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Apreciação crítica

Como começar a falar sobre este livro? Não é fácil, informo desde já que os
factos não são
inventados, segundo o escritor. Se Isto É Um Homem de Primo Lévi relata-
nos a experiência real
do autor num campo de concentração nazi, entre finais de Janeiro de 1944 e
finais de Janeiro de
1945. Os factos, porém, são de tal maneira impossíveis para o comum dos
mortais, e tão fora da
experiência comum da Humanidade, que mesmo um texto descritivo e
factual necessita de apelar
ao leitor/narratário (na obra há um narratário a quem o narrador se dirige)
para que este não sinta
que está perante uma história ficcionada.
O título do livro, Se Isto É Um Homem, é retirado do poema que está
presente logo no início
da obra. O quinto verso diz: Considerai se isto é um homem. A partir deste
verso, encontramos o fio
condutor do livro. Por um lado, há uma clara preocupação em descrever a
luta, dentro do campo de
concentração, para que o narrador se continue a respeitar, enquanto
homem. Por outro, encontramos
também uma análise descritiva daqueles que são enviados para um campo
de concentração, sem
cometerem nenhum crime. O verso citado interpela –nos, dá
-nos uma ordem de carácter
imperativo: Considerai. O que quer Primo Levi, químico de formação, um
homem de ciência, ao
interpelar -nos desta forma? Mostrar experiência por que passou,
eliminando o pathos e tentando
levar-nos a refletir sobre os acontecimentos vividos no campo de
concentração por si. Ele prefere
que o leitor julgue por si, todas as descrições que vai fazendo.
Assim, ao longo da obra, o narrador/autor, ao longo da ação, descreve a
vida quotidiana no
campo de extermínio onde esteve, num tom neutro e apagado. As ações que
apresenta parecem
insignificantes: as filas na hora das refeições e o que lá se fazia ou dizia, os
estratagemas para obter
mais um pedaço de pão ou a parte mais grossa da sopa, a importância de
uma pequena medida de
cordel na "bolsa de valores" do campo. Ele tenta de tal modo contar as
coisas sem se envolver, que
o seu olhar frio de narrador acaba por nos ferir com a sua ironia,
simplesmente porque ele viveu,
sentiu, todas as humilhações e, muitas vezes, não consegue deixar de
envolver, mostrar a sua
opinião. O autor descreve a violência não pela sua presença espetacular,
mas pela ausência. Ele e os
outros prisioneiros são tratados como se fossem “uma coisa”, desprovidos
da sua Humanidade. Ao
descrever tudo o que viveu, o narrador elimina o pathos, pois não quer
provocar pena no leitor. Esse
sentimento é insuficiente para si. A pena faz-nos chorar, imobiliza-nos. Ele
usa o Logos em toda a narrativa para que consiga demonstrar as
monstruosidades feitas pelos alemães nos campos de
concentração, para que o leitor não duvide da veracidade dos factos
contados. Nada no campo fazia
sentido. Nem a forma como eram despidos das suas roupas, como tinham
de caminhar ou comer.
Nada. É essa realidade que encontramos nas páginas do livro.
A obra é um pungente testemunho de um sobrevivente tomado pela dor e
pela esperança.
Nota-se que Levi precisa contar aos outros, precisa de ouvintes, já que só
assim ele e a sua
experiência se manteriam vivos e a possibilidade da catástrofe se repetir,
diminuiria. Mas ele sabe
que nem sempre é fácil relatar de forma clara, a quem não viveu, a
imensidão do massacre. Muitos
poderão pensar que a obra é uma ficção. Levi deixa bem claro que nada é
inventado. Se há algo que
inventou foi a forma leve, racional quase sem sentimentos com que ele
tenta contar alguns factos.
Para quê? Para não afastar o leitor. Em suma, a obra necessita de ser lida e
relida para que o
Homem, jamais se torne no ser ignóbil do Holocausto.
Em relação à acção, a obra inicia –se com uma descrição detalhada desde a
saída dele da sua
terra, na Itália, rumo ao desconhecido, à sua desumanização inicial, até a
chegada à Polónia, onde a
desumanização foi total (palavras do narrador) Na sua obra, Levi descreve
a vida dos presos no
campo, o trabalho, o alojamento, o comércio interno. Analisa o também
homem que se viu perdido
e só tinha como horizonte a morte ou a batalha dura pela sobrevivência. A
obra não possui um fio
condutor, visto que os factos são contados em analepse pelo escritor,
recorrendo à sua memória. Em
diversas reflexões, o narrador afirma que no campo de concentração onde
esteve preso imperava lei
da selva e os laços de solidariedade eram quase inexistentes. Na obra é-nos
descrito um ambiente
individualista, desumano e hostil.
Para poder ter alguma lógica, o escritor dividiu a obra em capítulos e cada
um tem um nome.
Para mim, o capítulo mais importante é o segundo com o título: No fundo.
Primo Levi recorda a
grande porta de entrada no campo, onde se podia ler a expressão "o
trabalho liberta" uma frase
muito irónica, tendo em conta o seu estado de escravidão. Neste capítulo, o
narrador descreve o
local para onde ele e os 96 judeus que o acompanhavam foram
encaminhados: local amplo, vazio e
frio. De seguida, descreve como num palco de teatro, foram surgindo as
diversas person

Para terminar, considero que ler esta obra de Levi é essencial. Desta
forma, estamos a
contribuir para o não esquecimento, para que a memória do Holocausto não
seja apagada. É um livro
memorável em vários aspetos: pelo que desceve, pela forma como o
narrador nos obriga a tomar
conhecimento do Holocausto, pela linguagem utilizada, pelo
contraste com realidade que
conhecemos e pela noção de sofrimento que nos é transmitida.
Por isso, é urgente e necessário que leiam esta obra. Só assim podemos ter
noção o quão
horripilante foi o Nazismo para os “renegados”. Mas deixo aviso inicial: os
leitores mais sensíveis
devem preparar-se para sofrerem e sentirem na pele a dor do autor.

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