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29 de junho de 2021

Sem categoria

Os fractais e a arte
“O todo sem a parte não é todo
A parte sem o todo não é parte
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo”.
Gregório de Matos.
O entendimento intuitivo acerca do que é fractal, desde sua definição no primeiro livro sobre o
tema, “The Fractal Geometry of Nature” de Benoit Mandelbrot (abre em nova aba), está
relacionado com quatro pilares que implicitamente são tratados na poesia do Boca do Inferno
(alcunha dada ao Gregório de Matos devido à acidez de seus textos satíricos):
A autossimilaridade.
A iteração.
A variação de escala.
A aparente complexidade.
Ou seja, o fractal é o todo composto por partes, sendo a parte um todo e o todo apenas uma
parte (parece complexo, a princípio). Processos iterativos levam as partes a comporem
padrões de repetição, que acabam formando figuras aparentemente complexas. A sensação de
complexidade das estruturas é dada normalmente pela grande irregularidade das formas
finais. Um fractal, portanto, se faz complexo pela repetição de padrões a ponto de ser
impossível diferenciar o que é a parte e o que é o todo.
Com esse raciocínio, é possível observar diversas figuras na natureza que são evidentemente
fractais. Assim como discutimos no post sobre fractais na natureza (abre em nova aba),
inspirações para identificar um todo composto por partes é inesgotável no nosso Universo.
Mas a pergunta que vamos responder aqui é: existe arte fractal para além das inspiradas na
natureza?
A resposta é sim!
Mas vamos começar contando a história de um artista plástico (mais especificamente um
pintor) que pintava fractais antes mesmo deles se chamarem assim. Trata-se de Jackson
Pollock (1912-1956). Nas décadas de 40 e 50, Pollock se notabilizou por fazer pinturas
utilizando uma técnica chamada de gotejamento. Essa técnica consiste em respingar sobre as
telas pingos de tinta. A princípio, seria muito difícil dizer que o simples espalhamento de
gotículas poderia gerar uma figura fractal, certo? Mas o rigor e as bases do que é um fractal
estão muito enraizadas nesse processo. Pense bem, uma vez que a forma é dada pela
aerodinâmica do fluido que cai sobre a tela, o que diferencia os pingos de tinta não é apenas a
quantidade de líquido em cada um? Logo, os pingos são variações de escala de uma figura
padrão (a gota). Uma pintura formada pela repetição de gotas em diferentes escalas não seria
uma grande prova de autossimilaridade, iteração, variação de escala, culminando em uma
aparente complexidade?
Pollock pintando com a técnica do gotejamento.

Foi exatamente isso que o matemático Richard Taylor pensou e, alguns anos após a morte de
Pollock, começou a investigar as obras do artista. Taylor realizou uma análise computacional
dos quadros, dividindo cada quadro em várias partes de escalas diferentes. Na análise,
percebeu que havia padrões de repetição tal que um dado fragmento da pintura se repetia por
todo o quadro, variando a escala em até mil vezes. Ou seja, o quadro como um todo não poderia
ser distinguido quanto o que era todo e o que era parte. Pois uma parte, se ampliada, era
semelhante ao todo. O quadro era um conjunto de partes que ao mesmo tempo eram partes e
eram o todo (lembre-se que uma couve flor tem as mesmas características).

Pintura número 1 de Pollock, 1948.


Adentrando no rigor matemático dos fractais, que definem essas geometrias como tendo
dimensões não inteiras (veja box-counting (abre em nova aba)), Taylor conseguiu mostrar que
os quadros de Pollock tinham dimensões fracionárias calculáveis e que foram aumentando a
complexidade à medida que Pollock melhorava a técnica de gotejamento. O mais interessante é
que as primeiras telas, pintadas em torno de 1945, já mostravam uma tendência de Pollock de
pintar fractais mesmo sem haver ainda uma definição formal (dada por Mandelbrot muitos
anos depois) de Fractal.
Então podemos dizer que Pollock foi o inventor da arte fractal?
Não é bem assim. Assim como mostramos no poema de Gregório de Matos e também é possível
ver nas prosas de Italo Calvino, obras nas quais é possível perceber padrões fractais podem
não ter sido pensadas com essa finalidade. Os fractais simplesmente estão em toda parte. A
ideia de um todo composto por partes que se assemelham ao todo é tão natural que pode ser
enxergada em quase todos os cantos do Universo. O próprio sistema solar parece muito com a
configuração de elétrons girando em torno de um núcleo, não acha? Logo, não podemos dizer
quem inventou a arte fractal, uma vez que a linha que separa a tela num cavalete e o Mundo
(ou pelo menos nossas interpretações do Mundo) é muito tênue.

Se não se pode dizer quem inventou a arte fractal, podemos, pelo


menos descobrir quando apareceu pela primeira vez esse termo?
Sim, pois assim como Mandelbrot definiu (formalmente) o que era um fractal, mesmo bilhões
de anos depois deles aparecerem (pois a natureza está aqui há muito mais tempo que nós),
existe sim uma definição para arte fractal.
Por definição, essa forma de fazer arte utilizando conceitos fractais surgiu na década de 80 (o
que era de se esperar, dado que Mandelbrot já havia cunhado o nome fractal na história).
Outro ponto que torna sua popularização tão recente está relacionado com os avanços da
tecnologia. A arte fractal hoje é muito dependente de computadores. Programados com
algoritmos de repetição e códigos fractais, os computadores são capazes de gerar imagens,
músicas e até animações altamente complexas. Mas não podemos esquecer que todas essas
manifestações artísticas têm algo em comum:
A autossimilaridade.
A iteração.
A variação de escala.
A aparente complexidade.
Abaixo, mostramos 2 imagens fractais geradas por programas de computador. A primeira é o
conjunto de Julia e o segundo o Conjunto de
Mandelbrot. São os exemplos mais icônicos de arte fractal.
Julia set

Mandelbrot set

Além disso, você pode assistir a uma animação fractal “infinita” (abre em nova aba) e pode
escutar uma música fractal (abre em nova aba).
Imagem fractal gerada no computador.

Gostou das imagens? Usando um software (abre em nova aba) você


mesmo pode se tornar um artista fractal. E melhor de tudo, sem
manchar o chão da sua casa de tinta!

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