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Prova-modelo 1
Grupo I
A
Lê o excerto do conto “Famílias desavindas”.
Acontece que, mesmo à esquina, um primeiro andar vem sendo habitado por uma família
de médicos que dali faz consultório. Pouco antes da instalação dos semáforos a pedal, veio
morar o Doutor João Pedro Bekett, pai de filhos e médico singular. Chegou de Coimbra com
boa fama mas transbordava de espírito de missão. Andava pelas ruas a interpelar os transeun-
5 tes: “Está doente? Não? Tem a certeza? E essas olheiras, hã? Venha daí que eu trato-o.” E nesta
ânsia de convencer atravessava muitas vezes a rua. O semáforo complicava. Aproximou-se do
Ramon e bradou, severo: “A mim, ninguém me diz quando devo atravessar uma rua. Sou um
cidadão livre e desimpedido.” Ramon entristeceu. Não gostava que interferissem com o seu
trabalho e, daí por diante, passou a dificultar a passagem ao doutor. Era caso para inimizade.
1 E eis duas famílias desavindas. Felizmente, nunca coincidiram descendentes casadoiros. Piora
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sempre os resultados.
Ao Dr. Pedro sucedeu o filho João, médico muito modesto. Informava sempre que o seu
diagnóstico era provavelmente errado. Enganava-se, era um facto. Mas fazia questão de orien-
tar os pacientes para um colega que desse uma segunda opinião. Herdou o ódio ao semáforo
e passava grande parte do tempo à janela, a encandear Ximenez com um espelho colorido.
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Já entre o jovem médico Paulo e Asdrúbal quase se chegou a vias de facto. O médico pas-
sava e rosnava “Sus, galego”. E Asdrúbal, sem parar de dar ao pedal: “Xó, magarefe1!” Uma
tarde, Asdrúbal levantou mesmo a mão e o doutor encurvou-se e enrijou o passo.
Este Dr. Paulo era muito explicativo. Ouvia as queixas dos doentes, com impaciência, e depois
impunha silêncio e começava:
2 – As doenças são provocadas por vírus ou por bactérias. No primeiro caso, chamam-se
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viróticas, no segundo, bacterianas.
E estava horas nisto, até o doente adormecer. Colegas maliciosos sustentavam que ele
praticava a terapia do sono. Mas a maioria dos doentes gostava de ouvir explicar. Alguns até fa-
ziam perguntas. Após a consulta, muito à puridade2, o Dr. Paulo pedia aos clientes que
passassem pelo homem do semáforo e lhe dissessem: “Arrenego de ti, galego!” Isto foi assim
2 com Asdrúbal e, mais recentemente, com Paco.
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CARVALHO, Mário de, 2014. “Famílias desavindas”. Contos Vagabundos. Porto: Porto Editora (pp. 74-75)
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Prova-modelo 1
3. Interpreta o recurso à ironia na descrição do Dr. Paulo, nos três últimos parágrafos do
texto.
B
Lê o excerto de Amor de Perdição.
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Prova-modelo 1
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Prova-modelo 1
Grupo II
Lê o texto que se segue.
São dezassete os contos que Mário de Carvalho acaba de reunir em “Contos Vagabundos”.
Têm diferentes proveniências, sendo que nenhum deles é inédito. A maior parte foi apare-
cendo mensalmente na revista “(livros)” de “O Independente”. Os restantes foram publicados
em antologias e revistas. São dezassete histórias que já passaram por outros lados, mas que
5 aqui reunidas se reorganizam e recriam numa outra forma, no corpo do livro. Terminada a
leitura, é numa nota explicativa na última página que ficamos a saber que aquilo que acabá-
mos de ler, em sequência, foi em tempos prosa dispersa. Mas por essa altura deixou de ser
importante, a leitura completou-se, inegável, conto a conto. Porque é a própria organização
dos contos que nos leva a colocar a questão da unidade do livro. A primeira história (“Três
1 personagens transviadas”) coloca o narrador/escritor perante três pequenas personagens, de
0 doze centímetros de altura, que invadem o seu espaço de trabalho. Interpelando um amigo
(“um escritor dos diurnos, nove às cinco”) – “especialista de personagens” – recebe um conse-
lho: “aprisiona-as no texto”. Constitui-se assim a introdução de outras dezasseis histórias em
que seguimos a prosa ágil e divertida de Mário de Carvalho num mundo de personagens pe-
quenas, “de grau inferior”, simplesmente comuns, cuja banalidade é aprisionada em jogos de
1 linguagem que a recriam, desconstruindo-a. Os contos estruturam-se segundo dois polos
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principais, nunca totalmente independentes, e entre eles oscilam. Trata-se por um lado de um
cómico extraído de um quotidiano que se desmonta e encena através de infinitos jogos e in-
flexões linguísticas, apropriando expressões coloquiais, aplicando uma leve distorção semân-
tica, umas vezes apenas percetível, mas eficaz, outras ironicamente exposta. A este contrapõe-
2 -se um absurdo, um fantástico fantasioso que se vai introduzindo dentro desse mesmo
0 quotidiano recriado. [...] É na interseção destes dois planos, mantida sempre por um exceci-
onal trabalho de linguagem, que os contos vão criando, peça a peça, um universo em que uma
normalidade ironizada é invadida por um fantástico que a alegoriza ou a transforma: são as
guerras sem fim nem motivo, suspensas fora de um tempo, num espaço indefinido, e são as
descobertas ou aventuras de um absurdo cómico. [...] Dezassete contos, dezassete histórias
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daqui e dali que se juntam para criar os “Contos Vagabundos”, mostrando-nos Mário de Car-
valho no seu melhor. Para ler com prazer, devagar. Dezassete contos para saborear.
ROWLAND, Clara, 2000. “Dezassete histórias transviadas”. In Público.
https://www.publico.pt/noticias/jornal/dezassete-historias-transviadas-152298 [Consult. 2016-11-29]
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Prova-modelo 1
(A) inéditos.
(B) anteriormente publicados na revista do jornal “O Independente”.
(C) advindos de coletâneas e da imprensa escrita.
(D) recriados especificamente para a antologia.
3. Segundo a autora, a “unidade do livro” (l. 9) Contos Vagabundos decorre
(A) da quantidade de contos compilados.
(B) da diversidade de proveniência dos contos.
(C) da primazia conferida ao conto “Três personagens transviadas”.
(D) da coerência ao nível dos temas e das personagens dos textos.
4. Com o uso das aspas nas linhas 9-10 e 12-13, pretende assinalar-se
(A) citações.
(B) um título e citações, respetivamente.
(C) passagens em discurso direto.
(D) um título e expressões de sentido figurado, respetivamente.
5. De acordo com o texto, a narrativa contística de Mário de Carvalho destaca-se pela
(A) inspiração no quotidiano.
(B) excecionalidade das personagens.
(C) incompatibilidade entre os processos de cómico e os do fantástico.
(D) literalidade da linguagem.
6. As expressões “a prosa ágil e divertida de Mário de Carvalho” (l. 14) e “um excecional
trabalho de linguagem” (ll. 22-23) constituem
(A) argumentos.
(B) juízos de valor.
(C) exemplos.
(D) comentários irónicos.
7. O constituinte que, no contexto, não desempenha a função sintática de complemento do
nome é
(A) “dos contos” (l. 9).
(B) “de outras dezasseis histórias” (l. 13).
(C) “de personagens pequenas” (ll. 14-15).
(D) “de linguagem” (ll. 15-16).
10. Indica o valor aspetual da oração em que se integra o complexo verbal “vão criando” (l.
23).
Grupo III
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Prova-modelo 1
Redige uma apreciação crítica de um dos contos de autores do século XX que leste.
Escreve um texto bem estruturado, de duzentas a trezentas palavras, respeitando as
marcas do género.
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