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T E N D Ê N C I A S

O P L Á G I O N A CO M U N I DA D E
C I E N T Í F I C A : Q U EST Õ ES CU LT U RA I S
E L I N G U Í STC AS
Sonia M. R. Vasconcelos

a visão da maioria dos países de desonestidade acadêmica, ele também é plagiando várias imagens. Figuras de algas

N língua inglesa, o plágio é defi-


nido como a “apropriação ou
imitação da linguagem, idéias
ou pensamentos de outro autor
e a representação das mesmas como se fos-
sem daquele que as utiliza”, conforme o
Random House Unabridged Dictionary. Es-
investigado pelas agências de fomento à
pesquisa em tais países. Em 2006, o Swe-
dish Research Council recebeu uma
denúncia de fraude relacionada ao plágio
de um projeto de pesquisa. Um pesquisa-
dor de biologia submeteu uma versão pla-
giada de um projeto já entregue por sua
vermelhas, por exemplo, típicas de um
determinado período geológico, apareciam
como típicas do Egito, enquanto eram da
Espanha. Ele não só teve sua reputação des-
truída na academia, como também com-
prometeu, através de seus plágios, o estado
da arte na área de micropaleontologia.
sa definição é compartilhada por inúmeros orientadora ao National Institutes of Imam ficou impedido de re-submeter tra-
dicionários da língua inglesa, assim como Health (NIH), nos EUA. O financia- balhos para o periódico.
por universidades britânicas e americanas. mento para o biólogo foi automaticamente No entanto, o conceito de plágio ainda é
De acordo com a University of Hertfords- cancelado após a denúncia de fraude. bastante difuso para pesquisadores de
hire Hatfield no Reino Unido, o plágio se vários países. Na verdade, não só o conceito
caracteriza pela apropriação de idéias ou TOLERÂNCIA ZERO De certa forma, o como também as relações que se estabele-
palavras de outrem sem o devido crédito, mesmo rigor tem sido aplicado a denúncias cem com tal prática decorrem de um viés
mesmo que acidental. Segundo a universi- de plágio em publicações acadêmicas. cultural importante. A abordagem do plá-
dade, “o plágio é considerado uma prática Atualmente, há uma política de “tolerância gio é permeada pelo conceito de autoria e
muito séria na educação superior no Reino zero” ao plágio, que vem se estabelecendo propriedade intelectual. Sendo assim, não
Unido. Mesmo que uma pequena seção de através de periódicos internacionais. se pode negar que culturas que legitimam a
seu trabalho contenha plágio, é possível Recentemente, a Elsevier estabeleceu orien- condenação da cópia de textos e idéias de
que a nota zero seja atribuída a ele... Em tações bastante detalhadas sobre questões outrem sem a devida citação, legitimam a
casos mais extremos, você pode ser expulso éticas relacionadas ao artigo científico. Na propriedade intelectual do autor, ou seja, a
da universidade”. definição sobre o plágio, até mesmo algu- originalidade. De acordo com Edlund,
Nos Estados Unidos, a prática do plágio mas nuances foram abordadas: “a cópia “...em países de língua inglesa, as pessoas
também é vista com bastante seriedade e es- pode ocorrer mesmo sem a reprodução exa- acreditam que idéias e expressões escritas
tá sujeita a punições acadêmicas. De acordo ta das palavras do texto original. Este tipo podem ser possuídas. Quando um autor
com John Edlund, da Califórnia State Uni- de cópia é conhecido como paráfrase e escreve uma determinada seqüência de
versity, “o plágio é uma violação direta da pode ser o tipo de plágio mais difícil de ser palavras ou frases expressando uma deter-
honestidade acadêmica e intelectual. Muito detectado.” Para autores acusados de pla- minada idéia, esse autor, de fato, é dono de
embora ele possa existir sob várias formas, giar idéias ou trechos de publicações ante- tais construções e idéias. Portanto, a utiliza-
todos os tipos de plágio se resumem na riores, a punição é, muitas vezes, o blo- ção de tais palavras sem a devida atribuição
mesma prática: representar as idéias ou queio de nova submissão de manuscritos ao autor se configura roubo. Essa questão é
palavras de outrem como se fossem suas... pelos envolvidos nesse tipo de “fraude”. bem diferente, por exemplo, da idéia chi-
mesmo a utilização das idéias do outro nas Em 2004, O The Scientist divulgou uma nesa de que palavras e idéias pertencem à
suas próprias palavras sem citação também dessas. O pesquisador egípcio, Mostafa cultura e à sociedade e devem ser compar-
pode ser qualificado como tal”. Imam, publicou, em cerca de 20 anos, tilhadas entre os indivíduos...” O pesquisa-
Como a prática do plágio aponta para vários papers sobre fósseis de algas, auto- dor Marcel Laffollette, no artigo “The evo-
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lution of the scientific misconduct issue: a pelo menos a década de 1980, ciência em que a prática aqui é rara? Não necessaria-
historical overview” (2000), reporta que inglês é um imperativo. Se considerarmos mente, pois se a tolerância à prática do plá-
para um cientista americano, “o roubo de que mais de 95% dos artigos na base de da- gio de textos em inglês, por exemplo, for a
suas palavras é roubo de autoria. O roubo dos do Science Citation Index está em lín- mesma para quem comete e quem detecta,
de sua idéia é roubo de sua própria identi- gua inglesa, qual a razão para que resultados não haveria interesse em investigar a ques-
dade como cientista”. A importância dada originais de pesquisa não tenham pelo tão. Seria quase como se pensar em abrir
ao plágio nas universidades e órgãos de menos uma versão no idioma? Porém, uma caixa de Pandora.
financiamento americanos acaba se intro- quantos cientistas não-nativos, incluindo os O fato é que a discussão da dimensão da
duzindo em outras culturas que não com- brasileiros, são proficientes em inglês? Mais prática do plágio na academia é de extrema
partilham dessa mesma visão de proprie- do que isso: quantos desses cientistas conse- importância para a atividade científica.
dade. Para culturas confucianas – como, guem produzir sua própria voz em todas as Diante da relevância do tema e do foco
por exemplo, Singapura, China e Coréia – seções do artigo científico? Para o Brasil, internacional que ele vem recebendo é, no
a autoria e a originalidade não são valoriza- um país cuja língua materna é o português mínimo, ingênuo ou imaturo não se pen-
das como no Ocidente. A noção de pro- e onde o inglês não é falado nem mesmo sar de forma bem pragmática em abordar
priedade intelectual, tradicionalmente, é como terceira língua, poderíamos dizer que o plágio nas universidades e outras insti-
bem mais coletiva do que individual. Por- bem poucos. tuições de pesquisa. Isto poderia ser discu-
tanto, num contexto acadêmico extrema- tido nos programas de pós-graduação.
mente multicultural, não são poucos os PERIÓDICOS ESTRANGEIROS No entanto, Vale lembrar, porém, que a definição de
conflitos e dilemas que decorrem dessa a produção do país em periódicos interna- plágio aceita pelas agências de fomento
visão diversa de autoria e produção textual. cionais é crescente e hoje contamos com americanas e européias é bastante rigorosa
Há uma preocupação considerável por cerca de 1.6% das publicações em periódi- e demanda originalidade na produção tex-
parte de autores dessas culturas confucianas cos indexados no Thomson Scientific. Não tual. É difícil pensar que apenas informa-
em desenvolver mecanismos educacionais se sabe se há trechos plagiados nessas publi- ção resolva o problema de autores que, por
para diminuir as diferenças, por exemplo, cações nem mesmo o quanto de auto-plágio não dominarem a língua inglesa, se vêem
na visão do texto do artigo científico. existe nessa fração, já que isso não foi inves- “tentados” a um empréstimo lingüístico
Em 1996, a Science divulgou que três casos tigado. Porém, se considerarmos a realidade subversivo de pequenos trechos de artigos
de plágio envolvendo cientistas chineses linguística da pesquisa brasileira e a de uma em inglês. Segundo a definição internacio-
levaram a uma discussão nacional sobre educação voltada para a produção do texto nal do plágio, mudar algumas palavras de
esse tipo de má conduta. A Academia Chi- não como instrumento formador de senso- uma frase de outrem e incorporá-las no
nesa de Ciências, engajada na discussão, crítico e opinião, nos vemos numa situação texto em construção configura plágio.
introduziu o On being a scientist, lançado favorável ao plágio. De acordo com Obdá- Sendo assim, também é extremamente
em 1989 pela Academia Nacional de lia Silva, em seu Entre o plágio e a autoria? importante que, paralelamente à orienta-
Ciências dos EUA, entre os pesquisadores qual o papel da universidade? (2006) [no ção sobre tal prática, também estejam polí-
chineses. O objetivo seria reduzir a inci- Brasil]... “historicamente, desde o ensino ticas educacionais que fomentem o ensino
dência de fraudes, incluindo o plágio, en- fundamental à universidade, tem-se convi- de redação científica em inglês nos progra-
tre os pesquisadores. Hoje, medidas educa- vido com a prática de cópias de produções mas de pós-graduação em ciências. Se as
cionais contra o plágio e outras formas de textuais de outrem, seja de forma parcial ou ações não forem conjuntas, pouco se avan-
má conduta se tornaram uma das priorida- total, omitindo-se a fonte...”. De volta à çará sobre essa questão e perderemos a
des no ambiente acadêmico daquele país. pergunta (1), será que por compartilharmos oportunidade de, inclusive, questionar-
Num editorial sobre o plágio (1996), Car- uma visão mais ocidental da autoria e pro- mos, se for o caso, o quanto dessas defini-
los Coimbra, editor de Cadernos de Saúde priedade intelectual, cometemos menos ções internacionais dialogam com a reali-
Pública, declara que “no Brasil pouco se fala plágio do que, por exemplo, os chineses? dade cultural e linguística em que se dá a
sobre plágio em ciência. Isto certamente Não necessariamente; a questão é que a pesquisa científica brasileira.
decorre menos da ausência do problema no produção científica chinesa é bem maior
país do que da falta de iniciativas para apro- que a brasileira e talvez a exposição seja Sonia M.R.Vasconcelos é mestre em literatura
fundar essa discussão.” É necessário consi- maior. Quanto à pergunta (2), será que os de língua inglesa e doutoranda do Programa de
derarmos o cenário atual da pesquisa cientí- poucos casos de plágio (publicizados) Educação, Gestão e Difusão em Biociências, da
fica. Hoje, diferente do que acontecia até envolvendo cientistas brasileiros indicam Universidade Federa do Rio de Janeiro (UFRJ).

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