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Elemento Químico

FERRO Miguel de Araújo Medeiros

Recebido em 11/08/09, aceito em 12/03/10

Fe
Número Atômico Z = 26
Massa Molar M = 55,845 g mol-1
Isótopos Naturais 56
Fe (91,75%),
54
Fe (5,85%),
57
Fe (2,12%) e
58
Fe (0,28%)
Ponto de Fusão Tf = 1535 °C
Ponto de Ebulição Te = 2862 ºC
Densidade 7,8 g mL-1

Ferro (deriva do latim ferrum) é bastante utilizado pelo ampliando a sua presença junto às pessoas. Entretanto,
homem em todo o mundo, sendo pouco provável que somente por volta de 1200 a.C. é que o ferro metálico co-
haja pessoas, no mundo civilizado, que não conheçam ao meçou a ser obtido, por meio de seus minerais, em quan-
menos um objeto que contenha ferro em sua constituição, tidades apreciáveis. Essa época ficou conhecida como a
pois esse metal tem importante papel no desenvolvimento “Idade do Ferro” (Childe, 1942). Nesse período, o minério e
da sociedade. No entanto, desde quando ele é utilizado? o carvão vegetal eram colocados em um buraco no solo e
Como é obtido? aquecidos, e o ar era insuflado manualmente para facilitar
Esse metal já é utilizado há milhares de anos, pois foram a queima do carvão. A partir dessa técnica, era obtido um
208 identificados artefatos de ferro produzidos em torno de material facilmente moldável, constituído basicamente por
4000 a 3500 a.C., quando a civilização utilizava cada vez ferro metálico. O processo de obtenção desse material
mais o bronze (liga metálica entre cobre e estanho) (Gre- pode ser descrito em três etapas: (i) combustão incompleta
enwood e Earnshaw, 1997; Eliade, 1979). Nessa época, do carvão na presença de oxigênio molecular, formando
o ferro utilizado era principalmente de origem meteórica, monóxido de carbono; (ii) reação do monóxido de carbono
sendo bastante raro (tanto quanto o ouro) e era utilizado com óxido de ferro, por exemplo Fe2O3, originando óxido
quase exclusivamente em rituais religiosos (Eliade, 1979). de ferro (II) (FeO) e dióxido de carbono; e (iii) reação do
Essa origem diferenciada do ferro (caído do céu) fez com FeO com monóxido de carbono, formando ferro metálico
que frequentemente fosse considerado sagrado, sendo (Fe0) e dióxido de carbono.
observadas atitudes de reverência até mesmo em civiliza- Muitos séculos se passaram, pessoas se dedicaram e
ções de nível cultural considerável. Exemplos disso são: a técnica de obtenção do ferro foi sendo apurada. Nos dias
(i) os malaios, que conservaram por muitos séculos uma atuais, o ferro pode ser obtido por intermédio da redução
bola “sagrada” de ferro, que fazia parte dos bens reais e de óxidos ou hidróxidos, por um fluxo gasoso de hidrogê-
era envolta de superstições (Eliade, 1979); e (ii) os dayaks nio molecular (H2) ou monóxido de carbono. Entretanto,
de Sarawak (Malásia) que acreditavam que essas “pedras” a obtenção de ferro é pequena em relação à produção
vindas do céu poderiam refletir tudo o que ocorria sobre mundial do aço, que é uma liga composta principalmente
a Terra, além de revelar ao xamã o que acontecia na alma por ferro e carbono em quantidades variando de 0,1 a 2%
de doentes (Eliade, 1951). da massa. A produção anual de aço superou um bilhão
O ferro meteórico utilizado na pré-história era trabalhado de toneladas em todo o mundo em 2008 (Jesus, 2010).
a marteladas, a partir das quais se conseguiam modelar Atualmente, o aço é preferido em relação ao ferro, pois
os objetos desejados, tais como facas feitas pelos astecas ele pode ser trabalhado por meio da forja, laminação e
(Rickard, 1974) e pelos esquimós da Groenlândia (Richard, extrusão, o que é difícil de realizar com o ferro metálico.
1884). Já a siderurgia1 – maneira de obter o metal a partir Além disso, a dureza2 (não confundir com tenacidade3) do
de seus minérios – só surgiu entre 3000 a 2000 a.C., pos- aço (6,5) é maior que a do ferro (4,5), além de apresentar
sivelmente de maneira acidental, quando esses minérios também maior resistência mecânica (tenacidade), quando
foram aquecidos a altas temperaturas na presença de comparado ao ferro metálico.
carvão vegetal. O Brasil é atualmente o segundo maior produtor mun-
A obtenção de ferro metálico a partir de minérios pos- dial de minério de ferro. Só em 2008, foram produzidas
sibilitou a produção de objetos e ferramentas diversas, mais de 400 milhões de toneladas (19% da produção mun-
dial), ficando atrás apenas da China, que produziu cerca de
A seção “Elemento químico” traz informações científicas e tecnológicas sobre as diferentes 600 milhões de toneladas (IBRAM, 2010). Boa parte desse
formas sob as quais os elementos químicos se manifestam na natureza e sua importância minério produzido no Brasil (281 milhões de toneladas em
na história da humanidade, destacando seu papel no contexto de nosso país. 2008) foi exportada principalmente para países asiáticos

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e também europeus, onde ele é trabalhado por métodos O2 ou CO2. Por esse motivo, o CO é considerado um gás
siderúrgicos para produção de aço. Essa relação comercial tóxico, podendo intoxicar e até mesmo matar organismos
trouxe ao país mais de 15 bilhões de dólares só em 2008 baseados em hemoglobina, quando a atmosfera do meio
(IBRAM, 2010; Naegele Jr., 2010). está com altas concentrações do gás.
Na natureza, o ferro ocorre principalmente em com-
postos como: hematita (Fe2O3), magnetita (Fe3O4), siderita Notas
(FeCO3), limonita (Fe2O3.H2O) e pirita (FeS2), sendo a he- 1. Siderurgia é um campo específico da metalurgia
matita o seu principal mineral. Esse óxido de ferro, além quando é produzido apenas ferro e aço. Já a metalurgia
de ser utilizado para a obtenção do aço (principal produto é a área que estuda a transformação de diversos minérios
comercial do ferro), também é utilizado, assim como a em metais (alumínio, cobre, titânio, ferro, manganês etc.) ou
magnetita, como catalisador de processos químicos – ligas metálicas pelo aquecimento a altas temperaturas para
espécie que aumenta a rapidez de uma reação sem ser remoção de impurezas (principalmente oxigênio) e obtenção
consumida, podendo ser recuperadas no final do processo apenas do metal ou da liga metálica no estado líquido.
(Rinaldi e cols., 2007; Figueiredo e Ribeiro, 1987). 2. Dureza é uma propriedade dos materiais relacionada
Atualmente, muitos objetos que estão presentes em nos- à capacidade de riscar e ser riscada: quanto maior a du-
so cotidiano são constituídos por ferro, aço ou alguma outra reza, maior a sua capacidade de risco. A dureza é medida
liga metálica que o contém, podendo citar mesas, cadeiras, na escala de mohs, que vai de 1 (talco – mineral que pode
portões, panelas, palhas de aço (rebarbas ou arestas de pe- ser facilmente riscado pela unha, que tem dureza de 2,5)
ças de aço utilizadas para limpeza e polimento), carrocerias, a 10 (diamante – espécie mais dura que há, pode riscar
peças e rodas de automóveis, pontes, estruturas metálicas qualquer coisa e só pode ser riscado por outro diamante).
de edifícios, pregos, parafusos, alicates e outras diversas 3. Tenacidade é a medida da quantidade de energia
ferramentas. Essa grande aplicabilidade se deve à grande necessária para provocar a ruptura de um material, ou seja,
resistência mecânica do ferro e principalmente do aço e, é a capacidade de resistir ao impacto.
possivelmente, ao seu baixo custo quando comparado a ou-
tros metais ou ligas metálicas de alta resistência mecânica.
Miguel de Araújo Medeiros (medeiros@ymail.com), licenciado, mestre e doutor
Uma grande e importante aplicação do aço é na em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é professor 209
construção civil, sendo usado para (i) diminuir o tempo de assistente da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
construção, os materiais utilizados e os custos de obra; e
(ii) aumentar a resistência das estruturas construídas com Referências
concreto (mistura de cimento Portland, areia, pedras e água)
CHILDE, V.G. What happened in history. London: Penguin
em relação a fissuras, cargas pontuais, deformações estru-
Books, 1942.
turais ou cargas externas. Caso não fosse utilizado concreto
JESUS, C.A.G. Aço. Disponível em: <http://www.dnpm.
armado (concreto com estruturas em aço) na construção de
um edifício, por exemplo, ele não poderia ter tantos andares gov.br/assets/galeriadocumento/sumariomineral2005/
quanto os que vemos em prédios em grandes cidades. O A%C3%87O%202005rev.doc>. Acesso em 07 fev. 2010.
aço dá a estrutura resistência à tração (força perpendicular ELIADE, M. Le chamanisme et les techniques archdiques
à estrutura como, por exemplo, pela ação dos ventos), já o de l’extase. Paris: Payot, 1951.
concreto em si resiste apenas à compressão. ______. Ferreiros e alquimistas. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
FIGUEIREDO, J.L. e RIBEIRO, F.R. Catálise heterogênea.
Os íons ferro e a vida
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987.
Muitos seres vivos apresentam uma grande dependên- GREENWOOD, N.N. e EARNSHAW, A. Chemistry of the ele-
cia por íon Fe2+, uma vez que o centro de grupos heme, ments. Oxford: Butterworth; Heinemann, 1997.
presentes na metaloproteína hemoglobina (o tipo mais IBRAM. Instituto Brasileiro de Mineração. Ferro. Disponível
comum é a homoglobina A) são constituídos por esse íon. em: <http://www.ibram.org.br/sites/1300/1382/00000039.
A hemoglobina é a responsável pelo transporte de oxigênio pdf>. Acesso em 08 fev. 2010.
dos pulmões aos tecidos celulares, onde ocorre a queima NAEGELE Jr., A.L. Relatório anual 2009 – minério de ferro.
da glicose (para a queima desta é necessária a presença Disponível em: <http://www.sinferbase.com.br/includes/tng/
de oxigênio molecular, O2). Esse transporte ocorre graças pub/tNG_download4.php?KT_download1=e594854b8e5ec2
ao íon Fe2+ da hemoglobina, que se combina com O2, em c13a9aa56682003737>. Acesso em 01 abr. 2010.
atmosfera rica nesse gás, possibilitando o seu transporte RICHARD, A. Die metalle bei den naturvolkern. Leipzig:
até as células, que é um ambiente rico em CO2, onde ocorre Kessinger, 1884.
a troca do O2 por CO2. A partir desse ponto, a hemoglobina RICKARD, T.A. Man and metals, v. I. New York: Arno Press,
passa a transportar CO2 até os pulmões, onde encontra 1974.
novamente uma região rica em O2, liberando assim o CO2. RINALDI, R., GARCIA, C., MARCINIUK, L.L., ROSSI, A.V. e
Entretanto, esse ciclo pode ser interrompido pela presença
SCHUCHARDT, U. Síntese de biodiesel: uma proposta con-
de algumas substâncias como, por exemplo, o monóxido
textualizada de experimento para laboratório de química geral.
de carbono (CO), que tem a capacidade de se ligar for-
Química Nova, v. 30, n. 5, p. 1374-1380, 2007.
temente ao íon Fe2+ e não permitir que haja a troca por

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XV Encontro Nacional de Ensino de Química
O Encontro Nacional de Ensino de Quí- da comunidade de pesquisadores em
mica (ENEQ), evento bianual organizado Ensino de Química do país. Teve exce-
pela Divisão de Ensino de Química da lente repercussão a iniciativa de garantir
Sociedade Brasileira de Química (SBQ), que todos os trabalhos completos fossem
teve sua 15ª edição (www.xveneq2010. apresentados em forma de comunicações
unb.br) realizada em Brasília, de 21 a 24 orais, além da que garantiu a permanên-
de julho de 2010. Coube à Universidade cia dos painéis impressos durante todo
de Brasília a incumbência de organizá- o Encontro, permitindo maior divulgação
lo, em parceria com outros institutos de conhecimentos, ações e mudanças em e maior intercâmbio dos pesquisadores
educação superior (IES) – em especial comunidades, em âmbitos local, regional e interessados nos temas apresentados
com a Universidade Federal de Goiás e nacional, e incrementando e articulando nos respectivos resumos. As apresenta-
(UFG) e a Universidade Federal do Mato contatos diversificados concernentes a ções de duas sessões da peça “Lição
Grosso (UFMT) – e com o apoio de produções científicas socialmente rele- de Botânica”, pelo Grupo Ouroboros, da
diferentes organizações, com destaque vantes. UFSCar (www.ufscar.br/ouroboros), além
para Fiocruz Brasília, Coordenação de O tema do XV ENEQ, “A formação do das realizadas por músicos associados
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Professor de Química e os desafios da ao Grupo de Educação Musical da Uni-
Superior (CAPES) e Conselho Nacional de sala de aula”, emergiu da necessidade versidade de Brasília (UnB), trouxeram
Desenvolvimento Científico e Tecnológico de se repensarem processos de formação indiscutível riqueza cultural ao Encontro.
(CNPq). Foram contabilizadas mais de inicial e continuada e convidou, também A Sessão Comemorativa dos 15 anos
1.700 inscrições, feitas por professores, e obviamente, à reflexão sobre os desa- de QNEsc, que contou com a participa-
pesquisadores e estudantes de diversas fios que clamam por debates teóricos e ção de editores de revistas internacionais,
210 instituições de ensino. discussões em torno de propostas que permitiu avaliar o papel da QNEsc para
Cabe ressaltar que o I ENEQ foi realiza- contribuam para a superação das neces- o enfrentamento dos desafios da sala de
do no Instituto de Química da Unicamp, sidades formativas dos professores de aula, em suporte ao professor de Quími-
em 1982, sob a coordenação de Roseli Química frente aos diferentes contextos ca, e como espaço privilegiado para a
Pacheco Schnetzler e de Maria Eunice de sala de aula. divulgação da pesquisa em Ensino de
Ribeiro Marcondes, que receberam justa Pela primeira vez realizado em uma Química.
homenagem na abertura do XV ENEQ. As escola pública de ensino fundamental, Dando continuidade ao espaço criado
oito primeiras edições foram realizadas o ENEQ de número 15 foi marcado pela no XIV ENEQ, realizou-se a II Mostra de
em conjunto com a Reunião Anual da participação ativa dos inscritos, com Materiais Didáticos de Química (MOMA-
Sociedade Brasileira para o Progresso da destaque para os denominados “Temas DIQ), visando reunir e apresentar aos
Ciência (SBPC). Em sua sétima edição, de Debate” (vinte e quatro no total), participantes do XV ENEQ o que está
em 1994, foi criada a Revista Química que tiveram a seguinte dinâmica: foram sendo produzido em termos de materiais
nova na Escola, que alavancou e consoli- dados 15 minutos para dois convidados didáticos na área de Ensino de Química,
dou a qualidade das pesquisas em Ensino levantarem questões, no contexto da compilando iniciativas, muitas vezes
de Química no país. formação de professores e dos desafios isoladas, na tentativa de divulgar e tornar
O ENEQ comemorou 25 anos de da sala de aula, a serem enfrentadas que sua utilização mais ampla e efetiva nas
congregação dos educadores químicos considerassem centrais para o debate escolas.
no Brasil em 2006, ratificando a posição em torno do tema específico. Após as Por fim, é preciso destacar a realização
de principal e mais tradicional evento duas apresentações, o debate foi aberto de reuniões paralelas à Programação
na área da Educação em Química do a todos os presentes, a começar pelos Oficial, nas quais os pesquisadores
país. Nessa condição, articula-se em próprios convidados. À Coordenação convidados do ENEQ, nacionais e in-
torno de significativos objetivos, entre do Debate, coube garantir que, nos 60 ternacionais, tiveram a oportunidade de
os quais destacamos o de: a) congregar minutos que sucederam às duas apre- discutir temas fundamentais para a área,
professores, pesquisadores, estudantes sentações, todos pudessem ter voz, enri- incluindo um debate com o Presidente da
e demais interessados na área de Edu- quecendo ao máximo o debate esperado. SBQ, Professor Cesar Zucco, em torno
cação Química, envolvidos na educação Outra novidade foram as denominadas de sua proposta de formação de pro-
básica e no nível superior, com o ensino “Palestras Conjuntas”, nas quais dois fessores. Dessas reuniões, foi produzido
e com a formação em Química, promo- pesquisadores partilharam o tempo de um manifesto, divulgado neste número
vendo interações, ações e construções cerca de 60 minutos, restando cerca de de QNEsc, destinado aos candidatos à
para participar de debates em torno dos 30 minutos para perguntas da plateia Presidência da República e aprovado por
avanços e dilemas vivenciados na área; após as duas exposições. Vinte e quatro unanimidade na Plenária de Encerramen-
e b) intensificar a interlocução de grupos minicursos foram ministrados, em rico es- to do XV ENEQ.
de pesquisa e desenvolvimento atuantes pectro temático. Foram submetidos cerca
em linhas temáticas da área da Educação de 300 trabalhos completos e mais de 500 Prof. Ricardo Gauche (IQ/UnB),
Química, inter-relacionando e alimentando resumos, refletindo o perfil e os avanços Coordenador Geral do XV Eneq – 2010

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