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QUESTÕES PARA O SEMINÁRIO causa da ciência, ninguém precisa deixar de crer em Deus.

Mas, se a
conformidade da visão científica com a religião pode ser interessante, não
1 RICHARD DAWKINS E A BIOLOGIA se deve esquecer que o tema de Deus só será abordado de maneira
a) Com quais ideias evolucionistas Dawkins rejeita o recurso a Deus adequada pela filosofia em nível estritamente metafísico.
como origem (causalidade) da vida? 186
b) Com que argumentos Dawkins defende a tese que os cientistas Na obra O rio que saía do Éden: uma visão darwiniana da vida (Rio
devem ser ateus? de Janeiro: Ciência Atual, 1996), Dawkins define a vida através de uma
origem comum, defendendo a ideia de que a evolução apenas ocorre no
2 O ATEÍSMO DE DAWKINS nível do gene ou genoma. Essa origem comum provém de um rio de genes
c) Como Dawkins rejeito o argumento do desing e do acaso? que são replicados. Segundo Dawkins a metáfora dos genes e do rio, que
desemboca em outros rios maiores, serve para explicitar sua concepção
d) Como, para vocês, deve ser a relação entre ciência e fé? darwiniana de vida: "Voltando para o passado, você descobrirá que, um por
um, eles (os rios) reúnem-se com outros rios. O rio dos genes humanos
Texto extraído de: junta-se com o rio dos genes do chimpanzé mais ou menos na mesma época
ZILLES, Urbano. A crítica da religião. Porto Alegre: EST Edições, 2009. em que o rio dos genes do gorila o faz, há cerca de 7 milhões de anos" (O
P. 183-196. rio que saía do Éden, p. 20).
O ATEÍSMO CIENTÍFICO DE DAWKINS O autor recorre à metáfora do rio e dos nossos genes para expressar
[...] (p. 183-186). sua compreensão do caráter dinâmico da vida e indicar o processo
1 RICHARD DAWKINS E A BIOLOGIA constante de seleção, reatualização e replicação a todo o momento, em
Richard Dawkins nasceu em Nairobi, em 1941, e cresceu na todos os níveis. Ele afirma que a visão neodarwinista pode causar a falsa
Inglaterra. Formou-se na Universidade de Oxford e ministrou aulas de sensação ou sentido de perfeição na natureza ou de uma teleologia da vida.
zoologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. É titular de cátedra A única ideologia que admite é a de replicar genes. De resto, diz ele, não
especialmente criada de Divulgação da Ciência, na Universidade de existe sentido nem teleologia inerente à natureza. Sugere que devemos
Oxford. Grande parte de suas obras foram traduzidas para o português e pensar nos genes como pequenos bits de software que têm apenas um
publicadas pela Companhia das Letras: O relojoeiro cego, A escalada do objetivo: criar cópias de si mesmos. Dawkins trabalha com um conceito-
monte improvável, O capelão do diabo e Deus: um delírio. Outras saíram chave discutível do meme que utiliza para estabelecer uma analogia com os
por outras editoras, como O rio que saía do Éden, pela Ciência Atual (RJ); genes e mostrar que o processo de elaboração do pensamento, as ideias e as
O gene egoísta, pela Itatiaia (BH). abstrações também ocorrem por uma replicação de ideias em nossa
Dawkins foi um intelectual respeitado. Mas os textos citados não consciência.
tratam de ciência, no sentido estrito. São escritos sagazes e sarcásticos, Dawkins abre seu livro Deus: um delírio, com o prefácio à edição de
atirando para todos os lados sem examinar se sua arma tem munição para bolso, no qual responde a perguntas, entre as quais está a seguinte: "Você
tanto e sem muita pontaria. Defende fanaticamente o darwinismo numa persegue oportunistas grosseiros e incendiários como Ted Haggard, Jerry
perspectiva materialista, considerando qualquer questionamento como uma Falwell e Pat Robertson, em vez de teólogos sofisticados como Tillich ou
afronta pessoal. Ele considera a religião o grande obstáculo para o Bonhoeffer, que ensinam o tipo de religião em que acredito". Dawkins
desenvolvimento da ciência e o progresso da humanidade. Por isso trabalha responde: "Se o predomínio fosse só dessa espécie sutil e amena de
com a tese de que todos os cientistas devem ser ateus. Claro, a ciência religião, o mundo sem dúvida seria um lugar melhor, e eu teria escrito
trabalha sem a hipótese Deus, mas disso não se pode concluir que os outro livro. A melancólica verdade é que este tipo de religião decente e
cientistas devam ser ateus. No século XX, não faltam cientistas que defen- contido é numericamente irrelevante" (p. 12). Mais adiante afirma: "Minha
dem a teoria evolucionista e são religiosos, como é o caso de Teilhard de linguagem
Chardin. Numa análise mais sóbria, o historiador poderá concluir que, por 187
só soa destemperada por causa da estranha convenção, quase "provas" da existência de Deus é mostrar a plausibilidade racional, isto é,
universalmente aceita, de que a fé religiosa é dona de um privilégio único: que faz sentido admitir sua existência. Ele não se dá conta de que parte, não
estar além e acima de qualquer crítica". No prefácio afirma: "Espíritos da ciência como tal, mas de uma crença radical no conhecimento científico
livres como esses devem precisar só de um pequeno incentivo para se como ele o concebe. Nesse sentido é, na verdade, fundamentalista.
liberar de vez do vício da religião" (p.29). Ele radicaliza sua posição: "Não
estou atacando nenhuma versão específica de Deus ou deuses. Estou 2 O ATEÍSMO DE DAWKINS
atacando Deus, todos os deuses, toda e qualquer coisa que seja Em Deus: um delírio, Dawkins intitula o quarto capítulo: "Por que
sobrenatural, que já foi e que ainda será inventada" (Deus: um delírio, p. quase com certeza Deus não existe" (p. 154). Logo no início, afirma: "Em
63). sua forma tradicional, o argumento do design é certamente o mais popular
No terceiro capítulo de Deus: um delírio, dentro de sua perspectiva da atualidade a favor da existência de Deus e é encarado, por um número
de um fundamentalismo científico, analisa superficialmente as chamadas incrivelmente grande de teístas, como completa e absolutamente
"provas" da existência de Deus. Primeiro passa as cinco "provas" de Tomás convincente. Ele é realmente um argumento fortíssimo e desconfio
de Aquino, dizendo que são vazias. Quanto ao argumento teleológico ou o irrespondível - mas exatamente na direção contrária da intenção dos teístas"
argumento do design diz: "As coisas do mundo, especialmente as coisas (p. 154).
vivas, parecem ter sido projetadas. Nada do que conhecemos parece ter Inicia contando que Hoyle disse que "a probabilidade de a vida ter
sido projetado, a menos que tenha sido projetado. Tem de haver, portanto, surgido na Terra não é maior que a chance de um furacão, ao passar por um
um projetista, e a ele chamamos Deus" (p. 114). Explica que o jovem ferro-velho, ter a sorte de construir um Boeing 747" (p. 155) e conclui:
Darwin ficou impressionado com esse argumento, ao ler a Teologia natural "Deus é o Boing 747 definitivo" (p. 156). Portanto, inverte a visão de
de William Paley. Entretanto, afirma que realizou a destruição do Hoyle, rejeitando o criacionismo e o acaso: "O design não é a única
argumento do design. alternativa ao acaso. A seleção natural é uma alternativa melhor. Na
Depois de rejeitar os argumentos a posteriori, examina rapidamente o verdade, o design não é nem mesmo uma alternativa de verdade, porque
argumento ontológico ou a priori, com sua formulação clássica em suscita um problema maior do que o que solucionou: quem projetou o
Anselmo de Cantuária, em 1078. E Dawkins refuta os argumentos dos projetista? Tanto o acaso como o design, fracassam como soluções para o
filósofos, o da "experiência" pessoal, o das Escrituras, o dos cientistas problema da improbabilidade estatística, porque um deles é o problema, e o
admirados e religiosos e a aposta de Pascal. Enfim, Dawkins tem razão em outro retorna a ele. A seleção natural é a solução verdadeira. E a única
dizer que a ciência não depende de religião, nem de partido político, mas solução viável já sugerida" (p. 165).
exige competência. Tudo indica que Dawkins já teve competência na área 189
do conhecimento. Entretanto, o mesmo não mostra ao extrapolar o campo Richard Dawkins quer evidenciar que as crenças religiosas são
da ciência, avançando para o campo filosófico e teológico, argumentando incompatíveis com a ciência, irracionais e prejudiciais. Ao mesmo tempo,
com um fundamentalismo científico, entendendo exclusivamente como para negar a existência de Deus, extrapola o campo da ciência, refugiando-
ciência ou as puramente formais ou as empíricas. Seu estilo é polêmico. se num fundamentalismo cientificista. Substitui dogmas religiosos por
Em sua polêmica, postula a ideia de um Deus mesquinho, na verdade, não dogmas científicos. Por isso reconhece: "Não estou defendendo uma
de Deus, mas de um empregadinho a serviço do homem. No sentido da espécie de pensamento estritamente científico" (p. 209).
ciência empírica, não se prova a existência Sem entrar em detalhes da argumentação fílosófíco-teológica, resume
188 o capítulo no qual abordou o "argumento central do meu livro" e conclui:
De Deus, igualmente não se prova a sua não-existência, coisa que qualquer "Se o argumento deste capítulo for aceito, a premissa factual da religião - a
teólogo também sabe. Ele interpreta os argumentos fílosófico-teológicos da hipótese de que Deus existe - fica indefensável. Deus, quase com certeza,
existência de Deus no sentido empírico de maneira que se pudesse não existe. Esta é a principal conclusão do livro até agora" (p. 214).
dispensar a fé. Ora, no dia-a-dia vivemos muito mais da crença e da Dawkins aposta: "Espíritos livres como esses devem precisar só de
confiança que da certeza científica. O que se quer dizer com as tradicionais um pequeno incentivo para se libertar de vez do vício da religião. No
mínimo, espero que ninguém que tenha lido este livro ainda possa dizer: eu científica. Pressupõe-se que a natureza é tudo que há, que a ciência
não sabia que podia" (p. 24-30). Afirma que "o comportamento religioso é empírica é o único caminho para chegar à verdade. O assim chamado
uma excrescência, que é o equivalente humano da fornicação ou da "novo ateísmo", que de novo tem muito pouco, rejeita o Deus dos
construção de caramanchões" (p. 217). Diz que "a fé é um mal, exatamente criacionistas, dos fundamentalistas, dos terroristas e defensores do "design
porque não exige justificativa e não tolera nenhuma argumentação" (p. inteligente", mas não debate com teólogos ou filósofos de envergadura.
394). Confessa: "Como cientista, sou hostil à religião fundamentalista,
3 ANÁLISE CRÍTICA
porque ela debocha ativamente do empreendimento científico. Ela nos
A força da teoria da evolução está na sua evidência científica. Nesse
ensina a não mudar de ideia, e a não querer saber de coisas emocionantes sentido, resulta de pesquisas que lhe dão suporte. Seria um erro negar a
que estão aí para ser aprendidas. Ela subverte a ciência e mina o intelecto" historicidade do fenômeno evolutivo em nome da filosofia ou teologia, da
(p. 364). mesma maneira como é erro elevar o darwinismo ao nível de dogma. É
Dawkins consegue apontar para algumas fraquezas da religião e da uma explicação científica dos mecanismos da evolução. Outro erro é fazer
teologia católica. A teologia perdeu, há muito, a capacidade de dialogar da teoria da evolução um instrumento do materialismo. Hoje os livros de
com a ciência. Durante quase um século, envolveu-se em polêmica estéril Dawkins talvez
contra a teoria evolucionista. Quando o jesuíta P. Teilhard de Chardin
191
tentou tal diálogo, foi censurado. A filosofia, por sua vez, limita-se quase
contribuam mais para a difusão do que para o combate aos
exclusivamente à autorreprodução. A ideia de Deus, que muitos cristãos fundamentalismos religiosos, pois afirmações como dizer que a natureza
herdaram do passado, em geral, é demasiado pequena para incorporar a pode ser autossufíciente não passam de um ato de fé. Dizer que o cosmos
biologia e a cosmologia evolucionistas. Por isso muitos crentes ainda se autossustenta é fazer do fundamentalismo uma ciência ou fazer da
consideram totalmente incompatíveis as descobertas de Darwin com uma ciência da evolução um fundamentalismo "criacionista". Discutir a
percepção possibilidade de existir um Deus Criador, pouco ou nada tem a ver com a
190 discussão científica sobre se o universo e a vida são estáveis ou mudam no
apropriada de Deus, vendo uma oposição entre fé religiosa e ciência. decurso do tempo.
Quando, em nome da fé religiosa, se rejeita a ciência, não se deve estranhar
A ciência trabalha com o pressuposto de que a natureza seja
que esta rejeite a fé. Parece-me ser o caso de Dawkins, opondo ao racionalmente cognoscível. Portanto, é uma elaboração reflexiva sobre a
dogmatismo fundamentalista das religiões um dogmatismo cientista não natureza. A teologia cristã, por sua vez, parte de uma reflexão racional
menos fundamentalista. sobre Deus e sua revelação, pressupondo que a revelação seja
A religião, pelo menos a cristã, e a ciência não se opõem nem são racionalmente compreensível. Comum a ambas, teologia e ciência, é a
completamente independentes uma da outra. Influenciam-se mutuamente. razão.
A noção de Deus não é uma explicação científica. Nesse ponto, os
A religião cristã sempre olhou para a ciência como caminho para
defensores do design inteligente merecem a crítica, pois introduzem o libertar o homem da superstição e da magia. Por isso é dentro do
"projetista inteligente" no nível próprio da explicação científica, não da fé cristianismo medieval, precisamente na Igreja católica, que nasceu a
religiosa ou da teologia. Em outras palavras, tratam do design inteligente Universidade. Desde o começo do cristianismo, muitos pensadores e
como se fosse uma ideia científica. cientistas aderiram a ele. Cientistas contemporâneos de Dawkins, de não
Por outro lado, o cientista Dawkins, com o objetivo de combater o menos reconhecida competência, como o Diretor do projeto Genoma,
fundamentalismo religioso, apenas o substitui por outro. Seus argumentos Francis S. Collins, fizeram o caminho inverso, deixando o ateísmo para
estão no mesmo plano daqueles que combate. Quando lê o texto da aderirem ao cristianismo. Abster McGrath, nascido na Irlanda do Norte,
religião, não admite que haja algo debaixo desses textos, supondo que o não só abandonou o ateísmo, mas tornou-se professor de Teologia na
mundo somente seja acessível na linguagem impessoal da ciência, uma Universidade de Oxford e pesquisador sênior do Harris Manchester
atitude semelhante ao religioso, o qual supõe que o mundo se esgote nos College, portanto, colega de Dawkins. Em parceria com sua esposa,
textos sagrados. O cientificismo é o fundamentalismo da comunidade
McGrath escreveu, respondendo ao colega de Universidade, O delírio de crentes. Assim, a título de exemplo, Gregor Mendel, que deu base genética
Dawkins (S. Paulo: Mundo Cristão, 2007). ao evolucionismo de Darwin, era monge agostiniano; Lemaître, que cal-
Em A linguagem de Deus, Francis S. Collins conta brevemente seu culou o modelo do big-bang, era sacerdote belga; Pierre Teilhard
caminho "do ateísmo à crença" (p. 19-40). Escreve: "Meu momento mais 193
embaraçoso surgiu, quando uma senhora idosa, sofrendo todos os dias por de Chardin, que universalizou e ampliou a teoria da evolução, era padre
causa de uma angina grave e incurável, perguntou-me em que eu jesuíta...
acreditava" (p. 28). Comenta: "Aquele instante me assombrou durante Nem sempre os cristãos foram suficientemente abertos ao diálogo
vários dias. Então eu não me considerava um cientista? Um cientista tira com o mundo da ciência, fechando-se ao seu progresso e refugiando-se
suas conclusões sem levar em conta os dados? Em toda existência humana num certo fídeísmo. Com isso fecham-se aos dons que receberiam do
não podia haver diálogo com o mundo. Assim não é de estranhar que a sociedade
192 contemporânea se distancie cada vez mais da ideia tradicional de Deus.
uma pergunta mais importante do que 'existe algum Deus?' E apesar disso, Vivemos numa época de fechamento recíproco. Mas a verdade nasce do
lá estava eu, munido de uma combinação de cegueira voluntária e algo que diálogo.
talvez só pudesse ser descrito adequadamente como arrogância: a fuga de A fragilidade dos "novos" ateus, que rejeitam a ideia de Deus e da
qualquer reflexão séria sobre Deus ser uma possibilidade real. De repente, religião, em nome de uma suposta ciência, é tratarem o problema de Deus
todos os meus argumentos pareciam fracos demais, e eu tinha a sensação de como se fosse um problema de ciência empírica, quando se trata de uma
que o chão sob meus pés estava se abrindo" (p. 28). questão teológico-fílosófica. Trata-se de um grupo de pessoas que usam
Collins escreve: "Se os homens evoluíram rigorosamente, por meio suas credenciais de cientistas para uma cruzada extremamente militante e
de mutação e seleção natural, quem precisa de Deus para nos explicar? A "religiosa" de sua visão ateísta do mundo. Também nisso se assemelham
isso, retruco: eu preciso. A comparação entre sequências de chimpanzé e de aos fundamentalistas e fanáticos religiosos que criticam, pois não se
ser humano, embora interessante, não nos explica o que é preciso para ser baseiam em rigorosa argumentação científica. Espalham uma doutrina sem
humano" (A linguagem de Deus, p. 146). Aceitando a hipótese de que o fundamentos e sem verdade, com as credenciais de cientistas. Isso cer-
homem é resultado de uma longa evolução biológica, não se poderia tamente é menos prejudicial à religião que à própria ciência.
admitir que à sua natureza dinâmico-evolutiva inere uma propensão para o O fundamentalismo, tanto o científico quanto o religioso, é
transcendente? problemático e prejudicial, porque insustentável a longo prazo. Se Deus
Frequentemente Dawkins refere-se às religiões como a grande causa não existe, o que justificaria a luta? Não é uma incoerência lutar contra
da violência no mundo, sobretudo através do fundamentalismo e fanatismo algo que dizem não existir? Quando o homem nega a Deus, tende a usurpar
religiosos. Entretanto, seu argumento é equivocado do ponto de vista seu lugar para explorar e agredir seus semelhantes.
histórico, pois, no século XX, destaca-se a violência ateia, muitas vezes em O recente ateísmo militante não provém da oposição entre fé e
nome da pseudociência, como no caso da eugenética (nazismo), a ciência, fé e razão. Acreditar em Deus é um ato de estrutura idêntica ao de
supremacia da raça, ou sobre necessidades da assim chamada luta de confiar em alguém, numa pessoa. Ora, crer ou confiar não é um ato de
classes. Aliás, não foram as religiões que inventaram a bomba atômica. suspensão da razão. Nesse sentido, o ateísmo militante decorre antes de um
Com isso não queremos ignorar que as religiões muitas vezes apoiaram uso deficiente da razão. O crente não precisa temer a razão e, por isso,
governos e regimes no uso da violência. deixa a ciência ser ciência. Sabe da importância da razão e, ao mesmo
De modo errôneo, às vezes se apresenta a ideia de que os cientistas tempo, sabe que a razão não é tudo. A religião erra, quando quer,
devem necessariamente ser ateus. A ciência como tal prescinde de religião, simplesmente, instrumentalizar a ciência, como a ciência erra, quando
de partido político ou de gênero. Exige competência. Na verdade, contra desrespeita a religião. Ciência e religião não se confundem, e a tensão entre
Dawkins, poderíamos afirmar que poucos grandes cientistas professaram o ambas pode ser salutar
ateísmo. Considerando que a ciência não tem religião, pode favorecer a 194
tendência a certo agnos-ticismo. Muitos cientistas, talvez a maioria, foram
para todos. Nesse sentido, Deus não é nem pode ser uma fórmula científica. questionada pela razão crítica, quando exige o sacrificium intellectus, pois
Deus é um mistério: o mistério não se conhece, mas se reconhece, se aceita a fé, do ponto de vista católico, busca a plausibilidade racional (l Pd 3,15).
ou se rejeita, sem renunciar ao uso da razão. O católico não renuncia à razão para crer e, por isso, deixa a ciência ser
A teoria da evolução, em suas diversas formulações, é uma hipótese ciência. O novo gênero de literatura militante apresenta o caráter de auto-
explicativa das diversas formas de vida em nosso planeta. Do ponto de ajuda para ateus inseguros.
vista científico, atualmente, é a mais plausível. Mas, a teoria evolucionista No prefácio de Deus, um delírio, Dawkins afirma: "Se este livro
pressupõe algo que possa evoluir. Nesse sentido, ela continua insuficiente funcionar do modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem
para explicar o começo absoluto de tudo. Este transcende as explicações serão ateus quando o terminarem" (p. 29). Sou religioso, li o livro, mas não
científicas. Por isso a questão das origens últimas é uma questão, não só funcionou, pois continuo religioso ainda mais convicto, porque seus
científica, mas metafísica. A ciência aqui não tem competência para argumentos parecem-me pouco consistentes e por demais tendenciosos
desqualificar a religião, enquanto busca um sentido último para as coisas. A para serem levados a sério. O autor simplesmente subestima a inteligência
questão do sentido afeta as ciências, mas não é respondida por elas. crítica do leitor.
Os representantes do recente ateísmo militante, liderado por REFERÊNCIAS
Dawkins, não estão interessados em compreender o complexo fenômeno
COLLINS, Francis S. A linguagem de Deus. 4. ed. São Paulo: Editora
religioso mas em destruí-lo. Para isso fabricam suas descrições, de acordo Gente, 2007.
com as conveniências do momento. Dessarte Dawkins afirma que os pais
DARWIN, Charles. A origem do homem. São Paulo: Hemus, 1974.
deveriam ser proibidos de ensinar religião às crianças, para que as pessoas
__. A origem das espécies. São Paulo: Hemus, 1975.
creiam que a religião é intrinsecamente má, porque violenta. Na verdade,
DAWKINS, Richard. Deus: um delírio. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.
tenta reforçar seus argumentos intelectuais contra a crença em Deus, pois
__. O rio que saía do Éden. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
realmente são infundados. Contornando a questão da verdade, quer
__. O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.
convencer que a religião é má e prejudicial à ciência.
DENNETT, D. La consciência explicada. Barcelona: Paidós Ibérica, 1991.
McGrath afirma que "Dawkins oferece a seus leitores uma altamente __. Darwin 's dangerous idea. New York: Simon and Schuster, 1995.
seletiva manipulação dos fatos para um pensamento cuidadoso e baseado
McGRATH, Alister. O delírio de Dawkins. São Paulo: Mundo Cristão,
em evidências. Curiosamente, há pouca análise científica em Deus: um 2007.
delírio. Há muita especulação pseudocien-tífica, muita da qual baseada em
ONFRAY, Michel. Tratado de ateologia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
sua própria ideia de 'meme', a qual não é levada a sério pela comunidade
196
científica" (IHU, Revista do Instituto Humanitas, v. 8, 26 nov. 2007, p. 38).
McGrath é, também, doutor em biofísica molecular pela Universidade de
Oxford.
Em síntese, quem ponderar criticamente os argumentos de Dawkins
somente poderá sair fortalecido em sua fé religiosa. Certamente a religião
pode produzir fanatismos. Mas, da possibilidade, logicamente não se pode
concluir a necessidade. No passado, também
195
em nome da ciência, se cometeram muitos equívocos. Nem por isso cabe
condenar a ciência e o trabalho dos cientistas, pois também o conhecimento
científico tem limites. Para defender a religião, muitas vezes se atacou a
ciência (o evolucionismo de Darwin). Mas tal erro não justifica o de atacar
a religião para defender a ciência. Nem a religião nem a ciência precisam
disso, pois não leva a nada. A religião, na prática concreta, pode e deve ser

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