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Catecismo Da Igreja Católica. Parágrafos 2759-2865
Catecismo Da Igreja Católica. Parágrafos 2759-2865
A ORAÇÃO CRISTÃ
SEGUNDA SECÇÃO
2759. «Um dia, estava Jesus em oração, em certo lugar. Quando acabou, disse-
lhe um dos seus discípulos: "Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista
também ensinou os seus discípulos"» (Lc 11, 1). Foi em resposta a este pedido
que o Senhor confiou aos seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã
fundamental. São Lucas apresenta-nos um texto breve dessa oração (cinco
petições)(1); São Mateus, uma versão mais desenvolvida (sete petições) (2). A
tradição litúrgica da Igreja reteve o texto de São Mateus (Mt 6, 9-13):
2760. Bem cedo o uso litúrgico concluiu a oração do Senhor por uma
doxologia. Na Didakê: «Porque Vosso é o poder e a glória, pelos séculos» (3). A
esta doxologia, as Constituições Apostólicas acrescentam no princípio: «o
Reino» (4), e essa é a fórmula que se usa em nossos dias na oração ecuménica.
A tradição bizantina acrescenta, depois de «a glória»: «Pai, Filho e Espírito
Santo». O Missal Romano amplia a última petição (5) na perspectiva explícita
da «expectativa da bem-aventurada esperança» (6) e da vinda de Jesus Cristo
nosso Senhor, seguindo-se a aclamação da assembleia que retoma a doxologia
das Constituições Apostólicas.
ARTIGO 1
2766. Mas Jesus não nos deixa uma fórmula para ser repetida maquinalmente
(14). Como em toda a oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo
ensina os filhos de Deus a orar ao seu Pai. Jesus dá-nos, não somente as
palavras da nossa oração filial, mas também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo
qual elas se tornam em nós «espírito e vida» (Jo 6, 63). Mais ainda: a prova e a
possibilidade da nossa oração filial é que o Pai «enviou aos nossos corações o
Espírito do seu Filho que clama: "Abbá! ó Pai!"» (Gl 4, 6). Uma vez que a nossa
oração traduz os nossos desejos diante do Pai, é ainda «Aquele que sonda os
corações», o Pai, que «conhece o desejo do Espírito, porque é de acordo com
Deus que o Espírito intercede pelos santos» (Rm 8, 27). A oração ao nosso Pai
insere-se na missão misteriosa do Filho e do Espírito.
2767. Esta dádiva indissociável das palavras do Senhor e do Espírito Santo que
lhes dá vida no coração dos crentes foi recebida e vivida pela Igreja desde as
origens. As primeiras comunidades rezavam a oração do Senhor «três vezes
por dia» (15), em vez das «dezoito bênçãos» usadas pela piedade judaica.
2768. Segundo a Tradição apostólica, a oração do Senhor está essencialmente
radicada na oração litúrgica:
2772. Desta fé inabalável brota a esperança que suscita cada uma das sete
petições. Estas exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo da
paciência e da espera, durante o qual «ainda não se manifestou o que
havemos de ser» (1 Jo 3, 2)(18). A Eucaristia e o Pai-nosso tendem para a vinda
do Senhor, «até que Ele venha!» (1 Cor 11, 26).
Resumindo:
2775. É chamada «Oração Dominical», porque nos vem do Senhor Jesus, mestre
e modelo da nossa oração.
2776. A Oração Dominical é a oração da Igreja por excelência. Faz parte
integrante das «horas» principais do Ofício Divino e dos sacramentos da
iniciação cristã: Baptismo, Confirmação e Eucaristia. Integrada na Eucaristia,
manifesta o carácter «escatológico» das suas petições, na esperança do Senhor,
«até que Ele venha» (1 Cor 11, 26).
ARTIGO 2
2778. Este poder do Espírito que nos introduz na oração do Senhor é expresso,
nas liturgias do Oriente e do Ocidente, pela bela expressão tipicamente cristã:
«parrêsía», simplicidade sem desvio, confiança filial, segurança alegre,
ousadia humilde, certeza de ser amado (22).
II. «Pai!»
2780. Nós podemos invocar Deus como «Pai», porque Ele nos foi revelado pelo
seu Filho feito homem e porque o seu Espírito no-Lo faz conhecer. A relação
pessoal do Filho com o Pai (24), que o homem não pode conceber nem os
poderes angélicos podem entrever, eis que o Espírito do Filho nos faz
participar dela, a nós que cremos que Jesus é o Cristo e que nascemos de Deus
(25).
2781. Quando oramos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com o seu Filho
Jesus Cristo (26). É então que O reconhecemos num encantamento sempre
novo. A primeira palavra da oração do Senhor é uma bênção de adoração,
antes de ser uma súplica. Porque a glória de Deus é que nós O reconheçamos
como «Pai», Deus verdadeiro. Damos-Lhe graças por nos ter revelado o seu
nome, por nos ter dado a graça de acreditar n'Ele, de sermos habitados pela
sua presença.
2782. Nós podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para a sua vida
adoptando-nos por seus filhos no seu Filho Único: pelo Baptismo, incorpora-
nos no corpo do seu Cristo; e pela Unção do seu Espírito, que da Cabeça se
derrama pelos membros, faz de nós «cristos»:
2783. Deste modo, pela oração do Senhor, nós somos revelados a nós próprios,
ao mesmo tempo que nos é revelado o Pai (29):
2784. Este dom gratuito da adopção exige da nossa parte uma conversão
contínua e uma vida nova. Orar ao nosso Pai deve desenvolver em nós duas
disposições fundamentais:
O desejo e a vontade de nos parecermos com Ele. Criados à sua imagem, é pela
graça que a semelhança nos é restituída e a ela devemos corresponder.
2786. Pai «nosso» refere-se a Deus. Pela nossa parte, o adjectivo «nosso» não
exprime uma posse, mas sim uma relação totalmente nova com Deus.
2787. Quando dizemos Pai «nosso», reconhecemos, antes de mais nada, que
todas as suas promessas de amor, anunciadas pelos profetas, se cumpriram na
Nova e eterna Aliança no seu Cristo: nós tornámo-nos o «seu» povo e Ele é
doravante o «nosso» Deus. Esta relação nova é uma pertença mútua, dada
gratuitamente: é por amor e fidelidade (36) que temos de responder «à graça e
à verdade» que nos foram dadas em Cristo Jesus (37).
2788. Uma vez que a oração do Senhor é a do seu povo nos «últimos tempos»,
este «nosso» exprime também a certeza da nossa esperança na última
promessa de Deus: na Jerusalém nova, Ele dirá ao vencedor: «Eu serei o seu
Deus e ele será o meu Filho» (Ap 21, 7).
2789. Rezando ao «nosso» Pai, é ao Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que nós
nos dirigimos pessoalmente. Não dividimos a divindade, pois que o Pai é a sua
«fonte e origem», mas confessamos desse modo que o Filho é por Ele gerado
eternamente e que d'Ele procede o Espírito Santo. Também não confundimos
as Pessoas, pois confessamos que a nossa comunhão é com o Pai e com o seu
Filho Jesus Cristo no seu único Espírito Santo. A Santíssima Trindade é
consubstancial e indivisível. Quando rezamos ao Pai, adoramo-Lo e
glorificamo-Lo com o Filho e o Espírito Santo.
2791. É por isso que, apesar das divisões dos cristãos, a oração ao «nosso» Pai
continua a ser um bem comum e um apelo premente para todos os
baptizados. Em comunhão pela fé em Cristo e pelo Baptismo, eles devem
participar na oração de Jesus pela unidade dos seus discípulos (40).
2793. Os baptizados não podem dizer Pai «nosso», sem levar até junto d'Ele
todos aqueles por quem Ele deu o seu Filho bem-amado. O amor de Deus é
sem fronteiras; a nossa oração deve sê-lo também (42). Rezar Pai «nosso»
abre-nos às dimensões do seu amor manifestado em Cristo: orar com e por
todos os homens que ainda O não conhecem, para que sejam «reunidos na
unidade» (43). Este cuidado divino por todos os homens e por toda a criação
animou todos os grandes orantes; deve também dilatar a nossa oração num
amor sem limites, quando ousamos dizer: Pai «nosso».
2794. Esta expressão bíblica não significa um lugar («o espaço»), mas um
modo de ser; não é o distanciamento de Deus, mas a sua majestade. O nosso
Pai não está «algures», está «para além de tudo» o que podemos conceber da
sua santidade. E é por ser três vezes santo que Ele está mesmo junto do
coração humilde e contrito:
«É com razão que estas palavras: "Pai nosso que estais nos céus" se
referem ao coração dos justos, nos quais Deus habita como em seu
templo. Por isso, também aquele que ora há-de desejar ver morar
em si Aquele a quem invoca» (44). «Os "céus" também poderiam
muito bem ser aqueles que trazem em si a imagem do mundo
celeste e em quem Deus mora e passeia» (45).
2795. O símbolo dos céus remete-nos para o mistério da Aliança que nós
vivemos, quando rezamos ao Pai. Ele está nos céus: é a sua morada. A casa do
Pai é, pois, a nossa «pátria». Foi da terra da Aliança que o pecado nos exilou
(46), e é para o Pai, para o céu, que a conversão do coração nos faz voltar (47).
Ora, foi em Cristo que o céu e a terra se reconciliaram (48), porque o Filho
«desceu do céu», sozinho, e para lá nos faz subir juntamente consigo, pela sua
cruz, ressurreição e ascensão (49).
2796. Quando a Igreja reza «Pai nosso que estais nos céus», professa que
somos o povo de Deus já sentado nos céus em Cristo Jesus (50) escondidos com
Cristo em Deus (51) e que, ao mesmo tempo, «gememos nesta tenda, ansiando
por revestir-nos da nossa habitação celeste» (2 Cor 5, 2) (52):
Resumindo:
2798. Podemos invocar Deus como «Pai», porque no-Lo revelou o Filho de Deus
feito homem, em quem, pelo Baptismo, somos incorporados e adoptados como
filhos de Deus.
2799. A oração do Senhor põe-nos em comunhão com o Pai e com seu Filho
Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, revela-nos a nós mesmos (54).
2800. Rezar ao nosso Pai deve fazer crescer em nós a vontade de nos
parecermos com Ele e criar em nós um coração humilde e confiante.
2802. A expressão «que estais nos céus» não designa um lugar, mas sim a
majestade de Deus e a sua presença no coração dos justos. O céu, a Casa do Pai,
constitui a verdadeira pátria, para onde caminhamos e à qual desde já
pertencemos.
ARTIGO 3
AS SETE PETIÇÕES
2803. Depois de nos termos posto na presença de Deus nosso Pai para O
adorarmos, amarmos e bendizermos, o Espírito filial faz brotar dos nossos
corações sete petições, que são sete bênçãos. As três primeiras, mais teologais,
atraem-nos para a glória do Pai; as quatro últimas, como caminhos para Ele,
expõem a nossa miséria à sua graça. «Abismo atrai abismo» (Sl 42, 8).
2804. O primeiro conjunto leva-nos até Ele, para Ele: o vosso nome, o vosso
Reino, a vossa vontade! É próprio do amor pensar, em primeiro lugar, n'
Aquele que amamos. Em cada um dos três pedidos, nós não «nos» nomeamos,
mas o que nos move é o «desejo ardente», é mesmo «a ânsia» do Filho bem-
amado pela glória de seu Pai (55): «Santificado seja [...]. Venha [...]. Seja
feita...». Estas três súplicas já foram atendidas no sacrifício de Cristo salvador,
mas agora estão orientadas, na esperança, para o seu cumprimento final,
enquanto Deus ainda não é tudo em todos (56).
2807. A palavra «santificar» deve ser entendida, aqui, antes de mais, não no
seu sentido causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num
sentido estimativo: reconhecer como santo, tratar de um modo santo. É assim
que, na adoração, esta invocação é por vezes entendida como louvor e acção
de graças (57). Mas esta petição é-nos ensinada por Jesus na forma optativa:
um pedido, um desejo, e expectativa na qual Deus e o homem estão
empenhados. Desde a primeira petição ao nosso Pai, mergulhamos no mistério
íntimo da sua divindade e no drama da salvação da nossa humanidade. Pedir-
Lhe que o seu nome seja santificado é envolvermo-nos «no desígnio
benevolente que Ele de antemão formou a nosso respeito» (Ef 1, 9), para que
«sejamos santos e imaculados diante d'Ele, no amor» (Ef 1, 4).
2808. Nos momentos decisivos da sua economia, Deus revela o seu nome; mas
revela-o realizando a sua obra. Ora esta obra só se realiza, para nós e em nós,
se o seu nome for santificado por nós e em nós.
2811. Ora, apesar da Lei santa que o Deus santo lhe deu e tornou a dar (64), e
muito embora o Senhor, «por respeito pelo seu nome», usasse de paciência, o
povo desviou-se do Santo de Israel e «profanou o seu nome entre as nações»
(65). Por isso, os justos da Antiga Aliança, os pobres retornados do exílio e os
profetas arderam de paixão pelo Nome.
2812. Finalmente, é em Jesus que o nome do Deus santo nos é revelado e dado,
na carne, como salvador (66): revelado pelo que Ele é, pela sua Palavra e pelo
seu sacrifício (67). É o coração da sua oração sacerdotal: «Pai santo, [...] por
eles Eu me consagro para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jo
17, 19). Porque Ele próprio «santifica» o seu nome (68), é que Jesus nos
«manifesta» o nome do Pai (69). No termo da sua Páscoa é que o Pai Lhe dá
então o nome que está acima de todo o nome: Jesus é Senhor para glória de
Deus Pai (70).
2815. Esta petição, que as inclui todas, é atendida pela oração de Cristo, como
as restantes seis petições que se seguem. A oração que fazemos ao nosso Pai é
nossa, se for rezada «em nome» de Jesus (75). Na sua oração sacerdotal, Jesus
pede: «Pai santo, guarda em teu nome aqueles que Me deste» (Jo 17, 11).
«Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto o dever de pedir a
vinda deste Reino, teríamos espontaneamente soltado este grito,
com pressa de irmos abraçar o objecto das nossas esperanças. As
almas dos mártires, sob o altar de Deus, invocam o Senhor com
grandes gritos: "Até quando, Senhor, até quando tardarás em pedir
contas do nosso sangue aos habitantes da terra?" (Ap 6, 10). Eles
devem, com efeito, alcançar justiça, no fim dos tempos. Apressa,
portanto, Senhor, a vinda do Teu Reino!» (77).
2819. «O Reino de Deus [...] é justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Rm 14,
17). Os últimos tempos em que nos encontramos são os da efusão do Espírito
Santo. Trava-se desde então um combate decisivo entre «a carne» e o Espírito
(80):
2821. Esta petição é feita e atendida na oração de Jesus (83), presente e eficaz
na Eucaristia; ela produz o seu fruto na vida nova segundo as bem-
aventuranças (84).
2824. Foi em Cristo e pela sua vontade humana que a vontade do Pai se
cumpriu perfeitamente e duma vez para sempre. Ao entrar neste mundo,
Jesus disse: «Eu venho, [...] ó Deus, para fazer a tua vontade» (Heb 10, 7) (87).
Só Jesus pode dizer: «Faço sempre o que é do seu agrado» (Jo 8, 29). Na oração
da sua agonia, Ele conforma-Se totalmente com esta vontade: «Não se faça a
minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42) (88). Eis por que Jesus «Se entregou
pelos nossos pecados [...] consoante a vontade de Deus» (Gl 1, 4). «Em virtude
dessa mesma vontade é que nós fomos santificados, pela oferenda do corpo de
Jesus Cristo » (Heb 10, 10).
2825. Jesus, «apesar de ser Filho, aprendeu, por aquilo que sofreu, o que é
obedecer» (Heb 5, 8). Com quanto mais razão nós, criaturas e pecadores, que
n'Ele nos tornamos filhos de adopção! Nós pedimos ao nosso Pai que una a
nossa vontade à do seu Filho, para que se cumpra a vontade d'Ele, o seu plano
de salvação para a vida do mundo. Somos radicalmente impotentes para tal,
mas unidos a Jesus e com o poder do seu Espírito Santo, podemos entregar-
Lhe a nossa vontade e decidir escolher o que o seu Filho sempre escolheu:
fazer o que é do agrado do Pai (89):
2826. É pela oração que podemos discernir qual é a vontade de Deus (92) e
obter perseverança para a cumprir (93). Jesus ensina-nos que se entra no
Reino dos céus, não por palavras, mas «fazendo a vontade do meu Pai que está
nos céus» (Mt 7, 21).
2827. «Se alguém honrar a Deus e cumprir a sua vontade, Ele o atende» (Jo 9,
31) (94). Tal é o poder da oração da Igreja feita em nome do seu Senhor,
sobretudo na Eucaristia; ela é comunhão de intercessão com a santíssima Mãe
de Deus (95) e com todos os santos que foram «agradáveis» ao Senhor por não
terem querido senão a sua vontade:
2828. «Dai-nos»: como é bela a confiança dos filhos, que tudo esperam do Pai!
«Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e chover sobre justos e injustos»
(Mt 5, 45); dá a todos os seres vivos «de comer a seu tempo» (Sl 104, 27). É
Jesus quem nos ensina esta petição que, de facto, glorifica o nosso Pai porque
é o reconhecimento de quanto Ele é bom, acima de toda a bondade.
2829. «Dai-nos» é também expressão da Aliança: nós somos d'Ele e Ele é nosso,
é para nós. Mas este «nós» reconhece-O também como Pai de todos os homens,
e nós pedimos-Lhe por todos, solidários com as suas necessidades e os seus
sofrimentos.
2830. «O pão nosso». O Pai que nos dá a vida não pode deixar de nos dar o
alimento necessário para a vida e todos os bens «convenientes», materiais e
espirituais. No sermão da montanha, Jesus insiste nesta confiança filial que
coopera com a providência do nosso Pai (97). Não nos incita a qualquer
espécie de passividade (98), mas quer libertar-nos de toda a inquietação
ansiosa e de qualquer preocupação. Assim é o abandono filial dos filhos de
Deus:
2832. Tal como o fermento na massa, a novidade do Reino deve levedar a terra
com o Espírito de Cristo (102). Há-de manifestar-se pela instauração da justiça
nas relações pessoais e sociais, económicas e internacionais, sem nunca
esquecer que não há nenhuma estrutura justa sem homens que queiram ser
justos.
2833. Trata-se do «nosso» pão, de «um» para «muitos». A pobreza das bem-
aventuranças é a virtude da partilha. Ela convida a comunicar e a partilhar os
bens materiais e espirituais, não por coacção, mas por amor, para que a
abundância de uns remedeie às necessidades dos outros (103).
«Se em cada dia recebes o pão, cada dia é hoje para ti. Se Cristo é
para ti hoje, todos os dias Ele ressuscita para ti. Como é isso? "Tu és
o Meu Filho, Eu hoje Te gerei" (Sl 2, 7). Hoje quer dizer: quando
Cristo ressuscita» (109).
2837. «De cada dia». Esta palavra «epioúsios» não é usada em mais lado
nenhum no Novo Testamento. Tomada num sentido temporal, é uma
repetição pedagógica do «hoje» (110) para nos confirmar numa confiança
«sem reservas». Tomada no sentido qualitativo, significa o necessário para a
vida e, de um modo mais abrangente, todo o bem suficiente para a
subsistência (111). Tomada à letra (epioúsios, «sobre-substancial»), designa
directamente o Pão da Vida, o corpo de Cristo, «remédio de imortalidade»
(112), sem o qual não temos a vida em nós (113). Enfim, ligado ao antecedente,
é evidente o sentido celestial: «este dia» é o do Senhor, o do banquete do
Reino, antecipado na Eucaristia que é já o antegozo do Reino que vem. É por
isso conveniente que a liturgia Eucarística seja celebrada em «cada dia».
«A Eucaristia é o nosso pão de cada dia [...]. A virtude própria deste
alimento é a de realizar a unidade a fim de que, reunidos no corpo
de Cristo, tornados seus membros, sejamos o que recebemos. [...] E
também são pão de cada dia as leituras que em cada dia ouvis na
igreja; e os hinos que escutais e cantais, são pão de cada dia. Estes
são os mantimentos necessários para a nossa peregrinação» (114).
2840. Ora, e isso é temível, esta onda de misericórdia não pode penetrar nos
nossos corações enquanto não tivermos perdoado àqueles que nos ofenderam.
O amor, como o corpo de Cristo, é indivisível: nós não podemos amar a Deus, a
quem não vemos, se não amarmos o irmão ou a irmã, que vemos (121).
Recusando perdoar aos nossos irmãos ou irmãs, o nosso coração fecha-se, a
sua dureza torna-o impermeável ao amor misericordioso do Pai. Na confissão
do nosso pecado, o nosso coração abre-se à sua graça.
2841. Esta petição é tão importante que é a única na qual o Senhor volta a
insistir, desenvolvendo-a no sermão da montanha (122). Esta exigência crucial
do mistério da Aliança é impossível para o homem. Mas «a Deus tudo é
possível» (Mt 19, 26).
2842. Este «como» não é único no ensinamento de Jesus. «Sede perfeitos como
o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48); «sede misericordiosos como o vosso
Pai é misericordioso» (Lc 6, 36); «dou-vos um mandamento novo: amai-vos
uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 13, 34). Observar o mandamento do
Senhor é impossível, quando se trata de imitar, do exterior, o modelo divino.
Trata-se duma participação vital, vinda «do fundo do coração», na santidade,
na misericórdia e no amor do nosso Deus. Só o Espírito, que é «nossa vida» (Gl
5, 25), pode fazer «nossos» os mesmos sentimentos que existiram em Cristo
Jesus (123). Então, a unidade do perdão torna-se possível, «perdoando-nos
mutuamente como Deus nos perdoou em Cristo» (Ef 4, 32).
2843. Assim ganham vida as palavras do Senhor sobre o perdão, sobre este
amor que ama até ao extremo do amor (124). A parábola do servo
desapiedado, que conclui o ensinamento do Senhor sobre a comunhão eclesial
(125), termina com estas palavras: «Assim procederá convosco o meu Pai
celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do fundo do coração». É aí,
de facto, «no fundo do coração», que tudo se ata e desata. Não está no nosso
poder deixar de sentir e esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao
Espírito Santo muda a ferida em compaixão e purifica a memória,
transformando a ofensa em intercessão.
2844. A oração cristã vai até ao perdão dos inimigos (126). Transfigura o
discípulo, configurando-o com o seu Mestre. O perdão é o cume da oração
cristã; o dom da oração só pode ser recebido num coração em sintonia com a
compaixão divina. O perdão testemunha também que, no nosso mundo, o
amor é mais forte que o pecado. Os mártires de ontem e de hoje dão este
testemunho de Jesus. O perdão é a condição fundamental da reconciliação
(127) dos filhos de Deus com o seu Pai e dos homens entre si (128).
2845. Não há limite nem medida para este perdão essencialmente divino (129).
Quando se trata de ofensas (de «pecados», segundo Lc 11, 4, ou de «dívidas»
segundo Mt 6, 12), de facto nós somos sempre devedores: «Não devais a
ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros» (Rm 13,
8). A comunhão da Santíssima Trindade é a fonte e o critério da verdade de
toda a relação (130). E é vivida na oração, sobretudo na Eucaristia (131):
2846. Esta petição atinge a raiz da precedente, porque os nossos pecados são
fruto do consentimento na tentação. Nós pedimos ao nosso Pai que não nos
«deixe cair» na tentação. Traduzir numa só palavra o termo grego é difícil.
Significa «não permitas que entre em» (133), «não nos deixes sucumbir à
tentação». «Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (Tg 1, 13). Pelo
contrário, Ele quer livrar-nos do mal. O que Lhe pedimos é que não nos deixe
seguir pelo caminho que conduz ao pecado. Nós andamos empenhados no
combate «entre a carne e o Espírito». Esta petição implora o Espírito de
discernimento e de fortaleza.
«Deus não quer impor o bem, quer seres livres [...]. Para alguma
coisa serve a tentação. Ninguém, senão Deus, sabe o que a nossa
alma recebeu de Deus, nem nós próprios. Mas a tentação manifesta-
o para nos ensinar a conhecermo-nos e desse modo descobrir a
nossa miséria e obrigar-nos a dar graças pelos bens que a tentação
nos manifestou» (137).
2849. Ora um tal combate e uma tal vitória só são possíveis pela oração. Foi
pela oração que Jesus venceu o Tentador desde o princípio (138) e no último
combate da sua agonia (139). Foi ao seu combate e à sua agonia que Cristo nos
uniu nesta petição ao nosso Pai. A vigilância do coração é lembrada com
insistência (140) em comunhão com a sua. A vigilância é a «guarda do
coração» e Jesus pede ao Pai que «nos guarde em seu nome» (141). O Espírito
Santo procura incessantemente despertar-nos para esta vigilância (142). Esta
petição adquire todo o seu sentido dramático, quando relacionada com a
tentação final do nosso combate na terra: ela pede a perseverança final. «Olhai
que vou chegar como um ladrão: feliz de quem estiver vigilante!» (Ap 16, 15).
2850. A última petição ao nosso Pai também está incluída na oração de Jesus:
«Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno» (Jo 17, 15).
Ela diz-nos respeito, a cada um pessoalmente, mas somos sempre «nós» que
rezamos, em comunhão com toda a Igreja, pela libertação de toda a família
humana. A oração do Senhor não cessa de nos abrir às dimensões da
economia da salvação. A nossa interdependência no drama do pecado e da
morte transforma-se em solidariedade no corpo de Cristo, em «comunhão dos
santos» (143).
2851. Nesta petição, o Mal não é uma abstracção, mas designa uma pessoa,
Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O «Diabo» («dia-bolos») é
aquele que «se atravessa» no desígnio de Deus e na sua «obra de salvação»
realizada em Cristo.
2852. «Assassino desde o princípio, [...] mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44),
«Satanás, que seduz o universo inteiro» (Ap 12, 9), foi por ele que o pecado e a
morte entraram no mundo, e é pela sua derrota definitiva que toda a criação
será «liberta do pecado e da morte» (144). «Sabemos que ninguém que nasceu
de Deus peca, porque o preserva Aquele que foi gerado por Deus, e o Maligno,
assim, não o atinge. Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está
sujeito ao Maligno» (1 Jo 5, 18-19):
«O Senhor, que tirou o vosso pecado e perdoou as vossas faltas, tem
poder para vos proteger e guardar contra as insídias do Diabo que
vos combate, para que não vos surpreenda o inimigo que tem o
hábito de engendrar a culpa. Mas quem a Deus se entrega não tem
medo do Diabo. Porque "se Deus está por nós, quem contra nós?"
(Rm 8, 31)» (145).
2853. A vitória sobre o «príncipe deste mundo» (146) foi alcançada, duma vez
para sempre, na «Hora» em que Jesus livremente Se entregou à morte para
nos dar a sua vida. Foi o julgamento deste mundo, e o príncipe deste mundo
foi «lançado fora» (147). «Pôs-se a perseguir a Mulher»(Ap 12, 13) (148), mas
não logrou alcançá-la: a nova Eva, «cheia da graça» do Espírito Santo, foi
preservada do pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e
Assunção da santíssima Mãe de Deus, Maria, sempre Virgem). Então, «furioso
contra a Mulher, foi fazer guerra contra o resto da sua descendência» (Ap 12,
17). Eis porque o Espírito e a Igreja rogam: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 17.20),
já que a sua vinda nos libertará do Maligno.
A DOXOLOGIA FINAL
2856. «Depois, acabada a oração, dizes: Ámen, subscrevendo com esta palavra,
que significa «Assim seja» (154), o conteúdo desta oração que Deus nos
ensinou» (155).
Resumindo:
2857. No «Pai-nosso», as três primeiras petições têm por objecto a glória do Pai:
a santificação do Nome, a vinda do Reino e o cumprimento da divina vontade.
As outras quatro petições apresentam-Lhe os nossos desejos: pedidos
concernentes à nossa vida para a alimentar ou para a curar do pecado, ou
relativos ao nosso combate para a vitória do Bem sobre o Mal.
2858. Ao pedirmos: «santificado seja o vosso nome», entramos no desígnio de
Deus, que é a santificação do seu nome – revelado a Moisés e depois em Jesus –
por nós e em nós, bem como em todas as nações e em cada homem.
2860. Na terceira petição, pedimos ao Pai que una a nossa vontade à do Seu
Filho para cumprir o seu desígnio de salvação na vida do mundo.
2863. Ao dizermos: «não nos deixeis cair em tentação», pedimos a Deus que não
permita que enveredemos pelo caminho que conduz ao pecado. Esta petição
implora o Espírito de discernimento e de fortaleza; solicita a graça da vigilância
e a perseverança final.
2864. Na última petição: «mas livrai-nos do Mal», o cristão roga a Deus, com a
Igreja, que manifeste a vitória, já alcançada por Cristo, sobre o «príncipe deste
mundo», Satanás, o anjo que se opõe pessoalmente a Deus e ao seu plano de
salvação.
2865. Pelo «Ámen» final, exprimimos o nosso «fiat» em relação às sete petições:
«Assim seja...».
2 Cf. Mt 6, 9-13.
6. Cf. Tt 2, 13.
12. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 83, a. 9, c: Ed. Leon. 9, 201.
18. Cf. Cl 3, 4.
20. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 83, a. 9, c: Ed. Leon. 9, 201.
21. São Pedro Crisólogo, Sermão 71, 3: CCL 24A, 425 (PL 52, 401).
22. Cf. Ef 3, 12; Heb 3, 6; 4, 16; 10, 19; 1 Jo 2, 28; 3, 21; 5, 14.
24. Cf. Jo 1, 1. 11
25. Cf. 1 Jo 5, 1.
26. Cf. 1 Jo 1, 3.
27. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 3, 1: SC 126, 120 (PG 33,
1088).
28. São Cipriano de Catargo, De dominica oratione, 9: CCL 3A, 94 (PL 4, 541).
29. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966)
1042.
30. Santo Ambrósio, De sacramentas, 5, 19: CSEL 73, 66 (PL 16, 450).
31. São Cirpiano de Cartago, De dominica oratione, 11: CCL 3A, 96 (PL 4, 543).
34. São João Cassiano, Conlatio, 9, 18, 1: CSEL 13, 265-266 (PL 49, 788).
35. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 4, 16: CCL 35, 106 (PL 34,
1276).
36. Cf. Os 2, 21-22; 6, 1-6.
38. Cf. 1 Jo 5, 1; Jo 3, 5.
40. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 8: AAS 57 (1965) 98;
Ibid., 22: AAS 57 (1965) 105-106.
42. Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 5: AAS 58 (1966) 743-744.
44. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 5, 18: CCL 35, 108-109 (PL
34, 1277).
45. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 5, 11: SC 126, 160 (PG 33,
1117).
46. Cf. Gn 3.
49. Cf. Jo 12, 32; 14, 2-3; 16, 28; 20, 17; Ef 4, 9-10; Heb 1, 3; 2, 13.
50. Cf. Ef 2, 6.
51. Cf. Cl 3, 3.
54. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966)
1042.
58. Sl 8; Is 6, 3.
59. Cf. Sl 8, 6.
71. São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 12: CCL 3A, 96-97 (PL 4,
544).
73. São Pedro Crisólogo, Sermão 71, 4: CCL 24A, 425 (PL 52, 402).
76. São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 13: CCL 3A, 97 (PL 4, 545).
79. Cf. Oração Eucarística IV, 118: Missale Romanum, editio typica (Typis
Polyglottis Vaticanis 1970), p. 468 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p.
539].
81. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 5, 13: SC 126, 162 (PG 33,
1120).
82. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966)
1042-1044; Ibid., 32: AAS 58 (1966) 1057; Ibid., 45: AAS 58 (1966) 1065-1066;
Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 31: AAS 68 (1976) 26-27.
96. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 6, 24: CCL 35, 113 (PL34,
1279).
99. São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 21: CCL 3A, 103 (PL 4, 551).
104. Da tradição beneditina. Cf. São Bento, Regra 20;48: CSEL 75, 75-76.114-119
(PL 66, 479-480.703-704).
106. Cf. Dt 8, 3.
109. Santo Ambrósio, De Sacramentis, 5, 26: CSEL 73, 70 (PL 16, 453).
111. Cf. 1 Tm 6, 8.
116. São Pedro Crisólogo, Sermão 67, 7: CCL 24A, 404-405 (PL52, 402).
119. Cf. Ef 1, 7.
128. Cf. João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 14: AAS 72 (1980) 1221-1228.
132. São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 23: CCL 3A, 105 (PL 4, 535-
536).
137. Orígenes, De oratione, 29, 15 e 17: GCS 3, 390-391 (PG 11, 541-544).
143. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16: AAS 77 (1985) 214-
215.
144. Oração eucarística IV, 123: Missale Romanum, editio typica (Typis
Polyglottis Vaticanis 1970), p. 471 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992,
543].
145. Santo Ambrósio, De sacramentis, 5, 30: CSEL 73, 71-72 (PL 16, 454).
146. Cf. Jo 14, 30.
149. Cf. Ap 1, 4.
155. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 5, 18: SC 126, 168 (PG
33, 1124).