso por
meio da reapropriação de dois termos/expressões oriundos da teologia feita
na Reforma do século XVI: teodidatismo e espírito ensinável. O outro alvo é
apresentar criticamente o conceito de pessoa que imperou na modernidade e a

1 Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST), professor da Faculdade


Teológica Batista do Paraná (FTBP), Curitiba, PR – Brasil. Pós-Doutorado em
Berlim, Alemanha, abril a novembro de 2010. Ênfase da pesquisa: neurociências e
neurofilosofia. Grande área: Ciências Humanas/ Áreas: Filosofia e Teologia. Local da
Pesquisa: Humboldt University of Berlin. Apoio: Dr. José Raimundo Facion. Bolsista
da: Evangelische Kirche in Deutschland. O presente artigo é uma versão ampliada
de palestra apresentada na Faculdade Teológica Batista do Paraná em 29.10.2012.
Contato: gersonjf@hotmail.com.

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“nova” imagem que vai surgindo na cultura hipermoderna, impulsionada, não
por último, pelas neurociências, que tendem a reduzir o que é o ser humano.
A metodologia faz uso de recursos bibliográficos e exprime uma lógica do
diálogo entre fé cristã e ciência. Os resultados sugerem que as práticas de
cuidado pastoral devem considerar eticamente a pessoa em seu contexto de
vida, compreendendo-a enquanto alma vivente, em toda a sua expressividade
corporal e espiritual, apontando sempre para a reconciliação de homens e
mulheres em Cristo e a esperança de um reino de justiça.

Palavras-chave: Cuidado pastoral; teologia e antropoética; teodidatismo e


espírito ensinável; dualismo cartesiano e neurociências.

ABSTRACT

Pastoral care involves all who desire to be committed to the gospel of Jesus
Christ, and is directed towards people who live within their respective familiar
and social contexts. The questioning raised in this present article involves
the critical perception that, at times, the actions of the Christian church,
guided by a theology of dualistic character, reproduce a pastoral ministry that
is anthropologically and ethically erroneous.  The  modern Cartesian  way of
thinking does not do justice to the Biblical testimony which announces a God
that “embraces” his creatures as a whole. Biblical interpretations, which are
transformed into specific theologies, are aimed to service a Pastoral ministry
which is situated in a certain time and place, as an expression of God’s love
for people. Projects that are justified are those with a hermeneutical concern,
and that represent the effort of comprehending the Gospel, always directed
towards people and within a context of critical dialog with the reality in which
they are inserted.The theme at hand maintains the hypotheses that pastoral
care should unequivocally manifest itself as anthropo-ethical action; involve
itself with the human being in a respectful and ethical manner. The article
aims to account for two objectives. The first promotes an acute biblical reading
that focuses on the anthropology there expressed. That is done through
the reappropriation of two terms/expressions derived from XVI century
Reformation Theology: Theo-didactics and a Teachable Spirit.  The other goal
is to critically present the concept of person which prevailed in modern times;
and the “new” image that  arises in hypermodern culture, strongly driven by
neurosciences that tend to reduce what the human being is. The methodology
makes use of bibliographic resources and expresses the rationale of the dialog
between Christian faith and science. The results suggest that the practices
of pastoral care should ethically consider the person within her life context,
comprehending her as living soul in all its physical and spiritual expression,
always pointing towards the reconciliation of men and women in Christ and
the hope in a kingdom of justice.

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Keywords: Pastoral care; theology and anthropo-ethics; Theo-didactics and
teachable spirit; Cartesian dualism and neurosciences.

1. Introdução

Autores e personagens das escrituras bíblicas testemunharam


em seu tempo de vida acerca do amor de Deus pela humanidade.
O texto clássico que motiva a igreja cristã na evangelização
dos povos, João 3.16,2 destaca que o aparecimento do Filho de
Deus neste mundo deu-se em razão do amor de Deus Pai pela
humanidade, com destaque a cada pessoa em sua individualidade,
chamada a crer com o fim de integrar-se a uma espécie de vida
que se vive na perspectiva da eternidade. O enfoque do presente
trabalho, em forma de artigo, é a pessoa e se expressa na pergunta:
“Pessoa: acontecimento espontâneo ou determinado?” Há algo
de especial na pessoa, distintamente dos demais animais, que a
torna alvo do amor de Deus? Em caso de uma resposta positiva, as
reflexões que consideram o núcleo da mensagem cristã necessitam
permanentemente associar uma clara e inequívoca antropologia
teologicamente situada. A esse esforço agrega-se a demanda por
uma prática pastoral da parte dos que participam da comunidade
cristã, em seus distintos contextos, que seja eticamente definida,
ou melhor, de uma antropoética, em uma reapropriação conceitual
do termo usado e definido pelo educador francês Edgar Morin.3
Estas considerações iniciais parecem evidentes, não fosse
uma longa tradição histórica e teológica de vivência comunitária

2 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional. Traduzido pela


comissão de tradução da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo: Vida, 2000,
p. 849.
3 Edgar MORIN. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São
Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000, p. 105-115.

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e de prática pastoral que tende a negar o humano por meio de
uma particular compreensão da escravidão da humanidade ao
pecado. Ainda que não se possa desconsiderar tal realidade,
nem o testemunho bíblico a esse respeito, a indagação que se
levanta é se o fato anula a pessoa. Não prossegue sendo esta de
Deus a “sua imagem”? (Gn 1.27).4 Não se trata aqui de defender
a visão otimista e moralista, tipicamente moderna, acerca das
possibilidades de progresso da humanidade, mas da afirmação
da liberdade e dignidade da pessoa, determinada pelo pecado, e
ainda sim um ser espontâneo.5
A presente abordagem tem basicamente dois objetivos. De
um lado, com atenção especial às discussões de cunho filosófico que
vêm sendo feitas em função do avanço das pesquisas em torno do
funcionamento do cérebro humano nas neurociências, objetiva-se
situar a compreensão de pessoa na cultura contemporânea. Ver-
se-á que procede a atual crítica ao dualismo cartesiano que separa
o corpo da alma.6 A reflexão teológica feita nos tempos modernos
e a decorrente proposta de prática pastoral no âmbito da igreja
cristã também necessitam sujeitar-se a esta crítica.7 O outro
intento é despertar o interesse para uma leitura e interpretação
bíblica que reconhece a condição do homem e da mulher no que

4 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 1.


5 George Wolfgang FORELL. The Significance of Being Human: A Lutheran
Perspective. In: RUSSEL, William R. (ed.) Martin Luther, Theologian of the
Church: Collected Essays of George W. Forell. Word & World Supplement Series 2,
September, Ave. St. Paul, Minesota, EUA, 1994, p. 222-230.
6 António R. DAMÁSIO. O erro de Descartes. Emoção, razão e o cérebro humano.
3. ed. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012.
7 David J. BOSCH. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da
missão. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2002.

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concerne à sua fundamental servidão ao pecado, sem que se anule
reflexivamente e pastoralmente a dignidade e liberdade intrínseca
da pessoa como criada à imagem e semelhança de Deus. Esse
objetivo será alcançado por meio do resgate do sentido de duas
palavras/expressões ricas para a tradição da Reforma protestante
do século XVI: o teodidatismo e o espírito ensinável. É hipótese
do tema aqui apresentado que o cuidado pastoral que acolhe
tanto a mensagem da encarnação, quanto da cruz e ressurreição
de Cristo se manifestará sempre enquanto atuação antropoética,
isto é, envolver-se-á com a pessoa de modo respeitoso e ético.

2. Ser ensinável e por Deus ensinado

Para o reformador da igreja, Martim Lutero, a justiça que


decorre da fé e a liberdade cristã, a saber, a experiência pessoal do
amor reconciliador de Deus, é a gênese de uma inclusão aprendiz.
Nesta, se passa a ser instruído por um ensino que procede de Deus.
Fundamental para ele é a passagem bíblica de João 6.45: “Está
escrito nos Profetas: `Todos serão ensinados por Deus´.”8 Vir a
Jesus, em conformidade com o que o evangelista João escreve ime-
diatamente antes (Jo 6.44), compreende justamente essa inserção
como um processo de aprendizagem que se origina divinamente.
A menção de Martim Lutero ao evangelho de João e a este
processo que nomeia de teodidatismo faz eco a outras passagens
bíblicas que se encontram no horizonte de seu pensamento e

8 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 853. Nesta


passagem Jesus faz alusão ao que é afirmado em Isaías 54.13 (p.586). Martim
LUTERO. Tratado de Martinho Lutero sobre a liberdade cristã. In: Obras
Selecionadas: o programa da Reforma: escritos de 1520. São Leopoldo/Porto Alegre:
Sinodal/Concórdia, 1989. V. 2, p. 460.

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apontam para a nova aliança na graça de Deus por meio de Jesus
Cristo. Um destes textos é Jeremias 31.31-34: “Porei a minha lei no
íntimo deles e a escreverei nos seus corações” (v. 33).9 “Ninguém
mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo:
`Conheça ao Senhor´, porque todos eles me conhecerão, desde o
menor até o maior” (v. 34).10 Estas afirmações do profeta permitem
o entendimento que aprender de Deus é um acontecimento que
se processa no “coração” humano e deriva da justificação pela
fé em Cristo, a saber, da experiência libertadora que nasce da
consciência do perdão dos pecados: “Porque eu lhes perdoarei a
maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados.” (v. 34).11
O teodidatismo de Martim Lutero corresponde em João
Calvino a um espírito que se tornou ensinável. A expressão
“espírito ensinável”, por este criada,12 obedece a uma transformação
da pessoa na qual o “Espírito Santo forma ouvidos para ouvir
e mentes para entender (...) a quem, mercê de Sua iluminação,
o Espírito Santo haja feito nova a mente.”13 Tal condição para
a aprendizagem, comum ao entendimento destes reformadores,
inclui a capacitação para convencer-se que a justificação e a
liberdade decorrem do perdão dos pecados e não do esforço
humano em cumprir leis e praticar boas obras. Em outros termos,
fundamentam-se em iniciativa divina e na fé que acolhe estas

9 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 628.


10 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 628. Martim
LUTERO. Tratado de Martinho Lutero sobre a liberdade cristã, p. 460.
11 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 628.
12 Richard Robert OSMER. A Teachable Spirit: Recovering the Teaching Office in
the Church. Louisville (Kentucky): Westminster/John Knox, 1990, p. 50-52.
13 João CALVINO. As institutas ou tratado da religião cristã. 2. ed. São Paulo:
Presbiteriana, 1985. V. 2, p. 37-38.

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dádivas. Envolve, no mais, uma (re)descoberta permanente e
necessária para a maturação da vida em liberdade, a ser buscada
em oração, ou seja, de que o pecado resume-se na superstição
de conferir à realização de ordens e tarefas mais estima do que
merecem, generalizando-as como ações que deveriam tornar Deus
favorável ao ser humano.14
As considerações anteriores, oriundas do pensamento
evangélico protestante, relacionam-se com os objetivos do
presente trabalho e permitem que se façam afirmações quanto
ao entendimento de pessoa que os reformadores tinham em
sua leitura e interpretação da Bíblia, com especial atenção à sua
compreensão dos atos de salvação concretizados pela obra de
Jesus Cristo. É possível certificar com o autor do presente artigo
a seguinte asseveração que aparece em outro de seus trabalhos:
“O `teodidatismo´, o `espírito´ que se tornou `ensinável´ é
santificação da autonomia característica ao humano e um novo
direcionamento para a sua capacidade autodidática.”15 Deus
amou ao mundo e cada pessoa a ponto de enviar seu próprio
Filho para resgatar um indivíduo incapaz de livrar-se por si mesmo
da superstição do pecado, que resiste ao ensino da liberdade da
fé, mas que apesar disso continua sendo um ser integral, com
capacidade de aprendizagem e desenvolvimento, com dignidade
e criado para ser livre. Deus ama um ser feito à sua imagem e
semelhança de Deus.
14 Martim LUTERO. Tratado de Martinho Lutero sobre a liberdade cristã, p. 460.
15 Gerson Joni FISCHER. Pessoa: fenômeno espontâneo ou neural? Uma crítica
ao dualismo cartesiano na teologia. In: SCHWAMBACH, Claus (ed.). Lutero e
Educação. Anais do 1° Simpósio Internacional de Lutero. Igreja sempre em reforma
– 2017: 500 anos da Reforma. São Bento do Sul/SC: FLT – Faculdade Luterana de
Teologia e Editora União Cristã, 2013, p. 105.

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Esta conclusão, isto é, que o ensino da justiça e da liberdade não
anula a pessoa e suas capacidades, parece evidente ou mesmo de
menor importância uma vez que não se preste a devida atenção à
pessoa como receptora desta mensagem; toda teologia necessita
de uma antropologia que lhe seja conforme. Uma adequada
compreensão de quem é a pessoa que se envolve em um processo
educativo, porém, é de suma importância, mormente quando o
assunto é captar o pensamento teológico educativo em Lutero.
O `teodidatismo´ não nega a alma humana, muito menos a
capacidade autodidática que lhe é intrínseca. Toda e qualquer
metodologia e método de trabalho educativo que considera a
pessoa uma tábua rasa, tanto no que se refere ao ensino da fé,
como daquelas ditas seculares, estão distantes do pensamento
da Reforma do século XVI. As práticas pastorais, catequéticas,
missionárias e docentes, por vezes parecem esquecer este fato.16

A leitura e interpretação bíblica proposta na tradição da


Reforma, com especial atenção àquela dos personagens centrais
deste evento, destaca não somente a morte e a ressurreição de
Jesus Cristo, mas também a sua encarnação na forma de pessoa,
sem a qual aquelas não poderiam ser compreendidas. Deus, em
Cristo, assumiu a condição de ser pessoa, propondo-se a um
modo de relação intersubjetiva na qual todo ser humano tem
a oportunidade de aprender o sentido de ter sido feito para a
liberdade e à sua semelhança. O amor de Deus consiste, assim, a
um chamado inteiramente pessoal para se assumir seu convite de
redenção e humanização. A mensagem cristã, e do mesmo modo
qualquer teologia que se propõe discorrer a seu respeito, busca a
pessoa e a pessoalidade, nas quais se corporifica.
O teodidatismo, enquanto ponderação acerca de pessoas
que se tornaram sensíveis à voz de Deus, pressupõe uma

16 Gerson Joni FISCHER. Pessoa: fenômeno espontâneo ou neural? Uma crítica ao


dualismo cartesiano na teologia, 2013, p. 106.

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antropologia no trato com a mensagem do evangelho que envolva
um toque de pessoalidade; nos termos do presente trabalho, uma
antropoética. Para os dias atuais, que se situam no interior de
uma crise global dos ideais de autonomia do sujeito moderno
zeloso de seus deveres, tal discernimento que não dualiza entre
o “teos” e o “antropos”, porém, que anuncia a possibilidade de
reconciliação, poderia representar a redescoberta de um novo
espaço para o anúncio e vivência da mensagem cristã. Diante
de uma realidade que rejeita “a retórica sentenciosa do dever”17
e caminha a “passos largos” para a irracionalidade, a mensagem
da justificação por graça e fé poderia cooperar, sempre de modo
dialógico e não impositivo, para a (re)construção dos ideais
universais de democracia e civilidade.18
Há permanente carência de teorias e práticas de cuidado
pastoral que reflitam e proponham uma vivência antropológica e
eticamente situada do evangelho, uma vez que não é da natureza
pecaminosa humana atentar para a dignidade e liberdade do ser
humano. Por isso mesmo, não se necessita de ensinos:
que se operem pela força ou pela vã repetição, que tratam as
pessoas como se fossem tolas e que, ao fim, revelam a ausência
de confiança de que é o Espírito Santo quem ilumina e santifica
a alma pensante para compreender o mistério da salvação e a
liberdade genuinamente cristã.19

O maior problema de uma pessoa não é de compreensão e


sim de superação de sua resistência que lhe adere por natureza e,

17 Gilles LIPOVETSKY. O crepúsculo do dever. A ética indolor dos novos tempos


democráticos. 4. ed. actualizada. Alfragide (Portugal): Dom Quixote, 2010, p. 56.
18 Edgar MORIN. Os sete saberes necessários à educação do futuro, p. 105-115.
19 Gerson Joni FISCHER. Pessoa: fenômeno espontâneo ou neural? Uma crítica ao
dualismo cartesiano na teologia, 2013, p. 106.

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para que se a vá suplantando, o cuidado pastoral que aponta para
a liberdade que há em Cristo caracteriza-se como núcleo de sua
práxis tipicamente evangélica.

3. A pessoa na cultura hodierna: um desafio para uma pastoral


do cuidado de caráter integral. Crítica ao dualismo moderno
na teologia

Neste tópico, tem-se por intenção situar a visão de pessoa


na cultura hodierna. A tarefa considera os debates filosóficos
suscitados pelo avanço das pesquisas em torno do cérebro
humano nas neurociências. A conclusão a que se chega é que tem
fundamento a atual objeção que se faz ao dualismo cartesiano,
ainda que se oponha veementemente à visão proposta pelos
neurocientistas. A reflexão teológica feita em tempos mais recentes
e a prática pastoral da igreja cristã, de um modo geral, necessitam
sujeitar-se a este julgamento, sem, contudo, negar a alma humana.

3.1 A visão de pessoa nas neurociências. Um reflexo da cultura


contemporânea?

Em uma das traduções da Bíblia de Martim Lutero aparece


estampada uma imagem que ilustra bem a discussão aqui proposta.
A pintura do artista Jörg Nadler, contemporâneo do reformador,
retrata uma pessoa em seu leito de morte, de cuja boca lhe sai
a alma na forma de uma criança, puxada por um ser angelical.
Esta é aproveitada por um neurofilósofo contemporâneo crítico
ao dualismo de corpo e alma e tem por um de seus alvos o
questionamento à visão da tradição cristã quanto ao tema, que
considera dualista, platonista e cartesiana. Segundo este autor, de

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nome Ansgar Beckermann, com base na lei de causa e efeito que
fundamenta as ciências naturais da era moderna, não é possível
comprovar a existência da alma humana. Admiti-la seria incorrer
no erro de Descartes (1596-1650), que defendeu a existência de
duas substâncias distintas e comunicantes entre si na composição
do ser humano, a saber, o corpo e a alma imaterial.20
O dualismo de corpo e alma é rejeitado quase que de modo
consensual entre os filósofos contemporâneos que dialogam com
as neurociências.21 Para estes, não há uma alma do mesmo modo
que se tem qualquer outro órgão do corpo e ainda que imaterial,
como Descartes defendeu no passado. A melhor imagem que
se pode fazer de uma pessoa hoje seria aquela que reduz os
fenômenos da mente humana - alma - ao funcionamento neural
do seu cérebro.22 É o que afirma, por exemplo, o biólogo Gerhard
Roth, na citação a seguir:
A pessoa possui ou não livre-arbítrio? Esta pergunta manteve-
se em vigor, até recentemente, na sua qualidade de guarda-pó
filosófico, e repentinamente – em ressonância aos experimentos
do neurofisiólogo americano Benjamin Libet, que já datam
25 anos – o tema tornou-se objeto de acaloradas discussões
públicas, que persistem até hoje. Muitos experimentos se

20 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und


Menschenbild. Paderborn: Mentis, 2008, p. 17. Para uma compreensão mais detalhada
do argumento ver as páginas 15 a 53.
21 Para uma percepção da abrangência do assunto em debate ver: Gerson Joni
FISCHER; José Raimundo FACION. Uma nova imagem de pessoa? Neurociências e
filosofia: possibilidades e limites. Revista Estudos Teológicos, v. 51, n. 2, p. 288-303,
jul./dez. 2011.
22 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und
Menschenbild, p. 9-53; Gerson Joni FISCHER; José Raimundo FACION. Uma nova
imagem de pessoa? Neurociências e filosofia: possibilidades e limites, p. 288-303;
Gerson Joni FISCHER. A pessoa: fenômeno causal ou espontâneo? Exame crítico das
objeções de Ansgar Beckermann à existência da alma. Revista Pistis Praxis, v. 5, n. 1,
p. 59-90, jan./jun., 2013. Disponível em: http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pistis

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seguiram que confirmaram em princípio, pelo menos aos olhos
de pesquisadores do cérebro e psicólogos, os achados de Libet
e, no mais, incluíram tudo o que se sabe sobre o domínio das
ações da vontade. Em consequência, é uma ilusão o sentimento
que somos, enquanto seres pensantes conscientes e de decisão,
exclusivos Senhores e livres juízes de nossas ações.23

Para um entendimento mais acurado do que está em


discussão, toma-se a explicação oferecida por Sigmund Freud para
aquilo que denominou de enfermidades de fundo emocional e
da qual padecem os seres humanos. Para este, essas doenças,
basicamente em número três, decorriam do amor ingênuo das
pessoas - os sentimentos ilusórios em linguagem de Roth - por
si mesmas e diante das quais a ciência teve que aguardar com
paciência até que pudessem vir a ser curadas.24
A primeira enfermidade “curada” pelo saber científico é a
descoberta que o planeta Terra não é o centro do Universo. Este
pequeno astro é apenas um em meio a inúmeras galáxias. É a Terra
que gira em torno do seu Sol, não o inverso. Trata-se, segundo
Freud e o pensamento das ciências modernas, reflexo de um amor

23 Gerhard ROTH. Aus Sicht des Gehirns. Vollständig überarbeitete Neuauflage.


Suhrkamp: Frankfurt am Main, 2009, p. 180. Os experimentos de Benjamin Libet
tinham por fim verificar o que ocorre no cérebro quando uma pessoa é convidada a
decidir por uma ação específica, levando-a a efeito. Por meio do uso de tecnologia
apropriada concluiu-se que ocorrem processos neurais ligeiramente anteriores
à decisão e ação preconizada. É com base nestes testes, especialmente, que os
neurocientistas da atualidade afirmam que todos os processos mentais encontram-
se determinados neuralmente, negando, desse modo, a existência do Eu (alma) e do
livre-arbítrio. Dieter STURMA. Ausdruck Von Freiheit. Über Neurowissenschaften
und die menschliche Lebensform. In: STURMA, Dieter (ed.). Philosophie
und Nuerowissenschaften. Suhrkamp: Frankfurt am Main, 2006, p. 187-214.
Considerações críticas às interpretações oferecidas aos experimentos de Libet são
feitas no próximo tópico.
24 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und
Menschenbild, p. 9. Beckermann faz uma citação direta de uma das obras de Freud
que trata sobre o assunto, isso nas páginas 9 e 10.

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ingênuo das pessoas a si mesmas a percepção de que tudo gira ao
redor deste mundo e de si mesmas; uma doença.25 A consequência
dessa mudança de percepção foi que a “Terra não é mais tida como
o centro do universo. A partir disso, o ser humano foi tirado de
sua posição de ser o centro da criação de Deus.”26
A segunda enfermidade da humanidade foi denunciada e
“curada” pelas ciências biológicas. Charles Darwin e inúmeros
outros cientistas que se sucederam a ele observaram que os
humanos compartilham de uma mesma natureza animal, não
se distinguindo, segundo a lógica dessa área do conhecimento,
dos demais animais. Menciona-se aqui a teoria da Evolução, que
estabeleceu raízes na cultura ocidental. Para este meio é uma ilusão
ingênua considerar que se é, enquanto ser biológico, formado de
uma matéria distinta.27
Em relação a estas assim chamadas enfermidades, indaga-
se do por que, após tanto tempo da demonstração dessas
descobertas, ainda se vive a vida pessoal de modo antropocêntrico
e por que as pessoas, de um modo geral, não ousam equiparar-se
aos animais. Por que, afinal de contas, este “amor ingênuo” não
é superado? Perguntas estas a serem tratadas e respondidas pela
filosofia e teologia.
A terceira doença, tratada por Freud por meio da
psicoanálise, a mais sensível entre as já mencionadas, relaciona-

25 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und


Menschenbild, p. 9.
26 Euler R. WESTPHAL. Ciência e bioética: um olhar teológico. São Leopoldo:
Sinodal, p. 45-46.
27 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und
Menschenbild, p. 9-10.

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se com a ideia de que o Eu pessoal é Senhor sobre a sua
própria casa, o corpo; o que se nega.28 O já citado neurofilósofo
Beckermann a trata como uma enfermidade que não foi
curada adequadamente, uma vez que a resposta proposta por
neurocientistas e neurofilósofos contemporâneos aponta para a
inexistência de um Eu, não havendo também o livre-arbítrio. Em
outras palavras, não existe uma alma que comanda o corpo.29 De
que maneira a alma, considerada por Descartes uma substância
não material, pode produzir efeitos sobre o corpo? Isso contradiz
a lei de causa e efeito consagrada pelas ciências empíricas, a
qual afirma que somente substâncias materiais podem produzir
resultados entre si.30 A vida mental é emanada e comandada
por processos neurais cerebrais que antecedem a decisões que
apenas aparentemente parecem ser autônomas, afirmam os mais
radicais entre estes cientistas.
Esta, assim considerada percepção ingênua de que todas as
pessoas possuem um Eu que é Senhor sobre a sua própria casa, o
corpo, relaciona-se, pois, com o já mencionado erro de Descartes.
As pesquisas em torno do cérebro humano não têm, repita-se,
encontrado evidências empíricas para a existência de uma alma,
como imaginava este pensador; segundo a lei de causa e efeito,
matéria e energia são as que provocam as relações de interação
entre mente e cérebro. Como poderia a alma, aqui tratada como

28 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und


Menschenbild, p. 10.
29 Ansgar BECKERMANN. Gehirn, Ich, Freiheit. Neurowissenschaften und
Menschenbild, p.12-14.
30 Gerson Joni FISCHER. A pessoa: fenômeno causal ou espontâneo? Exame crítico
das objeções de Ansgar Beckermann à existência da alma, p. 68-76.

88 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
centro espiritual,31 cognitivo, emocional e volitivo de uma pessoa,
sem substrato, provocar efeitos causais sobre o corpo? Para os
neurocientistas, a capacidade de pensar, de se emocionar, de
decidir, de amar e odiar e assim por diante, tem seu nascedouro
em uma complexa rede neural; surge de um Sistema Nervoso
Central evoluído, nada mais além.32
Neurocientistas e neurofilósofos em número expressivo
inferem, a exemplo de Beckermann, que se trata de uma
“doença” crer na existência da alma, em vida após a morte e
mesmo de que as pessoas são criadas à imagem de Deus, da qual
se necessita ser “curado”. Não há um Eu, nem livre-arbítrio,
apenas um eu escrito em letras minúsculas e uma capacidade de
decidir fruto de um cérebro desenvolvido. O cérebro humano
é suficientemente evoluído para determinar e fazer emergir, de
antemão, todos os pensamentos, emoções e decisões de uma
pessoa. Os efeitos deste pensamento são previsíveis. As pessoas
são moralmente responsáveis por suas decisões e atos apenas
em termos e o comportamento humano será adequadamente
compreendido e as doenças da “alma” medicadas somente na
medida em que forem decifrados os enigmas cerebrais.
O que está em discussão, afinal, é que se entende fazer
necessário propor-se uma nova imagem de pessoa para a sociedade
ocidental, que não seja dualista, cartesiana, platonista e cristã. O
parecer de inúmeros pensadores é de que a melhor opção é aquela
que afirma o “homem máquina”, o “Homo neurobiologicus”.

31 Optou em não abordar aqui o questionamento que se poderia fazer se espírito e


alma traduzem, ou não, o mesmo sentido.
32 Gerson Joni FISCHER. A pessoa: fenômeno causal ou espontâneo? Exame crítico
das objeções de Ansgar Beckermann à existência da alma, p. 6-18.

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 89
Para uma cultura e cosmovisão impregnada pela ideia de
pessoa enquanto corpo e alma, o discurso exposto anteriormente
beira ao absurdo e contradiz tudo aquilo que cada ser humano
pensa e sente acerca de si mesmo. Por que então vem causando
tanta sensação e mesmo acolhida em alguns meios e partes do
mundo? Seria o abrigo dessa fala materialista reflexo de uma
cultura antropocêntrica moderna que dá sinais de cansaço e
desilusão com a sentenciosa recomendação do dever, sem que
o ser humano possa contar com a possibilidade da existência e
ajuda de Deus para o seu próprio amadurecimento e progresso?
Não nos tornamos todos, há muito tempo, desiludidos, bem
independentemente do desencantamento dos pesquisadores
do cérebro? (...) Não nos já tornamos há muito tempo
determinados por meio do destino e do meio ambiente, antes
dos neurônios?33

3.2 Objeções ao entendimento de pessoa nas neurociências e


crítica ao dualismo na teologia

A crítica ao dualismo cartesiano feita no âmbito das


neurociências procede. A pessoa não tem uma alma, imaterial e
“invisível”, comparável ao modo que se possui outro órgão do
corpo.34 Ela é alma, no sentido de que uma pessoa é um ser vivo.
A diferença é sutil, mas fundamental: a pessoa não tem, porém,
é alma.35 Não se trata, em outros termos, de buscar provas para a

33 Christian GEYER. Vorwort. In: GEYER, Christian (ed.) Hirnforschung und


Willensfreiheit. Zur Deutung der neuesten Experimente. Suhrkamp: Frankfurt am
Main, 2004, p. 11.
34 Gerson Joni FISCHER. A pessoa: fenômeno causal ou espontâneo? Exame crítico
das objeções de Ansgar Beckermann à existência da alma, p. 68-76.
35 Gerson Joni FISCHER. A pessoa: fenômeno causal ou espontâneo? Exame crítico
das objeções de Ansgar Beckermann à existência da alma, p. 76-85.

90 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
sua existência, uma vez que uma pessoa só o é pelo fato de estar
viva. A alma é o ser que respira, pensa, sente, decide e faz, é a
vida do corpo, unidos entre si a tal ponto que não podem ser
dissociados, ao menos na presente existência.36 É desse modo que,
por exemplo, deveriam ser compreendidas as passagens bíblicas
do Salmo 103.1 e João 1.14:
Bendiga o Senhor a minha alma! Bendiga o Senhor todo o
meu ser!37

Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos


a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de
graça e verdade.38

Segundo o salmista, quando todo o ser louva ao Senhor, a


saber, em corpo e alma, é sua alma que o faz. Este ser é um todo
indissociável, alma vivente em matéria corpórea de pessoa. A
palavra alma aparece aqui como sinônimo de “ser que respira”,
um ente vivo com todas as suas capacidades, diante do qual
o corpo não lhe pode ser negado ou separado.39 O mesmo se
aplica ao que se afirma sobre a encarnação da Palavra na pessoa
de Jesus Cristo. Deus tornou-se pessoa, homem integral, alma
vivente, “a carne de Jesus Cristo é a nova localização da presença

36 As discussões em torno do tema morte são de fundamental importância,


especialmente diante da proclamada esperança cristã acerca da ressurreição. Outro
assunto de especial atenção é a diferença que há entre animais e pessoas, uma vez que
aqueles também são seres vivos. Por que afirmam as Escrituras Sagradas que são os
seres humanos criados à sua imagem, não afirmando o mesmo acerca dos animais?
(BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 1. Gênesis 1.27).
Entretanto, tais altercações não se inserem nos objetivos do presente trabalho.
37 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 475.
38 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 847.
39 Wilhelm GESENIUS. Hebräisches und Aramäisches Handwörterbuch über
das Alte Testament. 17. ed. Berlin, Göttingen, Heidelberg: Springer, 1962, p. 513-
515.

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 91
de Deus na terra”.40
Argumentar que uma pessoa tem uma alma tornaria possível
separá-la do seu corpo, como Descartes procurou fazer. Este foi o
seu erro: o dualismo que admite a interação entre corpo e alma,
mas que por fim os opõe entre si.
A compreensão dualista que afirmava a existência de duas
substâncias separadas, corpo de um lado e alma de outro,
coexistindo e interagindo em uma pessoa, encontra poucos
adeptos entre cientistas e pensadores contemporâneos.
Experimentos, como o de Benjamin Libet concebido na
década de 80 do século passado, assinalaram os processos
que ocorrem no cérebro, antes mesmo que uma decisão
consciente se transforme em ação, indicando, desse modo, que
a liberdade encontra-se condicionada a antecedentes neurais.
Neurocientistas abalizam, atualmente, que há um continuum entre
as atividades mentais e neurais, de modo que essa continuidade
põe em xeque antigas distinções radicais entre corpo e alma.
Todas as características mentais encontram um paralelismo
nos sistemas de funcionamento cerebral. Essas afirmações se
tornam incontestes, por exemplo, diante de pessoas com lesões
cerebrais graves, quando se vê alterada sua capacidade para
tomar decisões aceitas no contexto social, afetando, deste modo,
seu comportamento.41

Porém, ainda que a afirmação seguinte consista em


paradoxo que ao fim se mantém indecifrável, é preferível a
definição de pessoa que o situa como um ser unidual, semelhante
à compreensão do filósofo grego Aristóteles:
Nesse modelo aristotélico clássico, o corpo seria a matéria e a
vida, a forma. Trata-se de um fenômeno unidual, onde mente
e corpo é uma só substância homogênea, a alma a forma do
corpo. Sob o ponto de vista teológico, equivale na afirmação que

40 Fritz RIENECKER, Fritz & Cleon ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 162.
41 Gerson Joni FISCHER; José Raimundo FACION. Uma nova imagem de pessoa?
Neurociências e filosofia: possibilidades e limites, p. 300.

92 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
esse ser se move dentro de uma realidade transcendente, Deus,
no qual vive e respira, constituindo sua consciência e liberdade
na medida da relação com o meio e com o outro ser humano e
divino.42

Os já citados experimentos de Benjamin Libet não servem


para negar a alma humana, tão somente convidam a reexaminar a
compreensão e o discurso sobre a mesma. Erram os neurocientistas
ao afirmar que a alma - atualmente prefere-se a palavra mente
- encontra-se determinada pelo cérebro humano. Incorrem estes
em um novo dualismo, ao não reconhecer a unicidade - dois
em um - de corpo/cérebro e mente/alma. O mais coerente é
afirmar que existe um condicionamento cerebral dos fenômenos
concernentes à alma/vida de uma pessoa, em outros termos, estas
não se separam do corpo, porém os transcende. A pessoa como
um todo é uma realidade viva, espiritual, transcendente, aberta,
espontânea, não reduzível a uma de suas partes, criada à imagem
de Deus; um fenômeno que permanece inexplicável.43
O fato conclusivo é que o esforço em negar toda e qualquer
espécie de dualismo, inclusive o de corpo/cérebro e alma/mente
se insere em uma tendência contemporânea e repercute o anseio
humano por tudo que seja integrador, holístico, a saber, reflexo
de uma civilização moderna desencantada com a fragmentação a
que se encontra submetida:
Um sentimento básico de nossa época parece-me ser a
fragmentação. Muitas pessoas sentem-se internamente
fragmentadas. (......) Não têm mais tranquilidade interior. (......)

42 Gerson Joni FISCHER; José Raimundo FACION. Uma nova imagem de pessoa?
Neurociências e filosofia: possibilidades e limites, p. 301.
43 Gerson Joni FISCHER; José Raimundo FACION. Uma nova imagem de pessoa?
Neurociências e filosofia: possibilidades e limites, p. 300-302.

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 93
Sua alma não as acompanha mais. Não está onde o corpo precisa
estar para cumprir todas as suas obrigações.44

A opção que reduz a pessoa ao seu sistema nervoso, contudo,


não é um caminho que conduz ao todo não fragmentado. Esta
não é uma proposta adequada de compreensão para o que ser
humano é e pode vir a ser em suas relações consigo mesmo, com
outras pessoas e com Deus. Afinal, jamais alguém dirá: “o meu
cérebro pensou, sentiu e decidiu isto e aquilo”, porém, “eu o fiz,
me emocionei e compreendi”. É sempre a pessoa como um todo
que se encontra envolvida em tudo que nesta e com esta ocorre. A
pessoa, que se repita, é um fenômeno espontâneo, não reduzível
a uma parte de seu ser e em permanente desenvolvimento:
é mente e cérebro, alma e corpo, um ser vivo biológico, mas
também reflexivo, emotivo, volitivo e que age. É uma realidade
una e dual, não dualista. A restrição explicativa da pessoa à lei de
causa e efeito torna escandalosa esta perspectiva que contempla
e celebra o ser humano como um mistério, a exemplo do que a
Bíblia testemunha acerca das relações que ocorrem na Trindade.
Reduzir explicativamente a espontaneidade pessoal a processos
neurais é incorrer em um materialismo grosseiro, ainda que não
mais se possa negar a participação do cérebro, do corpo e do
meio na manifestação dos fenômenos espirituais. A ingenuidade
precisa e pode ser curada pelas ciências. Porém, o amor a si
mesmo, quando em harmonia com o amor a Deus e ao próximo,
necessitam ser afirmados e reafirmados, pois pertencem ao ser

44 Anselm GRÜN. O ser fragmentado: da cisão à integração. 3. ed. Aparecida:


Ideias & Letras, 2004, p. 7.

94 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
criado à sua imagem, ao convite para ser mordomo da criação.45
Apesar de todas estas considerações restritivas à visão de
pessoa que vai se constituindo nos dias atuais, com a contribuição
de vários personagens comprometidos com as neurociências, ao
menos a crítica ao dualismo cartesiano precisa ser levada a sério e,
não por último, a que se direciona a tradição teológica moderna.
O reducionismo proposto nas neurociências não dá conta de
uma antropologia que se aproxime do que é o ser humano,
tampouco o já referido dualismo. Reflexo de tudo isso é que no
contexto teológico e comunitário processa-se uma busca por um
evangelho que seja compreendido de modo integral e por uma
exegese bíblica que se traduza também por uma hermenêutica
contextualizada para o tempo presente. Em outros termos,
anseia-se por uma atuação pastoral encarnada e ética que leva em
consideração a mensagem e a pessoa amada por Deus como sua
receptora. A esse respeito o conhecido Pacto de Lausanne, base
para os desenvolvimentos posteriores do conhecido movimento
evangélico do Evangelho Integral, em seu item V, se pronuncia:
Afirmamos que Deus é tanto Criador como Juiz de todos os
homens. Portanto, devemos participar dessa solicitude divina
pela justiça e reconciliação em toda a sociedade humana,
e pela libertação do homem de toda forma de opressão.
Sendo o ser humano feito à imagem de Deus, toda pessoa,
independentemente de raça, religião, cor, cultura, camada
social, sexo ou idade, possui uma dignidade intrínseca, razão
pela qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Quanto
a isto, também, externamos o nosso arrependimento por nossa
negligência por termos, às vezes, considerado a evangelização e a
ação social como mutuamente incompatíveis.46

45 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 2. Gênesis


2.15.
46 O CONGRESSO DE LAUSANNE. A missão da igreja no mundo de hoje.

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 95
Bosch assertivamente afirma que os “seres humanos
não conseguem viver sem sentido, propósito e esperança.”47
A esperança, entretanto, não se semeia quando se procura
equivocadamente tratar a pessoa reduzidamente com base em
uma de suas partes: só o corpo ou só a alma. O espiritual sem a
consideração devida do corpo em seu meio ambiente despolitiza, e
o corpo “sem a alma” torna a pessoa hedonista, narcisista e refém
da maldade humana. Todas as divisões feitas pela humanidade são
marcas do pecado, também o dualismo de corpo/cérebro e alma/
mente, necessitando as pessoas serem reconciliadas pela cruz de
Cristo.48 É neste discipulado cristão que a Igreja, em obediência
e esperança, é convidada a trilhar diariamente, revendo sempre
novamente também os seus conceitos teológicos.
A tradução de João Ferreira de Almeida para a passagem
bíblica de Ezequiel 11.19: “Dar-lhes-ei um só coração, espírito
novo porei dentro deles...”49 se apresenta na versão da Nova
Versão Internacional deste modo: “Darei a eles um coração não
dividido e porei um novo espírito dentro deles...”50 A citação do
versículo permite afirmar, entre tantos outros, que dualismos,
ou melhor, “corações divididos” são manifestações do pecado

As palestras principais do Congresso Internacional de Evangelização Mundial


realizado em Lausanne, Suíça. São Paulo: ABU; Belo Horizonte: Visão Mundial,
1982, p. 241-242.
47 David BOSCH. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da
missão, p. 427.
48 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 936-937.
Efésios 2.1-22.
49 BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira
de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do
Brasil, 1993, p. 808.
50 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 663.

96 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
que reside na pessoa, separando-se o que já está unido de modo
encarnado. Não há um determinismo que submete a pessoa aos
processos neurais de seu cérebro, ainda que este possa funcionar
a exemplo de uma máquina com base no princípio de causa e
efeito. A pessoa, é necessário que se repita, é sempre maior que
uma de suas partes e mesmo à soma delas. O que há é uma
determinação pecaminosa para dividir, havendo necessidade de
um “novo espírito”, que não é outro, mas o mesmo reconciliado
por e em Jesus Cristo. Esse novo espírito, por sua vez, não se
dissocia da pessoa como um todo, manifestando os sinais desta
reconciliação até que seja - esta é a esperança - revestida de um
novo corpo incorruptível e imortal.51
A teologia cristã ocidental necessita, em obediência, ir sendo
refeita, em sua exegese dos textos sagrados bem como em sua
hermenêutica, contextualizando sua compreensão da fé cristã aos
tempos presentes, marcados pelo anseio de superação de velhas
divisões. Essa é uma exigência do evangelho e tem por finalidade
provocar uma pastoral do cuidado de caráter integral, que não
nega a pessoa, mas que eticamente a convida para encontrar-se
com o Senhor da história. A esse respeito, cita-se mais uma vez o
missiólogo David Bosch:
A literatura missionária, mas também a prática missionária

51 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 922. 1 Coríntios


15.54. A vida que se manifesta no presente corpo – carne na teologia do apóstolo
Paulo – encontra-se comprometida pelo pecado. Esta visão paulina, porém, não deve
ser compreendida como rejeição do corpo, mas como um convite a viver, pela fé em
Cristo, no Espírito de Deus, não satisfazendo às suas paixões concupiscentes (p. ex.:
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 935. Gálatas 5.16-
17). A indagação que se poderia fazer e que exige trabalho exegético é se a leitura que
se fez na história e se faz ainda hoje do pensamento de Paulo não teria sido e seria, por
vezes, carregada de um dualismo do tipo cartesiano.

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 97
enfatiza que deveríamos encontrar um caminho para além
de toda posição esquizofrênica e assistir pessoas em sua
necessidade global, que deveríamos envolver o indivíduo e a
sociedade, a alma e o corpo, o presente e o futuro em nosso
ministério de salvação.52

3.3 Reflexões teológicas, antropoéticas e o cuidado pastoral

A teologia e as práticas pastorais, que envolvem todos os


cristãos, precisam ser pensadas e feitas com base na esperança.
É imperativa a revisão do modo de pensar e agir dualista,
esquizofrênico, em direção de uma maior pessoalidade, de um
situar-se publicamente a serviço das pessoas em seu contexto
social. As doutrinas evangélicas, quando não se pensa e age com
integralidade em relação às pessoas, tendem a ser dogmatizadas,
precedendo o anúncio do Cristo que é “por nós” pecadores.
Quando se considera de modo reduzido somente a alma ou
o corpo, sem levar suficientemente em conta o mistério da
encarnação, do Cristo que se fez pessoa, acaba-se por praticar
uma pastoral que desconecta o ser humano de seu meio familiar e
social; age-se e pensa-se na esteira da cultura moderna cartesiana.
Nenhuma variável materialista que nega o ser enquanto alma
vivente ou um espiritualismo que nega a encarnação faz jus
à mensagem cristã da boa nova. O testemunho do evangelho
permeado de pessoalidade é a contribuição que os cristãos e a
igreja podem oferecer para esta que é a maior necessidade do ser
humano: reconciliar-se com Deus, com o próximo e o seu meio
e consigo mesmo.53

O que na tradição da Reforma do século XVI veio a ser

52 David BOSCH, Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da


missão, p. 478.
53 Gerson Joni FISCHER. Pessoa: fenômeno espontâneo ou neural? Uma crítica ao
dualismo cartesiano na teologia, 2013, p. 116.

98 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
nomeado de teodidatismo aponta para um caminho de atuação
pastoral com base no cuidado. Ele anuncia o resgate da pessoa, sem
que primeiramente se precise negá-lo em sua dignidade e vocação
à liberdade que lhe é intrínseca. Na proclamação do evangelho
de salvação há lugar para o diálogo e o aprendizado mútuo, em
outros termos, as ações da igreja passam a ter por base a pessoa a
ser alcançada pela palavra reconciliadora de Deus em Jesus Cristo.
O ser humano não é Senhor sobre si mesmo, não porque sua
capacidade de pensar, sentir, querer e agir seja determinada por
neurônios, antes porque sua inclinação pecaminosa o impede de
viver sua liberdade de pessoa criada à imagem de Deus. A pastoral
do cuidado é atuação a serviço da justiça e liberdade propostas
pelo Deus que se fez gente. O maior problema humano não é de
compreensão, mas de resistência.
As pessoas são responsáveis por suas decisões e ações, ainda
que se tenha que admitir que os comportamentos e atitudes
de homens e mulheres mentalmente adoecidos necessitem
ser considerados. O assunto é de relevância também para a
pastoral, uma vez que a incidência e a gravidade dos transtornos
e síndromes aumentam em função de contextos sociais cada vez
mais competitivos e desumanizados. O amor de Deus que acolhe
e perdoa também vale para esses casos e pode transformar-se fator
terapêutico de especial importância. O fato é que o fenômeno
humano não pode ser explicado em sua plenitude, busca esta
que inevitavelmente acaba reduzindo seu sentido e significado.
Nele se encontra uma realidade que o torna, pela manifestação da
graça divina, capaz de contemplar e confessar a fé no seu Criador.
No tempo presente de negação do humano é caminho da pastoral

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 99
cristã afirmar tanto a Deus quanto a dignidade pessoal.
Pensar e tratar com homens e mulheres apenas com base
no princípio de causa e efeito são as tendências e as tentações da
cultura ocidental hodierna, “cansada” do discurso sentencioso do
dever moderno. No cuidado pastoral para com a pessoa, porém, é
preciso considerar que a mensagem do evangelho, acompanhada
pela ação do Espírito Santo, penetra no recôndito de sua
existência, transformando relações impessoais em acontecimento
de comunhão intersubjetiva. Une-se nesta perspectiva uma espécie
de cuidado que expressa tanto o desejo de ouvir e obedecer à
palavra de reconciliação do evangelho, como de praticar uma
antropologia cristã eticamente situada. A seguinte citação final,
que comenta a espiritualidade advinda da Reforma e a pastoral
que lhe corresponde, resume adequadamente a proposta discutida
no presente artigo:
Apenas sobe quem desceu. Somente se agarra na graça quem
reconhece a profundidade de seu pecado e se declara incapaz
de redimir-se a si mesmo. Então não há espaço para vanglória.
Esta é uma espiritualidade que parte da incapacidade humana,
e, daí, corre para Deus como único consolo. Não há lugar
para a auto-suficiência dos sistemas religiosos que prometem
a auto-salvação por meio do sacrifício. Igualmente não resta
lugar para a fé arrogante, que despreza o caído e marginaliza o
pecador. Jesus, por sua graça, nos libertou para proteger, e não
para marginalizar, para incluir, e não desprezar, para amar sem
exigências hipócritas de perfeição. Em sua graça, somos livres
para abraçar a todos igualmente, `pois todos pecaram` (Rm 3.23),
e para acolher nossa própria humanidade, pecadora, porém
redimida pela graça de Cristo: `o dom gratuito de Deus é a vida
eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor` (Rm 6.23.54

54 Harold SEGURA C. Além da utopia: liderança servidora e espiritualidade cristã.


Curitiba: Encontro, 2007, p. 151.

100 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
4. Considerações finais

A pastoral do cuidado de caráter unidual é teológica,


antropológica e eticamente situada em relação a Deus e à mensagem
de reconciliação que ele, em Cristo, dirige à humanidade, criada
à sua imagem por inteiro, em dignidade e chamada à liberdade,
porém, corrompida pelo pecado. Quando a pessoa, em fé,
compreende que é tornada ensinável e ensinada por Deus para
ser livre e viver com base no perdão e em justiça propostos pelos
atos salvíficos de Jesus Cristo, não por seu próprio esforço, passa
a unir tudo o que jamais deveria ter sido dividido. O corpo,
enquanto alma que respira, pensa, sente, decide e age, é recebido
então como lugar da habitação de Deus e, igualmente, a vida do
semelhante, a família e a sociedade são integradas e cuidadas
como um conjunto que só pode desenvolver-se harmoniosamente
quando desse modo abraçados. A pastoral do cuidado é tarefa
de toda a igreja na Terra e consiste em uma atuação permanente
enquanto não vir em plenitude “novos céus e nova terra, onde
habita a justiça.”55
A tarefa exegética e hermenêutica da igreja, em seu esforço
por entender a mensagem cristã envolvida nas Sagradas Escrituras
para o tempo presente, é um desafio de enorme envergadura,
como já o foi em outras épocas. É premente uma avaliação crítica
de caráter multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar,
assertiva e amorosa, que tenha por motivação denunciar os
dualismos históricos, a exemplo do cartesiano, bem como os
novos sofismas, que nada mais são do que divisões camufladas

55 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional, p. 979. 2 Pedro


3.13.

Via Teológica | Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 101
por linguagens que escondem interesses e visões materialistas e
religiosas acerca de Deus e da pessoa. O fim do cuidado pastoral
deverá ser sempre a vivência e o anúncio do evangelho por inteiro.

REFERÊNCIAS
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Neurowissenschaften und Menschenbild. Paderborn: Mentis,
2008.
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por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2.
Ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional.
Traduzido pela comissão de tradução da Sociedade Bíblica
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2. ed. São Paulo: Presbiteriana, 1985. V. 2.
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FISCHER, Gerson Joni. Pessoa: fenômeno espontâneo ou
neural? Uma crítica ao dualismo cartesiano na teologia. In:
SCHWAMBACH, Claus (ed.). Lutero e Educação. Anais do
1° Simpósio Internacional de Lutero. Igreja sempre em reforma
– 2017: 500 anos da Reforma. São Bento do Sul/SC: FLT –

102 Gerson Joni Fischer, Vol. 14, n.28, dez.2013, p. 75 - 104 | Via Teológica
Faculdade Luterana de Teologia e Editora União Cristã, 2013.
FISCHER, G. J.; FACION, J. R. Uma nova imagem de pessoa?
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Artigo recebido em: 13 de setembro de 2013


Artigo aceito em: 20 de novembro de 2013

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