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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Departamento de História
História Contemporânea – Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro

JEREMIAS JEFFESON GOMES DA SILVA

FICHAMENTO DO LIVRO “OS AFOGADOS E OS SOBREVIVENTES” DE PRIMO


LEVI

RECIFE
2021
LEVI, PRIMO. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as
impunidades. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

CAPÍTULO 1, RESUMO: Primeiro capítulo do livro. O autor começa a obra


discorrendo acerca da memória, algo que, diz ele, será a toada do livro. Inicia falando que
nossas memórias não são "marcadas em pedra", não, elas se modificam, aumentam,
diminuem, enfim, tomam outra forma na medida em que o tempo passa. Diz o autor, também,
que a memória é como um músculo, se mantém mais eficiente sempre que exercitada, todavia
também acaba, sempre que feito isso, gerando esteriótipos, podando a memória,
reconstruindo-a. Pode também ser reconstruída a memória por um trauma, uma dor, ou ainda
pelo sentimento de culpa. Tudo isso pode modificar uma memória, torná-la, seja qual for a
razão, mais palatável ao que recorda.
O autor segue trazendo a questão para a reflexão acerca dos campos de concentração
nazistas, afirmando que, quando algum culpado, alguém que oprimiu durante a época,
relembra seu passado, menos vale ouvir seus atos do que suas motivações. Se um ato ocorreu?
Isso poucas vezes é contestado, todavia as motivações que se dá para isso variam, são
inventadas, modificadas aos borbotões. Geralmente, diz o autor, quem cometeu tais atos, diz
sempre que só cumpria ordens, ou que alguém fez pior, ou que no ambiente que viveu não
teria como ter feito outra coisa. Todas essas são tentativas de apagar a memória ou de
modificá-la, seja a sua, seja a de outrem acerca de você.
A mudança de memória pode ser inconsciente, mas também pode ser consciente, como
uma construção calma e detalhada, onde se modifica a realidade, se muda o cenário, e se narra
tantas vezes que acaba-se acreditando na história inventada. O caso pode ser tão grave, que
alguém que de início mentia de má-fé, ou seja, mentia sabendo que o fazia, passa a "mentir de
boa-fé", ou seja, mentir, mas não saber que o faz, pelo contrário, está totalmente convencido
da realidade do que expressa.
O autor segue afirmando e agora sai do micro, e projeta suas ideias no macro: diz que
a história do Terceiro Reich pode ser contada como uma guerra da memória, uma falsificação
orwelliana da realidade. Chegando a afirmar que até mesmo Hitler tentou criar memórias para
fugir da realidade de tudo que acontecera. Também afirma que quem vive a guerra, ou
experiências traumáticas correlatas, costuma inconscientemente apagar os momentos de maior
dor, se lembrando dos momentos mais aprazíveis, nos momentos em que, em meio ao caos, a
paz se fez momentaneamente presente. Este é outro meio em que a memória é modificada.
Termina o capítulo falando de Alberto, seu amigo na guerra, que, sabendo que seu pai
tinha sido levado para o extermínio na câmara de gás, alterara a realidade e falava para si,
criando histórias, que o homem estaria vivo e seguro em algum local. Após a morte de
Alberto a própria família dele inventara histórias, ou acreditavam em histórias, que afirmavam
estar ele vivo. Se recordando, ou se ocorrendo na hora, a memória, a realidade, pode ser
alterada, e é pela pessoa que recorda.
CAPÍTULO I, COMENTÁRIO: Que início de livro. O autor segue aqui a mesma
pegada que já podia ser vista no prefácio. Poucas vezes li algo tão profundo e tão vasto,
mesmo que em espaço tão curto, acerca da memória. O modo como o autor discorre acerca de
como terminamos por modificar a memória, seja qual for a razão, é algo extremamente
profundo.
Esse debate me faz lembrar até mesmo da discussão acerca da realidade na História, se
a realidade pode, ou não, ser entendida, visualizada! Ou mais: se a realidade existe. Sou
partidário da ideia de que a realidade enquanto algo fora da mente humana, no sentido de ser
uma verdade unívoca, não existe. A realidade é o que quem está em perspectiva vê. Não que
eu esteja relativizando tudo, ou toda a realidade, mas apenas afirmando que mesmo um
conjunto de pessoas vendo a mesma coisa, ou presenciando o mesmo evento, elas verão a
coisa, ou o corrido, de formas distintas, ou seja, elas lembram da realidade de uma forma que,
inevitavelmente varia.
Assim como a realidade sendo vista, varia, varia também nossa memória. Porque
quando nos recordamos de algo, na verdade estamos fazendo a recordação da recordação, ou
seja, estamos lembrando uma memória, logo já estamos, nesse ato, modificando-a.
Enfim, um capítulo profundo e extremamente tocante, de erudição fluida e de
pensamentos extremamente relevantes para um historiador.
CAPÍTULO 2, RESUMO: Segundo capítulo: o autor de propõe a falar do que chama
de "zona cinzenta". Começa falando que nós humanos sempre simplificamos as coisas para
poder entende-las, e que sem isso as experiências do mundo seriam indefinidas e infinitas.
Segundo ele, isso, na história, tendeu sempre a criar uma narrativa polarizada, bipartidária, de
amigos versus inimigos, entre "nós" e "eles", e isso também ocorreu nos lager, os campos de
concentração. Diz ele que o lager não podia ser entendido como opressores x oprimidos,
simples assim. A realidade era diferente: quem chegava no campo sofria nas mãos dos que
estavam lá a mais tempo, sendo submetidos a zombarias e brincadeiras cruéis. Não apenas
isso, pois lá dentro ocorriam que uns prisioneiros tinham privilégios que outros não tinham.
Onde existem relações de poder, existe privilégio, ele diz, e o privilégio protege o
privilégio, pouco se importando com os prejudicados. Por isso muitos prisioneiros se
identificavam com seus opressores e buscavam os meios para ter uma vida um pouco menos
miserável. Levi afirma que pensar os prisioneiros como "santos e filósofos estoicos" é ser
irrealista. Lá dentro se fazia de tudo para sobreviver.
Para seguir seu argumento ele fala do "Esquadrão Especial", um grupo de prisioneiros
recém chegados que eram escolhidos para realizar as atividades mais desumanas do lager no
lugar dos nazistas. A razão disso? Além das questões de logísticas e ajuda na divisão do
trabalho, diz ele, serviam para aliviar as consciências de muitos nazis, relegando a eles as
atividades mais sujas, de modo tal que os oprimidos se parecessem mais com os opressores.
Ter concebido o Esquadrão Espacial foi o "delito mais demoníaco" dos nazistas, diz ele, pois
não satisfeitos em destruir apenas o corpo, destruíam a alma.
Os nazistas corrompiam o corpo dos prisioneiros, mas também as almas, tentando
fazer deles, os prisioneiros, seus iguais, pessoas que carregavam a culpa junto com eles. O
Nacional-socialismo era uma ordem infernal, com poder de corrupção tão grande que poucos
teriam como escapar.
Era baseado nisso que muitos conseguiam privilégios miseráveis em detrimento de
cometer os atos que eram destinados a si mesmos. Termina o capítulo falando sobre o caso de
Chaim Rumkowski, que exprimia totalmente a ambiguidade humana que se via nos lager.
CAPÍTULO 2, COMENTÁRIO: Um capítulo chocante. Complexificar as relações
de um campo de concentração mostrou-se algo necessário, porém duro, penoso, obviamente.
É a primeira vez que leio sobre os prisioneiros dos campos "trabalhando" para os nazistas em
troca de algum privilégio. Como Levi diz, o ser humano é ambíguo, não-monolítico, mais
complexo do que se pensa, e até os oprimidos podiam oprimir se isso lhe rendesse algum
privilégio. Lembrei-me do livro "Mais de uma luz" do israelense Amós Oz, que falando
acerca da política afirma que devemos sair dos extremos, pois a vida não é apenas preto e
branco, existem muitas "camadas de cinza". É dessa camada cinzenta que Levi fala,
entendendo o lager como não-utópico, como não-idealista (se é que algo assim pode o ser). O
imaginário comum que temos dos campos é que os judeus, por exemplo, jamais se aliariam
anos nazis, pois eram oprimidos por eles, mas não é o caso e não tinha como o ser. Concordo
com Levi quando ele diz que esse foi um dos crimes mais demoníacos dos nazistas,
corromper aquelas almas miseráveis de tal forma que vinham a fazer tudo para sobreviver.
Quando ele fala do jogo de futebol entre os "corvos do crematório" e os membros da SS, isso
fica claro, eram os nazistas afirmando: vocês agora, de algum modo são iguais a nós,
carregam o sangue e o delito, como nós. Nós os corrompemos e os levamos junto conosco até
o fundo do poço.
CAPÍTULO 3, RESUMO: O terceiro capítulo fala acerca da vergonha. O autor
começa falando que as narrativas sobre pós-guerras e libertações sempre falam de felicidade,
paz e reencontro com a família, todavia, crê ele, essa é uma imagem romântica, talvez
otimista demais. A realidade, pelo menos para ele e para os que ele conseguiu conhever, foi
diferente: depois da libertação vinha a aflição, a fase da angústia, da culpa, da vergonha. Era a
hora de ser jogado ao mundo depois de tanta destruição e massacre. Segue falando sobre a
culpa. A consciência pós libertação era de saber ter sido aviltado, assolado. De ter vivido por
meses ou anos como um animal, de ter seu lado humano destruído.
Assim como um animal, só se pensava o presente, passado, futuro, família, cultura,
tudo isso tinha sido apagado. Pensar nisso tudo após o cativeiro foi o que levou muitos ao
suicídio, e por isso, diz o autor, o suicídio ocorria tão pouco no cativeiro. Ele diz: primeiro, o
suicídio é algo do homem, não do animal. O animal só pensa em seu presente, busca
sobreviver, mas o homem pensa, raciocina, escolhe, e tempo para isso, em segundo lugar, ele
diz, não havia nos lager. Não havia tempo sequer para se concentrar na ideia de morte. Em
terceiro lugar ele afirma que o suicídio tende a ocorrer de uma culpa tão grande que nenhuma
punição conseguiu eximir, mas ora, punido já eram os corpos ali, portanto a culpa ficava em
segundo plano.
Segue falando dos sentimentos dos prisioneiros dentro dos lager. Diz que a
solidariedade era muito escassa, e que para sobreviver se pensava primeiro em si, segundo em
si e terceiro em si também. Por isso os que sobreviveram na maioria das vezes eram os piores,
os egoístas, os violentos, os insensíveis. Os melhores, os bondosos, os caridosos, diz o autor,
"todos morreram", e morreram não por falta de valor, pelo contrário, morreram por o terem.
Pra isso, ele diz, que eles, os sobreviventes, dos quis ele faz parte, não são as autênticas
testemunhas do lager, não, eles são os que por alguma razão não "tocaram o fundo", pois
quem o fez morreu, ou se sobreviveu voltou mudo. Os que sobreviveram ainda que tivessem
vida, papel e caneta, não conseguiria faze-lo.
Termina o capítulo refletindo das possibilidades do mundo ver outro massacre como
esse em tempos futuros, e refletindo sobre toda maldade humana e como muitos se calaram e
fingiram não existir os lager, para que, ignorando, limpasse sua consciência.

CAPÍTULO 3, COMENTÁRIO: Nesse capítulo o autor reflete, mais uma vez, agora
de forma mais abrangente, sobre a vergonha, pois já o tinha feito aqui e ali em outras partes
da obra. Em especial me peguei pensando na sua reflexão acerca do suicídio. Albert Camus
em "O mito de Sísifo" abre a obra dizendo que só há um indagamento filosófico realmente
sério: o suicídio. Gosto da frase de Camus, e carrego comigo parte de sua reflexão filosófica,
e ela é passível de relação com o que diz Levi. Levi diz que no lager há pouco espaço para o
suicídio, pois ele é algo do homem, mas o homem no lager é um animal.
Se como Camus diz, o suicídio é um indagamento filosófico, logo é algo que foge aos
animais, logo foge aos homens do lager. Isso é interessante de se pensar. O sofrimento lá era
tamanho e o tempo para refletir tão pouco que a ocorrência do suicídio era pequena, como não
era a ocorrência disso no pós-libertação. Me faz lembrar da música "Enemies" da rapper
brasileira Cristal, que afirma ver inimigos no espelho, ou seja, você vê você, um inimigo de si
mesmo. Os pensamentos também são seus inimigos. Livre estavam daquele sofrimento físico,
mas do psicológico jamais. As memórias sempre estariam ali, e de volta a vida "normal"
sobraria tempo para pensar em tudo vivido, logo o suicídio seria algo muito mais desejoso.
Também é interessante pensar, como ele diz, que as "melhores" pessoas morreram no
lager. Sempre pensamos que todos dentro dos campos, os oprimidos, são "santos", como ele
argumenta no capítulo anterior, mas ser um "santo" lá dentro, significa morrer. Se você quer
sobreviver você deve ser cruel, egoísta, e isto também é parte do sentimento que carregam as
pessoas que habitaram o "campo cinzento", criação macabra dos lager, uma ordem tão
demoníaca que deve-se viver como um bicho se quiser sobreviver.
CAPÍTULO 4, RESUMO: Nesse capítulo o autor reflete, mais uma vez, agora de
forma mais abrangente, sobre a vergonha, pois já o tinha feito aqui e ali em outras partes da
obra. Em especial me peguei pensando na sua reflexão acerca do suicídio. Albert Camus em
"O mito de Sísifo" abre a obra dizendo que só há um indagamento filosófico realmente sério:
o suicídio. Gosto da frase de Camus, e carrego comigo parte de sua reflexão filosófica, e ela é
passível de relação com o que diz Levi. Levi diz que no lager há pouco espaço para o suicídio,
pois ele é algo do homem, mas o homem no lager é um animal.
Se como Camus diz, o suicídio é um indagamento filosófico, logo é algo que foge aos
animais, logo foge aos homens do lager. Isso é interessante de se pensar. O sofrimento lá era
tamanho e o tempo para refletir tão pouco que a ocorrência do suicídio era pequena, como não
era a ocorrência disso no pós-libertação. Me faz lembrar da música "Enemies" da rapper
brasileira Cristal, que afirma ver inimigos no espelho, ou seja, você vê você, um inimigo de si
mesmo. Os pensamentos também são seus inimigos. Livre estavam daquele sofrimento físico,
mas do psicológico jamais. As memórias sempre estariam ali, e de volta a vida "normal"
sobraria tempo para pensar em tudo vivido, logo o suicídio seria algo muito mais desejoso.
Também é interessante pensar, como ele diz, que as "melhores" pessoas morreram no
lager. Sempre pensamos que todos dentro dos campos, os oprimidos, são "santos", como ele
argumenta no capítulo anterior, mas ser um "santo" lá dentro, significa morrer. Se você quer
sobreviver você deve ser cruel, egoísta, e isto também é parte do sentimento que carregam as
pessoas que habitaram o "campo cinzento", criação macabra dos lager, uma ordem tão
demoníaca que deve-se viver como um bicho se quiser sobreviver.

TÓPICO 4, COMENTÁRIO: O capítulo que, até agora, menos me atraiu. O debate


sobre a língua é muito interessante, claro, mas não creio que seja tão preciso quanto os outros.
A questão da falta de informação, todavia, se mostra crucial, saber se comunicar é prolongar
sua vida, sobreviver. Também é interessante ver a leva de informações que vinham de fora,
assim como as cartas trocadas com o mundo exterior.

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