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FARMACOGENÉTICA

Sabemos que a resposta de um fármaco é considerada um fenótipo que depende da inter-


relação complexa entre os fatores ambientais, que vão desde idade, fármacos, atividade física,
ocupação, exposição a toxinas, ingestão de álcool e também de fatores genéticos como o sexo,
variantes de transportadores de fármacos e de enzimas metabolizadoras expressas. Nos últimos anos
houve um avanço grande nos estudos de como as alterações genéticas modulam as respostas e
compreender esse papel desempenhado pelas alterações genéticas nas respostas aos fármacos pode
melhorar o uso dos medicamentos atuais, evitar administração a indivíduos com risco aumentado de
reações adversas, orientar o desenvolvimento de novos agentes e até mesmo ser utilizada para
entender os mecanismos das doenças. Além de permitir também uma terapia racional
individualizada, na qual cada paciente terá o seu perfil terapêutico, resposta diferenciada
relacionada ao uso de um determinado fármaco.

Sendo assim, a farmacogenética estuda as bases genéticas na variação das respostas aos
fármacos e comumente implica os efeitos marcantes de um pequeno número de variantes do DNA.
Uma visão mais recente estende essa ideia para aplicá-la nas múltiplas variantes genéticas em
populações e com frequência emprega-se o termo farmacogenômica, que estuda grandes números
de variante em determinados indivíduos ou populações para explicar o componente genético das
respostas variadas aos fármacos.

Relembrando rapidamente, o DNA contém informações, mas não desempenha nenhuma


função metabólica ou catalítica no organismo, porém usamos essas alterações genéticas para
individualizar terapia. Para entender isso, vamos pensar no dogma da biologia celular. O DNA,
onde está contido informação genética, serve como modelo para produção de RNA que serve como
modelo para produção de proteínas. Anteriormente foi postulado que o inverso RNA para DNA não
aconteceria, mas hoje sabemos que existe enzima transcriptase reversa capaz de usar o RNA para
produzir o DNA. No RNA encontra-se o código utilizado para organizar sequências de aminoácidos
para formar proteínas no processo de tradução, que é a união dos aminoácidos obedecendo a ordem
dos códons apresentados em um RNA mensageiro. O DNA também pode fazer uma cópia de si
próprio através do processo de replicação. Toda informação que está no DNA serve para codificar
uma proteína e uma mutação ou alteração no DNA pode gerar uma mutação não funcional (quando
há alteração da sequência do DNA sem que haja alteração da estrutura de RNA ou proteína e em
consequência disso não haverá um efeito final) ou alterações funcionais que podem acarretar em
mutação tanto do RNA quanto da proteína podendo causar mudança na função da proteína.

O polimorfismo é uma variação na sequência de DNA que está presente em uma frequência
alélica igual ou superior a 1% em determinada população. As variações genéticas podem ser
inserções ou supressões, mas o tipo mais comum é o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) cuja
sigla em português é PUN e é responsável por 90% da variação genética humana. Os SNPs que
ocorrem em uma região codificadora são conhecidos como SNPs codificadores e podem ser
subdivididos em não sinônimos codificadores (missense), que resultam na substituição de um
nucleotídeo (por exemplo, alteram um aminoácido de prolina ou glutamina, o qual pode alterar a
estrutura, estabilidade, afinidade pelo substrato ou a função das proteínas ou também induzir um
códon de parada); em sinônimos codificadores (sense), no qual a substituição de um par de bases
dentro de um códon não altera o aminoácido codificado, mas pode ter consequências funcionais. No
caso mais comum, a substituição do terceiro par de base, que é chamada de posição de oscilação de
um códon de 3 pares de base, substituir guanina por adenina na prolina não altera o aminoácido
codificado; ou em não codificador (nonsense), no qual a alteração introduzida insere um código de
parada. Os SNPs são constantemente gerados, mas podem ser corrigidos por ação de reparação do
DNA durante a replicação, se o SNP ocorre em 5 a 10% da população é considerado comum. De
modo semelhante, pequenas inserções ou deleções podem alterar as funções da proteína ou resultar
em variações de splicing funcionalmente importantes, mas elas são bem menos comuns do que os
SNPs, dito anteriormente.

A hereditariedade e fatores genéticos afetam profundamente o metabolismo de fármacos,


explicando a maior parte das variações de taxa metabólicas de alguns fármacos. A comparação da
variabilidade de cada gêmeo versus a variabilidade de cada par de gêmeos sugere que cerca de 75 a
85% da variabilidade das meias-vidas farmacocinéticas de fármacos eliminados por processos
metabólicos sejam hereditárias. Por exemplo, na ação de fármacos em irmãos gêmeos idênticos e
fraternos observamos uma alteração importante na meia-vida da fenazona, de forma que a meia-
vida é mais parecida nos pares de gêmeos idênticos (monozigóticos) quando comparado com
gêmeos fraternos (dizigóticos). Compare todos os pares individualmente nas duas curvas.
Especificamente falando sobre o par F, observa-se que nos gêmeos idênticos a meia-vida é de
aproximadamente 15h, enquanto que o par F dizigótico a meia-vida de um indivíduo é de
aproximadamente 6h (vermelho) enquanto que do seu irmão (roxo) a meia-vida é de 15h. Os genes
candidatos para respostas terapêuticas e adversas podem ser divididos em farmacocinéticos,
receptor-alvo e modificadores de doença e essa variabilidade genética de linhagem germinativa que
codifica os determinantes da farmacocinética, especialmente enzimas metabolizadoras e
transportadores, afetam as concentrações dos fármacos sendo um determinante importante das
respostas terapêuticas e adversas.

Diversos polimorfismos das enzimas metabolizadoras dos fármacos foram descobertos. As


enzimas do citocromo p450 estão envolvidas no metabolismo de grande variedade dos
medicamentos, estando presente no fígado, e são codificadas pelos genes da família CIP450, que
são altamente polimórficos, e por isso as enzimas produzidas poderão ser muito diferentes de
pessoa para pessoa gerando uma variabilidade interindividual na metabolização e na resposta aos
fármacos. Existem diferentes tipos de metabolizadores na população em geral relacionados a
diferentes características genéticas. Os metabolizadores podem ser chamados de normais, quando
os indivíduos têm dois alelos funcionais sem polimorfismo; lentos, quando os indivíduos têm dois
alelos não funcionais que causam deficiência da enzima levando a um acúmulo do medicamento no
organismo em concentrações muito acima do desejado ou rápidos/ultrarrápidos, quando os
indivíduos tem duplicação dos alelos funcionais levando a um aumento na velocidade da
metabolização, onde o medicamento é inativado rapidamente e eliminado de forma que doses
normais não exercem seu efeito terapêutico. Na prática, seriam paciente que não melhoram com
nenhum medicamento em doses convencionais. Outra categoria são os metabolizadores chamados
de intermediários, aquelas pessoas que apresentam variações nas CIPs que metabolizam os
medicamentos mais lentamente do que os normais. Nesses casos, dose médias de medicamentos
poderão fazer o seu efeito terapêutico, todavia, com o tempo, por ser eliminada mais lentamente, o
medicamento começa a se acumular no organismo e poderá causar reações adversas e toxicidade.

A variação hereditária na enzima butirilcolinesterase que hidrolisa o fármaco


succinilcolina, que é um bloqueador neuromuscular de ação curta, pode causar redução do
metabolismo da succinilcolina causando, por exemplo, nos acetiladores lentos um aumento da
concentração plasmática da succinilcolina, o que pode induzir neurotoxicidade. Por outro lado,
variações hereditárias na acetilação enzimática pela n-acetiltransferase 2 (NAT2), que é uma enzima
de fase 2 que catalisa a acetilação da isoniazida usada no tratamento da tuberculose, pode causar
nos acetiladores rápidos uma redução da concentração plasmática e da resposta terapêutica além de
permitir resistência bacteriana.

Os polimorfismos diferem quanto a sua frequência nas populações e são classificados como
cosmopolitas ou específicos para uma determinada população. O polimorfismo cosmopolita é
aquele que está presente em todos os grupos étnicos, embora a frequência possa variar em cada
grupo. A existência de polimorfismo étnicos e raciais específicos é compatível com o isolamento
geográfico das populações humanas, elas tiveram origem de populações isoladas que mais tarde
alcançaram determinadas frequências porque são vantajosas (seleção positiva) ou mais
provavelmente neutras para uma população. Se é uma população mais antiga do mundo, os
afrodescendentes são portadores de polimorfismos específicos adquiridos recentemente e dos
polimorfismos cosmopolitas mais antigos, desenvolvidos antes da migração para fora da África,
quando comparamos esses pacientes com americanos de origem mexicanas, europeias ou asiáticas.
Exemplo: essa enzima (CYP2D6) encontra-se na sua forma inativa entre 5-10% da
população caucasiana e de 1-2% de asiáticos, por outro lado, em 13% dos etíopes há uma
frequência de alelos da CYP2D6 que codificam uma enzima com a atividade aumentada. Como a
CYP é responsável pelo metabolismo de aproximadamente 20% dos fármacos (antagonistas beta-
adrenérgicos, antidepressivos tricíclicos), mas também é responsável pela transformação da codeína
em morfina vejamos como se comportam os diferentes tipos de metabolizadores nessa população.
Os metabolizadores lentos apresentarão efeito adverso quando tratados com dose padronizada dos
fármacos em geral (antagonistas beta-adrenérgicos, antidepressivos tricíclicos) e para codeína, que é
um pró-fármaco que depende da ativação pela CYP2D6, ele é praticamente ineficaz nesses
pacientes pois a codeína não se converte a morfina em quantidades suficientes ou mesmo não se
converte. Em função disso, a morfina não é capaz de exercer os efeitos analgésicos. Os
metabolizadores ultrarrápidos, por outro lado, exigem doses maiores para que o efeito terapêutico
seja obtido já que o fármaco é metabolizado muito rapidamente. Por isso, pode ocorrer efeito
adverso e até mesmo uma depressão respiratória causada pela dose de codeína em excesso e essa
depressão respiratória é causada especificamente por causa da morfina que é gerada a partir da
codeína.
Variações genéticas no receptor ou vias de sinalização alteram a farmacoterapia. O
polimorfismo no alvo de um fármaco não precisa causar doença como, por exemplo, uma variante
do promotor VKORC1 (particularmente comum em asiáticos) reduz a atividade transcricional e a
necessidade de doses de varfarina. A varfarina é um anticoagulante que interfere na síntese dos
fatores de coagulação dependentes de vitamina K e a molécula alvo com a qual ela se liga para
produzir os efeitos é codificada pelo gene VKORC1, que produz uma enzima do ciclo da vitamina
K. Variantes raras na região codificadora desse gene podem causar resistência parcial ou completa a
varfarina. Essas variantes são comuns em judeus de origem na europa central e podem explicar as
doses mais altas necessárias para obter coagulação nesses indivíduos. Por outro lado, indivíduos
com expressão reduzida precisam de doses muito mais baixas de varfarina no estado de equilíbrio.
Essas variantes são mais comuns em populações asiáticas do que em brancos ou africanos. A
varfarina é metabolizada pela CYP2C9, gerando um epóxido inativo e produz seu efeito
anticoagulante por inibição da enzima k epóxido redutase, que é a VKOR, que é a enzima
necessária para redução da forma inativa da vitamina K em sua forma ativa. Sendo assim, os
polimorfismos nesses genes afetam a farmacocinética e farmacodinâmica da varfarina,
respectivamente, alteram as doses terapêuticas médias populacionais necessárias para manter o grau
desejado de anticoagulação. Isso é avaliado pela determinação do INR no sangue e também reduzir
o risco de anticoagulaçao insuficiente causando trombose ou excessiva causando sangramento. As
variações hereditárias dos genes CYP2C9 e VKORC1 são responsáveis por mais de 50% da
variação de doses de anticoagulante necessário. No gráfico, observamos que nas populações
homozigóticas a dose recomendada está relativamente mais baixa do que nas populações
heterozigóticas. Percebe-se claramente que em populações distintas onde observamos uma alteração
da expressão desses genes e da produção dessas enzimas metabolizadoras, há uma alteração
importante na concentração ou na dose inicial recomendada para o tratamento com varfarina.

A farmacogenética do câncer tem o aspecto incomum porque os tumores apresentam


mutações somáticas adquiridas além de variações pré-existentes da linhagem germinativa do
paciente. Sendo assim, a eficácia de alguns antineoplásicos depende da genética do hospedeiro e do
tumor. Os anticorpos quanto ao receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), o cetuximabe
e o panitumumabe parecem especialmente eficazes nos cânceres de cólon em que uma proteína G
na via do EGFR não é mutante. Os pacientes cujo os tumores têm mutação ativadora do domínio
tirosina quinase do EGFR, as mutações L858R e 746-750 respondem melhor ao gefitinibe,
eriotinibe e afatinibe. Por outro lado, os pacientes com mutações T790M respondem melhor ao
osimertinibe.
Reações farmacológicas imunologicamente mediadas também podem ser observadas por
conta de uma alteração genética. Nesses dois exemplos, observamos a síndrome de Steven-Johnson
e a necrólise tóxica que são reações cutâneas potencialmente fatais que são cada vez mais
reconhecidas como condições ligadas a alelos HLA específicos. Esses alelos HLA de risco parecem
ser necessários, porém não são suficientes para induzir essas reações sozinhos. Por exemplo, o
HLA*5701 é um alelo de alto risco para Steven-Johnson e para necrólise tóxica, relacionado ao
fármaco abacavir e para hepatotoxicidade relacionado com a ofloxacina. Entretanto, 55% dos
indivíduos expostos ao abacavir irão desenvolver uma reação e apenas 1para 10mil indivíduos
expostos a ofloxacina apresentarão hepatotoxicidade, então elas são importantes, mas não são
determinantes únicos. Existem vários bancos de informações genéticas que podem ser consultados
para auxiliar o entendimento das doenças bem como para analisar a resposta terapêutica seja
positiva, ausente ou negativa e as reações adversas a fármacos em pacientes e populações
especificas. Vários desses bancos de dados tem sido uteis para identificar essas alterações nas
respostas para diversas doenças. No momento atual, eles têm sido muito importantes para auxiliar
no estudo sobre a covid-19 com relação a fármacos utilizados para o tratamento, sejam eles com
eficácia comprovada ou não bem como a capacidade que um paciente apresenta em ter a forma mais
grave ou mais branda ou mesmo não ter a doença quando exposto ao vírus. Diversos artigos têm
sido publicados e apontam variações genéticas relacionadas a respostas distintas aos fármacos, as
quais são relacionadas alterações na expressão gênica de proteínas transportadoras ou enzimas
metabolizadoras bem com a expressão de proteínas inflamatórias capazes de prever um diagnóstico
mais ou menos favorável.

Nesse primeiro estudo, o autor mostra que o SARS-COV-2 pode induzir muitos processos
imunológicos, o que indica que agentes imunossupressores que estão em ensaios clínicos possam
ser eficazes para alguns pacientes, mas prejudiciais a outros. Essa revisão sugere que a abordagem
mais sutil a modulação imune no covid-19 e que é necessário que suprimir o sistema imunológico
quando os pacientes estão combatendo infecções pode ser uma abordagem muito perigosa. Os
autores concluem que se os pacientes precisam ser tratados com base em seu estado imunológico,
deve haver inicialmente um rastreamento muito mais completo desse status imunológico para
minimizar qualquer tipo de problemas relacionado ao tratamento.

Um outro estudo, que foi um estudo piloto, testou a amostra de ar para SARS-COV-2 e
conseguiu identificar sequências genômicas completas do SARS-COV-2 por sequenciamento de
Sanger semelhante aos genomas que foram descritos na Geórgia.

Outro estudo, mostra que a mono-ADP-ribosilação da STAT1 pela NSP3 do SARS-COV-2


como uma possível causa da tempestade de citocinas observadas em paciente mais graves com
covid-19. O dado pode orientar novas estratégias terapêuticas e testes para prever a virulência do
coronavírus que circula naturalmente.

Uma meta-análise genética envolvendo 1980 pacientes com covid-19 severa em 7 hospitais
italianos e espanhóis analisou em torno de 8 milhões de polimorfismo genéticos do tipo SNP tendo
um agrupamento de genes 3p21.31 como um locus de susceptibilidade genética em pacientes com
covid com insuficiência respiratória. O sinal de associação no locus 9q34.2 coincidiu com o locus
34abo, nesse estudo de corte uma análise especifica do grupo sanguíneo mostrou maior risco no
grupo sanguíneo A do que em outros grupos sanguíneos e efeito protetor no grupo sanguíneo O em
comparação com outros grupos sanguíneos.

Outro artigo, apresenta uma revisão da farmacologia, na segurança e a experiência clínica no


uso de baricitinib no tratamento de covid-19. O Baricitinib é um inibidor da ?? que interrompe a
sinalização de múltiplas citocinas envolvidas na imunopatologia da covid-19. O baricitinib também
pode efeito antiviral e atuar na entrada do vírus nas células e suprimir a regulação da enzima de
conversão ECA2. No entanto, os efeitos imunossupressores do baricitinib podem ser prejudicados
durante infecções virais agudas retardando a depuração viral e aumentando a vulnerabilidade de
infecções oportunistas.

A descoberta dos alelos, variantes comuns, com efeitos relativamente significativos sobre a
resposta aos fármacos sugere a probabilidade de que essas variantes possam ser usadas para guiar
terapia. Os resultados desejados poderiam ser maneiras melhores de escolher os fármacos e doses
provavelmente efetivas ou evitar medicamentos passiveis de provocar reações adversas graves ou
de serem ineficazes em indivíduos. Nos EUA, o FDA incorporou dados farmacogenéticos nas bulas
com a finalidade de guiar a prescrição e a decisão de adotar uma dose farmacogeneticamente
orientada para determinar o fármaco. Além disso, os instrumentos genéticos estão sendo cada vez
mais utilizados para identificar ou validar novos alvos farmacológicos. Os estudos inicias nesse
campo sugerem que um novo programa de desenvolvimento de fármacos tem mais tendência a ter
êxito se as evidencias provenientes da genética humana sustentam o papel de um possível alvo
farmacológico na patogênese da doença e sugerem que o risco de toxicidade devido a
farmacogenética de alto risco ou outros mecanismos é pequeno.

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