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PRÁTICAS RECOMENDADAS EM

INTERVENÇÃO
PRECOCE
NA INFÂNCIA
UM GUIA PARA PROFISSIONAIS


AGRADECIMENTOS

FICHA TÉCNICA No cerne da filosofia, das políticas e das práticas da intervenção precoce na infância (IPI) estão
as crianças e famílias por ela abrangidas. Por isso, é para elas que vai, em primeiro lugar, o nosso
agradecimento. Por tudo o que ao longo dos anos nos ensinaram, pela forma como nos ajudaram
a questionar as nossas certezas, pelos percursos que connosco quiseram partilhar e que vieram dar
sentido a este trabalho.

O Guia “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais” nasceu
de uma feliz confluência entre a preocupação presente ao longo dos anos na Associação Nacional
de Intervenção Precoce (ANIP), no sentido de contribuir para uma melhoria sistemática das práticas
de IPI, e a atenção constante da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) às questões ligadas à educa-
ção, aos direitos humanos e aos problemas específicos das crianças em risco, bem como o apoio ao
desenvolvimento de projetos no âmbito das Organizações Não Governamentais. Queremos deixar
aqui o nosso agradecimento à FCG pela forma como distinguiu o Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir
Melhor e pelo seu empenho e comprometimento durante todo o processo. Sem este apoio, nem o
Guia nem as ações de sensibilização e de formação teriam sido possíveis.

Da mesma forma, também deram um contributo inestimável os profissionais das equipas locais
de intervenção (ELI) de todo o País, quer ao longo dos anos através do seu entusiasmo, dedicação e
envolvimento na causa da IPI, quer mais concretamente na resposta ao apelo que fizemos no sentido
de colaborarem na elaboração deste guia. Todos os testemunhos que apresentamos na Parte II são
histórias reais que nos foram transmitidas por profissionais e famílias envolvidos na IPI. A todos eles
o nosso muito obrigado.

Um agradecimento muito especial à Ana Teresa Brito e à Carla Lança que, apesar de não terem uma
ligação formal ao Projeto Im2, se disponibilizaram imediatamente para, a nosso pedido, participarem
na redação deste Guia. À Ana Teresa agradecemos a elaboração do Capítulo 7 — “Oportunidades
de desenvolvimento profissional”, bem como o empenho, rigor e qualidade do trabalho realizado.
À Carla a colaboração, particularmente no Capítulo 4 — “As práticas recomendadas no processo de
avaliação e intervenção”, mas não só, trazendo uma voz atenta e refletida do profissional de exce-
lência que, na prática, não se limita a dar o seu melhor, mas se questiona sistematicamente com vista
a um aperfeiçoamento constante.

Queremos igualmente agradecer em particular à Cristina Lopes que, no final, fez uma revisão aten-
ta e crítica de todo o Guia no sentido de lhe conferir clareza, concisão e harmonia, não se cingindo
a uma correção ortográfica e gramatical, mas fazendo também sugestões no sentido de aperfeiçoar
a estrutura do texto.

Agradecemos também, de um modo geral, a todos os colaboradores da ANIP que partilharam não só
as quatro paredes onde se elaborou este guia, mas também o entusiasmo, a motivação e a dedicação
por esta obra. Agradecemos-lhes a disponibilidade constante para responder a solicitações, para nos
ajudar a refletir e a perceber melhor o impacto e a ligação do Guia com o dia a dia dos profissionais
e ainda o apoio à execução do projeto pelos serviços administrativos e de formação.

Outra colaboração relevante ao longo de todo o processo foi a da equipa da BID-Lab, responsável
pelo Plano de Comunicação do Projeto Im2. A eles o nosso muito obrigado, não só pela excelência
do trabalho realizado, mas pela disponibilidade, atenção, empenho e paciência que constantemente
demonstraram para responder às nossas dúvidas, inquietações e urgências, sintonizando-se connosco
e mantendo-se sempre fiéis ao espírito do Projeto. Do conjunto da equipa é justo salientar o trabalho
do André Carvalho que “vestiu a camisola” e esteve ao nosso lado durante todo o processo de elabo-
ração do Guia, não só fazendo e refazendo propostas a nível gráfico, mas também estando sempre
atento e corrigindo qualquer pequeno erro ou incongruência que pudesse surgir.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

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Não podemos terminar sem referir todos os parceiros do Projeto — o Sistema Nacional de Intervenção
Precoce (SNIPI), a Associação Pais-em-Rede e a Universidade de Aveiro, bem como a Comissão
Científica, designadamente as universidades do Minho, Porto, Aveiro, Lisboa, Évora e o ISPA, IP,
ÍNDICE PROVISÓRIO
e ainda os consultores, a saber a European Association on Early Childhood Intervention (Eurlyaid)
e a International Society on Early Intervention (ISEI). Não temos dúvidas de que, sem a partilha e a
colaboração, assentes na complementaridade que, apesar dos timings apertados com que nos fo-
mos confrontando, se foram construindo e aperfeiçoando ao longo deste processo, o resultado final
ficaria muito aquém daquele que foi conseguido. É a demonstração na prática de que o esforço Índex
de colaboração é difícil, mas vale a pena.

Esperamos ter conseguido dar um primeiro passo no sentido de conseguir alcançar a meta que to- PREFÁCIO.................................................................................. 13
dos desejamos: começar a quebrar o hiato entre a teoria e a prática, ou seja, a pôr o conhecimento
científico e as evidências ao serviço das políticas e das práticas dos profissionais com o fim último
de melhorar o bem-estar das crianças e das famílias. O nosso muito obrigado a todos aqueles que PREFÁCIO.................................................................................. 16
connosco já estão a colaborar neste percurso e aos que futuramente virão a estar.

PREFÁCIO.................................................................................. 17

NOTA PRÉVIA............................................................................ 19

INTRODUÇÃO................................................................. 21

PARTE I............................................................... 29

INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: DOS NEURÓNIOS AO


CONTEXTO FAMILIAR E SOCIAL.............................................. 31

1 A INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA E SUA RELEVÂNCIA


NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO.............................. 33

1.1 O que é a intervenção precoce na infância (IPI)?...................... 33

1.2 Porque é importante intervir precocemente?............................ 35

1.2.1 Fundamentos neurobiológicos


do desenvolvimento................................................................................................ 35

1.2.2 Perspetiva bioecológica e sistémica do desenvolvimento......................... 43

1.2.3 Intervenção precoce na infância: Uma questão de direitos..................... 50

1.3 Os objetivos e a prática da IPI................................................... 51

2 INTERVENÇÃO PRECOCE EM PORTUGAL – UM PROCESSO


EM CONSTANTE EVOLUÇÃO.................................................... 55
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

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2.1 Intervenção Precoce na Infância em Portugal: Dos primeiros passos 3.5 Em suma: princípios orientadores para a prática.................... 92
ao SNIPI............................................................................................. 55

2.1.1 População-alvo, contexto e práticas............................................................. 57 4 O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA


NA FAMÍLIA............................................................................... 95
2.1.2 Papel dos profissionais e famílias, objetivos e resultados......................... 58

2.1.3 Trabalho de equipa, nível de envolvimento das famílias


e colaboração intersectorial.................................................................................. 58
4.1 O ciclo de intervenção e as práticas de ajuda eficaz............... 95

4.1.1 O ciclo de intervenção dos serviços personalizados para as crianças e


2.2 O modelo legal português de IPI — Decreto-Lei 281/2009 ..... 59 suas famílias............................................................................................................. 96

2.2.1 Aspetos relevantes da legislação.................................................................. 59 4.1.2 As práticas de ajuda eficaz ao longo do ciclo de intervenção................. 99

2.2.2 Objetivos do SNIPI........................................................................................... 60


4.2 Referenciação............................................................................. 102
2.2.3 Competências dos ministérios...................................................................... 61
4.2.1 Como assegurar uma referenciação atempada? ..................................... 103
2.2.4 Coordenação................................................................................................... 62
4.2.2 Como fazer uma referenciação numa perspetiva centrada
2.2.5 Equipas locais de intervenção...................................................................... 63 na família?................................................................................................................ 104
2.2.6 Plano individual de intervenção precoce.................................................... 64 4.2.3 Como preparar os próximos passos?.......................................................... 107

2.3 Algumas considerações sobre o DL 281/2009 e a sua 4.3 Primeiros contactos.................................................................... 110
operacionalização futura................................................................ 64
4.3.1 Como proceder, nesta etapa, de forma centrada na família? ................ 110

4.3.2 Escutar e compreender as prioridades e expetativas da família........... 112

PARTE II.............................................................. 67 4.3.3 Partilhar informação com a família............................................................ 114

4.3.4 Tomar decisões acerca dos próximos passos............................................ 116


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA
INFÂNCIA................................................................................... 69 4.4 Avaliação em IPI......................................................................... 120

4.4.1 Identificação das preocupações prioridades e recursos da família....... 122


3 A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS 4.4.2 Identificação das características da criança ............................................ 132
ORIENTADORES PARA A INTERVENÇÃO PRECOCE
4.4.3 Como implementar a avaliação da criança numa perspetiva centrada
NA INFÂNCIA............................................................................. 71
na família.................................................................................................................. 140

3.1 UMA ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: O QUE É?........... 73 4.5 Desenvolvimento do plano individual de intervenção
precoce (PIIP)................................................................................... 151
3.1.1 A intervenção centrada na família e baseada nos contextos naturais e
recursos da comunidade........................................................................................ 77 4.5.1 Rever toda a informação previamente partilhada.................................... 155

4.5.2 Clarificar os objetivos e descrevê-los de forma funcional....................... 156


3.2 UMA ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PORQUÊ?.......... 79
4.5.3 Identificar formas preferenciais de apoio e estratégias
de intervenção......................................................................................................... 162
3.3 UMA ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PARA QUÊ?....... 83
4.5.4 Escrever o plano individual de intervenção: Formas e formatos ........... 165

3.4 UMA ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: COMO 4.6 Implementação e monitorização da intervenção nos contextos
SE IMPLEMENTA?............................................................................. 87 naturais da criança.......................................................................... 171
3.4.1 A equipa transdisciplinar: o papel do mediador de caso......................... 88 4.6.1 O modelo transdisciplinar de prestação de serviços................................. 175
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA 
Um guia para profissionais

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4.6.2 As visitas aos contextos naturais da criança: Domicílio e contextos 6.2 O que se entende por avaliação de programas de IPI?.......... 244
formais de educação e cuidados.......................................................................... 178
6.2.1 Tipo de avaliação............................................................................................ 245
4.6.3 Procedimentos de monitorização e registo — Porque
são importantes? .................................................................................................... 191 6.2.2 A quem se destinam os resultados da avaliação...................................... 246

6.2.3 Quem faz a avaliação................................................................................... 247


4.7 Avaliação de resultados da intervenção e da satisfação
da família.......................................................................................... 198
6.3 Para quê avaliar programas de IPI?......................................... 248

4.8 O processo de transição............................................................ 206 6.3.1 Procedimentos de monitorização e registo................................................. 248

6.3.2 Autoavaliação da equipa.............................................................................. 249


4.8.1 Qual o papel do mediador de caso num processo de transição?........... 207

4.8.2 Como deve ser planificada a transição da criança para 6.4 Como avaliar programas de IPI?.............................................. 250
outros serviços?........................................................................................................ 208

Apêndice 1.A............................................................................................................. 213 6.4.1 Etapas do processo de avaliação................................................................. 251

Apêndice 1.B............................................................................................................. 215 Apêndice 2.A ........................................................................................................... 259

Apêndice 2.B ........................................................................................................... 265


5 UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE
NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E
TRANSDISCIPLINAR.................................................................. 221 PARTE III............................................................. 271
5.1 É preciso um diálogo entre ciência, política e prática.............. 222 OPORTUNIDADES DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL.. 273
5.1.1 É preciso investir nos primeiros anos de vida.............................................. 223

5.1.2 IPI: outra forma de pensar, de planear e de intervir.................................. 223 7 FORMAÇÃO — CONSTRUINDO CONHECIMENTOS,
COMPETÊNCIAS E ATITUDES PARA MELHOR INTERVIR........ 275
5.2 Um sistema integrado de colaboração intersectorial
para a IPI.......................................................................................... 225 7.1 Perfil do profissional em IPI, desenvolvimento profissional
e formação....................................................................................... 275
5.2.1 Colaboração: uma componente-chave em IPI .......................................... 227

5.2.2 Porquê um sistema integrado de colaboração intersectorial? ............... 228


7.2 Desenvolvimento profissional em IPI......................................... 276
5.2.3 Para quê um sistema integrado de colaboração intersectorial?............ 229

5.2.4 Como consolidar um sistema integrado de colaboração 7.3 Componentes da formação: ‘Quem’, ‘o quê’ e ‘como’ ............. 278
intersectorial?........................................................................................................... 230
7.3.1 Formação inicial............................................................................................... 280
5.3 A equipa transdisciplinar........................................................... 235 7.3.2 Formação especializada................................................................................ 283

5.3.1 O que caracteriza o trabalho em equipa transdisciplinar?...................... 236 7.3.3 Formação contínua......................................................................................... 285

5.3.2 Como se constrói o trabalho de uma equipa transdisciplinar?............... 238


8 SUPERVISÃO — PARA UMA RELAÇÃO DE CONFIANÇA E
A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO PRECOCE PROMOTORA DE DESENVOLVIMENTO EM IPI....................... 289
NA INFÂNCIA............................................................................. 243
8.1 O papel da supervisão em IPI.................................................... 289
6.1 Porquê avaliar programas de IPI?............................................. 243
8.2 Supervisão: Pressupostos para a construção de uma relação de
confiança e apoio ao desenvolvimento.......................................... 291
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA Prefácio
Um guia para profissionais

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8.3 Estabelecer os objetivos do supervisando e do supervisor..... 292

8.4 Abordagens eficazes na supervisão em IPI............................. 292

8.4.1 Supervisão técnica eficaz: O caso da supervisão reflexiva em IPI.......... 293 PREFÁCIO
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................... 299

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................ A intervenção precoce em Portugal começou a dar os primeiros passos há mais de 20 anos

305 e começou bem. Nos anos 80, ao longo do País surgiram algumas iniciativas pioneiras que
demonstraram uma clara preocupação em providenciar serviços adequados, do ponto
de vista desenvolvimental, às crianças pequenas com necessidades especiais.

No distrito de Coimbra, o Projecto Integrado de Intervenção Precoce (PIIP) foi precursor


ANEXOS.............................................................. de um modelo de colaboração intersectorial único, visando as crianças em idades precoces
333 com deficiência e com risco biológico e ambiental, baseado na família, reconhecido nacio-
nal e internacionalmente pelas suas práticas inovadoras e de qualidade.

RECURSOS PARA MONITORIZAR E MELHORAR Estava, então, no terreno um modelo de parceria entre Saúde, Educação, Segurança Social
e de colaboração com instituições da comunidade. Uma intervenção local, realizada por
A PRÁTICA ................................................................................ 335 uma equipa transdisciplinar, centrada na família e no respeito pela individualidade, que tinha
em vista capacitar os pais, considerando-os o centro da decisão da intervenção necessária
a um bom desenvolvimento dos seus filhos.
RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS.................................................. 337
Esta intervenção traduzia o que a ciência nos vinha dizendo acerca da importância dos
pais no desenvolvimento dos filhos, através do estabelecimento da relação precoce logo
A1. BIBLIOGRAFIA ANOTADA................................................... 338 após o nascimento, do bem-estar do amamentar materno, do acompanhamento dos pais
no internamento hospitalar, dos programas de intervenção precoce centrada nos pais e na
comunidade. Na realidade, todo este “clima” de atenção à criança pequena e aos fatores
A2. BIBLIOGRAFIA EM PORTUGUÊS....................................... 351 que influenciam o seu desenvolvimento favoreceu a conjugação de esforços e o empenho
que passou a acompanhar a intervenção precoce, bem como a sua evolução para modelos
mais integrados e abrangentes.
A3. SITES DE REFERÊNCIA....................................................... 354
Este pequeno historial da intervenção precoce ajuda-nos a perceber os passos que hoje es-
tamos a dar e, eventualmente, os passos seguintes que teremos de dar.
ACERVO DE INSTRUMENTOS ON-LINE................................... 357
Foi com o objetivo de consolidar, aperfeiçoar e expandir toda esta experiência que surgiu,
ainda no âmbito do PIIP, a ideia de criar a Associação Nacional de Intervenção Precoce
(ANIP). Em boa hora o fizemos. A partir daí, ano de 1998, a ANIP passou a ocupar um espaço
de referência nacional no caminho que a intervenção precoce viria a percorrer, procurando:

• Estabelecer pontes entre teoria e prática, esta associada à experiência das equipas
ainda mantidas hoje no terreno, no distrito de Coimbra e Aveiro;

• Aprender a “fazer melhor para melhor responder” às necessidades das crianças


e famílias, recorrendo à ajuda de outros sempre que necessário, nomeadamente
de peritos internacionais e também das próprias famílias;

• Disseminar o que ia aprendendo, respondendo às solicitações de formação e de


supervisão de outros profissionais e ao interesse crescente por parte de diferentes
projetos de intervenção precoce que foram emergindo pelo País fora;
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA Prefácio
Um guia para profissionais

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• Prestar a sua colaboração e influência junto de órgãos de decisão governamental distribuídas por todo o País, destinados aos profissionais do SNIPI, tendo em vista a disse-
e serviços responsáveis para que se criasse legislação específica para a IPI, dan- minação e consolidação dos conteúdos veiculados pelo Guia.
do-lhe uma nova identidade e estatuto.
Como Presidente da ANIP, orgulho-me de apresentar este documento “Práticas Recomendadas
Foi, e continua a ser, esta a postura, ou se quisermos a missão, da ANIP: “Pelas crianças, em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais” como um produto final
com as famílias, criamos futuro”. E é assim, animado desta lógica de colaboração e partilha, de um processo de construção assente na colaboração, na procura de consensos e no en-
que surge o Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor, bem como esta publicação “Práticas volvimento dos seus diversos intervenientes. Devo assim realçar o processo subjacente ao
Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais”. desenvolvimento desta publicação. Foi através da colaboração próxima entre os elemen-
tos do grupo de trabalho criado para a construção do Guia, do empenho e trabalho de
É importante salientar que os principais pontos de avanço neste percurso da IPI decorreram uma comissão científica integrando docentes de diferentes universidades com formação
do empenho e de esforços de colaboração entre diferentes organizações e agentes, deci- altamente diferenciada na área e, ainda, dos contributos de profissionais de equipas locais
sores políticos e profissionais do terreno, como foi o caso da primeira legislação específica de intervenção (ELI) no âmbito do SNIPI, bem como da Associação PeR e de diversas famí-
de intervenção precoce (o Despacho Conjunto 891/99), um importante marco na história da lias apoiadas pelas ELI, que foi possível estabelecer um diálogo fértil e fazer pontes entre
IPI no nosso país, seguido, dez anos depois, da publicação do Decreto-Lei 281/2009, com teoria e prática. O Guia foi também o resultado de uma extensa revisão bibliográfica e tem
a criação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), outro importan- o potencial para se tornar num instrumento de referência de grande utilidade, para todos
te marco e o corolário de um processo com duas décadas de evolução da IPI em Portugal. os profissionais que a diferentes níveis (ELI, supervisão, formação ou coordenação) têm ati-
vidade na intervenção precoce.
Consolidar a comunicação, a colaboração, a partilha de responsabilidades e construir parce-
rias eficazes a nível interinstitucional, inter e intrassectorial, entre áreas disciplinares, equipas, Deitámos a semente à terra e ela frutificou. Temos hoje uma boa seara, mas temos de cuidar
profissionais entre si e entre profissionais e famílias, é talvez uma das questões mais cruciais dela, e, assim, partilhando esforços, podemos olhar confiantes para o futuro da intervenção
para sustentar e melhorar a qualidade e os resultados da IPI. precoce em Portugal.

O Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor, que tem a ANIP como entidade promotora e que Luís de Mello Borges de Castro
a Fundação Calouste Gulbenkian tornou possível com o seu apoio no âmbito do Programa Presidente da Associação Nacional de Intervenção Precoce
Cidadania Ativa, é um projeto que assenta nesta firme convicção. Por isso, agrega e chama Coimbra, setembro de 2015
à colaboração a Associação Pais-em-Rede (PeR), diferentes estruturas universitárias com
papel relevante no domínio da IPI e, como seria imprescindível, o SNIPI, para que em con-
junto todos possam contribuir para melhorar as práticas dos profissionais e as respostas às
nossas crianças e famílias no âmbito da IPI. A intervenção precoce requer um saber especí-
fico, com técnicos especializados, como tem sido demonstrado por diversas instituições do
Ensino Superior que criaram cursos de especialização em intervenção precoce, o que aju-
dou ao reconhecimento da importância do saber intervir naquelas crianças e suas famílias.
Se a formação académica é importante e necessária, ela não é, no entanto, suficiente,
e devem os sistemas de intervenção precoce assegurar oportunidades para a formação
em serviço dos seus profissionais e a supervisão das práticas, bem como para a monitori-
zação e avaliação do sistema e das práticas. Contribuir para que os profissionais do SNIPI
pudessem dispor de um sólido quadro de referência teórico e conceptual e de um conjunto
de orientações práticas sobre “o que se deve fazer” e sobre “como deve ser feito”, com base
nas evidências, foi um desígnio do Im2.

Com a intervenção precoce implementada no terreno e disponível a nível nacional, com


o reconhecimento da necessidade de melhorar a qualificação dos profissionais e com uma
legislação que define o modelo organizativo e de intervenção, assim como os meios dis-
poníveis para o realizar, foi-se evidenciando a necessidade de disponibilizar e publicar um
documento de apoio que ajudasse a consolidar e a qualificar as ações dos diferentes inter-
ventores. Este documento deveria ser adaptado às características nacionais, escrito pelos
que adquiriram “um saber de experiência feito” e fácil de consultar por todos os que no ter-
reno realizam o que tem sido o nosso objetivo: capacitar os pais (e outros cuidadores) para
poderem ajudar os seus filhos com problemas de desenvolvimento a conseguir um melhor
desenvolvimento e aprendizagem. O apoio da Fundação Calouste Gulbenkian deu-nos
a possibilidade de construir e disponibilizar este referencial comum orientador das práticas
dos profissionais, no âmbito do Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor, cujo produto prin-
cipal é o que apresento: “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um
guia para profissionais”. Complementarmente, para um acesso e participação mais alar-
gada dos profissionais do SNIPI e famílias, foi criado um site e um fórum de discussão onde
o Guia passará também a estar disponível. Com a imprescindível colaboração das subcomis-
sões do SNIPI, foram, ainda, organizados cinco seminários regionais e 16 ações de formação
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

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PREFÁCIO PREFÁCIO

A conceção de instrumentos de política é um passo fundamental para a definição de estra- Agradeço a oportunidade pouco comum que nos é dada, a nós pais, de colaborar com esta
tégias e de sistemas integrados, para os quais o pensamento científico, a decisão política excelente iniciativa da ANIP que, só por si, revela a sua real preocupação em levedar a teo-
e a prática quotidiana concorrem, mas a conceção de um guia para profissionais é um passo ria com as práticas, questionando-as constantemente.
fulcral para a harmonização de procedimentos e para a partilha de uma gramática e de um
vocabulário idênticos, com bases científicas e teóricas estruturantes, e assentes em práticas Atrevo-me a representar a voz dos pais, não as vozes que se ouvem, as vozes que pedem
colaborativas e transdisciplinares, não só entre profissionais de várias áreas, mas também, e se desculpam, que acusam e se queixam, que denegam e exigem, as vozes que se calam
e acima de tudo, na interação com as famílias. amedrontadas, mas a voz subterrânea dos pais que amam e querem os filhos felizes – as vo-
zes que se ouvem não são capazes de verbalizar o discurso assertivo porque não conhecem
A presente publicação elenca um conjunto de recomendações práticas em intervenção pre- as palavras que exprimem esse desejo indefinido mas omnipresente, e ignoram como satis-
coce na infância, um conjunto de recomendações que proporcionará a todos os atores uma fazê-lo, tornando impossível o confronto com a tremenda desorientação que os submerge.
ação baseada em evidências que terá impacto nos resultados obtidos e ajudá-los-á na bus- É preciso entender a razão pela qual a maioria dos pais se submete, se revolta ou abando-
ca de estratégias mais vastas para o bem-estar e saúde das crianças. na a cena aos “magos detentores do saber”, se tiver a sorte de contar com eles.

A intervenção precoce constitui um instrumento político na concretização do direito à partici- É ponto unânime, e este manual assim o prescreve de forma veemente, que (…) as práticas
pação social dessas crianças e dos jovens e adultos em que se irão tornar. Assegurar a todos centradas na família, individualizadas, inclusivas e transdisciplinares, fundamentadas num
o direito à participação e à inclusão social constitui uma prioridade política de coesão social. modelo bioecológico e transacional do desenvolvimento, são hoje recomendadas por todo
um conjunto de organismos internacionalmente reconhecidos (…). A quem a souber analisar,
O conjunto integrado de medidas, centrado na criança e na família, resulta não só em ações está tudo nesta frase: o apoio às crianças com qualquer tipo de deficiência ou incapacidade
de natureza preventiva como também reabilitativa, no âmbito da Educação, da Saúde deve centrar-se nela e sua família, aliás, o apoio a qualquer criança deve respeitar este prin-
e da Ação Social. cípio, segundo o modelo bioecológico, em equipa multidisciplinar. Simples, claro, luminoso.

Os pais são, como sabemos, elementos-chave na aprendizagem e no desenvolvimento Porém, sendo voz corrente, o dito axioma pratica-se pouco e disso temos prova nos ecos que
das crianças, e a parceria entre as equipas de intervenção precoce e a família tem um im- por todo o país nos chegam (com honrosas e louváveis exceções). Assustador, esquizóide, é
pacto significativo sobre os pais e sobre os irmãos de uma criança com necessidade dessa o abismo entre o que se afirma ser e o que na realidade é.
intervenção. A família muitas vezes sente deceção, isolamento social, stress, frustração e im-
potência, fatores que podem afetar o bem-estar da família e interferir no desenvolvimento Ora, sendo a intervenção precoce a base dos percursos acidentados das crianças com de-
da criança, por isso a intervenção precoce pode, assim, resultar em pais com melhores ati- ficiência, a sua responsabilidade cresce perante o facto de quase todas elas acabarem por
tudes em relação a si mesmos e aos seus filhos. Como sabemos, quanto mais precocemente desembocar, a partir dos 18 anos, e para sempre, no “ghetto” da instituição ou, pior ainda,
forem acionadas as intervenções e as políticas que afetam o crescimento e o desenvolvimento no “colo materno”, incapaz de acoitar um adulto.
das capacidades humanas, mais capazes se tornam as pessoas de participar autonomamen-
te na vida social e mais longe se pode ir na correção das limitações funcionais de origem. Assim, lanço para debate duas questões, com o pressuposto inabalável de que não existem
O interesse e o apoio da família são a pedra de toque para o sucesso da criança, fazendo absolutos nem definitivos (tal como é sublinhado no Preâmbulo):
com que os pais se sintam parte integrante de um processo contínuo para o qual os contex-
tos de desenvolvimento físico, comunicacional, cognitivo e social são fulcrais. 1. A primeira questão centra-se nas dificuldades em operacionalizar o novo modelo
bioecológico do desenvolvimento;
Ana Clara Birrento 2. A segunda questão versa sobre a meta a atingir pelos apoios, a autonomia possível
Presidente do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância e singular de cada pessoa.
Lisboa, setembro de 2015
1. Ninguém fala nas dificuldades ao ensinar, e muito menos ao aplicar, um paradigma que
ainda não está implementado (embora se julgue que sim, o que leva ao tal susto esquizóide).
Costumo dizer que a passagem do modelo médico (ainda em vigor) ao modelo biopsicos-
social (inclusivo e transacional) é uma revolução cultural que se assemelha à revolução
coperniciana (a terra não está no centro, é um mero satélite que gira em torno do sol) que
levou séculos a ser aceite e fez rolar muitas cabeças.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

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Não vou debruçar-me aqui sobre qualquer destes modelos, que todos conhecem em teoria,
o que me interessa sublinhar é a enorme dificuldade em alterar os esquemas mentais que
condicionam o nosso modo de estar no mundo. Se não tivermos consciência deste trabalho
de Hércules, não seremos capazes de o iniciar. É MUITO DIFÍCIL e nunca poderemos em-
preendê-lo sozinhos. Olhar para uma criança como um sol, à volta do qual giram os planetas
que dele recebem a luz, e não considerar-se o sol que dá luz aos planetas, é uma lentíssima
mudança de paradigma.
NOTA PRÉVIA
2. A tendência em compartimentalizar ou segmentar os processos existenciais é mais ou
menos vulgar, mas no caso do apoio inclusivo às crianças com deficiência essa tendência
torna-se viral.
O traço mais específico da natureza humana é a sua plasticidade: sobretudo no início,
a criança é moldada pelo meio, continuando a sê-lo sempre, embora cada vez menos, dada
a identidade que vai construindo – a criança cresce e torna-se adulta. Na infância precisa “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância – Um guia para profissionais”
dos pais, na adolescência entra em conflito com eles na busca de uma autonomia, embo- pretende ser, essencialmente, um instrumento útil para os profissionais das equipas de interven-
ra nunca deixe de ser interdependente. Este historial obedece a fatores internos e externos, ção precoce, servindo como um orientador e unificador das suas práticas. Simultaneamente,
desempenhando aqui os pares um papel crucial. visa facilitar a tarefa de promoção e orientação de práticas de qualidade aos outros níveis
do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), o regional e o nacional.
As crianças com deficiência não têm pares com quem se identifiquem, e a tão necessária
proteção dos pais exacerba-se com o tempo, levando-os à superprotecção e dependência Os autores têm plena consciência de que não existe um modelo “pronto-a-vestir” para apli-
permanentes. Ao profissional falta-lhe a visão deste percurso, mantém a intervenção numa car a todas as situações e que uma intervenção precoce na infância (IPI) de qualidade é,
concha opaca, melhorar a postura, a linguagem, ou outro “defeito qualquer”, no período antes de mais, individualizada em função das características específicas de cada criança
que lhe foi atribuído. É essencial, MESMO, trabalhar com os pais e trabalhar os pais, procu- e família. Mas uma IPI de qualidade é, ainda, um sistema de intervenção planeado e inte-
rando com eles respostas possíveis e singulares que abram o caminho de uma socialização grado, assente na colaboração entre diversos intervenientes. Não se trata, portanto, de um
para a autonomia daquela criança que será adulta. “livro de receitas”, mas apenas de um enquadramento teórico às que são atualmente con-
sideradas “práticas recomendadas” em IPI, em paralelo com um conjunto de orientações
Muito mais coisas gostaria de dizer mas não é este o lugar. Deixo-vos com um desafio: para a sua operacionalização.

O destino do adulto forja-se na infância, e se a infância de uma criança com deficiência é Estas “práticas recomendadas”, baseadas quer em evidências científicas quer em valores,
complexa cabe às equipas de intervenção precoce (que incluem pais, técnicos e professo- e com o contributo das famílias e dos profissionais de IPI, não são estáticas, modificam-se ao
res) lutar para que o seu futuro não se torne uma tragédia desumana. longo do tempo, acompanhando a evolução das ideias e os resultados da investigação. No
entanto, as suas linhas de força têm-se mantido constantes desde os anos 1980 até à atuali-
OBRIGADA. dade. São práticas que refletem, de acordo com Shonkoff e Phillips (2000), uma conjugação
dos contributos das teorias do desenvolvimento, dos resultados da investigação empírica
Luísa Beltrão e da prática profissional, enfatizando aquelas que são baseadas na evidência.
Presidente de Pais-em-Rede, Associação
As práticas centradas na família, individualizadas, inclusivas e transdisciplinares, fundamenta-
Lisboa, setembro de 2015
das num modelo bioecológico e transacional do desenvolvimento, são hoje recomendadas por
todo um conjunto de organismos internacionalmente reconhecidos na área da IPI, tais como
a European Agency for Development in Special Needs Education, a European Association on
Early Intervention – Eurlyaid-EAECI, a Division of Early Childhood of the Council for Exceptional
Children’s (DEC – CEC), o Research and Training Center on Early Childhood Development,
o Workgroup on Principles and Practices in Natural Environments, o Orelena Hawks Puckett
Institute, o Frank Porter Graham – Child Development Institute e a International Society on
Early Intervention – ISEI.

Conscientes da elevada credibilidade destas instituições e sabendo que as recomendações


que emitem têm na sua origem um trabalho exaustivo baseado na mais recente evidência
científica, os autores optaram por utilizar como referência na elaboração do trabalho que
aqui se apresenta o quadro conceptual e os princípios por elas preconizados. Esperamos,
assim, ter sido capazes de transmitir o pensamento e o trabalho científico exaustivo de tan-
tos autores fundamentais nesta área, para que possa ser útil a todos aqueles que entre nós
se esforçam por tornar o SNIPI uma referência e uma esperança para todas as crianças
e famílias que dele necessitam.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

18

DECLARAÇÃO DE INTERESSES

INTRODUÇÃO
Ana Isabel Pinto
Comissão Científica do Projeto Im2. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação [FPCE].
Universidade do Porto.

Ana Maria Serrano


Comissão Científica do Projeto Im2. Instituto de Educação. Universidade do Minho.

Catarina Grande
Comissão Científica do Projeto Im2. FPCE. Universidade do Porto.

Isabel Chaves de Almeida


Equipa Operacional do Projeto Im2. Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP).

Isabel Felgueiras
Equipa Operacional do Projeto Im2. ANIP.

José Boavida Fernandes


Coordenação do Grupo de Trabalho no âmbito do SNIPI para a criação de “Práticas
Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais”. Comissão (…) É essencial determinar que políticas e programas
de Coordenação Nacional do SNIPI. melhor podem contribuir para reforçar as famílias a
Júlia Serpa Pimentel cumprir a façanha mágica que só elas são capazes:
Comissão Científica do Projeto Im2. ISPA — Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, fazer e manter humanos os seres humanos.
Sociais e da Vida e Associação Pais-em-Rede.

Leonor Carvalho Urie Bronfenbrenner, 1997


Coordenação do Projeto Im2. ANIP.

Luís de Mello Borges de Castro


Presidente da ANIP.

Luísa Beltrão
Presidente da Associação Pais-em-Rede.
Importa não esquecer que a intervenção precoce (IP) é
principalmente uma organização de serviços e recursos
Paula Santos
Comissão Científica do Projeto Im2. Universidade de Aveiro.
com uma dimensão pluridisciplinar. Sem estruturas
de saúde bem organizadas e capazes de realizar um
Teresa Brandão despiste precoce e uma monitorização da saúde das
Comissão Científica do Projeto Im2. Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de
Lisboa. crianças, sem redes de suporte social, sem assegurar
um trabalho com as famílias, sem uma rede de apoio
Vítor Franco
Comissão Científica do Projeto Im2. Universidade de Évora.
na comunidade e sem um sistema educativo capaz
de intervir eficazmente de uma forma muito flexível e
diferenciada, a IP permanecerá ‘letra morta’.

Joaquim Bairrão, 2003


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA INTRODUÇÃO
Um guia para profissionais

20 21

INTRODUÇÃO

“Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais” é


um dos produtos desenvolvidos no âmbito do Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor, pro-
movido pela Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP), com o apoio da Fundação
Calouste Gulbenkian (FCG). Tal como o nome indica, este guia pretende ser uma ferramenta
útil para os profissionais que, quer no terreno quer nos outros níveis do sistema, procuram
responder aos múltiplos e complexos desafios inerentes à prática da intervenção precoce
na infância (IPI).

A importância de intervir em idades precoces para prevenir ou atenuar problemas de de-


senvolvimento é hoje um dado inquestionável e um direito que assiste a todas as crianças,
e particularmente às crianças mais vulneráveis. A investigação, nomeadamente no campo
das neurociências, tem vindo a demonstrar que as experiências precoces têm um papel sig-
nificativo no desenvolvimento cerebral e que os pais e outros prestadores de cuidados, bem
como as características do ambiente familiar e social em que as crianças estão inseridas,
têm uma influência direta no desenvolvimento da criança, com efeitos a nível do sistema ner-
voso central. De facto, existem evidências que comprovam que crianças com uma história
de complicações pré, peri ou pós-natais apresentam sequelas a nível cerebral, com reper-
cussões diretas no seu desenvolvimento.

A intervenção precoce tem como objetivo providenciar apoios e recursos às famílias de crian-
ças entre os 0 e os 6 anos de idade, com atraso de desenvolvimento, incapacidade ou risco
grave de atraso de desenvolvimento por condições biológicas e/ou ambientais, envolven-
do ativamente as redes de apoio social informal e formal, que por sua vez vão influenciar,
de forma direta e indireta, o funcionamento da criança e da família.

É precisamente neste enfoque de promover o desenvolvimento da criança através de um


plano de intervenção que otimize oportunidades de aprendizagem em contextos naturais
do seu quotidiano, desenvolvido conjuntamente com a família e outros prestadores de cui-
dados relevantes na vida da criança, que consiste a especificidade da IPI.

Hoje os dados da investigação demonstram também que, com uma intervenção precoce
de qualidade, é possível aumentar as probabilidades de se conseguirem resultados positi-
vos em termos do desenvolvimento futuro. Os programas com maior impacto são aqueles
que potenciam as competências dos pais e cuidadores como mediadores privilegiados na
promoção do desenvolvimento das crianças através de uma intervenção que visa otimizar
a interação pais-criança e a ligação emocional entre eles. Programas bem desenhados, com
objetivos claramente definidos tendem a ter resultados positivos a nível da mudança dos com-
portamentos dos pais e da melhoria da interação pais-criança (Shonkoff & Phillips, 2000).

Com programas preventivos, de qualidade, evitar-se-ia um grande número de interven-


ções posteriores, mais complexas e dispendiosas, a um nível secundário e terciário. Porém,
os programas de IPI de qualidade, com impacto real no desenvolvimento das crianças, ra-
ramente são simples, baratos ou fáceis de implementar. Para desenvolver estes programas
são necessários profissionais altamente qualificados, o que implica um real investimento na
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA INTRODUÇÃO
Um guia para profissionais

22 23
melhoria das competências dos profissionais de IPI. Contudo, são fortes as evidências de que do Minho, Porto, Aveiro, Lisboa, Évora e o Instituto Universitário de Ciências Psicológicas,
investir nos primeiros anos de vida das crianças apresenta um dos maiores níveis de retorno Sociais e da Vida [ISPA]).
social e económico (Shonkoff, 2010; UNESCO, 2009), daí perspetivar-se hoje a IPI como um
investimento (Guralnick & Conlon, 2007). No que diz respeito à organização e elaboração do presente guia, esta responsabilidade
coube à ANIP, como entidade promotora do projeto, e à sua equipa operacional, em cola-
É para esta realidade que a ANIP, enquanto organização de referência e única associação boração com uma comissão científica que integrou especialistas das várias universidades
que desde 1998 está exclusivamente direcionada para a temática da intervenção precoce, acima referidas. Ao longo de todo o processo, estes elementos trabalharam com um conjunto
tem vindo a chamar a atenção, realçando a necessidade de proporcionar aos profissionais de representantes da coordenação do SNIPI, com a Associação Pais-em-Rede, parceira for-
de IPI uma formação de qualidade assente numa filosofia de intervenção comum, que res- mal neste projeto, e tiveram ainda a consultoria da European Association on Early Childhood
peite as práticas recomendadas reconhecidas internacionalmente, baseadas na evidência Intervention (Eurlyaid) e da International Society on Early Intervention (ISEI).
(empírica e científica).
Com este guia, ao transmitir uma filosofia de intervenção assente nas práticas recomen-
Na sua atuação de âmbito nacional, a ANIP tem privilegiado um investimento continuado dadas em IPI, reconhecidas internacionalmente e baseadas na evidência, crê-se estar
na formação e supervisão dos profissionais, tendo, nomeadamente, mantido contactos in- a contribuir para colmatar as dificuldades sentidas pelos profissionais relacionadas com
ternacionais que têm permitido a participação não só de peritos nacionais mas também a falta de referenciais orientadores, concorrendo para uma maior colaboração e consenso
de reputados especialistas de várias nacionalidades nas formações, congressos e projetos entre profissionais, e também entre profissionais e famílias, visando práticas mais eficazes
de investigação que tem vindo a desenvolver nesta área. Tem também mantido um trabalho e participativas no trabalho diário em IPI. No entanto, sublinha-se a importância de garan-
de colaboração continuado, a nível da formação e investigação, com instituições de ensino tir a coerência entre o referencial teórico unificado, plasmado neste documento orientador
superior com trabalho reconhecido no âmbito da IPI. de práticas, e as oportunidades de formação e supervisão oferecidas aos profissionais
de IPI, num processo contínuo de qualificação das suas práticas.
A par desta vertente mais teórica e científica, a ANIP, desde há mais de 15 anos, tem vindo
igualmente a assumir uma dimensão prática de participação direta em equipas de inter- Pretende-se providenciar um instrumento útil e acessível a todos os profissionais de intervenção
venção precoce, disponibilizando profissionais para estas equipas ao abrigo de acordos precoce, nos diferentes níveis do sistema (técnicos das equipas de intervenção, responsáveis
de cooperação estabelecidos com o Ministério da Segurança Social. Esta dimensão, ao pela coordenação de serviços, formação e supervisão), mas também às famílias de crianças
permitir uma ligação constante entre a teoria e a prática, tem proporcionado à ANIP um co- apoiadas pela IPI, bem como a todos aqueles que se interessem por esta área de intervenção.
nhecimento privilegiado, fundamental ao trabalho que desenvolve no sentido da promoção Neste sentido, presidiu à elaboração deste guia a preocupação de, simultaneamente, man-
contínua da qualidade da IPI. ter uma componente teórica baseada na literatura científica de referência e nas evidências
e uma forte componente prática ligada às experiências diárias de profissionais e famílias.
De facto, a atividade desenvolvida ao longo de muitos anos permitiu à ANIP ter um conhe-
cimento muito abrangente do estado atual do desenvolvimento das medidas e práticas Ao longo dos anos, algumas organizações científicas, sobretudo nos EUA, como é o caso
de apoio dispensadas às crianças dos 0 aos 6 anos e suas famílias nos diversos pontos da Division for Early Childhood (DEC) (2014), têm disponibilizado documentação onde são
do País, o que a levou a, repetidamente, alertar para a necessidade de dotar as equipas apresentadas “práticas recomendadas” no domínio da IPI, com o objetivo de fornecer orien-
locais de intervenção (ELI) de um modelo conceptual de referência explícito que possa fun- tações aos profissionais e famílias sobre as formas mais eficazes de melhorar os resultados
cionar como um orientador das suas práticas. da aprendizagem e promover o desenvolvimento das crianças em risco, com atrasos no seu
desenvolvimento ou deficiências. As designadas “práticas recomendadas” são um impor-
Para que tal seja possível torna-se necessário proporcionar aos profissionais de IPI forma- tante referencial a utilizar pelos profissionais e cuidadores, oferecendo orientações gerais
ção assente em referenciais que ilustrem as práticas recomendadas, complementada pelo que lhes permitam adotar uma abordagem que se baseie em evidências credíveis que con-
apoio de uma supervisão que acompanhe a intervenção dos profissionais, assegurando que tribuam para tomarem decisões informadas para orientar as suas práticas. A importância
as práticas de qualidade chegam às crianças e famílias na IPI. Uma formação e supervisão de os profissionais de IPI recorrerem a práticas baseadas em evidências é, aliás, enfatizada
de qualidade exigem, em primeiro lugar, a definição clara de um modelo conceptual co- ao longo de todo o Guia.
mum que ilustre e clarifique as práticas recomendadas e congregue o consenso do ponto
de vista dos diversos intervenientes. Este, ao ser disponibilizado a todos os agentes envolvi- No domínio da IPI, as práticas baseadas na evidência representam um processo de tomada
dos no sistema de intervenção precoce na infância, poderá vir a servir como um pilar para de decisão que integra as evidências mais credíveis da investigação com os conhecimentos
a intervenção com as crianças e famílias e para a formação e supervisão a providenciar no e valores dos profissionais e das famílias (Buysse & Wesley, 2006).
âmbito da IPI.
Seguindo esta linha de pensamento, na conceção do presente guia foram consideradas
É neste contexto e com este objetivo que surge a possibilidade de disponibilizar um referencial e integradas diferentes fontes de evidência: para além da investigação e literatura inter-
comum orientador das práticas dos profissionais, graças ao patrocínio da FCG, como acima nacionais sobre as práticas mais eficazes dos programas de IPI e das orientações políticas
referimos, no âmbito do Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor: “Práticas Recomendadas e legislativas de nível nacional, o Guia baseou-se ainda nas experiências práticas e valores
em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais”. Este projeto, que decorreu pessoais que foram partilhados por profissionais e famílias. Estes testemunhos de profissio-
entre outubro de 2014 e março de 2016, teve precisamente como objetivo fundamental pro- nais e famílias foram recolhidos ao longo do processo de elaboração do documento, através
mover, a nível nacional, práticas de qualidade em intervenção precoce na infância através do contacto com as equipas locais de intervenção (ELI) de todo o País, que foi mediado pelas
da elaboração de um guia para profissionais e da realização de ações de sensibilização suas subcomissões regionais. O produto da recolha destas vivências práticas teve um pa-
e de formação complementares à obra nas cinco regiões do País. Neste sentido foi concre- pel fundamental na orientação da própria conceção do Guia, tendo-a norteado no sentido
tizada uma plataforma de colaboração entre a ANIP, o Sistema Nacional de Intervenção de procurar que ele fosse ao encontro das necessidades e experiências partilhadas. Assim, em
Precoce (SNIPI), a Associação Pais-em-Rede, a Universidade de Aveiro e outras univer- diversas partes desta publicação aparecem testemunhos e exemplos vividos que procuram
sidades portuguesas com relevância na área da IPI (designadamente, as universidades
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA INTRODUÇÃO
Um guia para profissionais

24 25
ilustrar e complementar os conteúdos desenvolvidos, numa tentativa de conseguir uma con- profissional em IPI e, indiretamente, no processo de empowerment e capacitação das famí-
ciliação eficaz entre a teoria e a prática. lias e no bem-estar e desenvolvimento das crianças.

Este guia é composto por três partes distintas. A primeira parte é intitulada “Intervenção pre- O Guia contém ainda uma secção de Anexos, que reúne e apresenta de forma organizada
coce na infância: Dos neurónios ao contexto familiar e social” e pretende apresentar uma um conjunto de recursos úteis para monitorizar e melhorar a prática dos profissionais, orga-
visão global da IPI que sirva como porta de entrada para as partes II e III. A Parte I contém nizados em duas partes: Anexo A e Anexo B. O Anexo A compreende uma série de “Recursos
dois capítulos: Capítulo 1 – “A intervenção precoce na infância e a sua relevância na pro- bibliográficos” relevantes para quem pretende aprofundar pesquisas na área da IPI, elen-
moção do desenvolvimento”; Capítulo 2 – “Intervenção precoce em Portugal: Um processo cando livros e artigos publicados em português, sites on-line de referência, e ainda uma lista
em constante evolução”. Neles são desenvolvidos os principais fundamentos e referenciais de Bibliografia anotada, que apresenta breves resumos sobre a estrutura de conteúdos de
teóricos e conceptuais da IPI, destacando-se o papel fulcral das experiências precoces no obras de referência no panorama internacional da IPI. O Anexo B remete para o “Acervo
desenvolvimento humano, e é ainda explanada a evolução histórica da IPI e o quadro legal de instrumentos on-line”, que compila instrumentos de monitorização e apoio à prática dos
existente no nosso país. profissionais numa plataforma on-line, acessível a partir do endereço www.im2.anip.net.
A secção Anexos assume uma importância considerável, disponibilizando ao profissional
A segunda parte do Guia ocupa o maior espaço da publicação, integrando quatro capítu- uma série de recursos que são complementares à utilização do Guia e que contribuem para
los em que são apresentadas e desenvolvidas as “Práticas recomendadas em intervenção o seu melhor entendimento e aplicação na prática diária, incentivando deste modo a pes-
precoce na infância”. O capítulo introdutório desta Parte II, Capítulo 3 do Guia – “A aborda- quisa e aprofundamento dos conteúdos abordados.
gem centrada na família: Princípios orientadores para a intervenção precoce na infância” –,
apresenta os princípios teóricos que deverão orientar as práticas de IPI, de acordo com uma Na verdade, todo o Guia foi concebido em respeito pela premissa de que o profissional
abordagem centrada na família, baseada nos contextos naturais e recursos da comunidade de IPI precisa de ser um pensador, reflexivo, tem de tomar decisões e resolver problemas
e tendo por base uma equipa de funcionamento transdisciplinar. Descrevendo ainda as com- (McWilliam & Bailey, 1993). É sabido que o conhecimento dos princípios teóricos e das práti-
ponentes das práticas de ajuda eficaz dos profissionais, este capítulo introduz as principais cas recomendadas não é só por si suficiente para assegurar que os profissionais consigam
noções que são necessárias à compreensão do processo de operacionalização da IPI, de- aplicá-los de forma eficaz no seu trabalho diário junto de crianças, famílias e outros profis-
talhado no capítulo seguinte, Capítulo 4 – “O processo de intervenção centrada na família”. sionais. A reflexão, a auto-monitorização e a atitude crítica e questionadora dos profissionais
Neste quarto capítulo, toma-se o ciclo de avaliação e intervenção proposto por Simeonsson de IPI precisam de marcar presença constante no seu trabalho, mas o aperfeiçoamento
e colaboradores (1996) e as três componentes de ajuda eficaz (Dunst, 1998) como os refe- das práticas e a qualificação dos profissionais só será possível conciliando a frequência re-
renciais orientadores para a descrição das práticas recomendadas nos vários momentos gular de formação em serviço e de uma supervisão eficaz das práticas.
inerentes ao processo de IPI, desde a referenciação até à avaliação de resultados da in-
tervenção e transição. Com uma evidente componente prática, este capítulo integra vários Estamos perante um guia de práticas recomendadas e não de um manual de boas práticas.
excertos de testemunhos reais de famílias e profissionais, com o objetivo de ilustrar as práticas Isto significa que não se pretende que este guia seja um livro de receitas prontas a aplicar,
recomendadas (ou os desafios à sua implementação) e exemplos no final da descrição de mas sim um ponto de partida para a reflexão individual e em equipa, que leve à implemen-
cada um dos momentos do ciclo de intervenção, com tópicos para reflexão e com referência tação de práticas mais eficazes no contexto da IPI. É por essa razão que estão presentes,
às três componentes das práticas de ajuda eficaz. O Capítulo 5 denomina-se “Um sistema ao longo do Guia, exercícios e desafios lançados diretamente aos profissionais, para que
integrado de intervenção precoce na infância: Colaboração intersectorial e transdisciplinar” os possam pensar, resolver e integrar na sua prática diária. Dada a natureza diversificada
e tem como finalidade apresentar as práticas recomendadas e assentes num modelo cola- da intervenção precoce, constituída por famílias, serviços, contextos diversos e únicos, torna-
borativo para a organização de um sistema integrado de serviços e recursos em IPI, como -se impossível definir um conjunto claro de procedimentos a seguir ou uma fórmula simplista
alternativa às práticas sectoriais fragmentadas, de forma a viabilizar e a implementar uma para encontrar “a resposta certa”. Cada situação é única e nenhuma prática parece apro-
intervenção integrada e transdisciplinar. É, por isso, um capítulo útil não só para os profissio- priada ou eficaz para todas as crianças e famílias. Por isso não há boas nem más práticas
nais que trabalham nas equipas de intervenção mas também para outros profissionais com (McWilliam & Bailey, 1993).
responsabilidades no planeamento, na organização e coordenação de serviços relaciona-
dos com a IPI. Finalmente, o Capítulo 6 – “A avaliação de programas de IPI” – desenvolve Cada profissional deve considerar com muito cuidado as características únicas e as cir-
o tema da importância da avaliação em todos os patamares do sistema de IPI, desde o ní- cunstâncias que rodeiam cada criança e sua família e decidir o que é apropriado e eficaz,
vel da coordenação e colaboração intersectorial nacional e distrital até à avaliação das considerando as especificidades dos contextos. Aqui reside o grande desafio do trabalho em
práticas no terreno, como um fator de reflexão e de aperfeiçoamento constantes. Será esta intervenção precoce na infância: tomar decisões baseadas no conhecimento das evidências
avaliação que permitirá aferir o grau de implementação de práticas centradas na família e nas circunstâncias únicas que rodeiam cada criança e sua família, como forma de melhor
e a qualidade das práticas de intervenção de um determinado programa de IPI. responder às suas necessidades específicas.

A terceira parte do Guia, “Oportunidades de desenvolvimento profissional”, enfatiza a im- Acreditamos que este guia é um pequeno passo no caminho para a qualidade dos serviços
portância do desenvolvimento profissional para a prossecução da qualidade das práticas de intervenção precoce. É certamente um caminho longo, que talvez não tenha sequer um
de intervenção, descrevendo dois tipos de oportunidades de desenvolvimento profissional: fim, pois como nos diz Bissel (n.d.): “O apoio centrado na família não é nem um destino nem
a formação e a supervisão. No Capítulo 7 – “Formação: Construindo conhecimentos, com- algo que possamos alcançar de um minuto para o outro, é uma busca contínua e incessante
petências e atitudes para melhor intervir” – apresentam-se as práticas recomendadas para pela capacidade de responder às prioridades e escolhas das famílias”.
o desenvolvimento e implementação da formação no domínio concreto da IPI, nos seus dife-
rentes níveis (inicial, especializada e contínua). No Capítulo 8 – “Supervisão: Para uma relação
de confiança e promotora do desenvolvimento” – descrevem-se os princípios, os processos
e as características de uma supervisão técnica eficaz em IPI, isto é, uma supervisão reflexi-
va, que se constitui efetivamente como uma força no apoio e promoção ao desenvolvimento
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

26

Intervenção precoce na infância:


Dos neurónios ao contexto familiar
e social

PARTE I
Capítulos:
1 A intervenção precoce na infância
e sua relevância na promoção
do desenvolvimento

2 Intervenção precoce em
Portugal — Um processo em
constante evolução

Toda a teoria deve ser feita para poder


ser posta em prática, e toda a prática
deve obedecer a uma teoria (…). Na vida
superior, a teoria e a prática completam-
-se. Foram feitas uma para a outra.

Fernando Pessoa, 1926


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais

28 29

INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA:


DOS NEURÓNIOS AO CONTEXTO
FAMILIAR E SOCIAL

Como já foi anteriormente referido, é objetivo primordial desta publicação disponibilizar um


guia orientador de apoio aos profissionais numa vertente eminentemente prática. Mas não
podemos pensar que há práticas ou intervenções de qualidade sem que as mesmas sejam
suportadas de forma coerente por um quadro conceptual e um corpo teórico de referência.
Como nos disse Fernando Pessoa (1926): “Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta
em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria (…). Na vida superior, a teoria e a
prática completam-se. Foram feitas uma para a outra.” (p. 2).

Assim, na Parte I deste guia apresenta-se uma visão global da intervenção precoce na in-
fância (IPI), destacando-se os seus fundamentos, referenciais teóricos e conceptuais, a sua
evolução histórica e, ainda, o quadro legal existente no nosso país. É a “porta de entrada”
para as secções seguintes, partes II e III, nomeadamente para as práticas recomendadas
em intervenção precoce.

No Capítulo 1 pretende-se tornar claro o que se entende por IPI, quais são os seus objetivos e,
por sua vez, porque é importante intervir precocemente, considerando o papel determinante
do desenvolvimento precoce e das interdependências entre fatores biológicos e ambien-
tais. Detalham-se os fundamentos neurobiológicos da IPI, o papel crucial das experiências
precoces, dos ambientes de aprendizagem e das relações e padrões de interação, nomea-
damente o papel central da família no desenvolvimento da criança, bem como algumas
das evidências que sustentam estes fundamentos.

De uma forma breve, relacionam-se os fundamentos e os principais modelos teóricos que


suportam as práticas recomendadas em IPI, destacando-se as perspetivas sistémica, bioe-
cológica, transacional (Bronfenbrenner & Morris, 1998; Guralnick, 2005; Sameroff, 2010;
Sameroff & Fiese, 2000) e a abordagem centrada na família (Dunst, Trivette, & Deal, 1988).

Como nos diz Guralnick (2013), os modelos sistémicos, nomeadamente a abordagem desen-
volvimental sistémica, têm contribuído para uma compreensão dos mecanismos subjacentes
da IPI e do seu impacto a nível individual, familiar e social. Por sua vez, tem permitido a de-
finição de linhas orientadoras para promover uma maior coerência, consistência e eficácia
das práticas de intervenção precoce e que são hoje consensuais no plano internacional.
Estas linhas orientadoras refletem-se não apenas no trabalho direto dos profissionais e das
equipas com as famílias e crianças, como também, inevitavelmente, na definição de políti-
cas e nos modelos organizativos dos sistemas e serviços de IPI.

Uma breve alusão à evolução da IPI e uma exposição do modelo legal do Sistema Nacional
de Intervenção Precoce (SNIPI), no Capítulo 2, completam o enquadramento da IPI.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais

30 31

1
Embora esta secção tenha uma forte componente teórica, o facto de estarmos perante um
guia, e não um manual, leva a que os temas sejam aqui abordados de uma forma sucinta,
podendo os leitores, caso desejem o seu aprofundamento, recorrer às Referências biblio-
gráficas e à Bibliografia anotada que constam no final da publicação. A INTERVENÇÃO PRECOCE
NA INFÂNCIA E SUA
RELEVÂNCIA NA PROMOÇÃO
DO DESENVOLVIMENTO

1.1 O QUE É A INTERVENÇÃO


PRECOCE NA INFÂNCIA (IPI)?

Os programas de intervenção precoce surgiram nos anos 1960 nos Estados Unidos da América,
inicialmente com uma filosofia idêntica à dos programas de educação compensatória para
crianças em desvantagem social, tais como o Head Start (Pinto, Grande, Felgueiras, Almeida,
Pimentel, & Novais, 2009), alargando-se depois às crianças com deficiências. Estes serviços
e práticas, designados como modelos de primeira geração, de cariz biomédico e terapêu- 1ª geração de
tico, geralmente decorriam em estruturas especializadas e tinham como alvo crianças com programas
diferentes problemáticas. Centrados na criança, estes programas tinham como objetivo evitar de IPI
o agravamento dos défices, atenuá-los ou mesmo eliminá-los, numa abordagem monodis-
ciplinar (Bairrão & Almeida, 2003).

A conceptualização e operacionalização dos modelos e práticas de intervenção precoce


na infância foram sofrendo uma evolução substancial decorrente dos progressos científicos
e da investigação nos domínios das ciências do desenvolvimento, das ciências da educação,
das ciências sociais e áreas afins. A fundamentação que veio fornecer um quadro conceptual
às práticas de IPI surgiu no final da década de 70, sobretudo através das propostas teóricas
do modelo ecológico-sistémico e bioecológico (Bronfenbrenner, 1979, 1986; Bronfenbrenner 2ª geração de
& Morris, 1998, 2007) e da perspetiva transacional (Sameroff, 1983; Sameroff & Chandler, programas
de IPI
1975). Surge assim, durante a década de 80, o modelo de IPI de segunda geração, no qual
as práticas não se centram exclusivamente na criança com problemas, alargando-se a in-
tervenção à família e comunidade. Foi aqui decisivo o contributo das teorias de Dunst que,
fundamentadas em evidências científicas, vieram sublinhar o papel determinante que o apoio
social e o protagonismo da família e das redes sociais de apoio existentes na comunidade
têm na promoção do desenvolvimento da criança e no fortalecimento das competências
e autoconfiança dos pais (Dunst, Trivette, & Deal, 1988).

Assim, em 1985, Dunst definiu intervenção precoce como “uma forma de apoio prestada pe-
los membros de redes sociais de suporte formal e informal, dirigidas às famílias de crianças
em idades precoces (…) e que vai ter um impacto direto e indireto sobre o funcionamen-
to dos pais, da família e da criança” (p. 179). Esta definição, na altura inovadora, obedece
a um novo paradigma de promoção de competências, ou seja, assente em “modelos de pro-
moção, capacitação, parceria, baseados nas forças e nos recursos e centrados na família”,
colocando esta num papel central na tomada de decisões.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 1 — A intervenção precoce na infância e sua relevância na promoção do desenvolvimento

32 33

3ª geração de É já em 1990 que surge aquela que Dunst designa como a terceira geração de programas O objetivo é pois que a família, a comunidade e os profissionais sejam capazes de
programas de IPI, que tem como pano de fundo as práticas de ajuda centradas na família e que englo- proporcionar relações, experiências e o apoio de que as crianças necessitam para o
de IPI ba os seguintes elementos fundamentais (Dunst, 2000; Pinto et al., 2009): desenvolvimento de competências funcionais, de forma a permitir a sua participação sig-
nificativa nesses ambientes (Moore, 2012).
• As oportunidades de aprendizagem da criança;
• O apoio às competências dos pais;
Esta mudança implica que os profissionais de IPI substituam uma lógica de práticas centra- Da
• O enfoque nos recursos da família e da comunidade. das nos serviços por uma abordagem de práticas centradas na família e que, por sua vez, abordagem
centrada nos
contribuam para uma mudança na forma de pensar das próprias famílias. De facto, numa serviços à
Os conceitos e as práticas preconizadas por estes programas de terceira geração, enqua- abordagem centrada nos serviços as famílias são encorajadas a pensar que são os especia- abordagem
listas quem melhor pode ajudar o seu filho, ao trabalhar diretamente com ele. Pelo contrário, centrada
drados conceptualmente pelas teorias de Dunst, irão ser aprofundados na Parte II deste guia. na família
nesta abordagem centrada na família e na comunidade, as famílias irão considerar que
a aprendizagem do seu filho ocorre em ambientes naturais, sendo promovida pelo trabalho
Chegamos assim às definições mais atuais de IPI, de entre as quais selecionámos duas que
colaborativo da equipa de IPI, da qual ela própria, família, faz parte (Moore, 2012).
aqui apresentamos.

“IPI é um conjunto de serviços/recursos para crianças em idades precoces e suas famí-


lias, que são disponibilizados quando solicitados pela família, num certo período da vida

1.2
da criança, incluindo qualquer ação realizada quando a criança necessita de apoio es-
pecializado para: PORQUE É IMPORTANTE
• Assegurar e incrementar o seu desenvolvimento pessoal;
INTERVIR PRECOCEMENTE?
• Fortalecer as autocompetências da família;
• E promover a sua inclusão social.
Como veremos a seguir, os progressos dos conhecimentos científicos sobre o desenvolvimento
Estas ações devem ser realizadas no contexto natural das crianças, preferencialmente precoce, as suas bases neurobiológicas, o papel das experiências precoces e das intera-
a nível local, com uma abordagem em equipa multi-dimensional orientada para a família.” ções da criança com o seu meio ambiente têm sido um fator de peso no incremento da IPI.
(European Agency for Development in Special Needs Education, 2005, p. 17). Há hoje fortes evidências de que aquilo que acontece nos primeiros anos pode ter efeitos
determinantes ao longo da vida (Shonkoff, 2009). Corresponde a um período, do ponto de
vista neurobiológico, em que a criança se encontra particularmente maleável e “recetiva”
“A intervenção precoce consiste nas experiências e oportunidades do dia-a-dia propor-
para que mudanças, tanto no bom como no mau sentido, se possam operar no seu desen-
cionadas aos bebés e crianças até ao Pré-Escolar pelos seus pais e outros prestadores
volvimento global.
de cuidados, no contexto das atividades de aprendizagem que ocorrem naturalmente
na vida das crianças e que promovem as suas aquisições e a utilização de competências
comportamentais, moldando e influenciando as interações pró-sociais com pessoas e ma- Como nos dizem Shonkoff e Phillips (2000, p. 32): “O curso do desenvolvimento pode ser al-
teriais.” (Dunst, Raab, Trivette, & Swanson, 2010, p. 62) terado em idades precoces através de intervenções eficazes que mudem o equilíbrio entre
risco e proteção, alterando as desvantagens a favor de melhores resultados na adaptação”.

Estes autores realçam que ao conceptualizar a participação nos contextos de atividade diá-
ria como um tipo de intervenção estamos a contribuir para incrementar as oportunidades
de aprendizagem das crianças, ao contrário do que sucede quando consideramos esses
contextos como os cenários onde os profissionais intervêm (Dunst et al., 2010).

Promover a
competência
e a confiança
Do conjunto das definições acima apresentadas, com realce para a de Dunst e colaborado-
res, ressalta que o objetivo primordial da IPI é o de promover a competência e a confiança
nos adultos significativos para a criança, numa lógica de prestação de apoio e não como um
1.2.1 FUNDAMENTOS NEUROBIOLÓGICOS
DO DESENVOLVIMENTO
nos adultos
significativos mecanismo de prestação de serviços. Dunst (2012) salienta esta ideia de uma abordagem
na vida de IPI enquanto criação de oportunidades de aprendizagem com a finalidade de influen-
da criança
“De pequenino se torce o pepino”
ciar o comportamento e o desenvolvimento das crianças, contrastando-a com as conceções
anteriores, nas quais a IPI era sobretudo encarada como um conjunto de serviços prestados
a crianças e famílias por profissionais qualificados. Também Guralnick (2008) sublinha que
Corroborando esta convicção popular, a evidência científica estabelece uma base empírica
o objetivo central da intervenção precoce é contribuir para o fortalecimento das famílias,
sólida que demonstra a importância dos primeiros anos no estabelecimento da aprendiza-
de modo a optimizar os padrões de interação familiares.
gem ao longo da vida. Não deixa de ser curioso que uma explosão de investigação rigorosa
Promover que em neurociências, desenvolvida ao longo das últimas décadas e séculos de senso comum,
os ambientes Esta evolução de filosofia e de práticas em IPI envolve uma mudança importante no pen-
convirja de forma notável nos princípios básicos subjacentes ao desenvolvimento humano
onde a samento dos profissionais que atuam nesta área e, por conseguinte, na sua formação
criança está
nos primeiros anos de vida.
e desenvolvimento profissional, passando de agentes de intervenção direta junto da crian-
envolvida
ça para o reconhecimento de um novo papel que será o de promover que os ambientes nos
funcionem
como agentes quais a criança está envolvida e participa funcionem eles mesmos como agentes de mudan-
de mudança ça. Esta é uma visão muito mais ecológica, como se depreende.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
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34 35

NEUROPLASTICIDADE O desenvolvimento da arquitetura cerebral estabelece-se muito precocemente na vida


através de um contínuo de interações dinâmicas nas quais o ambiente e as experiências
A base racional para a intervenção precoce em crianças com perturbações do seu neurode- pessoais têm impacto na forma como as predisposições genéticas se expressam (Post &
Weiss, 1997; Fox, Levitt, & Nelson, 2010). A interação
senvolvimento está intrinsecamente ligada ao conceito de plasticidade neuronal (Johnston, entre genes
Nishimura, Harum, Pekar, & Blue, 2001). e ambien-
Desta forma, a velha ideia de que os genes e a sua influência são imutáveis e que por si te contribui
para o desen-
A neuroplasticidade tem a ver com a capacidade de o sistema nervoso, aos níveis só determinam todo o desenvolvimento está posta de lado (Meaney, 2010). A investigação volvimento
celular, metabólico ou anatómico, se modificar através da experiência. Esta capaci- mostra que fatores ambientais, particularmente no período pré-natal e pós-natal preco- estrutural e
ce, provocam alterações químicas na estrutura dos genes, não alterando o código genético funcional do
dade varia ao longo do tempo, sabendo-se que é tanto maior quanto mais nova é a cérebro
criança (Nelson, 2000). mas a forma como os genes se expressam. Este fenómeno é designado por modificação
epigenética e explica, em parte, a influência das experiências negativas ou positivas no de-
senvolvimento cerebral (Meaney, 2010; Szyf, 2009).
A neuroplas- Para além da fase da vida, a neuroplasticidade também varia de indivíduo para indivíduo
ticidade está e é diferente de acordo com o sistema neuronal. Porque experiências específicas afe-
na base do Fatores de stress que ocorrem tão cedo como o período fetal podem ter efeitos adversos
tam circuitos cerebrais específicos, durante etapas de desenvolvimento determinadas é
racional da de longa duração, tal como um ambiente “rico” e positivo pode ter um impacto benéfico
IPI fundamental tirar partido dessas oportunidades precoces de aprendizagem. Ou seja, a qua-
e duradouro (Nelson, 2000).
lidade do ambiente em que a criança vive e a disponibilidade das experiências adequadas,
nos momentos certos do desenvolvimento, podem ser cruciais na determinação da força ou
fraqueza da função e estrutura cerebrais.
PERÍODO CRÍTICO
A Figura 1.1 mostra a forma como à medida que o cérebro se torna mais especializado para
assumir funções cada vez mais complexas, vai perdendo alguma capacidade de se reor-
Os primeiros três anos de vida de uma criança constituem um período de sensibilidade ex-
ganizar e adaptar. A diminuição da plasticidade cerebral ao longo do tempo significa que é
cecional às influências ambientais, designado como período crítico ou sensível, representa
mais fácil e eficaz influenciar o desenvolvimento da arquitetura cerebral de um bebé do que
uma verdadeira janela de oportunidade para “aprender” e assume um papel determinante
mais tarde ou na idade adulta (Center on the Developing Child at Harvard University, 2015). O perío-
na modelagem da estrutura e função do cérebro (Fox, Levitt, & Nelson, 2010). do crítico é
uma janela
de oportu-
FIGURA 1.1   Redução da capacidade de modificação do cérebro e do comportamento ao Assim, o período crítico corresponde a uma etapa maturacional durante a qual algumas nidade para
                      longo do tempo experiências cruciais terão o seu máximo efeito no desenvolvimento ou aprendizagem aprendizagem
de determinada competência ou comportamento. A exposição à mesma experiência mui-
to para além deste período terá um efeito reduzido ou mesmo ausência de efeito, podendo
ter-se perdido definitivamente a capacidade de promover grandes mudanças na conetivi-
dade neuronal (Mundkur, 2005).

Segundo Hall (2005), a natureza fixa ou rígida dos períodos críticos tem sido questionada
por alguns neurocientistas, que salientam que a correlação entre período crítico e aprendi-
zagem máxima está apenas comprovada para o sistema sensorial.

O desenvolvimento da visão, audição, linguagem e respostas a estímulos sociais são exemplos


da forma como a experiência interfere fortemente no desenvolvimento de circuitos neuro-
nais nesta fase tão importante da vida (Knudsen, 2004).

O processo de desenvolvimento do bebé decorre num contínuo e desde a fertilização do óvu-


lo até ao nascimento de um recém-nascido imaturo mas já altamente diferenciado há uma
Fonte de dados: Levitt, P. (2009). Fonte: Center on the Developing Child at Harvard University. Core concepts in the science of sequência complexa, simultaneamente determinada por regulação genética e influencia-
early childhood development. http://www.developingchild.harvard.edu. Traduzido e reproduzido com permissão do autor. da pelo ambiente intrauterino. A diferenciação do sistema nervoso humano inicia-se muito
precocemente, pelo 16º dia de gestação, e passa pelo desenvolvimento, encerramento e dife-
renciação do tubo neural. Várias interferências negativas podem acontecer ao longo de toda
a gestação, associando-se a diferentes lesões e malformações do sistema nervoso. Entre as
mais frequentes contam-se aquelas que resultam de exposição a radiações ou tóxicos, infe-
GENES E AMBIENTE ções pré-natais, doenças genéticas ou malnutrição materna (Anastasiow, 1990; Nelson, 2000).

A investigação em neurociências tem posto em evidência a forma como a interação entre


genética e experiências precoces cria uma base para o neurodesenvolvimento e compor-
tamento subsequentes. NEURÓNIOS E SINAPSES

Em contraste com o cérebro adulto, o cérebro em desenvolvimento possui uma redundância


inicial de neurónios, que funciona como reserva neurológica contra possíveis lesões (Anastasiow,
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Um guia para profissionais Capítulo 1 — A intervenção precoce na infância e sua relevância na promoção do desenvolvimento

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1990). Os neurónios são o principal tipo de células do sistema nervoso e podem ser conside- competência é construída sobre as competências anteriores (Center on the Developing Child
rados a unidade básica da sua estrutura. Os neurónios em maturação diferenciam-se pelo at Harvard University, 2015).
A redundância crescimento de prolongamentos em forma de ramos de árvore, designados por axónios e
de neurónios e arborizações dendríticas, que recebem sinais elétricos e estabelecem a ligação com outros
sinapses está
Em suma, o processo de neuromaturação é altamente complexo e envolve uma série de pas- A poda sináp-
na base da neurónios através de estruturas chamadas sinapses (Letourneau, 2008). sos geneticamente regulados de acordo com uma programação precisa, mas influenciada tica melhora
neuroplastici- por fatores ambientais intra e extrauterinos (Figura 1.2). As etapas mais precoces envol- a eficácia do
dade funcionamen-
O processo de proliferação de sinapses é designado por sinaptogénese e está na origem vem formação e migração de neurónios e células gliais, diferenciação celular, formação to cerebral
do desenvolvimento dos circuitos nervosos e, dessa forma, de toda a rede neuronal. e estabilização de sinapses, mielinização, morte celular programada e desativação de si-
napses em excesso, também designada por poda sináptica (Letourneau, 2008).
No cérebro imaturo há um desenvolvimento excessivo de neurónios e sinapses, muitos
dos quais serão eliminados ao longo do processo de maturação (Letourneau, 2008). Esta
aparente redundância neuronal e sináptica está na base da neuroplasticidade (Greenough, FIGURA 1.2   O cérebro desenvolve-se hierarquicamente dos circuitos básicos para os
                        mais complexos
Black, & Wallace, 1987).

A conexão sináptica precoce, tal como a maioria dos processos subjacentes à maturação
do sistema nervoso, é geneticamente programada, com três quartos do desenvolvimento
cerebral a efetuar-se entre os dois meses e os dois anos.

Há dois tipos de sinapses: um primeiro designado por “sinapses expectantes de expe-


riência”, que proliferam rapidamente em todos os sistemas, preparando o cérebro para
as experiências próprias da espécie. A ativação sináptica leva à sua estabilização. As sinap-
ses não utilizadas em tempo útil são “desativadas”, em muitas situações de forma irreversível
(Letourneau, 2008). Um exemplo e consequência prática deste processo é o aparecimento
de ambliopia, ou seja, perda de visão num dos olhos, em crianças estrábicas não tratadas
até aos quatro anos. A eliminação pelo cérebro de uma das duas imagens e a consequente
não utilização de um dos olhos, perfeitamente normal à nascença, num período de plastici-
dade do sistema visual, leva à sua desativação. A cegueira resulta da organização anormal Fonte dos dados: Nelson, C. (2000). Fonte: Center on the Developing Child at Harvard University. Core concepts in the science of
early childhood development. http://developingchild.harvard.edu. Traduzido e reproduzido com permissão do autor.
do padrão sináptico pela ausência de ativação pela experiência.

Um segundo tipo de conexões não programadas pelos genes designa-se por “sinapses de-
pendentes da experiência” e estabelecem-se através de novas atividades e experiências,
do treino ou ainda de forma compensatória na sequência de lesão cerebral (Letourneau, 2008).
ESTUDOS EM ANIMAIS
Outros aspetos importantes da maturação do sistema nervoso sensíveis à estimulação incluem
Donald Hebb, em 1947, descobriu que ratos criados como animais de estimação tinham me-
a proliferação e migração das células gliais (células de suporte metabólico dos neurónios)
lhores capacidades de resolução de problemas do que ratos criados em pequenas jaulas.
e a mielinização ou isolamento dos axónios, com uma camada protetora que torna mais
Só nos anos 60 é que se iniciou investigação em cérebros de animais criados em diferentes
eficaz a comunicação entre neurónios (Letourneau, 2008). A mielina (substância isolante
ambientes.
constituída por lipídeos e proteínas que melhora a velocidade de condução dos impulsos
elétricos) é produzida por um tipo específico de células gliais, as células de Schwann. Apesar
de a mielinização se iniciar no período pré-natal e continuar até à terceira década de vida, Muito do que hoje se sabe sobre o impacto das experiências precoces na arquitetura cere-
é mais significativa ao longo do primeiro ano. As experiências sensoriais, a estimulação e bral tem na sua origem estudos sobre situações de privação e enriquecimento de estímulos
a exposição à linguagem durante os primeiros anos podem determinar a sinaptogénese, realizados com animais, nomeadamente ratos e macacos.
mielinização e conetividade neuronal, e desta forma influenciar o neurodesenvolvimento de
uma criança (Volpe, 1995). Fatores de risco como a malnutrição materna durante a gravidez Os cérebros de animais expostos a ambientes enriquecidos foram comparados, em termos
e malnutrição da criança, principalmente no primeiro ano de vida, podem implicar altera- funcionais, metabólicos e histológicos, com os de animais que viviam em ambientes de pri-
ções significativas no processo de mielinização cerebral (Volpe, 1995). vação (Krech, Rosenzweig & Bennett, 1960; Rosenzweig, Krech, Bernnet, & Diamond, 1962;
Altman & Das, 1964; Diamond, Krech, & Rosenzweig, 1964).
A Figura 1.2 mostra como os cérebros se constroem de forma hierárquica, de baixo para
cima (bottom up), partindo dos circuitos mais simples para os circuitos mais complexos. As grandes diferenças encontradas em ambientes enriquecidos incluem:
As vias sensoriais, como as relacionadas com visão e audição precoces, são as primeiras Os estudos
• Córtex cerebral mais espesso, com aumento do número de sinapses (Wallace, Kilman, animais de
a desenvolverem-se, seguidas das competências linguísticas precoces e, posteriormente
Withers, & Greenough, 1992); manipula-
das funções cognitivas superiores. ção ambiental
• Aumento significativo da complexidade e comprimento das arborizações dendríti- ajudam a com-
As ligações neuronais proliferam e desaparecem segundo uma programação definida ge- cas (Kozorovitskiy et al., 2005); preender o
efeito do am-
neticamente, no entanto as experiências afetam o tipo de circuitos formados, estabelecendo • Aumento do tamanho e da ativação das sinapses e do consumo energético (Sirevaag biente no
se os mesmos são fortes ou fracos. O cérebro nunca é uma tábua rasa, pois cada nova & Greenough, 1987); desenvolvi-
mento
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
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• Maior vascularização, com aumento da densidade e espessura dos capilares de uma criança de três anos saudável, com um perímetro craniano no percentil 50. A ima-
(Borowsky & Collins, 1989); gem à direita é do cérebro de uma criança com a mesma idade, sujeita a negligência global
durante a primeira infância. O cérebro é significativamente menor do que a média e tem um
• Aumento do número e volume de células gliais por neurónio e aumento do número
desenvolvimento anormal do córtex cerebral (atrofia cortical) e outras anomalias, sugerindo
das mitocôndrias (organelos celulares produtores de energia) (Diamond et al., 1966).
um anormal desenvolvimento cerebral (Perry, 2002).

Em termos comportamentais, os animais criados em ambientes mais estimulantes apren- Crianças expostas nos primeiros anos de vida a ambientes de violência e ameaça permanente
deram a resolver problemas de forma mais expedita e apresentavam melhores padrões (expostas ao designado stress tóxico) apresentam níveis elevados de cortisol e um corres-
de sono e de saúde. Para além disso, a recuperação bioquímica do cérebro após altos ní- pondente aumento de atividade no locus ceruleus, estrutura cerebral envolvida na vigilância
veis de atividade era mais rápida. e alerta. Mais tarde, reagem ao menor nível de stress com comportamentos impulsivos, agi-
tados e de pânico (Perry, Pollard, Blakley, Baker, & Vigilante, 1995).
Os animais criados em isolamento evidenciavam inibição e reduzidas capacidades explo-
ratórias, pobres padrões de sono e atividade sexual, comportamentos bizarros e elevados
níveis de stress. Estes padrões desviantes de comportamento, uma vez estabelecidos, eram FIGURA 1.3   Impacto da negligência no desenvolvimento do cérebro
difíceis de reverter (Anastasiow, 1990; Baroncelli et al., 2010).

Dois achados adicionais relevantes recolhidos da investigação animal incluem (Greenough,


1978):
1o — Os efeitos do ambiente na estrutura cerebral eram tanto maiores quanto mais
jovem era o animal;
2o — Os animais aos quais tinham sido provocadas lesões cirúrgicas no cérebro re-
cuperavam mais em ambientes enriquecidos.

ESTUDOS EM HUMANOS

Em humanos, por razões óbvias, a investigação que necessita de estudos histológicos é limi-
tada. No entanto, estudos de autópsia após acidentes de viação deixam clara uma relação Fonte: Perry, B.D. (2002). Childhood experience and the expression of genetic potential: What childhood neglect tells us about
direta entre o nível educacional e a complexidade da rede dendrítica e sináptica (Jacobs, nature and nurture. Brain and Mind 3: 79-100. Traduzido e reproduzido com permissão do autor.

Schall, & Scheibel, 1993).

Sabemos hoje que as primeiras experiências de um bebé têm grande influência no curso do Aprender a lidar com níveis de stress ligeiros ou moderados constitui tarefa importante num
seu futuro desenvolvimento emocional, intelectual e físico. As crianças desenvolvem-se num processo de desenvolvimento saudável. No entanto, se a resposta da criança à situação
ambiente de relações que geralmente se iniciam no seio da família. causadora de stress é extrema, de longa duração e se as relações de suporte não estão
disponíveis, o resultado pode ser o que é designado como stress tóxico e se associa a siste-
mas corporais e arquitetura cerebral enfraquecidos, com repercussões duradouras na vida
O processo de criação de laços entre a criança e a família é facilitado com base em inte-
da criança (National Scientific Council on the Developing Child [NSCDC], 2014).
rações carinhosas, estimulantes e consistentes. Este processo de ligação, designado como
vinculação segura com os adultos próximos, geralmente os pais, leva ao desenvolvimento
A exposição de empatia, confiança e bem-estar. Outros estudos deixam claro o impacto do ambiente no desenvolvimento e comportamento
precoce a humanos, nomeadamente os realizados em crianças do leste europeu a viver em orfanatos
stress e maus em ambientes de extrema privação ambiental, com reduzida interação social. Estas crianças
tratos vai Em contraste, um ambiente empobrecido, negligente ou abusivo pode originar dificuldades
afetar ne- evidenciavam atrasos severos no seu desenvolvimento social e cognitivo (Kaler & Freeman,
gativamente
no desenvolvimento da empatia, na aprendizagem da regulação das emoções ou no desen- 1994). Doze por cento destas crianças, se adotadas após os seis meses de idade, apresenta-
o desen- volvimento de competências sociais, o que pode levar a um risco aumentado de problemas vam traços autistas aos quatro anos. A recuperação era maior nas crianças adotadas antes
volvimento de saúde mental, dificuldades relacionais, comportamento antissocial e agressividade.
emocional dos seis meses (Beckett et al., 2006; Windsor, Glaze, & Koga, 2007). Algumas crianças mos-
travam ainda diferenças marcadas nos cérebros, envolvendo córtex pré-frontal, amígdala,
Situações precoces de exposição a medo e stress desencadeiam respostas neuroquími- hipocampo, córtex temporal e tronco cerebral (Chugany et al., 2001; Eluvathingal et al., 2006).
cas anormais que vão contribuir para uma arquitetura cerebral distorcida. O trauma eleva
as hormonas do stress, nomeadamente o cortisol, resultando numa redução significativa Outra fonte de evidência da relação entre o ambiente e o desenvolvimento do sistema ner-
do número de sinapses e alterações nas áreas cerebrais relacionadas com as emoções, vi- voso central é a resiliência cerebral de acordo com o nível de educação de um indivíduo.
síveis em estudos de imagem cerebral. Em casos extremos, os cérebros de crianças vítimas Múltiplos estudos mostram que quanto mais atividade cognitivamente exigente e maiores
de maus tratos são significativamente mais pequenos do que a norma e o sistema límbico, níveis educacionais menores são os efeitos do envelhecimento (Corral, Rodríguez, Amenedo,
que regula as emoções, pode ter reduções de 20-30% (Gunnar & Donzella, 2002). Sánches, & Díaz, 2006), da demência (Baroncelli et al., 2010; Hall et al., 2007), dos enfartes
cerebrais (Elkins et al., 2006), da doença de Alzheimer (Baroncelli et al., 2010; Koepsell et
A Figura 1.3 ilustra de forma inequívoca o impacto da negligência no cérebro em desen-
volvimento. A tomografia axial computadorizada (TAC) da esquerda representa o cérebro
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 1 — A intervenção precoce na infância e sua relevância na promoção do desenvolvimento

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1.2.2 PERSPETIVA BIOECOLÓGICA E SISTÉMICA


al., 2008; Roe et al., 2008) e da lesão traumática (Kesler, Adams, Blasey, & Bigler, 2003) na
função cerebral.
DO DESENVOLVIMENTO
Refletir sobre o desenvolvimento de crianças com necessidades especiais ou em risco de
RELEVÂNCIA DOS CONHECIMENTOS NEUROBIOLÓGICOS atraso de desenvolvimento implica em primeiro lugar ter em conta a forma como se pro-
PARA A IPI cessa o desenvolvimento das crianças em geral.

Os mecanismos do neurodesenvolvimento estão “formatados” para incorporar um amplo “… Aquilo em que a criança se transforma não é uma função apenas da criança, nem
espectro de experiências na arquitetura cerebral em desenvolvimento. Os estudos em ani- apenas da sua experiência, mas o produto da combinação do indivíduo e da sua expe-
A evidência mais deixam este facto inequivocamente claro e não há qualquer razão para esperar que riência. O modelo transacional considera a criança inserida num ambiente de interações
científica deve nos humanos, tão preparados para a aprendizagem e a adaptação, haja menor sensibili-
contribuir sociais que irá potenciar algumas características precoces e minimizar outras.” (Sameroff
para o desen- dade do cérebro ao efeito da experiência. & Mackenzie, 2003, p. 16)
volvimento de
politicas ino-
vadoras de IPI É hoje cada vez mais claro que o sucesso de estratégias de intervenção precoce na crian-
ça se deve em grande parte à plasticidade neuronal. Há, contudo, necessidade de uma
maior sinergia entre os avanços da neurociência e a formulação de políticas inovado- CONTRIBUTOS DOS MODELOS DO DESENVOLVIMENTO
ras, com o objetivo de melhorar o futuro de crianças expostas à adversidade significativa
(Shonkoff & Levitt, 2010). Foram vários os autores que conceptualizaram o processo de desenvolvimento no âmbito
das perspetivas ecológicas e bioecológicas e é o seu pensamento que, desde a década de
Toda a evidência neurobiológica sobre o efeito do ambiente no desenvolvimento e matura- 80 do século passado, tem vindo a servir de quadro conceptual de referência à prática da
Modelo eco-
ção do sistema nervoso central coloca sobre a IPI a responsabilidade de melhorar o contexto IPI. De entre estes, salientamos como um dos mais relevantes Bronfenbrenner com o seu mo- lógico e
de vida das crianças elegíveis. Este enriquecimento ambiental faz-se através do apoio às delo ecológico do desenvolvimento (1979, 1986) e, mais tarde, com o modelo bioecológico bioecológico
famílias, nomeadamente no desenvolvimento de capacidades e competências, na identifi- (Bronfenbrenner & Morris, 1998, 2007). O grande contributo deste autor reside, essencial- do desenvolvi-
mento
cação e coordenação de recursos da comunidade que deem resposta às necessidades da mente, na forma como alargou a compreensão do desenvolvimento e dos fatores que o
criança, no alívio do stress, na melhoria do bem-estar e consequentemente nos padrões de influenciam, para além do processo interativo entre a criança e os prestadores de cuidados,
interação pais-filhos (Shonkoff & Levitt, 2010). ao sistema alargado de inter-relações entre os vários contextos em que criança e família se
situam, operacionalizando estes contextos num sistema hierárquico e inter-relacionado. Mais
Sintetizam-se algumas das razões pelas quais se torna importante intervir precocemente: tarde, aperfeiçoou ainda este modelo chamando a atenção para a importância das carac-
terísticas biológicas, psicológicas e do comportamento da pessoa em desenvolvimento no
sistema ecológico, recolocando as interações da pessoa com os elementos do seu contexto
1. A extraordinária influência que as primeiras experiências têm na arquitetura cere-
imediato no centro do processo e salientando o papel que os indivíduos desempenham na
bral transforma os primeiros anos de vida de uma criança simultaneamente numa
modificação dos contextos nos quais participam.
grande oportunidade e numa grande vulnerabilidade para o neurodesenvolvimento;
2. Apesar da importância dos genes, não há um pré-determinismo genético mas sim Outro autor com grande influência na prática da IPI é Sameroff. O seu modelo transacional
Modelo
uma interação dinâmica entre genes e ambiente, constituindo ambos fonte de po- (Sameroff, 1983; Sameroff & Chandler, 1975) propõe uma visão inovadora do desenvolvi- transacional
tencial e crescimento, assim como de risco e disfunção; mento ao atribuir a mesma importância tanto aos efeitos da criança sobre o meio como aos
efeitos do meio na criança, pelo que as características da criança podem ser determinantes
3. Há uma base neurobiológica relacionada com a plasticidade neuronal e com os
nas suas experiências atuais, mas os resultados desenvolvimentais não podem ser sistema-
respetivos períodos críticos e sensíveis que aumentam o potencial do ambiente
ticamente descritos sem uma análise dos efeitos do meio na criança (Sameroff & Mackenzie,
para produzir mudança;
2003). Mais recentemente este autor propõe o modelo unificado de desenvolvimento (Figura Modelo uni-
4. Fatores de risco e patologia do neurodesenvolvimento, através do consequen- 1.4), no qual os diferentes processos biológicos (conjunto de círculos negros sobrepostos) ficado de
te “empobrecimento ambiental” e redução de experiências disponíveis, podem interagem entre si e com os processos psicológicos (círculos cinzentos que se sobrepõem), desenvolvi-
mento
condicionar mais disfunção. Por exemplo, uma surdez não corrigida vai necessa- formando o sistema biopsicossocial do indivíduo. Este sistema de autorregulação individual
riamente atrasar a aquisição da linguagem ou patologia motora grave vai limitar interage com os outros sistemas reguladores, que correspondem aos contextos da ecologia
a capacidade exploratória normal do ambiente, com repercussões noutras áreas social da pessoa, nomeadamente a família, os contextos educativos, a vizinhança, a comu-
do desenvolvimento. nidade e as questões geopolíticas, que se influenciam mutuamente (representados pelos
círculos envolventes, a branco). Estes três conjuntos de círculos sobrepostos constituem os
A forma como a IPI é conceptualizada e implementada é fundamental para garantir bene- aspetos biopsicossociais do indivíduo em contexto (Sameroff, 2010).
fícios às famílias e crianças. Contextos naturais de aprendizagem, atividades da vida diária,
oportunidades normalizadas assim como o envolvimento das crianças e famílias são ingre- Importa assim compreender as interdependências e as trocas recíprocas que ocorrem ao
dientes fundamentais e extremamente acessíveis. longo do tempo entre as características únicas e individuais de cada criança (como por exem-
plo os seus atributos neurobiológicos) e as características dos ambientes de aprendizagem,
especialmente as relações que ocorrem nos contextos de vida onde ela se desenvolve.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 1 — A intervenção precoce na infância e sua relevância na promoção do desenvolvimento

42 43

FIGURA 1.4   Sistema biopsicossocial ecológico pessoa (Estruturas e Funções do Corpo; Atividades e Participação) com o seu meio ambiente
(Fatores Ambientais) (Felgueiras, 2009; OMS, OPS, 2004).

Tendo como base os conceitos básicos veiculados pela abordagem biopsicossocial e ecoló-
gica do desenvolvimento anteriormente referidos (Bronfenbrenner & Morris, 2007; Sameroff,
2010), a OMS propõe uma forma de operacionalizar as diferentes dimensões relacionadas
com o desenvolvimento, com particular realce para os Fatores Ambientais e a Participação,
facilitando a documentação do processo de avaliação/intervenção.

Tem sido apontado como um dos contributos da CIF-CJ, nomeadamente para a IPI, o facto
de ser um referencial unificador que permite descrever os efeitos do contexto na funcio-
nalidade da criança. Não permitindo classificar crianças nem estabelecer diagnósticos ou
etiologias, a CIF-CJ permite sim, numa perspetiva transdisciplinar e de uma forma holística
e interativa (Felgueiras, 2009; Rosário, Leal, Pinto, & Simeonsson, 2009):
• Documentar o perfil funcional e de participação da criança com base nas suas
características em diferentes domínios e nas suas experiências de vida (Funções
Fonte: Sameroff, A. J. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture. Child development
81 (1), 6-22. Adaptado e reproduzido com permissão do autor. e Estruturas do Corpo, Atividades e Participação);
• Identificar, de forma interativa, as características físicas, sociais e atitudinais do seu
meio circundante (Fatores Ambientais), enquanto facilitadores ou barreiras da par-
As mudanças desenvolvimentais na relação entre criança e contexto constroem-se com ticipação e da inclusão da criança.
base num processo dinâmico e sucessivo entre mecanismos de regulação impostos pelos
outros e da autorregulação que a criança vai conquistando (Sameroff, 2010).

Um dos objetivos da IPI é contribuir para que os cuidadores principais da criança propor- OS PRINCÍPIOS-CHAVE DO DESENVOLVIMENTO
cionem experiências reguladoras nos contextos naturais que ajudem a criança a promover
o desenvolvimento, a adaptação e as capacidades de autorregulação. Os objetivos que nos têm guiado neste capítulo são a compreensão do papel determinante
do desenvolvimento precoce e das interdependências entre fatores biológicos e ambientais
De facto, sabemos que é através de interações em contextos de vida e do envolvimento nas e, por conseguinte, destacar as principais razões que justificam a necessidade de intervir
rotinas e brincadeiras do dia a dia que as crianças em idades precoces adquirem expe- o mais precocemente possível nas situações de alteração, ou risco de alteração, do desen-
riências relevantes para o seu desenvolvimento. As interações recíprocas entre a criança, as volvimento por razões de ordem ambiental ou social.
pessoas, os objetos e os símbolos dos seus contextos de vida diária constituem os seus pro-
cessos proximais, considerados como a força impulsionadora do desenvolvimento. Para que Shonkoff e Phillips (2000), no âmbito do Committee on Integrating the Science of Early Childhood
sejam eficazes, estas interações devem apresentar complexidade crescente e ocorrer com Developmen t (EUA), relatam-nos um imenso corpo de conhecimentos e evidências relaciona-
regularidade ao longo de extensos períodos de tempo (Bronfenbrenner & Morris, 2007). das com desenvolvimento precoce e intervenção precoce. Os autores enfatizam a relevância
da interação contínua entre fatores biológicos e ambientais nas trajetórias desenvolvimen-
Olhando para a evolução dos diferentes modelos de compreensão e de abordagem das tais das crianças ao longo da vida e enunciam os 10 princípios-chave do desenvolvimento.
A abordagem
biopsicossocial questões da deficiência e da incapacidade, é de realçar o modelo biopsicossocial. Este vem
e a CIF-CJ substituir a perspetiva tradicional e redutora, centrada nos défices “dentro da criança”, e que
Princípios-chave do desenvolvimento
não tomam em linha de conta a influência dos fatores contextuais ou ambientais, como é o
caso do modelo biomédico. 1. O desenvolvimento humano processa-se pela interação dinâmica e contínua entre
o biológico e a experiência;
O modelo biopsicossocial dá-nos um quadro conceptual integrador que contempla a com- 2. A cultura influencia todos os aspetos do desenvolvimento humano e reflete-se nas
plexidade e a natureza interativa e multidimensional do desenvolvimento, nos seus aspetos crenças e nas práticas educativas das crianças tendo em vista uma adaptação
biológicos, psicológicos e sociais (Felgueiras, 2009; Organização Mundial de Saúde [OMS], saudável;
Organização Panamericana de Saúde [OPS], 2004; Simeonsson, Sauer-Lee, Granlund,
& Björck-Åkesson, 2010). 3. Crescimento da autorregulação é um alicerce do desenvolvimento precoce da
criança que atravessa todos os domínios do comportamento;
A Organização Mundial de Saúde (OMS) veio a operacionalizar este paradigma inicialmente 4. As crianças são participantes ativas no seu próprio desenvolvimento, refletindo
através da CIF – Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, se- a tendência humana intrínseca para explorar e dominar o seu próprio ambiente;
guida da sua versão derivada para crianças e jovens em 20071 (World Health Organization
5. As relações humanas e os efeitos das relações nas relações são a base do desen-
[WHO], 2007). O modelo biopsicossocial caracteriza-se por ser um modelo interativo, funcional
volvimento saudável;
e integrado, perspetivando a funcionalidade e a incapacidade como um contínuo (aspetos
positivos e negativos respetivamente), que resulta da interação das diferentes dimensões da 6. O vasto leque das diferenças individuais entre crianças faz com que muitas vezes
seja difícil distinguir as variações normais e os atrasos de maturidade das altera-
ções transitórias ou de deficiências estabelecidas;
1 A Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – Crianças e Jovens – CIF-CJ
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7. O desenvolvimento das crianças desenrola-se segundo percursos individuais cujas • No entanto, sabemos que as características dos ambientes das crianças tendem a
trajetórias se caracterizam por continuidades e descontinuidades, bem como por manter-se, isto é, o equilíbrio entre fatores de risco e fatores protetores tem ele-
uma série de transições significativas; vada probabilidade de permanecer inalterado (Sameroff, 2009);
8. O desenvolvimento humano processa-se pela interacção contínua entre fatores de • Uma exposição prolongada a ambientes adversos pode ter efeitos nefastos a lon-
vulnerabilidade e fatores de resiliência; go prazo no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças (Sameroff, 2009).
9. A localização no tempo em que ocorrem as experiências precoces pode ser rele-
vante, mas frequentemente a criança em desenvolvimento mantém-se vulnerável Os vários autores acima citados sublinham a componente fortemente interativa do desen-
a riscos e aberta a influências protetoras ao longo dos primeiros anos de vida volvimento/aprendizagem da criança e a importância das experiências precoces, que irão
e durante a idade adulta; ser a base de todo o processo desenvolvimental posterior. Assim, é essencial ter em conta
10. O curso do desenvolvimento pode ser alterado durante os primeiros anos de vida o impacto positivo ou negativo que um contexto favorável ou desfavorável pode ter nesse
através de intervenções eficazes que alteram o equilíbrio entre risco e proteção, mesmo desenvolvimento. Um incremento de fatores de risco biológicos ou ambientais vai au-
e assim mudando a probabilidade em favor de resultados mais adaptativos. mentar a probabilidade de ocorrerem problemas de desenvolvimento mas, por outro lado,
a existência de fatores de proteção diminui essa probabilidade. Tanto uns como outros podem
(Shonkoff & Phillips 2000, pp. 23-32)
ocorrer de uma forma transitória ou duradoura, tendo efeitos diferentes no desenvolvimento
da criança. Gabarino e Ganzel (2000) salientam o efeito negativo dos fatores de risco am-
bientais que dão origem à toxicidade social, que resulta, entre outras razões, da desigualdade
Estes princípios constituem os alicerces da ciência do desenvolvimento precoce e têm impli-
económica e social, do desemprego, dos efeitos nocivos dos meios de comunicação social,
cações relevantes para as práticas de IPI na atualidade.
legitimando a violência ou o racismo, ou do decréscimo de apoios a nível social.

Mas como e quais são as condições necessárias para que o desenvolvimento e a aprendiza-
No entanto, importa salientar que, principalmente no caso dos fatores de risco biológico,
gem se processem de forma positiva? Neste ponto é importante focarmos dois aspetos-chave
o seu efeito não é por si só decisivo. É a interação e os efeitos conjugados entre stressores
que estão interligados e que Moore (2012) salienta:
e fatores protetores, que caracterizam os ambientes de vida da criança (família, contexto edu-
a. Os ambientes de aprendizagem em idades precoces; cativo e comunidade), que vai ser determinante no processo de desenvolvimento (Guralnick,
2005, 2013; Shonkoff & Phillips, 2000). Isto significa que um início de vida positivo não é por
b. O papel crucial das relações.
si só garante de um desenvolvimento harmonioso, assim como a situação contrária não con-
duz inevitavelmente a alterações desse mesmo desenvolvimento. Importa pois estar atento,
numa intervenção, ao processo dinâmico entre estes fatores, ajudando a potenciar o efei-
PROMOVER AMBIENTES DE APRENDIZAGEM EM to positivo dos fatores de proteção e procurando minimizar os efeitos dos fatores de risco.
IDADES PRECOCES

A relevância dos contextos ou ambientes nos quais o desenvolvimento ocorre é, pois, ine- O PAPEL CRUCIAL DAS RELAÇÕES
gável. Para potenciar o desenvolvimento das crianças e prevenir uma multiplicidade de
problemas é necessário que lhes sejam proporcionadas experiências de aprendizagem
Como foi já referido, o desenvolvimento ocorre com base em processos interativos nos diver-
significativas em ambientes adequados – assim devemos focar-nos na promoção de con-
sos contextos de vida. O papel crucial das relações, tal como é sublinhado por Moore (2012),
textos desenvolvimentalmente adequados2 para todas as crianças (Biglan, Flay, Embry,
é tanto mais evidente quanto mais precoce é a idade da criança.
& Shandler, 2012).

Importa realçar algumas questões importantes acerca dos ambientes e a aprendizagem O papel crucial das relações
precoce apontadas por Moore (2012), na sua revisão da literatura sobre objetivos, racional e
• Considerando o que se sabe acerca da plasticidade a nível neurológico em idades
eficácia das práticas de IPI, que reforçam a importância de se intervir de forma adequada.
precoces, as relações podem modificar quer a estrutura quer a função do cérebro
(Greenough, Black, & Wallace, 1987; Letourneau, 2008);
Desenvolvimento e experiências precoces • O papel do ambiente externo, especialmente o papel das relações com os adul-
• A aprendizagem ocorre desde o nascimento (Shonkoff & Phillips, 2000) e as tos, é particularmente relevante, dado que a capacidade de a criança regular o
competências desenvolvem-se de forma cumulativa, constituindo a base para seu comportamento com base nos seus próprios pensamentos e intenções não está
desenvolvimento ulterior (Cunha & Heckman, 2006); ainda desenvolvida (Siegel, 1999 cit. por Moore, 2012);

• As crianças necessitam de múltiplas oportunidades para praticar competências • Relações sensíveis e responsivas bem como vinculações positivas com os adultos
funcionais nos contextos de vida diária – o comportamento e o funcionamento da são essenciais para um desenvolvimento saudável da criança a diferentes níveis:
criança num dado momento no tempo são mais influenciados pelo seu ambien- neuropsicológico, físico e psicológico; pelo contrário, relações inadequadas e
te social/físico imediato do que pela experiência passada (van IJzendoorn & negligentes e vinculações inseguras podem ter consequências adversas na saúde,
Juffer, 2006); desenvolvimento e mesmo na sobrevivência da criança (National Scientific Council
on the Developing Child, 2008, 2010; Richter, 2004).

2 Por contextos desenvolvimentalmente adequados entendem-se contextos que são simultaneamente adequados
às características da criança e à sua idade de desenvolvimento.
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De facto, como vimos anteriormente, a investigação tem comprovado, nomeadamen- Crianças cujo ritmo de desenvolvimento está comprometido devido a fatores de risco bioló-
te no âmbito das neurociências e das ciências sociais e do comportamento, a importância gico e/ou ambiental necessitam de níveis de estimulação e de apoio adicionais por parte dos
das experiências precoces e das influências altamente interativas dos fatores genéticos e ambientes em que se desenvolvem. Estas crianças têm necessidades acrescidas de cuidados,
ambientais no desenvolvimento cerebral e, consequentemente, no comportamento humano, proteção e apoio que devem ser atendidas de forma a prevenir ou reduzir incapacidades ou
bem como o papel central das relações precoces como fonte quer de proteção e adaptação atraso de desenvolvimento potenciais (Simeonsson, 2009). O acesso a cuidados de saúde
quer de risco e disfunção (Shonkoff & Phillips, 2000). e educação adequados é um direito fundamental de todas as crianças, tal como está defi-
nido na Convenção Sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 1989).
Responsividade O ingrediente ativo de tais experiências é descrito como a responsividade mútua entre criança
mútua en- e cuidador. Quando os cuidadores são sensíveis e responsivos aos sinais da criança, ofe-
tre criança e recem um contexto rico para tal desenvolvimento. Porém, há fatores, como por exemplo a
cuidador
depressão materna, que podem interferir com a capacidade de o cuidador (de um modo UMA ABORDAGEM DESENVOLVIMENTAL SISTÉMICA
regular e sistemático) fornecer tais experiências à criança, e as conexões cerebrais podem
não se estabelecer adequadamente. A depressão materna é particularmente preocupan- As visões sistémicas têm contribuído de forma decisiva, por um lado, para uma compreen-
te pela elevada prevalência, sendo que 10 a 20% das mães poderão estar deprimidas em são dos mecanismos subjacentes da IPI e do seu impacto tanto a nível individual e familiar
algum momento das suas vidas. Uma em cada 11 crianças é confrontada com a situação como social. E, por outro lado, têm contribuído para a definição de linhas orientadoras, hoje
de depressão materna major durante o primeiro ano de vida, verificando-se percentagens consensuais no plano internacional, que têm dado maior consistência e eficácia às práti-
mais elevadas no caso de mães com historial anterior de depressão ou sujeitas a outro tipo cas de IPI. Potencialmente, os maiores contributos dos modelos sistémicos, como é o caso
de stressores, como dificuldades financeiras ou isolamento social (Center on the Developing da abordagem desenvolvimental sistémica para a intervenção precoce, apresentada por
Child at Harvard University [CDCHU], 2009). A depressão é ainda particularmente prevalen- Guralnick, é a sua ênfase dentro de um modelo conceptual abrangente, coerente e bem
te em populações em desvantagem socioeconómica e em domicílios considerados abaixo definido que integra os conhecimentos científicos sobre o desenvolvimento típico, o enfo-
do nível de pobreza (CDCHU, 2009), um quarto das mães de bebés podem experienciar que desenvolvimental no risco e na incapacidade, a centralidade da família no processo de
sintomas depressivos moderados a severos. Apenas 15% das mães são identificadas e têm desenvolvimento e, também, conhecimentos das ciências de intervenção (Guralnick, 1998,
acesso a cuidados profissionais, pelo que esta é uma matéria que merece particular atenção 2005, 2008, 2011). Este modelo de enquadramento permite compreender a articulação dos
no âmbito do acompanhamento dos bebés das mães seguidas em saúde mental. processos e experiências ambientais cruciais para o desenvolvimento da criança e como os As inter-rela-
mesmos operam para o influenciarem. ções entre três
níveis:
A nível da intervenção, é fundamental ter em conta todos estes fatores, principalmente
A Figura 1.5 permite-nos visualizar as inter-relações entre os vários componentes e os três • Processos e
no caso das crianças e famílias mais vulneráveis. Tanto mais que, como referem Shonkoff recursos do
e Phillips (2000), os cuidados a nível pré-natal e de acompanhamento da saúde e desenvol- níveis do sistema (nível dos processos organizativos e recursos desenvolvimentais da crian- desenvolvi-
vimento das crianças nas primeiras idades tendem a ser mais deficitários nas populações ça; nível dos padrões de interação da família e nível dos recursos da família) e as influências mento
recíprocas dos respetivos fatores de risco e fatores protetores que em conjunto contribuem da criança;
de risco ambiental, o que vai aumentar a probabilidade de surgirem situações de atraso
para as competências cognitivas e sociais da criança. • Padrões de
de desenvolvimento ou mesmo de incapacidade nestas populações. interação
da família;
E como se processa o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças com necessidades • Recursos
especiais ou em risco de atraso de desenvolvimento? FIGURA 1.5   Os três níveis da abordagem desenvolvimental sistémica, suas interações, da família.
                        influências recíprocas e efeitos de fatores de risco e fatores protetores
Nestas crianças, o papel dos ambientes de aprendizagem precoce e das relações torna-se
ainda mais relevante, tal como nos é realçado por Moore (2012).

O papel dos ambientes de aprendizagem e das relações


• Embora as crianças com necessidades especiais ou em risco tenham as mesmas
necessidades que crianças com desenvolvimento típico, a qualidade das relações
– especificamente a vinculação, o envolvimento e a responsividade – é particu-
larmente relevante para o seu desenvolvimento, considerando que podem ter
dificuldades acrescidas devido à natureza do seu problema;
• Crianças com necessidades especiais ou em risco podem iniciar interações menos
frequentemente, apresentando sinais mais subtis e difíceis de interpretar. Alguns
pais e educadores têm tendência para interagir de forma mais diretiva, numa ten-
tativa de compensar; outros assumem interações responsivas e calorosas, de forma
a promover um clima emocional positivo e a incentivar respostas da criança;
Fonte: Guralnick, M. J. (2011). Why early intervention works? A systems perspective. Infants & young children, 24 (1), 6-28. Adaptado
• Um objetivo relevante em intervenção precoce é apoiar os pais para que estes e reproduzido com permissão do autor.

sejam bons observadores da criança, de modo a poderem reconhecer os sinais


e pistas que esta fornece, respondendo de forma contingente e, assim, estabele-
cer vinculações seguras. Tendo como referência a abordagem desenvolvimental sistémica, segundo Guralnick (2011,
p. 9), a tarefa central da IPI é: “ (…) A de estabelecer ou restaurar os padrões de interação
da família de forma a alcançar os seus níveis mais positivos.”
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1.2.3 INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: Para além dos princípios e direitos consignados nesta convenção, são também definidos
certos procedimentos e formas de os operacionalizar, o que tem sido reconhecido como um
UMA QUESTÃO DE DIREITOS importante contributo. Alguns dos seus artigos enquadram e sustentam a intervenção pre-
coce como um direito, nomeadamente os dirigidos à família (art.º 23º), educação (art.º 24º),
Os direitos humanos de forma geral e de forma específica os direitos da criança constituem saúde (art.º 25º), habilitação e reabilitação (art.º 26º), e que são particularmente relevantes
o enquadramento filosófico da intervenção precoce e neles reside o direito de todo o ser para a garantia dos direitos das crianças mais vulneráveis.
humano ao pleno acesso aos ambientes e à plena participação na sociedade, alicerces que
fundamentam o valor e dignidade do ser humano (Simeonsson, 2009) O investimento nos primeiros anos de vida é reconhecido como uma prioridade quer
pela comunidade científica quer por diferentes organizações internacionais vocaciona-
Diversas convenções, legislações e decretos veiculam os princípios de tais direitos, nomeada- das para a promoção dos direitos, do desenvolvimento social e económico das populações
mente: beneficência; não maleficência; justiça social; integridade e autonomia (Simeonsson, (Britto, Yoshikawa, Van Ravens, Ponguta, Oh, Dimaya, & Seder, 2013; Heckman, 2006, 2015;
2009). Destacamos pela sua importância a Convenção Sobre os Direitos da Criança (UNICEF, Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD], 2009; Shonkoff, 2010;
1989) e a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nações Unidas, 2009). UNESCO, 2009; UNICEF, 2014).

Estas duas convenções das Nações Unidas que Portugal ratificou juntamente com deze- A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no seu relatório
nas de outros países convergem no reforço da igualdade de oportunidades, da equidade e sobre a qualidade de vida das crianças, Doing Better for Children, diz-nos: “A maior parte
da garantia dos direitos das crianças com incapacidades. dos países da OCDE concentram o investimento na escolaridade obrigatória (…), os governos
devem investir mais dinheiro com as crianças nos primeiros anos de vida para reduzirem a
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, para além dos direitos comuns a todas as crian- desigualdade social e ajudar todas as crianças, especialmente as mais vulneráveis, a terem
ças, estabelece, no seu Artigo 23º, direitos específicos para as crianças com necessidades vidas mais felizes (…)” (OECD, 2009).
especiais ou em risco e define ainda no Artigo 2º a proteção da discriminação para as crian-
ças com incapacidades. Segundo Heckman (2006), investir no desenvolvimento da criança nos primeiros anos de
vida constitui uma política economicamente eficaz com elevado retorno em termos futuros.
Acrescenta ainda que é rara a política pública que promova a igualdade e a justiça social
Artigo 23º (parte 1 e 2) e que, ao mesmo tempo, seja produtiva do ponto de vista económico. Investir em crianças
“… À criança mental e fisicamente deficiente o direito a uma vida plena e decente em de baixas idades em situação de desvantagem social e económica constitui tal. O inves-
condições que garantam a sua dignidade, favoreçam a sua autonomia e facilitem a sua timento em programas de intervenção precoce para estas crianças assegura um retorno
participação ativa na vida da comunidade”; económico de 15-17% (Heckman, 2006).

“… Direito de beneficiar de cuidados especiais e… assistência… adaptada ao estado da Também a American Academy of Pediatrics (Glascoe & Shapiro, 2006) salienta que por cada
criança e à situação dos pais ou daqueles que a tiverem a seu cargo” (parte 1, 2); dólar gasto na intervenção precoce a sociedade poupa sete dólares.
“… A assistência… gratuita sempre que tal seja possível, atendendo aos recursos finan-
ceiros dos pais ou daqueles que tiverem a criança a seu cargo…”; Mais recentemente, Heckman (2015) sugere mesmo uma equação com o objetivo de “pro-
duzir” cidadãos mais capazes, competentes e produtivos:
“… A criança tenha efetivo acesso à educação, à formação, aos cuidados de saúde, à
reabilitação, à preparação para o emprego e a atividades recreativas… de forma a • Maior investimento em recursos promotores do desenvolvimento e educação para
assegurar uma integração social tão completa quanto possível e o desenvolvimento famílias em situação de desvantagem para promover equidade no acesso a um de-
pessoal, incluindo nos domínios cultural e espiritual”. senvolvimento humano de sucesso;
(Convenção Sobre os Direitos da Criança) • Melhor desenvolvimento precoce de competências durante a primeira infância;
• Maior sustentabilidade, mantendo os ganhos no desenvolvimento precoce através
A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência não cria novos direitos mas de uma educação continuada e eficaz até à idade adulta.
reafirma direitos anteriormente consignados, relembrando as obrigações assumidas pelos
Estados Partes, como é o caso do artigo 7º especialmente dedicado às crianças.

Artigo 7º

1.3 OS OBJETIVOS E A PRÁTICA


“Crianças com deficiência

DA IPI
1. Os Estados Partes tomam todas as medidas necessárias para garantir às crianças
com deficiências o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades, funda-
mentais em condições de igualdade com as outras crianças;
2. Em todas as ações relativas a crianças com deficiência, os superiores interesses
Os objetivos da IPI estão óbvia e diretamente relacionados com o modelo teórico e a filo-
da criança têm primazia;
sofia que lhe está subjacente, o que por sua vez se reflete no modo como se perspetiva o
3. Os Estados Partes asseguram às crianças com deficiência o direito de exprimi- papel e atuação dos profissionais, o papel e participação das famílias, o processo de planea-
rem (…).” mento e de intervenção individualizada com a família e a criança e também a organização
(Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) dos serviços e recursos.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
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50 51
Tal como hoje se perspetiva a IPI, numa abordagem centrada na família (Dunst, 2012), investigação e estudos avaliativos sobre os programas de IPI levados a cabo em diferentes
Moore (2012) refere-nos que o objetivo global da IPI é garantir que os pais ou outros cui- países.
dadores principais “sejam capazes de proporcionar às crianças com alterações ou atraso
de desenvolvimento experiências e oportunidades que promovam nas mesmas a aquisi- A IPI passou a constituir, assim, uma área de interesse crescente enquanto medida de polí-
ção e utilização de competências que lhes permitam participar de forma significativa nos tica transversal orientada para o exercício dos direitos da criança e da família e para a sua
ambientes-chave da sua vida”3 (p. 13) . inclusão social, como se pode constatar nas principais orientações e recomendações de di-
ferentes organizações internacionais.
Bailey e Wolery, já em 1992, congruentes com uma visão abrangente e integrada da IPI, no-
meadamente com a perspetiva da intervenção centrada na família, definiram em detalhe É agora evidente que os programas de intervenção não serão bem-sucedidos se os esforços
sete objetivos para a IPI. forem direcionados apenas para a criança. Torna-se assim fundamental prestar atenção
aos fatores ecológicos em que as crianças e suas famílias estão inseridas e contribuir para
mudanças nesses contextos que potenciem as competências existentes, tanto nas crianças
Objetivos para a IPI como nas suas famílias (Sameroff & Fiese, 2000). Esta é uma abordagem psicobioecológi-
1. Apoiar as famílias para atingirem os seus próprios objetivos; ca e holística da IPI e que engloba as seguintes práticas recomendadas internacionalmente:
Práticas
2. Promover o envolvimento, a autonomia e mestria da criança; • Intervenções centradas na família e baseadas nas rotinas; recomendadas
para a IPI
3. Promover o desenvolvimento em domínios-chave; • Intervenções em contextos naturais de aprendizagem;
4. Construir e apoiar as competências sociais da criança; • Trabalho em equipa, preferencialmente transdisciplinar;
5. Promover a utilização generalizada de competências; • Coordenação e integração de serviços e recursos.
6. Proporcionar e preparar experiências de vida normalizadas para as crianças e
famílias; Estas práticas assentam numa visão integrada e holística do desenvolvimento, dão particu-
7. Prevenir a emergência de futuros problemas ou incapacidades. lar relevo aos contextos naturais da criança e da família, ao mesmo tempo que pressupõem
um papel ativo para os cuidadores e novos papéis para os prestadores de serviços.
(Bailey & Wolery, 1992, p.35)
O Workgroup on Principles and Practices in Natural Environments (2008), ao descrever a mis-
são da IPI, sublinha a mobilização de apoios e recursos para ajudar os membros da família
O primeiro objetivo, apoiar as famílias, é o objetivo primordial da IPI, na medida em que o
e outros cuidadores a promoverem o desenvolvimento das crianças nas oportunidades diá-
mesmo poderá ser determinante para que os restantes objetivos possam ser alcançados,
rias de aprendizagem. Nesta perspetiva, a intervenção precoce é hoje reconhecida como
ou seja, as experiências enriquecedoras e novas competências que a família ou outros cui-
uma modalidade de apoio com efeitos em duas gerações.
dadores principais irão promover na criança.

A influência dos modelos ecossistémicos (Bronfenbrenner, 1979; Bronfenbrenner & Morris, 1998)
Quando se fala em objetivos da intervenção está subjacente a questão dos resultados que
e transacionais do desenvolvimento (Sameroff & Fiese, 2000) tem norteado a organização da
se pretendem obter com essa mesma intervenção.
IPI para um sistema de colaboração interserviços e constituído por equipas transdisciplinares,
no sentido de programas integrados e abrangentes onde a participação efetiva da famí-
Sendo primordial nos objetivos da IPI e na sua operacionalização tomar em linha de conta as
lia e da comunidade assumem um papel de relevo (Almeida, 2002; Felgueiras et al., 2006).
evidências sobre a forma como as crianças aprendem, a importância dos contextos naturais
e das rotinas, o papel relevante da família e dos cuidadores principais, não podemos esquecer
o fim último da IPI. Ou seja, promover nas crianças com problemas de desenvolvimento as
capacidades funcionais de que elas necessitam para participarem de forma significativa nos EM SÍNTESE:
ambientes da vida diária e promover a sua qualidade de vida. Como diz Moore (2012, p. 2):
Acompanhando a reflexão levada a cabo por Moore (2012), podemos afirmar que os
principais desafios práticos que hoje se colocam para a IPI são:
“A participação significativa é o motor do desenvolvimento e a chave para atingir um ver-
dadeiro sentido de pertença e uma qualidade de vida satisfatória.” • Como construir a capacidade das crianças?
• Como construir a capacidade das famílias?
Como veremos nos capítulos seguintes, toda esta reconceptualização do racional e dos ob-
• Como construir a capacidade dos serviços comuns para a primeira infância (cre-
jetivos da IPI tem implicações na formação e desenvolvimento profissional dos diferentes
che, jardim de infância, etc.)?
técnicos, nas políticas e financiamentos, na forma como se organizam os serviços e equipas,
para além das importantes implicações nas intervenções com as famílias. • Como construir a capacidade dos próprios serviços e equipas de intervenção pre-
coce na infância?
Hoje, a IPI é entendida como uma medida de largo alcance em termos sociais e económicos,
podendo prevenir e/ou atenuar condições primárias e secundárias nefastas ao desenvolvi-
mento e à qualidade de vida da criança (com deficiência ou incapacidade ou em situação
de alto risco) nas primeiras idades, e da sua família, tal como tem sido evidenciado pela

3 O termo “ambiente” refere-se aos relacionamentos, experiências e oportunidades de aprendizagem oferecidas


em particular pelos ambientes sociais e físicos (Moore, 2012).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais

52 53

2
INTERVENÇÃO PRECOCE EM
PORTUGAL – UM PROCESSO
EM CONSTANTE EVOLUÇÃO

2.1 INTERVENÇÃO PRECOCE NA


INFÂNCIA EM PORTUGAL: DOS
             PRIMEIROS PASSOS AO SNIPI

O percurso da intervenção precoce na infância (IPI) no nosso país aparece ligado à evolu-
ção das modalidades de atendimento às crianças dos 0 aos 6 anos de um modo geral e às
crianças com necessidades educativas especiais (NEE) em particular. Outro aspeto que in-
questionavelmente determinou a evolução da IPI foi o desenvolvimento da legislação a nível
da Saúde, da Educação e da Segurança Social (Bairrão, 2001).

Só em finais de anos 60 do século passado o Ministério da Saúde e da Assistência (criado


em 1958), com o objetivo de responder à progressiva industrialização e ao aumento do tra-
balho feminino, promoveu o desenvolvimento de creches e jardins de infância, seguindo-se
a criação do serviço de amas e de creche familiar (Mendes, Neves, & Guedes, 2000).

Mas a Educação Pré-Escolar só em 1973 passou a ser considerada, no âmbito do Ministério Evolução do
da Educação, como parte integrante do sistema educativo público (Lei nº 5/73, de 25 de ju- atendimento
das crianças
lho), tendo recebido um impulso importante no ano seguinte, com o 25 de Abril, impulso esse dos 0 aos
que se intensificou a partir de 1995/96, dando lugar a um efetivo alargamento e expansão 6 anos
da rede de Educação Pré-Escolar.

Relativamente à Educação Especial, tem-se verificado um movimento crescente de inclu-


são, marcado pela assinatura da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), sendo Portugal
um dos signatários, e que constituiu um ponto de viragem no atendimento às crianças com
NEE. De facto, o modelo dominante até então, o modelo médico, centrava-se em serviços
especializados focados nos défices da criança e designados para definir os diagnósticos.
As práticas eram predominantemente centradas na criança, implementadas por diferentes
especialistas, conduzindo a serviços fragmentados e segregados que se destinavam a evitar
o agravamento dos défices, a sua redução ou mesmo a sua eliminação. Nesta abordagem,
as famílias recebiam quase exclusivamente apoios financeiros e de saúde mental (Bairrão,
2001, 2003; EADSNE, 2005). Esta ausência de um sistema integrado e coerente de serviços e
de apoio refletia-se num sistema de serviços inadequado e numa situação muito stressante
para as famílias de crianças com NEE ou em risco (Bairrão & Almeida, 2003; Pinto et al., 2012).

Por sua vez, no que diz respeito à IPI, só em meados da década de 80 do século passa-
Início da IPI
do surgiram em Portugal aqueles que podemos considerar como os primeiros programas em Portugal
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 2 — Intervenção precoce em Portugal – um processo em constante evolução

54 55
com uma estrutura organizativa e um quadro conceptual consistente. Anteriormente ape- comunitária. Esta evolução não foi porém homogénea, tendo sido mais facilmente assumi-
nas existiram algumas, muito poucas, experiências de estimulação precoce, tais como as dos da nalgumas regiões do País.
centros de paralisia cerebral e as das Equipas de Orientação Domiciliária do Centro Regional
de Segurança Social de Lisboa. Grande parte da evolução verificada em Portugal, que se descreve aqui de forma mui-
to superficial, mas que vai estar plasmada em todo o texto deste guia, coincide com a
A colaboração com especialistas internacionais durante a década de 80 encorajou o de- mudança de paradigma neste campo, verificada um pouco por todo o mundo ocidental.
senvolvimento destes programas de IPI, então inovadores, que refletiam preocupações com Referimo-nos concretamente à população-alvo, ao contexto, às práticas, aos objetivos e re-
a deteção precoce de problemas de desenvolvimento, enfatizando as interações entre fatores sultados, ao papel de profissionais e famílias, assim como à dinâmica do trabalho de equipa
biológicos, psicológicos e socioculturais e com a orientação para o trabalho com a família e ao modelo organizativo dos serviços intervenientes. (Quadro 2.1).
(Bairrão, Felgueiras, & Pimentel, 1987). Entre estes destacamos:

a. O Programa Portage para Pais, que correspondeu a um projeto de investigação-a-


Programas de
IPI inovadores ção, levado a cabo pela Direção de Serviços de Orientação e Intervenção Psicológica QUADRO 2.1   Evolução da IPI em Portugal: Uma mudança de paradigma
na década (DSOIP) no início da década de 80, conduziu à adaptação, aplicação, avaliação
de 80, em e disseminação do modelo (Bairrão, 2003). Ao determinar o envolvimento parental
Portugal Antes Agora
no processo de intervenção como uma característica essencial, este programa deu
um contributo muito relevante para a mudança de paradigma nos serviços de IPI
Crianças dos 0-6 anos com per-
para crianças e suas famílias (Almeida, 2000; Almeida, Felgueiras, & Pimentel, 1997; Crianças dos 0-3 anos com
População-alvo turbações do desenvolvimento
Bairrão, 2003; Pinto et al., 2012). À data, o caráter inovador deste programa carac- “deficiência”
e/ou risco, e suas famílias
terizou-se por: (1) uma planificação individualizada de objetivos e de estratégias
de intervenção; (2) um modelo de coordenação de serviços em pirâmide; (3) um Centros de estimulação
modelo de visita domiciliária, de formação em serviço e de supervisão que criou Contextos naturais (domicílio,
Contexto Centros terapêuticos
oportunidades para a colaboração interdisciplinar (Felgueiras & Breia, 2005). O creche, jardim de infância, etc.)
modelo Portage foi acompanhando a evolução da IPI e incorporou os aspetos mais Instituições
relevantes em termos teóricos e a nível das práticas. “Feitas por medida”
Práticas “Pronto-a-vestir”
b. O Projecto Integrado de Intervenção Precoce de Coimbra (PIIP), implementado Individualizadas
em 1989 e que se assumiu como um programa de IPI de base comunitária, tinha
por objetivo prestar serviços individualizados e abrangentes a crianças em idade Peritos/decisores Facilitadores
Papel dos profissionais
pré-escolar com necessidades especiais, e suas famílias, envolvendo formalmente = =
e famílias
as áreas da Saúde, Educação e Segurança Social (Boavida & Borges, 1990, 1994). Recetores passivos de serviços Participantes ativos/decisores
A sua implementação constituiu o ponto de partida de um processo sem retorno
do desenvolvimento da intervenção precoce em Portugal. O modelo conceptual Prevenção
baseado numa intervenção ecológica e centrada na família e a estrutura do projeto Desenvolvimento da criança
Objetivos/resultados Desenvolvimento da criança
de Coimbra, que incluía equipas concelhias de IPI, coordenadas por uma equipa Empowerment 4/capacitação
distrital envolvendo, em ambos os níveis, elementos dos três ministérios e de insti- das famílias
tuições locais, iniciou uma mudança paradigmática na IPI em Portugal (Boavida,
Espe-Sherwindt & Borges, 2000; Serrano & Boavida, 2011). Transdisciplinar
Trabalho de equipa Multi/interdisciplinar
(com inclusão da família)
Foi este modelo de IPI, intersectorial de base comunitária e centrado na família, que esteve,
Sectorial (com articulação pon- Intersectorial
em 1999, na origem da conceção e publicação do Despacho Conjunto 891/99, de 19 de ou-
Estrutura organizativa tual entre sectores) Base comunitária
tubro, dos Ministérios da Saúde, Educação e Segurança Social, posteriormente substituído
pelo Decreto-Lei 281/2009 de 6 de outubro, que criou o Sistema Nacional de Intervenção Serviços fragmentados Serviços integrados
Precoce na Infância (SNIPI).
Centrada na criança Centrada na família
Filosofia da IPI
Os anos 90 foram dos mais produtivos no campo da intervenção precoce em Portugal. Baseada nos “défices” Baseada nas “forças”
Começaram a surgir diversos programas com características diferentes, sendo que o quadro
de referência dos modelos bioecológico e transacional do desenvolvimento, acima referidos,
era ainda uma influência emergente na forma como se implementavam os serviços em IPI.

2.1.1 POPULAÇÃO-ALVO, CONTEXTO


Raros eram os serviços, nos primeiros anos dessa década, que estabeleciam ações recípro-
cas entre as famílias e os profissionais e raros eram os profissionais que assumiam o papel
de consultoria (Pinto et al., 2012). E PRÁTICAS4
No entanto, gradualmente a IPI em Portugal evoluiu de um serviço emergente prestado numa O alvo dos serviços passou a incluir para além das crianças dos 0 aos 6 anos com proble-
lógica de intervenção centrada na criança, utilizando métodos semelhantes aos utilizados mas estabelecidos no seu neurodesenvolvimento também crianças de alto risco, biológico
pela Educação e pelas terapias com crianças mais velhas, para uma gama de serviços in- ou ambiental.
dividualizados, “centrados na família”, prestados por equipas transdisciplinares numa base
4 O conceito de empowerment é aprofundado na Parte II
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 2 — Intervenção precoce em Portugal – um processo em constante evolução

56 57
Não se preconiza hoje um contexto-tipo para a IPI. Há que considerar uma variedade Facilita ainda a partilha de informação dentro da equipa, permitindo que a intervenção seja
de fatores na escolha do ambiente ótimo para intervir com uma criança particular: tipo e implementada por apenas um profissional, apoiado pelos restantes elementos da equipa
gravidade dos problemas ou fatores de risco, recursos existentes e disponibilidade da famí- (Serrano & Boavida, 2011).
lia, entre outros. O domicílio, o infantário, a ama, o centro de saúde ou qualquer outro local
na comunidade podem ser perfeitamente adequados, desde que sejam contextos naturais A família, enquanto principal “prestador de cuidados”, tem um papel vital na saúde e bem-
Na IPI, a fa-
(Dunst et al., 2010). -estar da criança. A IPI deve ter em conta os importantes contributos da unidade familiar, mília é parte
assim como os fatores de stress que a afetam (sejam sociais, financeiros ou psicológicos) integrante
e a sua capacidade de constante adaptação a novos desafios. da equipa
Cada criança apresenta uma gama de problemas e necessidades únicas e vive numa fa-
mília também única, com recursos e prioridades diferentes de todas as outras. Da mesma
forma, cada comunidade tem recursos e necessidades muito particulares. Só práticas in- Os serviços profissionais deverão ser organizados e coordenados a partir das perspeti-
dividualizadas, “feitas à medida”, podem dar resposta adequada a cada caso. vas da família, que é a constante na vida da criança e o alvo prioritário da intervenção.
Adicionalmente, os profissionais devem considerar as famílias como parte integrante da
equipa abandonando modelos clínicos e prescritivos tradicionais. Esta lógica de colaboração
e parceria entre família e profissionais e de organização de um sistema de colaboração
entre os diferentes sectores (saúde, educação e segurança social) a todos os níveis do pro-

2.1.2 PAPEL DOS PROFISSIONAIS E FAMÍLIAS,


OBJETIVOS E RESULTADOS
cesso de IPI é a chave da implementação com sucesso de serviços centrados na família
(Boavida & Carvalho, 2003).

Uma das principais mudanças filosóficas da IPI tem a ver com o crescente reconheci-
mento da necessidade de uma relação entre pais e profissionais, menos hierárquica e

2.2
mais colaborativa (Campbell & Halbert, 2002). Ao longo dos últimos anos temos assistido
a uma importante reconceptualização do papel tradicional dos profissionais, de deciso- O MODELO LEGAL PORTUGUÊS
res a facilitadores, de prestadores de serviços diretos prestados a crianças a prestadores
de serviços consultivos prestados a crianças e famílias (Boavida, Espe-Sherwindt, & Borges, DE IPI — DECRETO-LEI 281/2009
2000; Espe-Sherwindt, 2008).

Relativamente aos objetivos e aos resultados esperados da IPI, houve igualmente uma clara O Decreto-Lei 281/2009 que criou formalmente o Sistema Nacional de Intervenção Precoce
evolução. Os primeiros programas de IPI focavam-se quase exclusivamente no desenvolvi- na Infância tem por objetivo “garantir condições de desenvolvimento das crianças dos 0 aos
mento da criança, sabendo-se que nas situações mais graves, contrariamente aos problemas 6 anos, com funções ou estruturas do corpo que limitam o crescimento pessoal, social e a
ligeiros do desenvolvimento, os ganhos mensuráveis a este nível são infelizmente pequenos. participação nas atividades típicas para a idade, bem como das crianças com risco grave
Atualmente, os resultados são medidos não só pela evolução do desenvolvimento da crian- de atraso no desenvolvimento” (Artigo 1º, ponto 1).
ça, avaliada em termos funcionais, que continua a ser um aspeto central, mas também pelos
ganhos da família em termos de competências e autonomia. É importante reconhecer que O SNIPI é desenvolvido através da atuação coordenada dos Ministérios do Trabalho e da
as capacidades parentais não são algo adquirido e estático, mas sim um processo dinâmi- Solidariedade Social (MTSS), da Saúde (MS) e da Educação (ME), com envolvimento das
co e evolutivo semelhante às aquisições de desenvolvimento da criança, que os pais podem famílias e da comunidade (Artigo 1º, ponto 2).
continuamente desenvolver e melhorar.
Considera-se IPI, de acordo com este Decreto-Lei, o conjunto de medidas de apoio integrado,
centrado na criança (dos 0 aos 6 anos) e na família, incluindo ações de natureza preventiva

2.1.3
e reabilitativa, designadamente no âmbito da Educação, da Saúde e da Ação Social (Artigo
TRABALHO DE EQUIPA, NÍVEL DE 3º, ponto 1).
ENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS E
                   COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL
Uma das
grandes
mudanças da
IPI tem a ver
A heterogeneidade das situações em apoio quer a nível dos problemas da criança quer
do contexto sociofamiliar implica a necessidade de um trabalho em equipa. 2.2.1 ASPETOS RELEVANTES DA LEGISLAÇÃO

com o nível de O modelo transdisciplinar5, pela sua natureza, cria uma estrutura funcional que facilita a Algumas características da legislação merecem um destaque particular:
participação
participação das famílias como elementos ativos e otimiza a participação dos profissio-
das famílias
e o papel dos nais de diferentes disciplinas e diferentes serviços. • Define como população-alvo da IPI crianças dos 0 aos 6 anos, em situação de alto
profissionais risco ou com necessidades especiais, e suas famílias;
• Define IPI como um serviço de responsabilidade pública, de base comunitária, en-
volvendo serviços e profissionais da Saúde, Educação e Segurança Social, assim
5 No Capítulo 5 da Parte II será aprofundado o conceito de “equipa transdisciplinar”. De referir apenas aqui que a
equipa transdisciplinar inclui profissionais com diferentes formações e os pais, e implica a existência de um media- como instituições privadas e recursos informais;
dor de caso aliado a um tipo de funcionamento específico.
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Um guia para profissionais Capítulo 2 — Intervenção precoce em Portugal – um processo em constante evolução

58 59

2.2.3 COMPETÊNCIAS DOS MINISTÉRIOS


• Determina que o âmbito de atuação da IPI é multidisciplinar e interinstitucional;
• Identifica a família como elemento relevante para a planificação e prestação
de serviços de IPI;
• Define uma estrutura nacional de atuação, assente na coordenação e articulação Cada um dos três ministérios envolvidos tem competências próprias e competências intersec-
de recursos dos três ministérios e na partilha de responsabilidades (Figura 2.1). toriais, sendo que estas se desenvolvem a todos os níveis do sistema, coordenação nacional,
subcomissões regionais e equipas locais de intervenção (Figura 2.2).

FIGURA 2.1   Estrutura do SNIPI


FIGURA 2.2   SNIPI — Sistema transversal e intersectorial envolvendo Saúde, Educação
                        e Segurança Social

Em termos funcionais há claramente dois níveis: um de coordenação intersectorial, represen-


tado pela Comissão Nacional e pelas cinco Subcomissões Regionais; e um nível de intervenção
propriamente dita, de base comunitária, constituído pelas equipas locais de intervenção (ELI). Os elementos da Saúde, Educação e Segurança Social devem participar na ELI numa pers-
A estrutura do SNIPI inclui ainda uma rede de núcleos de supervisão técnica (NST), de âm- petiva transdisciplinar, envolvendo-se ativamente na construção dos planos individuais
bito distrital, que, apesar de formalmente integrarem a coordenação, fazem a ponte entre o de intervenção precoce (PIIP), apresentando e clarificando, respetivamente, a informação
nível coordenativo e as ELI. Os NST, para além de elementos dos três sectores, podem incluir médica, educacional e de cariz social relevante, conjugando-as entre si de forma otimizada
profissionais de outras áreas, nomeadamente académica, com reconhecido valor e méri- com o objetivo de ajudar a obter estratégias que concorram para a abordagem dos pro-
to nesta matéria, podendo assumir um papel de interface entre o sistema e a comunidade. blemas, necessidades e prioridades formuladas pelas famílias.

Relativamente às competências próprias de cada sector, para além da designação dos res-
petivos profissionais que integram as diferentes comissões e equipas, há aspetos específicos

2.2.2 OBJETIVOS DO SNIPI e complementares, a seguir destacados.

Ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social cabem essencialmente aspetos rela-


cionados com a cooperação ativa com as IPSS e equiparadas, para efeitos de contratação
O Artigo 4º do DL 281/09 define os objetivos do SNIPI, que se sintetizam de seguida: de profissionais de serviço social, terapeutas e psicólogos. É também a este ministério que
cabe a coordenação e presidência do sistema.
• Assegurar às crianças a proteção dos seus direitos e o desenvolvimento das suas
capacidades através da ação da IPI em todo o território nacional; O Ministério da Saúde tem competências específicas relevantes no âmbito do SNIPI. Aos
cuidados de saúde primários compete de uma maneira geral o rastreio, deteção e referen- Cada um dos
• Detetar e sinalizar todas as crianças com alterações das estruturas ou funções
três minis-
do corpo, assim como situações de alto risco para problemas do desenvolvimento; ciação de crianças elegíveis para apoio. De acordo com a legislação, a Saúde é a “porta de térios tem
entrada” no sistema e são os profissionais de saúde que têm a responsabilidade de orientar competências
• Intervir, após a deteção e sinalização, com base nas necessidades do contexto fa- específicas e
as crianças para o SNIPI, de acordo com os critérios de elegibilidade definidos.
miliar de cada uma das crianças elegíveis, com o objetivo de prevenir ou reduzir intersectoriais
atrasos no seu desenvolvimento;
A identificação de problemas de desenvolvimento e/ou fatores de risco biológico ou am-
• Apoiar o acesso das famílias aos serviços e recursos adequados a cada situação; biental deve levar à referenciação para a ELI da área e, se se justificar, à orientação
• Envolver a comunidade através da criação de mecanismos articulados de apoio social. simultânea para a consulta de desenvolvimento de referência.
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60 61

2.2.5 EQUIPAS LOCAIS DE INTERVENÇÃO


Recorde-se que são dois processos independentes e que, sendo geralmente elevado o tem-
po de espera para primeira consulta de desenvolvimento, não é aceitável o atraso no início
do acompanhamento da criança e família pela equipa local.

Às consultas e centros de desenvolvimento cabe de uma forma geral o diagnóstico, orientação As ELI são a base funcional de todo o sistema (Artigo 7º). Na dupla lógica de intervir em
contextos naturais e de facilitar o envolvimento dos cuidados de saúde primários (CSP), pre- As ELI são a
e acompanhamento especializados. Referimos o diagnóstico etiológico, exames comple- base do SNIPI
mentares, encaminhamento para outras consultas de especialidade (Genética, Neurologia, coniza-se que a sua localização preferencial seja em centros de saúde. Integram diferentes
Ortopedia, Reabilitação, ORL, Oftalmologia, etc.) ou avaliações por profissionais não médi- profissionais de diferentes serviços, nomeadamente médicos e enfermeiros dos CSP, edu-
cos (terapeutas, psicólogos ou outros). cadores destacados pelo ME, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas contratados por
instituições privadas através de acordos com o MTSS (Figura 2.3).
A participação formal do MS e dos seus profissionais, da coordenação à intervenção, é
A coorde- um aspeto relevante da nossa legislação, que não existe na maioria dos países, existin-
nação aos FIGURA 2.3   ELI — Equipas interserviços e transdisciplinares
do apenas uma colaboração e troca de informações com os prestadores de cuidados de
diferentes ní-
veis assume saúde, sempre que necessário.
um papel de-
terminante
do bom fun- Ao Ministério da Educação compete essencialmente organizar uma rede de agrupamen-
cionamento, tos de escolas de referência para a IPI e disponibilizar os profissionais de Educação para
num sistema
intersectorial integrar as ELI.

Findo o apoio pelo SNIPI, cumpre também aos serviços do ME apoiar e mediar o processo
de transição da criança para a estrutura formal de Educação que se lhe segue, garantindo
a continuidade de uma resposta inclusiva, e apoiando a família na clarificação dos seus direi-
tos e da sua criança, bem como no assumir do seu papel e estatuto enquanto “encarregado
de educação” na estrutura que o seu filho passará a frequentar.

2.2.4 COORDENAÇÃO

O Artigo 6º do Decreto-Lei 281/09 refere-se à Comissão de Coordenação do SNIPI, desig-


nada na legislação por Comissão.
Entre as funções das ELI, destacam-se:
Em termos estruturais e organizativos, a Comissão é presidida por um representante do MTSS
e integra dois representantes de cada ministério. Compreende ainda cinco subcomissões re-
• Identificação das crianças elegíveis de acordo com os critérios de elegibilidade
gionais, cada uma com um elemento de cada ministério, que funcionam na prática como
estabelecidos;
extensões da Comissão e integram e articulam diretamente com os NST.
• Elaboração e implementação do PIIP;
Em termos gerais, cabe à Comissão e subcomissões: • Identificação de necessidades e recursos disponíveis na respetiva área de influência;
• Articulação com outras entidades comunitárias envolvidas no apoio às crianças
• Articular as ações dos ministérios e regulamentar, acompanhar e avaliar o funcio- e famílias;
namento do SNIPI;
• Preparar a transição para o 1º Ciclo do Ensino Básico.
• Definir e implementar a estrutura organizacional do sistema;
• Criar instrumentos de regulação e intervenção técnica (critérios de elegibilidade, São elegíveis para apoio no âmbito do SNIPI crianças entre os 0 e os 6 anos de idade e res-
protocolos de cooperação, logótipo e modelos de comunicação, manual técnico, petivas famílias que apresentem condições incluídas nos seguintes grupos:
processo individual da criança, etc.);
• Promover formação e investigação no âmbito da IPI; 1º Grupo – “Alterações nas funções ou estruturas do corpo” que limitam o normal de-
senvolvimento e a participação nas atividades típicas, tendo em conta os referenciais
• Elaborar planos de ação e relatórios anuais de atividades;
de desenvolvimento próprios para a respetiva idade e contexto social;
• Coordenar a gestão de recursos humanos e materiais de acordo com plano anual;
2º Grupo – “Alto risco de atraso de desenvolvimento” pela existência de condições bio-
• Proceder à recolha e atualização de informação disponível e ao levantamento lógicas, psicoafectivas ou ambientais que implicam uma alta probabilidade de atraso
de necessidades; relevante no desenvolvimento da criança.
• Elaborar e atualizar bases de dados.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE I — Introdução
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62 63
Têm acesso ao SNIPI todas as crianças do 1º Grupo e as crianças do 2º Grupo que acumu- A articulação e coordenação formais de instituições de Saúde, Educação e Segurança Social
lem quatro ou mais fatores de risco biológico e/ou ambiental. Tal como foi empiricamente em cooperação com instituições privadas foi a chave encontrada para se prestarem ser-
demonstrado, este número constitui o ponto de charneira para um aumento substancial viços integrados, capazes de dar resposta abrangente a crianças e famílias envolvendo a
do efeito do risco (efeito cumulativo do risco). comunidade.

As diferentes situações incluídas nos dois grandes grupos referidos podem ser consultadas Esta assunção de que a IPI deve ser desenvolvida e implementada envolvendo formalmen-
no microsite do SNIPI. te os três sectores basilares da sociedade, de forma coordenada, foi uma das heranças do
projeto de Coimbra em 1989, preservada no Despacho Conjunto 891/1999 e no Decreto-Lei
281/2009 e é sem dúvida a característica central e específica da legislação portuguesa,
quando comparada com a de outros estados europeus ou americanos.

2.2.6 PLANO INDIVIDUAL DE INTERVENÇÃO


PRECOCE
Identificam-se na nossa legislação, de forma inequívoca, os cinco elementos relevantes para
a implementação de modelos de IPI, de acordo com o relatório de 2010 da European Agency
for Development in Special Needs Education.
No centro de todo o processo de IPI está a elaboração, implementação e revisão periódi-
ca do PIIP.
Elementos relevantes para a implementação de modelos de IPI
De acordo com a legislação (Artigo 8º), este plano deve resultar da avaliação da criança no • Disponibilidade: todas as crianças e famílias elegíveis são abrangidas;
seu contexto familiar e social. Deve incluir medidas e ações a desenvolver de forma a ga-
• Proximidade: os serviços são descentralizados e os recursos são disponibilizados
rantir uma intervenção ajustada às características individuais de cada criança e família e a
nas comunidades;
otimizar a complementaridade e a transição entre serviços e instituições.
• Viabilidade financeira: a IPI é gratuita e não representa um encargo financeiro
O PIIP deve conter pelo menos os seguintes elementos: para as famílias;
• Interdisciplinaridade: as ELI incluem profissionais de diferentes disciplinas;
• Identificação de recursos e necessidades da criança e família;
• Diversidade de serviços: para além de diferentes disciplinas, os profissionais pro-
• Identificação dos apoios a prestar; vêm de diferentes serviços da comunidade.
• Início do plano e duração previsível;
• Definição da frequência das avaliações efetuadas com criança e família, com base A mudança social e legislativa dos últimos anos levanta claramente novos desafios às famí-
nos problemas iniciais e evolução; lias, profissionais, formadores e decisores.

• Sempre que adequado, deve definir os procedimentos relacionados com a transi-


As grandes prioridades para as próximas décadas têm a ver com o desenvolvimento pro-
ção para o contexto escolar;
fissional dos técnicos envolvidos, a redefinição da sua formação específica, a melhoria
• Declaração de aceitação das famílias. da sua capacidade para aumentar o envolvimento das famílias e a implementação de prá-
ticas de qualidade a nível nacional.
Coordenação
Deste modo, é importante que o SNIPI continue a evoluir tendo em conta uma série de as- eficaz,
petos relevantes para a implementação de serviços de qualidade: qualificação

2.3
profissional,

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
envolvimento
1. Assegurar uma coordenação eficiente, a todos os níveis, com definição muito clara das famílias e
de responsabilidades e funções. Essa coordenação deve não só ser intersectorial mas monitorização
SOBRE O DL 281/2009 E A SUA também existir dentro de cada sector. As políticas nacionais de IPI devem ser desen- do sistema
são áreas

               OPERACIONALIZAÇÃO FUTURA
volvidas conjuntamente pelos três sectores, num trabalho coordenado que nunca é a melhorar
demais enfatizar; no futuro

2. Melhorar a formação e qualificação de todos os profissionais envolvidos no sistema.


Desde o início do novo milénio, a IPI granjeou uma audiência crescente e motivada. Serviços, Uma série de características-chave devem ser tomadas em consideração na plani-
profissionais e famílias adquiriram plena consciência da mudança paradigmática ocorrida ficação e desenvolvimento de um plano formativo nesta área (Boavida & Carvalho,
e aceite em todo o País em direção a uma intervenção inclusiva, centrada na família, eco- 2003). A formação deve:
lógica e abrangente (Boavida, Carvalho, & Espe-Sherwindt, 2009).
• Ser dirigida à equipa e ser relevante para a prática do dia a dia;
Cedo se compreendeu que, num país com recursos económicos limitados, a forma mais • Incluir valores e aspetos conceptuais, para além de conhecimentos e competências;
realística de organizar serviços de intervenção precoce seria através do aproveitamento
e rentabilização dos recursos materiais e humanos existentes. • Fornecer uma visão partilhada e uma filosofia e conteúdo comuns a todas as
disciplinas;
• Envolver diretamente as famílias;
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

64
• Produzir mudanças significativas e duradouras nas competências profissionais;
• Ser responsiva às necessidades identificadas pelas equipas;
• Promover oportunidades de prática e reflexão, no contexto formativo; Práticas recomendadas em
intervenção precoce na infância
• Fornecer suporte contínuo através de uma supervisão individualizada.

3. Abranger toda a população-alvo respondendo às necessidades a nível nacional sem


assimetrias regionais;

4. Implementar práticas que promovam o envolvimento das famílias e incrementem a


sua participação, reconhecendo nelas um aliado com potencial para desenvolver ca-
pacidades e competências;

5. Garantir padrões de qualidade e assegurar uma avaliação e monitorização contínuas

PARTE II
do processo de implementação do SNIPI a nível nacional.

A intervenção precoce na infância corresponde a um conceito e a uma prática que continuam


a evoluir e a refletir a vontade e determinação de investir muito precocemente em crianças
com problemas do neurodesenvolvimento ou alto risco e suas famílias. Cabe a todos nós,
profissionais, formadores, supervisores, coordenadores e decisores políticos, um relevante
papel para fazer da IPI uma área de excelência.

Capítulos:
3 Afamília:
abordagem centrada na
Princípios orientadores
para a intervenção precoce na
infância

4 Ocentrada
processo de intervenção
na família

5 Um sistema integrado de
intervenção precoce na infância:
Colaboração intersectorial e
Um enquadramento conceptual coerente transdisciplinar
(...) pode reduzir significativamente a
discrepância entre o que sabemos e o 6 Aintervenção
avaliação de programas de
precoce na infância
que fazemos na área da Intervenção
Precoce na Infância

Guralnick, 2001
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais

66 67

PRÁTICAS RECOMENDADAS EM
INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA

No trabalho diário da intervenção precoce na infância (IPI), muitas são as incertezas e receios
que assaltam os profissionais, preocupados em prestar uma ajuda eficaz junto das crianças
e cuidadores com quem lidam diariamente. De certa forma, pode-se considerar que estas
incertezas e receios são quase inerentes ao processo de trabalho destes profissionais, desa-
fiados todos os dias por questões complexas, dúvidas e solicitações que lhes surgem sempre
como novas, porque novas e únicas são todas as interações e experiências do profissional
de IPI com as pessoas com quem lida no seu meio de atuação. Se esta é a verdadeira riqueza
da IPI, é também aqui que reside o seu maior desafio, exigindo conhecimentos, competên-
cias relacionais e funcionais dos profissionais e da sua equipa de intervenção.

O conhecimento daquelas que são as práticas recomendadas para a área da IPI assume,
por isso, uma importância fundamental no sentido em que permite dar segurança aos pro-
fissionais sobre quais as práticas que são eficazes, fundamentadas em evidências credíveis e
internacionalmente reconhecidas como práticas de intervenção de qualidade, estabelecen-
do as linhas de pensamento e ação que deverão nortear a intervenção técnica. As práticas
recomendadas são assim um importante referencial ou roteiro para os profissionais, ofere-
cendo-lhes orientações gerais que os ajudarão a tomar decisões informadas para as suas
ações. Ao mesmo tempo, assumem-se também como referenciais de qualidade úteis para
as famílias, na medida em que as podem informar sobre os direitos e deveres que são ine-
rentes à intervenção que lhes está a ser prestada.

Na Parte II deste guia, apresentamos as práticas que, graças ao extenso trabalho de inves-
tigação realizado por organismos internacionalmente reconhecidos na área da IPI sobre os
indicadores de qualidade presentes na evidência científica recente, são hoje consensualmen-
te consideradas práticas recomendadas para conduzir eficazmente a intervenção precoce.
Estas são, designadamente:

• Intervenções centradas na família e baseadas nas rotinas;


• Intervenções em contextos naturais de aprendizagem;
• Trabalho em equipa, preferencialmente transdisciplinar;
• Coordenação e integração de serviços e recursos.

Não obstante todo o enfoque que é colocado ao longo da segunda parte deste guia nas
práticas recomendadas e no seu papel orientador dos profissionais, importa deixar bem
claro que não se dispensa uma atitude e uma postura sistemática de reflexão e questiona-
mento da parte dos profissionais que lhes permita adotar uma abordagem que se baseie
em evidências que os ajude a tomar decisões informadas para as suas práticas. É por isso
que insistimos na importância de os profissionais de IPI recorrerem a práticas baseadas em
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais

68 69

3
evidências. Entre diferentes definições existentes, podemos apontar para a seguinte defini-
ção de práticas baseadas em evidências (PBE) no domínio da IPI: “Um processo de tomada
de decisão que integra as evidências mais credíveis da investigação com os conhecimentos A ABORDAGEM CENTRADA
NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS
e valores dos profissionais e das famílias” (Buysse & Wesley, 2006).

ORIENTADORES PARA A
Quando falamos, no âmbito da IPI, em PBE estamos a referir-nos a um processo em que
os profissionais procuram identificar e tomar decisões quanto às práticas ou estratégias

INTERVENÇÃO PRECOCE
mais adequadas, em estreita colaboração com as famílias, e não deixando de ter em linha
de conta a especificidade do contexto de intervenção em causa. Neste processo são toma-
das em consideração diferentes fontes-chave de evidências (dados da investigação sobre
a eficácia de práticas específicas e intervenções, confrontando-as com os saberes, a expe-
riência e os valores dos próprios profissionais e das famílias). NA INFÂNCIA
A Parte II inicia-se com um capítulo introdutório (Capítulo 3) onde se apresenta o enqua-
dramento e princípios teóricos da abordagem centrada na família, baseada nos contextos
naturais e recursos da comunidade, bem como do funcionamento em equipa transdisciplinar.

Segue-se um extenso capítulo dedicado à operacionalização detalhada do processo de Apresentaremos neste capítulo um conjunto de princípios que orientam as práticas de inter-
intervenção centrada na família (Capítulo 4). É de salientar a forte vertente prática deste venção precoce na infância (IPI) e que, por sua vez, assentam numa extensa investigação e
capítulo, procurando-se exemplificar procedimentos e estratégias recorrendo a situações Evolução dos
validação empírica do trabalho com crianças e famílias em IPI. Nos últimos 50 anos, assisti- conhecimentos
e casos práticos. Para este efeito contou-se com os contributos, através de reflexões e teste- mos a um intenso aprofundar dos nossos conhecimentos sobre o desenvolvimento de bebés e implicações
munhos, de profissionais das ELI, bem como de famílias apoiadas no âmbito da IPI. e crianças e as práticas recomendadas em IPI assentam (também) nesse saber. Este conheci- para a IPI
mento sobre as capacidades dos bebés e das crianças assim como do efeito que o ambiente
No Capítulo 5 aprofunda-se a organização de um sistema integrado de serviços e recursos tem na sua saúde e processo de desenvolvimento ajudou-nos a clarificar quão importantes
em IPI, assente num processo de colaboração intersectorial e transdisciplinar que viabilize são as experiências precoces e as relações que a criança estabelece com os seus primeiros
uma intervenção integrada, como alternativa às respostas sectoriais fragmentadas. É um e principais prestadores de cuidados.
capítulo útil não só para os profissionais que trabalham nas equipas de intervenção, mas
também para outros profissionais com responsabilidades no planeamento, na organização Desde há mais de três décadas que Carl Dunst e seus colaboradores têm vindo a realizar
e coordenação de serviços relacionados com a IPI. um amplo trabalho de investigação sobre a intervenção junto de crianças e famílias. Com Modelo
base nesse trabalho, estes autores desenvolveram um modelo explicativo quanto à forma integrado
Esta segunda parte termina (Capítulo 6) com a avaliação de programas de IPI, refletindo de operacionalizar o trabalho de IPI, sustentado na adoção de práticas centradas na família de IPI
e descrevendo os procedimentos e a importância da avaliação nos diferentes patamares (Dunst, 2000). Este é um modelo integrado, baseado na evidência, que coloca a ênfase na
do sistema de IPI, enquanto fator de reflexão e de aperfeiçoamento constantes, determinan- influência dos sistemas sociais e nas variáveis ambientais que estão associadas à promo-
tes para a qualidade das práticas de intervenção em IPI. ção do desenvolvimento e ao fortalecimento da família. De acordo com o modelo de Dunst,
designado como modelo de IPI de terceira geração, a intervenção precoce visa influenciar
O desafio lançado agora aos profissionais em relação a este conjunto de práticas recomen- a aprendizagem e o desenvolvimento da criança sob um amplo chapéu, que inclui os prin-
dadas não é que as conheçam, que as assimilem e as implementem como um receituário, cípios das práticas centradas na família e tem como finalidade garantir que as experiências
mas sim que recorram a uma reflexão sistemática e se questionem constantemente em cada e oportunidades dos contextos naturais (como o contexto familiar, a creche, o jardim de in-
situação da sua prática diária. Só assim estes capítulos poderão ser lidos para além do que fância ou outros) tenham como consequências a promoção e o reforço das competências
parece óbvio e simples e, assim, permitir aos profissionais desvendar o poder que efetiva- das crianças, dos cuidadores e das famílias. A Figura 3.1 ilustra esta ideia.
mente têm para fazer realmente a diferença na sua intervenção do dia a dia.

FIGURA 3.1   Ilustração do modelo integrado de IPI (adaptado de Dunst, 2000)


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais

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3.1 UMA ABORDAGEM CENTRADA NA


Assim, tomando as práticas centradas na família como a ferramenta de intervenção a utilizar,
identificam-se como alvos prioritários da IPI a promoção de oportunidades de aprendizagem
das crianças, os apoios aos pais e a mobilização dos recursos familiares e da comunidade.
Estes são componentes cruciais do modelo integrado de terceira geração sobre a interven-
FAMÍLIA: O QUE É?
ção precoce e o apoio familiar (Dunst, 2000).
No domínio da IPI, desde a implementação dos primeiros programas nos EUA na déca-
Principais componentes do modelo integrado de terceira geração sobre a intervenção da de 70, várias foram já as conceptualizações e os modelos adotados como referenciais
precoce e o apoio familiar da intervenção realizada de acordo com as práticas vigentes em diferentes momentos e com
a evolução da investigação e do conhecimento científico.
• Oportunidades de aprendizagem da criança — Um dos focos do trabalho no âmbi-
to da IPI será a maximização das oportunidades de aprendizagem da criança no
Os avanços na compreensão do processo de aprendizagem da criança e do poder fun-
sentido de promover o seu desenvolvimento. As oportunidades de aprendizagem
damental que a família tem no seu desenvolvimento, assim como as várias investigações
acontecem em todas as atividades interessantes e significativas em que a criança se
realizadas sobre a eficácia de diferentes programas de IPI, contribuíram para o reconhe-
encontra envolvida, potenciando o desenvolvimento de competências e resultando
cimento das práticas centradas na família como as mais contingentes com as necessidades
num sentimento de mestria/domínio da criança sobre as suas próprias capaci-
de crianças e famílias e, por isso, como as recomendadas para a IPI.
dades e sobre os outros e o meio ambiente. Estas oportunidades surgem tanto na
vida familiar (rotinas, eventos familiares, atividades lúdicas como jardinagem, etc.)
Efetivamente, a Division for Early Childhood (DEC)1 reconhece, desde 1993, as práticas cen-
como na vida na comunidade (saídas de família, acontecimentos comunitários, idas
tradas na família como a abordagem mais recomendada para trabalhar na área da IPI,
à igreja/grupos religiosos, espetáculos, etc.), ou nos espaços formais de aprendi-
com efeitos mais sustentáveis a médio e a longo prazo (McWilliam & Strain, 1993; Odom &
zagem, como as creches e jardins de infância;
McLean, 1993; Vincent & Beckett, 1993, citados por Epley, Summers, & Turnbull, 2010).
• Apoios aos pais — Outro dos objetivos do trabalho em IPI será reforçar as capa-
cidades parentais, promover oportunidades que permitam a aquisição de novos
A abordagem centrada na família é definida como uma filosofia e um conjunto de práti- O que é a
conhecimentos e competências e ainda fortalecer a confiança e o sentimento de
cas que reconhecem a centralidade da família e promovem as suas forças e capacidades abordagem
autoeficácia dos pais. As atividades de apoio aos pais incluem a disponibilização centrada na
(Trivette & Dunst, 2005). Nesta abordagem, as famílias são apoiadas no seu papel de cuida-
de informações, aconselhamento e orientação, o apoio emocional e o apoio instru- família?
doras, partindo dos seus pontos fortes, únicos e diferenciados enquanto indivíduos e famílias.
mental por parte dos profissionais, assim como o apoio entre pais. Estas diferentes
O papel-pivô da família é reconhecido e respeitado, sendo ela considerada a principal uni-
e complementares formas de apoio tanto servem para reforçar o conhecimento e
dade da intervenção e o elemento-chave no processo de tomada de decisão e na prestação
as competências parentais existentes como para promover a aquisição de novas
de cuidados à criança.
competências, necessárias para levar a cabo as suas responsabilidades de pres-
tação de cuidados e para promover oportunidades de aprendizagem às crianças;
Assim, a utilização de práticas centradas na família tem mais a ver com o como se faz do
• Recursos da família e da comunidade — Um terceiro foco da intervenção será que com o que se faz. As práticas centradas na família não são um substituto de outro tipo A importância
do ‘como’ se
garantir que os pais dispõem dos apoios e recursos necessários de forma a pro- de intervenções mas referem-se, em vez disso, à forma como as intervenções são propor- faz
porcionar-lhes o tempo e a energia física e psicológica de que necessitam para cionadas ou usadas. Em qualquer área de intervenção (intervenção precoce, educação,
se envolverem nas tarefas parentais e de prestação de cuidados à criança. Os terapias, medicina, etc.) pode-se implementar uma abordagem centrada na família:
apoios familiares e da comunidade englobam qualquer tipo de recursos intrafa-
miliares ou da comunidade, informais (ex. amigos) ou formais (ex. serviços), de que “A prestação de serviços centrada na família, transversal às diferentes disciplinas e con-
os pais (todos os pais) necessitam para se envolverem nas atividades parentais e textos, reconhece a importância fulcral da família nas vidas dos indivíduos. Orienta-se por
de educação das suas crianças. Incluem experiências como: a Hora do Conto numa um conjunto de escolhas devidamente informadas feitas pela família e foca-se nos pontos
biblioteca local, aulas de natação numa associação desportiva, grupos de música fortes e capacidades das famílias.” (Allen & Petr, 1996, p. 66)
ou expressão dramática numa associação recreativa, serviços de babysitting, cre-
che ou jardim de infância, etc.
“A abordagem centrada na família assenta numa filosofia de atendimento em que o papel
(Dunst, 2000)
fundamental da família é reconhecido e respeitado como primordial nas vidas das crian-
ças que requerem cuidados especiais de saúde. Esta filosofia partilha a ideia de que as
famílias devem ser apoiadas nos seus contextos naturais e nos seus papéis de decisão
Partilhamos com este modelo a compreensão de que uma abordagem assente em práti-
através do reforço das capacidades únicas que possuem como pessoas e como famílias.”
cas centradas na família deverá ser a base que sustenta ou o chapéu que abarca todas e
(Brewer, McPhearson, Magrab, & Hutchins, 1989, p. 1055)
quaisquer ações no âmbito da IPI. Assim, apresentaremos neste capítulo os princípios ca-
racterísticos de uma abordagem centrada na família, assumindo e justificando que estes
deverão ser os princípios orientadores das práticas em IPI. Os princípios de uma abordagem centrada na família têm sido referidos extensivamente
na literatura, podendo encontrar-se atualmente várias descrições de princípios ou carac-
terísticas que conferem à intervenção centrada na família o seu caráter único e distinto
de outros serviços. Dunst e seus colaboradores desempenharam um papel fundamental na

1 A Division for Early Childhood (DEC) do Council for Exceptional Children é uma organização americana, de mérito
reconhecido internacionalmente, e que agrega investigadores de vários países. A DEC define orientações baseadas
na evidência sobre o apoio às famílias e a promoção do desenvolvimento de crianças até aos 8 anos, em situação
de risco ou com atrasos e problemas no desenvolvimento (DEC, 2014).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

72 73
operacionalização e divulgação da abordagem centrada na família entre os profissionais De facto, tradicionalmente os esforços da IPI centravam-se exclusivamente na criança, sendo
de IPI, formulando os seus princípios orientadores, conforme apresentado de seguida. responsabilidade dos profissionais identificar os fatores de risco e conceber e implemen-
tar intervenções destinadas a diminuir o impacto desses fatores no desenvolvimento atual e
futuro da criança. Os profissionais de IPI eram vistos como peritos na identificação das ne-
Dez princípios Dez princípios orientadores das práticas centradas na família cessidades da criança e no planeamento das estratégias de intervenção, enquanto os pais
da interven-
ção precoce 1. As famílias e os seus membros são em todas as circunstâncias tratados com digni- recebiam “formação” e seguiam as orientações dos profissionais durante a implementação
centrada na dade e respeito; dessas intervenções (McWilliam, 2003).
família
2. Os profissionais são sensíveis e responsivos à diversidade cultural, étnica e socioe-
Apresentam-se e explicam-se, em seguida, algumas questões-chave que caracterizam a
conómica das famílias;
abordagem centrada na família:
3. O processo de escolha e de tomada de decisão das famílias acontece em todos os
• Toda a família é unidade da intervenção — A abordagem centrada na família conside- Toda a
níveis de envolvimento da família no processo de intervenção;
ra as necessidades dos membros da família para além das necessidades da criança, família é a
4. Os profissionais partilham a informação de que as famílias necessitam para que seguindo a teoria de que aquilo que afeta um membro da família tem impacto em unidade da
intervenção
possam fazer escolhas informadas de forma sensível, completa e não distorcida; todos os restantes (McWilliam, 2010). Assim, por exemplo, se um pai estiver preocu-
pado com a sua situação de desemprego, é provável que isto afete a qualidade das
5. O foco das práticas de intervenção assenta nos desejos, nas prioridades e nas pre-
interações com a sua mulher e filho, o que poderá ter impacto no desenvolvimento
ferências da família;
da criança. A abordagem centrada na família pretende então dar resposta não só
6. Os profissionais disponibilizam apoios, recursos e serviços às famílias de uma forma às necessidades da criança mas de toda a família, por exemplo através do apoio
sensível, responsiva e individualizada; aos pais na procura de emprego, apoios financeiros, serviços de babysitting, apoio
7. Para se atingirem os objetivos identificados pela família, é usado um vasto leque psicológico, etc.;
de apoios e recursos formais, informais e da comunidade; • Profissionais e famílias trabalham em parceria e colaboração, por oposição a um Parceria entre
8. Os profissionais constroem sobre os pontos fortes, as capacidades e os interesses modelo de perito vs. famílias — Sendo objetivo das práticas centradas na família a profissionais e
da criança, dos seus pais e da família como as vias principais de fortalecimento valorização dos pontos fortes das famílias e a promoção do seu sentido de controlo famílias
do funcionamento familiar; sobre o processo de decisão e intervenção, o papel dos profissionais é fornecer às
famílias a informação necessária para elas poderem tomar decisões informadas e,
9. As relações entre os profissionais e as famílias caracterizam-se por parcerias cola-
mais importante, respeitar essas decisões em cada momento da intervenção (Shelton
borativas baseadas na confiança e respeito mútuos e na partilha do processo de
& Stepanek, 1994). A família colabora com os profissionais em todas as etapas da
resolução de problemas;
intervenção – conduzindo as avaliações, definindo as prioridades de entre os obje-
10. Os profissionais usam práticas de prestação de ajuda que apoiam e fortalecem o tivos formulados, desenhando os planos de intervenção e implementando aquela
funcionamento familiar. que consideram mais adequada para si e para os seus filhos (Noonan & McCormick,
(Dunst, 1997) 1993). Em suma, os pais são parceiros ativos no desenvolvimento e implementação
do processo de intervenção, assumindo o protagonismo que lhes é devido;

• As práticas de intervenção respondem às prioridades e objetivos da família — Responder às


A adoção de uma perspetiva centrada na família, colocando a família no centro da intervenção,
Adoção da A abordagem centrada na família defende que a intervenção deve desenvolver- prioridades e
abordagem implica uma mudança de paradigma na forma como tradicionalmente se conceptualiza- objetivos da
-se com base nos objetivos, prioridades, preocupações e necessidades da família.
centrada na vam os serviços de prestação de ajuda a crianças com dificuldades. Como diz Carvalho família
família: uma A identificação das prioridades e objetivos das famílias será, assim, o primeiro passo
(2004), a capacidade de um profissional se tornar centrado na família exige uma mudança
mudança de para uma intervenção realmente centrada na família. As práticas verdadeiramente
paradigma nos modelos valorizados e nas crenças acerca das famílias, para além do seu próprio papel
responsivas àquilo que os pais consideram importante para si e para toda a família
enquanto prestador de serviços.
terão mais influência e consequências mais positivas, porque a família estará natu-
ralmente mais disponível para as adotar;

• Os profissionais são agentes ao serviço da família — As práticas centradas na famí- Os profis-


PARAR PARA PENSAR: sionais são
lia têm como objetivo ajudar a família a responder às suas próprias necessidades,
tal como decorre do ponto anterior. Assim, a intervenção centrada na família deve agentes ao
Copérnico realizou uma mudança totalmente surpreendente: pôs o Sol no centro do serviço da
ser baseada nas necessidades e “orientada pelo consumidor” e não nas necessida- família
Universo e não a Terra. A sua declaração causou uma profunda comoção.
des e objetivos identificados pelos profissionais;

Façamos uma pausa para considerar o que seria se tivéssemos uma revolução “co- • As práticas de intervenção são individualizadas para cada família — Uma vez que
Práticas indi-
pernicana” no campo das necessidades especiais… A família é o centro do universo deriva das prioridades estabelecidas pela família, o plano de intervenção deverá vidualizadas
e o sistema de prestação de serviços é um dos muitos planetas que giram ao seu necessariamente refletir a especificidade de cada família. Cada família é única e para cada
redor. Agora visualize o sistema de prestação de serviços no centro e a família em é ela que tem a última palavra sobre a melhor opção entre as opções de serviços família
órbita, em seu redor. Consegue ver a diferença? Reconhece a mudança revolucioná- disponíveis (McWilliam, 2003). Deste modo, as práticas de intervenção não poderão
ria desta perspetiva? Isto é um exercício de semântica – uma revolução que nos leva ser pré-formatadas, como um “pronto-a-vestir”. Na abordagem centrada na família,
a um novo conjunto de pressupostos e a um novo panorama de opções nos serviços. “o mesmo tamanho não serve para todos” (McWilliam, 2003) e por isso a interven-
ção será mais semelhante à “alta costura”.
(adaptado de Turnbull & Summers, 1985)
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

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3.1.1 A INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA E


“O apoio centrado na família não é nem um lugar de destino nem algo que possamos
alcançar de um minuto para o outro. É uma busca contínua e incessante da capacidade
de responder às prioridades e escolhas das famílias.” BASEADA NOS CONTEXTOS NATURAIS E
(Bissell, n.d.)                   RECURSOS DA COMUNIDADE
Não basta Um dos equívocos frequentes é pensar que só é possível utilizar um modelo de intervenção A intervenção
trabalhar Será fácil perceber que uma abordagem centrada na família se distingue, em vários as-
centrado na família quando estamos a trabalhar com as famílias, e preferencialmente nas centrada na
com a família petos, de outras conceptualizações do trabalho com famílias. Não basta trabalhar com a família envol-
suas casas. Toda a intervenção, quer decorra em casa da família, num contexto educativo ou
para se ser família para se ser centrado na família. Por exemplo, uma intervenção em que o profissional ve os vários
centrado na noutro contexto, quer envolva os pais, a ama, a educadora ou outro cuidador significativo, contextos e
ignora as necessidades e preocupações expressas por uma família, “prescrevendo-lhe” es-
família pode e deve desenvolver-se segundo uma perspetiva centrada na família. Uma intervenção cuidadores da
tratégias e ações que a família não deseja, não compreende, não concorda e que em nada criança
enquadrada neste modelo vai otimizar as oportunidades de aprendizagem e de desenvol-
tranquilizarão ou darão resposta às necessidades por ela expressas não é uma intervenção
vimento da criança onde quer que ela se encontre ao longo do dia ou da semana.
centrada na família.
O que
distingue a A intervenção centrada na família não depende nem do contexto de intervenção nem
Vários termos têm sido usados para descrever as diferentes abordagens de apoio à família.
abordagem do domínio da atividade, diz antes respeito à forma de se intervir e à filosofia que subjaz
Por exemplo, Dunst e seus colaboradores (Dunst, Johanson, Trivette, & Hamby, 1991) identifi-
centrada na à intervenção.
família de cam quatro tipos de abordagens de apoio à família que diferem no que concerne ao grau
outro tipo de de protagonismo atribuído à família: centradas no profissional; aliadas à família; focadas
abordagens na família; e centradas na família. No Quadro 3.1 pode ver-se o que há de diferente entre Assim, é possível e desejável fazer uma intervenção centrada na família respeitando todos
de apoio à
família? cada uma das abordagens. os princípios subjacentes a esta abordagem em qualquer contexto natural da criança. Por
exemplo, num contexto educativo, com o educador de infância, em que toda a intervenção
realizada neste contexto, é partilhada e planeada com a família respeitando as suas preocu-
pações e prioridades2. De facto, a intervenção centrada na família pode e deve ser realizada
QUADRO 3.1   Diferentes abordagens de apoio à família
em todos os principais contextos naturais de vida das crianças e das famílias.

Tipo de Conceções típicas sobre o profissional


Conceções típicas sobre a família De forma a promover realmente o controlo e a autonomia das famílias e a sustentabilida- Intervenção
abordagem e a intervenção
de da intervenção, as intervenções com crianças em idades precoces serão mais eficazes nos contextos
O profissional é o agente/instrumento naturais da
se proporcionadas nos seus contextos naturais de aprendizagem, como a casa, a creche criança e
da família.
ou jardim de infância e a comunidade (DEC, 2014). família
O seu papel é fornecer à família a
A família é considerada como com- informação necessária para esta to-
De facto, muitas atividades de aprendizagem “simplesmente acontecem” e surgem natural-
Centrada na pletamente capaz de tomar decisões mar decisões informadas e criar
mente nos contextos da vida familiar e da comunidade3. Uma das razões mais importantes
família informadas e concretizar as suas oportunidades para fortalecer as
para que as intervenções ocorram em contextos naturais é poder tirar-se vantagem de to-
escolhas. suas competências. As intervenções
das as oportunidades de aprendizagem em que a criança participa naturalmente e que têm
centram-se na promoção de compe-
o potencial de promover o comportamento e o desenvolvimento da criança (Bruder, 2010).
tências e na mobilização de recursos e
apoios para a família, de uma forma
individualizada, flexível e responsiva. Os contextos naturais de aprendizagem são os que proporcionam múltiplas oportunida-
des para experiências de aprendizagem e incluem a família, a vida na comunidade e a
A família é considerada como capaz
creche ou jardim de infância (Dunst & Bruder, 1999).
para fazer escolhas, mas as opções O profissional apoia e aconselha a
são limitadas aos recursos, apoios e família sobre como devem ser condu-
Focalizada na Como veremos mais adiante, as intervenções com crianças em idades precoces serão mais
serviços que o profissional crê que zidas as intervenções, monitorizando o
família eficazes se proporcionadas nos seus contextos naturais de aprendizagem, como o domicílio
melhor se adaptam às necessidades uso que a família faz dos serviços vei-
da família; a família é vista como con- culados pelo profissional. ou o contexto educativo, tal como é recomendado pela DEC (2014, p. 8):
sumidora dos serviços. Intervenção
baseada
A família é vista como minimamen- O profissional estabelece as inter- “Os profissionais devem providenciar serviços e apoios nos contextos naturais e inclusivos nas rotinas
te capaz de efetuar mudanças na sua venções que considera importantes e durante as rotinas e atividades diárias de forma a promover a participação da criança da criança e
Aliada à nas experiências de aprendizagem.” família
vida mas é considerada como um ins- necessárias para a família, devendo
família
trumento ou um “agente” ela implementar e desenvolver as in-
do profissional. tervenções prescritas. Intervenção
Nesta sequência, será fácil de compreender que na abordagem centrada na família todos
baseada nos
A família é vista como incompeten- O profissional é considerado o peri- e quaisquer membros da rede de suporte social são considerados potenciais fontes de ex- recursos da
te e deficitária. Tem uma participação to que determina as necessidades da periências, oportunidades, aconselhamento ou orientação para influenciar positivamente a comunidade
Centrada no
passiva no processo, havendo pouca família e é ele quem implementa as
profissional 2 No Capítulo 4 deste guia será mais detalhado o processo de implementação e monitorização da intervenção nos
ou nenhuma consideração pelas suas intervenções. Modelo “paternalista”,
contextos naturais da criança, nomeadamente em casa e no contexto educativo.
opiniões e pontos de vista. mais semelhante ao modelo médico.
3 A explicação de como se processa a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças é mais detalhada no Ponto
Fonte: Dunst, C. J., Johanson, C., Trivette, C. M., & Hamby, D. (1991), Family oriented early intervention policies and practices: Family-centered or 2 deste capítulo: “Uma abordagem centrada na família: Porquê? Como as crianças aprendem e se desenvolvem
not? Exceptional children, 58, 115-126. Adaptado e reproduzido com permissão do autor. e o poder da família na intervenção”.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

76 77
aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, pais e família (Dunst, 2005). Assim, a inter- • A intervenção é individualizada para cada família;
venção centrada na família vai enfatizar o reforço da rede social de cada família e a utilização
• A intervenção é realizada nos contextos naturais e rotinas da criança e família e
desta rede como fonte primordial de apoio e recursos para satisfazer as suas necessidades.
é baseada na mobilização dos recursos existentes na rede da comunidade.

A mobilização dos recursos formais e informais de suporte da comunidade aumenta a eficá-


cia das práticas de intervenção por oposição a uma abordagem baseada nos serviços, em
que a fonte de suporte para as necessidades da família depende exclusivamente dos profis-
sionais e dos serviços que eles providenciam (Trivette, Dunst, & Deal, 1997). Uma intervenção
baseada nos recursos considera os recursos providenciados pelos membros da rede social

3.2 UMA ABORDAGEM CENTRADA


de suporte como as experiências e oportunidades necessárias para fortalecer e promover
competências, por comparação com os serviços disponibilizados por programas e serviços
profissionais (Dunst, 2000). Considera-se que devem ser ativados recursos formais, como os
serviços médicos, terapêuticos ou o contexto educativo da criança, mas também os recursos
NA FAMÍLIA: PORQUÊ?
informais, como os amigos, vizinhos, familiares, associações da comunidade (disponibilizan-
do atividades de música, ginástica, natação, etc.), grupos de pais ou de voluntariado. Como as crianças aprendem e se desenvolvem e o
poder da família na intervenção
Os membros da família devem ser envolvidos ativamente na procura e obtenção de apoio em
vez de lhes ser dada ajuda de forma não contingente com as necessidades que eles próprios
identifiquem e priorizem. Apesar de os profissionais poderem também providenciar ou dar às A vida familiar é rica na capacidade de proporcionar às crianças diferentes experiências e O poder da
famílias apoios e recursos de que elas necessitem, ao substituírem-se às famílias no processo oportunidades de aprendizagem como parte do seu dia a dia. A qualidade das experiências família no de-
de identificação e priorização de necessidades poderão estar a perpetuar a dependência que os pais proporcionam às crianças tem um impacto muito significativo no seu desenvol- senvolvimento
destas famílias, privando-as da oportunidade de usarem as suas próprias competências e da criança
vimento, independentemente da quantidade e qualidade dos brinquedos e materiais que
de desenvolverem novas competências (Skinner, 1978, citado por Dunst & Trivette, 2009a). as crianças tenham em casa ou dos serviços educativos e terapêuticos que frequentem
(Mahoney & MacDonald, 2007).
Em oposição a uma abordagem baseada nos serviços, na abordagem baseada nos recursos
todas e quaisquer fontes de apoio da comunidade, formais ou informais, são consideradas De facto, as famílias são a principal estrutura organizadora no desenvolvimento de uma
opções a que recorrer para ir ao encontro das necessidades da criança e da família. criança (Bronfenbrenner, 1979) e é sobretudo através da interação com os seus cuidadores
familiares que ela desenvolve as suas ideias basilares sobre o mundo, sobre si própria e so-
bre os outros.
“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.”
Provérbio africano Mahoney e MacDonald (2007) apresentam três ordens de razões para justificar a influência
primordial que os pais (biológicos ou adotivos) têm no desenvolvimento da criança:

O objetivo da IPI deverá ser a utilização destes recursos da aldeia, aqui entendida como 1. Em primeiro lugar, porque estabelecem com ela uma relação de afeto e vinculação
qualquer comunidade, e das experiências que ela providencia como uma forma de promo- que mais ninguém pode substituir;
ver as competências da criança e da família: 2. Em segundo lugar, porque a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças é um
processo contínuo que pode ocorrer em qualquer situação do dia a dia em que a
“As práticas centradas na família ajudam a organizar os apoios e recursos que garantem criança esteja ativamente envolvida;
que os pais terão o tempo e a energia para interagir com os seus filhos de modo a pro-
3. Por último, porque mesmo que tenham tempo limitado para estar com a criança,
porcionar-lhes as experiências e oportunidades que promovam a sua aprendizagem e o
devido a responsabilidades laborais ou outras, os pais têm muito mais oportunida-
desenvolvimento.” (Trivette, Dunst, & Hamby, 2010, p. 15)
des para interagir e promover o desenvolvimento das crianças do que qualquer outro
adulto ou profissional alguma vez terá.

O mesmo se passa com os pais de crianças com necessidades educativas especiais (NEE)
EM SÍNTESE: ou em risco, pois eles têm um papel significativo no desenvolvimento e funcionamento so-
cial e emocional dos seus filhos. E, apesar de os resultados desenvolvimentais obtidos pelas
Uma abordagem centrada na família: O que é? crianças com NEE serem influenciados pela natureza ou gravidade dos seus défices ou per-
turbações no desenvolvimento, a investigação acerca do impacto das interações pais-criança
• A família é considerada o elemento-chave no processo de tomada de decisão e
conclui que os pais são o principal agente de mudança para estas crianças, continuando
na prestação de cuidados à criança;
a sê-lo mesmo quando as crianças são apoiadas em intervenção precoce (Guralnick, 2011;
• A intervenção constrói-se a partir dos pontos fortes da criança e da família; Mahoney & Nam, 2011; Sameroff, 2010).
• Toda a família constitui a unidade da intervenção;
Assim, nenhum profissional pode esquecer que é a família que tem a responsabilidade so-
• Profissionais e famílias trabalham em parceria e colaboração; É da família
bre a criança e que é ela quem a acompanhará ao longo de todo o seu percurso de vida, a responsa-
• A intervenção responde às prioridades e objetivos da família - os profissionais desde a infância até à idade adulta. Qualquer profissional que pretenda prestar um serviço bilidade pela
de apoio à criança terá de ter sempre em primeiro lugar a consideração de que a família criança ao
são agentes ao serviço da família; longo da vida
é a constante da vida de uma criança, enquanto os profissionais e os sistemas de serviços
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Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

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flutuam ao longo do tempo (Shelton & Stepanek, 1994). Por isso, os pais deverão ser o que estabelece com os profissionais –, facilmente concluímos sobre qual a fonte da influên-
elemento-chave de qualquer intervenção com a criança, pois só desta forma se consegui- cia mais poderosa no desenvolvimento e bem-estar da criança.
rão resultados que se irão manter a médio e a longo prazo, mesmo após terminar o apoio
do profissional. Assim, de forma a promover o desenvolvimento e o bem-estar social e emocional das
crianças, os profissionais e educadores deverão, para além de fazer um trabalho direto
com as crianças, dirigir os seus esforços para ajudar os pais a apoiar o desenvolvimento
“O profissional com visão e conhecimento sabe que é o pai/mãe que verdadeiramente
dos seus filhos (Mahoney & MacDonald, 2007).
possui a responsabilidade diária e continuada sobre a criança e que o pai/mãe não pode
ser substituído por serviços profissionais que apoiam de forma pontual e esporádica.”
De modo semelhante, na Figura 3.3 podemos observar a diferença na quantidade de tempo
(Hobbs, 1975, p. 228-229)
semanal em que uma criança está envolvida em oportunidades de aprendizagem promoto-
ras da comunicação e linguagem. Enquanto na situação A a criança usufrui de duas sessões
O impacto da Como nos refere Dunst (2010), a intervenção precoce prestada por um profissional na au- de terapia da fala, correspondendo a uma hora de intervenção por semana, na situação
família no de- sência do envolvimento dos pais num cenário artificial, uma hora, duas vezes por semana, B as oportunidades de aprendizagem de competências de linguagem são aproveitadas
senvolvimento e potenciadas no seu contexto natural diariamente e de forma integrada nas rotinas fami-
e aprendi- durante 50 semanas, contabiliza apenas cerca de 3% a 4% das horas em que uma crian-
ça de dois anos de idade está acordada. De facto, as intervenções implementadas por liares, o que corresponde a cerca de cinco horas de intervenção por semana. Novamente,
zagem da
criança profissionais, sem os cuidadores principais, representam uma percentagem tão pequena a conclusão recai sobre o poder que a família tem para influenciar significativamente
de experiências de aprendizagem que a probabilidade de fazerem uma diferença significa- a aprendizagem e o desenvolvimento da criança e na necessidade de os profissionais apoia-
tiva na evolução da criança é mínima, conforme ilustrado nas Figuras 3.2 e 3.3. rem a família a desempenhar este papel.

Se os adultos ou as crianças mais velhas podem aprender em curtos períodos, em sessões


FIGURA 3.2   Quem tem mais impacto no desenvolvimento das crianças? com informação concentrada, e generalizar facilmente para outros contextos, o mesmo não
acontece com as crianças mais pequenas (McWilliam, 2010).

Sabe-se hoje que as crianças em idade precoce aprendem ao longo do tempo, de modo
Como as
contínuo e no contexto de relações de afeto com os seus principais prestadores de cuidados
crianças
(Almeida et al., 2011). É através de interações repetidas com as pessoas, os materiais e obje- aprendem
tos do seu contexto que as crianças aprendem sobre as pessoas e as coisas do seu mundo.
Por isso, todas as experiências, oportunidades e acontecimentos que promovem estas inte-
rações podem considerar-se como contextos naturais para a aprendizagem (Dunst & Bruder,
1999; Dunst & Hamby, 1999).

O apoio à aprendizagem e desenvolvimento da criança pode ser concretizado de formas


Aprendizagem
diversificadas, que incluam experiências de aprendizagem para as crianças nos seus am- baseada nas
bientes naturais e rotinas diárias em diferentes contextos, nomeadamente em casa, na sala rotinas
da creche ou do jardim de infância e na comunidade. As rotinas diárias podem criar ótimas
oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento para a criança e por isso devem ser
Fonte: Mahoney, G. & MacDonald, J. (2007) Autism and developmental delays in young children: The Responsive Teaching cur- aproveitadas na intervenção. As rotinas podem não acontecer literalmente todos os dias, mas
riculum for parents and professionals. Austin, TX: PRO-ED. Traduzido e adaptado com permissão do autor. são definidas como eventos repetidos e previsíveis que permitem a alternância de protago-
nismo entre a criança e o prestador de cuidados (dar e tomar a vez), rituais ou atividades.
Esta característica da previsibilidade é muito importante para a aprendizagem das crianças
A Figura 3.2 corresponde a uma análise hipotética realizada por Mahoney e MacDonald porque facilita o seu envolvimento com pessoas e objetos, promovendo o desenvolvimento
(2007). Neste estudo, os autores analisaram a quantidade de oportunidades de interação e o domínio de competências.
de diferentes adultos (pais, terapeutas e educadores da Educação Especial) com as crianças,
comparando o seu potencial impacto na aprendizagem e desenvolvimento. Aperceberam- O envolvimento (engagement) é um conceito-chave para a aprendizagem. McWilliam, de
Os três pilares
se de que uma criança que receba, por exemplo, meia hora de terapia por semana e que Kruif e Zulli (2002) referem-no como um dos alicerces fundamentais da aprendizagem, con- da apren-
frequente um apoio da Educação Especial quatro manhãs por semana, mesmo que o pai juntamente com a independência e a interação social. O papel dos profissionais junto dos dizagem da
ou mãe interajam com a criança apenas durante uma hora por dia, ao longo do ano, o pai pais e outros cuidadores será o de ajudar a pensar, planificar, criar e maximizar oportunida- criança:
ou mãe terão interagido com o seu filho/a no mínimo 10 vezes mais do que os terapeutas des de aprendizagem da criança nas rotinas, nos diferentes contextos naturais, garantindo • Envolvimen-
to;
e educadores da Educação Especial em conjunto. dessa forma o seu envolvimento, independência e interação social, que constituem veículos
• Independên-
fundamentais para a sua aprendizagem e desenvolvimento. cia;
Daqui decorre a conclusão que, mesmo que tenham apenas uma hora por dia para estar • Interação
com os seus filhos, os pais continuam a ser quem tem mais oportunidades para influenciar No contexto das rotinas, o envolvimento significa a qualidade da participação de uma crian- social.
o desenvolvimento das crianças. ça numa determinada rotina, que pode incluir a independência e as relações sociais. Estes
três domínios não se excluem uns aos outros, antes complementam-se (McWilliam, 2010).
A importância Se além da quantidade de interação considerarmos ainda a qualidade – na medida em que
de intervir
com a família a criança estabelece com os seus pais a relação mais significativa, por comparação com a
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Este tipo de intervenção, centrada na família e baseada nas rotinas e contextos naturais
FIGURA 3.3   Faça as contas! Perspetiva de
de vida, é ainda promotor da inclusão de crianças com necessidades especiais. De facto, inclusão está
DIA SITUAÇÃO A MINUTOS SITUAÇÃO B MINUTOS reconhecer que o desenvolvimento das crianças pode e deve ser promovido através de ex- subjacente à
periências de vida normalizadas, nos contextos naturais, é assumir que também a criança intervenção
• Com a mãe, nomeia as suas roupas enquanto 10 MIN centrada na
com necessidades especiais tem os mesmos direitos e as mesmas condições de promoção
se veste e nomeia os alimentos enquanto toma família
do seu desenvolvimento que outras crianças, independentemente dos serviços profissionais
o pequeno-almoço.
• Canta canções com a mãe enquanto ela arru- 15 MIN ou terapêuticos de que possa beneficiar.
ma a cozinha depois do pequeno-almoço.
Segunda
• Canta canções e partilha imagens de um livro à Esta abordagem parte do pressuposto de que todas as famílias, desde que tenham os
10 MIN
hora da sesta.
apoios e recursos necessários, têm condições para promover positivamente o desenvol-
• Brinca com o irmão mais velho depois da
escola. 15 MIN vimento das suas crianças.
• Conta uma história de boa noite ao pai.
10 MIN
Em suma, a investigação tem confirmado este facto simples: os pais fazem um ótimo traba-
• Com a mãe, nomeia as suas roupas enquanto 10 MIN lho a envolver os seus filhos em muitas e variadas oportunidades diárias de aprendizagem!
se veste e nomeia os alimentos enquanto toma Todos os contextos têm potencial para proporcionar experiências ricas de aprendizagem
o pequeno-almoço.
– os profissionais apenas precisam de ajudar a descobrir o que faz mais sentido para uma
Nomeia imagens • Aponta pessoas e sítios quando vai no carro 15 MIN
com a mãe. criança em particular e para a sua família (Dunst, 2001).
e lê livros com
Terça 30 MIN
Terapeuta • Canta canções e partilha imagens de um livro à 10 MIN
da Fala hora da sesta.
• Brinca na rua com o irmão mais velho depois 15 MIN
da escola e nomeia brinquedos.
• Diz o nome de brinquedos durante o banho. EM SÍNTESE:
10 MIN

• Com a mãe, nomeia as suas roupas enquanto 10 MIN Uma abordagem centrada na família: Porquê?
se veste e nomeia os alimentos enquanto toma
o pequeno-almoço. • Porque a família tem uma importância primordial no desenvolvimento e na apren-
• Canta canções com a mãe enquanto ela arru- 15 MIN dizagem da criança;
ma a cozinha depois do pequeno-almoço.
Quarta • Porque todas as famílias, com os apoios e recursos necessários, podem promo-
• Canta canções e partilha imagens de um livro à
hora da sesta.
10 MIN ver a aprendizagem e o desenvolvimento das suas crianças;
• Brinca com o irmão mais velho depois da • Porque se promovem desde cedo princípios de inclusão e de garantia de direitos
escola. 15 MIN
para as crianças e suas famílias.
• Conta uma história de boa noite ao pai.
10 MIN

• Com a mãe, nomeia as suas roupas enquanto 10 MIN


se veste e nomeia os alimentos enquanto toma
o pequeno-almoço.
Nomeia imagens • Aponta pessoas e sítios quando vai no carro 15 MIN

3.3
e lê livros com com a mãe.
Quinta
Terapeuta
da Fala
30 MIN
• Canta canções e partilha imagens de um livro à
hora da sesta.
10 MIN UMA ABORDAGEM CENTRADA
• Brinca na rua com o irmão mais velho depois
da escola e nomeia brinquedos.
15 MIN NA FAMÍLIA: PARA QUÊ?
• Diz o nome de brinquedos durante o banho.
10 MIN A promoção do sentimento de competência e o em-
• Com a mãe, nomeia as suas roupas enquanto
5 MIN
powerment das famílias
se veste e nomeia os alimentos enquanto toma
o pequeno-almoço.
15 MIN
• Canta canções com a mãe enquanto ela arru-
Sexta ma a cozinha depois do pequeno-almoço. Tendo em conta a importância primordial da família no desenvolvimento e na aprendiza-
• Canta canções e partilha imagens de um livro à 10 MIN gem das crianças, será fácil reconhecer que o objetivo principal do trabalho com famílias
hora da sesta. na intervenção precoce é apoiar e fortalecer a capacidade dos pais de providenciar aos
• Brinca com o avô. 20 MIN seus filhos experiências e oportunidades de aprendizagem relevantes para o seu desenvol-
• Conta uma história de boa noite à avó. vimento, como acabámos de ver.
10 MIN
Tempo
1 HORA 5 HORAS
total O papel dos profissionais de IPI será o de apoiar e fortalecer a capacidade dos pais de
Fonte: . Woods, J. (1999). Who practices his speech more? Do the math [on-line]. Family guided routines based intervention Website. Retirado de: providenciar junto dos seus filhos experiências e oportunidades de reconhecida qualida-
http://fgrbi.fsu.edu/approach/approach2.html. Adaptado e reproduzido com permissão do autor. de (i.e., práticas recomendadas, baseadas na evidência) e desse modo apoiar e reforçar
quer a confiança da criança quer a dos pais e outros cuidadores.
(Dunst et al., 2010, p. 63)
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De acordo com Mahoney e MacDonald (2007), mesmo que as crianças frequentem a creche, predispostas a responder favoravelmente à intervenção e melhora as interações entre as
jardim de infância ou terapias e outros apoios especializados, que só por si lhes proporcionam famílias e os profissionais, o que por sua vez resulta em melhores resultados para a criança
importantes experiências de aprendizagem e desenvolvimento que tipicamente não teriam e para os membros da família (Dunst, 2000).
com os seus pais, todos os profissionais deverão desenvolver as suas intervenções de forma
a que estas possam ser continuadas durante as interações e atividades das rotinas diárias Ao partir dos pontos fortes da família para conceber a intervenção, os profissionais estão, A promoção
da criança. Só através da colaboração com os pais, que são quem tem mais influência so- no fundo, a reforçar o sentido de competência que elas têm sobre si próprias. da
bre o desenvolvimento das crianças e quem tem mais oportunidades de interação com elas, autoeficácia e
isto poderá acontecer. Assim, mesmo nas situações em que se justifique um trabalho direto sentimento de
Ajudar os pais a sentirem-se competentes e capazes para que possam influenciar positi- competência
com a criança, o profissional deverá contar com tempo para trabalhar com os pais, apoian- dos
vamente a educação e o desenvolvimento dos seus filhos deverá ser a base da intervenção
do-os na tarefa de promover o desenvolvimento e o bem-estar socioemocional do seu filho cuidadores
com as famílias.
ou filha. Os autores defendem que nenhuma intervenção poderá promover eficazmente a
aprendizagem e o desenvolvimento das crianças pequenas a menos que envolva os seus pais.
O sentimento de autoeficácia por parte dos pais, ou seja, a perceção que eles têm sobre a
sua capacidade de exercerem uma influência positiva no comportamento e no desenvolvi-
McWilliam (2005) explica a importância de envolver os cuidadores da criança na promoção
mento dos seus filhos, tem um impacto direto nas suas competências parentais e no grau de
do seu desenvolvimento, salientando que a verdadeira intervenção com a criança ocorre
satisfação com a experiência parental (Coleman & Karraker, 1997). Se não acreditarem que
entre as visitas dos profissionais e é prestada pelos seus cuidadores regulares, com quem
são capazes de realizar mudanças eficazes nas suas vidas, os pais têm pouco ou nenhum
a criança tem uma relação significativa.
incentivo para empreendê-las. Assim, os profissionais de IPI devem ajudar a desenvolver
nas famílias um sentimento de confiança e competência sobre a aprendizagem e sobre o
Paradigma Um dos pressupostos fundamentais do trabalho de IPI é o de que todas as famílias possuem desenvolvimento atual e futuro da sua criança (Bruder, 2000).
de desenvol- pontos fortes e capacidades suficientes para se tornarem mais competentes na promoção
vimento de do desenvolvimento e da aprendizagem das suas crianças, desde que tenham os recur-
competências Os profissionais de IPI têm, através de todas as suas ações, uma influência significati-
sos e os apoios necessários. Assim, o trabalho do profissional será sobretudo o de ajudar a
va sobre o sentimento de competência e de confiança dos cuidadores (pais, educadores,
família a expressar todo o seu potencial, trabalhando com e sobre as competências da fa-
amas e outros).
mília. Este é o objetivo fundamental que caracteriza o novo paradigma a que Dunst chama
capacity-building e que traduzimos por desenvolvimento de competências. A abordagem
de desenvolvimento de competências surge como um paradigma alternativo à abordagem Como já vimos no ponto anterior, o modo como as crianças mais pequenas aprendem faz
tradicional de IPI que considera que as crianças e famílias possuem défices ou fragilidades com que as intervenções dos profissionais de IPI tenham pouco efeito diretamente na criança,
que necessitam de ser tratados e corrigidos pelos profissionais (Dunst & Trivette, 2009a). podendo sim ter um impacto significativo na melhoria das competências e da autoconfian-
ça dos pais e de outros prestadores de cuidados que, por sua vez, têm indiretamente uma
grande influência na promoção do desenvolvimento da criança (McWilliam, 2010), tal como
Intervenção O novo paradigma considera que as crianças e famílias possuem pontos fortes e capacida-
baseada nas ilustrado na Figura 3.4. As diferentes espessuras das setas correspondem às diferenças na
des (ou a possibilidade de as desenvolverem quando inexistentes) e que a intervenção tem
forças intensidade das influências sobre o desenvolvimento da criança e sobre as competências e
como finalidade apoiar e promover o desenvolvimento de competências e outros aspetos
confiança dos prestadores de cuidados.
positivos do funcionamento dos membros da família (Dunst & Trivette, 2009a).

Construir sobre os pontos fortes existentes em vez de corrigir áreas frágeis é uma abordagem FIGURA 3.4   Relações de impacto do profissional sobre os prestadores de cuidados e o
proativa que coloca mais ênfase na promoção de comportamentos do que no tratamento                         desenvolvimento da criança
dos problemas ou na prevenção dos resultados negativos.

Em vez de tentar mudar as crianças e as famílias, trata-se de tentar construir sobre as for-
ças (ou pontos fortes) que elas trazem para a IPI.

Assim, por exemplo, um profissional que apoie uma mãe com limitações cognitivas não deve
partir do pressuposto de que esta mãe tem menos competências para promover o desenvol-
vimento da sua criança. Em vez disso, deve focar-se nas competências que ela demonstra
e basear nelas a intervenção, otimizando a utilização, por exemplo, da sua persistência e Fonte: McWilliam, 2002, citado por Almeida et al., (2011). Práticas de intervenção precoce baseadas nas rotinas: Um projeto de
formação e investigação. Análise psicológica, 1 (29): 83-98. Adaptado e reproduzido com permissão do autor.
motivação, capacidade de organização das tarefas diárias, relações com a rede de suporte
informal ou o facto de nutrir uma forte relação afetiva com a criança.

Esta intervenção focada nos pontos fortes tem sido sistematicamente reconhecida pela evi- Como tem sido demonstrado por alguns autores (Trivette, Dunst, & Hamby, 2010), a autoe-
dência científica (Dunst et al., 2010) como a forma de abordagem mais eficaz no trabalho ficácia e o bem-estar parental afetam as interações entre pais e crianças e estas, por sua
com famílias, através da qual se vai fortalecendo o seu funcionamento. De facto, construir vez, influenciam o desenvolvimento da criança. Por isso, o foco da intervenção precoce de-
sobre as forças, os interesses e as preferências da família constitui uma forma mais pro- verá ser a promoção do sentimento de competência e controlo dos pais.
dutiva de causar mudança no comportamento, quando comparada com os esforços para
corrigir fragilidades ou atenuar défices. As pessoas - as famílias - ficam mais dispostas a A aprendizagem da criança mediada pelos pais é eficaz porque vai reforçar a confiança
empreender esforços pela realização dos seus desejos, aspirações e necessidades se forem e competência dos pais ao providenciar aos seus filhos experiências e oportunidades de
construídos sobre as coisas que elas já fazem bem. Esta abordagem torna as famílias mais aprendizagem que sejam promotoras do desenvolvimento. (Dunst, 2010)
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Este modelo de promoção de competências que, em oposição a modelos preventivos ou
de tratamento, postula que a prestação de serviços de atendimento à família deve apoiar os PARAR PARA PENSAR:
seus pontos fortes e capacidades para promover os resultados mais positivos levará a família
a considerar-se ela própria como responsável pelos seus sucessos e realizações (Carvalho, • De que forma uma abordagem focada no empowerment se distingue de uma
2004), e assim sentir-se autónoma e independente para gerir, com competência, as situa- abordagem paternalista no que diz respeito aos serviços de prestação de ajuda?
ções do seu dia a dia.
• Quantas vezes, em nome da prestação de ajuda, os serviços retiram o poder
às famílias em vez de criarem oportunidades que revelem e incentivem os seus
A capacitação e o empowerment4 com vista à autonomia das famílias serão os objetivos pontos fortes?
últimos da intervenção centrada na família.
Em conjunto com a sua equipa, pense em exemplos da vossa prática diária que
Empowerment tem como centro a palavra power, ou poder. No entanto, é preciso ter atenção ilustrem esta distinção entre práticas que promovem o empowerment e práticas
à forma como se faz a tradução desta expressão. Como sublinham alguns autores, empow- que promovem uma dependência dos serviços de apoio.
erment não significa dar poder às pessoas, mas sim ajudar a desvendar o poder que elas
naturalmente já têm:

“Com todo o seu conhecimento e motivação, as pessoas já têm muito poder para pode-
rem desempenhar os seus papéis de forma magnífica. O empowerment consiste apenas
em libertar e revelar esse poder.” (Ken Blanchard, n.d.) EM SÍNTESE:

Uma abordagem centrada na família: Para quê?


A autonomia, Promover o empowerment diz respeito, na verdade, a gerar resultados que potenciem as
competências da família em vez de criar dependências. O objetivo da intervenção é tornar a • Para dar oportunidade às famílias de exercerem as competências que já possuem;
a capacitação
e o empow- família mais competente e mais capaz de mobilizar os recursos que podem influenciar posi- • Para promover o sentimento de competência e de autoeficácia da família;
erment da
tivamente o funcionamento da criança, dos pais e da família, em vez de a tornar dependente
família são • Para promover o controlo e a capacitação da família sobre as suas escolhas e
objetivos últi- de profissionais ou de sistemas de prestação de ajuda. Pode parecer tentador providenciar
ações – empowerment.
mos da IPI ou dar às famílias os apoios e recursos de que elas necessitam, mas ao fazerem isto os pro-
fissionais estão a privá-las da oportunidade de usarem as suas próprias competências e de
desenvolverem novas competências, o que pode perpetuar (em vez de atenuar) a respetiva
necessidade de ajuda (Skinner, 1978, citado por Dunst & Trivette, 2009a).

3.4
Capacitar é criar oportunidades para que os indivíduos ou famílias possam adquirir com-
petências que reforcem o funcionamento familiar. UMA ABORDAGEM CENTRADA
Empowerment da família é o objetivo mais relevante de uma intervenção eficaz e consiste
em melhorar a capacidade da família para satisfazer as suas necessidades e aspirações,
NA FAMÍLIA:
de forma a promover um sentido claro de controlo e domínio intrafamiliar sobre aspetos
importantes do funcionamento da família.
                COMO SE IMPLEMENTA?
(Dunst, Trivette, & Deal, 1988) A equipa transdisciplinar e as práticas de ajuda eficaz
Ajudar é o “ato de promover e apoiar o funcionamento da família de forma a maximizar
a aquisição das competências que permitem um maior controlo intrafamiliar sobre as ati-
vidades subsequentes.” “A maneira “como” o apoio é prestado importa tanto, se não mais, quanto “o que” se faz.”
(Dunst, Trivette, & Deal, 1994, p. 6) (Dunst, 2000, p. 100)

“Os efeitos do apoio não dependem apenas do que se faz mas também do como se faz, é
uma questão de estilo de apoio…e de abordagem (do profissional).”
(Karuza & Rabinowitz, 1986, p. 380, citados por Dunst, 1997, p. 78)

Como já foi explicitado ao longo deste capítulo, o foco da abordagem centrada na famí-
lia deverá ser o envolvimento ativo dos pais e de outros membros da família na obtenção
dos recursos desejados e no alcance dos objetivos identificados por eles próprios.

A forma como a intervenção é prestada tem uma grande influência no grau de alcance
dos objetivos da intervenção, como o envolvimento, o sentimento de competência, a capaci-
4 Optamos neste guia por não traduzir a palavra empowerment, dada a dificuldade em encontrar uma só pala- tação ou o empowerment da família. Assim, a intervenção centrada na família não é apenas
vra em português que contenha o mesmo significado. Existem, contudo, traduções já realizadas desta expressão,
como: empoderamento, corresponsabilização e fortalecimento.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

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uma questão de saber se as necessidades da família estão a ser satisfeitas, mas sim de como • São os cuidadores da criança que mais contribuem para a promoção do seu desen-
essas necessidades estão a ser satisfeitas (Dunst, Trivette, & Deal, 1994). volvimento e por isso eles deverão identificar-se e sentir como seus os objetivos
da intervenção.
Para que a intervenção centrada na família seja eficaz é indispensável que os seus objeti- (McWilliam, 2005a)
vos e princípios estejam bem presentes na organização, dinâmica e práticas da equipa e
dos profissionais de intervenção.
Neste modelo, um dos profissionais é escolhido pela equipa para assumir o contacto regu-
No final deste capítulo abordaremos então algumas formas de operacionalização da filoso- lar e privilegiado com a família e representar todos os outros elementos. Designa-se por
fia centrada na família na prática diária da IPI, nomeadamente o funcionamento em equipa mediador de caso5, sendo ele o responsável pela articulação e implementação do plano O mediador
de caso
transdisciplinar e as práticas de ajuda eficaz pelos profissionais. A descrição mais detalha- de intervenção, mediando a relação da família com toda a equipa e com outros serviços.
da e concreta sobre a aplicação prática dos princípios da abordagem centrada na família Também pode ser denominado de coordenador de serviços, pois é ele que coordena em
no processo de intervenção, na coordenação de serviços e na avaliação de programas de conjunto com a família os serviços e recursos que respondem às necessidades da criança
IPI será desenvolvida nos capítulos seguintes desta parte. e da família e que esta identificou como aqueles a que pretende recorrer (Almeida, 2009).

A equipa transdisciplinar é constituída por profissionais de várias áreas de especialida-


de, podendo qualquer um deles ser o mediador de caso para uma determinada família.
Este é responsável por fazer a maior parte das visitas ao contexto familiar ou outro, sem pre-
A EQUIPA TRANSDISCIPLINAR: O PAPEL DO MEDIADOR juízo de, ocasionalmente, poderem ocorrer visitas conjuntas ou reuniões com um elemento
DE CASO da equipa de outra área de especialidade para consultoria sobre necessidades específicas
da família para as quais seja necessário maior suporte especializado. Todos os profissio-
nais da equipa participam, assim, no apoio às famílias e crianças, sendo que o mediador de
Para responder verdadeiramente às necessidades da família é necessário haver uma abor-
caso é responsável por implementar o plano de intervenção com a família, enquanto o resto
dagem coordenada e coerente (Carpenter, 2005) que tenha em consideração de forma
da equipa presta um apoio de retaguarda.
integrada a globalidade do funcionamento da família e do desenvolvimento da criança.
De facto, as necessidades multifacetadas das crianças e das famílias implicam uma res-
posta abrangente que poderá requerer o envolvimento de áreas profissionais diferentes. Com esta modalidade de trabalho de equipa, assente na figura do mediador de caso, garan-
Daqui decorre a necessidade de uma resposta por parte dos serviços de IPI, que não pode te-se a unificação do conhecimento que a equipa tem sobre a criança e a família (Glennen
ser dada por um único profissional mas sim por profissionais de diferentes disciplinas, como & DeCoste, 1997). O facto de, preferencialmente, ser apenas um profissional a assumir o
a Educação, a Saúde e o Serviço Social, articulando e trabalhando em equipa. Este é um contacto regular com a família em nome de toda a equipa de IPI torna a intervenção me-
dos pressupostos que estão na base do modelo transdisciplinar, que é hoje considerado como nos “intrusiva” para a família, que assim pode estabelecer mais facilmente uma relação de
uma prática recomendada do funcionamento dos serviços em IPI devido à abordagem ho- confiança e cumplicidade com o profissional que medeia a relação com os serviços de IPI.
lística e completa que faz à criança e à família (Almeida, 2009). De facto, dados do National Survey of Service Coordination in Early Intervention referem que
96% dos pais que se relacionam com um único profissional consideram-no útil, enquanto esta
percentagem diminui para 77% e 69% quando os pais se relacionam com dois ou três profis-
O funcio- Muitos são os autores (Briggs, 1997; Bruder, 2000; Carpenter, 2005; Guralnick, 2001 e McWilliam,
namento sionais, respetivamente (Dunst & Bruder, 2004, citados por Almeida, 2009).
2010) que reconhecem o modelo transdisciplinar como a melhor prática em intervenção pre-
transdiscipli-
coce, refletindo uma visão verdadeiramente centrada na família (Doyle, 1997).
nar de equipa As práticas em equipa transdisciplinar e a implementação do modelo transdisciplinar serão
aprofundadas nos capítulos seguintes.
O modelo transdisciplinar consiste num modo de funcionamento de uma equipa, constituída
por profissionais de diferentes áreas disciplinares, que se caracteriza pela partilha e troca de
conhecimentos e competências entre as várias áreas, a partilha de uma linguagem comum
e a confiança mútua entre os elementos que a constituem. As fronteiras entre as disciplinas
O PROFISSIONAL: AS PRÁTICAS DE AJUDA EFICAZ
são minimizadas e promovem o consenso entre os elementos da equipa, sendo que a família
aparece como parceira e como principal decisora do processo de avaliação e intervenção Foi demonstrado por Marcenko, Herman e Hazel (1992), Marcenko e Smith (1992), e Trivette,
(Carvalho, 2004). Para além disso, neste modelo defende-se que a família faz parte inte- Dunst e Deal (1997) que muitas vezes os programas de intervenção afastam as famílias
grante da equipa de IPI, devendo enquanto tal ser valorizada e respeitada como qualquer e têm até um efeito negativo sobre elas quando não promovem um envolvimento pleno
outro membro da equipa. das mesmas nas decisões sobre os serviços de que necessitam e as condições em que esses
serviços lhes serão disponibilizados.
Princípios subjacentes à abordagem transdisciplinar
Dunst e Trivette levaram a cabo uma detalhada investigação com o objetivo de identificar As três com-
• A intervenção com a criança ocorre entre as visitas dos profissionais e é prestada as práticas características da prestação de ajuda eficaz por parte dos profissionais, ou seja, ponentes de
pelos seus cuidadores significativos; ajuda eficaz
a prestação de ajuda que, por um lado, potencia as competências e, por outro, tem reper-
• As crianças pequenas não têm a capacidade de transferir/generalizar compe- cussões na família em termos de empowerment (Dunst & Trivette, 1987, 1988, citados por
tências de um contexto de aprendizagem para o seu dia a dia, por isso elas não Dunst, 1998).
aprendem em ensaios intensivos e descontextualizados mas aprendem de modo
contínuo, ao longo do tempo;
5 Também designado por gestor de caso, responsável de caso ou coordenador de serviços. Neste guia, optamos
pela designação de mediador de caso por se considerar que o conceito de mediador é aquele que melhor refle-
te o papel que o profissional deve assumir, assim como o papel central da família de acordo com a abordagem
centrada na família.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

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Os autores identificaram três componentes profissionais que caracterizam as práticas Boyd, Trivette, & Hamby, 2002). Em resumo, são práticas em que se baseia a cons-
de ajuda eficaz: a qualidade técnica, as práticas relacionais e as práticas participativas trução das relações.
(Dunst, 1998) (Figura 3.5).
Exemplos de práticas relacionais em IPI
• Tratar a família com dignidade e respeito em todos os momentos;
FIGURA 3.5   As três componentes de ajuda eficaz
• Valorizar e respeitar as crenças culturais e os valores pessoais da família;
• Disponibilizar informação à família de forma completa e isenta;
• Reconhecer e valorizar as forças dos membros individuais da família.
(Dunst, 2013, p.23)

• Práticas participativas — Referem-se aos comportamentos do profissional que visam Práticas


o envolvimento dos membros da família no processo de tomada de decisão e de participativas
escolha informada e no recurso a forças existentes ou a competências em desenvol-
vimento para obter os recursos, apoios e serviços identificados pela família (Dunst,
2013). Este tipo de práticas enfatiza a responsabilidade de quem procura ajuda para
encontrar soluções para os seus problemas e para adquirir conhecimentos e compe-
tências para melhorar as suas circunstâncias de vida. Promovem o envolvimento
ativo e significativo da família na relação com os profissionais e têm sido descritas
como constituindo o tipo de práticas que têm mais probabilidades de resultar em
avaliações positivas das famílias acerca das suas capacidades. Reforçando a colabo-
Fonte: Dunst, C. J. (1998). Corresponsabilização e práticas de ajuda que se revelam eficazes no trabalho com famílias. In L. M. ração entre famílias e profissionais, incluem práticas que proporcionam às famílias:
Correia & A. M. Serrano (Org). Envolvimento parental em intervenção precoce: Das práticas centradas na criança às práticas
centradas na família (pp. 123-138). Porto: Porto Editora. Adaptado e reproduzido com permissão do autor.
oportunidades para discutir opções de intervenção e informações para levar a cabo
tais escolhas; colaboração e partilha na tomada de decisões; e envolvimento ativo
da família na implementação e realização das decisões. As práticas participativas
incluem também a responsividade e flexibilidade do profissional na forma de pres-
Qualidade • Qualidade técnica — Refere-se ao conjunto dos conhecimentos teóricos e práticos do tar apoio às crianças e famílias (Dunst, 2013). Em suma, são práticas que apoiam a
técnica profissional acerca da área em que trabalha. A qualidade técnica é vista como um escolha e a participação da família.
resultado da formação e experiência profissional e inclui o conhecimento, a especiali-
zação e a competência do profissional, assim como a expressão desta especialização Exemplos de práticas participativas em IPI
como parte do exercício da sua atividade. • Trabalhar em parceria com a família para identificar as suas necessidades e para
colaborar na obtenção dos recursos desejados;
Exemplos de qualidade técnica em IPI
• Envolver a família deixando-a tomar decisões informadas sobre a identificação
• Deter conhecimentos sobre o desenvolvimento normativo da criança; dos recursos e apoios que são mais adequados para satisfazer as necessidades
• Identificar e reconhecer patologias do desenvolvimento; identificadas pela família;

• Conhecer e dominar o uso de determinado instrumento de avaliação; • Providenciar aos membros da família oportunidades participativas de obter os
apoios e recursos desejados;
• Conhecer práticas recomendadas e baseadas na evidência.
• Apoiar e respeitar as decisões da família, mesmo quando elas diferem da opinião
do profissional.
Práticas • Práticas relacionais — Incluem as características e as representações interpessoais (Dunst, 2013, p. 24)
relacionais do profissional que influenciam os aspetos relacionais do apoio. Incluem-se aqui As práticas
comportamentos interpessoais que são normalmente associados a uma boa prática participativas
clínica, bem como convicções e crenças positivas sobre as competências e capacida- A qualidade técnica e as componentes relacionais já eram reconhecidas como importantes são as
no processo eficaz de serviços de prestação de ajuda. A inovação proposta pelas últimas que mais
des da família (Carvalho, 2004). Aspetos como a compaixão, escuta ativa e reflexiva, distinguem a
empatia, autenticidade, capacidade de compreensão, afeto e credibilidade são investigações, levadas a cabo por Dunst e colaboradores, é a identificação das práticas par- intervenção
comportamentos tipicamente associados às boas competências de comunicação ticipativas como a componente essencial da eficácia das práticas centradas na família, sendo centrada na
esta a qualidade que as distingue de outro tipo de abordagens com a família. família
e caracterizam práticas relacionais. Para além disso, as práticas relacionais refe-
rem-se também às representações do profissional, incluindo as crenças acerca das
competências da família para se tornar capaz de lidar de forma eficaz com situa- De facto, são características dos programas centrados na família práticas que recorrem mais
ções, preocupações e projetos no dia a dia. As práticas relacionais são a base para ao envolvimento e participação dos pais, proporcionando-lhes:
o profissional reconhecer e validar os pontos fortes existentes e assim poder usar as a. Possibilidade de fazerem escolhas e tomarem opções;
capacidades da pessoa e da família para melhorar o seu funcionamento (Dunst,
b. Oportunidades para os pais se envolverem na procura de soluções para os problemas
que identificaram e na aquisição de conhecimento e competências (Dunst et al., 2002).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 3 — A ABORDAGEM CENTRADA NA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A Intervenção Precoce na Infância

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Como já foi explicado anteriormente, a abordagem centrada na família é um caso especial O poder ou a influência que a família tem sobre o desenvolvimento da criança ao longo
de práticas de prestação de ajuda que enfatiza o envolvimento participativo e o empower- de toda a sua vida justificam que qualquer intervenção com crianças em idade precoce as-
ment da família como a forma primordial de suportar e reforçar o seu funcionamento (Dunst, suma e incorpore nas suas práticas a centralidade da família, valorizando o seu envolvimento
1997). A qualidade técnica e as práticas relacionais podem ser uma condição necessária para e procurando responder de forma individualizada às suas necessidades. A abordagem cen-
o apoio e para as interações entre família e profissional, mas não são suficientes nem para trada na família consiste numa filosofia e também num conjunto de práticas que reconhecem
fortalecer a competência da família e promover novas capacidades nem para influenciar este estatuto da família como figura decisora e promovem as suas forças e capacidades.
positivamente o grau de controlo que a família experiencia no seu funcionamento familiar. Reporta-se mais ao modo de intervir (como se faz) do que às ações da intervenção (o que
As últimas situações ocorrem apenas se a família for uma participante ativa no processo se faz), salientando a adoção de práticas que promovam o envolvimento participativo
de alcançar os objetivos por ela desejados. da família e que construam assim sentimentos de competência e autoeficácia da família e a
sua autonomização e empowerment na promoção do desenvolvimento da criança.
Como já foi explicado anteriormente, a abordagem centrada na família é um caso especial
de práticas de prestação de ajuda que enfatiza o envolvimento participativo e o empower- O modelo integrado de Dunst (2000), apresentado logo no início do capítulo, ilustra o modo
ment da família como a forma primordial de suportar e reforçar o seu funcionamento (Dunst, como as práticas centradas na família são conceptualizadas no âmbito do trabalho da IPI
1997). A qualidade técnica e as práticas relacionais podem ser uma condição necessária para tendo em vista a promoção das oportunidades de aprendizagem das crianças, o apoio aos
o apoio e para as interações entre família e profissional, mas não são suficientes nem para pais e a mobilização dos recursos familiares e da comunidade.
fortalecer a competência da família e promover novas capacidades nem para influenciar
positivamente o grau de controlo que a família experiencia no seu funcionamento familiar. Já com um enfoque mais prático e operacional, terminamos este capítulo com os sete prin-
As últimas situações ocorrem apenas se a família for uma participante ativa no processo cípios-chave da IPI em contextos naturais, desenvolvidos por um grupo de reconhecidos
de alcançar os objetivos por ela desejados. especialistas de vários países na área da IPI, no âmbito do Workgroup on Principles and
Practices in Natural Environments (2008).
Os profissionais que recorrem a práticas participativas quase sempre demonstram possuir
boas competências de comunicação e de relação, contudo, o oposto nem sempre é ver-
Princípios-chave da IPI em contextos naturais
dadeiro. Encontram-se muitos profissionais que detêm boas competências interpessoais
e relacionais mas que não recorrem a práticas que promovam o envolvimento participa- 1. As crianças pequenas aprendem melhor através das experiências do dia a dia e nas
tivo das famílias (Dunst, 1998). interações com pessoas familiares, em contextos familiares;
2. Todas as famílias, com os apoios e recursos necessários, podem contribuir para o
desenvolvimento e aprendizagem das crianças;
3. O principal papel do mediador de caso em IPI é apoiar e trabalhar com os mem-
EM SÍNTESE: bros da família e prestadores de cuidados (educadores, amas, etc.), nos projetos de
vida das crianças;
Uma abordagem centrada na família: Como se implementa?
4. O processo de IPI, desde os contactos iniciais até à transição para outros serviços,
• Através de uma equipa com funcionamento transdisciplinar; deve ser dinâmico e individualizado e refletir as preferências, estilos de vida e cren-
• Partindo de uma base segura de qualidade técnica do profissional; ças culturais das famílias;

• Implementando práticas que construam relações autênticas com a família (prá- 5. Os objetivos do plano individual de intervenção precoce (PIIP) devem ser funcionais
ticas relacionais); e baseados nas necessidades das crianças e suas famílias, e nas prioridades por
estas identificadas;
• Implementando práticas que promovam as escolhas, o poder de decisão e o en-
volvimento da família (práticas participativas). 6. As prioridades, necessidades e interesses da família são mais bem atendidas por um
mediador de caso, que representa e recebe o apoio de uma equipa transdisciplinar;
7. A intervenção com as crianças pequenas e suas famílias deve basear-se em princípios
explícitos, práticas validadas, a melhor investigação existente e legislação relevante.
(Workgroup on Principles and Practices in Natural Environments, 2008)

3.5 EM SUMA: PRINCÍPIOS


ORIENTADORES PARA
                 A PRÁTICA
Será fácil reconhecer nestes sete princípios a filosofia da intervenção centrada na família
apresentada ao longo deste capítulo. De facto, é visível como em todos eles a centralidade
da família na intervenção é respeitada, sendo a ênfase sempre colocada no atendimen-
to às prioridades, necessidades e especificidades de cada família. Estes princípios-chave
dizem respeito, na sua maioria, ao processo de intervenção e à operacionalização práti-
ca dos princípios orientadores da IPI, tema sobre o qual o capítulo seguinte se irá debruçar.
Reconhecendo-se a abordagem centrada na família como a “prática recomendada“ para
trabalhar na área da IPI, vimos ao longo deste capítulo os princípios que a definem, apre-
sentando o seu enquadramento, os seus principais objetivos e as práticas associadas.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais

92 93

4
PARAR PARA PENSAR:

Enquanto profissional de IPI, ponha-se na pele das famílias que acompanha…


Como responderia a estas questões? O PROCESSO DE
• O profissional ouve realmente as minhas preocupações e pedidos? INTERVENÇÃO CENTRADA NA
FAMÍLIA
• O profissional olha para o meu filho e para a minha família de uma forma po-
sitiva e saudável?
• O profissional disponibiliza a informação de que eu preciso para fazer boas
escolhas?
• O profissional responde às minhas solicitações de conselhos ou assistência?
• O profissional procura realmente compreender a situação do meu filho e da
minha família?
• O profissional reconhece as forças do meu filho e da minha família?
• O profissional ajuda-me a ser parte ativa na obtenção dos recursos por mim Depois de todo o sofrimento que sentimos inerente à situação do nascimento de uma criança
desejados? com necessidades educativas especiais, com cirurgias pelo meio e a doença física permanente
do nosso filho, vimos pela primeira vez uma luz ao fim do túnel do que era o futuro do nosso filho.
• O profissional é flexível quando a situação da minha família se altera?
• O profissional encoraja-me a obter o que eu quero para mim próprio(a)? Ouvimos pela primeira vez a expressão, “intervenção centrada na família”. Porque uma família
que participa e é responsabilizada equivale não a uma ou duas horas semanais de intervenção
• O profissional é sensível às minhas crenças pessoais? mas a infindáveis horas de intervenção.
• O profissional apoia-me quando eu tomo uma decisão?
Finalmente cresceu em nós a esperança no futuro e tomámos consciência de que estávamos
• O profissional reconhece as coisas boas que eu faço enquanto pai/mãe? em luto desde o dia do nascimento do nosso filho. Luto pela frustração dos nossos sonhos e
dos sonhos que construímos para o nosso filho.
(adaptado de Dunst, 2013)
Testemunho de uma família

4.1 O CICLO DE INTERVENÇÃO E AS


PRÁTICAS DE AJUDA EFICAZ
Pôr em prática o processo de IPI numa perspetiva
transdisciplinar

A relação de colaboração entre os profissionais e as famílias, com base nos princípios


de uma abordagem centrada na família e numa perspetiva transdisciplinar, desenvolve-se
ao longo de todo o processo de avaliação e intervenção, desde os primeiros contactos até
à altura em que a família/criança terminam a intervenção ou transitam para outro serviço
de apoio. A família, pais ou outros prestadores de cuidados, são parceiros ativos no desen-
volvimento e implementação do processo de intervenção e o profissional apoia a família
a assumir o protagonismo que lhe é devido. Assim, a abordagem centrada na família não
é, ela própria, um fim em si mesma, mas uma forma de aumentar a eficácia de todo o pro-
cesso de avaliação e intervenção.

Muitos profissionais reveem-se nos pressupostos e princípios subjacentes à abordagem


centrada na família, mas aplicá-los na prática não é tarefa fácil, pois é impossível definir
um conjunto claro de procedimentos a seguir. De facto, para se aplicar a filosofia centra-
da na família (McWilliam, Winton, & Crais, 2003) não há “receitas” nem “normas rígidas”, já
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais

94 95
que cada situação é única e os princípios básicos devem ser aplicados de forma individual, famílias têm relativamente à forma como as suas expetativas, preocupações e necessida-
dependendo da situação com que nos deparamos quando trabalhamos com crianças e as des são reconhecidas.
suas famílias nos seus diferentes contextos. Esta diversidade é a verdadeira riqueza da IPI e,
simultaneamente, o grande desafio com que os profissionais se defrontam e que pode ge- Assim, um encontro é positivo e experienciado como completo quando numa atitude de escuta
rar desconforto e incertezas! e compreensão das preocupações da família o profissional respondeu às suas necessidades,
não deixando na família sensação de mal-estar, medo ou ansiedade.
Pretende-se neste capítulo promover em cada profissional de IPI uma reflexão que leve
a um serviço verdadeiramente individualizado, que respeite a unicidade de cada família, Quando as expetativas e necessidades da família não são compreendidas (ou por vezes
de cada equipa, de cada comunidade e fundamentado nas práticas recomendadas: inter- nem sequer reconhecidas), o encontro é experienciado como incompleto, aumentando
venção centrada na família, baseada nos contextos naturais tendo por base uma equipa o desconforto e a angústia da família, deixando-a com sentimentos e recordações doloro-
com funcionamento transdisciplinar. sas que condicionam e dificultam o seu bem-estar.

Essa resposta de qualidade exige que os profissionais de intervenção precoce na infância Apesar do contacto frequente das famílias com vários serviços que as deveriam apoiar, Lembra-se de
(IPI) sejam detentores de conhecimentos específicos para apoiar as famílias e estes vão para estes encontros incompletos, com expetativas não realizadas e necessidades não satisfeitas, histórias de
além do conhecimento associado a uma determinada área/disciplina ou à sua formação são ainda muito frequentes. Provavelmente, o encontro sobre o diagnóstico da criança é o famílias que
de base. Nesse sentido, o modelo de equipa com funcionamento transdisciplinar é apontado conheceu e
primeiro de muitos outros a acontecer no percurso da IPI, mas talvez o mais significativo e que refletem
como uma das formas de qualidade na resposta eficaz e eficiente às distintas necessidades incompleto para a família. exemplos de
da criança e da família, na medida em que pretende possibilitar o apoio à família de uma encontros
forma coesa, coordenada e integrada. Como anteriormente já foi referido, este modelo tem incompletos?
Neste enquadramento, e relembrando a abordagem centrada na família, considerando que
por base a construção de uma relação de confiança entre os diferentes elementos da equipa os encontros influenciam a adaptação familiar, um objetivo fundamental da atuação da equi-
e assume que há um profissional (mediador de caso) que presta um forte suporte à famí- pa de IPI é tornar completos os vários encontros com as famílias.
lia, evitando assim que esta seja assoberbada pelo contacto com numerosos profissionais.
O papel desse profissional, suportado pela restante equipa, será o de responder eficazmente
Os serviços de IPI são um ciclo de encontros entre a família e os profissionais. Cada um
à multiplicidade e complexidade de necessidades das famílias, através de um apoio holísti-
destes momentos poderá constituir-se como uma oportunidade e experiência poderosa que
co e integrado. As características e atitudes do profissional poderão constituir-se como um
contribuem para o desenvolvimento e fortalecimento de competências dos participantes.
fator preditivo do sucesso na intervenção. Para isso, o profissional deverá transportar em
cada visita à família as três componentes das práticas de ajuda eficaz de Dunst e colabo-
radores (1996), tal como aprofundado abaixo. Quando essas práticas de ajuda eficaz são Tendo por base este enquadramento do ciclo de intervenção de Simeonsson, a referencia-
usadas, os benefícios do apoio aumentam significativamente, produzindo efeitos cumula- ção, a avaliação, a planificação da intervenção, a implementação dos serviços, o follow-up
tivos ao nível da segurança, bem estar emocional e psicológico, perceção de autoeficácia, e a preparação da transição são elementos distintos que definem uma sequência de etapas
empowerment e capacitação da família. que representam encontros da família e da criança com o sistema de serviços.

O ciclo de intervenção inicia-se no momento de referenciação ao sistema e as suas fases re- Estes momen-
petem-se ao longo do tempo, devendo o processo de intervenção ser sempre determinado tos do ciclo

4.1.1
pelas preocupações e prioridades da família. Este ciclo não deve ser considerado como uma são oportuni-
O CICLO DE INTERVENÇÃO DOS SERVIÇOS mera progressão sequencial de etapas, mas como um processo dinâmico que se adequa às
dades únicas
de empow-
PERSONALIZADOS PARA AS CRIANÇAS E circunstâncias únicas de cada família. O processo de intervenção apresenta-se assim como erment e
capacitação
um contínuo de atividades articuladas e cada uma das etapas tem um propósito claro, sen-
                   SUAS FAMÍLIAS do o empowerment e a capacitação o mote para a sua concretização. A Figura 4.1 ilustra da família
esta ideia de processo dinâmico.
O ciclo de avaliação e intervenção proposto por Simeonsson et al. (1996) caracteriza um pro-
cesso contínuo de encontros individualizados no contexto da relação de colaboração entre
a família e os profissionais e poderá constituir-se como instrumento orientador das práticas FIGURA 4.1   O processo de avaliação e intervenção
do profissional.

Simeonsson e colaboradores (1996) revisitam o conceito de “encontro” de Kempler (1969,


Encontros
completos 1974, 1981), tão atual do ponto central e representativo da relação de colaboração entre
e encontros profissional e famílias numa IPI centrada na família. Nesta abordagem, Simeonsson refere-
incompletos -se a encontros como experiências significativas em que a interação com os outros contribui
para o desenvolvimento de competências para lidar com acontecimentos futuros. A ênfase
é colocada na construção das relações que essas experiências de vida potenciam. Assim,
o encontro pode ser visto como um segmento de um contínuo mais alargado de experiên-
cias e podem ser positivos (os encontros completos) ou negativos (os encontros incompletos).

No contexto de famílias com crianças com problemas de desenvolvimento ou em risco, o


conceito de encontros completos ou incompletos está relacionado com a perceção que as
Fonte: Simeonsson et al., 1996. Ciclo de avaliação e intervenção dos serviços personalizados para crianças e famílias. Adaptado
e reproduzido com permissão do autor.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

96 97

4.1.2 AS PRÁTICAS DE AJUDA EFICAZ AO LONGO


Neste processo de avaliação e intervenção, toda a informação partilhada bem como as ati-
Prática cen-
tudes adotadas têm um único sentido e objetivo: fortalecer o funcionamento da família para
trada na
família promover o desenvolvimento da criança. DO CICLO DE INTERVENÇÃO
A cada novo ciclo da sequência, que integra uma linha contínua mas circular, as circuns- O triângulo das componentes das práticas de ajuda eficaz de Dunst e colaboradores (1996),
tâncias em que se encontram a criança e a família modificam-se, do mesmo modo que se apresentado no capítulo anterior, servirá também de referência para a reflexão individual ou
alteram as relações entre profissionais e pais. À medida que estas alterações ocorrem tam- em equipa naquilo que são as práticas recomendadas em IPI. Ao longo deste capítulo ilus-
bém o modo como as famílias se envolvem com a IPI se irá modificar. traremos, com recurso a exemplos práticos comentados, os desafios diários dos profissionais
nos vários momentos do processo de IPI. Utilizaremos um código de cores que permiti-
Todo o co- Embora geralmente sequenciais, os vários momentos do processo são também integrativos, rá realçar em cada história partilhada, e através de comentários laterais, a componente
nhecimento de tal forma que as informações trocadas e as atividades conduzidas em cada momento do das práticas de ajuda eficaz de acordo com a Figura 4.2 e respetiva legenda. Os testemu-
e informação processo são incorporadas nas atividades desenvolvidas noutros momentos, de uma forma nhos que apresentamos de seguida ilustram a visão das famílias sobre cada uma das três
partilhada
são úteis e não linear e em formato de “vai e vem”. E toda a informação partilhada em cada um dos componentes que, evidentemente, não são estanques.
devem ser in- momentos deve ser tida em conta em cada novo momento e não entendida como específi-
tegrados no ca apenas de cada uma das fases do processo.
desenho da
FIGURA 4.2   As três componentes da ajuda eficaz (adaptado de Simeonsson, 1996)
intervenção
No contexto de uma abordagem centrada na família, em cada passo do ciclo, cada um
destes momentos ou encontros é definido em termos de expetativas mútuas, papéis e ati-
vidades das famílias e prestadores de ajuda, resultando em serviços personalizados.

O Quadro 4.1 sintetiza e orienta o profissional em relação ao que se pretende alcançar em


cada um dos encontros com a família no processo de intervenção, encontros esses entendi-
dos como momentos oportunos para a interação entre estes parceiros, família e profissionais,
no contexto de uma intervenção centrada na família:

QUADRO 4.1   Descrição dos vários encontros ao longo do ciclo de intervenção (adaptado de Simeonsson et al., 1996)

Encontros Expetativas e atividades

Comunicar e formalizar aos serviços de IPI a situação de crian-


Referenciação ças e suas famílias, no sentido de se encontrarem respostas
adequadas.

Primeiros contactos Identificar expetativas da família em relação à intervenção.

Identificar preocupações, prioridades e recursos da família, Fonte: Dunst, C. J. (1998). Corresponsabilização e práticas de ajuda que se revelam eficazes no trabalho com famílias. In L. M.
Avaliação em IPI conhecer as competências funcionais da criança e as carac- Correia & A. M. Serrano (Org). Envolvimento parental em intervenção precoce: Das práticas centradas na criança às práticas
centradas na família (pp. 123-138). Porto: Porto Editora. Adaptado e reproduzido com permissão do autor.
terísticas dos contextos.

Estabelecer um compromisso e definir objetivos, atividades


Desenvolvimento do
e recursos que apoiem as expetativas e as necessidades da
PIIP
família e da criança.
Componente qualidade técnica – Saberes especializados do profissional (formação, expe-
Pôr em prática as estratégias e as atividades nos vários con- riência, competências) utilizados em benefício das crianças e famílias.
Implementação e textos naturais da criança (domicílio e contextos formais de
monitorização educação e cuidados) e monitorizar o processo e plano de
intervenção. O conhecimento técnico da equipa e a forma como nos prestam as informações, como escla-
recem e encaminham criam em nós o sentimento de segurança, confiança que aquele técnico
Avaliar os resultados da intervenção e satisfação da família é o que melhor pode acompanhar o nosso filho. Acreditar no técnico baliza o seu trabalho no
Avaliação dos resul-
na perspetiva do seu controlo sobre o processo e do seu for- ponto de vista da família, que escutará a sua orientação com cuidado.
tados e da satisfação
talecimento e não só ao nível da concretização dos objetivos.
Não podemos esquecer a disponibilidade de cada técnico para ouvir e desmistificar ideias e
Planificar e preparar cuidadosamente a mudança na vida conceitos.
das crianças e famílias, nomeadamente quando termina o
Transição programa de intervenção precoce e se dá a passagem para Testemunho de uma família
outro contexto ou serviço, para que ocorra da forma mais
harmoniosa possível.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

98 99
Componente práticas relacionais – Práticas ligadas aos aspetos relacionais da ajuda, que Em algumas dessas partilhas podemos analisar exemplos de profissionais a esforçarem-se
constroem e fortalecem as relações – escuta ativa e reflexiva, empatia, autenticidade, cre- para aplicar práticas recomendadas, debatendo-se em dilemas e situações confusas, onde
dibilidade, compreensão, mostrar-se caloroso e interessado. Inclui as representações do o “correto” a fazer não é nada evidente. Apesar da incerteza quanto ao que devem fazer/di-
profissional, ou seja, as suas crenças acerca das competências da família e da sua capaci- zer, estes profissionais demonstram uma enorme boa vontade em aderir aos princípios das
dade para se tornar capaz de lidar de forma eficaz com situações, preocupações e desejos práticas recomendadas e em aprender com os seus erros, atitude que facilitará o seu cres-
do dia a dia. cimento profissional. Nem sempre satisfeitos com os objetivos alcançados nestas situações
de desafio, eles estão na realidade a tentar prestar serviços de qualidade.
Para nós a construção de uma relação de empatia com a equipa de acompanhamento é essen-
cial. Enquanto pais de crianças com necessidades educativas especiais, somos acometidos por Noutras histórias, sentimos o poder das famílias na intervenção e conseguimos perceber,
sentimentos de frustração, muitas vezes de forma contínua. As sucessivas dificuldades vividas na sua voz e na primeira pessoa, o significado real das práticas recomendadas, tal como
quer pela questão de saúde quer pela frustração e luto pelas expetativas que saem frustradas nos exemplos acima, que ilustram as componentes das práticas de ajuda eficaz. As suas his-
levam-nos a não estar na melhor forma emocional e psicológica. Vivemos uma luta constante tórias colocam-nos no caminho certo: compreendendo a visão das famílias, o profissional
e muitas vezes é a equipa que nos dá apoio de que tanto precisamos. reúne mais condições para uma eficaz implementação de práticas recomendadas.

O discurso positivo é fundamental. Perceber que a equipa acredita em nós e no nosso filho, Procurámos com estes exemplos oferecer um quadro realista do tipo de situações que os
sem com isto transmitir falsas esperanças nem fantasiando o futuro mas incentivando a seguir profissionais e as famílias enfrentam diariamente no seu percurso na IPI e expor os desa-
em frente apesar das derrotas que vamos colecionando. O discurso positivo da equipa de inter- fios inerentes a este tipo de serviço. Se em alguns conseguimos facilmente identificar-nos
venção é o que nos ajuda a seguir em frente apesar do nosso desânimo. e retirar ideias e possíveis orientações para a prática, outros, pela sua complexidade, são
autênticos desafios em que a capacidade de cada profissional para a resolução de proble-
Testemunho de uma família
mas e tomada de decisão é posta à prova.

Pretende-se que os profissionais integrem a informação teórica e conceptual na sua prá-


tica, podendo essa tarefa ser facilitada pela apresentação de situações concretas. Assim,
Componente práticas participativas – Práticas que apoiam a escolha informada e a partici- no final da descrição de cada um dos momentos do ciclo de intervenção será ainda apre-
pação da família. Fortalecem a competência da família para promoverem novas capacidades sentado um exemplo, mais extenso, que procura ilustrar aspetos fundamentais referentes
e influenciam positivamente o grau de controlo que a família experiencia no seu desenvol- a essa etapa, com tópicos para reflexão e com referência às três componentes das práticas
vimento familiar. São as que distinguem uma abordagem centrada na família de outro tipo de ajuda eficaz. Estes excertos, com os quais julgamos que os profissionais se identificarão,
de abordagens. Tornam as práticas centradas na família únicas, realçando a família como podem servir como uma ponte entre a teoria e a prática, permitindo a reflexão individual
participante ativa no processo de alcançar os seus objetivos. Essencialmente potenciam as e a discussão em equipa e em contexto de supervisão.
competências da família ao invés de criar dependências.
De facto, os leitores podem pensar e trabalhar nos casos expostos de forma individual, mas
Encontrámos uma equipa unida, voluntária e muito bem organizada. a discussão em equipa tem ganhos adicionais para o processo de reflexão e crescimento:
cada elemento contribui com as suas ideias, provenientes não só de experiência pessoal e
Sempre se mostraram respeitosos do conhecimento que tínhamos da nossa filha. profissional, como também do conhecimento proveniente da sua formação profissional. A re-
flexão conjunta é, sem dúvida, uma forma excelente de contribuir para o trabalho em equipa.
Ouviram e aconselharam.

Sugeriram e ouviram as nossas sugestões. Pelo exposto anteriormente, e como veremos ao longo deste capítulo, não pretende este guia
Práticas indi-
ser um “livro de receitas” prontas a aplicar mas sim um ponto de partida para a reflexão, indi- vidualizadas=
Mostraram-se sempre abertos à mudança, quando necessária, e disponíveis para acompanha- vidual e em equipa, que leve à implementação de práticas recomendadas no contexto da IPI. = práticas
rem a nossa filha ao longo do seu desenvolvimento pessoal e escolar. “alta-costura”

Muito mais do que profissionais, encontrei seres humanos de exceção, dedicados, carinho-
Mais do que uma metodologia, as práticas de IPI centradas na família tendem a afirmar-se
sos e com os conhecimentos técnicos necessários para inovarem e se adaptarem sempre que
como um modus faciendi intrínseco à atividade dos profissionais de IPI e ao quotidiano de todas
necessário.
as equipas que pretendem acompanhar os sinais dos tempos, comungando com as naturais
Beatriz Sequeira – mãe da Marie, apoiadas pelo SNIPI vicissitudes da realidade do mundo, em vez de se colocarem na cómoda posição de entidades
detentoras de um saber que se vai revelando artificial e envelhecido.

É desta forma que encaro o desafio da IPI. Desafio difícil, mas o verdadeiro caminho do desen-
Assim, neste capítulo, partindo do ciclo de intervenção de Simeonsson et al. (1996) e con- volvimento não se faz sem obstáculos.
siderando o triângulo das componentes de ajuda eficaz (Dunst, 1998; Dunst, 2002; Dunst,
Trivette, & Snyder, 2000), vamos analisar cada um dos momentos do processo de intervenção Testemunho de uma profissional de IPI
considerando-os como uma oportunidade de implementação das práticas recomendadas.

Para ilustrar as práticas recomendadas (ou os desafios à sua implementação), integramos O profissional deve constantemente reconhecer a diversidade de características das famí-
excertos de testemunhos reais de famílias e profissionais, na íntegra ou adaptados. São his- lias, das equipas, dos profissionais, dos diversos contextos, sendo que a individualização
tórias e exemplos de situações reais, tão frequentes no dia a dia do profissional de IPI, e que é a palavra-chave para a implementação de práticas centradas na família.
foram partilhados pelas equipas locais de intervenção do SNIPI e por famílias que experien-
ciaram o apoio da intervenção precoce.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

100 101

4.2 REFERENCIAÇÃO
4.2.1 COMO ASSEGURAR UMA REFERENCIAÇÃO
ATEMPADA?

A referenciação consiste na comunicação e formalização aos serviços de Segundo Guralnick (2011), o sistema de intervenção precoce deve dar especial atenção à de-
intervenção precoce na infância (IPI) de situações de crianças em que é teção de crianças potencialmente elegíveis, e os serviços da comunidade, formais e informais,
devem comunicar entre si para que as crianças que necessitem de IPI sejam atempadamen-
detetada uma alteração do desenvolvimento ou em que existem fatores
te identificadas.
que colocam em risco esse desenvolvimento, no sentido de se encontrarem
respostas adequadas às situações referenciadas. No entanto, devido às reduzidas iniciativas de sensibilização e disseminação desta respos-
ta, muitas vezes a comunidade ignora a existência de serviços de IPI e a entrada no sistema
pode demorar, com prejuízo para as crianças e famílias.
Este processo inicia-se no momento em que: (1) uma família revela alguma preocupação
com o desenvolvimento do seu filho; (2) algum profissional identifica uma situação que jus-
Na legislação portuguesa, o Ministério da Saúde é responsável por assegurar a deteção e
tifica a referenciação para a intervenção precoce.
referenciação das crianças para o sistema, por ativar o processo de intervenção precoce,
bem como por estabelecer diagnósticos e prestar orientação especializada.
No primeiro caso, independentemente do contacto ou avaliação de serviços, é a própria
família a fazer um pedido e a referenciar uma situação que a preocupa. Pode, assim, pres-
Numa comunidade com uma boa articulação de serviços, a referenciação é feita logo que
supor-se que conhece o serviço e está disponível para a intervenção. Quando a referenciação
há suspeitas de que algo não está a correr bem.
parte de um qualquer profissional (por exemplo de saúde, de educação, etc.), deve haver
particular atenção para que a entrada no sistema de IPI seja controlada pela família des-
de o primeiro momento.
O Gaspar foi sinalizado simultaneamente pelo centro de saúde e pela educadora da creche
quando tinha apenas dois anos. Os motivos da referenciação estavam ligados à suspeita
Que crianças são elegíveis para a intervenção precoce na infância? de um atraso global de desenvolvimento, mais acentuado nas áreas da linguagem, motricidade
e cognição, bem como pelos fatores de risco ambiental associados.
De acordo com o Decreto-Lei 281/2009, são elegíveis para apoio no âmbito da IPI, crian-
ças entre os 0 e os 6 anos que apresentem atraso de desenvolvimento decorrente de uma A sinalização simultânea pelo centro de saúde e pela creche mostrou que ambos os serviços
situação de deficiência já diagnosticada, por razões ainda não determinadas, ou por con- se encontravam alerta para as dificuldades da criança e do contexto. Foi importante que este
dições de risco de atraso de desenvolvimento, e respetivas famílias. passo tivesse sido dado precocemente, pois permitiu uma intervenção atempada.
Os diferentes serviços, a comunidade em geral e as famílias em particular devem ter conhe- Porém, nem sempre as referenciações ocorreram de forma tão precoce. Nos primeiros anos após
cimento e acesso a esta informação para que se possam fazer referenciações adequadas. a constituição da ELI, deparámo-nos com o facto de a maioria das crianças ter sido sinalizada
tardiamente, mas, de forma gradual e com o contributo de ações de sensibilização realizadas
nos serviços de saúde, educação e ação social, a comunidade foi adquirindo um maior conhe-
De facto, como veremos ao longo deste capítulo, as práticas dos diferentes “profissionais
cimento da IPI, passando a existir mais sinalizações dos 0 aos 3 anos.
referenciadores” influenciam muito a perceção da família sobre o que pode esperar da in-
tervenção precoce. Testemunho de uma ELI

Como vimos no exemplo acima, uma referenciação atempada tem sempre subjacente
REFERENCIAÇÃO um trabalho de sensibilização dos serviços e pessoas da comunidade. Esta poderá passar
por reuniões interserviços, pela distribuição de folhetos informativos, pósteres, do próprio
O processo de referenciação deve garantir: documento de referenciação, etc., podendo ser feita por vários níveis estruturais do SNIPI –
Subcomissão de Coordenação Regional, Núcleo de Supervisão Técnica ou ELI.
• Às famílias – Informação sobre a existência dos serviços de intervenção pre-
coce e suas características, para que possam tomar uma decisão informada; Os serviços da comunidade devem estar despertos para a deteção das situações elegíveis Papel funda-
ou que oferecem preocupação, sendo igualmente de extrema relevância que possuam um mental das
• Às crianças elegíveis – O acesso precoce aos serviços, de acordo com a deci- conhecimento aprofundado sobre o apoio da IPI, para que possam desde logo avaliar se equipas em
são da família; sensibilizar
esse apoio será o mais ajustado, informando adequadamente as famílias. Estas só recor- e informar a
• Às equipas – O conhecimento atempado das crianças elegíveis para apoio e rerão à ELI se souberem que este serviço existe e o que faz. Só assim poderão decidir se comunida-
querem a IPI nas suas vidas! de acerca do
suas famílias. apoio da IPI

A divulgação dos serviços de IPI e a sensibilização da comunidade pretendem:


• Alertar todos os serviços e profissionais com quem a IPI articula para a necessidade
de efetuar uma referenciação atempada;
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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• Montar canais formais de articulação entre as equipas de intervenção precoce e Criança referenciada por uma pedopsiquiatra do hospital, com os seguintes critérios de ele-
outros potenciais referenciadores; gibilidade: atraso de desenvolvimento sem etiologia conhecida, nas áreas motora, cognitiva,
da linguagem e comunicação, social e adaptativa. Sinalizada também por isolamento e preo-
• Educar a comunidade acerca do funcionamento da IPI, principalmente os servi-
cupações acentuadas da família. Recomendação para a criança ser alvo de uma intervenção,
ços que têm contacto mais próximo com crianças e famílias (Saúde, Educação,
preferencialmente em terapia ocupacional, atendendo ao perfil funcional da mesma e neces-
Segurança Social), potenciando referenciações para a intervenção precoce e não
sidade da família.
para serviços isolados, como por exemplo terapia da fala, fisioterapia e outros;
• Assegurar o envolvimento da família sensibilizando-a para a importância e para Testemunho de uma ELI
as vantagens da intervenção precoce;
• Garantir que os direitos da criança estão a ser salvaguardados. Logo no momento de referenciação deve ser dada à família a oportunidade de se pronun-
ciar sobre se pretende ou não que a situação do seu filho seja comunicada aos serviços
de intervenção precoce. Sabemos que, antes dos primeiros contactos entre os profissionais
Cada equipa tem um contexto específico e único que pode potenciar a referenciação pre- da ELI e a família, há múltiplos acontecimentos e variáveis que podem influenciar a rea-
coce. Pode ser importante preparar um folheto ou brochura com informação escrita que ção dos pais ao serviço de IPI e as suas interações futuras com os profissionais das equipas.
descreva a filosofia e o serviço, constituição da equipa, etc., e pedir aos vários potenciais
referenciadores que os apresentem às famílias que ponderam referenciar e que estão inte-
Quando um profissional informa a família de uma referenciação para a IPI, deduz muitas
ressadas nessa informação.
vezes que é igualmente vontade da mesma ser contactada pela ELI. Mas nem sempre isso
acontece. A família pode não querer a IPI na sua vida, por não querer abdicar da espe-
rança de as suas preocupações serem infundadas ou pode sentir-se coagida a aceitar a IPI
PARAR PARA PENSAR: para evitar ser percecionada pelos profissionais como negligente em relação ao seu filho.

É muito importante que esse profissional possa prestar toda a informação sobre o serviço,
1. Como pode a sua equipa organizar-se para garantir que os outros serviços, esclarecendo quaisquer dúvidas da família, mas também, e sobretudo, garantir que esta é
profissionais e comunidade em geral tenham um conhecimento fidedigno igualmente a vontade da família. Uma referenciação conjunta é diferente de uma referencia-
do apoio da IPI? ção efetuada com a aceitação da família. Uma outra forma de promover o empowerment,
2. Em que contextos (onde e com quem) a sua equipa considera importante de- logo antes de a família entrar no sistema, pode passar por claramente incluir na referencia-
senvolver ações de sensibilização/informação acerca do apoio da IPI? ção as preocupações partilhadas pela própria família à entidade referenciadora.

3. Que tipo de informação a sua equipa considera ser imprescindível partilhar Conhecer o sistema e dar resposta às necessidades da família passa pela informação que os
com os serviços, profissionais e comunidade em geral, para que seja garantido serviços locais devem ter mas também pelas características relacionais de quem referencia.
que, mesmo antes de chegar à equipa, a família possa tomar decisões infor-
madas acerca do apoio da IPI? Os dois exemplos seguintes – da Sofia e da Helena –, ambos referenciados por profissionais
pertencentes ao mesmo tipo de serviço – centros de saúde –, mostram como a informação
4. Que plano de ação a sua equipa pode desenvolver para tornar a IPI mais aces-
dada às famílias pode ser diferente e ter consequências bem diversas para as crianças e
sível à família e comunidade em geral?
famílias.

A gravidez do Leandro decorreu normalmente, tal como o parto. Aparentemente, tudo estava
bem com o bebé, mas ao longo dos dois primeiros meses de vida Sofia começou a notar algu-
mas diferenças no desenvolvimento do seu filho: Leandro parecia mais “mole” e menos “alerta”

4.2.2 COMO FAZER UMA REFERENCIAÇÃO


NUMA PERSPETIVA CENTRADA
                       NA FAMÍLIA?
do que os outros bebés, e o casal resolveu recorrer à médica de família do centro de saúde da
área de residência.

A médica, após ouvir Sofia, confirmou as suas suspeitas, embora não tivesse ainda certezas
face ao porquê do atraso do desenvolvimento do bebé, e encaminhou o caso para uma consul-
ta de desenvolvimento no Hospital Pediátrico. Paralelamente, informou a mãe da existência de
De acordo com McWilliam, Winton e Crais (2003), o ideal seria que as próprias famílias uma equipa de intervenção precoce, constituída por profissionais de várias áreas e cujo apoio,
pudessem fazer o primeiro contacto com a equipa de intervenção precoce, solicitando prestado nos contextos de vida da criança e centrado nas preocupações e prioridades da famí-
a entrada no sistema. Se os outros serviços e profissionais encorajarem a família a fazer o lia e outros cuidadores, poderia ajudar na promoção do desenvolvimento do Leandro. Por fim,
primeiro telefonema para a equipa, estarão a fazer com que a família sinta o controlo sobre perguntou a Sofia se gostaria de ser contactada por essa equipa. Os pais do Leandro concor-
o processo de referenciação, respeitando igualmente o seu ritmo de decisão. Dando esta daram imediatamente, tendo o processo de referenciação sido feito com o consentimento da
oportunidade de escolha informada, promover-se-á o empowerment, mesmo antes de a família e, fundamentalmente, tendo por base as suas preocupações.
família entrar no sistema.
Testemunho de um profissional de IPI
Mas ainda há sinalizações, baseadas numa “prescrição de serviços”, que revelam pouco
conhecimento acerca do modelo de intervenção precoce, criando na família expetativas
Este é um exemplo de boas práticas participativas, em que a família concordou e con-
erradas do que vai receber da IPI:
sentiu a referenciação! Por um lado, observamos a importância das práticas relacionais
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

104 105

4.2.3 COMO PREPARAR OS PRÓXIMOS


da médica, valorizando, escutando e validando as preocupações da mãe, mas também a sua
qualidade técnica, pois conhecia e tinha informação sobre o sistema de IPI, o que permitiu
um acesso ao serviço contingente com as preocupações da família. A forma como decorreu PASSOS?
este momento facilitou muito o início da relação entre os profissionais da intervenção pre-
coce e a família, que na realidade tomou o controlo desde o primeiro momento. Apesar de as ELI não possuírem o controlo sobre a forma como as referenciações são efe-
tuadas, devem desenvolver ações de sensibilização e informação em relação ao apoio
Importância Mas nem sempre acontece assim, como relata a Helena: da intervenção precoce junto da comunidade, visando a promoção de sinalizações que
das práticas respeitem a vontade da família e que, previamente, prestem toda a informação credível,
relacionais,
participativas potenciando tomadas de decisões informadas.
e qualidade Há sensivelmente quatro anos, findo o tempo de gestação de uma gravidez normal, às 39 sema-
técnica nas, nasceu o David. Um menino que, como a maioria dos recém-nascidos, comia e dormia. A partir do momento em que a ELI recebe a referenciação, deve organizar-se para iniciar a
planificação dos próximos passos, que passa pela forma como contacta pela primeira vez
Ao fim de três meses, o David não queria mamar, não dormia e chorava muito. Eu sentia que
com a família, salvaguardando precocemente uma atuação centrada na família e promotora
alguma coisa não estava bem, porém todos atribuíam o meu estado de ansiedade e preocupa-
do empowerment. Na próxima secção, vamos refletir acerca da importância dos primeiros
ção ao facto de ter a minha mãe numa fase terminal, vítima de cancro. Contudo, eu sabia que
momentos com os pais ou outros cuidadores, para a implementação de uma abordagem
não era “só” isso, e escrevo “só” entre aspas, pois não foi certamente o período mais fácil da
centrada na família.
minha vida, receber a notícia de que restariam pouco mais de dois meses de vida à minha mãe.

Por volta dos 10/12 meses, o David começou a dizer as primeiras palavras e por aí ficou.

Na consulta de rotina dos dois anos, no centro de saúde, partilhei com o médico assistente que
me preocupava o facto de o David falar muito pouco e também outros comportamentos que eu
não achava adequados a uma criança de dois anos. O médico respondeu-me que eram coisas
da minha cabeça. Saí do consultório insegura e com a sensação de que ninguém, tanto profis-
sionais como familiares, me compreendia.

Dois meses depois, o David fez uma crise de asma e, numa ida à urgência do hospital local, a
médica de serviço, que por acaso era uma pediatra de desenvolvimento, percebeu de imediato
que algo se passava, não só pela observação que fez do David, mas também pela preocupa-
ção e angústia que eu fazia transparecer pelo facto de não saber o que se passava com o meu
filho, para além da crise que nos levou à urgência.

Conversámos durante uma hora e no fim da consulta a médica encaminhou-me para uma con-
sulta de desenvolvimento. Ao despedir-se de mim, segurou-me nas mãos e disse-me: “A partir
deste momento a senhora deixou de estar sozinha”. Confesso que, na altura, não entendi mui-
to bem o que ela queria dizer.

Na consulta de desenvolvimento, fui encaminhada para uma consulta de autismo e, posteriormen-


Para refletir: te, informada de que iria ser contactada por técnicos da intervenção precoce. Não percebemos
O que acha muito bem no que consistia o trabalho destas pessoas.
que correu
bem em todo Helena – mãe do David, apoiados pelo SNIPI
este processo?
O que poderia
ter corrido Em ambos os casos, as mães foram as primeiras a perceber que existia algo de preocupan-
de forma te no desenvolvimento dos seus filhos.
diferente?

Mas, ao contrário de Sofia, no contacto inicial com os serviços de saúde, Helena não obteve
confirmação das suas preocupações nem resposta às suas dúvidas, o que agudizou o sen-
timento de insegurança. A referenciação para a IPI demorou demasiado tempo para esta
mãe, que só sentiu reconhecimento das suas preocupações depois de o seu filho ter comple-
tado dois anos de idade. Mais tarde, no episódio de urgência, as competências relacionais
da pediatra – o respeito, informação e acolhimento – permitiram que o sentimento de segu-
rança se iniciasse, preparando assim o palco para a futura relação com os serviços de IPI.
Embora não voltasse a ver a pediatra que a referenciou, esta ficou para sempre na recor-
dação de Helena como alguém que a ouviu e a compreendeu, e as suas palavras tiveram
um impacto significativo nesta família.
Importância
das com-
petências De facto, podem bastar apenas algumas palavras para podermos fazer a diferença no nos-
relacionais dos
profissionais
so trabalho como profissionais de IPI.
PARTE II — Introdução
Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

107
EXEMPLO PRÁTICO COMENTADO e sentindo-se enganado, pela informação não ser fidedigna (uma vez
que a Catarina já não consumia durante a gravidez) e por não ter sido
partilhada com a família, o pai afirmou “não tendo nada contra as se-
nhoras, não queremos mais pessoas a vir cá para além daquelas que
já temos. Mas a mãe é que sabe…”.

A referenciação: Após ter sido explicado o âmbito do nosso apoio, a visita terminou, fi-
cando a família de refletir acerca da continuidade do processo. Ficámos
Apresentação à equipa de intervenção precoce preocupados com o facto de toda esta questão nos parecer um entra-
ve ao apoio à Mariana e à família e mais tarde voltámos a contactar
Catarina, que nos informou que não desejariam continuar com o apoio
por considerar que a Mariana estava bem, comprometendo-se a con-
tactar os serviços no futuro caso sentissem necessidade. Informámos a
família que o apoio não poderia existir sem o consentimento da mesma e
que a sua decisão iria ser partilhada com quem fez o pedido para a IPI.

Práticas participativas: Promover a Manuel, de 50 anos, e Catarina, de 30, foram pais da Mariana. A equi-
escolha da família desde o primei- pa recebeu a referenciação por parte dos serviços da maternidade e
ro momento. PARAR PARA PENSAR:
agendou um primeiro encontro com a família, que desejou que este se
realizasse em sua casa.
As atitudes de quem referencia podem dificultar ou até mes-
Já em casa da família, fomos recebidas com deferência, mas também mo inviabilizar a entrada da família na intervenção precoce!
denotámos alguma reserva por parte da mãe, sem contudo entender-
mos ainda a razão. Mariana estava ao seu colo e tinha três meses de • O que correu mal nesta referenciação?
idade. A primeira questão que Catarina nos colocou foi se era para co-
• Que práticas e competências estiveram ausentes?
meçar a visita por vermos o quarto da menina ou a casa. Logo neste
Práticas relacionais: Constituir momento conversámos acerca do nosso papel e a razão deste primeiro • Como poderiam/deveriam os profissionais que referen-
os primeiros alicerces da relação encontro, justificando a mãe que estava a ser acompanhada por ou- ciaram ter agido para que o desfecho não fosse este?
de confiança e de parceira, pres- tros serviços e que “as assistentes sociais nas visitas que faziam queriam
tando à família toda a informação • O que poderá fazer na sua ELI para que situações como
sempre ver a casa”. Sem ver a casa e sentadas na sala à entrada, es-
necessária e escutando ativamente esta não se perpetuem?
aquilo que ela quer partilhar. cutámos a mãe acerca das suas dúvidas em relação à sua bebé. Era a
sua primeira filha e havia muitas coisas que ela estava a descobrir pela
primeira vez. Explicou-nos, igualmente, que estava a fazer tratamento
com metadona e que este se tinha mantido durante a gravidez. À me-
dida que a conversa ia fluindo, a mãe demonstrava menor inquietação
e maior à-vontade, fazendo muitas perguntas acerca dos cuidados à
sua bebé e partilhando aquilo que já fazia e como a Mariana reagia.
Mais tranquila, Catarina disse-nos que queria mostrar-nos o quarto
da bebé e guiou-nos com orgulho para esse espaço, colocando questões
acerca do berço e da posição em que ele deveria estar para facilitar a
respiração da bebé.

Qualidade técnica: O conheci- Nesse momento, o pai da Mariana chegou a casa e em conjunto revimos
mento sobre o desenvolvimento a referenciação no sentido de entender se as preocupações expressas
da criança dos 0 aos 6 anos permi-
pela fonte referenciadora coincidiam com as preocupações da família.
te apoiar e dar resposta às dúvidas
da família. Manuel, ao ler o pedido de apoio, ficou com um ar abalado. Ao ten-
tar compreender a razão desta atitude, Manuel, exaltado, explicou que
aquilo que ele tinha assinado era bem diferente daquilo que agora lhe
mostrávamos. Contou que o profissional que referenciou o aconselhou
a pedir apoio da intervenção precoce para a Mariana, tendo-lhe sido
explicado que isso seria bom para o desenvolvimento dela. Querendo o
Práticas participativas: Prestar toda melhor para a sua filha, o pai aceitou este encaminhamento. No entanto,
a informação necessária, dando na referenciação tinha sido acrescentada informação acerca da famí-
espaço à família para que tome de-
lia que não constava no momento da aceitação do encaminhamento:
cisões informadas.
“Criança em risco, com internamento na unidade de cuidados intensi-
vos de recém-nascidos no período neonatal por síndrome de privação
(consumo de cocaína e heroína durante a gravidez)”. Como resultado,
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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4.3 PRIMEIROS CONTACTOS ou por escrito, deixando em aberto a possibilidade de a família poder decidir quanto ao lo-
cal, hora e intervenientes nesse encontro. Neste contacto poderá ser importante demonstrar Preparação
logo disponibilidade para prestar alguma informação à família, caso esta necessite, para do primeiro
que ela própria se prepare para este encontro. Desta forma, podemos evitar que o profis- encontro com
a família
sional assuma o controlo perante uma postura que pode interpretar como passiva por parte
da família. O ideal seria que, antes do primeiro encontro, a família tivesse já acesso a algu-
Por primeiros contactos entende-se todo um conjunto de ações realizadas ma informação escrita (folheto da equipa, por exemplo), remetendo para a equipa qualquer
na primeira abordagem à família por parte dos profissionais da equipa questão que lhe surja até ao primeiro encontro.
após a referenciação da criança aos serviços de intervenção precoce,
onde se dá início à identificação das expetativas da família em relação O primeiro telefonema pode, desde logo, demonstrar que é a família que controla a situa-
ção: decidir sobre o local onde ocorrerá o primeiro contacto, por exemplo, a partir de uma
à intervenção. possibilidade de escolha de várias alternativas (em casa, na sede da equipa, no jardim de
infância onde a criança está, etc.), poderá ser uma forma de dar oportunidade à família de
Num processo centrado na família, os primeiros contactos revestem-se de grande importân- decidir. Para cada família, o essencial é dar oportunidade de escolha e pensar no impac-
cia. É nestes primeiros momentos que se estabelecem as bases de uma relação de confiança to e na mensagem que o local onde ocorrem os primeiros contactos poderão trazer para a
e de colaboração família/profissional: o que o profissional diz ou faz e a forma como gere sua primeira impressão sobre a IPI, a equipa e as pessoas/profissionais que vai conhecer.
esses primeiros encontros vão marcar a família. É por isso crucial que haja uma reflexão so-
bre as diferentes variáveis que contribuem para as primeiras impressões de ambas as partes, Por exemplo, se a única possibilidade para o primeiro encontro é que este aconteça no jar-
famílias e profissionais, nomeadamente as suas experiências passadas, os diferentes estilos dim de infância da criança, poderá transmitir-se a mensagem de que esse é o contexto
de interação, os seus valores e expetativas. primordial para potenciar o seu desenvolvimento. Se for na sede da equipa, poderá logo
Atribuir às desde o início dar-se a ideia de que é a família que está a “entrar em território alheio”, onde
famílias o
controlo sobre Pode acontecer que a rotina diária de prestação de serviços leve o profissional a encarar este dominam os profissionais. Sendo em casa, poderá ser o local onde a família se sente mais
os vários momento como uma simples recolha de informação sobre a família, de acordo com aquilo à vontade ou, pelo contrário, se sente invadida na sua privacidade. Mais uma vez, cada fa-
aspetos da mília é única e decidirá segundo a sua unicidade e as suas circunstâncias, qual o local mais
admissão aos que ele próprio precisa saber sobre a família, e que, sem se aperceber, recorra a “inquéri-
serviços desde tos e roteiros pré-estabelecidos”. Esta atitude pode transmitir à família a mensagem errónea confortável para este momento decisivo na sua vida e da sua criança.
o primeiro de que é o profissional que conduz o processo, correndo o risco de retirar o poder à família.
momento Independentemente do local onde ocorrem os primeiros contactos, todas as sugestões de-
Cada família é única! Desde os primeiros contactos que o profissional de IPI deve respeitar as vem ser tidas como opções e partilhadas de uma forma que leve a família a fazer a sua
suas características próprias. É nesta etapa que começam a ser identificadas as prioridades própria escolha e no seu próprio tempo. O profissional deverá estar preparado para que
da família, que guiarão o processo de intervenção e os seus objetivos. Assim, o profissio- seja a família a determinar o fluxo da conversa, adotando uma diversidade de formas de se
nal, de uma forma flexível e adequada aos valores, cultura e preferências da família, deve relacionar e demonstrando que se preocupa com a mesma, respeitando acima de tudo as
respeitar as escolhas referentes ao envolvimento que os pais pretendem ter e à informação suas escolhas, criando espaço durante o encontro para que a família possa ser ela própria.
que pretendem partilhar6.
É de extrema importância que o profissional assuma, desde logo, comportamentos elucida- O primeiro
tivos de uma abordagem centrada na família, o que exige ser flexível. Neste sentido, como passo é
saber o que a
“Os primeiros contactos preparam o palco para o resto da experiência de intervenção já foi referido, os primeiros contactos são um momento de constituição dos primeiros ali-
família deseja
precoce. Devem, portanto, ser feitos de uma forma centrada na família (não centrada na cerces da relação de confiança e de parceria, necessária a todo o processo de avaliação e da IPI
criança), enfatizando o apoio (não os serviços).” intervenção.
(McWilliam, 2010, p. 17)
Assim, é a partir dos primeiros contactos que este processo se desenvolve.

4.3.1
PRIMEIROS CONTACTOS
COMO PROCEDER, NESTA ETAPA, DE
FORMA CENTRADA NA FAMÍLIA? Nos primeiros contactos, o profissional de IPI deve:

A única regra Não há uma regra! Ou, melhor, a única regra é que em cada família qualquer decisão será • Escutar e compreender as prioridades e expetativas da família;
é… envolver a melhor se for a família a escolher dentro de uma variedade de possibilidades. Como já foi • Partilhar informação com a família: mostrar quem é e o que faz;
a família na
tomada de
referido, o “como se faz” pode ser mais importante do que “o que se faz”.
• Apoiar a família a tomar decisões acerca dos próximos passos.
decisão
Após a receção e análise da referenciação, a equipa deverá organizar-se para a realiza-
ção do primeiro contacto com a família, tendo em conta a especificidade de cada situação.
A marcação desse primeiro encontro deverá, sempre que possível, ser feita telefonicamente

6 Para uma leitura detalhada de práticas ao longo do processo de intervenção sugere-se: McWilliam, Winton, &
Os sentimentos associados a estes momentos são de tal maneira fortes que, sejam eles po-
Crais, 1996; e McGonigel, Kaufman, & Jonhson, 1991. sitivos ou negativos, perdurarão na memória da família.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

110 111
Helena, que apresentámos no ponto anterior, revive os aspetos que mais a marcaram ao A cultura, a história e percurso de vida, a própria rede de apoio e os valores pessoais de
longo da sua passagem pela IPI: cada família podem influenciar a forma como ela encara a possibilidade de um pedido
de ajuda. Por exemplo, há famílias que têm facilidade em solicitar e procurar apoios, outras
podem considerar humilhante pedir ajuda a outros.
Peguei na lista telefónica, tomei a iniciativa e contactei a sede da equipa de intervenção preco-
ce. Do outro lado da linha, e percebendo o meu desespero, alguém me disse que o apoio não As experiências passadas – que podem incluir referenciações feitas pelos serviços sem o
tardaria. Três dias depois do meu telefonema, recebi em minha casa uma assistente social, uma consenso da família ou quando esta se limitou a consentir para não ser considerada negli-
psicóloga, uma terapeuta da fala e uma educadora de educação especial. gente – influenciam a forma como cada família encara a abordagem da IPI.
Passámos três longas horas a conversar. No fim, e já sozinhos em casa, eu e o meu marido
Assim, os primeiros contactos devem ser, essencialmente, momentos para ouvir e com-
sentimos que aquele era um ponto de viragem nas nossas vidas. Sentimo-nos de tal forma com-
preender as histórias e as perspetivas da família e perceber quais as suas principais áreas
preendidos que nos invadiu uma sensação de alívio difícil de explicar. Ficámos muito orgulhosos
de preocupação. Possibilitam ainda ao profissional esclarecer suposições iniciais – que podem
de ser portugueses e de viver num país onde existem instituições que funcionam e correspon-
ser válidas ou estar erradas –, evitando que este atue sob falsos pressupostos. É, portanto,
dem às necessidades de quem as procura, e sem termos de pagar nada por isso.
fundamental permitir que seja a família a conduzir o curso desta primeira conversa.
Esta sensação de alívio permitiu-nos começar a ver as “coisas noutra perspetiva”, pondo em
primeiro lugar o David e só depois o autismo, e é esta máxima que tem regido a vida da minha A troca de informação entre a família e a equipa deve centrar-se na resposta às questões É a família
família até hoje. da família e na discussão sobre as suas preocupações básicas. É a família que decide e de- que decide
como quer
termina o ritmo e a extensão de como quer partilhar a sua vida com a intervenção precoce. partilhar a
Helena – mãe do David, apoiados pelo SNIPI Algumas famílias poderão sentir-se intimidadas ou desconfortáveis se, durante os primeiros sua vida com
contactos, lhes pedirem informação sobre questões financeiras, sobre a história detalhada a IPI
da gravidez ou qualquer outra informação pessoal. Considerando os primeiros contactos
Com este testemunho, conseguimos compreender que os primeiros encontros podem servir
como um momento inicial da construção da relação, com este tipo de questões o profissio-
como rampa de lançamento para o desenvolvimento de relações consistentes e de apoio, à
nal pode correr o risco de ser demasiado intrusivo.
luz da abordagem centrada na família. Estes primeiros momentos são, de facto, os alicerces
da relação de parceria em que se baseia a intervenção centrada na família. É o momento
ideal para dar à família motivos para sentir-se em controlo, mostrar que o profissional e a O profissional de IPI tem de se questionar sempre:
equipa a respeitam, assim como ao seu filho, e para oferecer ajuda imediata, no caso de
ser necessária. • Que género de informação é realmente necessária para uma prestação de servi-
ços eficaz?
Mais do que “decidir” acerca “do que” devemos fazer num primeiro encontro com a família, • Esta informação tem mesmo de ser recolhida neste momento?
trata-se de “refletir” acerca de “como” o fazemos: como é que, através da nossa atitude, fa-
zemos a família sentir que pode liderar todo o processo desde o primeiro momento.
Todas as perguntas que “habitualmente” são feitas devem, portanto, ser revistas com cui-
dado e só se deve fazer as que têm uma razão suficientemente válida. Nesse caso, deve-se
explicar à família a razão das mesmas, evitando dúvidas ou desconfianças que poderão in-

4.3.2
terferir na construção da relação.
ESCUTAR E COMPREENDER AS
PRIORIDADES E EXPETATIVAS DA FAMÍLIA Vejamos o relato de uma mãe acerca de como percecionou o primeiro momento de con- É importante
fazer apenas
tacto com a ELI: as questões
que têm
uma razão
Enquanto técnica de IPI, reflito que a melhor ferramenta para a intervenção é a capacidade para serem
A primeira reunião no centro de saúde com a equipa foi realmente avassaladora. Foram todos feitas nesse
de avaliar eficazmente necessidades, prioridades e competências da família, o que, em minha
muito simpáticos, solícitos e procuraram esclarecer a situação específica do meu filho, no entan- momento
opinião, só se consegue escutando efetivamente a família. Perceber exatamente para quê e
to, na minha mente, eu só via um conjunto de senhoras à minha volta que me perguntavam se
quando somos necessários é a melhor forma de fornecer ferramentas significativas e eficazes
eu tinha amigos, se me dava bem com a minha mãe ou a minha sogra, se o pai da criança acei-
que promovam a capacitação das famílias, o seu crescimento e a capacidade de resiliência
tava a intervenção da equipa e depois um papel de consentimento para assinar.
para responder eficientemente aos inúmeros desafios que têm de vencer diariamente… e é
este o objetivo último da IPI! Após a reunião, o meu sentimento geral foi: estou desgraçada, tenho um filho deficiente que
Testemunho de uma profissional de IPI ainda ninguém sabe o que tem, os meus pais e sogros vivem a mais de 100 km e nem sabem
onde fica este centro de saúde!

É importante relembrar que, embora na maioria das vezes o contacto dos pais com a IPI es- Assinei um papel que permite a um conjunto de desconhecidos fazer um escrutínio da minha
O primeiro
passo é teja relacionado com um assumido pedido de ajuda, para muitas famílias pedir ajuda pode vida pessoal e familiar privada e que avalia as minhas competências enquanto mãe.
saber o que a ser difícil, ou a IPI pode não ser vista como uma necessidade. O primeiro passo pode passar
família deseja Aceitar que este tipo de ajuda estava condicionado pela perspetiva da visita domiciliária… foi
da IPI por procurar perceber o que a família deseja e porque está ali: a família revê-se no que é o abrir literalmente as portas da minha casa a pessoas que eu ainda não sabia se queria na
referido no pedido de apoio? Tem as mesmas preocupações? minha vida.

Sónia – mãe do David, apoiados pelo SNIPI


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

112 113
Neste caso, as questões e observações dos profissionais (sem dúvida “bem intencionadas”) Este é o momento para cada profissional mostrar às famílias quem é e o que faz, sobre o
tiveram impacto negativo na família. Lembremos que estes são os primeiros contactos, a funcionamento da equipa e do serviço de IPI, podendo facultar-se um folheto informativo, Dar tempo à
primeira vez que estamos com a família! Na realidade, há informação que pode ser reco- caso exista. Para não correr o risco de controlar o tempo do encontro, este momento de ex- família, partir
lhida posteriormente… posição deverá ser breve, dando-se espaço à família para ela própria colocar questões. do que ela já
Pode-se começar por perguntar o que a família conhece da IPI e o que espera dos serviços, conhece

É importante relembrar que as expetativas iniciais da família em relação ao serviço de IPI acrescentando informação que vá ao encontro das suas necessidades.
Expectativas
da família podem ser bastante distintas. Os pais podem estar à espera de respostas sobre diagnósticos
ou prognósticos, podem necessitar de apoio emocional, de informação sobre desenvolvimen- Esta informação inicial sobre o apoio de IPI requer uma preparação cuidada e refletida pela
to ou até de determinados serviços específicos, como fisioterapia, terapia da fala ou outros. equipa, de forma a evitar dar-se à família uma visão limitadora sobre os serviços.

De facto, a família pode facilmente ser influenciada a partir da informação dada acerca
Neste primeiro contacto observámos a ansiedade da família para encontrar apoio para a ajudar dos serviços existentes e de como são prestados. A forma como a família entende o apoio e
a cuidar da sua filha. Os pais vinham referenciados de um hospital central, onde tinham pas- a filosofia subjacente é moldada pela forma como a própria equipa os elabora e apresen-
sado por várias especialidades e médicos, com recomendação para várias terapias. Ainda não ta. Por isso, mais do que explicar o apoio da IPI, é a atitude do profissional que irá moldar Mais do que
explicar, é a
sabiam realmente o que se passava com a sua filha. Chegaram com muitas dúvidas e também aquilo que a família vai percecionar acerca dos nossos serviços. Podemos afirmar “ninguém atitude do
com muitas exigências. conhece melhor a criança do que os seus pais”, mas se, posteriormente, não ouvirmos aquilo profissional
que os pais têm a dizer sobre as capacidades do seu filho, transmitiremos informações am- que revela a
Testemunho de uma ELI filosofia dos
bivalentes ou mesmo contraditórias sobre o verdadeiro papel da família. serviços de IPI

Alguns pais podem mesmo considerar que o apoio da ELI não é satisfatório nem suficiente Através das suas ações, o profissional deve transmitir o respeito pelas características e es-
ou mesmo que a participação no SNIPI poderá ser uma intromissão nas suas vidas. tilo únicos de cada família, demonstrando abertura e vontade de responder às prioridades
que esta tem para a sua vida.

No decorrer do primeiro contato verificámos que as expetativas da família eram muito especí- Nesta reflexão de uma ELI sobre os primeiros contactos, constatamos um equilíbrio entre a
ficas. A família transmitiu que toda a informação prestada pela ELI era uma perda de tempo. atitude de escuta do profissional e a partilha de informação sobre o serviço de IPI:
Referiram, ainda, que o contexto educativo não dispunha dos recursos necessários, nomeada-
mente terapia da fala, pretendendo que a nossa equipa desse essa resposta.
Nesta fase, é fundamental que a abordagem feita com a família tenha um enquadramento de
Testemunho de uma ELI disponibilidade, considerando que esta possa estar a vivenciar alguns sentimentos de angústia,
frustração e, eventualmente, com elevadas expetativas sobre o que a equipa pode represen-
tar para a resolução de um problema. No caso em análise, a família manifestou-se expetante
A aceitação As expetativas e atitudes podem ser tão diversas como diversas são as famílias com as quais
sobre a eventual resposta da equipa, bem como pela brevidade com que foram contactados (…).
da diversi- contactamos. Se tomarmos esta diversidade como ponto de partida, percebemos que, numa
dade como perspetiva centrada na família, temos de valorizar aquilo que é importante para a família e
ponto de par- Ao longo desta reunião foram sendo enquadradas informações sobre o tipo de acompanhamen-
tida para não o que os profissionais julgam ser importante. Estes deverão e terão de ser, em primeiro to dado pela ELI e sobre os critérios de elegibilidade. Foi entregue um folheto informativo que
escutar a lugar, bons ouvintes. foi explorado e analisado com a família.
família
Na sequência deste processo de identificação das necessidades/preocupações mais relevan-
O pai mostrava-se ansioso. Falou sobre os problemas da criança e da implicação com a dinâmi- tes sentidas pela família, foi clarificado o processo que caracteriza o acompanhamento da ELI
ca familiar, assim como questionou sobre apoios sociais por gastar muito dinheiro em pomadas à família/criança e ao contexto educativo, assim como as diferentes etapas que o compõem.
e medicamentos. O pai lamentou o facto de só a pediatra do neurodesenvolvimento o ter escla-
recido e orientado sobre as respostas na comunidade para a IPI. Este momento durou cerca Em síntese, sentimos que é fundamental iniciar os processos de IPI de modo equilibrado, com
de duas horas e a técnica considerou um momento intenso, tendo o pai evidenciando um dis- prazos céleres (sempre que possível), fazendo uso de práticas adequadas, positivas, que agili-
curso queixoso e de revolta, sentindo-se sozinho e cansado, manifestando falta de apoio a nível zem as fases subsequentes. A perceção de que os níveis de satisfação da família são elevados
das respostas específicas para a problemática do filho. A atitude empática da técnica com este quando o contacto é rápido e quando sente que terá um eventual suporte às suas preocupa-
pai foi de extrema importância para que se sentisse à vontade para partilhar as suas experiên- ções/angústias/necessidades permite-nos, enquanto equipa, refletir sobre indicadores que
cias: “… Pela primeira vez fui atendido por pessoas com quem realmente pude falar e ser ouvido”. serão catalisadores de boas práticas ao longo do processo. A relação que é estabelecida com
a família e outros cuidadores, desde o início, salvaguardando as dimensões éticas e os pres-
Testemunho de uma ELI supostos que servem de referência às práticas em intervenção precoce, é a condição para um
serviço efetivo e de qualidade às famílias e suas crianças.

Testemunho de uma ELI

4.3.3 PARTILHAR INFORMAÇÃO COM A


FAMÍLIA
Muitas famílias não estão conscientes do número e variedade de serviços disponíveis, de-
vendo os profissionais dar informação sobre o tipo de respostas que podem ser escolhidas,
obtidas e coordenadas como parte do processo de intervenção. Igualmente relevante é per-
Identificar
os recursos
e os serviços
Se queremos que os pais tomem decisões e controlem a intervenção desde o primeiro mo- ceber quais os serviços ou recursos que a família já dispõe, auscultando o que é que a IPI disponíveis
mento, então é também necessário dar informação. poderá acrescentar ou complementar ao apoio já existente.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

114
EXEMPLO PRÁTICO COMENTADO
4.3.4 TOMAR DECISÕES ACERCA DOS
PRÓXIMOS PASSOS
Com base em toda a informação partilhada nestes primeiros contactos, a família e a equi-
pa deverão tomar algumas decisões quanto aos seguintes aspetos:

A criança não • Elegibilidade: A criança e a família poderão não reunir critérios para apoio no mo-
Desafios nos primeiros contactos:
reúne critérios
para apoio
mento dos primeiros contactos, mas as preocupações sobre o desenvolvimento futuro
podem indicar a necessidade de reavaliação posterior, no caso de a situação da
A perspetiva do profissional
criança ou da família mudar. O profissional deve dar essa informação;
A família e a
equipa deter- • Necessidade de apoio: A família e a equipa podem determinar, mesmo sem conti-
minam que nuidade de avaliação, que não necessitam dos serviços de IPI. Nestes casos, pode
não são ne-
cessários os ser feito encaminhamento para outros serviços, se necessário e dependendo das
serviços de IPI preocupações levantadas na referenciação inicial;
Laura trabalhou mais de 10 anos na Educação Especial e há três anos
• Decisão da família sobre o envolvimento da IPI: A criança poderá evidenciar neces-
A família de- integra uma equipa do SNIPI. Sem formação ou experiência prévia nes-
cide que não
sidade de avaliação posterior ou de serviços de IPI, mas os pais podem decidir que
ta área, tem contado com o apoio da equipa e com a sua vontade de
quer o apoio não querem usufruir da intervenção do SNIPI. Neste caso, a equipa deve assegurar-
desenvolver um trabalho com significado para as famílias. Como prin-
da IPI -se de que a família tomou a decisão baseada em informação suficiente, refletindo cipal palavra-chave no seu dia a dia de trabalho, tem aprendido que o
sobre a globalidade de aspetos decorrentes da sua escolha. Deve ser perguntado sucesso da intervenção passa por uma postura de “primeiro a família”,
aos pais se querem voltar a ser contactados mais tarde, ou informá-los de que po- em todos os momentos.
derão ser eles próprios a fazê-lo, no caso de mudarem de opinião;
Planificação • Planificação da avaliação: A família e a equipa podem dar continuidade ao pro- Em reunião de equipa, foi decidido que Laura seria a responsável por
da avaliação: contactar a família do Ricardo, situação referenciada pela médica de
A família e a cesso, planificando a avaliação7, decidindo o tipo de informação que é necessário
família por atraso de desenvolvimento e fatores de risco associados.
equipa de- recolher, de que forma, onde e com quem essa informação será recolhida, pa-
terminam a pel e nível de envolvimento que a família escolhe assumir durante esse processo.
necessidade Assim, Laura telefonou à mãe, Maria, apresentando sumariamente o ser-
do apoio da Avaliações de rastreio, relatórios da família ou avaliações prévias deverão estar na Práticas relacionais: A forma como
viço e explicando que a ELI recebeu da médica de família um pedido de se explica as razões do contacto e
IPI e dão con- base dessa planificação.
tinuidade ao apoio para o Ricardo. Maria mostrou estar à espera do contacto, mas o serviço contribui para se sintoni-
processo de hesitava no seu discurso, parecendo a Laura que poderia existir algum zar com a família, desde o primeiro
intervenção Findos os primeiros contactos, quando a família e a equipa decidem dar continuidade ao desconforto ou desconfiança em relação a esta abordagem. Laura propôs momento.
processo, é necessário determinar a natureza e âmbito dos serviços de IPI necessários para a um momento de encontro, em que pudessem conversar tranquilamen-
criança e para a família. Vejamos no próximo ponto de que forma se pode planificar e reco- te sobre as preocupações da família e como poderia a IPI apoiar essas
lher a informação necessária ao desenvolvimento de um plano de ação adequado e eficaz, preocupações, e explicou que teria disponibilidade para este momento
tendo sempre por base as preocupações, recursos e prioridades da família. Práticas relacionais: Constituir os
onde a mãe sentisse ser mais confortável e útil. Hesitante, Maria come-
primeiros alicerces da relação de
çou por dizer que preferia que fosse Laura a determinar o local, pois era confiança e de parceira.
a primeira vez que estava a contactar com a intervenção precoce. Laura
acrescentou que, como profissional de IPI, se poderia deslocar ao local
NÃO SE ESQUEÇA QUE:
onde a família considerasse importante, desde o domicílio, o local onde
a criança e a família se encontram habitualmente, ou mesmo na sede Práticas participativas: Promover
Feedback É importante manter ativos os “canais de comunicação” com o serviço ou profissio- da equipa (no centro de saúde). Parecia a Laura que a mãe não estava a escolha da família, respeitando o
à entidade nal que referenciou o caso, dando-lhe a conhecer o seguimento do processo que à vontade para decidir e que a possibilidade de encontro no domicílio grau de envolvimento que pretende
referenciadora não foi considerada de imediato pela mãe, pelo que lhe perguntou onde ter: a família conduz a intervenção.
iniciou, nomeadamente se a família já foi contactada e qual a sua decisão relati-
vamente ao envolvimento com a IPI. o Ricardo está habitualmente durante o dia. Maria referiu que o filho
frequentava a creche de uma instituição local e que habitualmente o ia
buscar ao final da tarde. Laura comentou que conhece bem esse con-
texto, que a equipa já tinha acompanhado crianças que frequentavam
o local e que, se a mãe pretendesse, poderiam averiguar a possibilida-
de de o primeiro encontro acontecer nesse espaço. Assim, poderia até
já conhecer o Ricardo. Com base nesta informação, Maria acabou por
manifestar preferência por este primeiro encontro acontecer na creche Práticas participativas: Dar espa-
onde o Ricardo estava e acordaram que Laura faria o contacto com a ço à família e encorajá-la, desde o
instituição, para solicitar o espaço para a reunião com a mãe, tal como primeiro momento, a tomar decisões
informadas.
7 A avaliação, aqui entendida como compreender o funcionamento da criança, focando-se nas preocupações, já teria feito em situações anteriores.
prioridades e expetativas da família, irá possibilitar a posterior definição conjunta da periodicidade e do tipo de
apoio. A avaliação em IPI será desenvolvida no ponto seguinte.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

116 117
Ao desligar o telefone, Laura questionou-se se não teria dirigido dema-
siado a tomada de decisão da família. Habituada a trabalhar no contexto PARAR PARA PENSAR:
de creche e jardim de infância, Laura refletiu como é tão fácil, sem se dar
conta, desde o início da intervenção, começar a “controlar” a situação,
influenciando desde logo o rumo do trabalho conjunto com a família. 1. A forma como esta equipa se organiza para realizar a primei-
Práticas participativas: A ação do ra abordagem à família pode ser diferente da forma como se
profissional deve transmitir que é a
Por outro lado, porque lhe teria parecido hesitante a mãe em relação organiza a ELI onde você participa atualmente. Em que aspe-
família que detém o controlo desde
o primeiro momento. ao primeiro encontro? Será que foi “hesitante” por esta ser uma primei- tos há diferenças? Como é que essas diferenças têm impacto
ra vez? Será que Laura assumiu demasiado depressa que a mãe não nas famílias? Há aspetos que gostaria de mudar na sua equipa
pretendia o primeiro encontro no domicílio, pelas informações prévias para se aproximar mais das práticas recomendadas?
Qualidade técnica: Ao profissional de
que a equipa explorou na análise da referenciação? Ainda nem sequer
IPI precisa ser um pensador, reflexi- 2. Um dos princípios basilares da IPI é que a intervenção seja
vo, tem de tomar decisões e resolver conhecera esta família e já se sentia assaltada por dúvidas em relação
problemas. às suas práticas… conduzida pela família desde os primeiros momentos. O que
fez esta profissional para facilitar a prática deste princípio de
Quando chegou à instituição, Laura dirigiu-se com à-vontade à peque- capacitação e empowerment?
na sala de reuniões onde noutras situações tinha reunido com outras
famílias de crianças apoiadas pela sua equipa. Maria aguardava, sen- 3. Considerando que cada situação é única (pelas característi-
tada. A mãe mostrou estar interessada e, apesar de evidenciar alguma cas singulares da família, do seu contexto e dos profissionais
Práticas relacionais e participativas: reserva ao longo da conversa, foi expondo as suas dúvidas, que inci- envolvidos), o que teria feito de forma diferente para facilitar
Escutar e compreender as priorida- diam sobretudo no papel da ELI e no objetivo da sua intervenção. Laura a implementação de práticas recomendadas nesta etapa do
des e expetativas da família acerca procurou ser clara nas respostas e, após terem esclarecido o porquê do ciclo de intervenção?
de como quer que a IPI se envolva
contacto da equipa, deu espaço a Maria para falar nas suas preocu-
na sua vida.
pações. Maria sabia que a médica de família iria propor o apoio da IPI,
porque o Ricardo “não se estava a desenvolver bem”, mas confessou que
não tinha bem a noção do que significava ter esse apoio. Partilhou com
Qualidade técnica: O conhecimento Laura que a preocupava o facto de “o Ricardo não dormir bem” e de “às
sobre o desenvolvimento da criança vezes ver que ele estava um bocado atrasado para a idade”, quando o
permite colocar as questões certas e comparava com crianças da mesma idade. Laura sentiu necessidade
detalhadas, necessárias para apoiar
de clarificar algumas preocupações e procurou compreender melhor o
e dar resposta à família.
“não dormir bem”, ao que a mãe explicou que “acordava muitas vezes
durante a noite, para aí umas seis vezes”. Segundo a mãe, o Ricardo
era uma criança que “palrava pouco” e “nem sequer andava bem”. No
decorrer da conversa, a mãe referiu que se sentia muito só, disse não
ter ninguém a quem recorrer, para além de viverem com grandes di-
ficuldades económicas, uma vez que apenas ela recebia o subsídio de
desemprego. Nunca se referiu ao pai. Laura concluiu este momento fa-
zendo uma breve síntese das preocupações da mãe e explicando que,
Práticas relacionais: Demonstrar à com os dados que esta partilhou, poder-se-ia considerar que o Ricardo
família que estamos em sintonia com e a família poderiam receber os serviços do SNIPI, uma vez que reuniam
as suas preocupações, é um ingre- claramente critérios de elegibilidade, se assim fosse a opção da família.
diente fundamental na construção de
uma relação de confiança.
Maria concordou e decidiu que queria que a IPI se envolvesse na sua
vida. O primeiro passo estava dado. Laura referiu que compreendeu as
principais preocupações de Maria e que seria possível a equipa ajudar
na resposta a essas questões. Para tal, seria necessário recolher infor-
mação mais aprofundada, nomeadamente em relação ao Ricardo e aos
Práticas participativas: A família tem contextos onde ele estava habitualmente. Em conjunto, Laura e Maria
um papel central na planificação da determinaram o tipo de informação que seria necessária e de que forma
avaliação, escolhendo o nível de en- e com quem essa recolha seria feita para, posteriormente, ser definida
volvimento que pretende assumir.
a periodicidade e o tipo de apoio.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

118 119

4.4 AVALIAÇÃO EM IPI Para nós, pais, o mais importante é a confiança que nos é transmitida pelos profissionais que
acompanham os nossos filhos. Quando confiamos uns nos outros, é meio caminho andado para
o sucesso. E quando o diálogo é constante ajuda muito.
Testemunho de uma família apoiada pelo SNIPI

Este momento do ciclo destina-se à identificação das preocupações, prio-


Este processo de construção de uma relação de confiança e de empowerment da família
ridades e recursos da família, bem como à identificação das competências
não é fácil. O momento da avaliação pode reforçar essa relação ou, pelo contrário, “miná-
funcionais da criança e das características do contexto, informação essen- -la”. É o que acontece quando, sem se aperceber, o profissional assume a total liderança
cial para elaborar um plano de intervenção individualizado e específico do processo, afastando os pais (por vezes até fisicamente, impedindo a sua presença junto
para a criança e sua família. da criança) e condicionando assim o processo de empowerment e capacitação da família,
tomando decisões sobre o tipo de informação a recolher, como a recolher e para quê, ex-
clusivamente em função do seu ponto de vista e da sua perícia.
Analisámos já como os primeiros contactos devem ser pautados pela escuta e compreensão
das aspirações e prioridades da família em relação ao que espera que seja o contributo da De facto, talvez por tradicionalmente ser um momento considerado “dos profissionais”, é ainda
IPI na sua vida e na do seu filho. Embora possa haver um momento do ciclo referido como frequente que estes iniciem as avaliações munidos de uma série de instrumentos estandar-
avaliação (de que falaremos neste ponto), esta, como processo de compreensão da perspe- dizados de recolha de informação que respondem às suas dúvidas enquanto especialistas
tiva da família, inicia-se no primeiro encontro desta com os profissionais. E, inevitavelmente, de determinada área, sem contudo conseguir dar resposta àquilo que são as dúvidas, preo-
todo o processo é dinâmico e individualizado, dado que, como temos vindo a referir, cada cupações e necessidades de ajuda das famílias.
família é única.
Pode assim acontecer que o psicólogo “aplique” uma escala de avaliação formal do desenvol-
De uma forma geral, avaliação visa a recolha de informação que permita tomar decisões. vimento, o terapeuta da fala “aplique” uma escala de avaliação da linguagem, o fisioterapeuta
Numa abordagem centrada na família, o momento da avaliação assume-se como essencial “aplique” uma escala de avaliação motora… Todos estes procedimentos podem ser legíti-
para continuar a aprofundar as expetativas iniciais da família, permitindo, a partir delas, de- mos quando o profissional tem presente que o destinatário de toda a informação recolhida é
senhar com a família uma intervenção individualizada – de “alta-costura” (por oposição ao a família e quando esta tem, efetivamente, necessidade dessa informação. Numa interven-
“pronto-a-vestir” destinado às massas) – que responda às suas preocupações e prioridades. ção centrada na família é essencial que os profissionais implementem a avaliação refletindo
acerca da metodologia que melhor responde às dúvidas e questões da família.
Avaliação em Avaliação em intervenção precoce deve ser:
IPI De forma a evitar situações em que o profissional assume o seu papel de perito, antes da Expetativas
• Útil — para planear intervenções individualizadas e monitorizar os progressos; definição do que serão os objetivos e estratégias de intervenção, este deverá dar à família da família &
tempo e espaço suficientes para a partilha das suas preocupações e quais as oportunidades competências
• Convergente — feita a partir da observação que diferentes pessoas – pais e pro- funcionais
fissionais – fazem do comportamento da criança/jovem no decorrer das suas de aprendizagem e desenvolvimento da sua criança. É crucial que o profissional compreenda e rotinas da
rotinas diárias; e identifique: (1) o que é importante para a família; (2) como a família percebe as caracte- criança
rísticas únicas da sua criança e os efeitos que estas têm no seu dia a dia.
• Autêntica — os métodos, estilos e materiais devem ser discutidos, escolhidos e o
seu uso flexibilizado de forma a dar a ideia mais correta das competências fun- Nesta segunda componente do ciclo de intervenção, e de modo a assegurar que a criança
cionais da criança; e a sua família recebem o apoio individualizado e adequado àquilo de que precisam e de-
• Equitativa e sensível: sejam, os serviços de IPI devem identificar duas dimensões fundamentais.

• Acomodando-se às diferenças individuais (características sensoriais, afetivas


e culturais);
• Dando conta das diferenças/evoluções, mesmo quando a criança tem difi- AVALIAÇÃO EM IPI
culdades severas;
As duas dimensões da avaliação em IPI:
• Permitindo uma avaliação funcional do comportamento e o nível de ajuda que
a criança requer para dominar uma tarefa;
1. As preocupações, prioridades e recursos da família;
• Relativa à aquisição de determinada competência e ao seu adequado uso
em vários contextos; 2. As características da criança – competências e necessidades funcionais, rotinas
diárias e contextos de vida – e a forma como estas são percecionadas pela fa-
• Feita em colaboração — entre os vários elementos da equipa e entre esta e os pais.
mília e por outros adultos cuidadores.
(adaptado de Bagnato, Neisworth, & Pretti-Frontczak, 2010)

A confian- A colaboração entre as famílias e os profissionais e a relação de confiança que se preten- Esta recolha de informação adicional à realizada nos primeiros contactos deverá ser tida
ça demora de não acontecem de imediato. Constituem um processo, mais ou menos longo, que se vai em conta na elaboração e implementação do PIIP – plano individual de intervenção precoce
a ganhar… construindo e ganhando consistência desde os primeiros contactos, sendo crucial a atitude
E melhora
(tal como ilustrado no exemplo que se segue), conduzindo a uma intervenção individualiza-
ao longo do do profissional. A partilha de informação evoluirá também de acordo com o desenvolvimen- da para cada família (cf. ponto 4.5 deste capítulo):
tempo… to dessa relação de confiança.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

120 121
O plano individual de intervenção precoce (PIIP) foi realizado com a família e com as profissio- pensávamos que deveria ser a intervenção e, acima de tudo, foi-nos dito que nós éramos impor-
nais envolvidas no caso. O desenvolvimento dos objetivos a serem trabalhados teve por base tantes para o desenvolvimento do nosso filho!
os objetivos nomeados em momentos anteriores, tanto no acolhimento como na avaliação, bem
como os dados das observações efetuadas e a informação facultada pela família. Testemunho de uma família

Testemunho de uma ELI


Num processo interativo e contínuo de partilha e recolha de informação, entre família e Identificação
de preo-
profissionais, a identificação das preocupações, prioridades e recursos da família tem cupações,
como objetivos compreender: prioridades e
recursos

4.4.1
• O que as famílias querem para si mesmas e para os seus filhos;
IDENTIFICAÇÃO DAS PREOCUPAÇÕES
• De que ajuda precisam (dos profissionais) para alcançar essas aspirações;
PRIORIDADES E RECURSOS DA FAMÍLIA
• Que perceções têm sobre os recursos (formais e informais) disponíveis para res-
ponder às suas necessidades.
Tal como exposto acima, numa abordagem centrada na família, a identificação das preo-
cupações e prioridades da família é um processo contínuo, presente nos vários “momentos
de encontro” com a família. De facto, qualquer contacto da família com os profissionais Embora tudo o que temos vindo a dizer pareça simples de implementar, são vários os de- O que pode
(por telefone, em reunião na sede da equipa, nas visitas domiciliárias, nas avaliações do safios com que os profissionais se defrontam numa abordagem centrada na família. Por correr mal
desenvolvimento, etc.) é uma oportunidade para partilhar as preocupações, prioridades quando a
exemplo, um dos problemas que se levanta frequentemente na avaliação é que ela é dese- avaliação
e recursos que traz para a IPI e para o processo de intervenção. Não é apenas na avalia- nhada sem ter por base as preocupações, prioridades e recursos da família. não parte das
ção inicial que esta informação é recolhida e, por isso, não deverá ser apenas essa a que é preocupações,
integrada na intervenção. prioridades e
De facto, talvez por constituir um conjunto de práticas que não fazia habitualmente parte das recursos da
funções dos profissionais de IPI, a identificação das preocupações, prioridades e recursos da família?
Lembra-se Quanto mais os profissionais perceberem as famílias, mais eficazes serão as relações que família é, provavelmente, aquela em que os profissionais referem sentir mais dificuldades.
o que são têm com elas e mais eficaz poderá ser a sua ajuda. Assim, identificar as expetativas e ne-
encontros
cessidades que caracterizam as famílias permite reunir informação catalisadora para que
completos? Para além deste aspeto, durante muito tempo usou-se, erradamente, a expressão “avaliação Avaliação
a intervenção seja individualizada e para que promova encontros congruentes com os pro-
da família”8 para descrever o processo de recolha e compreensão de informação prestada da família ≠
fissionais de ajuda, os serviços e a comunidade. identificação
pela família acerca das suas preocupações e recursos.
das preo-
Compreender Vejamos esta partilha de uma equipa, após a referenciação de uma criança considerada pe- cupações,
Importa então que se clarifiquem estes conceitos: não se trata de “avaliar” as famílias, partin- prioridades e
o que a fa- los serviços em risco ambiental (“uma mãe jovem, com ligeiro défice cognitivo, sem qualquer
mília quer e do da visão que o profissional tem das suas “fragilidades” e “necessidades”, frequentemente recursos da
experiência para tratar de um bebé e que vivia com algumas dificuldades sociofamiliares”): família
o que pre- com base em ilações do próprio. Trata-se, sim, de obter um melhor entendimento sobre o que
cisa dos as famílias pretendem conseguir e o que esperam dos profissionais, no caso de necessitarem
profissionais
de alguma coisa. Este é um processo que ajuda a própria família a identificar os pontos for-
Nesta primeira visita ao domicílio, o objetivo principal da responsável de caso era ouvir a mãe,
tes e prioridades relacionados com a melhoria e promoção do desenvolvimento do seu filho.
que se mostrou muito contente com a visita da técnica, explicando todos os pormenores relati-
vos ao parto e como decorria o seu dia a dia com o seu filhote, o Luís. Conversaram bastante
e no decurso da conversa a mãe expôs a sua principal preocupação, que era aprender mais sobre Não esqueça: identificar pontos fortes e recursos!
Compreender como cuidar do filho. Outra das preocupações da mãe era decidir onde deixar o filho quando,
quais os re- daí a um mês, regressasse à formação. A técnica tranquilizou aquela mãe explicando-lhe que A experiência mostra-nos que, tendencialmente, os profissionais têm mais facilidade em
cursos que a continuaria a receber visitas domiciliárias e, assim, teria oportunidade de expor todas as suas
família tem descobrir preocupações e necessidades do que em identificar pontos fortes e recursos! No
disponíveis, dúvidas e aprender mais sobre como cuidar do Luís. Ainda assim, considerando a informação entanto, o conhecimento dos recursos da família é de extrema relevância para a interven-
de forma a partilhada pela mãe acerca dos recursos disponíveis, sugeriu-lhe que, sempre que fosse pesar ção. Numa abordagem centrada no empowerment e na capacitação, o profissional deverá
usá-los na o menino ao centro de saúde ou durante a administração das vacinas e nas consultas com a
respos- apoiar a família na mobilização dos recursos que possui para alcançar os resultados espe-
ta às suas pediatra, expusesse também as suas dúvidas. rados. O objetivo neste tipo de abordagem é fortalecer o funcionamento da família para
preocupações que esta tenha o controlo sobre a sua vida e não se torne demasiadamente dependente dos
Testemunho de uma ELI
serviços. Uma visão tradicional (à qual podemos ainda estar muito presos) faz-nos, frequen-
temente, centrar nos défices das crianças e fragilidades das famílias. A nossa prática então
Tal como referimos relativamente aos primeiros contactos, também o momento da avalia- vai no sentido de querer “corrigir” esses défices, mas a nossa perceção das fragilidades das
ção pode transformar uma relação pais/profissionais: famílias (porque é nelas e apenas nelas que nos focamos) leva-nos a supor que não as po-
demos envolver. Quantas vezes já dissemos e/ou ouvimos dizer: “Esta família não se envolve”?

“Pela primei- Lembro-me como se fosse hoje da primeira reunião de avaliação do nosso filho. Vimos pela pri-
ra vez foi-nos
perguntado o
meira vez uma equipa de intervenção com TO, TF, fisioterapeuta, psicóloga e assistente social.
que quería- Pela primeira vez foi-nos perguntado o que queríamos para o nosso filho, se sabíamos o que 8 Termo frequentemente utilizado na intervenção precoce mas criticado por vários autores (Noonan & McCormick,
mos para o era a síndrome, como poderia ser o desenvolvimento dele, o que poderia estar em risco, como 1993; Slentz & Briker, 1992), incluindo a “Task Force on the IFSP” (McGonigel, Kaufman, & Johnson, 1991), pelo risco de
nosso filho…” se poder tornar uma avaliação com caráter depreciativo, que envolve juízos de valor e que não é coerente com
uma intervenção centrada na família.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

122 123
Pelo contrário, se entendermos a importância que esta visão irá ter no fortalecimento das situação, munido de juízos de valor tais como “a família não quer ver” ou “a família não tem
competências da família, seremos capazes de encontrar as suas forças e recursos, mesmo noção das dificuldades do filho”.
em situações desafiantes:
Como profissional de IPI, lembre-se de ver as famílias de uma forma positiva, como ele-
mentos com sucesso, e não de uma forma de perito para cliente, onde frequentemente a
O F. M. apresenta níveis de desenvolvimento inferiores em quatro das oito áreas avaliadas e nossa formação de base nos leva a classificar famílias como “funcionais ou disfuncionais”…
está exposto a condições de risco ambiental (…). As profissionais apresentam como princi- O ponto de partida não é esse! Na realidade, qualquer família está a fazer o melhor que
pais preocupações a existência de fatores de risco parentais, de que são exemplo a doença pode com o que tem ao seu alcance, e é com a família que a criança vai continuar, por
do foro psiquiátrico da mãe (esquizofrenia), agravada pelo consumo abusivo de álcool, a ausên- isso é tão importante reconhecer o contributo da família para o crescimento e o desen-
cia do pai no agregado familiar (trabalho temporário em Angola) e a existência de maus-tratos volvimento da sua criança.
passivos, visíveis na negligência nos cuidados básicos a prestar à criança ao nível da saúde,
alimentação, higiene e educação. Como fatores de risco contextual referem o isolamento geo-
gráfico e consequente dificuldade no acesso a recursos formais e informais, a discriminação O papel do profissional é ajudar a família no processo de identificação, utilizando efetiva-
sociocultural, a situação de pobreza (desemprego por parte da mãe, não beneficiários de RSI mente na intervenção aquilo que a família identifica como sendo as suas preocupações,
ou de apoios da ação social) e a desorganização familiar, visível na negligência da habitação a prioridades e recursos.
nível da organização do espaço e da higiene. Como pontos fortes referem a relação entre mãe
e filhos, a preocupação da mãe pelo desenvolvimento e dificuldades de linguagem do F. M.,
a preocupação e responsabilidade da filha (é esta quem presta cuidados à criança quando a
NÃO SE ESQUEÇA QUE:
mãe não se consegue levantar) e disponibilidade e empenho da educadora. Nas suas visitas, a
responsável de caso procurava fazer sobressair os aspetos mais positivos da semana, celebrar
as conquistas e incentivar as novas etapas. Estes encontros semanais permitiram estabelecer Numa abordagem centrada na família, é essencial que o profissional reconheça que é
uma relação de empatia com a família bem como dar oportunidade a que todos adquirissem ela que identifica as suas preocupações, prioridades e recursos, o que implica que te-
maior competência. nha consciência de que existe algum problema.

Testemunho de uma ELI


Mas atenção:
A partilha por parte da família é voluntária e, ao longo da intervenção, deverá haver
No exemplo acima, as preocupações apresentadas são dos profissionais. Mas a mediadora múltiplas oportunidades para o fazer!
de caso conseguiu encontrar uma forma de validar, com a família, essas e outras preocu-
pações. Mas atenção: ao dialogarmos com a família, deveremos evitar influenciá-la a sentir Não podemos confundir preocupações dos profissionais com preocupações da família!
preocupações que, de base, não são genuinamente as que ela sente no seu dia a dia. A informação a pedir deve estar relacionada com as preocupações e prioridades par-
tilhadas pela família!
E se o profis- Noutras situações, o profissional não explora com a família quais as suas preocupações e
sional assume A família deve ter ao seu dispor diversas opções (formais e informais) que a ajude a
prioridades e assume, erradamente, que estas coincidem com as que ele próprio percecio-
que as preo- identificar as suas preocupações, prioridades e recursos!
cupações e na. Atitudes e atuações como a que os profissionais revelam no exemplo seguinte mostram
prioridades que estes podem atribuir a “culpa” à família porque não se envolve ou não aceita as dificul- A partilha de informação sobre preocupações, prioridades e recursos tem sempre o
da família dades da criança. objetivo de prestar apoio!
coincidem
com as suas?

A mãe não identificava nem reconhecia qualquer dificuldade no D. O pai concordava com a
PORTANTO
escola na dificuldade ao nível da concentração nas atividades. Os comportamentos identificados
pelos serviços eram desvalorizados por ambos os progenitores, atribuindo-os a causas físicas Tem de estar claramente refletida no plano de intervenção
(cólicas). Ao longo da avaliação verificou-se um atraso global de desenvolvimento com dificul- (sustentado pela informação recolhida e contendo objetivos
dades acentuadas ao nível da alimentação (ex. comia tudo passado, recusa um variado leque e resultados que se pretende alcançar)
de alimentos) e do comportamento, nomeadamente agitação motora, exploração oral exage-
rada, agressividade para com os pares. A avaliação ocorreu em articulação com as consultas
de Pedopsiquiatria, de Desenvolvimento e com a escola. (adaptado de McGonigel, Kaufman, & Johnson, 1991)

A participação da família no desenvolvimento do PIIP foi reduzida, considerando-se uma barrei-


ra ao envolvimento, participação e aceitação deste documento o facto de a mãe ser analfabeta.

Ao longo do processo, a família evidenciou resistência em comparecer às reuniões agendadas, A identificação das preocupações, prioridades e recursos e o reconhecimento de que todas Como
desvalorizando a sua importância. as famílias têm pontos fortes e competências é o tema central da capacitação. Intervenção ajudar a fa-
centrada no fortalecimento da família é aquela que cria oportunidades para esta exibir ou mília nessa
Testemunho de uma ELI identificação?
adquirir novas competências, de forma a alcançar os resultados que pretende para si e para
a sua criança.

Quando a visão da família é muito divergente da do profissional, este, não raras vezes, inter-
preta que a família se encontra num “processo de negação”. Esta perceção pode condicionar Numa abordagem centrada na família, como pode o profissional identificar as respetivas
negativamente a sua ação e, com frequência, corresponde a um olhar simplista sobre a preocupações, prioridades e recursos? O que nos diz a investigação e experiência empírica?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Deixe que a família mostre o caminho!
NÃO SE ESQUEÇA QUE:

A informação recolhida deverá ser apenas aquela que é relevante para responder às priori-
Qualidade técnica é uma das componentes das práticas de ajuda eficaz que
dades da família. Agindo desse modo, deixa claro que respeita a família e garante que não
corresponde aos saberes especializados do profissional (formação, experiência,
faz juízos de valor. Lembre-se de que há perguntas que podem, numa fase inicial da rela-
competências, ...) aplicadas em benefício das crianças e famílias.
ção, ser consideradas como intrusivas, fundamentalmente porque não parecem à família
ter qualquer relação com as suas preocupações.

Cada família tem de ser considerada única e as suas preocupações, valores e crenças Frequentemente, é em momentos informais que se recolhe muita informação, pelo que as
devem ser identificados individualmente. A informação que as famílias querem partilhar competências de comunicação e de entrevista devem ser enfatizadas e abordadas pelo
e a forma como descrevem e demonstram os seus interesses, recursos e prioridades dei- profissional como um elemento de qualidade técnica a desenvolver, sendo importante re-
xam-nos saber qual é a informação relevante (McWilliam, Winton, & Crais, 2003). lembrar que este deve:
• Escutar as perspetivas da família sem emitir as suas opiniões;
Escutar a Ouvir a família, propondo várias formas para a ajudar a recolher informação sobre as suas
família… preocupações, prioridades e recursos, explicando vantagens e desvantagens das várias alter- • Usar diferentes tipos de questões que ajudem a família a definir as suas preferên-
nativas, permite que esta faça uma escolha informada. Por outro lado, ouvir as preocupações cias e os seus pontos fortes;
e fazer questões antes de fazer julgamentos ajudam o profissional a compreender a família. • Identificar dúvidas e preocupações sobre o ponto de vista da família;
• Esclarecer se a sua compreensão do que foi dito está correta, evitando mal enten-
A nossa caminhada com a família começou em 2011, quando uma menina com um ano nos foi didos (por exemplo: “Estava a ouvi-la e pareceu-me que queria dizer que a sua
referenciada com a informação: “Criança com fenda do palato, situação referenciada na notícia preocupação se prende com a dificuldade em saber lidar com o João quando vão
de nascimento”. A ELI realizou um primeiro contacto telefónico, em que a família demonstrou ao supermercado. Percebi bem?”).
alguma relutância em conhecer o serviço de IPI. Com alguma insistência, os primeiros contactos
ocorreram num contexto público (supermercado), com duas profissionais da ELI. Neste encon- Estas podem ser algumas formas de garantir a recolha de informação fidedigna e livre de
tro, expuseram o serviço, explicaram o motivo do contacto e ouviram atentamente a família “ruídos” e inferências por parte do profissional.
para perceber a sua relutância em conhecer o serviço e ir ao encontro das suas preocupações.
Por outro lado, é importante conhecer estratégias e formas de intervenção que advêm da Qualidade
Antes de fazer As visitas seguintes foram dedicadas a ouvir a família: perceber as suas preocupações em relação investigação e experiência empírica validada. O profissional de IPI tem ao seu dispor uma técnica –
inferências à menina; perceber as preocupações em relação a todo o agregado familiar; perceber as dife- conhecer
variedade de métodos e instrumentos usados habitualmente para ajudar as famílias a iden-
ou julgamen- instrumentos
tos, questione!
renças entre a nossa cultura e a cultura africana na qual a família baseava as suas expetativas; tificarem as suas preocupações, prioridades e recursos. Apenas alguns são consistentes com e usá-los de
Há sempre perceber os recursos formais e informais envolvidos (usando um ecomapa) e, muito importante, a abordagem centrada na família e, mesmo esses, por vezes mascaram objetivos do pro- forma centra-
informação perceber qual a visão da família sobre estes serviços. Registámos ainda um momento delicado, fissional, podendo ser usados de forma intrusiva e hostil e sentida como tal pelas famílias. da na família
que justifi- quer para a nossa ELI quer para a família, que foi a constatação da existência de um diagnós-
ca a atitude
e o compor- tico de síndrome fetal alcoólico e as faltas recorrentes ao serviço de saúde, nomeadamente as Por exemplo, podemos fazer em conjunto com a família o levantamento dos seus recursos
tamento de consultas de cirurgia da fenda do palato. Distinguir entre negligência, ausência de conhecimen- formais e informais (recorrendo a um instrumento como o ecomapa9) de duas formas: fazê- Ecomapa
uma pessoa, to versus crenças e forças da família exigiu da equipa um verdadeiro trabalho transdisciplinar
e é essa que -lo com o propósito de avaliar as relações familiares, correspondendo apenas ao objetivo
ajuda à com- de reflexão constante e de planificações cuidadas dos primeiros momentos com a família. do profissional, e que a família pode sentir como intrusiva; ou fazê-lo no sentido de delinear
preensão da um plano de intervenção que a família deseje e se sinta apta a implementar, utilizando es-
situação! Testemunho de uma ELI
ses mesmos recursos que ela própria identificou. Muito provavelmente, a família sentirá esta
ultima abordagem como facilitadora na identificação desses recursos.
Como recolher informação sobre as preocupações, prioridades e recursos das famílias?
O exemplo seguinte mostra como o uso adequado do ecomapa levou esta mãe a redefinir
as suas prioridades e introduzir novos objetivos no plano:
A escuta ativa é fundamental, mas saber fazer as perguntas certas no momento certo exige
não só competências relacionais como qualidade técnica do profissional. São várias as es-
tratégias que podemos usar para recolher informação sobre as preocupações, prioridades
O Francisco, com autismo, tem cinco anos de idade e vive com a sua mãe num apartamento
e recursos da família, privilegiando-se os diálogos “cara a cara” com a família, quer formais
no centro da cidade. Numa das visitas, na sequência de a mãe ter partilhado o seu sentimen-
– entrevistas, estruturadas ou não, com ou sem recurso a instrumentos escritos, de autoa-
to de solidão, foi usado o ecomapa para a ajudar a identificar a sua rede de apoio. No final da
valiação, etc. – quer informais.
elaboração do ecomapa a mãe olhou para o esquema e comentou que se sentia muito isolada,
mas que, afinal, tinha tantas pessoas à sua volta. Contudo, ao analisar bem esses apoios e o
tipo de suporte que prestavam percebeu que todos eles tinham entrado na sua vida por causa
do autismo do Francisco: terapeuta da fala, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, consultas
em várias especialidades, intervenção precoce… Da rede de suporte informal constavam ape-
nas os avós e a tia do Francisco, que residiam noutra localidade. A mãe achou que este facto

9 O ecomapa é uma representação que revela os recursos e apoios de uma determinada família, bem como a
força relativa de cada um ( Jung, 2012).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

126 127
justificava, então, o seu sentimento de isolamento. A partir desta reflexão, a mãe tomou cons-
ciência do quanto estava tão centrada no autismo do filho e nas suas terapias, descurando as NÃO SE ESQUEÇA QUE:
suas próprias necessidades, tendo sido incluídos objetivos no PIIP no sentido de alargar a rede
de suporte informal, nomeadamente com a sua participação num grupo de pais. • O objetivo dos instrumentos é identificar as preocupações, necessidades e re-
cursos da família e não dos profissionais!
Testemunho de uma ELI
• Deve ser analisada a pertinência, eficácia e adequação de cada instrumento
à particularidade de cada família!
Neste caso, o profissional de IPI ajudou a mãe a refletir sobre que apoios informais (grupo
de pais) poderiam ajudá-la a concretizar os seus objetivos (reduzir o seu isolamento).

Se não souber quem faz parte da rede social da família, que tipo de suporte a família sente Qualquer instrumento destinado ao processo de avaliação deve ajudar as famílias na iden-
que esses elementos lhe podem dar e de que forma esses elementos podem ser mobilizados, tificação das suas preocupações, prioridades e recursos. Os instrumentos devem ser vistos
poderá acontecer (e infelizmente é ainda uma prática corrente) que o profissional proponha como orientadores da recolha de informação nestes domínios, ao invés de serem utilizados
serviços ou respostas formais, ignorando os apoios informais existentes. de forma automática como procedimentos do profissional para uma suposta “avaliação da
família”.
É importante apoiar a família na identificação de quem conhecem que possa prestar ajuda
para que, mais tarde, estas pessoas possam ser incluídas na implementação das estraté- Outros instrumentos psicossociais (que medem o stress, locus de controlo, depressão, estado
gias delineadas. Algumas vezes, como acontece no caso seguinte, as famílias conseguem, marital, de personalidade, etc.), de cariz essencialmente clínico, não são de todo recomenda-
autonomamente, encontrar a resposta de que precisam: dos, já que têm como objetivo a recolha de informação que o profissional acha necessária,
não servindo o propósito de identificar prioridades e recursos da família. É nosso entender
que, nesta etapa, a utilização dos instrumentos deve limitar-se à identificação de pontos
Não podem fortes e necessidades nas áreas que a família identifica como prioritárias e relevantes. No
As necessidades enunciadas foram: colocar o S. P. em creche e este começar a pronunciar
ser: intrusivos
e com juí- algumas palavras. A responsável de caso (RC) comunicou à família que iria apresentar estas entanto, se a família, no contexto da avaliação e intervenção, pede ajuda ou aconselhamento
zos de valor preocupações e necessidades em equipa de modo a dar-lhes a resposta adequada. Consideramos sobre alguma outra área, como relação conjugal, personalidade, stress ou outras, pode ser
e, se escritos, que, em primeiro lugar, deveria ter sido feito um levantamento dos recursos da família e tentado apropriada a utilização de um desses instrumentos, já que partiu da necessidade identifica-
devem estar
livres de jar- perceber o que é que a família já consegue fazer com vista a dar resposta a estas necessida- da pela família. Importa ressalvar, obviamente, que quem utilizar esse tipo de instrumentos
gão técnico e des. Mais tarde, verificou-se que, ainda que antes a RC desse à família uma solução para a deve ter formação para tal.
ser acessíveis primeira necessidade enunciada, a mãe, com a ajuda de uma assistente social da comunidade,
à família
conseguiu colmatá-la, integrando o S. P. numa creche.
Testemunho de uma ELI
NÃO SE ESQUEÇA QUE:

• Não confundir instrumentos destinados a ajudar a família a identificar as suas


Qualquer método, instrumento, estratégia de recolha desta informação deve ser esco-
preocupações, prioridades e recursos com “Instrumentos de avaliação da
lhido com a família, sempre respeitando as suas preferências, estilos de vida e valores
família”!
culturais. A melhor forma de saber o que a família prefere é escutando e perguntando…
Será a forma como esta recolha de informação é conduzida que fará a diferença: nunca • Assegure-se de que há uma coincidência entre as áreas de prioridade iden-
deverá assumir uma forma “avaliadora”, deverá sim ser um processo natural e que apoie a tificadas pela família e as áreas abordadas pelo instrumento, respeitando a
família, partindo de uma relação de colaboração entre família e profissional (McGonigel, individualidade de cada família!
Kaufman, & Hurth, 1991).

Outros instrumentos frequentemente utilizados, que foram desenvolvidos com intenção de


As principais vantagens dos instrumentos de autoavaliação estão relacionadas com a pos-
Questionários ajudar a família neste processo de identificação das suas preocupações, prioridades e re-
sibilidade de ajudar as famílias a identificarem áreas e atividades que elas sentem que
de cursos, são os questionários de autoavaliação. Questionários, inventários, checklist e outros
autoavaliação
representam as suas preocupações e prioridades, podendo dar uma ideia abrangente do
podem ajudar a família a identificar as suas preocupações e recursos, relacionados com as
apoio que a IPI pode providenciar. Da mesma forma, a utilização de instrumentos que orga-
suas prioridades. Estes podem ser formais ou informais, dependendo não só de como estão
nizam em categorias o tipo de suporte disponível pode apoiar a família a perceber aqueles
estruturados como também da forma como são usados. Existem diversas alternativas em
que estão mais ou menos acessíveis para dar resposta às suas preocupações e prioridades.
português e podem ser usadas de diferentes formas10. Por exemplo, há famílias que gostariam
de usar instrumentos de autoavaliação sozinhas, preenchendo-as em casa e entregando-
No entanto, questionários com perguntas estandardizadas podem criar limites ao que a fa-
-as posteriormente aos profissionais; outras preferem que seja o profissional a usá-los, num
mília poderia responder, podendo suceder que uma família não encontre incluída nesse
formato de entrevista semiestruturada, com cariz mais informal. Deve ter-se em conta não
conjunto de perguntas o que realmente a preocupa. Uma outra limitação, quando entregues
só o instrumento e o seu objetivo mas também a forma como será usado com as famílias.
para resposta autónoma das famílias, é excluir aquelas que se sentem pouco confortáveis
com procedimentos escritos.

Como podemos então salvaguardar que os questionários vão ao encontro das preocupa-
10 No âmbito do desenvolvimento deste guia, foi criado um acervo de instrumentos disponível on-line (www.im2.
anip.net) onde poderá consultar instrumentos de autoavaliação que podem ajudar a família a identificar as suas
ções e prioridades da família?
preocupações, prioridades e recursos.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

128 129
Uma forma de o fazer é perguntar à família se acha que o questionário a poderá ajudar a 3. Os objetivos registados no PIIP devem ser suficientemente abrangentes – para que
refletir e a identificar as suas preocupações. É fundamental ter em conta que procedimen- o comportamento-alvo possa ser analisado de variadas formas – mas suficiente-
tos de avaliação mais estruturados e/ou estandardizados devem ser complementados com mente específicos para que se saiba, sem equívocos, o que se vai fazer;
avaliações mais informais, colocando questões mais abertas e percebendo se a família sente
4. As estratégias e ações têm de ser direcionadas ao problema funcional;
que está a ter a oportunidade de transmitir aquilo que efetivamente é relevante para si. Isso
implica que o profissional tenha a sensibilidade de enquadrar as respostas ao questionário 5. A intervenção relativamente aos objetivos a alcançar deve envolver outros cuida-
numa recolha de informação mais ampla e informal, para não correr o risco de deixar de dores para além da família.
fora outras prioridades da família que não venham mencionadas nos questionários. O ponto
de partida é assegurar que se transmite um interesse genuíno e aberto a qualquer preocu-
pação da família, seja de que caráter for. O exemplo que se segue mostra como a EBR contribuiu para que a família e o profissional
tomassem consciência das interações e rotinas familiares, do que era a sua influência no desen-
As entrevistas com as famílias como parte do processo de avaliação e intervenção podem volvimento da criança e do papel de outros cuidadores e recursos informais, até então pouco
Entrevistas valorizados, tendo sido muito importante para a definição de objetivos e plano de intervenção.
também ser úteis para compreender as preocupações e prioridades da família. Podem ser
formais ou informais, estruturadas ou não estruturadas, dependendo da escolha da família
A família/criança é apoiada pela ELI há cerca de um ano. O responsável de caso (RC) foi definido
e da capacidade do profissional. Muitos serviços recorrem a um conjunto de questões estan-
tendo em conta as preocupações da família, que à data da referenciação eram a comunicação
dardizadas que apresentam às famílias, normalmente abordando a história clínica, incluindo
verbal e a interação social.
a gravidez e o nascimento, e outras informações de caráter mais demográfico.
No desenrolar do processo, foi planificado com a família um momento de avaliação, recorren-
Como vantagem de utilização de entrevista ou instrumentos mais estruturados, com ques- do à EBR.
tões pré-definidas e habitualmente feitos a todas as famílias, emerge o facto de se poder
ter à disposição um conjunto de informações organizadas sobre cada criança e família, que Este momento trouxe-me, a mim como RC, uma maior perceção das interações familiares que
pode ser usado se e quando houver necessidade. Por exemplo, os documentos de registo ocorrem no dia a dia, nomeadamente entre criança-irmã-mãe-pai, e da dinâmica familiar mais
formais do próprio SNIPI compilam informação que é considerada útil para a coordena- global. Senti uma forte ligação entre pai e mãe e uma sintonia na descrição das rotinas do seu dia.
ção dos serviços de IPI nacionais. No entanto, uma desvantagem que podemos apontar a Para além disso, foi um momento que espelhou as forças da família e que permitiu uma reflexão
este tipo de abordagem, com questões pré-definidas, pode ser o facto de ser considerada centrada nas necessidades da família e da criança, que, tal como o pai referiu, “se não fosse
por algumas famílias como abusiva e talvez como violadora do seu direito à privacidade. este momento, nunca iríamos parar para pensar assim num dia típico da nossa família, que é
Daí a necessidade de se clarificar a intenção de recolha de determinada informação. Estando tão importante para perceber o nosso filho e a forma como interagimos todos”.
esclarecido o objetivo de forma clara e transparente, provavelmente a aceitação será imediata.
Como RC, tive perceção de que o pai esteve muito envolvido neste momento, o que não era
Relembremos assim que, primeiro que tudo, o profissional deve questionar-se acerca da ne- habitual, tendo-se criado um momento de maior aproximação deste ao processo, respondendo
cessidade de recolha de informação, se esta está relacionada com as prioridades da família a uma necessidade partilhada pela mãe no momento da planificação da avaliação.
ou com questões administrativas do serviço, e se há informação que pode ser recolhida mais
Senti também que, embora durante as visitas seja reforçada a importância do papel dos pais
tarde, quando a confiança é maior.
e da irmã na promoção de oportunidades de aprendizagem do dia a dia para a criança poder
desenvolver determinadas competências, com a EBR foi notório que os pais perceberam efe-
EBR – entre- Uma forma de abordar as verdadeiras preocupações das famílias em relação aos seus fi-
tivamente que eles são os agentes de mudança e que só eles poderão fazer a diferença no
vista baseada lhos pode ser recorrendo à entrevista baseada nas rotinas (EBR), método para avaliar as
nas rotinas
desenvolvimento do seu filho, de tal forma que o pai partilhou: “Se eu pudesse, eu queria estar
necessidades de apoio da família e as necessidades de desenvolvimento e comportamento
seis horas por dia a brincar com o meu filho, para treinar competências.” Esta reflexão veio no
da criança. A EBR é uma entrevista semiestruturada relativa ao funcionamento da criança
seguimento de o pai entender que é nas atividades típicas que ocorrem na família (como por
e da família em rotinas diárias, com os objetivos de fazer emergir e selecionar uma lista de
exemplo no brincar) que o João aprende, e também do facto de o João ser acompanhado por
objetivos funcionais ou resultados desejáveis para a intervenção e estabelecer uma relação
outros serviços (terapia) em que os pais não eram envolvidos e em que toda a mudança obser-
positiva com a família.
vada era atribuída aos profissionais. Os pais entenderam como são centrais na promoção do
desenvolvimento do João. Como RC, este testemunho permitiu-me perceber que o pai ainda
Pode ser usada com os principais cuidadores da criança, aqueles que na realidade passam não tinha total consciência de todo o potencial de aproveitamento das rotinas diárias para a
mais horas com ela ao longo do dia e que, através desta entrevista conduzida pelo pro- promoção do desenvolvimento da criança. Possibilitou-me desmistificar um pouco esta perce-
fissional, reportam as suas observações ao longo do tempo, em múltiplos contextos, com ção, salientando a importância do impacto da qualidade dos momentos que o pai já passa com
várias pessoas e com vários “objetos”. Este é um processo que permite à família identificar ele, durante toda a semana (pequeno-almoço, vestir, jantar e momento livre depois de jantar,
necessidades funcionais que serão objeto de intervenção, tendo em conta as suas priorida- de acordo com informação recolhida na EBR), no desenvolvimento do seu filho.
des (McWilliam, 2010).
No início do processo, os pais achavam que o apoio da IPI uma vez por semana era insuficiente
O mesmo autor refere cinco razões para usar a EBR, que são válidas quer para a avalia- para dar resposta às necessidades do seu filho, tendo procurado outras respostas complemen-
ção das necessidades e prioridades da família quer para a avaliação da criança e das suas tares, como terapia da fala. No decorrer do processo, em que a EBR foi uma peça fundamental,
competências funcionais: os pais perceberam que eles são as pessoas que têm mais poder para influenciar o desenvol-
vimento do seu filho. Assim, por iniciativa própria, abandonaram a terapia e reorganizaram a
1. Precisamos de um método para identificar objetivos funcionais, focalizando-nos
dinâmica familiar, recorrendo ao apoio das avós nas tarefas domésticas, de modo a poderem
nas necessidades de envolvimento e participação, independência e relações so-
passar mais tempo em família.
ciais da criança;
2. As prioridades da família têm de estar refletidas no plano de intervenção; Testemunho de uma ELI
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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A avaliação deve ter em conta as prioridades da família e identificar necessidades funcio- Uma avaliação ecologicamente válida deve incluir informação sobre a criança, uma análi-
nais que serão objeto de intervenção, valorizando-a a como o principal agente de mudança. se do ambiente e a identificação dos pontos fortes, necessidades e prioridades da família,
para que se possa obter uma visão completa da criança e dos fatores que determinam o
seu desenvolvimento, promovendo a sua adaptação (Benner, 1992).

NÃO SE ESQUEÇA QUE:


De facto, os resultados de uma avaliação só podem ser considerados válidos se o compor-
tamento observado corresponder àquele que acontece tipicamente nos contextos e rotinas Maximizar
• A identificação das preocupações, prioridades e recursos pressupõe valorizar diárias da criança. Nem sempre isto sucede em muitas situações típicas de avaliação tradi- a validade
os pontos fortes e competências da família! cional, predominantemente em contexto clínico. Devido ao meio estranho em que se encontra, ecológica da
avaliação
a criança não consegue expressar da melhor forma as suas reais capacidades e caracterís-
• Os recursos formais são importantes, mas não são únicos! Se acreditar nisso,
ticas. Se assim for, os resultados da avaliação terão utilidade limitada para a planificação
o profissional poderá ajudar as famílias a encontrar outras formas de apoio!
da intervenção, que é o objetivo último da avaliação.
• As famílias sentem-se mais competentes quando são capazes de encontrar e
mobilizar as suas próprias redes de suporte! Segundo Guralnick (2000a), uma forma de melhorar a validade ecológica da avaliação
consiste na seleção de instrumentos e estratégias (com relevância imediata para os que se
• As crenças culturais moldam atitudes e práticas, tanto dos profissionais como focam no comportamento ou contexto que está a ser observado), a utilização de informação
das famílias! proveniente de múltiplas fontes (pais, amigos, profissionais de vários serviços e contextos da
criança) e a utilização de procedimentos tanto formais como informais.

Ao contrário do preconizado na avaliação tradicional e normativa, que valoriza a compara-


ção do nível de funcionamento e desenvolvimento da criança com o esperado para alguém
da sua faixa etária, a avaliação com caráter ecológico não tem como alvo exclusivo a crian-
ça. Importa assim saber:

4.4.2 IDENTIFICAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS


DA CRIANÇA
• O que poderá ajudar a criança a funcionar melhor dentro do seu contexto e rotina;
• O que é necessário que ela aprenda;
• Quando e onde providenciar intervenção;
Avaliação da As características da criança — competências e necessidades funcionais, rotinas diárias e
contextos de vida — e a forma como estas são percecionadas pela família e outros adul- • Que adaptações ou suportes são necessários para que adquira e ponha em prática
criança em IPI
tos cuidadores. novas competências.

É a compreensão da qualidade do ambiente e interações familiares, da creche ou jardim de


A razão pela qual dedicámos tanto espaço no ponto anterior à “identificação das preocu-
infância ou de outros ecossistemas da criança que permitirá uma melhor tomada de deci-
pações, prioridades e recursos” da família, no âmbito da avaliação como elemento do ciclo
são em relação às possibilidades de intervenção mais adequadas a cada criança e família
de intervenção, está relacionada com a necessidade de se reforçar a ideia de que todo o pro-
específicas no âmbito da intervenção precoce.
cesso de avaliação/intervenção deve ser construído com base nas necessidades identificadas
pela família, pois só assim garantimos que a criança e a família recebem o apoio adequado.
Para além destes aspetos, é fundamental avaliar o envolvimento e participação da criança Envolvimento
nos seus contextos de vida11, aspetos que numa avaliação tradicional são frequentemente e participação
Na fase de avaliação, com o objetivo de planear a intervenção, devemos recolher apenas da criança
ignorados, podendo até ser impossível avaliá-los, já que a avaliação é realizada “fora do
aquela informação relevante para conhecer a criança e os seus contextos, valorizando a
contexto”.
identificação de necessidades funcionais que permita um plano de intervenção adequado
às prioridades da criança e da família.
Nas últimas quatro décadas foram desenvolvidas diversas investigações sobre envolvimento
da criança e outros conceitos que lhe estão diretamente relacionados. Deste vasto trabalho,
A importância de abordar os contextos da criança, onde outros cuidadores estão envolvidos
resultaram definições que se complementam e que evidenciam a crescente preocupação
e implicados, prende-se com o facto de ser nestes contextos e com esses cuidadores que a
em estudar a forma como a criança despende o seu tempo nos contextos de vida diária, a
intervenção acontece. Tal como refere McWilliam, qualquer cuidador que esteja mais de 15
qualidade das suas interações, bem como quais as competências que a criança possui que
horas por semana com a criança constitui-se como elemento significativo e deve ser incluí-
facilitam a sua adaptação às exigências desses contextos (Laevers, 1997; McWilliam & Bailey,
do na intervenção. Nesta perspetiva, o papel da IPI será o de mediador entre os contextos
1992, 1995):
da criança e a família.

De facto, numa perspetiva ecológica e transacional, o desenvolvimento da criança é o re- O conceito proposto por Laevers (1997) (involvement no original) corresponde, segundo o
sultado das interações desta com os diferentes ecossistemas onde está inserida. Assim, tanto autor, a uma qualidade da atividade humana que pode analisar-se e avaliar-se em função
na avaliação como na intervenção, a criança não pode ser considerada isoladamente, sen- de determinados indicadores, designadamente: (a) concentração – uma pessoa implica-
do essencial ter em atenção os seus diversos cenários de aprendizagem e de prestação de da confina a sua atenção a uma área restrita e raramente se distrai; (b) persistência – há
cuidados. Só assim se determina quais são as suas verdadeiras capacidades e se obtêm infor- uma tendência para continuar a atividade; (c) intensidade da experiência, fascinação e
mações úteis e imediatamente relevantes para a intervenção, assegurando-se a sua validade implicação – uma pessoa implicada está totalmente absorvida pela atividade; (d) profunda
ecológica e também a da avaliação (Bronfenbrenner, 1979, citado por Bairrão, 1994, p. 37).
11 Para uma análise detalhada deste tema consultar McWilliam & Casey (2008) e Grande & Pinto (2011).
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satisfação e um forte fluxo de energia; e (e) ímpeto exploratório – a necessidade de obter Quando se acalma, vai para o armário dos brinquedos (o seu preferido). Abre-o e tira a caixa
um melhor controlo sobre a realidade. dos legos, fazendo construções variadas com quatro ou cinco peças [envolvimento constru-
tivo com objetos].

O conceito de envolvimento foi definido por McWilliam e Bailey (1992, 1995) (engagement Logo a seguir, chega a hora “Picasso”: o Afonso senta-se na mesa. Gosta muito de fazer pin-
no original) como a quantidade de tempo que a criança passa a interagir ativa ou atenta- turas ‘abstratas’ com lápis e pincel e começa a desenhar [envolvimento diferenciado com
mente com o seu ambiente de uma forma desenvolvimental e contextualmente adequada, objetos]. Contudo, quando travam a sua inspiração e a tarefa termina, chora sempre [não
em diferentes níveis de competência. Esta definição considera não só a quantidade de envolvido com o adulto].
tempo que a criança passa envolvida, mas também a qualidade do seu envolvimento ao O Afonso está numa sala com muitas outras crianças, mas parece que para ele até podiam ser
avaliar o tipo, bem como o nível de comportamentos interativos da criança. só duas ou três, porque não lhes presta muita atenção. Quando os outros meninos lhe tiram
Nesta definição são estabelecidos dois critérios: o critério de adequação desenvolvimental algum brinquedo, o Afonso “não dá luta”, quando um ou outro menino se aproxima, curioso,
– requer que o comportamento seja adequado às capacidades e à idade desenvolvimental o Afonso não os afasta, mas “simplesmente” não tem a mesma curiosidade, ignora-os e fica
da criança; e o critério de adequação contextual – requer que o comportamento seja ade- alheado [não envolvido com os pares].
quado à atividade que está a ser realizada, tendo em conta as expetativas relativamente Testemunho de uma ELI
à situação. Deste modo, adequação desenvolvimental e adequação contextual significam,
respetivamente, que a avaliação e classificação dos comportamentos em níveis de envol-
vimento é função do nível desenvolvimental da criança e do contexto do comportamento
(McWilliam & de Kruif, 1998; McWilliam, 2005b). Em síntese, deveremos avaliar e refletir sobre:
• O envolvimento e participação da criança nas atividades do dia a dia;
O nível de envolvimento da criança poderá resultar numa maior ou menor participação no • A forma como o contexto promove e reforça a participação da criança; EBR –
contexto onde se encontra, refletindo-se essa participação na própria aprendizagem. Assim, • Como aumentar as oportunidades de participação da criança nas atividades do entrevista
o envolvimento é visto como um bom indicador da competência da criança e uma condição seu dia a dia, valorizadas pela família. baseada nas
necessária para a aprendizagem e para a mudança desenvolvimental, daí a importância rotinas
de ser tido em conta numa avaliação que pretende fundamentar uma intervenção com im-
pacto nessa aprendizagem (McWilliam & Bailey, 1992, 1995). Numa abordagem centrada na família, a avaliação da criança é uma troca interativa e
não linear entre família e profissionais, moldada e conduzida pelas prioridades da família,
Aumentando as oportunidades de envolvimento e participação da criança estaremos a au- para si e para a sua criança. Pode parecer simples, mas é um dos momentos em que se têm
mentar as suas oportunidades de aprendizagem, pois estas ocorrem no contexto das suas constatado as maiores dificuldades de implementação deste tipo de abordagem, nomea-
interações com o mundo que a rodeia. damente no que se refere às práticas participativas, pelo que foi nossa opção descrever a
avaliação como um processo flexível e dinâmico, e não como um eventual “livro de receitas”,
sobre instrumentos ou técnicas de avaliação. A qualidade técnica na avaliação da criança
É importante recolher informação relativamente: poderá ser, entre outros, o conhecimento do normal desenvolvimento da criança dos 0 aos
• Às atividades em que a criança revela interesse; 6 anos, do desenvolvimento atípico, metodologias variadas de avaliação, etc. Embora es-
sencial, a componente qualidade técnica não é suficiente para que o profissional adote as
• Ao nível de envolvimento que ela evidencia em cada uma das atividades nos diver-
práticas recomendadas no processo de avaliação da criança numa abordagem centrada
sos contextos;
na família. Na realidade, corre-se o risco de ser o próprio serviço a afastar a família daqui-
• À forma como esses contextos são facilitadores (reforçando e promovendo o envol- lo que poderá ser a melhor forma de apoio para a verdadeira inclusão da sua criança, se
vimento/participação) ou se constituem como barreiras (impedindo ou dificultando as práticas participativas não forem consideradas neste processo.
a participação).
Esta é uma área em que se considera necessário investir no domínio do desenvolvimento de
Só avaliando estes aspetos – no contexto – poderemos saber como intervir, aumentando as competências do profissional, ao nível da formação, assim como da partilha em equipa e
oportunidades de participação da criança nas atividades em que esta revela interesse e que do apoio da supervisão.
são significativas e valorizadas pela família.
A questão mais importante situa-se nos objetivos da avaliação.
Vejamos um exemplo de avaliação do envolvimento de uma criança na rotina do jardim
Os objetivos
de infância: Para quê uma avaliação da criança em IPI?
da avaliação
• Para providenciar informação à família e orientar uma planificação da interven- em IPI
Logo pela manhã, o Afonso senta-se na manta, no seu cantinho preferido. A canção dos bons ção adequada às suas prioridades.
dias parece não lhe dizer nada. O Afonso parece simplesmente esperar que ela termine. Quando
chega a vez de o Afonso dizer “bom dia”, não o diz. Quando sai da manta, e sem que ninguém
Mas nem sempre este objetivo é claro, daí decorrendo alguns problemas:
se aperceba, o Afonso esgueira-se para perto da caixa das canetas, tirando-as lá de dentro,
uma a uma (voltando a arrumá-las de seguida, para logo depois voltar a tirá-las). [envolvimen- • Problema 1 — A avaliação é desenhada para recolher informação exclusivamente
to de nível indiferenciado com objetos]. Quando é contrariado nesta sua ‘missão’, atira as destinada ao profissional;
canetas para o chão e chora [não envolvido com o adulto].
• Problema 2 — A avaliação formal para elegibilidade é usada para identificar ne-
cessidades da criança e da família e orienta o plano de intervenção;
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• Problema 3 — Desvalorização de necessidades e objetivos com significado para o As experiências vividas durante a avaliação em IPI poderão influenciar o que a família irá
dia a dia da família. entender como o seu papel em todo o processo de intervenção. Se queremos que as famílias
sintam que têm controlo, a nossa avaliação deverá também refletir a abordagem centra-
da na família.
PROBLEMA 1 | A AVALIAÇÃO É DESENHADA PARA RECOLHER INFORMAÇÃO
EXCLUSIVAMENTE DESTINADA AO PROFISSIONAL CONCLUSÃO 1
Numa avaliação centrada na família, a atenção deverá recair sobretudo na oferta
Numa avaliação tradicional, a informação é recolhida de acordo com o que os técnicos
da informação que os pais querem, o que exige um conhecimento prévio aprofundado
sentem como necessário, sendo esta etapa exclusiva dos profissionais, considerados peritos
das suas preocupações e prioridades em relação ao seu filho.
nesta matéria (McWilliam, Winton, & Crais, 1996).

Frequentemente, a escolha dos instrumentos e metodologias a utilizar parte exclusivamente


das necessidades do profissional. Embora por vezes haja a identificação das preocupações A ênfase é colocada na mudança do destinatário da informação a recolher – a família – e “A competên-
e necessidades da família, elas são facilmente esquecidas e suplantadas pelo enfoque nas na forma como o processo deve ser conduzido. A componente qualidade técnica do pro- cia técnica é
fissional – conhecimentos, especialização e competências relativas ao desenvolvimento da um dever do
próprias preocupações dos profissionais. profissional
criança, domínio de instrumentos e metodologias, informação sobre patologias, etc. – será de interven-
fundamental para apoiar a escolha e os pedidos de informação da família. ção precoce”
(Greenspan &
Eu precisava de ajuda por ele não sossegar, vejo-me aflita para ele dormir, de noite não para! Meisels, 1996)
Sinto-me tão cansada!... Acho que o profissional nem sequer ouviu nada do que lhe dizia. Uma equipa com profissionais de diferentes formações, com funcionamento transdisciplinar
Disse que faria uma avaliação da inteligência e que depois se decidiria o que fazer. e que assegure a articulação com outros serviços são condições facilitadoras de um proces-
so de avaliação bem conduzido.
Testemunho de uma família apoiada pelo SNIPI

PROBLEMA 2 | A AVALIAÇÃO FORMAL PARA ELEGIBILIDADE É USADA PARA


Neste outro exemplo relatado por uma ELI, os profissionais podem até ter em conta as ne-
IDENTIFICAR NECESSIDADES DA CRIANÇA E DA FAMÍLIA E ORIENTA O PLANO DE
cessidades da família, mas ainda assim, recorrem a uma bateria de testes e registos que
nem sempre são adequados para avaliar essas necessidades. INTERVENÇÃO

McWilliam (2010) alerta para as “avaliações desnecessárias” e a confusão que, por vezes, se
O processo de avaliação decorreu, numa fase inicial, com a avaliação formal da criança, para faz entre os vários objetivos que a avaliação pode ter:
Destinatários
da infor- identificar as áreas de intervenção, e com a família, para aferir as suas necessidades e expe-
mação: tativas. Alguns instrumentos aplicados: grelhas de avaliação Portage (adaptado); Teste de Avaliação para elegibilidade: Para identificar se a criança reúne critérios de entrada na
família ou Sheridan; registos de observação naturalista; Teste de Avaliação da Linguagem Reynell; Teste IPI, podendo utilizar-se procedimentos de avaliação formal do desenvolvimento;
profissional?
de Avaliação da Linguagem na Criança (TALC); Teste de Discriminação Auditiva; Teste de
Avaliação para planificar a intervenção: Para desenvolver um plano de apoio à família
Articulação Verbal; Teste de Desenvolvimento Visuo-Motor de Keith-Beery; Teste de Identificação
que potencie o desenvolvimento da criança e que fundamente estratégias de intervenção
de Competências Linguísticas (TICL); Escala de Desenvolvimento Mental Ruth Griffiths;
adequadas para a criança e família, nos seus diversos contextos. São privilegiadas meto-
Questionário das Necessidades das Famílias e Questionário de Qualidade de Vida. A criança
dologias que descrevam a funcionalidade da criança e o uso que faz (ou não) das suas
foi avaliada por referência à CIF-CJ, por forma a ser traçado o seu perfil de funcionalidade.
competências funcionais nos seus contextos e rotinas;
A partir deste e das necessidades da família, foi traçado o seu PIIP.
Avaliação para monitorizar a intervenção: Para ir ajustando a intervenção às necessi-
Testemunho de uma ELI dades da criança e família, em constante mudança, deveremos avaliar os resultados da
intervenção, reajustando sempre que necessário as estratégias adotadas.

Para cada um destes objetivos, e considerando o que de facto é necessário em cada mo-
PARAR PARA PENSAR:
mento do ciclo de avaliação/intervenção, diferentes metodologias devem ser selecionadas
com a família.
• A quem se destina a avaliação da criança?
No entanto, por vezes, confunde-se a avaliação para definição de elegibilidade (com re-
• Que controlo tem a família sobre todo este processo?
curso a testes normativos) com a avaliação em IPI, que pretende ser a avaliação da criança
• Que participação pode ter? tendo em conta as necessidades, prioridades e recursos que a família traz para a IPI, de for-
ma a construir um plano de intervenção individualizado – obviamente, esta tem de ser feita.
• A quem responde esta avaliação?

• Como exigir que a família se vincule a uma intervenção se, desde o momento da Já a avaliação formal para efeitos de elegibilidade nem sempre é necessária, dependendo
avaliação, não está envolvida? da informação prévia à entrada na IPI.

Embora seja fundamental definir se a criança é ou não elegível, na realidade, nos primei-
ros momentos com a família, a avaliação da situação para critérios de elegibilidade pode
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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ser apenas uma revisão de todos os relatórios/registos que esta já possui, sendo que a pon- PROBLEMA 3 | DESVALORIZAÇÃO DA IDENTIFICAÇÃO DE NECESSIDADES E
deração acerca da necessidade de uma avaliação formal do desenvolvimento terá em OBJETIVOS COM SIGNIFICADO PARA O DIA A DIA DA FAMÍLIA
consideração estes e outros fatores. Por exemplo, a família poderá ter interesse em perce-
ber se a sua criança, embora diretamente elegível para o sistema de IPI por um determinado A predominância do profissional como perito no momento da avaliação da criança leva à
diagnóstico, apresenta algum afastamento do que é esperado para a sua faixa etária, ou condução de uma avaliação excessivamente baseada em amostras do desenvolvimento da
Maximizar
pode ainda querer saber quais as áreas mais fortes ou com mais dificuldades. Nestes casos, criança, artificiais e descontextualizadas, com recurso exclusivo a instrumentos normativos.
a validade
ecológica da uma avaliação formal pode dar informação sobre o nível de desenvolvimento da sua crian-
avaliação ça, dando assim resposta à sua preocupação. Deste modo, estaria validada a necessidade De facto, o predomínio dos modelos mais tradicionais, em que o profissional atua como pe-
de uma avaliação formal da criança de acordo com uma abordagem centrada na família. rito, leva a uma avaliação excessivamente baseada em amostras de comportamentos da
criança, artificiais e descontextualizadas, com recurso exclusivo a instrumentos normativos,
traduzindo-se, frequentemente, em resultados de avaliação no que a criança “não faz” e
Foi também planificada a realização de uma avaliação formal do desenvolvimento do S. para “não consegue” fazer, comparando o desempenho da criança com o esperado para a sua
ajudar a identificar, com a família, áreas fortes e fracas e a delinear os objetivos da interven- faixa etária.
ção. A equipa refletiu e sugeriu a avaliação, como “etapa do processo”, não dando o devido
espaço à família para decidir se esta seria uma necessidade sua (a avaliação não era neces-
A avaliação com foco em resultados formais e normativos leva a uma ênfase na obtenção
sária para decidir a elegibilidade, visto que a condição da criança já correspondia a critérios de
de serviços e a uma desvalorização da identificação de necessidades e objetivos com sig-
diagnóstico clínico), apesar de a mãe concordar com a mesma. Contudo, durante a avaliação
nificado para o dia a dia da família.
e a partilha dos resultados, as profissionais e a mãe refletiram que estes momentos foram de
grande importância, oferecendo oportunidade para refletirem sobre o que seria esperado para
a faixa etária do S., as suas forças e dificuldades. Estes resultados podem ser importantes para determinar a elegibilidade, monitorizar a evolu-
ção do desenvolvimento da criança ou dar resposta a dúvidas da família e dos profissionais,
Testemunho de uma ELI mas dão pouca informação para a intervenção do dia a dia; para algumas famílias essa
poderá ser informação pouco desejada ou desagradável.

Contudo, a avaliação formal do desenvolvimento para atestar a elegibilidade poderá ser


um requisito exigido pela coordenação de um determinado serviço. Nesse caso, o princí-
pio será sempre o de informar e envolver a família, explicando-lhe a razão da necessidade NÃO SE ESQUEÇA QUE:
de se efetuar esse tipo de avaliação. Assim, ainda que possa existir essa exigência, nada se
deve sobrepor ou substituir às necessidades da família, pelo que se mantém fundamental
centrar toda a restante avaliação naquilo que são as preocupações e prioridades da famí- A família pode não ser perita no conhecimento sobre desenvolvimento infantil ou so-
lia, não a limitando com os resultados da avaliação formal. bre testes de avaliação formal, mas é seguramente a melhor especialista no seu filho!

Por outro lado, o sistema português considera também elegíveis as crianças que apresen-
tam contextos considerados de risco para o seu desenvolvimento (por exemplo, a existência
de condições biológicas – prematuridade, complicações pré, peri e pós-natais, traumatismos, No exemplo seguinte podemos ver como é tão comum centrarmo-nos naquilo que a crian-
infeções do SNC, etc. – ou existência de fatores de risco ambiental – isolamento ou pobre- ça não consegue fazer ou nos seus défices, propondo uma intervenção centrada na criança,
za, doença física ou psiquiátrica limitativa, maus-tratos passivos ou ativos, etc.,) que possam para correção desses défices:
interferir com o desenvolvimento e bem-estar da criança. Nestas situações, apesar de os
critérios de elegibilidade estarem já definidos, a avaliação formal do desenvolvimento é mui-
tas vezes utilizada para determinar a existência – ou não – de atraso de desenvolvimento. O L. foi avaliado pela SGS II – Shedule of Growing Skills II, tendo apresentado um nível abaixo
do esperado na maioria das capacidades (exceto na Locomoção).
No entanto, a avaliação conduzida com base exclusivamente em testes formais, na sua
maioria com características importadas dos testes para crianças mais velhas, realizada por Posteriormente, foi feita uma avaliação informal pela terapeuta da fala. O L. era uma criança
um examinador que não é familiar à criança e decorrendo num ambiente artificial não é a com contacto ocular muito pobre, ausência de jogo simbólico, ausência de linguagem oral, com
mais indicada para planificar a intervenção que ocorre nas rotinas e contextos da criança produção de vocalizações atípicas, rara resposta ao nome, utilização repetitiva dos objetos,
(Greenspan & Meisels, 1996), como veremos mais à frente. interesse por partes específicas dos objetos, fazendo frequentemente varrimento visual dos
mesmos e observação de ângulos estranhos, com especial interesse por material escrito, sem
interesse na interação com os pares, incapaz de resolver problemas em jogo obstrutivo, com
CONCLUSÃO 2 grande resistência à alteração da rotina e alterações de integração e processamento senso-
riais (visual, auditivo, tátil). O PIIP foi construído com base nos resultados destas avaliações.
É fundamental saber distinguir os vários objetivos da avaliação, evitando fazer con-
fusões entre a avaliação para a elegibilidade e a avaliação para a intervenção. Testemunho de uma ELI

Se usarmos uma avaliação formal do desenvolvimento, com testes de referência à norma,


para determinar que intervenção é necessária, poderemos estar a enviar mensagens contra-
ditórias à família, nomeadamente acerca de como se processa o desenvolvimento da criança
e acerca do potencial que a família tem no apoio a esse desenvolvimento. Imagine-se que a
avaliação revela resultados baixos na área da Linguagem. Ficamos, sem dúvida, a perceber
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quais as áreas de desenvolvimento com mais dificuldade. Mas que informação obtivemos sentido inovador, alargando-se para além da criança e incluindo a família e outros contex-
acerca da melhor forma de providenciar oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento tos, valorizando uma perspetiva ecológica refletida numa abordagem centrada na família
da criança? Este resultado, frequentemente, leva à presunção de que a intervenção deverá e concretizada através de trabalho transdisciplinar.
ser baseada na prestação de serviços de terapia da fala. Mas uma avaliação formal que
identifica uma área “com atraso” não revela necessariamente um problema funcional nas Procura-se que seja o começo de uma longa viagem no campo da IPI, onde ocorrerão inú-
Reflexão em rotinas diárias nos vários contextos da criança. E se esta não é uma necessidade da família meras oportunidades para uma relação entre pais e profissionais.
equipa: como dificilmente os esforços de intervenção se deverão focar nessa área.
fazemos as Que instrumentos devemos/podemos usar?
avaliações na
nossa equipa? Provavelmente, perde-se demasiado tempo em avaliações, com foco na obtenção de ser-
viços que pouco vão contribuir para a intervenção centrada na família, e gasta-se pouco ou
“Não há instrumentos mágicos nem questionários milagrosos que possam substituir
nenhum tempo a recolher informação com significado para o apoio que a família precisa
a compreensão autêntica nascida do conhecimento profundo, da confiança mútua e
para a sua criança nos seus diversos contextos.
da comunicação.”
(Turnbull, 1991, p. 39)
CONCLUSÃO 3:
A avaliação para a intervenção baseia-se na identificação das reais necessidades Tal como na identificação de prioridades e recursos da família, também na avaliação da
da criança e da família no seu dia a dia e nos seus diferentes contextos, conduzindo criança a forma utilizada para recolher a informação é tão importante como o instrumen-
a uma lista de objetivos funcionais com verdadeiro significado para elas. to escolhido. É essencial que se respeitem as preferências, estilo de vida e crenças culturais
da família. Ouvi-la, propondo várias escolhas e alternativas para a ajudar a recolher in-
formação sobre as suas preocupações relativamente à criança, explicando as vantagens
Assim, a avaliação das necessidades funcionais que a família identifica resultará em interven- e desvantagens das várias hipóteses, permite uma escolha informada por parte da família.
ções baseadas naquilo que é o dia a dia da criança e da família, com verdadeiro significado,
Para planificar uma avaliação individualizada é preciso que os profissionais reúnam infor- Conteúdo
e que farão a diferença na promoção de oportunidades de aprendizagem da criança.
e tipo de
Avaliação mação suficiente sobre a criança, mantendo sempre presente o objetivo dessa avaliação: informação
“alta-costura” Importa ainda salientar que um conjunto estandardizado de procedimentos, usado de forma recolha de informação que conduza à planificação de uma intervenção eficaz. E só será efi- a recolher na
≠ avaliação caz se responder às preocupações e prioridades identificadas pela família e se promover a avaliação da
“pronto-a- idêntica para todas as famílias que entram na IPI, dificilmente responderá às necessidades criança
vestir” únicas de informação de cada família e pouco vai contribuir para o apoio no dia a dia que aprendizagem, desenvolvimento, envolvimento e participação da criança.
elas pretendem.
“Poupem-nos dos documentos que contêm principalmente resultados de checklists e tes-
A avaliação em IPI é um momento de partilha entre família e profissional, cujo objetivo é in- tes e que apenas enumeram o que os nossos filhos não conseguem fazer e que significam
formar a família e orientar a planificação de uma intervenção adequada às suas prioridades. um inferno para os pais!”
Se tivermos presente esse objetivo, diversos efeitos podem decorrer dessa avaliação, efeitos (McGonigel, Kaufman, & Johnson, 1991, p. 44)
esses essenciais à implementação de um plano eficaz e centrado na família.

Existem instrumentos e componentes de formação disponíveis para profissionais que queiram Processo,
Resultados da O que se espera com a avaliação da criança em IPI: aprofundar mais acerca de metodologias de avaliação centradas na família12. Mas estes de- formato ou
avaliação da estratégias
criança em IPI vem ser cuidadosamente escolhidos para coincidirem com as características da criança e da
• Identificação das competências e necessidades únicas da criança e dos pontos de recolha de
família e com a formação e experiência dos profissionais, tal como referido anteriormente. informação na
fortes e necessidades da família, relacionados com o desenvolvimento da criança;
avaliação da
• Conhecimento dos contextos e rotinas diárias da criança, identificando o seu nível Importa agora analisar e compreender as práticas de avaliação da criança que são pro- criança
de participação e autonomia; motoras do empowerment e capacitação das famílias em IPI, assentando num processo
• Contributos dos pais e de outros cuidadores para a avaliação das competências faseado que assegure a colaboração.
da criança;
• Decisões informadas por parte dos pais; Este processo pode ser facilitado se considerarmos três etapas da avaliação: (a) a plani-
• Determinação da natureza e âmbito do apoio necessário para a criança e para ficação; (b) a condução das atividades; e (c) a partilha dos resultados. Acreditamos que a
a família. análise destas três componentes contribuirá para apoiar uma mudança e conduzir a uma
avaliação centrada na família (Crais, 1997).

4.4.3
PLANIFICAÇÃO DA AVALIAÇÃO COM A FAMÍLIA
COMO IMPLEMENTAR A AVALIAÇÃO DA
CRIANÇA NUMA PERSPETIVA CENTRADA A forma como a planificação da avaliação é conduzida ajudará a estabelecer os primeiros
                        NA FAMÍLIA passos na relação de colaboração, bem como a planificar uma avaliação única, adapta-
da às necessidades e prioridades de cada criança e família (Able-Boone & Crais, 1999).

A intervenção precoce evoluiu como processo, descentrando-se da criança para se centrar 12 No âmbito do desenvolvimento deste guia, foi criado um acervo de instrumentos disponível on-line (www.im2.
na família e noutros contextos, como um todo. Necessariamente, a avaliação segue o mesmo anip.net) onde poderá consultar informação sobre instrumentos de avaliação.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Dedicar o tempo suficiente à planificação da avaliação é condição para permitir à família e entre uma participação menos ativa dos pais até um extremo da participação ativa,
profissionais delinearem em conjunto uma avaliação individualizada que responda às preo- tal como abordado na próxima etapa da avaliação;
cupações e prioridades da família.
• Explorar como decorreram avaliações anteriores, ou seja, perceber o que resultou
melhor e o que foi mais relevante para a família;
Construção Este momento é uma extensão da partilha e recolha de informação que já se iniciou nos
do processo primeiros encontros com a família e que temos vindo a denominar de “identificação das • Identificar e descrever as metodologias de avaliação que vão ser utilizadas e a rele-
inicial da preocupações, prioridades e recursos da família”. O seu objetivo é determinar o que se pre- vância da informação obtida com elas, ou seja, definir os parâmetros essenciais do
colaboração
tende alcançar com o processo de avaliação na perspetiva dos seus diversos intervenientes procedimento de avaliação (avaliação formal ou informal, identificação dos contex-
(Bailey & Wolery, 1992). tos onde observar a criança, que pessoas serão envolvidas) e que tipo de informação
se poderá recolher;
Durante esta primeira etapa do processo de avaliação, família e profissionais irão discutir
• Definir como, onde e quando vão ser discutidos os vários resultados obtidos, ou seja,
e combinar como irá(ão) decorrer o(s) momento(s) de avaliação, analisando os diferentes
se essa discussão será imediata à avaliação, quem participará e se a família deseja
parâmetros úteis para desempenhar a avaliação de uma forma coerente com as preocu-
que essa informação seja colocada por escrito.
pações e prioridades da família.

Feita a reflexão sobre estas questões, está reforçada a ênfase na avaliação da criança como
Colocar três questões fundamentais pode orientar o profissional:
momento onde será recolhida e fornecida informação, de e para a família, de forma a faci-
litar o seu processo de decisão na avaliação e na intervenção, com efeitos de fortalecimento
Quais são as expetativas das famílias no momento da avaliação da sua criança? e empowerment e promotores da relação de colaboração entre pais e profissionais (Able-
Até que ponto é que essas expetativas são coerentes com as dos profissionais envolvidos Boone & Crais, 1999; Crais, 1993; Crais, 1997; Miller & Hanft, 1998).
na avaliação?
Em que aspetos as expetativas da família sobre o seu envolvimento na avaliação da crian- A concordância com um momento de avaliação da criança por parte da família permitiu que
ça são reflexo das suas expetativas mais amplas? se procedesse, de imediato, à planificação da avaliação. Face às questões e preocupações
apresentadas, foi considerado em análise conjunta com a mãe e a educadora a pertinência de
aplicar o teste de desenvolvimento Ruth Griffiths. Acerca do teste proposto foram prestadas
Deverá ainda recolher-se e trocar informação relativa às seguintes áreas: algumas informações gerais e esclarecimentos (em que consiste e o que permite conhecer sobre
• Características da criança; a criança, como e por quem se aplica, qual o tempo aproximado a disponibilizar pela criança e
pelos intervenientes). Entendemos que estas informações poderão contribuir para uma maior
• Preferências da família em relação ao seu envolvimento;
capacitação e autoconfiança da família e cuidadores no decorrer deste momento e da etapa
• Prioridades da família para a sua criança e para si mesma; seguinte (avaliação formal de desenvolvimento) do processo de IP. A identificação dos técni-
• Registos da criança e outros dados de avaliações e diagnósticos prévios. cos a considerar no momento de avaliação, o local da avaliação e o tipo de envolvimento dos
intervenientes foram pensados com a família.
(adaptado de McGonigel, Kaufman, & Johnson, 1991)
Testemunho de uma ELI

Com esta planificação, pretende-se:


Nesta reflexão conjunta, o profissional poderá igualmente partilhar as suas dúvidas em rela-
• Identificar o que as famílias querem ou necessitam de obter a partir da avaliação, ção ao tipo de informação que tem necessidade de obter, ou em relação aos procedimentos
ou seja, esclarecer quais são as preocupações ou questões que a família tem e que exigidos pelo próprio serviço – seja a avaliação do nível de funcionamento da criança em
gostaria de ver resolvidas. Por exemplo, se pretendem saber se a criança tem ou determinada área, seja a avaliação para a elegibilidade, ou qualquer outro tipo de recolha
não um atraso de desenvolvimento, se pretendem saber qual a melhor forma para de informação que o profissional considere relevante. Se for esse o caso, o importante é que
apoiar o desenvolvimento da criança, se pretendem saber quais as capacidades ou toda a recolha de informação seja devidamente enquadrada e explicada à família, garan-
limitações da criança numa determinada área, etc. Esta informação poderá ajudar tindo que esta recolha não se sobreponha àquele que é o principal objetivo da avaliação:
a selecionar o tipo de instrumento a utilizar, bem como a aferir se existe consenso fornecer à família informação desejada sobre o seu filho.
entre família e profissional sobre o objetivo da avaliação;
• Identificar as preferências e prioridades da família em relação à avaliação, ou seja,
escolher: a hora, dia, local (ou locais) da avaliação; pessoas que deverão ser envolvi- Em conjunto com a família planificou-se a forma como a intervenção iria decorrer, atendendo à
das; ordem de apresentação das atividades, etc., tendo em conta as características/ necessidade de compreender as preocupações da família e aferir os critérios de elegibilidade
rotinas da criança e família; para integrar o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância. Aparentava ser neces-
sário recorrer também a uma avaliação formal do desenvolvimento da menina. Esta situação
• Identificar áreas e atividades da criança consideradas como fortes, ou seja, conhe- foi explicada à família, incluindo como esta avaliação formal poderia decorrer (avaliação pelos
cer que circunstâncias, pessoas, materiais, brinquedos, atividades e/ou estratégias profissionais, preferencialmente na presença dos pais, em contexto educativo ou domiciliário
poderão ajudar a criança a sentir-se bem durante os momentos de avaliação e a conforme preferissem, atendendo também às dificuldades de deslocação da família).
demonstrar o melhor possível as suas capacidades;
Testemunho de uma ELI
• Determinar que papéis poderão ser assumidos pela família durante a avaliação,
ou seja, discutir os papéis disponíveis para cada um dos envolvidos e definidas as
tarefas que cada um irá desempenhar, de acordo com um continuum que distingue
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
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O PAPEL DA FAMÍLIA NA CONDUÇÃO DA AVALIAÇÃO da educadora. Foi possível validar as preocupações da mãe e da educadora no que respeita
às limitações ao nível da expressão verbal, estendidas contudo à comunicação mais alargada
Quando a equipa, que inclui a família, alcançar um consenso sobre os objetivos e proce- com pares e adultos. O D. L. responde ao nome, nomeia imagens, luta pelo objeto da sua pre-
Um continuum
entre um dimentos da avaliação, é chegada a altura de passar à fase da recolha da informação ferência e imita comportamentos dos seus pares. Quando a interação é mediada pelo adulto,
papel ativo pretendida. Nesta fase, utilizam-se diversos métodos de recolha de dados (testes, observa- aumentam as trocas sociais entre o D. L. e os colegas.
e passivo da ção, entrevistas, etc.) e cada um dos envolvidos irá desempenhar o papel que foi combinado
família Testemunho de uma ELI
na etapa anterior.

As famílias podem escolher participar de diversas maneiras na avaliação e para as aju-


dar nessa escolha os profissionais deverão descrever as diversas possibilidades disponíveis Podemos resumir como principais atividades desta componente da avaliação (condução
(Figura 4.3). da avaliação) os seguintes:
• Realizar avaliações formais ou informais, que incluem a administração de tes-
Apesar da variedade de papéis, nem todas as famílias escolhem participar ativamente na tes estandardizados, testes de referência a critério ou observação da criança em
avaliação dos seus filhos. Certas famílias escolhem papéis menos ativos, e isso pode acontecer variados contextos, sempre de forma flexível. A família poderá, ela própria, registar
por vários motivos, como por exemplo por estarem no início da intervenção e não se senti- comportamentos da criança, com recurso a instrumentos previamente cedidos e
rem à vontade, ou por os seus horários de trabalho não lhes permitirem essa participação. dar informação válida com base na observação que tem oportunidade de fazer nos
contextos e rotinas diárias em que a criança está envolvida (Able-Boone & Crais,
1999; Allen & Petr, 1996; Miller & Hanft, 1998);
FIGURA 4.3   Papéis da família na avaliação (adaptado de Bailey et al., 1991; Crais, 1993, 1997)
• Partilhar informação e impressões sobre o desempenho da criança, incluindo aquilo
que se está a observar. Por um lado, a família poderá ajudar a fazer interpreta-
ções corretas dos comportamentos exibidos pela criança. Pode ainda referir se
esses são os comportamentos habituais e se caracterizam corretamente a criança
ou se, pelo contrário, não são comportamentos que ela habitualmente manifes-
te, pelo que poderão ser as circunstâncias da avaliação que a está a condicionar.
Por outro lado, o profissional poderá detetar algum tipo de preocupação que não
tenha sido anteriormente sinalizada pela família, devendo dedicar especial aten-
ção à forma como essa informação é partilhada, cuidando para não criar novas
preocupações e para não tender a orientar a família no sentido de priorizar inter-
venção nessa área. O objetivo é partilhar informação que os profissionais detêm,
permitindo à família tomar decisões informadas sobre a inclusão, ou não, deste
aspeto nas suas prioridades;
• Partilhar a informação sobre o que está a ser observado tendo em conta as preo-
cupações e prioridades da família e fazendo ligação aos próximos passos de
planificação da intervenção. Esta partilha, considerando as preocupações iniciais
da família, ajuda a compreender as suas questões ou dúvidas, clarificando as suas
prioridades.

A participação dos pais ou outros prestadores de cuidados é o ingrediente central para uma
intervenção centrada na família, mas, por vezes, perdidos na tentativa de assegurar a par-
ticipação da família na avaliação, esquecemo-nos, como profissionais, que o envolvimento
dos pais pode tomar uma variedade de formas e que a função dos profissionais é apresen-
tar-lhes as várias opções que podem tomar.
O envolvimen-
to da família
É importante respeitar as escolhas das famílias, dando-lhes a oportunidade de ajustar o seu é variável: A
papel e o seu nível de envolvimento ao longo da intervenção. Tal como refere Crais (1993), família esco-
Planificação da avaliação: A mãe informa que o D. L. foi submetido a uma avaliação formal do lhe o nível de
desenvolvimento na Consulta de Desenvolvimento, planificando-se uma avaliação informal em mais importante do que saber qual o papel que a família escolheu para desempenhar na envolvimento
contexto de creche, onde será possível observar a interação com os pares. A mãe partilhou avaliação é saber quais os papéis que foram apresentados como disponíveis à família e que pretende
como foi facilitada essa escolha pelos profissionais. na avaliação
que a sua presença poderia alterar o desempenho do D. L., pelo que não assistiria à avaliação,
mas no final desta, reuniria com a equipa para feedback. Seria igualmente enviado à equipa
o relatório com os dados da avaliação formal (critérios elegibilidade 1.1. desenvolvimento glo-
bal dentro da média esperada para a sua idade; revela atraso nas áreas Audição e Linguagem
A PARTILHA DOS RESULTADOS
e Raciocínio Prático. Informação acrescida de défice no domínio da comunicação e interação
social, contacto ocular pobre, baixo limiar de tolerância à frustração). Tradicionalmente, os profissionais que conduziam a avaliação apenas partilhavam os resul-
A avaliação informal decorreu em contexto de creche e foi efetuada pela psicóloga e pela tera- tados numa reunião final.
peuta da fala da ELI através de uma observação naturalista, com recolha de informação junto
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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No entanto, num processo centrado na família, é sugerido que a informação seja partilhada Dicas para práticas de avaliação de qualidade
reciprocamente logo que é recolhida, reforçando a ideia de “troca de informação”, come-
• Partilhe uma visão geral dos dados da avaliação, começando por dar a palavra à
çando sempre por ouvir a perspetiva da família: “Como sente que correu? É assim que o/a
família: questione-a sobre as suas impressões e visão das competências e neces-
seu/sua filho/a é habitualmente?”. Estamos deste modo a valorizar o saber único da família
sidades da criança e sobre preocupações daí decorrentes;
sobre a sua criança e a dar-lhe poder!
• Relacione os resultados formais da avaliação que conduziu com as observações e
Mesmo que alguns testes formais apenas possam ser cotados posteriormente, ou que o impressões da família sobre o desempenho da criança;
momento formal de discussão geral se realize num outro momento, este feedback deve ser • Questione a família para saber se as suas preocupações iniciais (relativas à crian-
imediato e, sobretudo, aproveitado e relacionado com as fases seguintes da avaliação/ ça) foram corretamente abordadas, ou se existe ainda alguma área que deva ser
intervenção. esclarecida/ aprofundada de outra forma;
• Se houver um relatório a elaborar, inclua as observações e impressões que a
Por exemplo, quando analisamos o desempenho da criança numa determinada tarefa, po-
família partilhou e valide-o com a família. Esta deve ficar com cópias ou originais
demos de imediato pensar nos contextos naturais e rotinas diárias em que essas capacidades
de todos os documentos referentes à avaliação;
podem ser também observadas, ou na forma como ela as usa. Estamos assim a dar signifi-
cado à avaliação e a partilhar esse significado com a família (Crais, 1997). O que é partilhado • Assegure-se de que existe consenso entre a perceção da família e a sua perceção
deve ter utilidade e valor para a família e facilitar a tomada de decisão. relativamente ao funcionamento da criança.
Se estas forem as práticas do profissional de IPI, poderá iniciar-se o preenchimento do
As famílias só são verdadeiros elementos da equipa se tiverem acesso à mesma informa- PIIP, principalmente nas áreas referentes às capacidades e características da criança,
ção de que os outros participantes dispõem para formar opiniões ou fazer recomendações! preocupações e prioridades da família e enumeração de objetivos a alcançar.

Concordei de imediato com a educadora para que fosse feita uma avaliação à Marta, para iden- Com a divisão do processo de avaliação em três partes (planificação, condução e partilha
tificar algum problema que pudesse estar a impedir a aquisição da marcha. de resultados), é facilitada a compreensão de que as atividades da avaliação são múltiplas
e extremamente importantes para ambos os intervenientes, famílias e profissionais, na for-
A Marta foi avaliada pela psicóloga e pela fisioterapeuta, que logo me manifestaram a sua opi- ma de alinhar e tornar consensuais as expetativas e formas de trabalho futuro em parceria.
nião e me transmitiram calma e confiança, disponibilizando estratégias para ajudar a minha filha
neste processo, já que o grande impedimento para a aquisição da marcha era o medo e falta
de confiança. Estas estratégias foram fundamentais para o seu desenvolvimento. A forma como se desenrolou todo o processo, respeitando o contexto e as rotinas da família,
colocando-se a ELI como parceira desta e valorizando as suas preocupações e necessidades,
Testemunho de uma família apoiada pelo SNIPI tem sido crucial para o sucesso e bom desenvolvimento do mesmo. A avaliação formal do desen-
volvimento foi igualmente um momento promotor de sucesso, uma vez que foi bem planificado.
A família foi envolvida escolhendo o papel principal, tendo-se baseado a devolução dos resul-
As famílias que se mostram descontentes com o processo de avaliação referem, frequente-
tados numa avaliação qualitativa e nas forças encontradas na criança.
mente, que o que lhes deixou essa amarga recordação não foi a gravidade da informação
partilhada mas sim a forma como foi feita essa partilha. Muitas vezes centrada naquilo que Testemunho de uma ELI
a criança não consegue fazer ou nos seus défices (Crais, 1997).

Nesta última fase, a família e os profissionais deverão discutir perspetivas, estabelecer ob- Em síntese, toda a recolha de informação com os pais, outros cuidadores e junto da própria
jetivos, identificar recursos e determinar que intervenção será necessária (Bailey & Wolery, criança deverá servir para a elaboração de um plano de intervenção onde se encontrem
1992). Por isso, o que é partilhado deve ter utilidade e valor para a família e deve facilitar a espelhadas as preocupações, prioridades e recursos da família, assim como as caracterís-
tomada de decisão. ticas e necessidades da criança.

O diálogo aberto entre a família e os profissionais sobre os comportamentos imediatamente


Avaliação passo a passo: Como conseguir uma avaliação centrada na família
observados poderá reduzir a quantidade de informação que, tradicionalmente, é discutida
no final do processo de avaliação (Crais, 1996). No entanto, se e quando houver diferentes • Perceber as preocupações, prioridades, esperanças e crenças que os pais têm
procedimentos de avaliação com recurso a várias fontes de informação e instrumentos, po- acerca das suas crianças;
derá ser necessário encontrar um momento que facilite a partilha e discussão dos resultados
• Obtida esta informação, esta deve ser usada para orientar todas as atividades de
obtidos entre a família e os profissionais envolvidos.
avaliação;

Este momento é particularmente importante se a família não esteve presente ao longo do • As famílias e profissionais decidem em conjunto qual o formato, conteúdo, instru-
processo de avaliação. Ao validar os resultados da avaliação da criança (obtida através de mentos e metodologias de avaliação;
instrumentos e métodos mais formais), ao informar os profissionais sobre os comportamen- • As famílias e profissionais decidem em conjunto quais os participantes (que pro-
tos da criança nos seus contextos e rotinas, a família está a participar e a contribuir para fissionais, de que formação, que outros cuidadores e pessoas significativas para a
uma avaliação mais útil e autêntica. E a interpretação dos resultados da avaliação deverá criança, etc.) e locais/contextos;
ser feita consensualmente entre a família e o profissional!
• Após a avaliação, analisar de que forma as prioridades dos pais foram abordadas.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

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Foram recolhidas informações relativas à funcionalidade da criança, “pontos fortes” da Marta e EXEMPLO PRÁTICO COMENTADO
da família, expetativas da família e da educadora de infância, bem como as preocupações de
ambas. Para além das conversas informais, o processo de recolha de informação foi suportado
na observação direta e informal da criança em contexto natural (domicílio e JI), pela entrevista
baseada nas rotinas (EBR) (Scott & McWilliam, 2000), ecomapa, anamnese, Escala de Avaliação
das Perceções dos Educadores Acerca das Rotinas e do Envolvimento da Criança (SATIRE) A avaliação:
Identificação das competências funcionais da criança,
(Clingenpeel & McWilliam, 2003) e Escala de Avaliação das Competências no Desenvolvimento
Infantil (Schedule of Growing Skills II).

O PIIP foi elaborado com as informações resultantes não só da aplicação dos instrumentos mas
das características do contexto e das preocupações,
também das conversas informais realizadas. prioridades e recursos da família
Testemunho de uma ELI

Quanto mais as famílias participarem no processo de avaliação, mais ativas e satisfeitas


se sentirão em relação aos resultados (Crais, 1996).
Ao conversar com a família do Pedro, tornou-se notório que traziam mui- Práticas relacionais: Importância de
tas dúvidas acerca do comportamento do seu filho e também sobre de escutar e validar as preocupações
Deste modo, a participação ativa das famílias nesta etapa inicial do ciclo de avaliação/inter-
da família.
venção assume-se como um “pontapé de saída” para os esforços de colaboração ao longo que forma a equipa poderia ajudá-los. Quando abordámos quais os as-
da intervenção subsequente (Crais, 1997). petos que mais preocupavam os pais naquele momento, estes referiram
que desde que ele era pequeno notavam que ele era diferente, sentindo
As frequentes referências por parte de alguns profissionais de IPI acerca da “não adesão dificuldade em compreender e lidar com alguns comportamentos do fi-
da família” à intervenção poderão assumir um significado diferente se analisarmos infor- lho, precisando, por isso, de ajuda. Contudo, não conseguiam concretizar
malmente a forma como decorreu o processo de avaliação da criança conduzido por esses muito bem as suas dúvidas ou exatamente aquilo de que precisavam.
profissionais junto das famílias que descrevem como difíceis…
Tendo em conta a dificuldade partilhada pelos pais acerca das suas Qualidade técnica: Valorização da
necessidades e do tipo de ajuda que poderiam ter da equipa, foi ques- identificação de necessidades e ob-
Poderá o “problema” estar no facto de a avaliação e consequente plano de intervenção não jetivos com significado para o dia a
terem sido estabelecidos de acordo com o que a família tinha como preocupações e priorida- tionado se desejariam refletir e responder a um questionário que os
dia da família.
des para o seu filho? Ou seja, será que a família não foi escutada e/ou não teve participação poderia ajudar na concretização das suas dúvidas. Os pais aceitaram de
ativa na avaliação e delineamento do plano? imediato e o processo de avaliação iniciou-se com o preenchimento do
Inventário de Necessidades da Família, onde os pais identificaram que
tinham dificuldade em saber como: brincar e falar com o filho; lidar com
o seu comportamento; obter informação acerca da dificuldade que o fi-
lho pudesse ter; e dos serviços dos quais poderia usufruir. Mencionaram,
ainda, dificuldade em falar com alguém da família sobre as suas preocu-
pações e em encontrar soluções. Desejavam também obter informação
escrita sobre a problemática e localizar técnicos que possam tratar as
necessidades do Pedro e da família. Referiram o benefício de conhecer
pais de crianças com a mesma problemática. Muitos objetivos de inter-
venção pareciam já estar aqui a tomar forma…
Práticas participativas: Compreender
Foi ainda elaborado o ecomapa da família, uma vez que os pais re- quais os recursos que a família tem
feriram não saber a quem recorrer, vivendo rodeados de gente, mas disponíveis de forma a usá-los na
sentindo-se efetivamente sozinhos e sem suporte. Com quem poderiam resposta às suas preocupações.
contar? De que forma? Em que situações?

Os pais contaram que, por vezes, nas saídas em família, olhavam para
as outras crianças e viam que o seu filho não fazia muitas das coisas que
os outros meninos pareciam conseguir fazer, mas nessas alturas tenta-
vam convencer-se de que as crianças são todas diferentes e com ritmos Qualidade técnica: O conhecimen-
to do normal desenvolvimento da
muito próprios. O Pedro também iria fazer tudo aquilo! Mas ficavam
criança dos 0 aos 6 anos, do de-
sempre imensas dúvidas que os perseguiam diariamente ao longo do senvolvimento atípico, assim como
crescimento do filho: será que já era suposto ele andar? Será que com metodologias variadas de avaliação.
a idade dele seria de esperar que já falasse mais? E não parecer inte-
ressar-se por outros meninos? Era normal? Como o poderiam ajudar a
desenvolver? Ao tentar perceber junto dos pais de que forma a equipa
os poderia ajudar neste aspeto, questionaram se haveria alguma forma
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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4.5 DESENVOLVIMENTO DO PLANO


de saber se o Pedro estava ao nível das outras crianças? Neste sentido,
foi explicado aos pais os contornos de uma possível avaliação do de-
senvolvimento e a informação que poderia ser recolhida com este tipo
de avaliação. Os pais acharam que essa informação responderia a al-
INDIVIDUAL DE INTERVENÇÃO
gumas das suas dúvidas e preocupações e solicitaram uma avaliação
do desenvolvimento. Ao ser planificada a avaliação, a mãe referiu que
                 PRECOCE (PIIP)
gostaria de ser ela a dinamizar as atividades, pois achava que o Pedro
Práticas participativas: A família iria sentir-se mais seguro e iria participar melhor: “Têm é de me expli-
Neste momento do ciclo de intervenção, a equipa (família e profissionais)
tem um papel muito importante na revê toda a informação reunida e partilhada nos momentos anteriores e
car aquilo que eu devo fazer”.
planificação da avaliação, devendo
escolher o papel e nível de envolvi- elabora um plano de intervenção personalizado, com objetivos, estraté-
mento que pretende assumir durante Outro aspeto salientado pelos pais era o de a educadora referir que o gias, atividades e recursos que apoiem as expetativas e necessidades da
esse processo. Pedro, na sala do JI, não se relacionava com as outras crianças, não par-
família e contribuam para o máximo desenvolvimento e uma maior par-
ticipando nas atividades de grupo e revelando pouca participação nas
atividades individuais. Os pais não sabiam muito bem do que a educa- ticipação da criança.
dora estava a falar, pois o Pedro era a única criança da família e por
isso não tinham muitas situações em que lhes fosse possível ver como
Em cada encontro entre a família e o profissional que temos vindo a descrever, partilham-se A elaboração
ele se relacionava com outras crianças. Foi discutido com os pais a pos-
informações e discutem-se opções de intervenção. Chegamos agora ao momento de ela- do PIIP
sibilidade de se fazer uma avaliação informal no contexto natural, neste
boração do plano de intervenção que, na atual legislação que regulamenta a intervenção
Qualidade técnica: Analisar a per- caso no JI, para melhor precisar e definir o envolvimento e participa-
precoce na infância em Portugal, se denomina de plano individual de intervenção precoce
tinência, eficácia e adequação de ção do Pedro neste contexto. O pai propôs que a avaliação formal do
cada metodologia à especificidade (PIIP).
desenvolvimento fosse, igualmente, feita nesse contexto, e dessa forma
de cada família.
poderia ser recolhida toda a informação de uma só vez e de forma mais
Como componente deste sistema que constitui a intervenção precoce, o PIIP representa a
rápida. “Queremos, sobretudo, saber como podemos ajudar o Pedro.”
operacionalização do que, ao longo deste trabalho, tem sido aprofundado. Poderíamos en-
tendê-lo apenas como um documento, mas num quadro de serviços centrados na família PIIP como
entendêmo-lo como um processo de grande relevo. proces-
so: Uma
PARAR PARA PENSAR: relação de
Como processo, o PIIP define uma relação de colaboração entre a família e os profissio- colaboração
nais, no âmbito da qual a família é quem conduz a intervenção, tendo em conta que as suas
• Neste caso, o formato de avaliação escolhido pode dar a in-
preocupações e prioridades são reconhecidas e respeitadas.
formação que os pais desejavam?

• Os pais e os profissionais podem assim ficar com uma ideia Assim, o PIIP será o reflexo de uma intervenção centrada na família, que começa a ganhar
clara acerca das capacidades da criança? forma logo nos primeiros contactos e se vai consolidando ao longo da avaliação. Tudo pa-
rece fácil, mas exige essencialmente uma mudança de atitudes e de práticas do profissional
• Os resultados poderão espelhar a “criança real”? de intervenção precoce (Carvalho, 2004).
• O processo de avaliação foi individualizado para satisfazer as
necessidades únicas da família?
DESENVOLVIMENTO DO PIIP

A equipa (família e profissionais) tem a oportunidade de rever toda a informação que


reuniu e trocou nos momentos anteriores, de priorizar as escolhas da família e de ne-
gociar como estas escolhas podem ser honradas e respeitadas, devendo:

• Tomar decisões acerca de prioridades;

• Desenvolver objetivos de intervenção que devem ser escolhidos pela família;

• Negociar as estratégias, atividades, apoios e serviços que vão resultar na con-


cretização dos objetivos da família.

Como documento, o PIIP é o suporte à implementação das práticas centradas na família e PIIP como
surge como instrumento privilegiado e como expoente máximo do objetivo fulcral de em- documen-
powerment da família: pretende dar a palavra às famílias e criar condições para que elas to: Guia da
intervenção
possam assumir o controlo na condução da intervenção que considerarem adequada às
suas necessidades e prioridades e às das suas crianças.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Apesar de as duas dimensões do PIIP – processo e documento – ocorrerem paralelamente, O processo de colaboração tornou-se a base de uma abordagem flexível e funcional no que
As reuniões
a dimensão “processo” é valorizada em relação ao “documento/papel”, pois aquilo que se diz respeito à elaboração do PIIP (Correia & Serrano, 1998), e é nesse contexto que acontecem de PIIP
passa na colaboração e parceria entre famílias e profissionais é que vai dar sentido ao que habitualmente uma ou mais reuniões, em que todos os envolvidos se juntam para coordenar
é registado no documento. as suas descobertas e ideias relativas ao plano de intervenção, para o estabelecimento de
objetivos e planeamento de estratégias de intervenção.
Sem uma relação de parceria por base, o que está escrito no plano de intervenção perde
qualquer sentido (McGonigel, Kaufman, & Hurth, 1991). Para além dos profissionais da equipa e dos membros da família, outras pessoas – pro- Quem deve
fissionais de outros serviços ou membros da rede informal de apoio à família (ama, avó, estar pre-
madrinha, irmão mais velho, etc.) – que apareçam repetidamente nas histórias da família sente nas
De facto, neste processo, onde o empowerment é fundamental, não importa apenas sa- reuniões de
podem ter um papel significativo, sendo importante que o profissional pergunte à família se elaboração
ber se as necessidades foram satisfeitas, mas sim a forma como a mobilização de recursos
gostaria de as ver envolvidas nesta fase do processo. Por exemplo: “Reparei que falou vá- do PIIP?
e apoios ocorre no planeamento e na intervenção!
rias vezes da tia do João como alguém que vos tem dado muito apoio nesta fase e que está
muito ligada ao João. Gostaria de a incluir nas nossas conversas sobre as necessidades do
Antes de nos debruçarmos sobre o processo de desenvolvimento do PIIP numa perspetiva seu filho e sobre como ajudar a dar resposta a essas necessidades?”; ou “Percebi que o te-
centrada na família, importa clarificar a sua importância e utilidade. rapeuta que trabalha com o João na piscina tem uma importância muito forte para vocês.
Que acha de o envolvermos na avaliação de necessidades e na definição de objetivos de
Para que ser- O PIIP serve essencialmente para transpor para a prática todos os princípios de uma abor- intervenção nos vários contextos onde o seu filho participa?”
ve o PIIP? dagem centrada na família, orientando a intervenção.
Também a reunião (ou reuniões) para elaboração do PIIP deve ser combinada de acordo
Tal como referido anteriormente, os serviços centrados na família pretendem responder às com as preferências da família, embora frequentemente a restrição de tempo possa con-
suas preocupações e prioridades, procuram promover o desenvolvimento de relações de co- dicionar este ideal.
laboração com as famílias, capacitando-as e promovendo o seu empowerment na utilização
de recursos para responder às suas necessidades. O PIIP surge, assim, como instrumento de Por outro lado, no âmbito de um eficaz trabalho em equipa transdisciplinar, a figura do me-
eleição para ajudar na concretização desses objetivos. Deverá mostrar que a intervenção pre- diador de caso poderá assumir a representação da equipa na elaboração do plano. Isso
coce se preocupa com toda a família e que é elaborado de acordo com o que ela pretende. dependerá não só da sua experiência como da colaboração que se desenvolve em equipa.
Na realidade, deverá ser a família a indicar o formato de reunião que vai ao encontro das
Assim, este terceiro momento do ciclo de avaliação/intervenção visa o desenvolvimento e suas necessidades, sendo vários os “potenciais” participantes nessa reunião de elaboração
elaboração de um plano de intervenção personalizado para a família, devendo o profissio- do PIIP com a família.
nal apoiá-la nos seguintes passos:

1. Rever toda a informação previamente partilhada; Quem pode estar presente para além da família?

2. Clarificar os objetivos e descrevê-los de forma funcional; • O mediador de caso, após este recolher apoio da equipa;

3. Identificar as formas preferenciais de apoio e estratégias de intervenção; • Os vários elementos da equipa;

4. Escrever o plano de intervenção. • Os vários elementos da equipa e outros prestadores de cuidados;


• Os elementos da equipa e ainda outros profissionais de outros serviços;
A família é Importa desde já realçar a mudança em relação aos primeiros serviços de atendimento à • Outros...
a principal família, na medida em que agora é esta que assume o papel de principal decisora no pro-
decisora cesso de intervenção.
Após a escolha dos participantes na reunião de PIIP, o profissional (mediador de caso) de-
Numa abordagem centrada na família, a base para os encontros de elaboração do PIIP é o verá tomar a iniciativa de mediar a ligação entre todos os presentes, clarificar os diversos
ambiente de respeito e acolhimento aos membros da família e a outros cuidadores. Todos papéis e sublinhar a importância do envolvimento de cada um dos participantes, encorajan-
se devem sentir parceiros, de importância equitativa, no desenvolvimento do plano de in- do a participação e partilha, facilitando a comunicação entre todos e assegurando-se que
tervenção. Sendo a família a componente-chave para uma intervenção eficaz, o principal todos compreendem as informações que são partilhadas. O papel do mediador de caso é
objetivo na elaboração do PIIP será levar profissionais e famílias a trabalharem em conjun- fundamental e a sua atenção a estes aspetos pode, nesse momento, fazer toda a diferença.
to, como equipa, na identificação de objetivos e mobilização de recursos formais e informais
para ajudar as famílias a alcançarem os objetivos que escolheram.
Mariana, mãe da Inês, recebeu os serviços de IPI desde o nascimento da sua filha. Foi parti-
A ideia-chave é, portanto, colaboração. cipante ativa em todos os primeiros encontros com os profissionais e durante todo o processo
de avaliação, a reuniões de PIIP, etc… Chegou a altura de uma revisão do plano, através
de nova reunião, em que vários intervenientes participaram por indicação de Mariana, como
Colaboração habitualmente: o responsável de caso, a psicóloga da ELI, a educadora da creche e ainda a
Consiste na partilha de informação, poder e recursos entre pelo menos duas pessoas, pro- assistente social de um serviço local. Que entusiasmo, naquela reunião! Todos os intervenien-
gramas ou serviços, de modo a alcançar objetivos comuns (Winton, 1996). tes se conhecem através de Mariana e o momento de encontro para formalizar novos objetivos
de intervenção era sempre celebrado com motivação! Mariana sempre foi ativa e participativa,
referindo as suas preocupações e providenciando informação fundamental sobre o desenvol-
vimento da Inês. Enfim, era de facto ela quem conduzia a intervenção para a sua filha. Como
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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4.5.1 REVER TODA A INFORMAÇÃO


responsável de caso, sempre a admirei. A reunião decorria e todos partilhavam e discutiam a
informação das mais recentes avaliações e observações. “Sim, a Inês já participa mais na hora
da refeição! Já consegue comer a sopa sem entornar demasiado”, entre outras observações e PREVIAMENTE PARTILHADA
comentários que iam sendo registados pela própria Mariana. De repente, pude observar que
Mariana parecia mais silenciosa. O entusiasmo dos profissionais continuava…: “Bom, a Inês No decorrer deste processo, o profissional deverá ter conseguido criar uma relação que
ainda não tem o controlo dos esfíncteres”, reforçou a educadora da creche. O silêncio man- Revisão da
permita à família partilhar as suas histórias, identificar as “pessoas-chave” na sua vida, informação
tinha-se, da parte da mãe. Mariana suspirou e com coragem perguntou: “A minha filha ainda falar sobre o desenvolvimento do seu filho, descrever as suas rotinas diárias, partilhar as sobre a crian-
não tem o quê?”… Todos pararam e caíram na realidade. Como é fácil retirar o poder à família, suas forças e preocupações e identificar os seus recursos. Este é o momento em que família ça e a família
mesmo com as melhores intenções… e profissionais se juntam e reveem tudo o que aprenderam e partilharam entre si, desde o pri-
Testemunho de um profissional de IPI meiro encontro, fazendo uma súmula do que é verdadeiramente significativo para a família.

Este relato mostra como é importante estar atento à comunicação entre todos. Neste caso, A revisão de informação deverá incidir sobre:
no seu entusiasmo e papel de peritos, os profissionais usaram o jargão técnico que, imedia- • A família: preocupações, prioridades e recursos;
tamente, “pôs a família de parte “.
• A criança: características, capacidades e necessidades funcionais, dos seus con-
textos e rotinas diárias.

NÃO SE ESQUEÇA QUE:


Esta revisão corresponde à primeira parte da reunião de elaboração do PIIP e será registada
na primeira componente do documento PIIP, referente à informação geral, como veremos
mais adiante.
Compete ao profissional estar atento e mediar as interações que acontecem no
contexto de reuniões com vários intervenientes.
É frequente que, neste momento, fruto da troca e partilha que foi acontecendo, a famí-
lia reequacione as expetativas que tinha. De facto, muita coisa ocorreu desde os primeiros
contactos entre a família e a equipa. No processo de avaliação, os profissionais partilharam
informação relevante e reuniram dados referidos por outros cuidadores significativos e/ou
O profissional deverá explicar como vai decorrer esta reunião e clarificar a pertinência da relativos a outros contextos de vida da criança (como a creche, jardim de infância, ama, ou-
elaboração do PIIP como um plano dinâmico que vai conduzir o processo de apoio à crian- tros serviços, etc.).
ça e à família. Esta deverá ser apresentada e enfatizada como o elemento fundamental
da equipa, a quem caberá decidir, planificar, implementar, avaliar e revisitar este plano sem- A revisão de tudo é, portanto, um passo fundamental para assegurar que o PIIP trata, mes-
pre que necessário. Afinal, o PIIP é da família e deve ser ela a “estrela” principal! mo, das prioridades da família. Para isso, é importante não só conhecer aprofundadamente
essas prioridades como também partilhá-las com todos os envolvidos no desenvolvimen-
Reforçada a importância de um clima de real colaboração e assegurada uma comunicação to do PIIP. É fundamental que todos tenham uma visão comum das expetativas da família.
eficaz, vamos de seguida abordar cada um dos passos referentes às reuniões de elabora-
ção do PIIP, tal como apresentado na Figura 4.4. No entanto, pode ocorrer que o profissional “esqueça” a identificação de preocupações Desafio: Que
da família e que o PIIP resulte num documento cheio de estratégias especializadas, onde mensagens
a competência do profissional surge sobrevalorizada, que pouco ou nada espelha a vida passo, como
diária da criança e da família. Nesse caso, não admira que permaneça fechado numa ga- profissional,
FIGURA 4.4   Passos da elaboração do PIIP quando o PIIP
veta até à próxima revisão… sobrevalori-
za o papel dos
serviços?
Dicas para (o profissional de IPI) realizar uma síntese da informação que realmente espe-
lhe as preocupações da família:
• Reviu com a família a informação recolhida nos primeiros contactos e na avaliação;
• Os outros participantes compreenderam as preocupações e necessidades da famí-
lia e o papel de destaque que esta deve assumir e porquê;
• A família tem conhecimento de que as questões relacionadas consigo também
podem ser incluídas no PIIP;
• Informou os pais acerca das suas preocupações como profissional e partilhou infor-
mação necessária para que tomem uma decisão esclarecida.

Neste momento, é essencial que os profissionais possam partilhar os seus pontos de vis-
ta com a família. As competências relacionais e a aptidão para uma comunicação aberta
e honesta são a pedra angular do desenvolvimento do PIIP. Respeitar o princípio de que é
a família que dirige a intervenção, tendo a última palavra na decisão acerca de todos os
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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aspetos que ela envolve, não significa que os profissionais abdiquem da sua responsabilidade Os objetivos devem ser específicos, holísticos, mensuráveis, alcançáveis e, sobretudo, ter
Objetivos
de partilharem as suas preocupações e perspetivas acerca dos resultados que consideram significado relevante para a vida diária, promovendo oportunidades de aprendizagem nos funcionais
importantes para a criança. contextos naturais da criança, assegurando a sua funcionalidade e participação.

No testemunho desta profissional de IPI, é realçada a importância das competências rela- As práticas recomendadas na intervenção precoce referem que os objetivos do PIIP devem
cionais e comunicativas dos profissionais, mas também o seu papel na promoção da escolha ser funcionais e baseados nas necessidades e prioridades da criança e da família, tal como
e participação da família: abordámos na Parte 1 deste guia.

É fundamental ter sempre presente que todas as relações carecem de transparência, respeito Objetivos que assegurem a funcionalidade e participação da criança:
mútuo, congruência, flexibilidade, espaço e tempo. É necessário ainda saber ouvir (fazer algo
• Inseridos nos contextos (e rotinas);
com o que se ouve) e saber comunicar, sendo que comunicar exige um exercício permanente
de atenção e flexibilidade, ou seja, uma capacidade dualística de dar e receber. • Que especificam o que a criança e a família vão fazer;
• Que vão ao encontro das preocupações da família e/ou de outros cuidadores.
A relação estabelecida permitiu, por um lado, que os pais compreendessem que podiam confiar
na IPI. Reiterava-lhes que possuíam competências, legitimidade nas suas preocupações e que
seriam eles os últimos decisores em todo o processo. Por outro lado, aprendi que é importan- No entanto, algumas práticas tradicionais podem contaminar o desenvolvimento de um PIIP
te despojarmo-nos de preconceitos e representações, não fazer julgamentos prévios e confiar centrado na família. De facto, frequentemente os planos apresentam objetivos exclusiva-
nas famílias. mente derivados de avaliações baseadas em testes normativos (aplicados à criança) e com
base nos défices. Muitos desses objetivos são, essencialmente, comportamentais. Tendem a
Testemunho de uma profissional de IPI basear-se numa sequência e hierarquia desenvolvimentais, com estratégias prescritas pe-
los profissionais, destinadas a corrigir os “défices” da criança. Frequentemente traduzem
planificações “artificiais”, em que o “treino” é descontextualizado, sendo o contexto de vida
São três as componentes que distinguem as práticas centradas na família de outras formas
Relembrar as da criança normalmente irrelevante.
componen- de atendimento. Estão bem espelhadas neste testemunho! Qualidade técnica, práticas re-
tes da ajuda lacionais e práticas participadas.
eficaz! O testemunho que a seguir transcrevemos é um exemplo claro de uma abordagem artificial
e descontextualizada, frequentemente encontrada em práticas tradicionais:

4.5.2 CLARIFICAR OS OBJETIVOS E DESCREVÊ-


LOS DE FORMA FUNCIONAL
Após a avaliação formal do desenvolvimento, os resultados apontam para dificuldades ao nível
cognitivo e na motricidade fina, pelo que foram definidos objetivos dirigidos à estimulação des-
tas áreas para que o João se desenvolva mais cognitivamente e na manipulação: desenvolver
atividades em que identifique e nomeie todas as cores; fazer contagem progressiva até 15;
Após a revisão e súmula da informação recolhida, o profissional vai ajudar a família a defi- mostrar-se interessado por imagens; identificar as principais partes do corpo; ordenar sequên-
nir os resultados que esta pretende alcançar para a criança e para si mesma, como família. cias de imagens simples; saber os dias da semana; amachucar e rasgar papel; fazer o círculo;
Pode fazê-lo através de um brainstorming, no qual a família identifica as mudanças que construir torres com cubos. Estes objetivos foram delineados para serem concretizados até ao
Transformar deseja ver alcançadas. Muitas famílias estão seguras em relação ao que pretendem, outras final do ano letivo.
intenções em poderão precisar de mais apoio nessa clarificação. O profissional atento consegue essa cla-
objetivos de rificação, traduzindo intenções (da família) em afirmações simples, claras e objetivas daquilo Excerto de um relatório de uma avaliação
intervenção
que esta quer ver mudado como resultado da intervenção.
A abordagem funcional, em contraste com a anterior, baseia-se na promoção do sucesso
Algumas perguntas possíveis para ajudar na clarificação: da criança e da família nos seus contextos naturais e aborda as capacidades da criança em
casa, na comunidade e nos outros contextos de vida, como a creche e jardim de infância.
“O que desejaria ver mudado como resultado da intervenção?” Ou “O que gostaria que
mudasse ou que acontecesse de forma diferente”?
Assim, numa abordagem centrada na família, os objetivos do PIIP devem conter uma afir-
Transformar as preocupações e necessidades em objetivos de intervenção é importante para: mação das mudanças que a família quer ver acontecer, para si e para a sua criança, com
um sentido funcional e relevante para as rotinas diárias, aquelas onde efetivamente a in-
• Facilitar a comunicação e concordância;
tervenção acontece.
• Monitorizar os progressos;
• Avaliar a eficácia da intervenção. Objetivos que traduzam estas mudanças derivam da escuta ativa e partilha entre família e
profissional acerca daquilo que a família pretende na sua vida diária e não exclusivamente
de testes formais de avaliação do desenvolvimento da criança.
Os objetivos de intervenção constantes no PIIP devem partir daquilo que a família deseja
como mudança e basear-se na síntese de toda a informação partilhada. A entrevista baseada nas rotinas – EBR (McWilliam, 2010), já anteriormente referida, tem
um enfoque claro na participação da criança e na forma como os pais e outros cuidadores
avaliam a sua satisfação com as rotinas diárias. No final da EBR, quando esta é pautada
por uma escuta atenta do profissional, é possível recolher afirmações da família sobre o
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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que gostaria de ver mudado no seu dia a dia, registando essas informações em formato de “O Santiago, no percurso de casa para a escola, dá a mão à mãe e mantém-se ao seu
objetivo funcional. lado” (funcional), em vez de “O Santiago obedece às ordens da mãe” (não funcional).
Os objetivos funcionais visam uma maior participação da criança nas rotinas e clarificam
Se é tão simples, porque não acontece sempre assim? Porque, numa intervenção realizada a razão pela qual é importante que sejam trabalhados.
numa perspetiva desenvolvimental (e não funcional), os profissionais avaliam as crianças,
definem objetivos (decorrentes dos resultados dos testes) e, posteriormente, fazem o le-
vantamento das rotinas nas quais serão ensinadas essas competências. Ou seja, usam a Um outro aspeto muito importante tem a ver com a clareza com que o objetivo é formula-
informação acerca das rotinas da família no sentido de definir quais os momentos do dia do. Por exemplo, o objetivo: “A Maria vai trabalhar a pinça fina três vezes por semana” viola
em que os objetivos devem ser desenvolvidos. claramente este critério! Redigido desta maneira, apercebemo-nos que é um objetivo reti-
rado de uma escala de desenvolvimento e não baseado em necessidades funcionais. Não é
claro, pois os pais e outros cuidadores podem não saber o que significa “pinça fina” e tam-
O processo deverá ser o inverso: os objetivos deverão surgir das necessidades identifica- bém porque não indica porquê ou como é que a Maria está a trabalhar neste objetivo… Se
das nas rotinas e não dos testes aplicados. todos os cuidadores soubessem o que significa e para que é necessário trabalhar, teríamos
mais pessoas significativas a usá-lo. Uma forma mais funcional de escrever o objetivo po-
Numa abordagem centrada na família, baseada nos contextos naturais de aprendizagem deria ser: “A Maria participa no momento do lanche, colocando a palhinha no pacote de
Importância
dos objetivos e focada no que é verdadeiramente importante e significativo nas suas atividades do dia a leite, cinco vezes por semana, sem ajuda do adulto”. Este é um exemplo claro e bem redi-
funcionais dia da criança e família, os objetivos funcionais mantêm toda a equipa (família e profissio- gido (permitindo que vários cuidadores o promovam, sem lugar a interpretações dúbias ou
nais) focada no essencial e permitem (adaptado de Whipple, 2014): múltiplas) e tem ainda a virtualidade de derivar indiscutivelmente de uma necessidade fun-
cional (“participar no lanche colocando a palhinha”).
• Melhorar a participação da criança em atividades com significado (e não
descontextualizadas); Uma forma de ser claro é evitar o jargão profissional. Termos como “pinça fina”, “trocas
verbais”, “integração sensorial”, “alternância de turno”, “processamento visuoespacial”, discri-
• Aumentar as oportunidades naturais de aprendizagem e desenvolvimento; minação auditiva”, “apontar protodeclarativo”, etc. devem ser evitados no registo de objetivos.
• Fortalecer as rotinas que já ocorrem naturalmente como parte da vida diária Pelo contrário, termos simples e diretamente compreensíveis e observáveis como “morder”,
da criança e família; “segurar”, “frases de duas palavras”, “apontar”, etc. podem e devem ser usados.
• Que a família percecione e compreenda que as estratégias usadas para alcançar
Os “melhores” objetivos demoram tempo a escrever, pois é necessário que, previamente,
os objetivos valem a pena, pois levam a mudanças práticas na vida da criança e
haja partilha honesta e transparente, assente na relação de colaboração e na “negociação”
da família.
entre a família e o profissional:

McWilliam (2010) aponta cinco critérios para definir os objetivos funcionais: Os “melhores objetivos”:
1. Refletem as prioridades da família; • Dependem da quantidade de informação que é recolhida e partilhada: quanto
2. São úteis e têm significado; mais, melhor!;
3. Refletem situações de vida real; • Focam-se na participação da criança, inserida no contexto da vida da família e
incluem também “coisas da família”;
4. Não usam jargão profissional;
• Devem ser escritos numa linguagem compreendida por todos;
5. São mensuráveis.
• Devem dizer-nos como será o sucesso: noutras palavras, devemos saber que dife-
rença fará na vida da família.
Os objetivos vão ser úteis a múltiplas pessoas, em diversos momentos do dia, ao longo das
Como escre- (M. Espe-Sherwindt, comunicação pessoal, 2000)
ver objetivos rotinas e atividades normais. Assim, é também importante que sejam definidos de forma ri-
funcionais? gorosa, ou seja:
Finalmente, importa referir que as famílias não identificam “objetivos irrealistas”! Se apare-
Objetiva — Baseando-se em comportamentos observáveis; cem como tal aos olhos dos profissionais, provavelmente a clarificação acerca das mudanças
Clara — Sendo entendidos por todos da mesma forma; que a família deseja ver, e que levaram à identificação daqueles objetivos, não foi verdadei-
ramente compreendida. É fundamental perceber a razão pela qual a família os identificou,
Completa — Delimitando exatamente o que está incluído nesse objetivo; para encontrar formas que conduzam à mudança desejada.
Concisa — Descritos em poucas palavras.
De facto, os objetivos do PIIP deverão refletir as mudanças que a família deseja ver rela-
tivamente ao seu filho ou a si própria, por oposição a comportamentos ou ações que os
Vejamos alguns exemplos que evidenciam diferenças entre objetivos funcionais e não funcionais:
profissionais pensam que deveriam ocorrer, como resultado de serviços prestados à crian-
ça ou família, mas que a família não valoriza ou prioriza.
“O João vai participar no recreio, subindo e descendo diversas superfícies” (funcional), em
Definição dos
vez de “O João vai subir e descer no degrau da sala de terapia” (não funcional); A componente final da elaboração dos objetivos do PIIP é chegar a um acordo sobre os resultados
critérios e prazos para avaliação. Como define a equipa (família e profissionais) que um esperados:
“O André, ao almoço e ao jantar, consegue estar sentado a fazer a refeição até ao fim” critérios e
(funcional), em vez de “Aumentar o tempo em que o André está sentado” (não funcional); determinado objetivo foi alcançado? Como é que o sucesso é percecionado pela família? avaliação
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Por um lado, o critério de avaliação deve ser coerente com a intenção do objetivo e, por QUADRO 4.2   Escala de avaliação de objetivos do PIIP
outro, deve existir consenso sobre a forma como se vai avaliar se o objetivo foi ou não con-
seguido. Assim, tal como a seleção dos objetivos é orientada pelas prioridades da família,
também a definição de sucesso, pela família, deve orientar a avaliação dos objetivos. Mais Pontuação Critério
uma vez, o papel do profissional é partilhar informação que ajude a registar objetivos que
sejam mensuráveis, mas também holísticos e alcançáveis, e, acima de tudo, que a família 1 Situação alterada – já não é uma necessidade
consiga avaliar se estão a acontecer as mudanças esperadas.
2 Situação inalterada – continua a necessidade e objetivo

Exemplos de critérios que ajudam a avaliar se e quando o objetivo é alcançado: 3 Implementação iniciada – continua a necessidade

“… Até que o João consiga segurar um objeto nas mãos”; 4 Objetivo parcialmente alcançado, mas sem a satisfação da família
“… Usar pelo menos uma palavra nova em cada 3-4 semanas”;
5 Objetivo alcançado, mas sem a satisfação da família
“… Os pais indicarão quando conseguirem encontrar um grupo de pais de que gostem
realmente”;
6 Objetivo maioritariamente alcançado, com a satisfação da família
“… Dormir toda a noite em três dias consecutivos”;
7 Objetivo totalmente alcançado, com a satisfação da família
“… Despir as calças antes do banho, sentada e totalmente sem ajuda, pelo menos cinco
vezes por semana, durante quatro semanas”; Fonte: Deal, A. G., Dunst, C. J., & Trivette, C. M. (1989). A flexible and functional approach to developing individualized family support
plans. Infants & young children, 3, 32-43. Traduzido e adaptado com permissão do autor.
“… Comer sozinho dez garfadas, em cinco refeições, durante uma semana”.

O exemplo seguinte mostra como, através da avaliação da participação da criança nas ati- mais um momento em que o diálogo e a comunicação são fundamentais, e procurar perce-
vidades do dia a dia da família (rotina), é possível compreender as prioridades da família e ber o ponto de vista do outro é o ponto de partida.
delinear objetivos que resultam das necessidades sentidas nesses momentos:
Em caso de desacordo, é essencial relembrar que, na realidade, se os pais não concordarem
ou não estiverem interessados nas preocupações e prioridades dos profissionais a intervenção
A família da Beatriz referiu que queriam que esta comunicasse as suas necessidades (beber, está condenada ao fracasso. Numa abordagem centrada na família, os objetivos pertencem
comer, querer mais, brincar…) e que fosse mais autónoma na higiene, lavando as mãos. Para à família, não ao profissional! Só assim poderemos ter sucesso.
além destes objetivos para a sua filha, os pais apontaram como objetivos a necessidade de
existir mais tempo de convívio entre todos os membros da família. Assim, foi registado no PIIP: Um profissional partilhou que, no momento do levantamento das rotinas da família, e quando se
• A Beatriz irá participar nas refeições e brincadeiras comunicando as suas necessidades. falava do “adormecer”, esta referiu, com um certo acanhamento, que o Diogo ainda dormia na
Sabemos que a Beatriz alcançou este objetivo quando usar quatro palavras por dia, em cama dos pais. Quando se fez a revisão das preocupações, o profissional referiu que o Diogo
três dias consecutivos; deveria passar a dormir na sua cama, reforçando a sua autonomia e o bem-estar do casal. Para
além disso, todos dormiriam, com certeza, mais descansados. A mãe, em resposta, afirmou
• A Beatriz irá participar na higiene e irá preparar-se para as refeições, lavando as mãos sozi- que já tinham experimentado colocar o Diogo na sua cama, mas que ninguém tinha dormido
nha na sua higiene ou antes das refeições, duas vezes por dia, em cinco dias consecutivos; nessa noite e não tinham coragem de o voltar a fazer. Ainda assim, o profissional reforçou que
• Os membros da família da Beatriz irão conviver mais tempo: todos irão passar uma hora seria importante trabalhar este objetivo e, face à sua insistência, os pais anuíram, passando a
juntos numa atividade, uma vez por semana, durante um mês. fazer parte do PIIP. Contudo, para grande frustração do profissional, sempre que era chegado
o momento de avaliação dos objetivos, e apesar da evidente participação e envolvimento dos
Testemunho de uma ELI pais na implementação das mudanças que consideravam importantes, este objetivo era sempre
avaliado como não alcançado. Era evidente o desconforto de ambas as partes. O profissio-
nal por considerar que a autonomia do Diogo no dormir era de extrema relevância para o seu
De facto, no momento de construção do objetivo é possível desde logo cuidar destes aspe- desenvolvimento, não entendendo a razão pela qual os pais não implementavam a mudança.
tos, e existem diversas formas de o profissional se guiar para perceber se clarificou tudo o O desconforto evidenciado pela família devia-se ao facto de sentirem que estavam a falhar,
que é necessário. Um objetivo bem construído, que inclua critérios que permitam definir se quer perante o profissional quer enquanto pais.
foi ou não alcançado, junto de todos os envolvidos no PIIP, é “meio caminho andado” para
uma boa avaliação do processo de intervenção, como poderemos ver mais adiante no Ponto Testemunho de um profissional de IPI
4.6 sobre a monitorização do PIIP e no Capítulo 6 sobre a avaliação dos serviços.

O Quadro 4.2, apresentada por Deal, Dunst e Trivette (1989), é usada com frequência em ser- Na realidade, numa abordagem centrada na família, a negociação deve criar um ambien- Decisões
te onde a equipa discuta prioridades em conflito, análises alternativas e opções, identifique informadas
viços de intervenção precoce para apoiar a família a avaliar se os objetivos foram alcançados.
estratégias, atividades e recursos para o desenvolvimento dos objetivos da família. Este deve
ser um momento para que a família tome decisões informadas, pois será a família que fi-
E quando Temos vindo a salientar que os objetivos do PIIP devem refletir as prioridades e valores da
cará a viver com os resultados da intervenção…
não há con- família e não do profissional. Na verdade, as expetativas das famílias poderão diferir do que
senso entre A palavra-
os profissionais consideram como fundamental. É importante ter presente que existe a pos- -chave é
a família e o
sibilidade de desacordo e conflito de opiniões entre a família e o profissional. Assim, este é Mas atenção! Não confundir negociação com palco de oportunidade para o profissional
profissional? colaboração &
convencer a família de que as suas expetativas é que devem prevalecer! negociação
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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“Os valores da família não são negociáveis. O que é negociável são as estratégias, ati- A mãe estava apenas dedicada a estimular e desenvolver as capacidades globais do meni-
vidades e apoio que toda a equipa vai usar para concretizar os resultados escolhidos no. Solicitou o continuado apoio da mediadora de caso, em sugestões e estratégias relativas
pela família.” às diferentes áreas do desenvolvimento e ao trabalho realizado nas diferentes terapias que o
menino foi usufruindo (psicomotricidade e terapia da fala), para dar continuidade ao longo dos
(McGonigel et al., 1991, p. 60)
restantes dias da semana.

Em dada altura deste processo, a mãe, com diversos apoios, conseguiu montar um quarto de
Seja qual for a metodologia usada para identificar, em colaboração, os objetivos da famí- estimulação global (psicomotricidade, jogos construídos por si e outros emprestados e diversos
lia, este processo resume-se a: materiais), desenvolvendo atividades, num horário, ao longo da semana, para complementar os
• Discutir as mudanças que a família quer ver acontecer no que diz respeito ao desen- apoios dos gabinetes. Tinha em conta os horários das terapias e também o estado emocional
volvimento e oportunidades de aprendizagem da criança, nas atividades das suas do seu filho para escolher as atividades naquele dia.
rotinas e da comunidade onde habitualmente participam;
Periodicamente, todos os técnicos envolvidos procediam a avaliações dos objetivos planeados
• Priorizar os objetivos ou definir quais os que se vão trabalhar em primeiro lugar; de forma a criar novas metas sempre que as anteriores haviam sido atingidas.
• Discutir o que pode ser expectável e razoável de acontecer; Testemunho de uma ELI
• Registar os objetivos de uma forma que demonstre a mudança a acontecer, incluin-
do como é a rotina, atividade ou comportamento e onde, quando e com quem
Tradicionalmente, o profissional foi formado para partilhar conselhos sobre estratégias
deve acontecer.
para apoiar o desenvolvimento da criança de acordo com a sua área de especialização.
(adaptado de Workgroup on Principles and Practices in Natural Environments, 2008) E é tão forte a vontade de partilhar esse conhecimento para ajudar as crianças e as famílias!
A maioria dos pais poderá, de facto, estar interessada nestes conhecimentos especializados,
que resumem afinal a qualidade técnica do profissional, tão importante numa prestação
Para se alcançar o empowerment e fortalecimento da família, as ações necessárias por par- de ajuda eficaz.
te desta e dos profissionais para os objetivos do PIIP devem ser claramente especificadas
como parte das estratégias e serviços incluídos no plano.
Será muito importante perceber o que já está a família a fazer para alcançar o objetivo de
intervenção, se já tem alguma ideia sobre como o fazer, ou o que será necessário melhorar,
e só depois propor algumas estratégias que possam complementar aquilo que já acontece
naturalmente. Assim, mais uma vez se parte da família, dos seus pontes fortes, da sua pró-

4.5.3 IDENTIFICAR FORMAS PREFERENCIAIS DE pria visão da solução, ou dos obstáculos para o resultado que pretendem alcançar:

APOIO E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO


Inicialmente, a família solicitou apoio da equipa no que se refere aos momentos de alimentação
Após a elaboração dos objetivos funcionais de intervenção escolhidos pela família, o profis- e do banho, dado que, pelos problemas neuromotores da criança, a família sentia dificuldade
sional vai ajudá-la a identificar as opções, estratégias e atividades de intervenção. no cumprimento das mesmas. Constatou-se que muitas das estratégias utilizadas pela família
eram já bastante positivas, pelo que se valorizou o que estava a ser feito, fornecendo-se peque-
Ao identificar e rever os pontos fortes e recursos da criança, da família, da comunidade e do nas orientações, com caráter técnico, que permitiram facilitar as rotinas. A dinâmica familiar não
serviço disponíveis para alcançar os objetivos, encontrar-se-ão naturalmente as estratégias, sofreu alterações por este facto.
atividades e opções de intervenção que podem ser usadas.
Testemunho de uma ELI

Devemos, no entanto, acautelar que há condições para o objetivo ser alcançado. Para isso,
devemos ter em atenção dois aspetos: Numa abordagem centrada na família, com o fim prioritário do seu empowerment e for-
Atividades talecimento, a intervenção deve basear-se na mobilização dos recursos e pontos fortes da
verdadei- • As estratégias e atividades serão práticas e farão sentido na vida diária da família;
ramente
família, devendo esta estar ativamente envolvida nesse processo de identificação e mobi-
• As estratégias e atividades focar-se-ão em mobilizar recursos e as redes de supor- lização dos recursos. Não importa apenas saber se as necessidades foram satisfeitas, mas Estratégias
inclusivas para alcançar
eque respei- te da família. sim a forma como a mobilização de recursos e apoios ocorre na intervenção! os objetivos
tam as rotinas
da família
De facto, um aspeto crítico do PIIP é descobrir estratégias e atividades que se encaixem na- A definição de estratégias para alcançar os objetivos deve considerar a diversidade e espe-
turalmente na vida diária da família, excluindo outras que perturbem o seu funcionamento cificidade de cada família e criança, dos seus contextos e dos seus recursos.
e fortalecimento.
Deal, Dunst e Trivette (1989) chamam a atenção para três questões-chave no processo de
Vejamos como o profissional, na tentativa de implementar estratégias que considera efica- identificação de estratégias de intervenção: quem, como e onde?
zes no alcance dos objetivos delineados, muitas vezes esquece, ou não respeita, os papéis
de cada interveniente, atribuindo à família o papel que habitualmente é do profissional, o
de “co-terapeuta”, sem se aperceber da possível intrusão que essa atividade poderá repre-
sentar na rotina da família:
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

162 163
Questões-chave para a identificação de estratégias de intervenção da pessoa que faleceu não devem dormir durante uma semana e o café serve então para os
manter acordados...
QUEM?
Testemunho de uma ELI
Quem serão as pessoas mais apropriadas para apoiar cada resultado pretendido?
Pessoas-chave (pais, ama, mediador de caso, amigos, vizinhos, irmãos, serviços),
eventuais barreiras, que tipo de apoio, papel de cada um. Para apoiar a família na definição de estratégias de intervenção é necessário, em primeiro
COMO? lugar, perguntar à família o que tem feito, se tem funcionado ou não e o que ela pensa que
Que atividades podem dar mais suporte para cada objetivo? Que rotinas, oportuni- poderia ajudar. Compreender o porquê da necessidade de mudança pode também ajudar
dades e aprendizagem e generalização, atividades, etc. neste processo de estratégias, uma vez que se diminui o risco de propostas descontextua-
lizadas. Explorar os recursos disponíveis, mesmo que não tenham a ver com a equipa de
ONDE? intervenção precoce, é fundamental para se ir ao encontro das prioridades da família. Numa
Que locais serão mais apropriados para cada mudança? Conhecer a prática habitual abordagem centrada na família, o profissional é agente desta, apoiando-a na mobilização
desse contexto e de que forma esta poderá contribuir para essa mudança, ponderar dos recursos disponíveis.
possíveis adaptações para alcançar os objetivos, etc.

No momento de definição de estratégias no PIIP, a tarefa do profissional passa por:


Numa abordagem centrada na família, o melhor para determinada família é aquilo que esta • Pensar com a família diferentes formas possíveis para alcançar os seus objetivos;
A família
escolhe, in- escolhe como o mais adequado para si e para a sua criança. Assim, mais uma vez, o essencial
formada e é partilhar informação com a família acerca dos recursos e estratégias, para que ela possa • Rever capacidades, recursos e suportes que a família partilhou;
livremente, as fazer escolhas informadas. Nem sempre aquela estratégia muito útil, que resultou com muitas • Refletir com a família quais as estratégias e atividades mais adequadas;
opções que
considera as famílias, ou o que vem descrito nos livros é o mais indicado para uma determinada família.
• Ser tão detalhado quanto a família necessite. As boas estratégias são simples,
melhores Providenciar possibilidades de escolha é o que define uma boa prática centrada na família.
diretas e fáceis de entender;
Cada uma sabe o que é mais prático e, no enquadramento da sua cultura e valores, vai fazer
escolhas que fortalecem o funcionamento da família, em vez de perturbar o seu dia a dia. • O apoio técnico ou determinado serviço são como um complemento às peças que
faltam (às necessidades da família);
O exemplo que transcrevemos a seguir mostra o que pode acontecer quando, com a melhor • Incluir oportunidades imediatas para o sucesso;
das intenções, o profissional dá conselhos sem consultar a família:
• Estabelecer prioridades.
(M. Espe-Sherwindt, comunicação pessoal, 2000)
A mãe estava preocupada com a presença de tremores das mãos perante atividades que exigis-
sem maior precisão, como a “pinça” (polegar-indicador), em que, como ela dizia, “a D. é muito
nervosa a fazer as coisas”.

4.5.4 ESCREVER O PLANO INDIVIDUAL DE


Juntas delineámos no PIIP estratégias para melhorar a coordenação motora fina e fomos pen-
sando em alguns materiais de casa que permitissem ir ao encontro do pretendido. Pensámos
em massas, missangas do cabelo (a D. tem sempre tranças com bolinhas no cabelo) e, para INTERVENÇÃO: FORMAS E FORMATOS
ela ter de conseguir pegar nas peças pequenas e ter de as transferir para outro lugar com pre-
cisão, lembrei-me da caixa de ovos. Passadas duas semanas ainda não tínhamos concretizado O processo de planificação da intervenção culmina num documento escrito. No entanto,
a estratégia e, sem perceber o porquê, a primeira pergunta que me surge é: tens a certeza de não é o seu formato ou forma que vai determinar exclusivamente se a intervenção seguiu
que era uma preocupação da família? E a resposta era sim, então resolvi tentar perceber o por- Processo
ou não os princípios de uma abordagem centrada na família. Como referido anteriormente, versus plano
quê da caixa de ovos não aparecer. Conclusão, a família tem galinhas, nunca compram ovos, é o processo que vai determinar até que ponto o resultado obtido (o plano) é ou não cen-
por isso não têm caixas de ovos. trado na família.
Noutra situação, a mãe partilhou a preocupação com o facto de a D. não conseguir estar
atenta e nem levar uma tarefa até ao fim. Resolvemos que, quando fossemos à consulta de Apesar de o formato do PIIP, enquanto documento, não demonstrar exclusivamente se a
Desenvolvimento esta seria uma questão a colocar. Nessa consulta deram indicação para se intervenção decorre de acordo com uma abordagem centrada na família, a sua estrutura
experimentar dar à D. uma pequena colher com café, pois a D. não teria peso suficiente para a poderá ajudar a organizar a informação nesse âmbito. Assim, de forma a otimizar o docu-
medicação e o seu perfil de desenvolvimento também indicava que a introdução da medicação mento PIIP como um instrumento de intervenção e avaliação, torna-se necessário que seja
não teria repercussões significativas para se poder decidir pela sua utilização. “emoldurado” num formato suscetível de monitorizar a prestação de serviços e apoio, bem
como passível de registar a concretização dos objetivos planificados.
Passado algum tempo, e todos expectantes pelo resultado (equipa de IPI e responsáveis do
contexto educativo), verificámos que a D. não tinha experimentado tomar café. Quando ques- Por esta razão, o formulário do PIIP escolhido é importante. Deverá refletir um esboço ou es-
tionei a mãe uma primeira vez, referiu não ter café em casa. Pensámos juntas (a mãe e eu) quema da discussão em equipa, que vai orientar a construção do consenso que resulta num
e combinámos que a mãe poderia comprar café ou até mesmo recorrer ao café próximo de plano de intervenção centrado na família. Para que tenha sucesso, o PIIP deve ser um do-
casa. Passado algum tempo, a D. ainda não tinha experimentado o café e perguntei à mãe o cumento fluido e vivo. O formato e forma devem refletir esta vitalidade e, ao mesmo tempo,
porquê. Pediu desculpa, mas disse que não estava a perceber muito bem o porquê do café formalizar o “contrato” celebrado entre as duas partes, família e profissionais, para darem
porque na terra dela só se toma café durante o luto, uma vez que os familiares mais próximos corpo ao que a família quer como intervenção para si e para o seu filho.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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O modelo de PIIP utilizado em cada equipa deve estar em conformidade com os procedi- existir dois exemplares: um na posse da família, onde ela regista as alterações, e outro na
mentos exigidos pelo serviço, para que as famílias e todos os profissionais envolvidos no caso posse do profissional; ou haver um dos elementos a registar e, posteriormente, serem tiradas
tenham documentação sobre o que está a ser feito, assegurando-se assim uma intervenção cópias ou feitos registos no computador, a serem partilhados entre todos os intervenientes,
que traduza a legislação e políticas relativas aos direitos da criança e da família à interven- etc. Enfim, aqui o importante é, mais uma vez, a oportunidade de escolha que a família tem
ção precoce na infância, em ações e procedimentos a desenvolver nos contextos naturais em relação à forma como o PIIP é elaborado.
específicos de cada criança e sua família.
Famílias com dificuldades na leitura e na escrita poderão precisar de algum apoio extra na
Seja qual for o formato em vigor nos serviços ou programa de intervenção precoce, é pos- utilização do documento, principalmente se o serviço de IPI exigir o procedimento de regis-
sível, como acima já foi referido, organizá-lo em duas componentes essenciais: registo to formal do plano como obrigatório. Lembre-se que a família tem direito a um PIIP para a
de informação geral e registo da planificação: sua criança e que não saber ler e escrever não deve limitar esta possibilidade.

PIIP como 1ª PARTE – Informação geral: Relativa ao registo obtido através da revisão e resumo da Um profissional partilhou connosco a importância do PIIP para uma mãe que não sabia ler
documento
informação obtida em todos os momentos anteriores (primeiros contactos e avaliação), e demonstrou como esta característica da família não punha de parte a elaboração e sen-
reunindo informação sobre a criança e a família: timento de pertença do documento PIIP:

• Lista dos apoios naturais, recursos e pontos fortes/forças da família;


• Capacidades e necessidades funcionais da criança; O PIIP estava num local de destaque, na cozinha, preso por um íman no frigorífico. Estava
acessível a todos e era preenchido pelo mediador de caso, que o lia sempre que se realizava
• Preocupações e prioridades da família.
uma visita domiciliária e que escrevia o que a mãe decidia, lendo sempre de seguida para a
mãe poder confirmar se o que tinha dito tinha sido compreendido e registado em conformidade
2ª PARTE – O plano de trabalho: Definição dos objetivos funcionais para a criança e famí- pela profissional. O pai, que regressava a casa ao fim de semana e sabia ler, estava sempre a
lia, respetivas estratégias e recursos para os alcançar, incluindo critérios, procedimentos par do que era planificado. O plano estava também acessível a outros profissionais de outras
e datas previstas: áreas que não a IPI e era um motivo de orgulho desta mãe.

E na sua equi- Descrever o plano com a família: Testemunho de um profissional de IPI


pa? Como
é o vosso • QUEM vai fazer O QUÊ? (pessoas envolvidas)
PIIP? Tem es-
• ONDE e COMO será feito? (procedimentos, apoio e contextos) A avaliação do PIIP deverá permitir verificar até que ponto este processo e documento refle-
paço para
todos estes • QUANDO? (duração/frequência) te práticas centradas na família – tópico abordado no capítulo seguinte –, mas é importante
conteúdos? salientar desde já que:
• COMO vamos avaliar? (critérios)
O PIIP não pode ser avaliado sem ter em conta o processo usado para desenvolver e imple-
Poderá ainda existir espaço para serem registadas informações como a identificação do mentar o plano de intervenção da família. Planos que são elaborados verdadeiramente “para
mediador de caso, que terá a responsabilidade de promover a implementação do plano e e com” as famílias refletem coesão e funcionalidade ( Jung & McWilliam, 2005). Numa aná-
a articulação com outros serviços e recursos, bem como dos procedimentos que assegu- lise final, só as famílias envolvidas podem determinar se o seu PIIP, de facto, coincide com
rem o sucesso de uma futura transição13 da criança para outros serviços, quando aplicável. as suas forças, necessidades, recursos e aspirações para a sua criança e para si mesma.

De facto, não há um formato “perfeito”, e, se o processo é o fundamental, daqui ressalta que


Na realidade, o PIIP será tanto mais eficaz quanto mais se acreditar nele. E isto é válido tan-
o profissional tem de obter um equilíbrio desafiante e contínuo entre aquilo que o seu servi-
to para as famílias como para os profissionais.
ço de origem lhe exige e as práticas centradas na família.
O exemplo seguinte mostra-nos a reflexão de um profissional de IPI relativamente a este
Um bom exemplo de PIIP pode ser aquele que permite que a equipa possa ir registando o
aspeto:
processo da maneira como ele acontece, em vez de fazer os seus participantes andar para
trás e “preencher o formulário”, registando o que já aconteceu e não registando aquilo que
Decisões
se pretende ver mudar como resultado da colaboração entre os elementos da equipa. informadas
Nos meus primeiros contactos com a intervenção precoce, um dos grandes desafios que enfren-
tei como mediador de caso foi: “Como saber se o plano que desenvolvi com a família é de facto
Existem servi- O PIIP deve ser flexível, permitindo e encorajando modificações frequentes: Um “bom pla- centrado na família?”. Na altura, tínhamos reuniões de supervisão frequentes e os planos de
ços de IPI que no” é aquele que reflete as mudanças nas necessidades das famílias (Deal, Dunst, & Trivette,
identificam intervenção, na altura PIAF, eram avaliados pela supervisora, e a minha inexperiência fazia-
1989). Assim, deve ser revisto sempre que as necessidades da família mudam e não ficar -me recear que esse documento não espelhasse o trabalho diário com as famílias. Mais uma
como obriga-
tória a revisão esquecido na gaveta a aguardar o período mínimo de revisão previsto nas orientações vez, a resposta veio da própria família, como aconteceu até agora neste meu percurso pela IPI. A palavra-
ao fim de do serviço ou programa de IPI. chave é
seis meses de colaboração
A Inês foi referenciada para a nossa equipa por fatores de risco biológicos e ambientais: nasci- & negociação
intervenção
Por exemplo, para manter o PIIP dinâmico e facilmente revisto, alguns profissionais esco- da de parto prematuro, com atraso de crescimento intrauterino, filha de uma mãe adolescente,
lhem não o registar em computador, mas em vez disso optam por escrevê-lo à mão, o que residente num bairro social problemático de uma cidade. Desde os primeiros contactos con-
permite que, em qualquer momento e em qualquer contexto, ele possa ser modificado por seguimos uma boa parceria, com troca e partilha de informação clara, transparente, logo na
qualquer elemento da equipa envolvido no trabalho com a criança/família. Podem, também, primeira conversa sobre os motivos da referenciação. A mãe da Inês, Mariana, de 16 anos,
mostrou-se preocupada em mostrar aos outros que os motivos de referenciação que a levaram
13 A transição para outros serviços, por merecer devido destaque, será abordada no final deste capítulo.
à IPI, nomeadamente aqueles relacionados com condições sociais, não iriam interferir com o
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

166
desenvolvimento da sua filha, e as suas prioridades foram sempre ligadas à necessidade de EXEMPLO PRÁTICO COMENTADO
saber mais e melhor cuidar dos aspetos de saúde e de desenvolvimento de Inês. A criança era
seguida por diversos serviços de saúde e Mariana fazia questão de participar ativamente nas
consultas e outros acompanhamentos. Depois de semanas de colaboração, fui escolhida pela
supervisão para apresentar um caso em apoio na reunião seguinte. Como inexperiente, senti a
proposta como ameaçadora, na perspetiva de poder partilhar dificuldades e erros, numa equi-
pa que tinha integrado há pouco tempo. Nessa mesma semana, acompanhei Mariana a uma
consulta de Desenvolvimento que para ela era muito importante. Mariana sentia que aquela
O desenvolvimento de um plano individual
monitorização do desenvolvimento e a opinião do médico, de certa forma, validavam o seu papel
como mãe, e depositava sempre muitas expetativas nestes momentos.
de intervenção precoce
Lembro-me como se fosse ontem: entrámos na consulta, Mariana carregada com a pequena
Inês ao colo, a sua carteira e o enorme saco da bebé, com todas aquelas coisas que mães de
crianças pequenas têm de levar quando saem de casa. A consulta iniciou-se e Mariana mostrou-
-se sempre confiante com as observações e questões que lhe foram colocadas. A certa altura,
Inês começou a ficar mais rabugenta e Mariana abriu o grande saco de tecido branco e cor-de-
-rosa, procurando uma chupeta. No meio das fraldas, biberões, toalhetes e afins, apareceu um
“documento” que eu tão bem conhecia: o PIAF da Inês e da sua família. Continuou a consulta, Após vários encontros com a família, tinha chegado a hora de nos sen-
com o saco aberto no chão e o PIAF entre os vários pertences da bebé. tarmos e escrevermos o PIIP. Neste encontro estava presente a família
(pai, mãe e avó), a mediadora de caso, a educadora e a terapeuta
Não consigo explicar tudo o que pensei naquele momento, mas posso confirmar que aquela da fala. Estas tinham sido as pessoas que a família havia indicado que
imagem me transmitiu a resposta que eu procurava da mãe: aquele era o PIAF daquela famí- gostaria que estivessem presentes neste momento, uma vez que estavam Práticas participativas: A família
lia, e sim, era centrado na família! E esta foi a lição que partilhei no momento da supervisão. em permanente contacto com eles e com a sua filha Gabriela. como principal decisora.

Testemunho de um profissional de IPI


Todos os presentes já tinham tido acesso ao formato do documento, le-
vando-o consigo para a reunião. A responsável de caso começou por
fazer um resumo de toda a informação recolhida até àquele momento: Práticas relacionais: Importância de
Relembrando o que deve ser um PIIP centrado na individualidade de cada família: partilhar com todos os intervenien-
A família da Gabriela, de três anos de idade, estava preocupada com tes a informação necessária para a
• O PIIP, enquanto processo e documento, resulta da interação, colaboração e parce-
o facto de não conseguir identificar qualquer palavra no discurso da tomada de decisões (comunicação).
ria entre família e técnicos e deve evidenciar, inequivocamente, o papel primordial
que a família desempenha na vida e desenvolvimento do seu filho; Gabriela e pelo facto de esta não parecer ter muito interesse nos outros,
sobretudo em comunicar com eles. Mesmo nas brincadeiras, prefe-
• O PIIP deve refletir o trabalho conjunto de mobilização dos sistemas de apoio (formal ria fazê-las sozinha, parecendo indiferente à presença dos pais ou da
e informal), promovendo o empowerment da família como um todo, nomeadamente avó. Para além disso, a Gabriela não se fazia entender acerca das suas
o sentido de controlo da família sobre as decisões que a afetam a si e ao seu filho; necessidades (fome, sede, fazer chichi ou cocó, dormir). Outras preocu-
• O documento PIIP define o “contrato” celebrado entre a família e o profissional pações da família tinham a ver com o facto de o avô da Gabriela ter tido
para dar corpo ao que a família quer como intervenção para si e para o seu filho, recentemente um AVC, encontrando-se acamado (precisando muito do
devendo constituir-se como um documento funcional com utilidade para a família suporte da avó) e com o facto de a mãe da Gabriela desejar mudar de
e profissionais; emprego para deixar de trabalhar por turnos e passar a ter um horário
fixo (podendo desta forma estar mais disponível para a filha). A famí-
• O processo de co-construção e desenvolvimento do PIIP é o aspeto fundamental
lia podia contar com o apoio dos avós, da educadora da Gabriela, da
na implementação de práticas centradas na família.
terapeuta da fala, da médica do centro de saúde, de um casal amigo e
vizinho (a Marta, que trabalhava por conta própria, e o Aníbal, que tra-
A planificação da intervenção é um processo contínuo que envolve a troca constante de in- balhava na Segurança Social) e da professora de ioga da mãe.
formação entre a família e o profissional, numa base diária, exigindo portanto frequente
atualização dos planos. Na EBR realizada, a educadora referiu preocupação com a fala da
Gabriela, pois na creche só emitia sons. Tinha também dificuldade em
Na verdade, as preocupações, prioridades e recursos da família, bem como o desenvol- fazer com que a Gabriela olhasse para o adulto e participasse nas ati-
vimento da criança, estão em contínua mudança, e o PIIP tem de refletir essas mudanças! vidades. No global, referiu preocupações com o facto de a Gabriela não
ter feito as aquisições típicas para a sua idade. Como resultado da EBR, a
educadora resumiu e priorizou aquilo que gostaria de ver como mudan-
ça: participação da Gabriela na canção dos bons dias, fazer a presença,
escutar a história, terminar as atividades – pois, quando era preciso
cessar aquelas de que gostava, como pintar ou fazer construções com
blocos, chorava sempre – e participar na alimentação usando a colher.

Na EBR realizada com a família, esta referiu como característica mais


evidente da Gabriela o gosto pela música, animais e o agarrar na mão
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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do adulto para conseguir aquilo que queria. Como resultado da EBR, a


família resumiu e priorizou aquilo que gostaria de ver como mudança:
fazer o gesto de “adeus” na creche quando os pais se iam embora, di-
zer “não” quando não quisesse alguma coisa e evidenciar vontade de
4.6 IMPLEMENTAÇÃO E
MONITORIZAÇÃO DA
                INTERVENÇÃO NOS CONTEXTOS
comunicar utilizando palavras.
Qualidade técnica: A integração de
toda a informação recolhida com o
                NATURAIS DA CRIANÇA
Assim, a partir das preocupações e necessidades identificadas pelos
propósito de potenciar uma interven-
prestadores de cuidados (família e educadora), foram definidos objeti-
ção feita à medida e eficaz.
vos funcionais, encontrando-se abaixo alguns exemplos: A implementação e monitorização da intervenção pressupõem um trabalho
em equipa transdisciplinar, onde a família está incluída, pondo em prática
Objetivos Critérios as estratégias e atividades planificadas para ir ao encontro dos objetivos
do plano de intervenção; este é o momento em que a equipa traz o PIIP
Quando a Gabriela se despedir dos pais de manhã,
A Gabriela, na creche, vai fazer o gesto de “adeus” para a vida diária da criança, nos vários contextos naturais da sua vida,
na creche, acenando “adeus”, durante cinco dias
aos pais quando estes se vão embora.
consecutivos. procurando dar resposta às prioridades da família.
Quando a Gabriela verbalizar “não”, acenando com
A Gabriela vai dizer que “não”/acenar com a cabeça
a cabeça ao mesmo tempo, sempre que não dese-
quando não quer alguma coisa. Uma vez definido o plano de intervenção em conjunto com a família, há que pô-lo em prá-
ja algo, uma vez por dia, uma semana consecutiva.
tica. Num modelo transdisciplinar de trabalho em equipa, esta tarefa caberá à família e ao
Quando a Gabriela apontar para aquilo que quer,
mediador de caso, tendo como apoio de retaguarda todos os restantes elementos da equipa.
A Gabriela vai apontar para o que quer (bolacha, uma vez por dia, durante três dias consecutivos;
No entanto, numa perspetiva centrada na família, é a esta que compete decidir qual o grau
água, brinquedo) e para imagens de um livro quan- Quando a Gabriela apontar para as imagens do li- de envolvimento que pretende ter na implementação e monitorização da intervenção. Será
do nomeadas pelo adulto. vro/objetos da atividade que o adulto nomear, uma esta a primeira decisão a tomar em conjunto pela família e pelo mediador de caso. Para que
vez por dia, durante três dias consecutivos. a decisão da família seja informada, o profissional deverá mostrar-lhe, sem a pressionar,
Quando a Gabriela verbalizar os “bons dias” (ou todas as vantagens que advêm do seu envolvimento máximo. Mas deve, também, deixá-la
A Gabriela, ao almoço na creche e ao jantar em casa,
uma aproximação/tentativa), durante três dias à vontade para decidir livremente, de acordo com os seus desejos ou possibilidades, sem se
vai utilizar a colher para comer.
consecutivos. sentir culpabilizada, caso opte por um menor envolvimento.
Quando a Gabriela colocar, de forma autóno-
A Gabriela vai verbalizar “bom dia” quando chega à
ma, a sua presença na tabela, durante cinco dias Tomada essa decisão, a implementação de serviços e recursos de IPI é o próximo grande
creche e também na canção dos “bons dias”.
consecutivos. passo no ciclo de intervenção. Enquanto os primeiros contactos, a avaliação e a elabora-
Quando a Gabriela colocar, de forma autóno- ção do PIIP constituem etapas do ciclo que acontecem ao longo de um número reduzido
A Gabriela, na creche, vai colocar a presença na ta-
ma, a sua presença na tabela, durante cinco dias de encontros entre família e profissional, a implementação e monitorização do PIIP ocupa
bela de presenças, de manhã.
consecutivos. a maior parte do tempo do processo de IPI. Na realidade, acontece ao longo de inúmeros
Quando a Gabriela verbalizar intencionalmente/ encontros entre a família e o profissional, terminando apenas quando a criança deixa de
A Gabriela vai verbalizar palavras para comunicar beneficiar da IPI.
/contextualizadamente quatro palavras novas (ou
“mamã”, “papá”, “água”, “bolacha”, “não”, “sim”, “sai”,
uma aproximação/tentativa), durante cinco dias
“dá”, “já está”.
consecutivos. Como anteriormente focado, momentos anteriores do ciclo deverão ter consolidado uma
A mãe da Gabriela vai arranjar um trabalho com Quando a mãe da Gabriela tiver um trabalho com relação de confiança e colaboração entre família e profissional, sendo o sucesso desta eta-
horário fixo. horário das 09h00 às 17h00. pa de implementação do PIIP dependente da forma como decorreram todas as anteriores.

A implementação do plano terapêutico deve, evidentemente, refletir a filosofia de base da


PARAR PARA PENSAR: IPI – centrada na família e nos contextos naturais –, já que é o palco para a sua verdadeira
concretização diária.
1. Considera que, neste caso, a informação recolhida foi tida em
consideração na elaboração do PIIP? No contexto da sua equi-
pa, que informação é contemplada no PIIP?
IMPLEMENTAÇÃO E MONOTORIZAÇÃO
2. Um dos princípios basilares da IPI é que a intervenção seja con-
duzida pela família. De que forma é que, neste caso, foi facilitada A implementação personalizada de serviços e recursos para cada criança e sua famí-
a prática deste princípio? lia deve:

3. De que forma, na equipa à qual pertence, é operacionalizada • Basear-se num modelo transdisciplinar;
a relação de colaboração entre profissionais e família nesta • Basear-se nas decisões informadas da família e no nível de envolvimento que
fase de planificação da intervenção? esta pretende assumir;
• Acontecer de uma forma que apoie e fortaleça o funcionamento da família atra-
4. Como são planificadas as reuniões de PIIP na sua equipa (in-
vés do suporte prestado e da mobilização dos seus próprios recursos;
tervenientes, local, informação partilhada, responsáveis pela
elaboração dos objetivos)? • Resultar em reavaliações contínuas de todo o processo e plano de intervenção.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

170 171
Assim, a intervenção equivale a transformar o PIIP, documento escrito, em ações a implemen- O apoio nos contextos naturais não se resume a facilitar a vida à família (no sentido de não
Visitas nos
contex- tar na vida diária da criança e da família, de forma a dar resposta às suas preocupações, ter que se deslocar a um gabinete, ao centro de saúde ou a qualquer outro contexto). Não
tos mais necessidades e prioridades, sempre na perspetiva de fortalecimento do seu funcionamen- se resume a fazer em casa aquilo que seria feito no contexto terapêutico. A experiência e a
significativos: to. Este é o objetivo fulcral da abordagem centrada na família e só se concretiza se houver investigação subjacentes às práticas recomendadas mostram-nos que o trabalho da IPI vai
domicílio ou Lembra-se
ama, creche
um contacto contínuo e frequente ao longo da intervenção: a relação de parceria entre a muito além destes procedimentos.
da figura 3.4
e jardim de família e os profissionais, num trabalho conjunto em equipa transdisciplinar, consubstan- na pp. 81, que
infância cia-se em encontros entre o mediador de caso e a família e/ou outros cuidadores, através No fundo, a questão crucial não é onde irá ser prestado o apoio em termos do local, mas nos ilustra
de visitas nos contextos mais significativos para a vida diária da criança. como e com quem o fazemos e qual o nível de envolvimento dos cuidadores significativos como deve ser
prestado o
nesses encontros. Veja no Quadro 4.3 as diferenças no significado de duas práticas. apoio de IPI?
Independen- Habitualmente, para as crianças dos 0 aos 6 anos, os contextos mais significativos são o
temente do domicílio da família e os contextos educativos ou de cuidados (ama, creche ou jardim de in-
local de apoio, fância). Estes serão, portanto, os contextos onde o apoio da IPI deve acontecer!
a intervenção QUADRO 4.3   Que mensagens passamos à família durante a visita?
assume-se
sempre cen- Mas, seja em que local for que os serviços de IPI sejam prestados – em casa, na creche, no
trada na jardim de infância, na ama, etc. –, os princípios de uma abordagem centrada na família de- Que mensagens passamos à família ou Que mensagens passamos à família ou
família! a outro cuidador quando a visita da IPI é usada a outro cuidador quando a visita da IPI é usada
verão sempre orientar as práticas do profissional.
primordialmente para “trabalhar com primordialmente para “trabalhar com
a criança”? o cuidador”?
A intervenção precoce na infância deve procurar promover o melhor desenvolvimento da
criança, potenciando as suas oportunidades de aprendizagem nos seus diversos contex-
É a visita do profissional e as intervenções diretas O desenvolvimento e aprendizagem da criança
tos, colaborando com a família em visitas ou encontros no sentido da sua capacitação e
com a criança que levam a resultados positivos acontece “entre as visitas” do profissional e ao
empowerment (Dunst, Trivette & Deal, 1988; McWilliam, 2005a). (na criança). longo das rotinas diárias da criança.

Porque será que o que parece óbvio – e que merece concordância generalizada – não é A família e os outros cuidadores, com quem a
posto em prática? A família e/ou outros cuidadores têm pouca in-
criança passa mais tempo, têm maior influência
fluência no desenvolvimento da criança.
no seu desenvolvimento e aprendizagem.
Porque as visitas de IPI são usadas para “trabalhar com a criança”.
Os resultados da intervenção dependem da par-
A forma tradicional de prestar serviços traduz-se, frequentemente, em visitas onde um profis- O poder do profissional substitui o poder da fa-
ticipação efetiva da família e do controlo que esta
sional se dirige à casa da família, à creche, jardim de infância ou à casa da ama e trabalha mília ou dos outros cuidadores significativos.
tem de todo o processo.
diretamente com a criança, colocando a mãe ou outro cuidador “de lado” ou atribuindo-lhe
apenas o papel de informador ou acompanhante da criança.
A família e os outros cuidadores são quem mais
O profissional é o especialista.
sabe sobre as rotinas e o dia a dia da criança.
Esta abordagem, que McWilliam (2010) apelida de “despejar um modelo clínico ou terapêu-
tico no chão da sala de estar da família”, ignora o pressuposto, cientificamente comprovado,
de que as crianças pequenas aprendem nas suas rotinas diárias, sendo o cuidador da crian-
ça que mais tempo passa com ela quem pode fazer a diferença.
Numa abordagem centrada na família e nos contextos naturais, a tarefa central do pro-
O exemplo seguinte mostra que não basta “fazer visitas” aos contextos naturais da criança fissional deve consistir no apoio ao cuidador com vista ao fortalecimento das interações
para se implementar um trabalho centrado nas preocupações da família e que promova o criança-cuidadores nas rotinas diárias.
empowerment dos cuidadores significativos desses mesmos contextos.
O tempo passado nas visitas do profissional à família e aos outros cuidadores deve ser A melhor
forma de
usado, fundamentalmente, para os ajudar, no dia a dia, a gerir e responder da melhor conseguir
Na primeira visita que a mediadora de caso, Catarina, fez à família, encontrou a mãe muito ata- forma possível às necessidades da criança registadas no PIIP, para que assim proporcio- resultados
refada nas rotinas de casa: tinha o ferro ligado e ao lado uma pilha de roupa por passar. Assim nem à criança melhores condições e oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem positivos na
que abriu a porta a Catarina, disse-lhe: “Estávamos mesmo à sua espera. O Miguel está na sala, (Mahoney & MacDonald, 2007; McWilliam, 2010; Dunst et al., 2011).
criança é
mas não para um minuto. Assim não consigo fazer nada! Mas entre e fique à vontade. Se preci- através dos
seus pais e
sar de alguma coisa eu estou sempre aqui por perto.” De seguida, encaminhou Catarina para a de outros
sala onde se encontrava o Miguel e regressou à cozinha, iniciando a sua tarefa de passar a ferro. Só assim é possível multiplicar exponencialmente as oportunidades de aprendizagem da cuidadores
criança, que na realidade acontecem não quando o profissional de IPI está com a família ou significativos
Testemunho de uma profissional de IPI outro cuidador mas sim nos momentos “entre visitas”, ou seja, nas rotinas diárias da criança
nos seus diversos contextos.

A “ajuda” da profissional a esta mãe durava apenas o tempo da visita, pois quando se fos- Tal como referido anteriormente, McWilliam (2010) defende que qualquer pessoa que passe
se embora, a mãe continuaria sem “conseguir fazer nada com o Miguel por perto”, ou seja, mais de 15 horas por semana com a criança é um cuidador significativo, que deve, portan-
a sua preocupação imediata continuaria sem resposta. Para além disso, não ficaria clara a to, ser envolvido na intervenção. Realça também cinco evidências fundamentais para uma
importância do seu papel na promoção do desenvolvimento do seu filho, limitando as opor- intervenção eficaz:
tunidades de aprendizagem do Miguel nas rotinas da sua família.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

172 173
Cinco evidências para uma intervenção eficaz: nacionais, família alargada, grupos sociais e outros contextos, como a creche
e jardim de infância).
1. A família e os outros cuidadores influenciam a criança e o profissional influencia a
família e os outros cuidadores; (adaptado de McWilliam, Winton, & Crais, 2003)
2. As crianças pequenas aprendem ao longo do dia e não em “sessões”, “lições” ou
“momentos de exercício” que concentram a aprendizagem num único momento
diário;

4.6.1
3. As crianças têm dificuldade em transferir as aprendizagens feitas em ambientes
descontextualizados para as rotinas habituais; O MODELO TRANSDISCIPLINAR DE
4. A “verdadeira” intervenção ocorre entre visitas do profissional, através daquilo que PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
vai acontecendo entre os cuidadores e a criança!
5. A criança precisa do máximo de intervenção (fornecida pelos prestadores de cui- Recordemos as três características do trabalho em equipa transdisciplinar (Shelden & Rush,
dados), não do máximo de serviços (mais profissionais a prestar mais serviços)! 2013):

• Um dos elementos da equipa transdisciplinar é escolhido como mediador de caso


Por vezes, interpretações erradas destes pressupostos levam alguns profissionais de IPI a
(MC)14 e mantém uma interação consistente com a família e a criança;
sentir como “proibido” trabalhar diretamente com a criança. Contudo, ao dar resposta às
necessidades da família, pode existir a necessidade de o profissional ter de o fazer. • Os elementos da equipa transdisciplinar devem trabalhar colaborativamente para
responder às necessidades da criança e família;
Vejamos, a título de exemplo, algumas dessas situações: • Os membros da equipa transdisciplinar devem comprometer-se a ensinar, traba-
• Avaliar e/ou intervir em ocasiões específicas, ensinando novas técnicas que facilitem lhar e aprender para além das fronteiras das diferentes disciplinas.
a maximização do seu potencial para alcançar o resultado esperado;
• Demonstrar ao cuidador estratégias que possam ser sentidas como difíceis de imple- O propósito fundamental de se usar uma abordagem transdisciplinar de prestação de servi-
E como se
mentar, desde que a família partilhe essa necessidade; ços na IPI é garantir uma resposta eficaz à multiplicidade e complexidade de necessidades prestam
das famílias, traduzindo-se num apoio holístico e integrado. Para isso, o profissional de IPI serviços de
• Demonstrar afeto e preocupação com a criança, estabelecendo uma relação posi- terá de ir para além do conhecimento especializado que advém da sua formação de base. IPI?
tiva com ela. Este conhecimento é fundamental para apoiar as crianças e famílias e os outros profissionais,
mas adicionalmente todos os elementos da equipa de IPI são responsáveis por compreen-
O importante é que o profissional se questione: “Porque preciso de trabalhar diretamente der e partilhar informação sobre desenvolvimento global da criança e saber dar resposta
com a criança?” e se “O meu objetivo é multiplicar as oportunidades de aprendizagem da às dúvidas dos pais.
criança?”. E também que relembre que mensagens está a passar ao cuidador quando tra-
balha diretamente com a criança. Esta abordagem integrada com a família e outros cuidadores considera a criança no seu
todo, em vez de olhar para os seus vários domínios de desenvolvimento como se fossem “au-
Mais uma vez afirmamos que não há receitas, mas a reflexão do profissional e o constante tónomos”. Mas a criança é única, e uma aquisição em qualquer área de desenvolvimento
questionamento ajudarão a perceber se vai no caminho certo, isto é, se está a respeitar os terá, inevitavelmente, repercussões nas outras!
princípios da IPI e a promover o máximo de oportunidades de desenvolvimento à criança.
No entanto, é ainda frequente haver intervenções divididas por cada um dos profissionais
da equipa (o terapeuta ocupacional que “trabalha” a motricidade fina, o fisioterapeuta que
“trabalha” a locomoção, o terapeuta da fala que “trabalha” a comunicação). E há ainda
EM SÍNTESE: confusão entre intervenção e serviços (Ex: “Esta criança precisa de terapia da fala uma vez
por semana”).
Na implementação dos serviços de IPI numa abordagem centrada na família, o profis-
sional deve: O trabalho em equipa transdisciplinar leva muitas vezes a desafios na sua implementação,
sobretudo devido a uma ausência generalizada de compreensão acerca deste tipo de fun-
• Encorajar e apoiar as famílias a mobilizarem de forma independente os recur-
cionamento em equipa. Os profissionais sentem, muitas vezes, que lhes será exigido que
sos necessários para a satisfação das suas necessidades, de acordo com opções
adquiram ou abdiquem de competências tipicamente associadas à sua disciplina e muitas
guiadas pelo princípio da normalização;
dessas preocupações estão frequentemente relacionadas com más interpretações acerca
• Ajudar e apoiar as famílias a resolverem problemas e a enfrentarem os desafios deste modelo. Vejamos como Shelden e Rush (2013) resumem alguns mitos ou equívocos em
à medida que estes forem surgindo no seu dia a dia; relação ao funcionamento em equipa transdisciplinar que frequentemente aparecem como Relação
obstáculo à sua aceitação (Quadro 4.4). contínua e
• Certificar-se de que a intervenção se ajusta confortavelmente à vida das famílias privilegiada
e não cria momentos artificiais e com stress adicional; de colabora-
A abordagem transdisciplinar, prestada primordialmente pela ação de um elemento da ção entre a
• Rever os objetivos e estratégias da intervenção de modo que reflitam as mudan- equipa sempre apoiado pelos seus colegas, visa minimizar as consequências negativas família e um
ças nas necessidades e desejos das famílias; elemento da
equipa
14 Ou prestador primário de serviços, num aperfeiçoamento do modelo de prestação de serviços transdisciplinar,
• Facilitar as ligações entre a família, os sistemas de apoio e os diversos contextos
que realça a importância da interação deste elemento com a família, no sentido da sua capacitação e fortaleci-
onde a criança participa (serviços comunitários, amigos, vizinhos, associações mento, conforme Shelden e Rush (2013).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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de existirem variados profissionais (que mudam frequentemente) a envolverem-se na vida No modelo transdisciplinar, o mediador de caso não está sozinho: é apoiado, na retaguar-
diária da criança e sua família, garantindo simultaneamente resultados positivos da inter- da, por todos os outros profissionais da equipa.
venção para a criança/família.15
Na prática, a escolha do mediador de caso é muitas vezes influenciada por fatores centrados
nos serviços ou nos profissionais e não centrados na família (por exemplo a área geográ-
fica, o número de casos, a área de especialização do profissional, o seu próprio interesse
QUADRO 4.4   Mitos e realidades associados ao modelo transdisciplinar (adaptado de Shelden & Rush, 2013)
e/ou experiência, etc.). Mas estas questões de logística não podem sobrepor-se àquilo que
será o ideal: a família ter uma palavra na escolha do mediador de caso em função das suas
Mito Realidade necessidades e prioridades.

No modelo transdisciplinar existe uma equipa de Como princípio, qualquer profissional da equipa pode e deve assumir o papel de media-
profissionais de diversas disciplinas no apoio à fa- dor de caso. Essa escolha deverá ter em conta a conjugação de diferentes fatores, como
No modelo transdisciplinar a família recebe ser- A escolha do
mília: na avaliação e no desenvolvimento do PIIP,
viços limitados por parte do MC, pois este é o as preocupações e expetativas da família, o tipo de experiência do profissional, a empatia mediador de
nas reuniões de equipa, nas tomadas de decisões
único profissional que está com a criança e com entre profissional e família e, ainda, as necessidades da criança. Uma vez mais se realça caso
e na intervenção, na realização de visitas conjun-
a família. a importância da relação e colaboração entre a família e os profissionais no sentido de se
tas sempre que existe essa necessidade por parte
do MC e da família. encontrar, com a própria família, “o melhor” mediador para aquele caso específico.

A presença de profissionais de diversas disciplinas O mediador de caso é aquele que contacta mais frequentemente com a criança e com a
na equipa assegura que a família e a criança têm
família. Faz a maioria das visitas sozinho, mas ao longo da intervenção poderão ocorrer vi-
No modelo transdisciplinar todos os profissionais acesso ao conhecimento e competências necessá-
sitas conjuntas com outro profissional. A existência e frequência destas visitas dependerão
de IPI são generalistas: o conhecimento especia- rias para as apoiar na concretização dos objetivos
lizado não é necessário ou utilizado. do PIIP. A planificação de visitas conjuntas tem do suporte de que o mediador necessita para apoiar a família em cada um dos objetivos
por base a necessidade de suporte especializa- da intervenção. A planificação e o recurso a estas visitas conjuntas deverá, no entanto, ser
do por parte do MC e da família. feita com cuidado, para que não haja uma substituição do papel do mediador. De salientar
ainda que este deverá estar sempre presente nas visitas com os outros elementos da equipa. Colaboração
A intervenção do MC não é uma questão de apoio entre pro-
direto ou indireto, mas sim de que forma a equi- fissionais e
Quanto maior for a confiança e a experiência do mediador de caso, menor será a sua ne-
pa organiza os seus recursos para responder de aprendizagem
forma eficaz e eficiente no apoio à família e à cessidade em efetuar visitas conjuntas. É importante que o papel do profissional que faz mútua
criança. O MC utiliza os ambientes naturais de visitas conjuntas com o mediador reforce a competência e a confiança da família, de outros
No modelo transdisciplinar o apoio do MC é indi- aprendizagem como contextos de intervenção cuidadores e do próprio mediador de caso, como nos mostra o exemplo seguinte:
reto: um único profissional não poderá ou deverá e o coaching 15 como o estilo de interação com a
implementar todas as intervenções diretas que família e outros cuidadores. Isto poderá incluir
cada família ou criança em particular necessitam. avaliação direta à criança, modelamento, apoio O objetivo desta visita conjunta (VC) era a terapeuta da fala capacitar os cuidadores da Cristina
direto e partilha de informação. Quando a criança, quanto a algumas ‘arestas a limar’ na articulação de alguns sons. A mediadora de caso (MC)
a família ou o MC sentem necessidade do con- informou que a VC iria realizar-se no jardim de infância (JI), uma vez que a mãe considerou
tacto direto com outro elemento da equipa, este importante estar também a educadora, para todas (mãe, MC e educadora) poderem atuar de
contacto é encorajado e acontece através de vi- forma articulada e aumentar o impacto da intervenção.
sitas conjuntas com o MC.
No momento da visita, a terapeuta questionou sobre eventuais estratégias usadas até então
Aumentar a participação da criança nos con-
textos das atividades e nas suas rotinas diárias pela mãe, educadora e MC, e validou-as, visto terem sido importantes para a evolução da lin-
Quantos mais serviços diretos a criança receber proporciona mais oportunidades de aprendi- guagem (tais como a diminuição do uso de diminutivos pela mãe e o crescente incentivo para
melhor: as terapias dirigidas à criança por múl- zagem e de desenvolvimento. O papel do MC é a Cristina se corrigir e repetir o modelo do adulto, visto que inicialmente não colaborava).
tiplos profissionais são vistas como a prestação maximizar a participação da criança, focando-se
Seguiu-se uma breve observação informal da Cristina e desta forma foi possível perceber o
de serviços de alta qualidade e percecionadas nas oportunidades de aprendizagem que ocor-
como a forma mais rápida de alcançar os obje- rem naturalmente e reforçando a competência tipo de frases que produzia, a capacidade de descrever imagens ou acontecimentos e o tipo
tivos do PIIP. e a confiança dos cuidadores na promoção das de erros articulatórios.
aprendizagens da criança nas diversas ativida-
Assim, a partir do conhecimento das rotinas da família e do JI, foram dadas estratégias aos cui-
des que ocorrem sem a presença do profissional.
dadores da Cristina para poderem utilizar ao longo do dia nessas rotinas para ajudá-la a corrigir
Ao levar a família a escolher o MC de entre uma as alterações observadas. A terapeuta deu sempre o modelo e explicou a todas as cuidadoras
lista de profissionais limita a família às discipli- a melhor forma de atuar. Por exemplo, para o som /R/ a terapeuta exemplificou como o adul-
Atribuir um MC à família em vez de ser a própria nas identificadas como as necessárias tendo em to poderia dar o modelo correto acentuando/prolongando o som no início das palavras sempre
família a escolher, de uma lista apresentada, qual conta os défices da criança, em vez de propor- que surgisse este som no discurso da Cristina e ela o omitisse, por exemplo associando este
o profissional que irá prestar o apoio limita as es- cionar à família o acesso imediato e contínuo a fonema ao som do leão a rugir /RRRRRR/. A mãe referiu que nas viagens de carro em família
colhas da família. uma equipa de profissionais de múltiplas discipli- tinham o hábito de fazer jogos de palavras, e a terapeuta acrescentou que, quando viajassem
nas. A família poderá solicitar a mudança de MC
de carro, poderia ser uma atividade engraçada dizer palavras (nomear/evocar) que começam
sempre que se sentir insatisfeita com a escolha.
com esse som ou que tenham esse som no meio da palavra (eventualmente coisas que vão
15 Neste contexto, coaching é definido por Rush & Shelden (2013) como um estilo de interação baseado em estraté- surgindo lá fora: Ruas, pessoas a coRRer, Rotundas, caRRos, toRRes, etc.).
gias de aprendizagem do adulto, que visa capacitar e promover as competências de reflexão e tomada de decisão
dos pais, de outros cuidadores e de colegas de equipa.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Pensando nas rotinas do JI, e existindo um momento de reunião na manta de manhã, poder-se- À semelhança da determinação da periodicidade e do tipo de apoio, aquilo que deverá
-ia promover atividades com o grupo todo cujo foco incidisse igualmente na nomeação/evocação nortear a decisão sobre o local onde irá ser prestado o apoio dependerá das necessidades
de palavras com o som /R/ no início, e nomear os colegas que tenham esse som no seu nome. da criança e da família ou de outros cuidadores (educadora de infância, ama, etc.).
Por outro lado, a educadora poderia dizer palavras variadas pedindo para as crianças identifi-
carem quais aquelas em que ouvem o som do leão /RRRR/ ou não. Tal como o proposto pela É importante, contudo, não ignorar alguns desafios e dificuldades: constrangimentos laborais
família, ao longo do dia e nas rotinas do JI, sempre que surgisse a omissão do som, a educa- da família que poderão limitar a sua disponibilidade, ou o nível de conforto do profissional
dora deveria dar o modelo correto, acentuando o som/sílaba e pedindo para a Cristina repetir. em determinados contextos.

Todas as presentes, assim como a Cristina, experimentaram fazer os exemplos que a terapeuta
Tendo em conta os locais habituais onde a criança passa mais tempo, iremos abordar, a
deu. Foi-lhes questionado se teriam mais alguma dúvida, pergunta ou preocupação relativa-
partir daqui, a(s) forma(s) de apoio da equipa transdisciplinar a considerar nos principais
mente ao que lhes foi transmitido e à linguagem. Não surgiu nenhuma dúvida, e tanto a mãe
contextos de aprendizagem da criança dos 0 aos 6 anos: (a) visitas domiciliárias; (b) e visi-
como a educadora referiram que assim seria muito mais fácil promover estas competências,
tas aos contextos formais de educação e cuidados.
visto que desta forma a Cristina nem “dá por isso”. Foi planificada nova VC para dali a um mês
a fim de avaliar o impacto das estratégias propostas.
Em ambos, o enfoque da IPI é melhorar o desenvolvimento e aprendizagem da criança,
Testemunho de uma profissional de IPI através do apoio aos seus cuidadores diários.

Em suma, com o modelo de funcionamento transdisciplinar, a família recebe um forte suporte


do mediador de caso, não sendo sobrecarregada com visitas de diversos especialistas que AS VISITAS DOMICILIÁRIAS (VD)
prestam um apoio fragmentado e não integrado, assegurando-se o contributo dos outros
elementos da equipa sempre que uma “especialidade” é necessária na implementação de “O processo da visita domiciliária não é mecânico, mas sim um esforço profundamente
um plano construído com base nas necessidades funcionais da família. humano.”
(Corey & Corey, 1998)
Mas mesmo quando o apoio de um especialista é necessário, sê-lo-á sempre ao nível da
facilitação na implementação de um objetivo funcional planificado no contexto das rotinas
da criança e com os seus cuidadores. E não para “trabalhar” de forma descontextualizada Uma visita domiciliária constitui o cenário “ideal” para uma parceria efetiva entre a família O sucesso
e o mediador de caso, onde este apoia a família oferecendo informação, orientação, apoio da interven-
algum domínio do desenvolvimento (fala, locomoção, motricidade fina,…), como aconte-
ção acontece
ce em práticas tradicionais, e habitualmente utilizadas em crianças mais velhas e adultos. emocional e apoio de ordem mais prática, aumentando o sentimento de competência e quando o pro-
confiança da família. Isto só será possível se o profissional estiver atento às expetativas da fissional parte
No família, orientando toda a sua ação em função desta premissa. das expetati-
Mais uma vez se salienta que não existem receitas pré-definidas em intervenção precoce,
modelo trans- vas da família
disciplinar, uma vez que toda a intervenção parte da singularidade de cada família. A intensidade e a
qual a fre- frequência das visitas domiciliárias, conjuntas ou apenas do mediador de caso, dependem McWilliam (2010) identifica três tipos de suporte que estarão na base das visitas domiciliárias:
quência das das necessidades da criança, da família e do próprio mediador. No entanto, considera-se
visitas do
mediador que, em média, uma visita semanal de cerca de uma hora e meia será aquela que permiti- Apoio emocional — Envolve ser empático, positivo e responsivo em relação à criança e à
de caso e rá criar uma relação de confiança com a família, possibilitando a prestação de um suporte família, não se limitando a ouvir, mas atuando quando apropriado, orientando-se sempre
das visitas eficaz (McWilliam, 2010). para o bem-estar de toda a família, respondendo às suas preocupações e não se centrando
conjuntas?
apenas na criança. Os grupos de pais podem ser um apoio emocional importante e o pro-
Também se considera, de forma geral, que a planificação de visitas conjuntas em cada 1-3 fissional poderá ser um facilitador do contacto entre os pais. Mas o próprio profissional de
meses responderá ao objetivo de fortalecer o funcionamento da família e a competência IPI poderá prestar apoio emocional, escutando e respondendo às preocupações da família,
do mediador de caso. Contudo, o princípio na análise e decisão em relação à intensidade e orientando-os para os pontos fortes e para uma atitude positiva que leve a sentimentos de
frequência das visitas deverá ser o da flexibilidade e deverá ter sempre por base os objeti- confiança, de controlo e de autoestima;
vos estabelecidos e as necessidades da família.
Apoio material — Definido como o apoio que assegura o acesso das famílias aos recursos
de que precisam para alcançar os seus objetivos. Estes recursos podem ser subdivididos em
duas categorias gerais: equipamento/materiais (ex. alimentação, vestuário, produtos de

4.6.2
apoio, habitação etc.); e suporte financeiro (subsídios, etc.);
AS VISITAS AOS CONTEXTOS NATURAIS
DA CRIANÇA: DOMICÍLIO E CONTEXTOS Apoio informativo — Definido como a informação prestada à família, tendo em conta as suas
                        FORMAIS DE EDUCAÇÃO E CUIDADOS necessidades. Existem quatro tipos de informação que a maioria das famílias refere precisar:
(1) informação acerca do desenvolvimento da criança (por exemplo aquilo que seria esperado
que a criança fizesse tendo em conta a sua idade); (2) informação acerca das dificuldades/
Como atrás foi referido, os locais preferenciais para a intervenção precoce ocorrer são aque- diagnóstico da criança; (3) informação acerca dos serviços e recursos disponíveis para si e
les em que existem oportunidades de aprendizagem contextualizadas – onde a criança passa para o seu filho/a; (4) e informação sobre aquilo que a família poderá fazer com a criança.
a maior parte do seu tempo. Então, nesta perspetiva, os cuidadores presentes nestes contextos
são considerados as figuras fundamentais para promover as oportunidades de aprendiza- Como temos vindo a salientar, a chave de sucesso está na relação de confiança estabeleci-
gem da criança e, consequentemente, apoiar o seu desenvolvimento. Relação de
da entre a família e o profissional de referência, pelo que as visitas domiciliárias de sucesso confiança
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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dependem das relações emocionais e de trabalho conjunto entre as famílias e o visitador “Ajudaram-me a dar à minha criança um começo de vida melhor do que eu tive.”
domiciliário.
“Ajudaram-me a ter mais confiança em mim própria.”
“Ajudaram a compreender-me melhor.”
Toda a aprendizagem ocorre no contexto das relações e é afetada de forma crítica pela
qualidade dessas relações. (Pharis & Levin, 1991)

Pela complexidade dos encontros entre a família o profissional, a preparação e a organiza-


O PAPEL DO MEDIADOR DE CASO NAS VISITAS DOMICILIÁRIAS
ção são cruciais para tornar as visitas domiciliárias apropriadas e relevantes para as famílias.
O mediador de caso, aquele que habitualmente tem os encontros semanais com a família,
O papel do tem o papel de apoiar a família a sentir-se competente e confiante, interagindo de forma Para que os profissionais sejam bem-sucedidos, devem ser imparciais, empáticos, persisten-
profissio- tes, chegar a todos os elementos da família, ser sensíveis às diversas culturas, aconselhar e
nal é apoiar
responsiva com a criança nas suas rotinas diárias.
modelar, ajudar a família na leitura de documentos e agendar ou preparar questões para
a família a
atingir os seus colocar a outros profissionais (Klass, 2008).
O profissional deverá sempre promover a participação da família na intervenção. Esta é a
objetivos
chave para a eficácia na promoção da aprendizagem e desenvolvimento da criança.
O quadro abaixo contém algumas questões que poderão ajudar na autorreflexão acerca da
atitude a ter ou a evitar na presença das famílias.
As suas ações como visitador domiciliário vão partir das três componentes de ajuda eficaz
do triângulo proposto por Dunst (1998): competências técnicas, práticas relacionais e práticas
participativas. Em cada visita domiciliária, o profissional ‘transporta’ essas três componentes
e, com base no que sabe (qualidade técnica e efeito das práticas participadas), vai aplicar PARAR PARA PENSAR:
as suas competências e intervenções de uma forma oportuna e adaptada às necessidades
da criança e da família. As suas competências relacionais serão usadas para criar uma re-
Quais destes tipos de comportamentos me caracterizam enquanto profissional de IPI?
lação humana com significado.
Alguns bons hábitos
A Fernanda deixou de ser uma estranha. Apesar de ser a educadora que vem trabalhar com o • Estabeleço contacto visual com regularidade
David, ela é a ‘Nanda’ do David e da Clara (a outra criança de dois anos que existe cá em casa). • Coloco questões para clarificação
A ‘Nanda’ vem à terça-feira para brincar com eles e por vezes com a mãe. A ‘Nanda’ ouve a
• Mostro preocupação, reconhecendo sentimentos
mãe. Ouve os problemas do trabalho e de casa e como é difícil esta situação. O pai, a maioria
das vezes ausente, liga à mãe e pergunta “ A Fernanda vem cá?”, como se a educadora fosse • Parafraseio para mostrar que compreendo
a vizinha ou um dos nossos amigos. • Presto bastante atenção e não deixo a minha mente vaguear
• Reajo não verbalmente com um sorriso, um franzir de sobrolho ou um toque,
A mãe já não se levanta às seis da manhã para fazer a cama porque tem visita domiciliária da
se apropriado
técnica do SNIPI. A ‘Nanda’ sabe que a cama por vezes fica por fazer e que de inverno o esten-
dal da roupa fica na sala. A Fernanda trabalha com a mãe e com o pai, com a terapeuta e com • Não mudo de assunto sem aviso
a educadora do JI para que o David tenha uma vida saudável e feliz.
Alguns maus hábitos
Ao fim de um ano, a ‘Nanda’ finalmente conseguiu fazer uma festa à nossa gata. A ‘Nanda’ per-
cebe de gatos e sabe que a nossa é uma gata difícil. A nossa gata só gosta da FAMÍLIA. • Interrompo muitas vezes
• Acabo as frases dos pais
O SNIPI trouxe à minha família a perspetiva de que não estamos sós.
• Defino as minhas ideias antes de ter toda a informação
Ter um filho diferente é difícil. Ter um filho igual por fora a todos os outros mas diferente nos • Não dou qualquer resposta
comportamentos, nas atitudes, na linguagem,... é intimidante. • Sou impaciente
Torna-se mais fácil se existirem pessoas que nos ajudem. Torna-se mais fácil se nós permitir- • Penso na minha resposta enquanto os pais ainda estão a falar
mos que nos ajudem e se nos permitirmos crescer enquanto família.
(adaptado de Bone, 1993)
Sónia – mãe do David, apoiados pelo SNIPI

Este testemunho mostra como as famílias portuguesas valorizam nas visitas domiciliárias
aspetos semelhantes aos que a investigação tem divulgado desde há muito.
O PIIP COMO ORIENTADOR DA VISITA DOMICILIÁRIA
O que é que as famílias mais valorizam numa VD? O plano de intervenção elaborado anteriormente, o PIIP, que clarifica as mudanças que a
“Deu-me uma pessoa com quem falar que realmente se preocupa comigo.” família quer ver acontecer na sua vida e na vida da sua criança, vai servir de guia orienta-
dor das visitas e encontros entre a família e o mediador de caso.
“Ajudou-me a aprender mais sobre como as crianças se desenvolvem e do que preci-
sam para crescerem saudáveis e felizes.”
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

180 181
De facto, nesta fase de implementação do PIIP, é a altura para pôr em prática todas as Com a experiência, o mediador de caso consegue orientar a visita, com base nas priorida-
estratégias planificadas em conjunto para alcançar os objetivos definidos e nunca é demais des da família, sem perder de vista o PIIP definido em conjunto. O profissional deverá, no
lembrar que este deve ter real importância para a família. entanto, ter sempre presente que qualquer questão colocada terá de ir no sentido de man-
ter ativa a participação da família em relação a cada objetivo – é assim que se dá o poder
Infelizmente, mais frequentemente do que seria desejável, o PIIP é “deixado” na gaveta e as à família –, e não passar a ser ele próprio a determinar o caminho a seguir.
visitas sucedem-se sem o seguimento desse plano, o que na prática se traduz num desperdí-
cio de tempo despendido anteriormente nos primeiros contactos e no contexto da avaliação. Por outro lado, a prioridade dos objetivos definida no plano de intervenção pode-se alterar
e novas preocupações podem surgir.
Talvez este esquecimento aconteça porque o PIIP é de tal forma complexo e tão “profissio-
nal” que não tem sentido e significado para a vida diária da criança e dos seus cuidadores. O profissional de IPI atento a novas preocupações e prioridades deve moldar-se a essas
Mas pode ser também porque este apenas foi elaborado para dar resposta a exigências mudanças e reformular o PIIP de modo a refleti-las.
administrativas do serviço de IPI.

Releia o Felizmente, há famílias e profissionais que valorizam o PIIP, como é o caso do exemplo no Aquando da definição de objetivos no PIIP, as questões da linguagem foram as mais referidas
exemplo da ponto anterior, sobre a elaboração do PIIP! pela mãe. Contudo, nas visitas domiciliárias os temas de conversa fugiam para as dificuldades
Inês e da em gerir o trabalho, a ajuda que a mãe dava aos avós maternos, os conflitos com a sogra e os
Mariana consecutivos momentos em que a mãe não se sentia bem e acabava por ir para a cama sem
Mas, como já vimos anteriormente, o PIIP não é um documento estático, é dinâmico e deve
organizar a casa.
acompanhar as necessidades em constante mudança das crianças e famílias. E os objetivos
têm de ser continuamente avaliados, readequados quando necessário e, uma vez alcança- Testemunho de uma profissional de IPI
Monitorização dos, devem dar lugar a novos objetivos.
dos serviços:
O PIIP deverá
orientar cada Assim, a ênfase está na construção da relação de confiança com a família, e o PIIP pode aju- A resposta está, como sempre, no equilíbrio (que não é fácil…) entre colocar as questões cer-
visita e refletir dar família e o profissional a manterem-se no caminho certo (ou seja, aquele que a família tas e escutar ativamente a família, deixando que seja ela a conduzir o processo.
a dinâmica da
família
escolheu). Em cada nova visita após a elaboração do PIIP, podemos começar por perguntar
“Como acha que têm corrido as coisas?”, procurando concretizar esta questão em relação
a cada objetivo planificado com a família. Fazer perguntas sobre momentos ou situações
que tenham corrido bem, explorando tudo o que de positivo aconteceu nessas situações, PARAR PARA PENSAR:
poderá contribuir para que a família celebre os sucessos e se sinta competente. Para além
disso, desta forma estaremos a salientar a ideia de base de que o importante é o que acon-
tece entre as visitas do profissional. Quantas vezes já se deu conta de que, sem querer, se esqueceu deste princípio es-
sencial da intervenção centrada na família?
Existem instrumentos que podem apoiar o mediador de caso nesta tarefa de manter ativo
o PIIP ao longo das visitas à família16. Outros autores sugerem questões semelhantes, agru-
padas da forma que a seguir se descreve, e que ajudam a refletir sobre como se colocam
questões à família e que mensagem lhes está subjacente:
COMO APOIAR A FAMÍLIA A ATINGIR OS SEUS OBJETIVOS?
Lembra-se de Como iniciar uma conversa com a família:
alguma fa- Neste processo, são muitas as oportunidades de prestar informação à família, apoiando-a
zer este tipo • Questões gerais: “Como têm corrido as coisas?” nos resultados que quer obter, desde a partilha de informação sobre uma dúvida até à de-
de questões? monstração com a criança, se necessário. É também o momento de ‘repescar’ os recursos
Como foi a • Questões focadas na competência: “Quantas palavras usa o Afonso atualmente?”,
reação da que a família tem disponíveis e ativá-los para dar resposta às suas necessidades, fortale-
“Como é que a Sofia segura agora na colher?”
família? cendo o seu funcionamento e garantindo a sua autonomia.
• Questões focadas nas estratégias: “Como correu quando colocou o brinquedo em
cima do sofá para que o Mário se colocasse de pé, apoiado ao sofá, para agarrar Vários autores ligados à prestação de serviços centrada na família (Hanft, Rush, & Shelden,
no brinquedo?” 2004; Klass, 2008; Shelden & Rush, 2013; Wasik & Bryant, 2001) sublinham a importância do
• Questões focadas nas estratégias relacionadas com uma determinada atividade: estilo de interação do profissional para atingir esse objetivo último da IPI: empowerment e
“Como correu quando deu a escolher a bebida à refeição?”, relacionando a estra- capacitação dos cuidadores.
tégia “fazer escolhas” com a atividade “refeição”.
Por exemplo, Shelden e Rush (2013) consideram o coaching como o estilo interativo a utilizar
• Questões focadas na atividade: “Diga-me como correram as rotinas das refei-
pelo mediador de caso, identificando-o como uma prática para fortalecer as competências
ções esta semana”, ou “Da última vez que aqui estive, disse-me que se iria focar
dos pais, prestadores de cuidados ou outros profissionais na IPI. Ao invés de se dizer como
no suporte à Maria para que ela se envolvesse mais no momento das refeições
fazer, parte-se daquilo que a outra pessoa já sabe, incentivando-a na procura de soluções
em família”, ou “O que é que experimentou que tivesse corrido bem?”, ou “O que
percecionadas por si como eficazes, apoiando-a naquilo que são as suas necessidades e
poderia ter feito diferente?”.
prioridades. Assim, estratégias como a modelagem, o incentivo, a escuta ativa, a resolução
(adaptado de Rush & Shelden, 2011) de problemas, o aconselhamento ou a consultoria podem ser utilizadas pelos visitadores do-
miciliários para envolverem ativamente a família no processo de intervenção.
16 No âmbito do desenvolvimento deste guia foi criado um acervo de instrumentos disponível on-line (www.im2.
anip.net) onde poderá consultar informação sobre instrumentos de monitorização das visitas domiciliárias.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Em baixo, podemos ver um exemplo do suporte dado à mãe através do encorajamento ver- • O profissional observa diretamente a família e a criança e reflete com a família
bal no momento em que esta estava envolvida na rotina específica que sentia como difícil, acerca do ocorrido imediatamente após a atividade (reflexão sobre a ação);
levando-a a alcançar os resultados que desejava:
• O profissional e a família colocam questões e refletem acerca de uma atividade
ou prática ocorrida entre as visitas.
Um dia, Clara decidiu dirigir-se à sede da ELI para fazer a referenciação do seu António, uma
criança de quatro anos de idade, com autismo. Na justificação do seu pedido de apoio colocou Qualquer estratégia pode ser válida: o importante será explicar à família as diversas possi-
as dificuldades sentidas com o comportamento do seu filho (birras), sobretudo quando ia com bilidades existentes para que esta decida aquela que melhor responderá à sua necessidade.
ele a um parque de diversões, ao centro comercial ou ao supermercado. No decorrer das visi- Para isso, o profissional poderá colocar questões simples depois das sugestões, tais como:
tas domiciliárias, Clara explicava que em casa ia tendo algum sucesso no controlo das birras “Quer que eu demonstre?” ou “Quer mostrar como costuma fazer?”.
do António, quando este era contrariado, mas quando saíam tornava-se muito difícil fazer-lhe
as vontades e eram frequentes as birras intensas em público. Clara sentia-se muito fragilizada De acordo com Klass (2008), para ser eficaz no desenrolar da implementação do PIIP, o me-
nesses momentos, sem saber o que fazer e sentindo o olhar crítico das pessoas que se cru- diador de caso tem de funcionar simultaneamente a dois níveis:
zavam com ela nesses locais. Às vezes, até evitava sair para passear, porque rapidamente o
• Estar alerta aos próprios sentimentos e reações;
prazer dessa atividade se transformava numa “luta de poder” com o filho. A mediadora de caso
e a mãe decidiram em conjunto planear uma saída a um dos locais que Clara sentisse como • Estar atento às interações que ocorrem entre si e os cuidadores e entre estes e
mais desafiante, no sentido de analisar as interações entre a mãe e o António nessas situações, a criança.
compreendendo o que poderia levar o António a fazer essas birras e de que forma poderiam
ser minimizadas. No dia estipulado, a mãe, o António e a mediadora de caso dirigiram-se ao O visitador domiciliário, tal como o artesão, aprende melhor através da prática ao longo
parque de diversões preferido do António, com insufláveis e piscinas de bolas. Correu tudo do tempo. Esta aprendizagem é possível se o visitador domiciliário refletir sobre as suas
muito bem, até chegar o momento de ir embora. Clara ia informando o António que tinham de ações, tendo oportunidade nesta reflexão de adquirir uma nova compreensão do signifi-
ir embora, dizendo-lhe: “Vamos embora, está bem?”, e o António respondia sempre: “Não”, e cado e propósito da sua prática (Klass, 2008).
regressava aos insufláveis. A mediadora de caso foi apoiando a mãe neste contexto propondo-
-lhe algumas formas de aumentar a eficácia da sua ordem, dando-lhe suporte verbal através
De facto, a reflexão do profissional sobre as suas práticas é essencial nessa busca, tal como
de sugestões durante a atividade, tais como evitar dar a ordem na interrogativa para não con-
podemos ver no testemunho seguinte:
fundir o António, dando-lhe a falsa sensação de que pode escolher cumprir ou não, ou ir dando
avisos ao António preparando-o para o final da atividade, dizendo-lhe, por exemplo: “Quando
desceres três vezes o escorrega, vamos embora.” Clara, sentindo-se mais segura com este
Revisitar com o coração a visita que acabei de fazer é rotina que não posso deixar de cumprir.
suporte e sendo assim mais assertiva, conseguiu finalmente que o António cumprisse a sua
Sinto que quanto mais forte é a relação estabelecida com uma família maior é o tempo que essa
ordem e saísse do parque sem birras.
família ocupa no meu pensamento... Mas quando constato que não consegui cumprir o que seria
Nas visitas seguintes, Clara partilhava com a mediadora de caso como tinham corrido as saídas esperado de mim (exigência minha ou expetativa da família) tenho dificuldade em ‘desligar o
nessa semana e como se sentia mais segura e competente a lidar com o António: ela estava botão’, e a ligação que ficou por estabelecer não sai do meu pensamento...
a conseguir fazer com que as birras diminuíssem, podendo assim desfrutar dos passeios com Por vezes dou por mim a sorrir no carro quando saio de uma visita... Parece que ainda estou
o António. acompanhada... Há cheiros que nos ficam e que nos marcam.

Testemunho de uma profissional de IPI Testemunho de uma profissional de IPI

Qualquer estratégia utilizada nos estilos de interação com a família, sendo mais ou menos Tal como temos sublinhado ao longo deste capítulo, a implementação das práticas centra-
Oportunidades
diretiva em relação à interação com a criança, deve depender sempre da situação e do nível das na família, parecendo simples, é extremamente complexa, porque exige uma mudança de desen-
de suporte que a família necessita. Nenhum método utilizado, sobretudo o da demonstra- no modelo de prestação de serviços. Este processo de mudança exige reflexão individual, volvimento
ção com a criança, deve transmitir à família que esta é incapaz de fazer a tarefa, mas deve apoio em equipa e em contexto de supervisão, bem como o feedback contínuo das famílias profissional
sempre ser usado no sentido de ajudar a família a ver diferentes formas de implementar al- e outros cuidadores, que vão apoiar o profissional na constante busca das práticas eficazes.
gumas ações ou estratégias.
Com orientação e vontade de mudança, cada profissional adota um “estilo próprio”, que deve
O mediador de caso, nas visitas domiciliárias, pode utilizar um continuum de diferentes es- ser flexível e diversificado, adaptado às características únicas de cada família com quem
tratégias para apoiar a família no fortalecimento das suas competências para a promoção interage, sempre com o fim último de fortalecer a família e promover as melhores apren-
do desenvolvimento do seu filho, conforme podemos ver de seguida (adaptado de Rush & dizagens da criança.
Shelden, 2011):
Na Parte III deste guia abordaremos as oportunidades de desenvolvimento profissional que
• O profissional modela enquanto a família observa, seguindo-se um momento podem apoiar e promover essas mudanças.
de reflexão pela família;
• O profissional fornece suporte verbal e sugestões enquanto a família se encontra
diretamente envolvida na atividade com a criança; VISITAS AOS CONTEXTOS FORMAIS DE EDUCAÇÃO E CUIDADOS
• O profissional observa a família sem colocar questões ou dar feedback até existir
O mediador de caso que faz visitas domiciliárias também pode visitar as crianças nos seus
um momento oportuno durante a atividade para a família refletir (reflexão na ação);
outros contextos habituais, como a creche e o jardim de infância (JI).
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Os cuidadores destes outros contextos – os educadores e os auxiliares – são as pessoas que Após a identificação das prioridades, forças, necessidades e oportunidades de aprendizagem Conhecer o
passam tempo suficiente com a criança para fazer a diferença no seu desenvolvimento e do contexto, segue-se o momento de pôr em prática as estratégias planificadas. Tal como já funciona-
aprendizagem. A IPI implementada nos contextos educativos deve ser consistente com a abor- referido anteriormente, ainda que o contexto não seja o da família, é à família que a criança mento dos
dagem relativa às visitas domiciliárias, que apresentámos anteriormente, baseando-se nos pertence. Por isso a intervenção é sempre centrada na família, independentemente do local contextos
formais de
mesmos cinco princípios antes focados e no modelo de prestação de serviços transdisciplinar. de apoio. Assim, um dos papéis do mediador de caso será o de mediar esta articulação en- infância
tre a família e os diversos contextos na concretização dos objetivos planificados em conjunto.
Na creche e JI, são os educadores e auxiliares os principais prestadores de cuidados. O
mediador de caso, que pode ser qualquer um dos profissionais da ELI, é o especialista em Um dos primeiros desafios que se colocam em relação às visitas aos contextos formais de
crianças com atraso ou em risco que vai prestar serviços aos adultos que estão com essas educação e cuidados prende-se com a identificação e planeamento de um momento para
crianças nos contextos formais de educação. Poderá ainda fazer visitas conjuntas com outros a visita que seja conveniente para o educador. Conseguir articular um momento de reflexão
colegas de equipa, consoante as necessidades. Mais uma vez, o essencial é a colaboração, conjunta com o educador, tendo em conta as suas distintas responsabilidades e a quantidade
neste caso com o educador e/ou auxiliar da sala. de atividades que dinamiza, leva a que o mediador de caso tenha de ser flexível, maximi-
zando qualquer oportunidade de interação com o educador.
Relação de
A partilha e colaboração com os educadores e auxiliares são fundamentais, e, tal como com
confiança a família, o desenvolvimento de uma boa relação de confiança com os vários cuidadores Perguntar diretamente ao educador qual o momento mais indicado para que o diálogo ocor-
deve constituir uma prioridade do profissional de IPI. O ponto de partida é considerar que ra é a forma mais eficaz de identificar o momento certo. É necessário esclarecê-lo acerca
tanto o profissional da IPI como quem está com a criança ao longo do dia trazem experiên- daquilo que se espera que ocorra durante esses momentos de diálogo, tornando assim mais
cia e conhecimento importantes para oferecer o melhor apoio à criança no contexto onde fácil arranjar um tempo em que esteja disponível para o fazer.
ela passa mais tempo. O mediador de caso transporta o conhecimento da sua equipa acer-
ca da IPI e de como apoiar crianças com necessidades especiais ou em risco; os cuidadores Uma das formas de contornar estes constrangimentos poderá ser o de dar suporte ao
significativos da creche e jardim de infância trazem para esta colaboração a informação educador no exato momento em que a situação geradora de necessidade anteriormente
sobre as potencialidades e necessidades funcionais da criança ao longo do dia nesses con- identificada ocorra, ou numa outra oportunidade que aconteça naturalmente. Seja qual for
textos. Assim, ambos são peritos, cada qual na sua especificidade, e ambos contribuem a estratégia utilizada, o profissional deverá ser flexível e criativo no uso eficiente do tempo
para a intervenção: o educador e auxiliar da sala aprendem o que fazer entre as visitas da e não ser um elemento perturbador das rotinas da sala, respeitando-as.
IPI e o mediador de caso aprende desses cuidadores como a criança funciona no contexto
da sala e do grupo. Vejamos como, no caso seguinte, a educadora, sobrecarregada pela visita de tantos profis-
sionais, acaba por concluir que o apoio estará longe de ser eficaz:
Assim, o mediador de caso deverá ter presentes alguns aspetos na realização das visitas
que faz aos diversos contextos.
Numa ida ao jardim de infância da Francisca e ao conversar com a educadora Edite, esta par-
tilhou o desgaste que tem sido para si a articulação com imensos profissionais, afirmando que
Objetivos da visita aos contextos formais de educação e cuidados: “neste momento não vejo as mais-valias destes apoios. Antes pelo contrário, é uma sobre-
• Identificar prioridades, forças, necessidades e oportunidades de aprendizagem do carga para mim”. A Edite é educadora de uma sala que inclui diversas crianças com autismo,
contexto, incluindo-as no PIIP; cada uma delas tem uma terapeuta da fala que vai ao jardim de infância com regularidade. A
educadora conta: “Vem a terapeuta do João e diz-me que o horário não deve estar na sala,
• Conhecer aprofundadamente o funcionamento do contexto (filosofia e modelos
mas visível à entrada. Eu coloquei o horário na entrada. Noutro dia vem a terapeuta do Tiago
educativos) e as expetativas do educador, respondendo às suas necessidades;
e diz que o horário deve estar na sala de atividades, na área do acolhimento e ilustrado com
• Promover competências e autonomia do educador face às necessidades da crian- imagens. Chega o dia do apoio à Filipa e a terapeuta, da porta da sala, chama a Filipa para a
ça: quanto mais competente e autoconfiante se sente, mais independente se torna; levar para outra sala e fazer a sessão, mesmo que isso interrompa a atividade que eu estou a
fazer. Quando a terapeuta da Francisca vem, diz-me que o seu apoio é na sala, comigo e com
• Promover a competência e a confiança do educador para garantir a máxima par-
a Francisca, partindo daquilo que são as rotinas do jardim… Aquilo que eu planifico para o gru-
ticipação da criança e o desenvolvimento de práticas inclusivas;
po fica para segundo plano e com todas estas interrupções e diferentes propostas de trabalho
• Certificar-se de que a intervenção se ajusta às rotinas do contexto; não há continuidade nem coerência naquilo que se faz. É uma confusão!”
• Garantir que a aprendizagem e o desenvolvimento da criança ocorrem regular-
mente e não apenas quando o mediador de caso está presente no contexto; Testemunho de uma profissional de IPI
• Acautelar procedimentos de adequada articulação entre o PIIP e os procedimen-
tos próprios de outros serviços (por exemplo da Educação Especial, com o PEI).
QUAL O PAPEL DO MEDIADOR DE CASO QUANDO INTERVÉM JUNTO DE
OUTROS PROFISSIONAIS DOS CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO E CUIDADOS?
COMO PLANIFICAR AS VISITAS AOS CONTEXTOS FORMAIS DE EDUCAÇÃO Da mesma maneira que o profissional respeita o contexto da família, quando intervém no Conhecer o
E CUIDADOS? domicílio, também deverá respeitar o contexto educativo através do conhecimento do seu funciona-
programa e filosofia. mento dos
À semelhança do que acontece quando intervimos com a família, o PIIP servirá igualmen- contextos
formais de
te de guia orientador das visitas aos contextos formais de educação e cuidados (creches e O primeiro passo no estabelecimento de uma relação de colaboração eficaz é conhecer a infância
jardins de infância). filosofia educacional do funcionamento do contexto (por exemplo, conhecer as orientações
curriculares para a Educação Pré-Escolar, saber se o contexto segue algum método educativo
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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específico, como o Método João de Deus, Método Montessori, Pedagogia Reggio Emília, Este tipo de expetativas nos contactos iniciais podem ser frequentes, identificando o apoio da
Abordagem Experiencial, Pedagogia Waldorf, Movimento Escola Moderna, etc). Se o profis- IPI com o modelo médico de prestação de serviços (“O Sérgio precisa de terapia da fala”).
sional desconhecer as características e funcionamento dos programas, poderá correr o risco Esta profissional sente que, ao ser envolvida no apoio ao Sérgio, verá o seu trabalho acres-
de partilhar informação que entra em conflito com as práticas valorizadas nesse contexto. cido, e ela tem já um trabalho suficientemente desafiante…

Um outro aspeto crucial é ter a noção de que é o educador quem mais tempo passa com Contudo, se se respondesse à expectativa da educadora “retirando-lhe” a criança duran-
a criança: o mediador de caso deverá ser humilde, tendo o cuidado de não ultrapassar as te uma hora, sabemos que os seus progressos seriam mínimos. Será por isso crucial que o
barreiras do seu papel como profissional de IPI e de não usurpar a autoridade do próprio mediador de caso ajude o educador a compreender que, dessa forma, a criança não apro-
educador. Da mesma maneira que respeita o papel do educador, também deverá respei- veitaria todo o potencial que o contexto lhe pode oferecer.
tar as rotinas que ocorrem diariamente no contexto, desenvolvendo estratégias que possam
ser incorporadas no normal funcionamento da sala ou recorrendo a modificações mínimas Neste caso concreto, imaginemos que a educadora refere que as suas preocupações,
a essas rotinas. relacionadas com a dificuldade do Sérgio em cumprir as regras e com o seu discurso im-
percetível são mais evidentes no momento do acolhimento diário. Na planificação posterior
Uma componente-chave da prática do profissional de IP inclui compreender de que forma dos objetivos e estratégias de intervenção ficará evidente que essas estratégias deverão ser
pode trabalhar eficazmente com os diferentes cuidadores da criança. implementadas em todos os momentos do acolhimento e não apenas no dia e hora em que
o mediador de caso faz a visita, tornando claro o papel primordial do educador no alcan-
Uma das formas de o fazer é recorrendo à consultoria colaborativa (McWilliam, 2010), de- çar desses objetivos.
finida como um estilo de interação e de prática reflexiva que visa promover a competência
Consultoria e a confiança dos cuidadores para garantir a participação da criança nesse contexto: des- Para que isto aconteça, o profissional de IPI terá de garantir que a educadora foi previamente
colaborativa cobrir em conjunto formas de potenciar a participação da criança nas atividades do dia a envolvida em todo este processo, desde a avaliação das necessidades até à planificação da
dia da sala. intervenção. Se o mediador de caso se limita a avaliar a criança e a elaborar um plano de
ação em função dos resultados da sua avaliação, é natural que a educadora espere que seja
A consultoria colaborativa, ao contrário da consultoria especializada, implica decidir em o profissional a implementá-lo. Este tipo de mensagens contribui muitas vezes para o emer-
conjunto com os outros cuidadores qual é o problema, quais as possíveis soluções e se estas gir de expetativas desajustadas por parte dos educadores. Ou seja, mais do que explicar o
estão a funcionar. Este tipo de interação resulta no fortalecimento da confiança e compe- que se faz ou não se faz em intervenção precoce, o maior impacto para essa compreensão
tência do educador, que é responsável pelos resultados alcançados, levando à melhoria das decorre da atitude que o profissional assume desde o primeiro momento.
oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento oferecidas à criança.
De facto, num trabalho de IPI centrado nos contextos, o papel do mediador de caso passará
por apoiar os educadores nos desafios do seu dia a dia, explorando os objetivos funcionais
O modelo de consultoria colaborativa (não de perito) pressupõe uma decisão conjunta que promovem a autonomia, participação e relação social da criança dentro das rotinas.
com o educador sobre: Torna-se claro que as mudanças necessárias irão ocorrer no contexto dessas rotinas e não
1. Quais os problemas? exclusivamente no momento da visita do mediador de caso.

2. Quais as soluções?
Vejamos no Quadro 4.517 como a prestação de serviços de IPI nos contextos formais de
3. O que funciona? educação e cuidados pode ocorrer de acordo com um continuum de estratégias, das mais
segregadoras às mais inclusivas, de seis formas diferentes (McWilliam, 2010).

Neste processo torna-se essencial explorar com os diversos cuidadores quais as suas expe- Apesar de o apoio em contexto de creche e jardim de infância poder ser visto de per si
tativas, esclarecendo qual o papel do mediador de caso. como integrado, o local onde o apoio é prestado é apenas uma das dimensões a considerar.
Os diversos modelos apresentados acima podem servir como ferramenta ao profissional que
No exemplo seguinte, podemos constatar como, na prática, encontramos muitas vezes ex- deseja alcançar um modelo de apoio mais inclusivo. Poderá identificar qual o modelo que
petativas que podem esbarrar com o modelo de consultoria colaborativa: frequentemente utiliza e avançar para o modelo seguinte, para patamares mais elevados
e próximos da inclusão. O essencial será refletir e questionar sempre sobre o resultado que
A educadora partilha com a equipa preocupações com o Sérgio, sobretudo com a dificuldade se consegue com cada um deles: “Que tipo de intervenção devo realizar para promover o
deste em cumprir regras e ao nível da articulação de palavras, tornando o seu discurso difícil máximo de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento da criança quando não es-
de entender. Demonstra ser sensível a estas dificuldades. Contudo, refere os imensos desa- tou na creche ou jardim de infância (no período “entre visitas”)?” ou “O que estou a conseguir
fios com que se depara no seu dia a dia: tem uma sala com 29 crianças, existindo mais do que alcançar com cada uma das abordagens que tenho vindo a adotar?”.
uma com dificuldades, e não tem qualquer tipo de suporte. Está preocupada com a transição
para o 1o ciclo e com as exigências desse contexto, sentindo ser da sua responsabilidade a Ainda que o mediador de caso recorra à interação direta com a criança, deverá garantir
preparação das crianças para o sucesso posterior. Finalmente, desabafa que as suas expe- que usa a situação como uma oportunidade intencional de modelamento e demonstração,
tativas em relação à IPI se prendem com o apoio direto ao Sérgio ao nível da fala, porque ela apoiando o educador de sala na aprendizagem e no aumento de capacidades para a in-
não sabe como o fazer, acrescentando que não tem disponibilidade de tempo para aprender tervenção que ocorre entre as visitas da IPI.
a fazê-lo por todo o trabalho que isso implicaria e acrescentaria à sobrecarga que já sente: “O
que eu quero e preciso é de alguém que apoie o Sérgio naquilo que eu não tenho formação
para fazer, libertando-me para me centrar em todos os outros aspetos e desafios que fazem
parte do meu dia a dia”.
Testemunho de uma ELI
17 Pode consultar o Quadro 4.5 completo no Apêndice 1.A
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o contexto educativo. A Laura concordou com a marcação de uma reunião conjunta (consigo,
QUADRO 4.5   Continuum dos modelos de prestação de serviços (adaptado de McWilliam & Scott, 2003)
com a família e com a RC) para apresentação e planificação do apoio neste contexto. Nessa
Inclusivo reunião foi apresentada à Laura a RC (assistente social) e esta reagiu dizendo que tinha como
expetativa que a RC fosse uma educadora de infância, porque o Tomás era uma criança dife-
Modelo Local Foco do apoio rente e que não poderia acompanhar as atividades do restante grupo de sala. Para além disso,
uma assistente social não saberia trabalhar as competências da criança porque a sua função
Trabalho em colaboração O educador, relacionado era trabalhar com a família.
com a educadora (consulto- Dentro ou fora da sala com as necessidades
ria colaborativa) da criança A RC explicou que aquilo que a família priorizava era o envolvimento e a participação do Tomás
no contexto de jardim de infância, como qualquer criança, e que o papel da RC seria apoiar os
Com a criança durante Na sala onde a criança Diretamente mas não ex-
cuidadores na promoção da plena integração do Tomás em todas as atividades, incluindo as
a rotina estiver clusivamente na criança
do JI. A RC acrescentou que, apesar de a sua formação de base ser Serviço Social, à luz da
Com todas as crianças em sua formação/experiência como profissional de IPI, assim como em resposta às necessidades
grupo e interações entre da família, sentia que tinha competências para apoiar esta criança/família. No contexto do JI,
Na sala; pequeno ou
Atividade de grupo pares; ênfase na satisfação e tendo em conta o que a educadora partilhara, o seu papel poderia passar, precisamente, por
grande grupo
das necessidades especiais encontrar em conjunto com a educadora formas de promover a participação do Tomás nas ati-
das crianças vidades planificadas por si para o grupo. Laura, como resposta, afirmou que não acreditava no
modelo, “é só teoria….” e que já fazia adaptações específicas às atividades tendo em conside-
Educadora e a criança Na sala mas afastado Diretamente no funciona-
na sala das outras crianças mento da criança ração as diversas idades das crianças em sala. Contudo, o nível de dificuldade do Tomás era de
tal modo que não lhe permitia a integração nas exigências daquele grupo, precisando de alguém
Diretamente no funciona- que fosse responsável pela criança no contexto da sala que não ela. Esta era a sua justifica-
Retirar a criança da sala com Em qualquer lugar fora
mento da(s) criança(s) com ção para que uma educadora da IPI trabalhasse especificamente e isoladamente com o Tomás.
um pequeno grupo da sala
necessidades especiais
Testemunho de uma ELI
Em qualquer lugar fora Diretamente no funciona-
Retirar a criança da sala
da sala mento da criança
Segregado Neste caso também se torna evidente que as expetativas da educadora não coincidiam com
as da família, que pretendia dar ao filho o percurso “normal” integrando-o no jardim de in-
fância, enquanto a educadora considerava que o Tomás precisaria de um apoio distinto do
Só assim o educador da sala, vendo aquilo que é feito com a criança, aumentará a sua restante grupo. Mesmo quando o apoio é prestado noutros contextos que não o domicílio, a
competência e o profissional de IPI perceberá se as estratégias são ou não exequíveis no abordagem não deixará de ser centrada na família, pelo que a mediação entre a família e
contexto onde a criança está. os contextos formais de educação e cuidados, alinhando as expetativas de outros cuidado-
res com os da família, é um dos papéis centrais do profissional de IPI.
Se retirarmos a criança da sala, esta vai “perder” as atividades que estão a decorrer, não
estará a aprender as competências de que precisa nos contextos onde as irá usar. A abordagem da consultoria colaborativa resulta, ela própria, no apoio integrado à crian-
ça, isto é, a intervenção é dirigida à globalidade da criança, sendo as competências nos
A perspetiva é otimizar a inclusão da criança no grupo de pares. Podemos equacionar alguns diversos domínios do desenvolvimento promovidas em conjunto e de modo contextualizado
ingredientes-chave a considerar quando se pretende integrar os serviços de IPI em contex- (McWilliam, 2003b).
tos formais de educação e cuidados (adaptado de McWilliam & Scott, 2003):
Os terapeutas que vão à sala de aula devem partir daquilo que a criança faz e do gru-
• Não retirar a criança da sala de atividades; po como um todo. Se os objetivos são funcionais e relacionados com as rotinas, qualquer
atividade ou brinquedo da sala de aula pode ser usado para promover competências
• Identificar barreiras/dificuldades à inclusão da criança; específicas do desenvolvimento (McWilliam & Scott, 2003).
• Garantir que a criança tenha o máximo envolvimento durante o tempo em que
“não estamos lá”.

4.6.3 PROCEDIMENTOS DE MONITORIZAÇÃO E


Um outro desafio à implementação da consultoria colaborativa coloca-se quando as expe-
tativas da educadora do jardim de infância se relacionam não só com o trabalho direto junto
da criança mas também com a área disciplinar específica do profissional que o deve prestar: REGISTO — PORQUE SÃO IMPORTANTES?
A implementação dos serviços assume características particulares consoante a intervenção
O Tomás, referenciado para a IPI por AGD [atraso global de desenvolvimento] e condições decorra em casa da família ou em contextos educativos formais, aspetos sobre os quais re-
específicas (perturbações neurológicas), esteve em casa com a família até ingressar no JI. fletimos anteriormente.
A integração em contexto educativo foi muito desejada pelos pais por quererem dar ao filho
o percurso “normal”, à semelhança dos filhos dos seus amigos e das crianças da sua aldeia. Seja em que contexto for, a implementação do PIIP vai sempre implicar uma readequação,
A família do Tomás informou inicialmente a educadora, Laura, de que já eram acompanhados maior ou menor, variando de caso para caso, quando se passa à concretização das ativi-
pela IPI desde que o Tomás nasceu e que gostariam que esse apoio também contemplasse dades previstas. Muitas vezes, no dia a dia, há que repensar atividades e contextos a fim
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Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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de aumentar a participação da criança partindo dos seus interesses, ou seja, proporcionan- O envolvimento da família e dos outros prestadores de cuidados em todo este processo de
do-lhe o maior número possível de oportunidades de aprendizagem. O mesmo acontece em implementação e monitorização da intervenção é, obviamente, essencial. Só eles estão,
relação às estratégias pensadas para alcançar os objetivos definidos no PIIP. de facto, por dentro das rotinas do dia a dia e dos interesses das crianças; são eles também
que sabem, melhor que ninguém, interpretar os sinais da criança. Sem esse conhecimento
Este é um processo cíclico que se vai repetindo à medida que os objetivos vão sendo alcan- profundo é impossível conduzir uma intervenção com sucesso. Assim, devem ser acautela-
çados e que o PIIP vai sendo reavaliado. No decorrer da implementação do PIIP, devemos das pelo programa de IPI diversas oportunidades e metodologias para recolher feedback
Monitorização
e reavaliação monitorizar: (1) se os serviços estão a ser implementados de acordo com a forma, frequên- contínuo da família (e dos cuidadores dos outros contextos), recorrendo-se a uma varieda-
do PIIP cia e intensidade definidas à partida; (2) e se os objetivos estão a ser alcançados. Caso não de de técnicas, incluindo registos escritos em diferentes fases do processo de intervenção:
o estejam, perceber o porquê desse facto, verificando se foram bem definidos (incluindo das visitas ao domicílio ou à creche/jardim de infância e do que, nesse âmbito, ocorreu; das
o critério de sucesso), analisando as estratégias e readequando-as caso se considere que visitas conjuntas com outros profissionais da equipa; de reuniões de equipa e supervisão;
o insucesso está relacionado com uma falha a esse nível. etc. Deverá, ainda, haver registos de dados transmitidos oralmente pelos diversos interve-
nientes no processo.
Essencialmente, a monitorização serve para validarmos se os objetivos propostos se mantêm
no trilho da intervenção centrada na família, isto é, se o apoio corresponde às expetativas O PIIP, enquanto documento, é crucial para a monitorização, já que as suas revisões permitem Revisão do
da família e a uma intervenção individualizada. registar a avaliação dos objetivos planificados, as novas mudanças que a família pretende ver PIIP
acontecer, bem como as novas estratégias e recursos usados pela família para responder às
suas necessidades. Assim, se a elaboração do PIIP permitiu o registo de objetivos mensurá-
Questões para monitorizar a implementação do PIIP veis e com critérios de execução claros, a sua revisão frequente, onde a família é o principal
Será que... avaliador, permitirá garantir que o processo continua a basear-se nas suas expetativas.

• Os serviços estão a ser implementados de acordo com a forma, frequência e inten- Embora seja importante recomendar um prazo formal de revisão do PIIP, não superior a
sidade definidas no PIIP? seis meses, há que relembrar o seu caráter fluido e dinâmico, sendo essencial salientar que
este documento deve dinamizar a reflexão conjunta sobre os resultados que a família pre-
• Estão a ser feitos progressos relativamente aos objetivos a atingir?
tende alcançar com a IPI.
• As atividades e estratégias utilizadas estão a facilitar esse progresso?
• É necessário introduzir modificações naquilo que tinha sido inicialmente planea- Por outro lado, pedir feedback às famílias sobre o processo e os serviços prestados é um
do, no que diz respeito a estratégias, objetivos ou, eventualmente, aos tipos de dos métodos mais eficazes e significativos numa abordagem centrada na família. De facto,
apoios propostos? deve ser dada oportunidade à família de se pronunciar sobre vários aspetos do processo de Feedback
IPI, como a organização da equipa, a flexibilidade da resposta às suas necessidades, a ra- das famí-
lias acerca do
pidez na resposta e outros aspetos gerais de satisfação com o serviço de IPI, de uma forma processo
É neste vaivém entre objetivos e atividades planeadas, implementadas e monitorizadas, con- regular e que permita readequar os serviços prestados. Algumas questões abertas, coloca-
Importância duzindo à definição de novos objetivos/atividades, que se vai construindo a intervenção. Para das a intervalos regulares pelo mediador de caso à família ao longo dos vários encontros,
dos registos que haja um fio condutor ao longo de todo este processo, é fundamental que existam regis- podem dar feedback acerca da forma como os serviços estão a ser prestados, como no
tos que documentem, de uma forma simples e o menos dispendiosa possível, as atividades exemplo seguinte:
que vão sendo desenvolvidas ao longo de todo o processo de intervenção. Apenas voltando
atrás e analisando o que foi feito e os resultados obtidos é que se pode encontrar pistas que
nos permitam perceber as razões do sucesso ou do insucesso alcançado. Mediador de caso: O que mais têm gostado de entre tudo aquilo que tem sido feito no
âmbito do apoio da intervenção precoce?
Frequentemente, os profissionais de IPI não têm o hábito de fazer registos sistemáticos da
implementação das atividades, pelo que é essencial que se estabeleça nos serviços de IPI Mãe do José: A ajuda demorou um pouco a chegar, mas chegou, e em boa hora, pois a partir
um sistema de registos, simples e fácil de preencher, que funcione como uma rotina. Estes do momento em que o José teve apoio começou uma nova etapa, a etapa de o José redesco-
registos tornam possível reconhecer, de forma imediata, o que foi acontecendo e mudando brir o mundo que o rodeia e de gostar de fazer parte do mesmo, não estar à margem. Apesar
ao longo do tempo. Deve apenas registar-se a informação que seja relevante para avaliar de o caminho ainda ser longo, a viagem vale bem a pena.
a consecução das metas do programa e que seja de utilidade para a prática. O estarmos a falar com alguém que realmente percebe do assunto e respeita a nossa opinião,
concordando ou não, ela é respeitada.
Os registos são ainda imprescindíveis quando, uma vez terminada a intervenção, se passar a As dicas de como ajudar o nosso menino, e os resultados que daí advêm.
um balanço final, ou seja, à última fase do ciclo de intervenção, a avaliação dos resultados e Não passa uma semana sem que algo novo aconteça, tanto em casa como na creche. Tanto eu
da satisfação da família, como veremos no próximo ponto, “Avaliação dos resultados e satis- como o pai aguardamos sempre com bastante expetativa a chegada da C. com as novidades,
fação”. Mais à frente, no Capítulo 6 “Avaliação de programas de IPI”, encontramos informação as histórias que traz do dia que passa na creche com o nosso filhote.
mais aprofundada sobre formas de proceder à avaliação dos serviços de IPI e tornar-se-á
claro que a inexistência de registos num programa vai limitar seriamente a sua avaliação. Mediador de caso: Se pudessem mudar alguma coisa em relação às minhas visitas, o
que seria?
A monitorização é a reavaliação sucessiva do processo e plano de intervenção através do
Mãe do José: Na verdade, não mudaria nada.
registo e documentação contínua e sistemática do que está a acontecer – desde o início
até ao final do ciclo de avaliação/intervenção. A informação registada e documentada Gosto muito da dinâmica que temos, do à-vontade que temos em partilhar as novidades, os
será importante para a avaliação dos resultados finais. triunfos e os desafios, e do apoio (ombro amigo) que recebemos se precisamos.

Raquel ­– mãe do José, apoiados pelo SNIPI


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

192
Este questionamento regular permite ao profissional perceber se a forma como os serviços EXEMPLO PRÁTICO COMENTADO
estão a ser prestados está a ir ao encontro da expetativas da família, salientando-se aspe-
tos positivos que devem ser mantidos, como no caso da Raquel.

Quando o mediador de caso visita outros contextos, é também importante recolher e regis-
tar as opiniões do cuidador, de forma a readaptar a forma de prestação de serviços:
A implementação de um plano individual
Mediador de caso: O que espera que aconteça durante as minhas visitas? (Quais as suas de intervenção precoce
expetativas em relação às minhas visitas?)

Educadora de sala: As expetativas são sempre as de que me consiga esclarecer/ajudar em


determinadas questões, nas quais por vezes me sinto insegura. Aguardo sempre por algumas
partilhas, em relação a comportamentos do José no contexto da família para que eu consiga
perceber alguns dos seus comportamentos.

Mediador de caso: Se pudesse mudar alguma coisa em relação às minhas visitas, o que Tinha chegado o momento de implementar o PIIP…
seria?
Após ter sido feita uma EBR [entrevista baseada nas rotinas] com os pais Práticas participativas: Envolver a
Educadora de sala: O que eu mudaria nas visitas da C. seria os períodos em que vem, pois
e com a educadora e priorizados os objetivos, foram definidos como lo- participação da educadora logo no
penso que seria importante que observasse a criança noutras rotinas, por exemplo nas refeições. momento da planificação das visitas.
cais de apoio a creche, com visitas semanais, e o domicílio, com visitas
Ana – educadora do José, apoiados pelo SNIPI mensais. A educadora foi envolvida para selecionar o horário que sentia
ser o mais adequado e confortável para si e ao mesmo tempo ajustado
às possibilidades da RC.
O registo da informação que advém da implementação da IPI será, também, importante
para a avaliação dos resultados e satisfação das famílias, como veremos no ponto seguinte. Depois disso, a RC tinha em mãos agora o desafio de, independente-
mente de os contactos mais regulares serem com a educadora na creche,
continuar um processo em que as preocupações e prioridades da família
seriam sempre as norteadoras do processo, respeitando genuinamente
EM SÍNTESE: os seus desejos e escolhas. A RC compreendia a importância de con-
quistar a confiança da educadora e de ser mediadora de uma relação
Práticas recomendadas na implementação do PIIP: de parceria entre a família e educadora, e assim constituírem-se como
uma equipa de trabalho coesa com uma participação plena de todos. Práticas relacionais: Importância da
1. Construa e mantenha uma relação de confiança e colaboração com a família (e
Para isso pensou-se desde logo, em conjunto, diferentes formas de ir comunicação no estabelecimento da
outros profissionais envolvidos);
estabelecendo a comunicação: com possibilidade de trocas de infor- relação de confiança com todos os
2. Na primeira visita, após escreverem o plano, reveja-o e planeie, em conjunto com mação por email; contactos telefónicos regulares; registos escritos das intervenientes no processo.
a família, como utilizar o tempo das suas visitas, analisando as expetativas da fa- visitas num caderno de articulação (onde outras informações relevantes
mília (e outros profissionais envolvidos); podiam ser colocadas e que estava disponível para utilização e consul-
ta de todos, sendo transportado diariamente na mochila); e reuniões
3. Nas visitas seguintes, use sempre o PIIP como um guia para planificação e moni-
presenciais, periodicamente agendadas com todos os envolvidos no
torização da intervenção;
processo (família, educadora e RC), umas previamente fixadas no PIIP
4. Participe com a família ou outros cuidadores e a criança nas atividades/rotinas, para os momentos formais de reavaliação e outras agendadas mediante
já que é nos contextos reais que a criança aprende e usa novas capacidades e iniciativa de um dos intervenientes e acordo da família. Também ficou
comportamentos; reforçado que nos momentos em que os pais deixavam ou iam buscar
5. Reveja em conjunto, expanda ou crie estratégias, atividades ou rotinas para conti- o T. havia a disponibilidade por parte da educadora e da auxiliar para
nuar o progresso alcançando com os objetivos e dê resposta a novas preocupações trocarem informações.
ou interesses da família;
Os objetivos da intervenção estavam claramente definidos no PIIP, onde
6. Modifique o apoio e serviços de forma a dar resposta às mudanças nas estraté- a educadora tinha tido um papel ativo na avaliação e planeamento da
gias, atividades ou rotinas da família; intervenção. Havia o reconhecimento da sua enorme importância e de
7. Prepare e apoie revisões formais do PIIP. todos os esforços que já tinha feito desde que tinha começado a acom-
panhar a criança até ao momento em que fez a referenciação. A mãe
( Workgroup on Principles and Practices on Natural Environments, 2008)
estava agora mais consciente e informada daquilo que preocupava a
educadora, compreendia melhor como funcionava o T. naquele contexto
e tinha percebido mais aprofundadamente como aquele ambiente es-
tava organizado no dia a dia… Embora numa primeira reunião apenas
a preocupação com o atraso na linguagem aparentasse ser comum, na
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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realidade vários pontos de contacto havia entre as suas perceções, por coisas em casa. Essas trocas foram-se intensificando ao longo do tem-
Práticas participativas: O efeito em
exemplo a necessidade de compreender aquilo que está a comunicar po sem a intervenção/ação direta da RC.
cascata destas práticas, resultando
através do choro e também o pouco foco e capacidade para a criança na autonomia dos cuidadores.
persistir em diversas atividades ao longo do dia. Estes eram aspetos do
comportamento que nos primeiros contactos não tinham sido falados Reflexão:
e foi curioso o reconhecimento mútuo de coisas semelhantes “em casa
também faz assim, circula por todo lado, mas não parece querer fazer Enquanto profissional, a RC tinha sido treinada para trabalhar direta- Qualidade técnica: Conhecimento
Práticas participativas: Escutar e
nada em particular”. mente com a criança… Fazia-lhe sentido trabalhar de um outro modo, acerca dos diversos modelos de
compreender as expetativas da edu- mas tinha o receio de “não cumprir” as expetativas que os cuidadores apoio e do seu nível de eficácia
cadora acerca de como quer que a A RC desde o início procurou compreender as expetativas da educado- teriam em receber um serviço tradicional baseado num modelo clínico. quando se trata de apoiar crianças
IPI a apoie nas suas necessidades. ra partindo daquilo que já era feito no contexto educativo. Planificaram em idades precoces.
Prestar um serviço como consultora à educadora constituía um efeti-
como iriam ser estruturados os momentos das visitas. Assim, a educa- vo desafio e rompia com os modelos de apoio que a educadora tinha
dora tinha exposto sentir a necessidade em alguns momentos de a RC tido anteriormente. Mas foi com a sua atitude e atuação clara e con-
participar em conjunto com ela em algumas atividades/rotina e perceber sistente que isso foi sendo construído, a disponibilidade da educadora
através de demonstração e exemplificação como podia atuar no dia a não aumentou porque a RC explicou teoricamente o modelo em que
dia. O momento da história na manta em que se pretendia que o T. per- se baseava para intervir daquela maneira… mostraram-se diferentes
manecesse sentado e atento à história era um desses exemplos. Outras possibilidades, a RC não se focou em dizer o que estava “impedida” de
Qualidade técnica: Planificar e par- visitas poderiam basear-se em trocas de informações entre ambas. A fazer, estava simplesmente centrada em fazer a educadora sentir e re-
tilhar aquilo que se espera com os educadora indicou poder organizar o trabalho de modo a ter encon- conhecer o seu poder num processo que era seu. De facto, no final de
momentos de conversa com a edu- tros individuais com a RC e estar disponível para tranquilamente falar cada visita, quando se trocavam informações sobre o que tinha acon-
cadora exige que o profissional sobre o que tinha ocorrido na semana anterior, focando-se as novida- tecido, a RC celebrava aquilo que a educadora tinha feito com eficácia.
de IPI tenha muito presente qual o des, monitorizando as evoluções em cada objetivo e planificando para
seu papel.
Durante o apoio, a RC elogiava as estratégias da educadora. Algumas
a visita seguinte pequenos passos e eventual diversificação de algumas coisas a educadora nem parecia ter consciência de as ter feito, contu- Práticas participativas: Fortalecer
estratégias. O enfoque estava em proporcionar as melhores oportuni- do, ao longo do tempo, foi-se sentindo tecnicamente mais sustentada e a confiança da educadora, aumen-
dades para apoiar e aconselhar a educadora. segura. A RC prestava informações que a ajudavam nesse sentido, “ha- tando a sua competência para dar
resposta aos desafios do dia a dia.
bitualmente esta estratégia costuma resultar, mas a educadora é que vê
Gradualmente, a educadora começou a ter a noção de que compreen- se esta estratégia lhe faz sentido, se sente que é exequível na sua prática
dia e controlava melhor o comportamento do T. e atribuía a si própria diária e decide ou não implementá-la”. Em cada visita, a RC ajudava a
os esforços para a mudança, foi demonstrando estar mais consciente identificar as conquistas ocorridas e a educadora sentia que os suces-
do enorme impacto das suas ações. Na realidade muitas coisas eram a sos advinham da sua atuação.
continuação do que já anteriormente fazia, mas agora estava mais cons-
ciente do que ela e a família queriam e de como haveria de atuar, tinha
assim uma intenção mais explícita e estava mais atenta às oportunida-
des que iam surgindo. Tinha a segurança de poder partilhar isto com PARAR PARA PENSAR:
a RC e família, não se sentindo sozinha nesse caminho. Anteriormente
o T. circulava sistematicamente pela sala com um carrinho de bonecas • Neste caso, o que acha que esteve na base de todo o envolvi-
vagueando pela sala sem um objetivo aparente. A educadora passou mento da educadora na implementação do PIIP?
a estar mais dedicada à observação da brincadeira e tinha verifica-
do necessidades comuns a este nível num grupo de crianças, algumas • Qual o estilo de interação utilizado pelo mediador de caso?
crianças selecionavam sistematicamente os mesmos brinquedos e di- • De que forma é que foi possível transformar o contexto natural
versificavam pouco a sua exploração. Para isso experimentou algumas da criança num contexto inclusivo?
adaptações (redefiniu os cantos da sala, retirou materiais e colocou
• Quais os efeitos da mediação da relação entre a família e a
informação visual mais clara). Nos momentos de brincadeira livre via
educadora?
agora o T. a descobrir e resolver problemas, começava por exemplo a
empilhar peças de legos, e estava alerta para ver quando necessitava • Quais as estratégias que pode utilizar para facilitar a comuni-
de agir, encorajando-o a persistir. Estas mudanças tiveram impacto na cação efetiva entre a família e os educadores?
forma de estar do T., mas também todo o grupo e ambiente pareciam
• De que forma as práticas da mediadora de caso se comparam
agora estar mais tranquilos e organizados.
com as da sua equipa?

A mãe, por seu lado, começou a sentir que o filho estava mais bem inte- • Que estratégias poderá utilizar para implementar práticas como
grado e que lhe eram explicadas as situações e prestadas informações estas?
com detalhe. O choro a que persistentemente assistia quando deixava • Na sua equipa, quais as estratégias relacionais que utiliza mais
o T., a constante informação vaga “correu tudo bem” ou queixas breves frequentemente na implementação do PIIP?
de “hoje esteve muito chorão”, etc. foram diminuindo. Ao contrário do
que anteriormente acontecia, a educadora não via a mãe simplesmente • Na sua equipa, existe a prática de conhecer previamente a abor-
como recetora da informação, dizendo-lhe o que ia observando, mas dagem utilizada nos contextos formais de educação e cuidados
também procurava recolher informações sobre como iam correndo as onde presta apoio?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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4.7 AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA sobre como se está a desenvolver a intervenção e pode impossibilitar tirar conclusões sobre
os fatores que podem ter feito a diferença nos resultados para a criança e para a família.
INTERVENÇÃO E DA SATISFAÇÃO Numa perspetiva de intervenção centrada na família, esta deve participar ativamente no
                DA FAMÍLIA processo de avaliação, sendo simultaneamente ator e objeto desse processo.

No último momento do ciclo de intervenção são avaliados os resultados da AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS
intervenção e a satisfação da família com os serviços e recursos que re-
O que é importante na avaliação dos resultados e da satisfação:
cebe/recebeu ao longo do processo de intervenção precoce. A avaliação
pode ter dois tipos de finalidades: (1) a revisão dos objetivos que tinham • Determinar o nível de execução dos objectivos (com a avaliação do próprio PIIP);
sido definidos e redefinição de novos; ou (2) fazer um balanço final de • Analisar que outros resultados se alcançaram e se estes estão relacionados
todo o processo de IPI. com a intervenção;
• Obter a validação da intervenção pela família;
Esta avaliação de resultados e da satisfação da família corresponde a um elemento do ciclo • Definir até que ponto a intervenção se dirigiu às preocupações, prioridades e
contínuo que pode, ou não, coincidir com o fim do programa de IPI: expetativas da família (satisfação da família);
1. Quando não coincide, estamos em pleno na implementação e monitorização da • Monitorizar o progresso, de modo informal ou estruturado, relativamente aos
intervenção, onde são consideradas as mudanças da família, a redefinição de ob- objetivos para a família e para a criança.
jetivos e a consequente planificação de novas intervenções;
(adaptado de Simeonsson et al., 1996)
2. Quando coincide com o final dos serviços de IPI, pode perspetivar-se a eventual
transição para outro serviço, interessando então avaliar os resultados ao longo de
todo o processo de intervenção, bem como a satisfação da família, analisando até
que ponto as expetativas e as metas iniciais da família e dos profissionais foram A avaliação da intervenção e dos resultados deverá, assim, incluir dois níveis de análise:
realmente alcançadas. Trata-se, neste último caso, do momento formal para fazer
1. O progresso da criança em cada objetivo definido no PIIP (funcionalidade da criança);
um balanço final do trabalho conjunto que foi sendo realizado, sendo a sua concre-
tização facilitada se, ao longo do processo, tiverem sido recolhidos elementos que 2. A satisfação da família na sequência da IPI:
permitam agora uma análise final, tal como abordámos no ponto anterior quando
a. Se a intervenção correspondeu àquilo que inicialmente identificou como de-
focámos a importância dos registos.
sejos e expetativas para si e para a sua criança;
Uma vez que a monitorização da intervenção foi amplamente explorada no ponto ante- b. Qual a capacidade e o nível de confiança que sentem para serem os princi-
rior, vamos neste último ponto abordar apenas a avaliação dos resultados da intervenção e pais intervenientes no desenvolvimento do seu filho.
da satisfação da família.
Em muitos serviços a avaliação do progresso da criança é feita recorrendo ao uso exclusivo
Avaliação do
O principal objetivo da avaliação da intervenção e da satisfação da família é obter resul- ou complementar de escalas de avaliação formal do desenvolvimento. Assim, após a inter- paradigma da
tados que possam ser utilizados de forma útil por todos os elementos da equipa (família venção, a criança passaria por um processo de avaliação formal no sentido de se aferir se criança
e profissionais) na tomada de decisões com vista à promoção da eficácia dos programas existiu ou não evolução ao nível do seu desenvolvimento. Esta prática é, sobretudo, observa-
de intervenção. Para além de dados referentes à satisfação das famílias, esta avaliação da em intervenções que se dirigem à correção dos “défices” da criança e aos seus domínios
implica uma recolha sistemática de informações sobre as atividades desenvolvidas, as ca- de desenvolvimento.
racterísticas e os resultados que foram sendo obtidos tendo em conta os contextos em que
a intervenção ocorre. Porém, a utilização de testes normativos poderá servir para monitorizar a evolução do desen-
volvimento da criança ou para dar resposta a dúvidas da família e dos profissionais. Assim,
O ciclo de intervenção proposto por Simeonsson e colaboradores (1996) pode servir como aquilo que o profissional deverá acautelar é que a família deseja este tipo de informação,
enquadramento para a avaliação dos resultados dessa intervenção. Estes autores conside- garantindo que o recurso a instrumentos estandardizados de recolha de informação não se
ram fundamental identificar e compreender, desde o início da intervenção, os resultados limite a responder às dúvidas do profissional enquanto especialista de determinada área,
esperados pelas famílias, quais as suas expetativas relativamente à criança, a si próprias e ou a constituir a única forma de avaliar os resultados. Deverá sempre ser complementar a
aos serviços e tentar ao longo da intervenção harmonizá-las com as expetativas dos profis- outro tipo de recolha de informação mais vasta e que inclua as perspetivas da família acer-
sionais, num processo de colaboração. ca de como correu a intervenção.

Este último momento do ciclo é, assim, condição essencial para se garantir que os serviços Em contraste com a avaliação formal do desenvolvimento, uma abordagem funcional cen-
são prestados de forma verdadeiramente coincidente com as expetativas da família, já que tra-se na avaliação e recolha de informação acerca do sucesso, capacidades e participação
este aspeto irá condicionar o sucesso da intervenção e a sua satisfação com o programa. da criança nos seus contextos naturais e na análise do nível de funcionalidade da mesma
em casa, na comunidade e nos outros contextos de vida como consequência da intervenção.
Importa ainda que nos asseguremos de que os efeitos e resultados observados podem, de
facto, ser atribuídos à intervenção, o que implica que tenha havido previamente registo e re-
colha de dados em cada um dos momentos do ciclo. A falta destes registos limita o feedback
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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O D. tem feito, ao longo deste período de intervenção, várias evoluções que deixam todos os A resposta a algumas das questões seguintes pode levar a uma compreensão do impacto
intervenientes muito satisfeitos. É uma criança muito viva e feliz, sempre com um sorriso no global da intervenção e orientar o processo de avaliação dos resultados. Alguns exemplos
rosto, mas também muito determinado e senhor do seu nariz, sabendo bem o que quer e o que de questões relativas:
não quer.
1.  À criança:
No início, mostrava interesses muito restritos (animais), brincava sozinho e não permitia que Envolve-se com objetos e pessoas no seu dia a dia?
nenhum par interviesse na brincadeira. Quando não era orientado, mostrava-se um pouco “per-
dido”, recusando realizar as atividades propostas. Desenvolveu novas competências para a autonomia nas atividades ao longo
das rotinas?
Atualmente, consegue manter-se sentado durante a realização de atividades que assim o exijam.
Participa ativamente nos diversos contextos onde se encontra?
Mostra compreender o que lhe é dito. Ao nível da socialização, era uma criança que mostra-
va bastante dificuldade em relacionar-se com os pares, isolando-se destes. Agora procura-os,
brinca e é muito acarinhado por eles. 2.  À família:
Sente-se eficaz na resolução dos problemas do dia a dia?
Testemunho de uma profissional de IPI
Sente-se competente para ativar os recursos que tem ou procurou outros recur-
sos para responder às suas necessidades?
Avaliação da
A avaliação da satisfação das famílias, embora levante algumas questões que serão abor-
dadas no Capítulo 6, é essencial não só para se sentirem realmente envolvidas e valorizadas Sente que os resultados alcançados são consequência da sua própria ação?
satisfação da
família mas também porque o seu testemunho é muito importante no sentido de identificar os as-
petos mais positivos e as eventuais limitações da intervenção, sempre tendo como meta a 3. Aos contextos:
melhoria da resposta de IPI.
Promovem atividades em que a criança pode expressar os seus interesses e de-
senvolver novas competências?

Na qualidade de mãe de um menino especial, a intervenção precoce foi para mim uma ajuda As atividades do dia a dia incluem pessoas, materiais e objetos que promovem e
natural para lidar com o dia a dia, pois com o acompanhamento de uma técnica tudo se tornou suportam o fortalecimento e a aprendizagem de novas competências da criança?
de uma forma simples mais claro. Foi estranho ao início receber no domicílio alguém que não Facilitam um estilo de interação com a criança altamente responsivo e minima-
conhecemos e que no fundo me vinha “ensinar” como lidar com o meu filho, mas que rapida- mente diretivo no sentido da promoção das suas aprendizagens diárias e partindo
mente se tornou numa companhia que ao mesmo tempo que apoiava o menino também me dos seus interesses e habilidades?
apoiava a mim enquanto mãe, ouvindo-me, orientando-me, pois nem sempre foi fácil aceitar
resultados médicos e situações de recuperação de intervenções cirúrgicas do menino, e sem Promovem e reforçam a participação da criança?
dúvida vi na técnica de intervenção uma forma de desabafo e de partilha.
Neste processo de avaliação do impacto global da intervenção é igualmente importante que
Durante o tempo de acompanhamento senti que não estava sozinha, que em qualquer situa- se avalie se a ação do profissional coincidiu com as preocupações inicialmente manifestadas
ção de maior dificuldade tinha uma pessoa que estava dentro da situação familiar e que tinha pela família e se a ajuda prestada foi pautada pelas diversas componentes de práticas de
respostas para mim sempre que havia dúvidas, como realizar tarefas com o meu filho e não só, ajuda eficaz: da competência técnica; práticas relacionais e práticas participativas. Práticas de
também no aspeto burocrático (preenchimento de documentos, pedidos de apoios, etc..) este- ajuda eficaz
ve sempre à altura de me dar a orientação necessária.
• Ao nível da competência técnica, o profissional poderá avaliar se:
Considero, sem dúvida alguma, que a equipa de intervenção foi uma mais-valia para o desen-
Prestou o apoio informativo, material e emocional em resposta às necessidades da
volvimento do meu filho e também para a minha orientação enquanto mãe.
família; não fez juízos de valor em relação às diferenças e preferências pessoais,
Testemunho de uma mãe apoiada pelo SNIPI familiares e culturais; promoveu a utilização pela família de informação completa,
fidedigna e imparcial no sentido de apoiar e fortalecer os conhecimentos e competên-
cias da mesma; promoveu a compreensão e utilização de estilos parentais responsivos
O nível de realização dos objetivos e de satisfação das necessidades deve ser avaliado utili- e que apoiam o desenvolvimento da criança.
zando as mesmas medidas e procedimentos utilizados na sua definição. Se, por exemplo, um
objetivo foi definido a partir da necessidade de um pai de obter mais informação e suporte, • Ao nível das práticas relacionais, o profissional poderá avaliar se:
apenas esse pai poderá avaliar se essa necessidade foi satisfeita (McGonigel et al., 1991). Demonstrou uma atitude acolhedora e atenciosa para com a família; foi responsivo
aos interesses, preocupações e necessidades da família; demonstrou flexibilidade e
Mas o que acontece, mais frequentemente do que se desejaria, é que não é tida em conta responsividade relativamente à situação da família.
a perspetiva desse pai, sendo a avaliação feita apenas com base na perspetiva do profis-
sional. Uma outra atitude que importa contrariar é a não valorização pelo profissional de • Ao nível das práticas participativas, o profissional poderá avaliar se:
algumas das expetativas iniciais da família, que não são depois avaliadas no final. Se algu- Discutiu com a família as diversas alternativas e as suas implicações para respon-
ma destas situações acontece, a avaliação é feita exclusivamente em função da perspetiva der às necessidades da mesma; apoiou as escolhas e as decisões da família; usou as
dos profissionais, refletindo apenas a sua visão e indo contra toda uma perspetiva de inter- forças da família para atingir os resultados desejados; envolveu ativamente a famí-
venção centrada na família. lia na implementação da ação; incentivou a família a utilizar um leque alargado de
apoios e recursos comunitários, informais e formais, para alcançar os seus objetivos.
(adaptado de Roper & Dunst, 2003)
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

200 201
O testemunho seguinte, da irmã de uma criança apoiada em IPI, mostra como a interven- 8. Interessou-se pela nossa família e não desistiu de nós;
ção pode ter como resultado o fortalecimento de toda a unidade familiar e melhorar o seu
9. A equipa abriu caminho à minha família para outros serviços (cantina social).
funcionamento:
Testemunho de uma família apoiada pelo SNIPI

Desde que a ELI entrou na minha família existiram varias mudanças, como por exemplo:

Mãe:
NÃO SE ESQUEÇA QUE:
1. A mãe está menos deprimida;
2. Dorme menos durante o dia;
Tendo sempre presente a abordagem centrada na família, os resultados da inter-
3. Já passa roupa a ferro; venção deverão espelhar que:
4. Deixou de beber, só bebe à refeição;
• Foram criadas oportunidades para que todos os membros da família demons-
5. Tem cuidado com a sua saúde (vai às consultas e a todas as injeções); trassem e adquirissem competências que consolidassem o funcionamento
6. Está mais responsável; familiar (CAPACITAR);

7. Segundo o meu irmão, “a mãe está mais gira”;


• As capacidades da família foram realçadas de modo a promover um sentido
8. Na comunidade sinto-me acolhida. claro de controlo e domínio sobre os aspetos importantes do funcionamento
familiar (EMPOWERMENT).
Casa:
1. A casa tem um ambiente melhor;
2. Está mais limpa;
3. Mais arrumada; Estes dois pontos refletem a essência de uma intervenção de qualidade dentro de um mo-
delo de intervenção centrado na família.
4. Mais arranjada;
5. Tem uma sala onde receber os amigos. Quando nos preocupamos com a qualidade dos serviços que prestamos, uma cultura de
avaliação é fundamental. De facto, só tendo consciência do efeito das intervenções (daqui-
Pai: lo que de mais positivo ou de menos positivo resultou dos nossos esforços), dos caminhos ou
1. A chegada do pai foi uma força para a família; estratégias que conduziram a esses resultados é que podemos, de uma forma continuada,
2. Ele esforça-se; ir melhorando as nossas práticas.
3. É trabalhador;
Neste momento do ciclo de intervenção, quando falamos da avaliação da intervenção e da
4. Gosta de ter as coisas arrumadas;
satisfação da família, estamos a referir-nos a uma avaliação casuística das situações. No
5. Se não fosse ele, as coisas não tinham andado para a frente; Capítulo 6, dedicado às práticas recomendadas na avaliação de programas de IPI, abordare-
6. Ele mantém o respeito em casa; mos esta questão numa perspetiva global, a nível do conjunto de procedimentos, estratégias
7. Segundo o meu irmão, “o pai é forte”. e abordagens que caracterizam o funcionamento de um determinado modelo de intervenção.

EU (irmã):
1. Gosto muito da minha família e queria muito mudar;
2. Não sou nada organizada;
3. Sou responsável;
4. Segundo o meu irmão, sou “fofinha”.

Equipa:
1. A equipa deu força;
2. Encorajou a família;
3. Foi o ponto de partida para a família resolver os problemas;
4. A técnica é simpática;
5. A técnica sempre respeitou a nossa família;
6. Não criticava;
7. Só sugeria;
PARTE II — Introdução
Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

203
EXEMPLO PRÁTICO COMENTADO
PARAR PARA PENSAR:

1. Neste caso, o que pensa que a equipa poderá ter feito para
levar a família a sentir, como resultado da intervenção, que as

Avaliação dos resultados e satisfação


suas potencialidades foram “maximizadas”?

2. Um dos princípios fundamentais da IPI é que a intervenção

da família deverá promover o controlo e domínio da família sobre os as-


petos que considera centrais no seu funcionamento familiar.
Que tipo de ações desenvolve que possam facilitar a prática
deste princípio de capacitação e empowerment?

3. Na sua equipa, com que métodos e procedimentos é efetua-


da a avaliação dos resultados da intervenção e da satisfação
da família?
Há alguns anos, quando a nossa filha (Ana), depois de esboçar um de-
senvolvimento sem intercorrências, nos mostrou sinais de alerta, não
iniciámos um caminho de “parentalidade especial”. Simplesmente con-
tinuámos a nossa caminhada, iniciada quando nos constituímos família,
contornando lentamente, com uma motivação especial e com ajuda, os
desafios que foram surgindo.

Porque sentimos que o desafio era de dimensões superiores à nossa


Qualidade técnica: Dar resposta
capacidade de resposta, pesquisámos que ajuda poderíamos solicitar
atempada às necessidades da fa-
mília, apoiando e fortalecendo as para a nossa filha... e, em conjunto com a educadora de infância, solici-
suas competências. támos o apoio da intervenção precoce. Honestamente, pensámos que a
resposta seria demorada, mas no momento da primeira consulta (con-
sulta de diagnóstico) fomos acompanhados por uma técnica da IPI que
já tinha cerca de dois meses de intervenção com a Ana e connosco pais.

É interessante que na última reunião relembrávamos com graça que


as conversas com os técnicos da IPI começavam com um “desculpa” e
terminavam com o “obrigado” …, e de facto, a intervenção foi tão pró-
xima e tão à nossa medida, tão consoante a nossa disponibilidade, tão
compreensiva com atrasos, tão verdadeiramente interessada nos nos-
sos sentimentos, emoções e satisfação das nossas necessidades como
família, na resposta a todas as grandes angústias, na mediação de soli-
citação de direitos, na reflexão assertiva do cumprimentos dos deveres,
tão importante e tão facilmente esquecida quando a nossa subjetivida-
de e emotividade se impõe… tão para além do que supúnhamos ser um
Práticas relacionais: Importância de
ser flexível e responsivo aos interes-
direito, que sentíamos enorme gratidão.
ses, preocupações e necessidades
da família. Habitualmente o ser humano para obter qualquer bem essencial neces-
sita de oferecer algo em troca. Qualquer consulta ou terapia exigiu de
nós um esforço económico significativo com necessidade de dedicação
laboral intensiva por parte do pai, possibilitando uma disponibilidade
e flexibilidade da mãe para maximizar o tempo de interação familiar.
A IPI foi gratuita, foi suporte desde o início, foi articulação com todas
as outras entidades intervenientes, desde a ativação até à alta, fez-se
presente e disponível… de tal modo que é impossível não sentir esta li-
gação que é verdadeiramente especial com cada profissional que fez a
Práticas participativas: Apoio que
promove as forças da família e que diferença no todo da IPI à nossa filha… na capacitação da nossa família
resulta em sentimentos de controlo para a maximização das suas potencialidades para o exercício de uma
e domínio sobre os aspetos impor- parentalidade saudável, informada e promotora da inclusão.
tantes do seu funcionamento.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

204 205

4.8 O PROCESSO DE TRANSIÇÃO TRANSIÇÃO

O planeamento da transição deve considerar:

• Quando deve iniciar-se a planificação dessa transição?


Transição é um processo que ocorre sempre que há uma mudança ou al- • Quais as necessidades da família em relação a essa mudança/transição?
teração na vida das crianças e famílias, nomeadamente quando termina
o programa de intervenção precoce e se dá a passagem para outro con- • Que resultados pretende a família com essa mudança/transição?

texto ou serviço. A planificação e preparação cuidadas deverão assegurar • Quais os apoios e estratégias pertinentes para fazer face a essas necessidades?
que essa mudança ocorre da forma mais harmoniosa possível.
• Qual o nível de suporte que a família necessita do profissional para que essa
transição seja eficaz?
O apoio da IPI ao longo do processo de intervenção deve promover a capacitação da fa-
mília de forma a maximizar o seu potencial para controlar a sua vida e utilizar os recursos
que considera necessários, para si e para a criança, de forma autónoma e independente
A planificação e preparação cuidadas de cada transição pode assegurar que a mudan-
dos profissionais de IPI.
ça ocorre de forma oportuna e eficaz. A planificação da transição poderá ainda minimizar
o stress familiar e constituir-se como uma oportunidade para o seu crescimento enquanto
Acima de tudo, o PIIP deve ser conduzido pelos valores e decisões da família e não pelos família. De facto, se a IPI promoveu a capacitação e o empowerment, espera-se que a fa-
valores e decisões dos técnicos. Afinal, é a família que será afetada pelos efeitos da mília seja capaz de mobilizar competências adquiridas para as utilizar nos novos contextos.
intervenção.
É a família que viverá com os resultados (McWilliam et al., 1996).

Ao longo do apoio da IPI, a família irá passar por diversas mudanças e momentos de tran-
sição (por exemplo a transição de casa para a creche ou para a ama, a transição da creche
para o jardim de infância, a transição do jardim de infância para o 1º Ciclo do Ensino Básico
ou a transição da IPI para a Educação Especial, etc.). Estas mudanças de contexto ou de ser-
4.8.1 QUAL O PAPEL DO MEDIADOR DE CASO
NUM PROCESSO DE TRANSIÇÃO?

viços, exigindo que a família assuma novos papéis, se confronte com novos profissionais e O nível de confiança da família para, com maior ou menor autonomia, resolver problemas
novas realidades, poderão levar ao surgimento de novas expetativas e prioridades e, con- e tomar decisões é tão distinto quanto diferenciadas são as suas características específicas.
sequentemente, à necessidade de elaboração de um novo plano. Assim, o papel do profissional terá também de ser distinto e adaptado a cada família. Em
Revisões do algumas situações esta poderá precisar de um suporte mais intenso, por exemplo solicitan-
PIIP
do ao profissional que a acompanhe a reuniões com outros profissionais de outros serviços
Tendo em conta as alterações nas necessidades e preocupações da família, o profissional,
para onde a criança irá transitar, enquanto outras famílias poderão unicamente precisar
em cada contacto com esta, deverá garantir que os objetivos e estratégias do PIIP sejam
de apoio na preparação dessa reunião, discutindo aquilo que são os aspetos centrais a ser
informalmente revistos e avaliados ao nível da sua adequação e eficácia. Como documen-
abordados nesse contexto.
to dinâmico, o PIIP deverá constituir-se, em qualquer momento, como uma reflexão fluída
acerca dos objetivos desejados pela família (McGonigel et al., 1991), devendo também incluir
um plano de transição (Guralnick & Conlon, 2007). Nem todas as famílias adquirem o mesmo nível de autonomia na resolução de problemas
ou tomada de decisões. Contudo, isto não significa que não sejam elas as principais deci-
soras acerca de todos os aspetos das suas vidas. Significa sim que a ajuda prestada pelo
Quando se prevê uma transição, só uma planificação atempada poderá contribuir para re-
profissional será diferenciada, mas sempre no sentido de fortalecer o seu funcionamento e
duzir a inquietação e o stress das crianças e famílias perante uma situação desconhecida.
autoconfiança, conduzindo-as a níveis cada vez mais elevados de autonomia e participa-
O papel do profissional não será o de dirigir o curso da ação, resolvendo as situações pela
ção na tomada de decisões.
família, mas passará, num primeiro momento, por refletir conjuntamente com ela acerca
daquilo que será feito e em que aspetos precisará do seu suporte.
O profissional pode orientar a família na tomada de decisões, o que é substancialmente di-
ferente de resolver os problemas pela família.
Plano de Para isso deverá, em conjunto com a família, identificar que transição vai ocorrer, assegu-
transição rar-se de que a família tem informação sobre questões relevantes inerentes a essa mudança
e analisar várias questões que permitirão a construção de um plano de transição: O profissional poderá apoiar a família:
• Na escolha do jardim de infância, da escola ou de outros futuros serviços;
• Na análise dos recursos disponíveis, programando visitas ou reuniões com futuros
técnicos e serviços;
• Na reflexão sobre as vantagens e desvantagens de cada opção;
• Na tomada de decisões;
• Na preparação dos documentos e registos que deverão transitar para o novo serviço.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

206 207

4.8.2 COMO DEVE SER PLANIFICADA A O profissional deverá prestar à família todo o esclarecimento necessário, discutindo e
partilhando informação acerca de todas as opções disponíveis para a criança e família,
TRANSIÇÃO DA CRIANÇA PARA providenciando informação escrita ou incentivando a família a explorar e a visitar as diver-
                        OUTROS SERVIÇOS? sas opções.

Neste momento do ciclo, uma revisão conjunta do PIIP deverá resultar na elaboração de um
A parceria estabelecida e mantida durante a intervenção irá continuar no sentido de se pla-
plano de transição que incluirá objetivos, estratégias e os resultados que se pretendem al-
nificar o caminho a seguir após o apoio da intervenção precoce. Esta parceria implica a
cançar no futuro próximo e já depois do fim da IPI.
tomada de decisões conjunta, sempre baseada no pressuposto de que a família só é deci-
sora eficaz quando adquire as competências para resolver os seus problemas e não quando
O profissional de IPI, conhecedor quer da legislação em vigor quer dos procedimentos exigi- Explicar à
Plano de é o profissional a arranjar as soluções.
dos por outros serviços, deverá prestar à família todos os esclarecimentos necessários para família a le-
transição gislação e
uma tomada de decisão informada. Deverá ainda apoiar a família na implementação de
O processo de transição implicará prestar toda a informação e suporte de que a família ne- regulamentos
procedimentos que esta considere indispensáveis, tais como uma avaliação da criança que em vigor, pra-
cessita, dando a conhecer os recursos disponíveis e ajudando-a a desenvolver capacidades
seja essencial para um encaminhamento eficaz, a marcação de reuniões formais de transi- zos aplicáveis
para aceder sozinha a esses recursos, reforçando todas as suas conquistas e sucessos, o que e procedimen-
ção para outros serviços que irão prestar o apoio à criança, e na mobilização dos recursos
resultará em sentimentos de autoeficácia que a fortalecerão para continuar o seu percur- tos necessários
necessários a essa transição. na transição
so e ciclo de vida.

Outro aspeto essencial a considerar no momento da transição e de integração no novo con-


O aspeto central na planificação da transição é garantir que cada família conhece o siste- texto ou serviço tem a ver com a disponibilidade de o profissional de IPI se manter como um
ma de apoio e adquiriu a capacidade e o conhecimento necessários para usar os recursos recurso de apoio à família enquanto ela sentir essa necessidade.
colocados à sua disposição.
Neste processo não deve ficar esquecida toda a vertente relacional, sendo importante re-
No testemunho seguinte, a mãe partilha sentimentos de ansiedade e simultaneamente de conhecer os sentimentos da família (e também os do próprio profissional) acerca do fim da
autoconfiança que evidenciam a qualidade do apoio da IPI e do processo de transição: relação construída no contexto da IPI, ajudando-a focar-se num futuro positivo, celebran-
do com ela, ou outros cuidadores, as suas realizações e sucessos alcançados ao longo da
intervenção. Afinal, “nós corremos os 100 metros… a família corre a maratona…” (M. Espe-
Quando se começou a preparar o plano de transição, confesso que a ansiedade e a inseguran- Sherwindt – comunicação pessoal, 2000).
ça ainda estavam patentes em nós.
Transcrevemos dois exemplos – da Maria e do Xavier –, ambos na transição para o 1º Ciclo
À medida que se foi aproximando o final do apoio, e respondendo às questões que nos foram
do Ensino Básico, planificadas previamente com a família, minimizando o stress que este
feitas em relação ao PIIP, percebemos que os objetivos que foram delineados para a nossa
processo provocava e assegurando a continuidade do apoio.
família foram alcançados e que o grau de exigência para estes mesmos objetivos, sendo alto,
não foi de todo impossível de concretizar. Isto fez-nos ver que não só estávamos preparados
para continuar sozinhos como também estávamos preparados para traçar novos objetivos e Os dois casos foram colocados em conjunto para evidenciar que o plano e procedimentos
continuar a trabalhar num único sentido: manter a nossa família estruturada e feliz. de transição devem ser sensíveis e adequados às necessidades de cada família.

Resta-nos pôr em prática aquilo que aprendemos ao longo destes anos de convivência com a
IPI. No fundo, descobrimos, ou relembrámos, que todos os momentos, felizes ou infelizes, são Maria
nossos. Resta diminuir os maus e desfrutar dos bons.
O plano de transição (integrado no PIIP) foi elaborado no sentido de estabelecer as ações a
Helena – mãe do David, apoiados pelo SNIPI desenvolver com os diversos cuidadores e nos diversos contextos de vida da Maria, preparan-
do a sua transição para o 1.o Ciclo. A mãe referia que estava bastante preocupada com o facto
de lhe ter sido transmitido pela professora de Educação Especial que a Maria deveria ficar mais
Assim, no processo de transição, o profissional de IPI deverá: um ano no jardim de infância. Não era essa a vontade da mãe pois achava que ela não tinha
nada de novo a ganhar nesse contexto e, para além disso, a filha tinha uma boa relação com
1. Preparar a família para a transição;
as outras crianças do seu grupo e estas iriam juntas para a escola. A responsável de caso e a
2. Explicar à família a legislação e regulamentos em vigor, prazos aplicáveis e pro- mãe refletiram acerca da razão pela qual a professora era da opinião que a Maria deveria ficar
cedimentos (planos de transição, reuniões de planificação e recolha de dados). mais um ano no jardim de infância. A mãe informou que ela achava que a Maria não tinha as
(Workgroup on Principles and Practices in Natural Environments, 2008) competências necessárias para responder às exigências do 1.º Ciclo e, nesse sentido, a mãe
solicitou à ELI uma avaliação do desenvolvimento para ficar mais consciente do nível de desen-
volvimento da filha. Sabia que ela tinha dificuldade em aprender e que não tinha as mesmas
A preparação da família para o processo de transição, a iniciar preferencialmente seis me- capacidades que as outras crianças da sua idade em relação à forma como se expressava.
Preparar a ses antes dessa mudança, implica uma série de objetivos que deverão ser considerados no Contudo, achava que a Maria nunca iria estar ao nível das outras crianças, pois tinha um ritmo
família para a apoio prestado pela IPI. diferente. O que a Maria precisava era de apoio para conseguir responder às exigências que
transição a professora assinalava. Nesse sentido, foi realizada uma avaliação formal do desenvolvimen-
É importante que, o mais cedo possível, se converse com a família acerca daquilo que pre- to com o envolvimento da mãe e elaborado um relatório com os resultados partilhados com a
tende para o futuro do(a) seu(sua) filho(a), nomeadamente serviços, locais e atividades nos família. Posteriormente, foi realizada uma reunião de articulação com a família, responsável de
quais pretende que venha a participar. caso da ELI, educadora do jardim de infância e professora da Educação Especial, definindo o
tipo de suporte/apoio que se considera necessário mobilizar para responder às necessidades
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 4 — O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

208 209
e características da Maria no ano letivo seguinte, assim como a definição de qual a documen- Condições para uma transição individualizada e eficaz, baseada nas questões e prefe-
tação/informação necessária para fazer parte do seu processo de transição e que pudesse ser rências da família:
facilitadora da sua inclusão no novo contexto educativo.
• Fornecer informação para que os pais tomem decisões fundamentadas relativa-
Assim, do seu plano de transição constavam diversas ações a desenvolver: mente ao futuro da sua criança;
• Encorajar os pais a visitar, observar e dialogar com os elementos do contexto ou
Avaliação formal do desenvolvimento e elaboração do relatório com os dados da avaliação pela
serviço que acolherá a criança;
responsável de caso da ELI;
• Conversar com os pais sobre quais as informações adicionais que gostariam de
Planificação, pela educadora do jardim de infância, de uma visita à EB1 com a Maria e o grupo obter e qual a melhor forma de as conseguir;
para que conheça o contexto e as rotinas (facilitando a reação a situações novas);
• Desenvolver o plano de transição em conjunto com a família, definir os passos a
Informação prestada à família acerca do tipo de apoio previsto para o 1.º Ciclo; seguir, informação a obter e pessoas a envolver no processo;
Reunião de articulação entre todos os intervenientes no apoio (família, responsável de caso, • Estabelecer procedimentos baseados na articulação entre a família/IPI e os ele-
educadora do jardim de infância e professora da Educação Especial); mentos dos serviços envolvidos no processo de transição;

Preparação do processo de transição (PEI com medidas e apoios e relatório-síntese do apoio • Analisar/avaliar as exigências do futuro contexto da criança;
prestado pela ELI). • Manter o apoio, disponibilizando-se como recurso para a família durante a fase
de adaptação ao novo contexto.
Xavier
(adaptado de Winton, 1996)
Em janeiro de 2015, a mãe do Xavier partilhou que se sentia bastante ansiosa com a sua tran-
sição para a escola. Quando questionada acerca daquilo que a preocupava em relação a essa
mudança e de que forma essa ansiedade poderia diminuir, a mãe referiu que a preocupava que
PARAR PARA PENSAR:
o apoio dado ao Xavier fizesse com que fosse tratado de forma diferente em relação às outras
crianças. Achava que a sua ansiedade só iria diminuir quando reunisse com o agrupamento e
percebesse exatamente como esse apoio seria prestado. As suas principais questões passa- Reflita acerca das ações a desenvolver na preparação e implementação de um
vam por desejar que a psicóloga do agrupamento conhecesse o Xavier antes da sua entrada plano de transição para a saída da IPI. O Apêndice 1.B pode ser usado como orien-
na escola, que pudesse articular com a família e com a IPI para enquadrar todo o apoio que tador da reflexão, individual ou em equipa.
já tinha sido prestado. Para além disso, precisava saber quais as medidas que estavam a ser
previstas, desejando que fossem o menos restritivas possível. Assim, do seu plano de transição
constava a ação única de efetuar uma reunião de articulação entre os atuais e futuros interve-
nientes no apoio ao Xavier e família.

A reunião com o agrupamento foi solicitada pela família e ocorreu em fevereiro de 2015. Foi
analisado com a família quais os intervenientes que esta considerava serem imprescindíveis
nesta reunião e a mãe indicou que gostaria que estivessem presentes a psicóloga e a diretora
do agrupamento, a professora de Educação Especial (que a mãe sabia que iria ser a mesma
que já prestava o apoio ao Xavier) e a responsável de caso da IPI. Nessa reunião foi feita uma
reflexão conjunta acerca do impacto das medidas educativas na inclusão do Xavier, princi-
pal preocupação da família. A diretora do agrupamento tranquilizou a mãe de que as medidas
Revisão do deverão funcionar como um reforço às aprendizagens e não como uma restrição ou limitação
PIIP à participação ou inclusão do Xavier. Depois de partilhadas todas as informações pela família
acerca dos apoios que esta e o Xavier tinham tido até ao presente e dos resultados alcança-
dos e de a professora de Educação Especial partilhar as competências do Xavier, ficou definido
que se iria iniciar o ano letivo ativando como medida educativa o reforço das aprendizagens
pela professora titular de turma, sendo possível reavaliar as medidas após conhecimento do
desempenho do Xavier.

Após a reunião, a mãe referiu que se sentia mais tranquila e que até já nem considerava neces-
sário que a psicóloga do agrupamento conhecesse o Xavier previamente. Preferia agora que
esse contacto apenas existisse no contexto real (escola) se e quando fosse necessário.

Testemunho de uma ELI

Feedback Em suma, de modo a assegurar que a criança e a sua família recebem o apoio adequado
das famílias àquilo que precisam e desejam, o profissional deverá garantir um processo de transição efi-
acerca do caz que prepare a criança e a família para o sucesso após a intervenção precoce.
processo
210
Um guia para profissionais
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA

Continuum dos modelos de prestação de serviços (adaptado de McWilliam & Scott, 2003)

Inclusivo

Modelo Local Foco do apoio Pares Contexto Papel do educador

Presentes se o
Trabalho em co- Troca informação e opinião com o media-
O educador, re- apoio ocorrer Pode ocorrer
laboração com dor de caso; ajuda a planear as próximas
Dentro ou lacionado com as na sala; não es- dentro ou fora
a educado- sessões do apoio; dá e recebe feedback;
fora da sala necessidades tão presentes do contexto da
ra (consultoria estabelece parceria com o mediador de
da criança se ocorrer fora sala
colaborativa) caso
da sala

Planeia e conduz as atividades incluindo


APÊNDICE 1.A

a criança em questão; observa as intera-


Na sala onde Diretamente mas
Com a criança Presentes com Dentro do con- ções do mediador de caso com a criança;
a criança não exclusivamen-
durante a rotina frequência texto da sala presta informação antes do apoio; troca
estiver te na criança
informações com o mediador de caso após
a rotina

Com todas as
Quando é realizado em pequeno gru-
crianças em gru-
Todas ou algu- po, conduz as atividades com as outras
po e interações
Na sala; pe- mas crianças crianças; se possível, observa ou partici-
Atividade de entre pares; ênfa- Dentro do con-
queno ou no grupo têm pa no grupo de apoio. Quando é realizado
grupo se na satisfação texto da sala
grande grupo necessidades em grande grupo, observa e participa na
das necessida-
especiais atividade de grupo e no planeamento da
des especiais das
atividade
crianças

Na sala mas Conduz as atividades com as outras crian-


Diretamente no Presentes mas
Educadora e a afastado Diferente da ças; impede as crianças de interromper o
funcionamento não envolvidos
criança na sala das outras restante sala apoio; raramente, observa o apoio; presta
da criança no apoio
crianças e recebe informações depois do apoio

Diretamente no
Presta e recebe informação antes e depois
Retirar a criança Em qualquer funcionamen-
De um a seis Diferente da do apoio; decide o cronograma com o me-
da sala com um lugar fora da to da(s) criança(s)
pares presentes restante sala diador de caso e quais os pares que irão
pequeno grupo sala com necessidades
participa
especiais

Em qualquer Diretamente no
Retirar a criança Não estão Diferente da Presta informação antes do apoio e recebe
lugar fora da funcionamento da
da sala presentes restante sala informação depois do apoio
sala criança
PARTE II — Introdução
O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

Segregado
211
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

212 213

APÊNDICE 1.B

EXERCÍCIO PRÁTICO

Passo a passo vamos esboçar um plano de transição

Justifica-se preparar a família para a transição da IPI para outros serviços?

Em conjunto vamos refletir sobre a seguinte afirmação:

“A continuidade dos serviços é essencial para uma transição de sucesso!”

Individualmente:

• Cada um vai redigir um parágrafo justificando a sua concordância ou


discordância.

Em grupo:

• Partilhar e discutir as respostas.

• Redigir as conclusões.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

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Tendo por base um caso apoiado pela sua ELI, reflita acerca das ações que V – Desenvolveu, com a família, um Plano de Transição, que inclui objetivos e atividades
desenvolveu na preparação e implementação do plano de transição para a que preparem a família e a criança para o sucesso após a IPI?
saída da IPI
Identificar objetivos e atividades que levarão ao sucesso posterior:

Preparação do plano de transição

I – Em que momento da relação com a família encetou conversas acerca daquilo que
deseja para o futuro da sua criança, após terminar o apoio da IPI?
Identificar o momento:
Implementação do plano de transição

I – Explicou à família a legislação e regulamentos em vigor, prazos aplicáveis e


procedimentos (planos de transição, reuniões de planificação e recolha de dados)?
O que a família deseja para o futuro:
Ações desenvolvidas:

II – Ajudou a família na preparação de qualquer avaliação formal de que a criança


II - Em que momento a família partilhou o tipo de programas, locais e atividades que necessite?
desejaria que a sua criança participasse após a IPI?
Ações desenvolvidas:
Identificar programas, locais e atividades:

III – Apoiou a família na marcação de reuniões de transição com os intervenientes


III – Partilhou com a família informação acerca de TODAS as opções que existem
que irão trabalhar com a criança depois da IPI?
para a criança e sua família a partir dos 6 anos de idade?
Ações desenvolvidas:
Identificar as opções existentes como resposta às necessidades da criança e da
família:

IV – Providenciou à família informação escrita acerca destas opções ou incentiva-a IV – Apoiou a família na procura de continuidade de suporte caso seja necessário?
a explorar e a visitar estas opções?
De que forma incentivou a família a conhecer as diversas opções: Ações desenvolvidas:
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais O PROCESSO DE INTERVENÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA

216 217
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V – Reconheceu emoções e sentimentos decorrentes do final da relação com a família


Para refletir em equipa:
e ajudou-a a focar-se num futuro positivo?
Ações desenvolvidas:
Neste processo de preparação e implementação do plano de transição:

Ofereceu à família toda a informação necessária para a tomada de decisão acer-


ca daquilo que pretende para o futuro do seu filho(a)?

VI – Celebra com a família ou outro cuidador as realizações e alegrias experienciadas


com a criança? Providenciou o acesso fácil às fontes de informação que poderão ser úteis e im-
portante para a tomada de decisão da família (locais, artigos especializados,
Ações desenvolvidas:
legislação, eventos, etc.)?

Respeitou as decisões da família em relação aos serviços que o seu filho(a) pode-
rá ou não receber no futuro?

A família decidiu em relação aos objetivos do PT e aos processos utilizados para


alcançar esses objetivos?

A maioria dos objetivos, definidos no PT, pode ser atingida no período estipulado
Na elaboração deste plano de transição com a família o que consideraram, para a preparação da transição?
em conjunto, essencial alcançar com:

Ofereceu à família opções de serviços e recursos disponíveis para atingir os obje-


tivos estipulados no PT?
A criança A família Outros serviços
(adaptado de Brass Tacks, 1993)
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

218 219

5
UM SISTEMA INTEGRADO DE
INTERVENÇÃO PRECOCE NA
INFÂNCIA: COLABORAÇÃO
INTERSECTORIAL E
TRANSDISCIPLINAR

Os temas abordados neste capítulo têm em conta não só os interesses dos profissionais que
trabalham nas equipas locais de intervenção (ELI) mas também de outros profissionais com
responsabilidades no planeamento, na organização e coordenação de serviços relaciona-
dos com a intervenção precoce na infância (IPI).

“As políticas e práticas para as crianças em idades precoces são altamente fragmenta-
das com complexas e confusas portas de entrada, que são particularmente problemáticas
para os segmentos da população com menos recursos e com necessidades especiais… Há
já muito tempo que o Estado e os decisores políticos deveriam ter efetuado ações corajo-
sas para desenhar e implementar infraestruturas coordenadas e funcionalmente eficazes
para reduzir a velha fragmentação de políticas e programas para as crianças em ida-
des precoces.” (Report from the Committee on Integrating the Science of Early Childhood
Development of National Academy of Sciences, EUA, 2000)
(Shonkoff & Phillips, 2000, p. 399)

Cabe aos dirigentes e responsáveis políticos de cada país definir políticas e tomar decisões
quanto à organização de medidas, investimentos e afetação de recursos que respondam às
necessidades das crianças em risco ou com problemas de desenvolvimento e suas famílias.

Guralnick (2012), refletindo sobre a organização de serviços e sistemas integrados de IPI,


coloca duas questões fundamentais que se interligam: como assegurar que os responsáveis
nas suas decisões relacionadas com medidas, investimentos e afetação de recursos vão no
sentido de implementar as “melhores práticas” para as crianças e famílias, em detrimento
de outras “menos recomendadas”? Será que os decisores políticos para orientarem e funda-
mentarem as suas decisões se socorrem de conhecimentos científicos, dados da investigação
e evidências e suas implicações nas políticas e nas práticas? Estas duas questões fundamen-
tais estão, de certa forma, na base da organização deste capítulo, dedicado às políticas e
organização sistémica dos serviços de IPI.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

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5.1 É PRECISO UM DIÁLOGO ENTRE


CIÊNCIA, POLÍTICA E PRÁTICA 5.1.1 É PRECISO INVESTIR NOS PRIMEIROS ANOS
DE VIDA
Investir nos primeiros anos de vida passou a ser uma prioridade e uma recomendação es-
tratégica por parte da comunidade científica e de organizações internacionais, apelando a
O alerta é do ano 2000 e vem do Committee on Integrating the Science of Early Childhood
uma maior atenção ao desenvolvimento precoce e à qualidade de vida das crianças mais
Development of National Academy of Sciences, EUA, que nos diz: “(…) As interações entre a
pequenas e das suas famílias (UNESCO, 2009; UNICEF, 2014).
ciência do desenvolvimento precoce na infância, a política e a prática são problemáticas e
necessitam de ser repensadas (…)” (Shonkoff & Phillips, 2000, p.4). Esta é uma realidade co-
Neste sentido, alguns países têm vindo a adotar políticas públicas que se configuram como Uma es-
mum a nível transnacional.
uma estratégia nacional para a infância, aliada a uma política da família, numa lógica tratégia
preventiva de promoção do desenvolvimento e de garantia de direitos (Britto et al., 2013; nacional para
Diminuir o fosso existente entre “aquilo que sabemos e aquilo que fazemos” e pôr a inova- a infância?
Graham Allen, 2011a, 2011b; Shonkoff & Bales 2011). A Convenção dos Direitos das Pessoas
ção e os avanços científicos ao serviço das políticas públicas e das práticas dos profissionais
com Deficiência juntamente com a Convenção dos Direitos da Criança têm vindo a balizar
são uma aposta determinante se queremos melhorar e aperfeiçoar a qualidade dos serviços
a agenda política e a ação de decisores e responsáveis políticos na área da infância e, es-
prestados às crianças nos primeiros anos de vida, sobretudo das crianças mais vulneráveis
pecificamente, na das crianças com necessidades especiais.
por razões biológicas e/ou ambientais, e às suas famílias.

Prevenir e reduzir fatores de risco, promover o desenvolvimento e a qualidade de vida das


Recorde-se que, quando falamos de IPI, não a podemos perspetivar apenas como uma mera
crianças mais vulneráveis o mais precocemente possível passou a ser um imperativo mo-
prática de apoio ou uma prestação de serviços mas temos de a considerar como a conju-
ral e mesmo jurídico e a ser reconhecido como um dos melhores investimentos que um país
gação entre uma filosofia, uma política e uma prática, três grandes dimensões que deverão
pode fazer para reduzir as desigualdades e apoiar o desenvolvimento social e económico
estar articuladas entre si de uma forma coerente e consistente (Figura 5.1).
da sociedade.

FIGURA 5.1   Diálogo entre ciência, política e prática: que intervenção precoce? “A intervenção precoce e a prevenção são essenciais no âmbito da elaboração de políticas
mais eficazes e efetivas, uma vez que as despesas públicas consagradas às consequên-
cias da pobreza infantil e da exclusão social tendem a ser superiores às necessárias a uma
intervenção em idades mais precoces.”
Recomendação da Comissão Europeia (2013/112/UE)
“Investir nas crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade”, (L 59/5)

Comprovadamente, o investimento nos primeiros anos de vida das crianças apresenta um


dos maiores níveis de retorno social e económico para as famílias, para as sociedades e para
os países (Britto et al., 2012; Shonkoff, 2010; UNESCO, 2009; WHO, 2012). A IPI nos primei-
ros anos de vida, dirigida a crianças com deficiência ou em risco e às suas famílias, cumpre
este objetivo.

5.1.2 IPI: OUTRA FORMA DE PENSAR, DE


PLANEAR E DE INTERVIR
A IPI ganhou progressivamente terreno no cenário internacional como um modelo inovador IPI, um mode-
de intervenção integrada no apoio à criança e à família, procurando contrariar a fragmen- lo inovador de
Apesar das limitações existentes há, no entanto, que admitir que no plano internacional tem intervenção
tação das tradicionais práticas terapêuticas e reabilitativas que tipificam as políticas e os integrada
havido progressos importantes neste diálogo relacionado com as questões do desenvolvi- serviços dirigidos a crianças e famílias por organismos distintos da administração pública
mento precoce da criança. Podemos afirmar que a aplicação de conhecimentos científicos (Felgueiras, Bairrão, & Castanheira, 1988; Guralnick, 2005, 2012; Shonkoff, 2010).
e de evidências às políticas e às práticas tem contribuído ao longo dos anos para a evolução
dos modelos de intervenção precoce, desde o seu enquadramento conceptual, passando As visões sistémica e bioecológica (Bronfenbrenner, 1979, Brofenbrenner & Morris, 1998), o
pela organização dos serviços e práticas de ajuda dos profissionais com as famílias e crian- papel central da família no desenvolvimento da criança, (Guralnick, 2005; Shonkoff, 2010)
ças, como também das agendas políticas de diferentes países na área da infância (National ou a abordagem centrada na família (Dunst, Trivette, & Deal, 1988) refletem-se não apenas
Scientific Council on the Developing Child, 2007). no trabalho direto dos profissionais e das equipas com as famílias e crianças como tam-
bém, inevitavelmente, na definição de políticas e nos modelos organizativos dos sistemas e
serviços de IPI.
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Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

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Neste sentido, colocam-se importantes e novos desafios à organização de serviços e à gestão Importa referir que no plano internacional tem sido reconhecido o caráter inovador da polí-
de recursos e fundos no domínio da IPI. Impõe-se progressivamente uma lógica de colabo- tica de intervenção precoce em Portugal, por dispor de uma legislação específica para a IPI
ração entre setores (Saúde, Educação e Segurança Social) e entre áreas disciplinares, bem (Decreto-Lei 281/2009) que estabelece um sistema de responsabilidades partilhadas entre
como de integração de políticas e de medidas legislativas que possam proporcionar res- diferentes ministérios, o que é pouco comum entre os países. Portugal assumiu, assim, uma Caráter ino-
postas mais abrangentes e mais adequadas às necessidades das crianças e das famílias e política pública nacional para a IPI e, ao mesmo tempo, um compromisso social com as fa- vador do
cujos resultados sejam mais eficazes e duradouros. mílias e as crianças que necessitam deste tipo de apoio. SNIPI

Como é natural e desejável, há uma grande diversidade na forma como os serviços de IPI
se organizam nos diferentes países, tendo em conta os diversos contextos políticos, sociais e
culturais. Há, no entanto, um esforço na comunidade internacional para a definição de um

5.2
quadro de referência comum. Guralnick enunciou um conjunto de princípios de ação que têm
sido, em diversos países, um importante contributo no que toca à organização dos serviços UM SISTEMA INTEGRADO DE
e sistemas de intervenção precoce nos seus diferentes níveis (comunidade local, regional e
nacional). A interligação destes princípios tem a sua tradução prática na intervenção cen- COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL
                PARA A IPI
trada na família, como vimos em capítulos anteriores (Guralnick, 2005, 2008, 2013).

Princípios relevantes para os sistemas de intervenção precoce


1. O enquadramento desenvolvimental e a centralidade das famílias devem estar Historicamente, os esforços de colaboração intersectoriais e interserviços têm sido de natureza
presentes em todos os componentes do sistema de IPI; informal e muitas vezes resultaram de projetos inovadores ligados a iniciativas dos próprios
profissionais e das comunidades locais, como temos vários exemplos entre nós (Felgueiras,
2. A integração e coordenação devem estar presentes nos diferentes níveis do sis- Bairrão, & Castanheira, 1988; Pinto et al., 2009).
tema de IPI;
3. A inclusão e a participação das crianças e famílias em programas e atividades A forte evidência dos benefícios de uma colaboração entre setores e entre áreas disciplinares
comuns da comunidade devem ser objetivos do sistema de IPI; no domínio da IPI, a par do reconhecimento da complexidade desta tarefa, foi demonstran- Mecanismos
do a necessidade de se conceber e pôr em prática mecanismos formais de colaboração, formais de
4. Devem ser implementados procedimentos para uma deteção e identificação o colaboração
quer de natureza orgânico-administrativo entre diferentes sistemas e serviços (públicos ou
mais precocemente possível;
privados), quer na constituição e consolidação de um trabalho em equipa entre profissionais
5. A vigilância e a monitorização devem fazer parte integrante do sistema de IPI; de diferentes áreas disciplinares.
6. Todas as partes do sistema de IPI devem ser individualizadas;
Esta tendência, embora sob diferentes formas, tem sido comum a diferentes países e, de cer-
7. Uma avaliação consistente e um processo de feedback devem ser práticas eviden- to modo, foi o que aconteceu em Portugal. Houve a necessidade de criar legislação própria
tes do sistema de IPI; que definisse formalmente um sistema de âmbito nacional para a IPI (o Sistema Nacional de
8. Parcerias efetivas com as famílias requerem sensibilidade às diferenças culturais Intervenção Precoce na Infância – SNIPI). Por definição, como vimos no Capítulo 1 (Parte I),
e uma compreensão das suas implicações desenvolvimentais; o SNIPI corresponde a um modelo integrado de gestão de serviços e recursos assente num
processo de colaboração entre os diferentes agentes (setor público e instituições privadas)
9. As recomendações às famílias e as práticas devem ser baseadas nas evidências;
e as famílias, visando uma ação integrada dirigida a crianças com idades inferiores aos 6
10. Uma perspetiva sistémica requer o reconhecimento das inter-relações entre todos anos e às respetivas famílias.
os componentes.
(Guralnick, 2005, p. 6) Mas o que queremos dizer quando falamos de sistemas integrados de colaboração inter-
sectorial para a IPI?

Sublinham-se alguns destes princípios orientadores pelo seu papel particularmente rele- Os sistemas integrados de intervenção precoce assentam, em regra, na coordenação ou cola-
vante quando se pretende repensar políticas e serviços (Guralnick, 2005; Pinto et al., 2012): boração entre os setores mais relevantes (Saúde, Educação e Segurança Social) visando uma
Colaboração
• A perspetiva desenvolvimental e a centralidade da família refletem o processo integração de políticas, sistemas e serviços, desde as instâncias de planeamento e tomada intersectorial
de desenvolvimento da criança, destacando o papel primordial da família; de decisão de topo, a nível nacional e macro, até às equipas que intervêm na comunidade
com as famílias (Bruner, 1991; Bruder & Bologna,1993; Bruder, 2010; Fine, Pancharatnam, &
• A perspetiva de integração e coordenação dos serviços de IPI enfatiza o trabalho Thomson, 2005). Destacando estes diferentes níveis, referidos por diferentes autores, no-
em equipa, entre profissionais e família, ao longo de todo o processo de avaliação/ meadamente, por Fine e colaboradores (2005), podemos vê-los bem espelhados no caso
/intervenção, até à atuação integrada dos serviços e subsistemas a nível regional do nosso SNIPI (Quadro 5.1).
e nacional;
• A perspetiva de inclusão e participação das crianças e famílias nos contextos natu- Os mecanismos de coordenação e de colaboração processam-se quer no sentido horizon-
rais, recursos e atividades comuns da comunidade. tal, entre diferentes setores em cada nível do sistema (nacional, regional e local), quer no
sentido vertical (dentro de cada setor).
Guralnick (2008) diz-nos também que o grande desafio para os países está no modo de
traduzir estes princípios em políticas e em práticas que efetivamente vão ao encontro das
necessidades das crianças e das famílias.
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QUADRO 5.1   Níveis de colaboração e integração num sistema de intervenção precoce Perante um sistema integrado e coordenado de serviços para a intervenção precoce, como
é o caso do SNIPI, é tão importante o que se passa no interior desse sistema, como as rela-
ções de colaboração que deverão estabelecer-se entre o sistema de IPI com os respetivos
Nível macro subsistemas e com a comunidade. Isto torna-se particularmente evidente no que toca a dois
componentes-charneira no processo de IPI:
• Envolve a colaboração intersectorial a nível central na definição e decisões de: políticas; de me- • A deteção, identificação e referenciação (precoces) — É importante aperfeiçoar os
didas legislativas; planeamento nacional da ação e articulação interministerial; financiamento; mecanismos de colaboração entre o sistema de IPI e os restantes serviços de Saúde,
coordenação e gestão de recursos; avaliação e acompanhamento intersectorial. Aproxima-se por exemplo, para que a identificação e referenciação das crianças ocorra o mais
no caso português à Comissão de Coordenação do SNIPI, de âmbito nacional. precocemente possível e se possam ultrapassar bloqueios. Esta preocupação não
existe apenas em Portugal, sendo comum a diferentes países. Mas é uma questão
que requer particular atenção, considerando as deteções e referenciações tardias,
Nível intermédio sobretudo por parte do sistema de Saúde, quer às ELI quer às anteriores equipas de
intervenção precoce. Consequentemente, verifica-se que muitas crianças iniciam a
• Relacionado com a coordenação intermédia e colaboração intersectorial de âmbito regional:
IPI em idades muito tardias, quando poderiam fazê-lo bem mais cedo (Felgueiras
identificação de necessidades no terreno; planeamento e organização das equipas de inter-
venção; monitorização do sistema. Aproxima-se no caso português às cinco Subcomissões de et al., 2006; Franco & Apolónio, 2008).
Coordenação Regionais do SNIPI. • O planeamento das transições — É um componente importante do PIIP que requer
uma estreita colaboração entre a equipa de IPI, a família e profissionais de diferentes
estruturas educativas envolvidas e a envolver, de forma a preparar conjuntamen-
Nível micro te o processo de transição da criança para outro tipo de cuidados, programas ou
ciclos educativos.
• Ligado ao trabalho de equipa, relações de colaboração entre profissionais de diferentes serviços
da comunidade e entre profissionais-família; intervenção direta, desde a avaliação, à definição
Retomando os diferentes níveis ou patamares de um sistema integrado de serviços de IPI
e implementação do plano individualizado de intervenção, onde o mediador de serviços de-
(ver Quadro 5.1), estudos de avaliação levados a cabo pela UNICEF (Britto et al., 2013) re-
sempenha um papel fundamental integrado em equipa transdisciplinar. Aproxima-se no caso
português às equipas locais de intervenção (ELI) do SNIPI. velam que as principais dificuldades se situam na coordenação e colaboração horizontal Dificuldades
entre setores e sobretudo no nível intermédio ou regional. A tendência neste nível intermé- na coordena-
ção horizontal
dio é de privilegiar a coordenação vertical, particularmente os mecanismos de dependência
no nível inter-
hierárquica da administração e o apoio à circulação de informação e comunicação entre médio
níveis. O acompanhamento e monitorização das equipas locais pelas instâncias intermédias
Colaboração Por sua vez, a colaboração não poderá ocorrer somente a nível intersectorial mas também
processa-se preferencialmente dentro de cada setor e não de forma conjunta e integrada
intrassectorial intrassectorial dentro de cada ministério (Figura 5.2).
intersectorialmente.

FIGURA 5.2   A colaboração intrassectorial Para uma otimização do desempenho em todos estes níveis do sistema é essencial evoluir
da fase da simples coordenação para relações de colaboração efetiva entre os diversos
atores envolvidos (Brown & Conroy, 1997).

5.2.1 COLABORAÇÃO: UMA COMPONENTE-


-CHAVE EM IPI
Quando falamos de colaboração, do que estamos então a falar? Se olharmos para um dicio-
nário encontramos como significado de colaboração: “Acção de cooperar ou de trabalhar em
O que é a
conjunto numa mesma obra, tarefa…; acto ou efeito de colaborar; (…) conjunto das pessoas colaboração?
que cooperam ou participam num trabalho, numa publicação…; conjunto dos colaborado-
res.” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001).

Bruner (1991), referindo-se à organização de serviços para a infância, define colaboração


como:

É indispensável que se estabeleçam dentro de cada setor mecanismos de coordenação de “… Um processo para alcançar objetivos que não podem ser atingidos quando se atua de
políticas e de ações entre diferentes departamentos, desde a legislação que se produz ao forma isolada (ou no mínimo não podem ser alcançados de forma tão eficiente).” (p. 6)
planeamento, financiamentos, à organização de recursos e prestação de serviços, evitan- O autor realça ainda o papel importante que a comunicação e a coordenação têm nes-
do-se incoerências, contradições, duplicações e gastos desnecessários. te processo.
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Quando são referidos modelos de articulação e de organização de serviços dirigidos às O reconhecimento da necessidade de sistemas integrados de colaboração como alternati-
crianças e famílias, os termos cooperação, coordenação, colaboração e até mesmo inte- va às tradicionais práticas de apoios e ações compartimentadas resulta daquilo que se tem
gração são frequentemente utilizados de forma mais ou menos indiferenciada. Porém, eles aprendido com o avanço de conhecimentos científicos e os dados da investigação (Dunst,
têm significados distintos e podem ser perspetivados como um contínuo no tipo de ligação 2005; Guralnick, 2005, 2013; McWilliam, 1996b; Pinto et al., 2012; Shonkoff, 2010; Shonkoff &
que se constrói entre diferentes serviços ou profissionais (Figura 5.3). A colaboração é a Bales 2011; Simeonsson, 2000), nomeadamente:
estratégia em que há maior intensidade e consistência nas ligações e uma maior interde-
• As fortes evidências da pouca eficácia e dos efeitos pouco duradouros dos apoios
pendência entre os diferentes parceiros (Boavida, 1998; Bruder & Bologna, 1993; Fine et al.,
paralelos e fragmentados à criança e/ou à família e desinseridos dos seus contex-
2005; McDonald, & Rosier, 2011).
tos naturais;
• Os conhecimentos atuais sobre os fatores que influenciam o desenvolvimento da
FIGURA 5.3   O contínuo da colaboração criança, o papel crucial da família e a forma como as crianças mais pequenas
aprendem;
• O reconhecimento de que as necessidades das crianças e das suas famílias são
múltiplas e complexas, requerendo por isso medidas e soluções concertadas e inter-
venções transdisciplinares, integradas e centradas na família.

Daí a aposta em modelos colaborativos na área da IPI, implicando um sistema integrado


com diferentes níveis de colaboração, a colaboração profissionais-família, um trabalho em
equipa transdisciplinar e centrado na família, a ação do mediador de caso, a consultoria
colaborativa entre profissionais.

EM SÍNTESE:

Um sistema integrado de colaboração intersectorial decorre da:


“… Necessidade de ultrapassar a fragmentação persistente que tipifica os sistemas
A ideia-chave da colaboração entre diferentes agentes e serviços assenta no princípio de de Saúde, Educação e Serviços Humanos, alavancando uma estrutura integrada, ba-
que os problemas e soluções têm de ser partilhados entre as entidades envolvidas. Uma boa seada na ciência em vez de negociar acordos interinstitucionais entre os programas
interação e uma comunicação eficaz são cruciais para a consolidação de um processo de conceptualmente desconetados.”
colaboração. Não nos podemos esquecer que a colaboração ocorre entre pessoas e não
entre instituições (Bruner, 1991). (Shonkoff, 2010, p. 363)

5.2.3
EM SÍNTESE:
PARA QUÊ UM SISTEMA INTEGRADO DE
• A colaboração é um meio e não um fim;
COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL?
• É através de um processo de colaboração que se pode construir e alicerçar uma
efetiva intervenção integrada, permitindo a convergência de ações e a com-
As vantagens dos modelos de colaboração intersectorial e transdisciplinar revelam-se im-
plementaridade dos diferentes subsistemas e áreas disciplinares, para poder
portantes nos diferentes patamares do sistema, desde o topo até às equipas de intervenção
responder às múltiplas necessidades das crianças e famílias de uma forma inte-
no terreno.
grada e abrangente.

“A coordenação de políticas de intervenção visa responder a três grandes preocupações:


• As redundâncias — onde a mesma atividade é desenvolvida por duas ou mais uni-
dades desnecessariamente;

5.2.2 PORQUÊ UM SISTEMA INTEGRADO DE


COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL?
• As lacunas — onde uma ação necessária não é desenvolvida por ninguém;
• As incoerências — em que políticas públicas que afetam os mesmos destinatários
têm objetivos conflituantes.”
Encontrando-se a IPI na interseção de três grandes áreas estratégicas – infância, família e de- [Hood, 2005, citado por Marques (Coord.), 2014, p. 23]
ficiência ou incapacidade –, desde logo se torna evidente a necessidade de uma convergência
de ações, de contributos de diferentes áreas disciplinares e de partilha de responsabilidades,
sobretudo entre os três setores dominantes, Saúde, Educação e Segurança Social.
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Um guia para profissionais

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Um sistema integrado e de corresponsabilização formal entre diferentes setores e serviços Estabelecer mecanismos formais de colaboração e de responsabilidade partilhada entre
é crucial para que possa haver uma ação concertada no planeamento, na organização dos diferentes setores e organismos é um meio que permite organizar um sistema integrado
serviços e mobilização dos recursos, tendo em conta as características e as necessidades da e coordenado de serviços para a intervenção precoce.
comunidade (Bruder, 2010; Bruder & Bologna, 1993; Fine et al., 2005).
Estudos e avaliações sobre modelos de organização dos serviços de IPI revelam algum con-
A colaboração efetiva e partilha de conhecimentos e recursos podem facilitar e agilizar o senso sobre as principais características em que deve assentar um sistema organizativo eficaz
acesso das famílias aos serviços, assegurar que os apoios sejam determinados pelas preocu- de coordenação e de integração de serviços (Knitzer, 1997):
pações e prioridades da família e não pela natureza dos serviços ou pelo tipo de profissional
disponível, favorecer a definição de objetivos comuns centrados na família e uma ação con-
1. Num forte enfoque na família – abordagem centrada na família;
junta para os atingir (Limbrick, 2011; Moore, 2008). Permite ainda uma redução dos apoios e
ações não coordenados e menos eficazes, como também otimizar a utilização de recursos 2. Na colaboração intersectorial;
e a ação dos profissionais (Bruner, 1991).
3. Numa intervenção baseada na comunidade;

O facto de as famílias terem de lidar paralelamente com vários profissionais, geralmente de 4. No respeito pelos valores culturais e tradições das famílias;
diferentes serviços, conduz por vezes a uma redução da qualidade da prestação, à existência 5. Num compromisso orientado para resultados concretos e mudanças positivas na
de falhas de informação ou, mais grave, a contradições que resultam da falta de comunica- vida das crianças e famílias – indicadores de desempenho.
ção e de coordenação dos profissionais e serviços entre si.
Quando falamos em esforços de coordenação e integração de serviços e recursos não es-
Muitas vezes, ações paralelas e não coordenadas são não só redundantes como também tamos apenas a considerar o modo como os serviços estão organizados do ponto de vista
fatores adicionais de stress nas famílias. administrativo, como são financiados ou como se distribuem os tempos e os locais de traba-
lho dos profissionais. Falamos também de mudanças, muitas vezes profundas, que têm de
A colaboração entre profissionais de diferentes áreas disciplinares e entre profissionais e fa- ocorrer no âmbito dos diversos intervenientes e de atravessar os diferentes níveis organiza-
mílias, que caracterizam os modelos de trabalho em equipa transdisciplinar e de atuação tivos do sistema de IPI – ministérios, departamentos e serviços, equipas locais e profissionais.
do mediador de caso, são pois determinantes da qualidade e eficácia da IPI (Bruder, 2000;
Carpenter, 2005; Franco, 2015; Guralnick, 2000a, 2013; McWilliam, 2010). A identificação transversal com os princípios acima referidos pressupõe um esforço e vontade Colaboração,
comuns entre os diferentes intervenientes e organismos responsáveis pela IPI, como também um esfor-
ço e vontade
um compromisso e um “roteiro” que permita a construção de (Bruner, 1991; O’Malley, 2007):
comuns

EM SÍNTESE: • Uma visão partilhada;


• Tomadas de decisão partilhadas;
Uma colaboração e coordenação eficaz dos serviços e dos recursos da comunidade
permitem [Bruder & Bologna, 1993; Marques (Coord.), 2014]: • Um referencial partilhado de resolução de problemas.

• Prestar serviços mais adequados às necessidades múltiplas e complexas das fa-


mílias e crianças através de serviços mais abrangentes, coordenados e integrados; A coordenação de políticas e de ações entre diferentes setores da Administração Pública,
bem como com instituições privadas, é difícil e requer a capacidade para construir pontes Atuação dos
• Obter resultados mais positivos e duradouros para as famílias e para as crianças; entre organizações e pessoas e para conciliar culturas “organizacionais”, por vezes muito decisores po-
distintas. Isso exige uma firme vontade (a nível local, regional e nacional) para que se ultra- líticos e dos
• Potenciar sinergias e otimizar recursos a nível local, permitindo uma maior co- responsáveis
bertura no número de crianças e famílias apoiadas; passem as limitações impostas pelas fronteiras institucionais e pelos preconceitos pessoais, pela coor-
daí a necessidade de modelos que dinamizem a inovação, o conhecimento e a promoção denação é
• Adequar as intervenções aos recursos e necessidades locais com base num diag- de boas práticas [Bruner, 1991; Marques (Coord.), 2014]. importante
nóstico e planeamento participado e integrado.
A atuação dos decisores políticos e dos profissionais com responsabilidades de coordena-
ção tem um papel relevante no sentido de promover e construir um sistema de colaboração
eficaz, incorporando estratégias para o desenvolvimento de uma base de liderança neces-
sária para apoiar o sucesso das intervenções das equipas (Bruner, 1991).

5.2.4 COMO CONSOLIDAR UM SISTEMA


INTEGRADO DE COLABORAÇÃO
                        INTERSECTORIAL?
Dunst e colaboradores (Dunst et al., 2003, citado por Fine et al., 2005), referindo-se à situa-
ção nos EUA, salientam que é importante existir uma base legislativa que defina a IPI como
uma medida política e um direito das crianças e das suas famílias e que apresenta o enqua-
dramento e a organização dos serviços de IPI. Também a European Agency for Development
in Special Needs Education (EADSNE) (2010) acentua a necessidade de medidas legislativas
Planear, organizar e coordenar diferentes serviços, recursos, distintas fontes de financiamento
e de política que revelem “o envolvimento e o compromisso dos decisores políticos em rela-
e, por fim, profissionais de diversas áreas disciplinares, conciliando objetivos, metodologias
ção à IPI” (p. 38). Como já vimos anteriormente, Portugal é aqui um bom exemplo, ao possuir
e culturas institucionais, não é tarefa fácil.
uma legislação específica para a IPI que define um novo sistema integrado de colaboração
intersectorial (o SNIPI) para melhor responder às necessidades reais das crianças e famílias.
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Não basta, porém, existir uma legislação orientadora no âmbito da IPI para que um modelo QUADRO 5.2   Fatores associados ao sucesso e à eficácia dos modelos colaborativos (adaptado de
O processo de colaborativo e de integração de serviços funcione de uma forma efetiva. Verificam-se, mui-
colaboração é Bruder & Bologna, 1993)
tas vezes, discrepâncias entre as visões das legislações e das orientações formais e a sua
complexo
aplicação prática.
Visão comum sobre a necessidade e a vontade de se introdu-
O processo de colaboração é complexo e constatam-se dificuldades que são inerentes ao 1. Um clima social e político positivo zirem mudanças e adequações nas respetivas atuações.
Quais são
as dificul- desenvolvimento de um processo de colaboração entre diferentes serviços e profissionais. face à mudança Acordo e compromisso quanto à criação conjunta de uma nova
dades na Posto isto, quais as dificuldades mais comuns na colaboração intersectorial no domínio da forma de intervenção integrada e partilhada.
colaboração
intersectorial? IPI? Destacam-se as principais dificuldades de ordem administrativa, de ordem técnica ou
de ordem financeira apontadas por Bruder e Bologna (1993) e que têm também sido identi-
ficadas em alguns estudos e avaliações nacionais e internacionais (Almeida, 2009; Felgueiras Um processo de relacionamento entre os setores/serviços envol-
2. Os processos de comunicação e vidos e os seus representantes que lhes permita conjuntamente
et al., 2006; Franco & Apolónio, 2008, Mourato, 2012).
de resolução de problemas “definir objetivos, clarificar papéis e responsabilidades de cada
um, tomar decisões e resolver conflitos”.
Problemas comuns na colaboração intersectorial:
Competição entre setores São determinantes para o sucesso do sistema de colaboração:

Conflitos “territoriais” (papéis, responsabilidades); falta de informação sobre as fun- • As atitudes e comportamentos dos responsáveis e dos
ções de outros setores/serviços; questões políticas. profissionais envolvidos nos diferentes níveis do sistema;
3. Os fatores humanos
• A liderança, os conhecimentos, competências e empe-
Falta de estrutura organizativa para a coordenação nho dos profissionais; e o seu compromisso com valores
Filosofias divergentes; objetivos distintos (por vezes divergentes); trabalho em equipa e uma filosofia comum.
pouco consistente, irregular; falta de um facilitador; falta de um processo de monito-
rização e de avaliação; falta de planeamento; falta de poder e de autoridade para
tomar e implementar decisões. É importante a existência de legislação específica e de regula-
4. As políticas que apoiam ou mentos que definam de forma clara o sistema de colaboração
inibem a colaboração intersectorial entre os setores intervenientes, as respo sabilidades financeiras
Fatores técnicos
e de gestão de recursos materiais e humanos, funções e papéis.
Escassez de recursos: profissionais, tempo, orçamento; logística: distância, geografia.

Fatores pessoais
Assegurar que os diferentes tipos de recursos (humanos, ma-
Interesses muito focalizados e restritos dos profissionais e organismos; resistência à teriais e financeiros) são adequados às necessidades e aos
mudança; atitudes dos profissionais; falta de compromisso com as necessidades da 5. A adequação dos recursos
objetivos de cada comunidade e uma boa gestão partilhada
comunidade; apoio insuficiente por parte da administração; jargão e perspetivas dos mesmos é determinante para a eficácia e eficiência da IPI.
disciplinares específicas.
(Bruder & Bologna, 1993, p. 109)

É importante que tenhamos consciência de que os bloqueios e as falhas que ocorram nos
É importante que nos diferentes níveis do sistema de IPI as dificuldades possam ser cla- diferentes níveis do sistema, e que dificultem um trabalho conjunto por parte dos serviços e
ramente identificadas e geridas da melhor forma pelas entidades participantes (Bruder & dos profissionais envolvidos, se repercutem de forma negativa, prejudicando as crianças e
Bologna, 1993). Os mecanismos de monitorização e de avaliação do sistema, mas também as famílias.
da supervisão técnica ao nível das equipas de intervenção, poderão ajudar a regular os sis-
temas, como será aprofundado nos capítulos seguintes. Um modelo organizativo de colaboração intersectorial e de ação integrada pressupõe
uma mudança na atuação dos serviços e nas práticas dos profissionais, isto é, que atuem
“Os principais bloqueios resultam da ausência de coerência e unidade na ação dos dife- de forma diferente daquela que caracteriza a sua atuação habitual e parcelar.
rentes setores e da “pesada herança da cultura burocrática”, mesmo em países onde esta
não teve o seu expoente máximo.” A European Agency for Development in Special Needs Education (EADSNE), no seu último e
[Marques (Coord.), 2014, p. 30] importante relatório sobre a IPI (EADSNE, 2010) e, posteriormente, num documento-sínte-
se – Early Childhood Intervention (ECI). Key policy messages (EADSNE, 2011) –, avança com
diferentes recomendações para os países europeus, realçando como necessários quatro
E, o que nos dizem alguns dos estudos sobre os fatores associados ao sucesso e à eficácia
aspetos-chave:
dos modelos colaborativos?
1. Medidas legislativas e políticas: que ilustrem o envolvimento ativo dos decisores
Quais são os políticos e garantam o seu compromisso com a IPI;
fatores asso-
No Quadro 5.2 podemos ver os fatores que Bruder e Bologna (1993) identificaram ao longo
ciados com o das suas pesquisas como sendo importantes para o sucesso da colaboração entre diferentes 2. O papel dos profissionais: ter em conta o seu papel crucial aos diferentes níveis
sucesso dos setores e serviços, isto é, com benefícios para as crianças e famílias. Estes fatores dão-nos
modelos de
do processo de IPI e na relação com as famílias, o que deve merecer uma atenção
pistas importantes.
colaboração?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

232 233
especial nos programas de formação para a sua capacitação no trabalho em equi- 4. Monitorização/avaliação – São peças cruciais no aperfeiçoamento e na sustenta-
pa, na colaboração com profissionais e famílias; bilidade de um sistema integrado.
3. A necessidade de um coordenador da IPI entre os diferentes serviços, que garanta [Marques (Coord.), 2014, p. 10]
a coordenação entre serviços, profissionais e famílias;

4. A necessidade de melhorar a coordenação entre e intrassetores: a coordenação


entre os diferentes setores envolvidos (Saúde, Segurança Social e Educação) é geral-
mente insuficiente, mas indispensável. A família deve estar no centro com os serviços EM SÍNTESE:
coordenados em seu redor.
Um sistema integrado de colaboração para ser bem-sucedido requer um esforço e
Aperfeiçoar e consolidar mecanismos de colaboração e de integração entre setores e servi- uma vontade conjunta dos diferentes intervenientes – políticos, decisores políticos,
ços no âmbito da IPI é um desafio constante que se coloca não apenas no nosso país. É uma diferentes agentes da comunidade, profissionais de intervenção direta e famílias, im-
preocupação crescente e que é transversal a diferentes países. Neste sentido vale a pena plicando [Brown & Conroy, 1997; Bruner, 1991; Marques (Coord.), 2013]:
O modelo de
governação deixar aqui uma referência ao modelo de governação integrada (Govint) que, só recente- • Respeito mútuo e confiança;
integrada mente, começou a ser aplicado em Portugal em alguns projetos e experiências (ex. pobreza,
crianças e jovens em risco, Rede Social, Programa Escolhas, etc.) dinamizados pelo Fórum • Desejo de resolverem os problemas em função de objetivos comuns;
para a Governação Integrada18 em parceria com outras entidades. • Acordarem e desenvolverem objetivos e orientações comuns;
• Partilha clara de responsabilidades e recursos para a concretização desses
O que é a governação integrada (Govint)? 19 objetivos;

“… Uma estratégia política que procura coordenar o desenvolvimento e a implementação • Comunicação verdadeira e honesta;
de políticas, transversalmente a departamentos e agências, especialmente para abor- • Capacidade de resolução de conflitos;
dar problemas sociais complexos como exclusão e pobreza, de uma forma integrada (…).
• Divulgação de toda a informação essencial para os objetivos em jogo;
É uma estratégia que procura juntar não só os departamentos governamentais mas tam-
bém um conjunto de instituições privadas e de voluntariado, trabalhando transversalmente, • Trabalho conjunto para alcançar esses objetivos, utilizando a experiência de
tendo em vista um objetivo comum”. cada colaborador.
[Bogdanor, 2005, citado por Marques (Coord.), 2014, p. 7]

Adotado já há largos anos internacionalmente, sobretudo em países de raiz anglo-saxóni-


ca, o modelo de governação integrada surge como alternativa às formas convencionais de

5.3
atuação dos departamentos e serviços da administração pública, procurando assim formas
inovadoras, mais eficientes e eficazes. Decisores políticos e outros profissionais de institui-
ções públicas e privadas têm recorrido a este modelo para desenvolverem e implementarem
A EQUIPA TRANSDISCIPLINAR
estratégias de colaboração integrada para fazer face a problemas complexos [Marques
(Coord.), 2014].

Com a reflexão e a avaliação disponível sobre a prática deste tipo de modelo de governa-
ção integrada podemos colher algumas lições para o campo da IPI. Ao refletir sobre o sistema organizativo da IPI torna-se indispensável destacar o modelo e
o funcionamento em equipa transdisciplinar como a base deste sistema integrado, assente
num processo de colaboração.
Quais os fatores de sucesso numa governação integrada?
O núcleo central da Govint é a cooperação e a colaboração alicerçadas em quatro pilares: Podemos dizer que a equipa é o alicerce de todo o sistema de intervenção precoce, é aí que Equipa trans-
se enraíza e constrói todo o trabalho entre profissionais e dos profissionais com as famílias, disciplinar é
1. Liderança – Na definição e procura de estratégias que visem uma maior eficácia o alicerce de
as crianças e outros cuidadores. Mas para termos uma equipa não basta termos um grupo
e eficiência das ações; todo o sistema
de pessoas, dependendo o sucesso da intervenção do funcionamento da equipa (Bruder & de IPI
2. Participação e o envolvimento efetivo – Dos diferentes agentes, incluindo entidades Bologna, 1993).
públicas e privadas, mas também instituições universitárias, serviços de proximida-
de, autarquias e serviços da comunidade, assim como as próprias famílias;
Só se constrói uma equipa quando existe uma filosofia comum com objetivos partilhados
3. Comunicação e a interação – Criar canais de interação e de diálogo na comuni- entre as pessoas que a constituem (Maddux, 1988).
cação intra e intersectorial (a nível horizontal e vertical);
O modelo conceptual subjacente ao trabalho em equipa é determinante no estilo de funcio-
namento dos profissionais entre si e da ação que desenvolvem com as famílias (Felgueiras,
18 O Fórum para a Governação Integrada foi constituído em 2004, como resultado da dinâmica e do apoio de di-
2000). Como foi referido em capítulos anteriores, o modelo transdisciplinar é reconhecido
ferentes instituições, nomeadamente Fundação Calouste Gulbenkian e Instituto Padre António Vieira.
de uma forma consensual pela comunidade científica como a melhor prática em interven-
19 Corresponde aos conceitos de origem anglo-saxónica de joined-government, holistic governance, whole-of-gov-
ernment approach, horizontal government, integrated government.
ção precoce, tendo em conta uma abordagem centrada na família.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

234 235

5.3.1 O QUE CARACTERIZA O TRABALHO EM Como se processa o trabalho numa equipa transdisciplinar? Elementos da equipa de dife-
A equipa
rentes áreas disciplinares contribuem com os seus conhecimentos específicos, competências
EQUIPA TRANSDISCIPLINAR? e partilha de responsabilidades para um processo conjunto de resolução de problemas ten-
transdiscipli-
nar
do em vista a intervenção com a família e criança.
A visão holística, integrada e interativa sobre o desenvolvimento das crianças e a forte evi-
dência do papel central da família estão subjacentes ao modelo de trabalho em equipa O mediador de caso, também designado entre nós por responsável de caso, atua numa base
O mediador
transdisciplinar. regular junto da família e criança de acordo com práticas centradas na família, enquanto de caso
os restantes profissionais da equipa, de diferentes áreas de especialidade, prestam o seu
É com alguma frequência que os profissionais, e até mesmo a literatura científica, quando apoio de retaguarda através de consultoria relativamente a estratégias a serem utilizadas
se referem ao trabalho em equipa, utilizam de uma forma indistinta e ambígua os termos para promover as melhores oportunidades de aprendizagem da criança. Se necessário, a
multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. título excecional, um outro profissional (terapeuta da fala, psicólogo ou outro), em conjunto
com o mediador de caso, poderá realizar algumas visitas conjuntas à família.
Os três termos referem-se a diferentes graus num mesmo contínuo, do menos integrado
ao mais integrado quanto ao modo como os profissionais de diferentes áreas disciplinares
atuam e interagem entre si e com as famílias, distinguindo-se genericamente por (Almeida, Neste primeiro contacto observamos a ansiedade da família para encontrar apoio para os ajudar
Breia, & Colôa, 2005; Shelden & Rush, 2013): a cuidar da sua filha. Vinham referenciados de um hospital central, onde tinham passado por
várias especialidades e médicos, com recomendação para várias terapias. Ainda não sabiam
• No modelo multidisciplinar vários profissionais de diferentes áreas de especialida- realmente o que se passava com a sua filha. Chegaram à equipa de intervenção precoce com
de atuam paralela e separadamente com a mesma criança ou família, em função muitas dúvidas e também com muitas solicitações. Os primeiros contactos tiveram o objetivo
dos défices identificados; de explicar à família o que a nossa equipa de intervenção precoce podia proporcionar-lhes e
• No modelo interdisciplinar há também a intervenção simultânea de vários técnicos como a família, com o apoio da equipa, podia ter acesso aos apoios necessários através de um
com planos separados e com especial enfoque na criança, mas já existe alguma mesmo profissional (o mediador de caso).
interação e partilha de informação entre profissionais;
Testemunho de uma ELI
• No modelo transdisciplinar há um plano abrangente e integrado que é elaborado
em conjunto pela equipa e pela família, fazendo esta parte integrante da equipa.
Mas, preferencialmente, um profissional (o mediador de caso) apoia a família na
implementação desse plano em estreita colaboração e com o apoio de retaguarda
dos restantes profissionais da equipa. QUADRO 5.4   O que diferencia uma perspetiva transdisciplinar das perspetivas multidisciplinar e in-
terdisciplinar no funcionamento em equipa? (adaptado de Felgueiras, 2000; Franco, 2015; Woodruff &
Hanson, 1987)
São de facto três formas muito diferentes de trabalho em equipa e é muito importante que
um profissional inserido numa equipa possa ter uma ideia clara sobre o que as distingue con-
EQUIPA EQUIPA EQUIPA
ceptualmente, como isso se operacionaliza e se reflete na prática diária (Quadros 5.3 e 5.4). MULTIDISCIPLINAR INTERDISCIPLINAR TRANSDISCIPLINAR

Compromisso dos EE,


Os EE desenvolvem o
entre si, de ensino,
QUADRO 5.3   O que diferencia uma perspetiva transdisciplinar das perspetivas multidisciplinar e in- Os elementos da equi- seu próprio progra-
terdisciplinar no processo de avaliação/intervenção? (adaptado de Felgueiras, 2000; Franco, 2015; aprendizagem e trabalho
pa (EE) reconhecem ma de forma separada,
Woodruff & Hanson, 1987) Filosofia conjunto, ultra passando
os contributos de ou- como sendo uma parte
orientadora as fronteiras disciplina-
tras disciplinas como do plano de interven-
res para implementarem
EQUIPA EQUIPA EQUIPA importantes ção, embora trocando
um plano de intervenção
MULTIDISCIPLINAR INTERDISCIPLINAR TRANSDISCIPLINAR alguma informação
unificado
Os profissio-
EE fazem avaliações
Elementos da equipa nais e a família
Processo de separadas por área A família encontra-se A família é membro pleno
(EE) fazem avaliações conjuntamente planeiam A família pode encon-
avaliação disciplinar e partilham Participação da individualmente com e ativo da equipa e parti-
separadas e conduzem uma avalia- trar-se com a equipa ou
resultados família diferentes elementos cipa em todas as fases do
ção abrangente com um representante
da equipa processo
Os EE definem objeti-
Os profissionais e a fa-
Desenvolvi- vos em separado por
mília desenvolvem um
mento do plano área disciplinar e parti-
Planos separados por plano de intervenção ba- Formas de Reuniões de equipa
individualizado lham o seu plano com o
área disciplinar seado nas preocupações, comunicação Reuniões periódicas da regulares: partilha e tro-
de intervenção resto da equipa, poden- Geralmente de forma
prioridades e recursos da entre os equipa para estudo de ca de informação, de
precoce (PIIP) do integrar um plano do informal
família elementos da casos conhecimentos e de com-
serviço ou equipa
equipa petências entre os EE
Implementa- Cada profissional im-
Cada profissional im- Um elemento (o mediador
ção do plano plementa o seu plano
plementa a sua parte do de caso) fica responsável
individualizado separadamente de
plano e incorpora outras pela implementação do
de intervenção acordo com a sua
áreas se possível plano com a família
precoce (PIIP) especialidade
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Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

236 237
Como foi referido em capítulos anteriores, o mesmo se passa se a criança frequenta outros 3. A necessidade de redesenhar os modelos de prestação de serviços – Implicando
Consultoria contextos educativos (por exemplo, creche, jardim de infância). O trabalho da equipa trans- que administrativamente haja uma reorientação no sentido de maior investimento e
colaborativa disciplinar processa-se segundo o modelo de consultoria colaborativa entre o mediador de compromisso para apoiar o desenvolvimento e consolidação de estruturas e equi-
caso e o educador regular nos contextos naturais da criança. pas colaborativas.

Assim, a intervenção não se faz através de apoios especializados e terapias diretas com as O modelo de equipa transdisciplinar não se pode dissociar do funcionamento do sistema
crianças mas decorre de forma integrada, aquilo que McWilliam designa por modalidades de IPI no seu todo, como já vimos anteriormente neste capítulo. Fatores estruturais e inter-
de apoios integrados ou terapias “integradas”, nos contextos naturais da criança (sala de pessoais ligados ao processo de construção e funcionamento da equipa, à formação dos
aula, recreio, etc.) e focalizada para atividades inseridas nas rotinas e imediatamente úteis profissionais, às questões de ordem administrativa e de liderança, relacionadas com os seus
para a criança (McWilliam, 1996a, 2010). Nesta modalidade, os educadores trabalham com organismos de origem, são muitas vezes decisivos para facilitar ou para dificultar um trabalho
as crianças nos seus objetivos individualizados durante as atividades comuns da sala de aula de qualidade. Uma equipa só poderá desenvolver um verdadeiro trabalho transdisciplinar se,
e inseridos nas rotinas, integrando as estratégias necessárias e acordadas (Guralnick, 2005, à partida, tiver condições de ordem organizativa e administrativa que garantam uma ade-
2013; McWilliam, 1996a, 2010). quada disponibilidade de recursos face às necessidades da comunidade, nomeadamente
número e estabilidade dos profissionais e sua diversidade disciplinar, bem como de tempos
Diferentes autores têm apontado evidências sobre as vantagens destas formas de intervenção dos profissionais inclusive para momentos de reunião e trabalho entre colegas da equipa
quando comparadas com as tradicionais sessões individuais em gabinete com um terapeuta, (Bruder & Dunst, 2008; Guralnick, 2005; Mourato, 2012).
sobretudo em crianças pequenas, tendo em conta o conhecimento de que as crianças nes-
tas idades não aprendem como as crianças mais velhas ou como os adultos (Dunst, 2005, É extremamente importante que nos diferentes níveis de responsabilidade dos setores públi-
Dunst et al., 2010; McWilliam, 1996a, 2005a, 2010). cos e de outros agentes da comunidade exista entre eles uma ação concertada e, por vezes,
inovadora. Isto de forma a impedir que procedimentos e bloqueios “burocráticos” de ordem
administrativa e organizativa comprometam a estabilidade das equipas e dos profissionais
e a sua qualidade técnica, condições indispensáveis ao bom funcionamento das equipas de

5.3.2
IPI e dos serviços a prestar às crianças e famílias.
COMO SE CONSTRÓI O TRABALHO DE
UMA EQUIPA TRANSDISCIPLINAR? Por sua vez, como abordado na Parte III deste guia, a aposta e o investimento numa ade-
quada formação em serviço e na supervisão técnica dos profissionais, de acordo com as
evidências, são fundamentais para fortalecer o trabalho da equipa e todo o sistema de cola-
A colaboração A colaboração está inerente e é o motor de todo o trabalho em equipa transdisciplinar. Em
boração (Boavida & Carvalho, 2003; Dunst, 2015). A qualidade das relações e das interações
como mo- sistemas integrados de IPI, uma equipa transdisciplinar é geralmente constituída por pro-
tor da equipa entre os adultos, profissionais e famílias e dos profissionais entre si é determinante no suces-
fissionais que pertencem a diferentes serviços/organismos, com “culturas” e regras bem
transdiscipli- so das intervenções (Dias, 2003; Santos, 2007).
nar diferentes, o que requer um esforço importante e vontade de colaboração dos profissionais
entre si, mantendo processos eficazes de comunicação e interação.
No final do capítulo podemos consultar algumas recomendações relacionadas com as prá-
ticas de colaboração e de trabalho em equipa que a DEC (Division for Early Childhood, 2014)
Partilha e É um trabalho que se constrói pelo esforço conjunto e contínuo de aprendizagem entre os
apresentou recentemente e que se inserem num conjunto mais amplo de práticas recomen-
transferência profissionais, pelo compromisso de partilha e de transferência de saberes entre si para po-
de saberes dadas para a intervenção precoce.
derem desenvolver e utilizar novas competências. O que deve permitir que o mediador de
caso seja capaz de esbater as fronteiras entre áreas profissionais e de transpor para a sua
intervenção conhecimentos e estratégias de outras áreas disciplinares, contando sempre
com o apoio de retaguarda da equipa (Bruder, 1996; McWilliam, 1996a, 1996,b, 2003b, 2010;
Shelden & Rush, 2013). EM SÍNTESE:

Bruder (1996), nas suas recomendações para a construção e capacitação do trabalho em O trabalho de uma equipa transdisciplinar caracteriza-se fundamentalmente por
equipa transdisciplinar, aponta algumas questões-chave, valorizando o papel da forma- (McWilliam, 1996a, 1996b; 2010; Shelden & Rush, 2013):
ção dos profissionais na sua consolidação. Destacamos algumas dessas questões-chave • A família é parte integrante da equipa;
(Bruder, 1996):
• O mediador de caso (também designado entre nós por responsável de caso) in-
1. O reconhecimento da necessidade e benefícios dos modelos colaborativos no traba- tervém regular e privilegiadamente com a família e criança, contando com o
lho em equipa – Pela construção de objetivos e de uma filosofia conjunta de equipa apoio de retaguarda da equipa;
baseada na interdependência e numa visão holística da criança e da família, em
oposição ao enfoque em áreas de desenvolvimento separadas; • Os restantes profissionais da equipa prestam o apoio sistemático de retaguarda
ao mediador de caso e partilham com este conhecimentos e competências. Se
2. A capacitação dos profissionais em modelos colaborativos de trabalho e de pres- necessário, a título excecional, um outro profissional, em conjunto com o media-
tação de serviços – Adquirindo competências para utilização de estratégias de dor de caso, poderá realizar algumas visitas à família.
resolução de problemas, competências de comunicação, de negociação e resolução
de conflitos, estas mais direcionadas para as relações com adultos, mas também • Consultoria colaborativa com outros profissionais (educadores da creche, jardim
outros conteúdos específicos relacionados com a criança, como intervenções basea- de infância, etc.) nos contextos educativos formais da criança, promovendo in-
das nas rotinas e terapias integradas. tervenções integradas nos contextos naturais e inseridas nas rotinas da criança.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 5 — UM SISTEMA INTEGRADO DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA: COLABORAÇÃO INTERSECTORIAL E TRANSDISCIPLINAR

238 239

PARAR PARA PENSAR:


Práticas recomendadas para a colaboração e trabalho
em equipa

DEC Recommended practices in early intervention/early childhood special edu-


cation 2014 (Division for Early Childhood, 2014, p. 14)

• Os profissionais de diferentes áreas disciplinares e as famílias trabalham conjun-


tamente em equipa para planear e implementar os apoios e serviços que vão de
encontro às necessidades específicas da criança e família;

• Os profissionais e as famílias trabalham em conjunto em equipa, de forma regu-


lar e sistemática, para trocarem saberes, conhecimentos e informação, construírem
competências em equipa e em conjunto resolverem problemas, planearem e imple-
mentarem as intervenções.

• Os profissionais utilizam estratégias de comunicação facilitadoras do trabalho em


grupo para promoverem o funcionamento em equipa e as relações interpessoais
com e entre os elementos da equipa;

• Os elementos da equipa apoiam-se entre si para descobrir e ter acesso a serviços


baseados na comunidade e outros recursos formais e informais que respondam às
necessidades da família e da criança identificadas pela família;

• Os profissionais e as famílias podem colaborar entre si para identificarem qual o


profissional da equipa que vai assumir o papel principal de ligação entre a família e
restantes elementos da equipa com base nas prioridades e necessidades da crian-
ça e família.

PARAR PARA PENSAR:

Reflita com a sua equipa:

• Até que ponto as práticas recomendadas para a colaboração e trabalho em


equipa (Division for Early Childhood, 2014) estão ou não presentes na sua ELI?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

240 241

6
A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS
DE INTERVENÇÃO PRECOCE
NA INFÂNCIA

6.1 PORQUÊ AVALIAR PROGRAMAS


DE IPI20?

Enquanto profissionais, muitas vezes questionamo-nos sobre o trabalho que desenvolvemos


com as crianças e famílias: será que estamos a responder realmente às suas necessidades?
Será que a abordagem escolhida é a mais indicada para aquela situação em concreto? Será
que a nossa intervenção está a ser eficaz? Será que os profissionais, serviços e recursos en-
volvidos estão de facto a colaborar no sentido de proporcionar uma resposta concertada
e de qualidade?

Os responsáveis da intervenção precoce na infância (IPI) deverão colocar a si próprios


a seguinte questão:
Será que apoiámos as famílias como um todo com vista a alcançarem uma melhor qua-
lidade de vida e as capacitámos, de facto, no sentido de promoverem o desenvolvimento
dos seus filhos?
(Bailey et al., 1998)

Sem procedimentos regulares de avaliação do nosso trabalho não é possível responder a


estas questões. Importa pois implementar desde o início um processo sistemático de avalia-
ção do trabalho das equipas, que consiste na recolha, análise e interpretação de informações
incidindo sobre a necessidade, a realização e o impacto da intervenção (Freman, Rossi,
& Wright, 1980).

É fundamental que as equipas de IPI encarem o processo de avaliação como uma roti-
na que funciona como uma oportunidade para identificar as suas forças e os seus limites,
apontando orientações para uma mudança no sentido de um aperfeiçoamento constante.

Há que desmistificar algumas conotações negativas que por vezes surgem associadas à ava-
liação: Querem fiscalizar o nosso trabalho? Estão à espera que sejamos perfeitos? Avaliar
para mudar e melhorar, mas como é possível com os recursos que existem?

20 A terminologia “avaliação de programas de IPI” corresponde à designação em língua inglesa evaluation. Não
se refere à avaliação do desenvolvimento da criança, das forças e preocupações da família, nem das caracterís-
ticas dos contextos. Também não se refere a programas ou currículos específicos, tais como o Crescer, o Portage,
o Carolina ou outras intervenções estruturadas. Aqui programa é considerado numa perspetiva abrangente que
inclui todo o contexto inerente à organização e prática de um sistema de IPI.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

242 243
O objetivo da avaliação é precisamente partir dos recursos e das práticas que existem no que tipo de crianças, em que tipos de famílias, em que circunstâncias e com que custos”
terreno para procurar valorizar e generalizar o que está a correr bem e melhorar o que ne- (Shonkoff, 2004, p. 3).
cessita de ser melhorado.

Assim, quando planeamos uma avaliação temos sempre de considerar três aspetos que
Em síntese, podemos identificar três principais ordens de razões subjacentes à avaliação irão determinar o desenrolar do processo de avaliação:
dos programas de IPI (Almeida, 2009):
• O tipo de avaliação e as correspondentes questões;
1. A necessidade que os profissionais sentem de saber se os serviços que prestam
• A ou as entidades a quem se destina a avaliação;
são os mais adequados e estão a produzir os efeitos desejados, nomeadamente
responder às preocupações, prioridades e desejos das famílias; • Quem vai realizar a avaliação.

2. O direito que as famílias têm de saber quais os programas mais indicados para
os seus filhos;
3. A necessidade que os decisores políticos têm de conhecer a relação entre os custos

6.2.1 TIPO DE AVALIAÇÃO


despendidos e os resultados alcançados, com vista ao planeamento e à rentabili-
zação das respostas.

Daqui se depreende que a avaliação é importante em todos os patamares do sistema, des-


No que diz respeito ao primeiro aspeto podemos distinguir três principais tipos de avaliação: Questões-tipo
de o nível da coordenação e colaboração intersectorial nacional e distrital até à avaliação
das práticas no terreno. A cada um destes grandes objetivos e níveis de avaliação corres-
A avaliação do processo21 – Decorre durante a fase de execução do programa e visa deter-
pondem desenhos e procedimentos específicos.
minar de modo sistemático se a intervenção está a ser executada de acordo com o plano
definido inicialmente e se atinge a população-alvo. De facto, quando pretendemos avaliar
a qualidade não podemos limitar-nos a inventariar competências adquiridas, emergentes
ou inexistentes, seja em relação às famílias, às crianças, aos profissionais ou aos contextos.
Estes são dados pertinentes e necessários mas não dispensam a relevância de uma avalia-

6.2 O QUE SE ENTENDE POR ção contínua, dinâmica e contextualizada dos processos em curso. Na verdade, a avaliação
do processo permite monitorizar os progressos e fundamentar a subsequente tomada de

AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS decisão (Portugal & Laevers, 2010).

                DE IPI? Questão-tipo: O programa foi implementado de acordo com o planeado? Ou: As oportuni-
dades de aprendizagem da criança estão a ser eficazmente aproveitadas para promover
o seu desenvolvimento?

O que é a A avaliação de programas pode definir-se como o processo de recolha sistemática, síntese A avaliação do produto ou do impacto22 – Ocorre no final do programa e visa perceber se
avaliação de e interpretação fiável e válida de informações sobre um programa, com o objetivo de fun- este atingiu os objetivos a que se propunha, isto é, se produziu modificações no sentido de-
programas de damentar a tomada de decisões (Snyder & Sheehan, 1993).
IPI? sejado, se a intervenção foi eficaz. Pressupõe uma série de objetivos estabelecidos no início,
indicadores e critérios de sucesso definidos de forma operacional, de modo a ficar claro que
Não visa aumentar o conhecimento ou aperfeiçoar uma teoria, objetivos da investigação o programa contribuiu, mesmo que só em parte, para o sucesso. Importa também não es-
tradicional, mas, tal como esta, deve assentar numa recolha de dados rigorosa e sistemáti- quecer a identificação e análise das variáveis mediadoras, ou seja, aquelas que mediaram
ca. Importa ainda não esquecer que quando falamos de avaliação temos obviamente como o sucesso e que podem ser utilizadas para melhorar o programa.
quadro conceptual de referência a intervenção centrada na família.
Questão-tipo: Existe mudança e esta pode ser atribuída à intervenção?
Os objetivos da avaliação deverão portanto assentar numa clara definição daquilo que as
famílias valorizam a fim de se perceber se estamos, ou não, a prestar serviços de qualidade A avaliação de custo-benefício e de custo-eficácia – Decorre da necessidade no que diz
(Dinnebeil & Hale, 2003). Alguns autores (Bailey et al., 1998) chegam mesmo a considerar que respeito ao planeamento e à tomada de decisões, nomeadamente a nível dos responsáveis
avaliar o grau de implementação de práticas centradas na família num determinado pro- e dos decisores políticos. A estes interessa conhecer a relação entre os custos despendidos
grama pode por si só ser suficiente enquanto objetivo de avaliação. Analisar até que ponto e os resultados alcançados através de uma avaliação da relação custo-benefício que per-
essas práticas introduziram mudanças positivas nas crianças e famílias e, em caso afirmati- mita o planeamento e a rentabilização das respostas.
vo, se essas mudanças são valorizadas pela família, envolvendo-a como um agente ativo no Questão-tipo: Os resultados alcançados justificam os custos despendidos? Ou: Uma inter-
processo de avaliação, vai corresponder ao que se pretende de uma avaliação num quadro venção de outro tipo seria mais eficaz ou mais económica?
de referência centrado na família.
Nalguns programas coexistem estes três tipos de avaliação, falamos então numa avalia-
Estas avaliações, designadas como de segunda geração (Guralnick, 1993, 1997), devem ain- ção global. Porém, por vezes, dependendo da fase de desenvolvimento do programa, dos
da,ser capazes de identificar, através da compreensão das inter-relações entre diversos
fatores, as características específicas das práticas que aparecem associadas a determinados
resultados nas crianças e famílias. Deverão assim focar-se na questão da especificidade e 21 Este tipo de avaliação também é por vezes designado como avaliação formativa.
responder a questões sobre “que tipos de serviços têm determinados tipos de efeitos, sobre 22 Este tipo de avaliação também é por vezes designado como avaliação sumativa.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

244 245

6.2.3 QUEM FAZ A AVALIAÇÃO


destinatários da avaliação ou das questões que se pretendem aprofundar, opta-se apenas
por um ou dois tipos específicos de avaliação.

Por fim importa decidir quem faz a avaliação. Há que identificar sempre alguém com a

6.2.2
competência técnica necessária, interessado no trabalho desenvolvido pelo programa de
A QUEM SE DESTINAM OS RESULTADOS IPI, capaz de partilhar o seu saber e de trabalhar em equipa.
DA AVALIAÇÃO
A integridade, a acessibilidade e a honestidade, a par com a competência técnica, são as
Há ainda outro tipo de questões a ter em conta quando se inicia uma avaliação. São questões características essenciais de um bom avaliador (Eyken, 1992).
Para quem? relacionadas com as entidades a quem esta se destina: Para quem estamos a desenvolver
Com que este trabalho? O que lhes interessa exatamente saber? Ou seja, qual deve ser o objetivo da Avaliação
objetivo? Este pode ser um elemento da equipa (falando de uma avaliação interna) ou alguém do ex-
avaliação? Ou ainda, dito de outra forma: Como é que o programa ou os destinatários vão interna?
terior, pago para desenvolver essa tarefa (temos uma avaliação externa), sendo que ambas Avaliação
utilizar os resultados da avaliação? (Eyken, 1992) têm vantagens e desvantagens (Quadro 6.1). externa?

Responder a estas questões pode-nos ajudar a focarmo-nos naquilo que é essencial quando A opção por uma avaliação externa ou interna decorrerá das características contextuais e
planeamos uma avaliação. Importa no entanto ter presente que, seja qual for a entidade a da especificidade de cada situação. No caso de uma avaliação destinada a responsáveis e
que esta se destina, o principal objetivo da avaliação deverá ser sempre ajudar-nos a com- decisores políticos, pode justificar-se uma avaliação externa independente. Já quando surge
preender melhor o trabalho que desenvolvemos e a perceber, em conjunto com as famílias, da iniciativa de um programa ou equipa poderá ter mais sentido recorrer a uma avalia-
se os resultados alcançados espelham mudanças positivas que vão ao encontro das suas ção interna ou a uma solução mista de partilha do trabalho de avaliação entre a equipa e
preocupações e prioridades. Não interessa portanto avaliar apenas os aspetos mais posi- o avaliador externo.
tivos de um programa ou tentar que ele apareça como o melhor possível, pois tal atitude
levar-nos-á certamente a perder a objetividade necessária.
Quer se opte por uma avaliação interna quer por uma avaliação externa é fundamental
que haja desde o início acordo entre os dirigentes, os elementos do programa e os avalia-
São várias as entidades que poderão estar interessadas no resultado de uma avaliação.
dores, externos ou internos, sobre questões tão importantes como por exemplo os objetivos
Destacamos as mais comuns:
do programa, os indicadores, os métodos de pesquisa a utilizar e o tipo de decisões a ser
Entidades a • A própria equipa de IPI – É importante que saiba o que está a fazer: se os esfor- tomadas em função dos resultados da avaliação.
quem se pode ços desenvolvidos estão a atingir os objetivos a que inicialmente se propunha; se as
destinar a
estratégias utilizadas são as mais adequadas; se os parceiros envolvidos estão a
avaliação
corresponder ao que deles se esperava; se são necessárias modificações e, em caso
positivo, em que sentido? São informações que o programa ou a equipa necessitam QUADRO 6.1   Vantagens e desvantagens da avaliação interna e externa
de saber regularmente e de uma forma continuada, e que, portanto, se enquadram
num desenho de avaliação do processo posteriormente completadas por uma avalia-
Avaliação interna Avaliação externa
ção do produto;

• As entidades responsáveis pela organização e gestão das equipas – As informa- • Ligação forte aos objetivos • Livre de enviesamento interno
ções de que precisam não são tão imediatas. Necessitam de relatórios detalhados do programa
• Traz um olhar diferente, uma
e regulares, correspondendo designadamente aos resultados de uma avaliação do • Facilidade de acesso às fontes nova perspetiva
produto, sendo desejável que tenham também em consideração os resultados da de informação
Vantagens • Pode trazer novas ideias
avaliação do processo. Estes podem contribuir para uma tomada de decisão mais
• Eventual maior facilidade na e competências
adequada à realidade concreta;
partilha de informação
• Pode ajudar a resolver
• Os decisores políticos e/ou as entidades financiadoras – Necessitam muitas vezes de • Mais económica conflitos internos
informação precisa e sintética sobre os resultados dos programas que lhes permitam
tomar decisões sobre a atribuição de fundos e a afetação de recursos, a eficácia das
• Pode não se identificar com os ob-
intervenções e os seus custos. A estes poderão interessar principalmente os resulta- • Possível menor objetividade
jetivos do programa
dos de uma avaliação do impacto a par dos da avaliação de custo-benefício e de • Eventual menor competência
custo-eficácia; • Pode impor critérios inadequados
técnica
• Pode priorizar objetivos que não
• A comunidade científica – Poderá estar interessada em aprofundar aspetos especí- • Falta de tempo
Desvantagens correspondem aos interesses ime-
ficos relacionados com o desenrolar do programa e os seus efeitos, podendo o seu • Dificuldade em criticar alguns diatos do programa
envolvimento funcionar como um apoio importante para a equipa que o implemen- aspetos
• Pode não partilhar adequada-
ta. Neste caso poderão interessar tanto avaliações do processo como do produto.
• Possibilidade de originar conflitos mente a informação com a equipa
na equipa
A todos estes potenciais interessados importa que a avaliação seja fiável e válida, ou seja, • Mais dispendioso
que se baseie em dados que genuinamente espelhem as características dos intervenientes
e que as conclusões retiradas sejam consistentes e sustentadas em evidências. Fonte: Eyken, W. van der (1992). Introducing evaluation – A practical introduction to evaluation in early childhood projects. The Hague: Bernard
van Leer Foundation – III.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

246 247
Independentemente de quem irá liderar a avaliação, numa perspetiva de intervenção cen- Simeonsson e colaboradores (1996) salientam a importância destes procedimentos quan-
trada na família, como refere Almeida (2009), esta deverá sempre recorrer a modelos de do descreve o processo do ciclo de avaliação que analisámos no Capítulo 4 desta Parte II.
investigação participativos, sustentados por Warfield e Hauser-Cram (2005) e também por Estes irão ajudar a equipa a estar ciente do grau de execução do que foi planeado e irá
Bruder (2000), que defendem a participação da equipa e da família na avaliação e procu- proporcionar uma oportunidade para resolver os problemas inevitáveis em tempo útil. Estes
ram compreender as suas experiências subjetivas. procedimentos ajudam a determinar se as atividades estão:
• A ser implementadas de acordo com o planeado;
Importa que tanto a equipa como as famílias possam sentir que as suas necessidades fo-
ram tidas em conta no processo de avaliação e testemunhar o modo como a intervenção • A provar ser exequíveis;
está ou não a dar-lhes resposta, pois são elas que irão beneficiar com as mudanças decor- • A ter o impacto desejado.
rentes da avaliação.
Permitem ainda readequar as intervenções sempre que necessário.
Tanto a equipa como as famílias devem estar desde o início envolvidas e têm de confiar
no processo de avaliação, assim como nos seus resultados. Este processo de monitorização implica obrigatoriamente a existência de registos das ativi-
dades pelo programa. É essencial que desde o início se estabeleça um sistema de registos, Importância
simples e fácil de preencher, que funcione como uma rotina. Estes registos tornam possível dos registos
Isto não quer dizer que tenham obrigatoriamente de concordar com as conclusões da avalia-
ção, mas que as considerem corretas, que reconheçam terem sido tidas em conta as questões reconhecer de forma imediata o que foi acontecendo ao longo do tempo. Deve apenas re-
essenciais e que todos tenham sido ouvidos. gistar-se a informação que seja relevante para as metas do programa e de utilidade para
a prática. A inexistência de registos num programa vai limitar seriamente a sua avaliação.

6.3 PARA QUÊ AVALIAR


PROGRAMAS DE IPI?
6.3.2 AUTOAVALIAÇÃO DA EQUIPA

Por sua vez, os profissionais e a equipa também devem autoavaliar-se. Uma equipa não é
uma entidade estática, evolui ao longo do tempo, pois há mudanças na adesão dos indiví-
A avaliação não deve ser um fim em si mesmo mas sim ter um objetivo específico. Deve duos e serviços, mudanças no financiamento e nas estruturas de regulamentação, mudanças
contribuir para melhorar o programa em curso ou para desenvolver programas futuros na comunidade ou mesmo o emergir de novas necessidades nas crianças e suas famílias. A
(Steele, 1970). equipa também irá mudar à medida que se desenvolve um historial de trabalho conjunto, o
sucesso na resolução dos desafios iniciais pode criar uma dinâmica de equipa e todos estes
Não interessa avaliar por avaliar mas avaliar para reconhecer pontos fortes e fragilidades aspetos irão influenciar a evolução dos profissionais. Assim, para além do acompanhamen-
e, com base nestes, tomar decisões, delinear um plano de mudança no sentido de um aper- to e da avaliação da atividade corrente, a equipa deve avaliar de forma sistemática o seu
feiçoamento sistemático das práticas. Por isso, a avaliação deve ser parte integrante das funcionamento global e individual, pelo menos anualmente, relacionando essa avaliação
rotinas de um programa de IPI. com os resultados e os desafios que enfrenta, a sua estrutura operacional e as relações e
envolvimento dos seus membros (Hayden, Frederick, Smith, & Broudy, 2001). Neste âmbito,
Neste âmbito, a partir da década de 1990, a par dos resultados a nível da criança e da fa- um processo de supervisão sistemático, que será aprofundado no Capítulo 8 da Parte III, é
mília, passou-se a avaliar também as práticas dos serviços de IPI. Pretende-se perceber se também com certeza uma mais-valia fundamental.
estes desenvolvem, de facto, uma intervenção centrada na família, utilizando critérios tais
como a adequação e eficácia das práticas, a capacidade de resposta, a individualização Quando se sabe exatamente quais os objetivos que se pretende atingir e aquilo que define
da intervenção e o grau de satisfação dos profissionais e das famílias. de forma precisa a qualidade de um programa, a intervenção torna-se mais fácil e há uma
melhor utilização dos recursos. O conhecimento e uma boa utilização de padrões adequa-
De uma forma genérica podemos dizer que o fim último da avaliação em IPI é ajudar-nos dos conduzem a melhores programas.
a compreender até que ponto as intervenções promovem a qualidade de vida da criança
e da família, devendo esta qualidade de vida ser definida pela própria família. Ou seja, PARAR PARA PENSAR:
é à família que compete indicar aquilo que ela considera como um padrão de qualidade
de vida desejável.
• A avaliação deve partir da reflexão sobre os efeitos que desejamos alcançar com
a nossa intervenção aos diferentes níveis: com a criança, com a família, com a
comunidade. Individualmente preencha o Quadro I do Apêndice 2.A. Partilhe e
discuta em grande grupo.

6.3.1 PROCEDIMENTOS DE MONITORIZAÇÃO


E REGISTO • É também fundamental a autoavaliação das práticas dos profissionais. Em con-
junto preencham o Quadro II do Apêndice 2.A.

A fim de responder a este objetivo há que desenvolver, desde o início do programa, proce-
dimentos continuados para monitorizar e informar sobre a implementação das atividades.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

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6.4 COMO AVALIAR PROGRAMAS


DE IPI? 6.4.1 ETAPAS DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO

Uma vez reconhecida a necessidade de avaliação de um programa de IPI há que planeá-


Não existem “receitas” sobre como avaliar programas de IPI, existe no entanto um conjunto -la, ou seja, definir como fazê-la. Este é um processo de colaboração entre profissionais
de premissas básicas comuns a todas as avaliações. e família que compreende várias etapas, sobre as quais vamos agora refletir um pouco.
Na Figura 6.1 estão representadas as várias etapas deste processo que conduzem à elabo-
ração do relatório final e às mudanças a introduzir.
Premissas básicas à avaliação de programas de IPI
• Devem ser conduzidas de uma forma que espelhe uma filosofia centrada na família;
FIGURA 6.1   As etapas do processo de avaliação
• Devem incluir uma análise dos resultados esperados como consequência do tra-
balho desenvolvido com as famílias;
• Devem ter uma abordagem de níveis múltiplos incluindo as perspetivas das crian-
ças, das famílias e das equipas;
• Devem recorrer a metodologias mistas, incluindo medidas qualitativas e quantitativas;
• Devem utilizar desenhos de avaliação que se baseiem nos resultados esperados
para a criança, família e equipa;
• Devem recorrer a critérios de avaliação da eficácia que se baseiem em indicado-
res correspondentes aos resultados esperados;
• Devem ter uma fundamentação técnica e científica sólida.
(adaptado de California Department of Education, 2007)

A avaliação deve espelhar como decorreu o processo de intervenção, se ele conduziu a re-
sultados e, em caso afirmativo, qual foi o impacto desses resultados.

A avaliação Como também já foi referido, a avaliação deve ser encarada como um processo contínuo
deve ser en- e, idealmente, deve ser planeada nas fases iniciais do desenvolvimento do programa de IPI.
carada como
Os resultados da avaliação devem servir para introduzir modificações no programa e fun-
um processo
contínuo cionar como um desencadeador de novas questões que irão suportar a avaliação seguinte, Uma vez tomada a decisão, numa fase prévia ao início da avaliação de um programa/equipa
que, de acordo com as recomendações, deverá decorrer passado um ano. de IPI, importa descrever o programa em detalhe e identificar as necessidades das famílias/ Descrever o
/equipas, processo que nos conduzirá à identificação dos grandes temas de avaliação. Esta programa,
atividade deverá ser realizada em colaboração pelos elementos da equipa, as famílias e os identificar
A investigação relacionada com a avaliação de programas indica que: avaliadores externos (se for o caso), e proporciona o desenvolvimento de um pensamento necessidades

• Esta deve investigar como é que os serviços são prestados e quais os seus resultados; comum sobre o que caracteriza realmente o programa, as atividades desenvolvidas, os ob-
jetivos assim como sobre o próprio processo de avaliação. Este exercício é já uma forma de
• É aconselhável que se realize regularmente de acordo com um calendário monitorização das atividades e muitas vezes leva à formulação de dúvidas, questões que
estabelecido. necessitam de respostas e de novas informações.
(Ontario Association for Infant Development, 2006)
Esta é uma fase essencial que vai ser determinante para o resultado final da avaliação. Se
não se conseguir identificar de forma clara a natureza do programa, as suas característi-
Importância Importa ainda realçar que o anonimato dos casos avaliados e de todos os intervenientes cas, pontos fortes e necessidades e consequentes grandes temas ou metas da avaliação, os
do anonimato deste processo é uma condição inquestionável numa avaliação que se pretenda científica e resultados serão também vagos e de difícil compreensão.
de qualidade. Quando desenvolvemos uma avaliação de programas de IPI, assegurar que
esta tem uma base científica sólida e corresponde às práticas de qualidade reconhecidas
nesta área são aspetos muito importantes para ganhar a confiança das famílias e dos pro-
fissionais envolvidos. ELABORAR O PLANO DE AVALIAÇÃO
Este exercício que acabamos de descrever vai portanto servir de base à identificação precisa Planear a
das metas da avaliação que deverão estar na base da elaboração do plano de avaliação. intervenção

Não será possível, na fase subsequente, definir objetivos precisos se forem identificadas, por
exemplo, como metas do programa “ajudar as famílias a sentirem-se melhor”, ou “facilitar
o desenvolvimento das crianças”, ou mesmo “promover as relações pais-crianças”, metas
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais

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essenciais mas formuladas de forma vaga e pouco precisa. Como iríamos perceber se as Requisitos para uma boa avaliação
famílias se sentiam realmente melhor, se o programa tinha facilitado o desenvolvimento das
1. Os objetivos do programa devem estar enunciados de uma forma clara. Objetivos
crianças ou se tínhamos de facto promovido as relações pais-crianças? Há, portanto, que
vagos ou contraditórios tornam muito difícil a identificação dos indicadores e
identificar metas e consequentemente objetivos claros, precisos e mensuráveis.
respetivos critérios de avaliação, que permitem ajuizar se um programa teve um
impacto positivo ou se foi bem executado;
Nesta fase deve-se clarificar:
2. Os avaliadores, os elementos do programa e as famílias devem estar de acordo
• O que deve ser avaliado, que questões necessitam de ser respondidas; qual a razão em relação aos indicadores que permitem verificar se os objetivos foram ou não
desta escolha; qual o tipo de avaliação a fazer: do processo, do impacto ou ambas; alcançados. Caso contrário, após a divulgação dos resultados da avaliação, cor-
re-se o risco de ver surgir um conflito entre os vários intervenientes;
• Quem vai utilizar as informações obtidas;
3. Os objetivos devem ser enunciados em termos mensuráveis;
• Quem vai fazer a avaliação;
4. Deve ser dada uma descrição tão completa e clara quanto possível da natureza e
• Qual o calendário da avaliação; é essencial definir um calendário detalhado e realis- do desenvolvimento da intervenção.
ta que possa ser cumprido.
(adaptado de Freman, Rossi, & Wright, 1980)

IDENTIFICAR OBJETIVOS CLAROS E PRECISOS, RESPETIVOS


INDICADORES E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO MÉTODOS DE RECOLHA DE INFORMAÇÃO

Identificar Numa segunda fase há pois que fazer o exercício de, partindo das questões para as quais Uma vez implementado o processo de avaliação, na fase de recolha de dados temos de:
objetivos, in- queremos encontrar respostas, identificar os objetivos da avaliação, já não de uma forma
dicadores e genérica mas de uma forma precisa. Ou seja, há que operacionalizá-los e determinar os in- a. Recolher, analisar, organizar e descrever material que já existe e os registos que todo
critérios de
dicadores e respetivos critérios de avaliação que irão funcionar como padrões em relação o programa deve manter relativos às atividades desenvolvidas;
avaliação
aos quais estes objetivos serão avaliados. b. Recolher e analisar novas informações, ou seja, novos dados.

Colocar as questões certas é a parte mais difícil do processo de avaliação, mas delas vai Estes novos dados podem dizer respeito às crianças, às famílias ou aos programas de IPI.
depender o seu sucesso. Objetivos e respetivos indicadores corretamente definidos e com Relativamente aos resultados das crianças, os investigadores debatem-se há décadas Resultados
critérios de avaliação claros são os elementos-chave de um plano de avaliação. com duas questões essenciais: a identificação de resultados significativos e a sua medição para as
crianças
válida e fiável (Shonkoff & Phillips, 2000). Estas dificuldades prendem-se com questões re-
lacionadas com o processo de amostragem, com medidas utilizadas focando a mudança a
Por exemplo, se considerarmos como uma das metas do programa de IPI intervir dentro de
nível do desenvolvimento cognitivo da criança, de que decorrem dificuldades estatísticas e
um modelo centrado na família, um dos seus objetivos poderia ser: “Para todas as crianças
consequente pouca consistência da maioria dos resultados, entre outras questões que não
e famílias seguidas pelo programa de IPI será elaborado um plano individual de intervenção
compete aqui aprofundar.
precoce (PIIP) em colaboração com a família”. Esta é, a par de várias outras, uma forma de
operacionalizar uma intervenção centrada na família de uma forma clara. Agora como va-
mos avaliar este objetivo? Para isso há que definir os indicadores. Neste caso poderão, por Assim, as avaliações de segunda geração focam-se, essencialmente, em resultados expres-
exemplo, ser estes quatro: (i) todas as crianças e famílias que estão no programa há mais sos através de comportamentos funcionais, procurando perceber aquilo que a criança faz
de três meses têm um PIIP no seu dossiê; (ii) os PIIP são elaborados em colaboração com no dia a dia em diferentes cenários e situações, tais como os que são recomendados pelo
a família, tendo em conta as suas escolhas, necessidades, prioridades e recursos que estão Stanford Research Institute (SRI), que apresentamos em seguida como exemplo.
espelhados no documento; (iii) os PIIP são revistos semestralmente; (iv) no PIIP constam as
assinaturas da família e da equipa. Os resultados para as crianças centram-se em três princípios:

Como materiais para recolha de informação sobre os resultados relativos a estes indicadores 1. Ter relações sociais positivas, o que inclui conviver com outras crianças e relacio-
poderá recorrer-se aos próprios PIIP, bem como à documentação e registos que constem dos nar-se com adultos;
dossiês das crianças seguidas pelo programa de IPI. Poderão também realizar-se entrevis- 2. Adquirir e utilizar novos conhecimentos e competências, que incluem o raciocínio,
tas com os profissionais e com as famílias. Temos aqui dois tipos de materiais, os primeiros a resolução de problemas e noções elementares de literacia e matemática;
consistem na recolha de informações sobre materiais já existentes, os segundos – as entre-
3. Atuar adequadamente e satisfazer as suas necessidades, o que inclui a alimenta-
vistas – correspondem à recolha de novas informações. Em relação a ambos importa ainda
ção, o vestir e o cumprimento de regras relacionadas com a saúde e a segurança.
definir critérios de avaliação claros. Há que tomar decisões como por exemplo em relação
ao primeiro indicador: vão-se considerar todos os casos com um PIIP no seu dossiê, mesmo (Hebbeler, 2005)
que este tenha sido elaborado há mais de um ano e não tenham existido posteriores reava-
liações? Estas e muitas outras decisões têm de ser devidamente ponderadas e clarificadas
quando se planeia uma avaliação, ou seja, não basta estar atento à definição dos indicado- Numa análise sobre trabalhos realizados pelo American Institute for Research (2003) e pelo
res, há também que definir com todo o cuidado os respetivos critérios de avaliação. Early Childhood Outcomes Center – OSEP (2005), dois organismos com grande protago-
nismo a nível da definição das políticas de Educação Especial nos EUA, bem como sobre
o testemunho que Bailey e Wolery (2002) apresentaram perante uma comissão presiden-
cial sobre Educação Especial, Almeida (2009) conclui que existe concordância em relação
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Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

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às recomendações sugeridas no que diz respeito aos resultados para as crianças. Entre es- de intervenção precoce. Entre estes Simeonsson (1988), que afirma que é essencial avaliar a
tas destacam-se a necessidade de avaliar os resultados com base em medidas integradas satisfação das famílias, pois ao identificar quais os aspetos que elas valorizam nos progra-
de comportamentos e competências funcionais, realizadas nos cenários de vida diária da mas de IPI mais facilmente se poderá corresponder às suas necessidades.
criança e tendo em conta as influências do seu meio envolvente, bem como a necessidade
de desenvolver métodos de avaliação mais adequados, principalmente no caso das crian- Partindo da premissa de que os serviços prestados têm de ser individualizados para serem
ças com deficiências ou incapacidade. eficazes, Simeonsson e colaboradores (Simeonsson et al., 1996, p. 33) propõem oito ques-
tões muito pertinentes:
Resultados Por sua vez, tendo em conta que em termos conceptuais, a unidade de intervenção na IPI
1. Quais são as expetativas das famílias e dos (outros) prestadores de cuidados face
para as é a família, a avaliação de programas deverá clarificar aquilo que as famílias valorizam a
à intervenção?
famílias fim de se perceber se estão ou não a prestar serviços de qualidade (Dinnebeil & Hale, 2003).
Neste sentido Bailey e Bruder (2005) definem os “resultados nas famílias” como um benefício 2. Quais são os propósitos e a natureza da intervenção?
que a família experimenta em consequência dos serviços que lhe são prestados. 3. Como é a intervenção personalizada?

Outras formas de abordar este tema focam a utilização de práticas centradas na família, 4. Verifica-se fidelidade na implementação dos serviços planificados, i.e, os serviços
em si mesmas, ou a avaliação dos seus efeitos na criança e na família, ou ainda a avalia- que foram planificados são os que efetivamente foram implementados?
ção da satisfação das famílias com os serviços recebidos. As medidas a utilizar para avaliar 5. Os resultados esperados da intervenção são antecipadamente especificados?
estes resultados têm sido sujeitas a controvérsia nos EUA, o que levou o Office of Special
6. Os resultados documentados e outros efeitos são passíveis de ser atribuídos à in-
Education Programs (OSEP) a incumbir o Early Childhood Outcomes Center a desenvolver
tervenção realizada?
e implementar essas medidas. São os resultados para a família recomendados pela OSEP
que apresentamos em seguida. 7. Estão as expetativas das famílias e dos (outros) prestadores de cuidados a ser
correspondidas?

Resultados para as famílias: 8. Os resultados são generalizáveis a futuras iniciativas/investigações e intervenções?

1. A capacidade de promover o desenvolvimento da criança; A recolha de dados sistemática e contínua, norteada por estas questões, permitirá docu-
2. Uma visão positiva do progresso desenvolvimental da criança e do seu futuro; mentar até que ponto o programa presta, de facto, um serviço individualizado, centrado na
família, contingente com as necessidades inicialmente identificadas e traduzidas em obje-
3. A autoconfiança em relação às suas próprias competências e à capacidade para
tivos de intervenção funcionais.
desempenhar as suas responsabilidades educativas;
4. A capacidade para fazer escolhas e tomar decisões informadas sobre serviços e No mesmo sentido, Bailey e colaboradores (1998) levaram a cabo uma investigação para
recursos; avaliar até que ponto os programas de intervenção precoce cumpriam os objetivos ineren-
5. A capacidade de advogar de forma eficaz a favor dos serviços e apoios necessá- tes a uma intervenção centrada na família, com base em oito questões que especificam dois
rios à criança e à família. grandes tipos de resultados da família: a satisfação com os serviços e os resultados perce-
bidos pela família. São essas questões que apresentamos em seguida.
(Office of Special Education Programs – OSEP, 2006)
O programa de IPI cumpre os objetivos de uma intervenção centrada na família?
Também Simeonsson e colaboradores (1996) propõem um racional para a avaliação de
programas de IPI tendo como quadro de referência o ciclo da intervenção. Estes autores Satisfação da família com os serviços:
consideram essencial perceber desde o início da intervenção os resultados esperados pe- • A família considera que a intervenção precoce introduziu uma modificação na vida
las famílias, quais as suas expetativas relativamente à criança, a si próprias e aos serviços e do seu filho?
tentar harmonizá-las com as dos profissionais. Será o cumprimento das expetativas iniciais
da família que irá condicionar o sucesso da intervenção e a satisfação das famílias com o • A família considera que a intervenção precoce introduziu uma modificação na sua
programa. vida?
• A família tem uma visão positiva dos profissionais e dos serviços?
A avaliação da satisfação das famílias com os serviços de IPI tem sido considerada como
Avaliação da Resultados percebidos pela família:
satisfação da fundamental no quadro de referência do modelo de intervenção centrado na família e um
família indicador importante na avaliação de programas em ciências sociais e humanas (Bailey et • A intervenção precoce tornou a família mais competente para ajudar o seu filho a
al., 1998; Simeonsson, 1988). No entanto, é um constructo difícil de avaliar com objetividade crescer, a aprender e a desenvolver-se?
devido nomeadamente à frequente ausência de termo de comparação para os pais, à ine- • A intervenção precoce melhorou a perceção da família relativamente à sua pró-
xistência de um padrão ou critério de excelência e ainda pelo facto de ser uma dimensão pria capacidade para trabalhar com os profissionais e para advogar a obtenção
subjetiva que traduz as impressões e sentimentos dos inquiridos. de serviços?

Acresce também que, independentemente de outras variáveis, os pais consideram-se, na • A intervenção precoce ajudou a família a construir uma rede de apoio eficaz?
sua maioria, satisfeitos ou muito satisfeitos com os serviços que recebem (Bailey et al., 1998; • A intervenção precoce ajudou a família a construir uma visão otimista do futuro?
Questões de Bailey & Bruder, 2005; Lanners & Mombaerts, 2000; Simeonsson, 1988), o que torna esta me-
avaliação • A intervenção precoce melhorou a perceção da família relativamente à sua qua-
pertinentes
dida pouco discriminativa. No entanto, os vários autores citados consideram a avaliação da
lidade de vida?
satisfação como uma componente importante na avaliação dos resultados dos programas
(Bailey et al., 1998)
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 6 — A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

254 255

A interven- A avaliação deverá, portanto, ser capaz de determinar não só até que ponto é que os ser- ANÁLISE DOS DADOS E ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO
ção introduziu viços prestados são centrados na família, incluindo aqui a sua individualização em função
mudanças dos desejos e necessidades das famílias, mas também determinar se esses serviços introdu- DE AVALIAÇÃO
positivas? A
ziram mudanças positivas nas crianças e famílias e, em caso afirmativo, se essas mudanças
família va- Uma vez reunida toda a informação considerada necessária, passa-se à fase da análise
loriza essas são valorizadas pela família.
dos dados. Os métodos de análise, qualitativos e quantitativos, selecionados dependerão
mudanças? Análise dos
do tipo de dados recolhidos e da forma como se pretende usar a informação, bem como do dados
Estes dados devem ser recolhidos ao longo do tempo utilizando vários instrumentos válidos,
âmbito das conclusões que deles se pretendem extrair. O que a análise de dados vai fazer
o que significa que medem o que é suposto medir e que produzem resultados semelhantes
é organizar as evidências formulando hipóteses de uma forma lógica e bem argumentada,
de forma consistente, ou seja, são fiáveis (Rossi & Freeman, 1993). Entre estes podemos referir
mas reconhecendo que existem sempre outras possíveis explicações que poderão conduzir
por exemplo os questionários, as escalas de Likert, as checklists, os testes de referência à nor-
a diferentes hipóteses. Devemos portanto maximizar as probabilidades de a nossa interpre-
ma, as entrevistas, os focus groups, as grelhas de observação e os diários e notas de campo.
tação ser a mais correta (Eyken, 1992). Há que ser extremamente cuidadoso no controlo das Elaboração
variáveis para podermos ter a certeza de que possíveis efeitos detetados se podem real- do relatório
Repegando no ciclo de intervenção de Simeonsson e colaboradores (1996), apresentamos mente atribuir ao(s) programa(s) em estudo e não a outras causas exteriores. de avaliação
no Quadro 6.2 o exemplo aplicado a um caso específico que o autor propõe para ilustrar
as fontes e natureza dos dados recolhidos para responder às questões que se colocam nos
A fase final do processo de avaliação consiste na elaboração de um relatório. Este relatório
diferentes elementos do ciclo de avaliação. Com este objetivo designa vários instrumentos a
deve conter os principais resultados encontrados e as suas implicações: será necessário in-
título de exemplo, deixando em aberto outras hipóteses.
troduzir mudanças, que tipo de mudanças, em que áreas? Do relatório deve ainda constar
uma descrição clara do desenho da avaliação, dos objetivos formulados, dos instrumentos
Prioritário É importante relembrar que dentro de um modelo centrado na família deve ser nesta fase utilizados, dos procedimentos desenvolvidos e dos métodos de análise usados, e deve ter-
recolher o prioritário recolher o feedback da família. Para tal deve-se recorrer a uma variedade de minar com uma reflexão crítica incidindo sobre os resultados encontrados e os pontos fortes
feedback da técnicas, incluindo recolhas de materiais escritos e verbais em diferentes fases do processo
família e as fragilidades do trabalho realizado.
de intervenção.

Recorrer Por sua vez, o uso de métodos qualitativos bem como quantitativos pode proporcionar uma Importa ainda sublinhar que:
a métodos visão mais abrangente do programa. Compete à equipa, em conjunto com as famílias e o
A avaliação é um exercício de colaboração. Só se todos os elementos do programa estive-
quantitativos avaliador (caso se tenha optado por um avaliador externo), decidir como, com que instru-
e qualitativos rem envolvidos e sentirem que a avaliação lhes “pertence” é que serão aceites e valorizados
mentos, por quem e quando será feita a recolha de dados. Tudo isto deverá constar do plano
os seus resultados (Eyken, 1992).
de avaliação, que incluirá ainda a calendarização do processo.

Mas, tal como referido anteriormente, a avaliação deve ser um processo contínuo e se este
relatório não produzir efeitos a avaliação não terá qualquer sentido.
QUADRO 6.2   Elementos do ciclo de intervenção: Dados de avaliação

Elementos do ciclo de Utilização dos dados As conclusões da avaliação, que deverão constar no respetivo relatório, devem servir para
Fonte e natureza dos dados
intervenção da avaliação melhorar os programas e as práticas.
Questionário sobre as Expetativas da
Documentar as expetativas Compete então aos responsáveis certificarem-se de que os resultados encontrados são dis-
Primeiros contactos Família e dos Profissionais; entrevis-
das famílias e dos profissionais
ta, etc. seminados e utilizados para a tomada de decisões sobre as mudanças a fazer, reforçando
as práticas eficazes e melhorando ou modificando as mais controversas, bem como para
Preocupações e necessidades da levantar novas questões que irão estar na base da avaliação seguinte.
Obter indicadores mensuráveis criança/família: Birth to Three; Escala
Avaliação
da criança e da família de Necessidades da Família – ENF;
Para finalizar, apresentamos, na página seguinte, as práticas recomendadas na avaliação
entrevista, etc.
de programas de IPI apresentadas pela NAEYC/NAECS/SDE, Position Statement (2003).
Protocolo do PIIP (objetivos, es-
Elaborar um plano de inter-
Desenvolvimento do PIIP tratégias, intervenientes prazos,
venção personalizado
resultados, implicações)
PARAR PARA PENSAR:
Implementação e
Verificar a fidelidade na imple- Escala de Registo Sequenciado de • Em conjunto podem refletir sobre as várias componentes do processo de avaliação.
monitorização dos
mentação da intervenção Objetivos (Goal Attainment Scale) Depois de discutirem e tomarem decisões sobre cada um dos 12 passos elencados
serviços
no Quadro I do Apêndice 2.B, vão redigir um plano de avaliação.
Questionário de Satisfação
Comprovar a satisfação, os re- da Família
Avaliação de resultados e
sultados esperados e outros Follow-up dos objetivos da escala
da satisfação
efeitos Follow-up dos resultados da criança
e da família (Birth to Three; ENF, etc.)
Fonte: Simeonsson et al., 1996. Ciclo de avaliação e intervenção dos serviços personalizados para crianças e famílias. Adaptado e reproduzido
com permissão do autor.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

256 257

PRÁTICAS RECOMENDADAS NA AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS APÊNDICE 2.A


DE IPI

QUADRO I
A avaliação é utilizada para o aperfeiçoamento contínuo do programa – O enfoque é
colocado tanto nos processos e na implementação como nos resultados. Ao longo do
tempo as evidências mostram que a avaliação influencia a melhoria das práticas. No seu trabalho com as crianças e famílias, o que considera essencial
alcançar com:
A avaliação assegura o envolvimento ativo das famílias – Estas são parceiras em todo
o processo, incluindo o desenvolvimento de métodos e instrumentos de avaliação do
programa. Estão ainda previstos mecanismos para obtenção do seu feedback sobre os
resultados do programa e a sua satisfação com o mesmo. As crianças: As famílias: A comunidade:

A avaliação é orientada pelos objetivos – O desenho da avaliação e os métodos sele-


cionados são norteados pelos objetivos identificados pelo programa.

A avaliação utiliza objetivos abrangentes – A par de objetivos orientados para a criança


que incluem um leque abrangente de resultados do desenvolvimento e da aprendiza-
gem, são utilizados objetivos direcionados para as famílias, para os profissionais e para
a comunidade.

A avaliação utiliza desenhos bem fundamentados – Os desenhos de avaliação baseiam-


-se em modelos cientificamente comprovados.

A avaliação recorre a múltiplas fontes de dados – Inclui dados relativos ao programa,


à criança, às famílias, aos profissionais, aos contextos e à comunidade.

A avaliação utiliza um processo de amostragem quando inclui a avaliação individual


de crianças – Este processo evita que se façam juízos de valor sobre as crianças consi-
deradas individualmente.

Ao longo do processo de avaliação são tomadas as devidas precauções quando se uti-


lizam testes de referência à norma – Estes devem ser desenvolvimental e culturalmente
apropriados às crianças e cientificamente válidos e fiáveis. São periodicamente efetuadas
recolhas de dados recorrendo a múltiplas fontes e realizado o controle da sua qualidade.

Ao longo do processo de avaliação são enfatizados os progressos das crianças – Quando


se utilizam medidas de avaliação das crianças os progressos devem ser realçados ao
longo do tempo e não apenas no final.

As avaliações devem ser conduzidas por indivíduos experientes – Indivíduos capazes de


fazer avaliações justas e independentes. Os processos de auto-avaliação fazem parte
da avaliação abrangente dos programas, assim como a análise sistemática dos dados
recorrendo a metodologias quantitativas e qualitativas, no sentido de proporcionar evi-
dências do grau em que o programa atinge os seus objetivos.

A avaliação divulga publicamente os seus resultados - As famílias, os decisores polí-


ticos e outros interessados têm o direito de conhecer os resultados das avaliações dos
programas. Um relatório da avaliação deve ser disponibilizado e tornado acessível ao
público interessado.

(adaptado de NAEYC/ NAECS/SDE Position Statement, 2003)


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

258 259
Página 3 de 6 Página 4 de 6

QUADRO II

IMPORTANTÍSSIMO

5
BRASS TACKS
VERSÃO AVALIAÇÃO - PROFISSIONAL

IMPORTANTE
AVALIAÇÃO DAS PRÁTICAS CENTRADAS NA FAMÍLIA NA INTERVENÇÃO PRECOCE

MUITO
Importância desta Prática

4
P. J. McWilliam, R. A. McWilliam
1993

IMPORTANTE
Frank Porter Graham Child Development Center
The University of North Carolina at Chapel Hill

3
ETAPA 1: Primeiros Encontros com a Família (Referimento e/ou Entrada no Programa)
Versão experimental, traduzida e adaptada por Ana Paula da Silva Pereira com autoriza-

IMPORTANTE
ção de P. J. McWilliam e R. A. McWilliam, para fins de investigação. Braga, Junho de 2007.

POR VEZES

2
INTRODUÇÃO

IMPORTANTE
A Brass Tacks foi desenvolvida para apoiar os profissionais, equipas e programas de

NADA
Intervenção Precoce a avaliar o grau de incidência nas suas práticas da abordagem cen-

1
trada na família. Este instrumento também pretende servir como veículo de identificação
das alterações necessárias a introduzir nos programas ou práticas individuais, no sentido de
se tornarem mais centradas na família.

SEMPRE

5
Este instrumento está dividido em 4 Etapas de prestação de serviços:

Etapa 1: Primeiros Encontros com a Família

USUALMENTE
Etapa 2: identificação dos objectivos da intervenção (Avaliação da criança e da família)

4
Com que Frequência
Etapa 3: Plano de Intervenção

Etapa 4: Prestação de Serviços/Apoios Diários

ALGUMAS
VEZES

3
Instruções de Resposta

Passo 1: Classifique-se a si próprio em cada prática

RARAS
VEZES

2
Leia atentamente cada uma das questões. Faça um círculo à volta do número que me-
lhor retrata a frequência com que demonstra este tipo de prática. Ao avaliar-se, tenha em
consideração todas as famílias que apoia.

NUNCA

1
Passo 2: Classifique o grau de importância que cada prática tem para si

Faça um círculo à volta do número que melhor retrata o grau de importância que atribui

5. O primeiro encontro com

que se preocupa com o seu


pessoais que não estão di-

do que coloca questões ou

zo de uma semana após o

interage com agrado com


bem-estar (ex: fala direc-
3. Escuta mais as famílias

6. Transmite aos pais que


pistas/soluções, serviços,
lha em relação ao local e
rectamente relacionadas
com as preocupações da

à família logo no primei-


a cada prática.

ao momento do primeiro
1. Evita colocar questões

a família ocorre no pra-


emocional, informativo,

tamente com a criança,


valoriza o seu filho(a) e
4. Presta ajuda e apoio

ro encontro (exs. apoio


possibilidade de esco-
2. Oferece aos pais a
Práticas

recomendações)?
família/criança?
Instruções

a criança, etc).
dá conselhos?

referimento?
Ao avaliar-se, tenha em consideração todas as famílias que apoia.

encontro?
260
ETAPA 2: Identificação dos Objectivos da Intervenção (Avaliação da Criança e da Família)

Com que Frequência Importância desta Prática


Um guia para profissionais

RARAS ALGUMAS NADA POR VEZES MUITO


Práticas NUNCA USUALMENTE SEMPRE IMPORTANTE IMPORTANTÍSSIMO
VEZES VEZES IMPORTANTE IMPORTANTE IMPORTANTE

1. Realiza a avaliação em
momentos mais conve-
nientes para a família? Os 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
pais podem escolher esses
momentos?

2. Pergunta aos pais quais


as questões que eles gos-
tariam que a avaliação
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
desse resposta?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA

3. Oferece aos pais a pos-


sibilidade de escolha em
relação aos instrumentos
de avaliação que serão uti- 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
lizados com a criança, bem
como aos processos usa-
dos na sua administração?

4. Valoriza perante os pais


o que a criança consegue
fazer em detrimento do
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
que não consegue fazer?

5. Permite que os pais te-


nham oportunidade de
estar presentes em todos
os encontros de planifi- 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
cação da avaliação da
criança ou de discussão
dos seus resultados?

6. Divulga e explica aos


pais os resultados da ava-
liação imediatamente após 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
a sua obtenção (exs. no
mesmo dia)?

7. Fornece aos pais uma


copia do (s) relatório (s) da 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
avaliação?
Página 4 de 6

ETAPA 3: Planificação da Intervenção para a Criança e Família

Com que Frequência Importância desta Prática

RARAS ALGUMAS NADA POR VEZES MUITO


Práticas NUNCA USUALMENTE SEMPRE IMPORTANTE IMPORTANTÍSSIMO
VEZES VEZES IMPORTANTE IMPORTANTE IMPORTANTE

1. Oferece aos pais opor-


tunidade de estarem
presentes em todas as
discussões acerca da pla- 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
nificação da intervenção
para o seu filho(a) e para
eles mesmos?

2. Os pais têm o poder de


decisão em relação aos
objectivos e aos processos 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
utilizados para alcançar
esses objectivos?

3. A maioria dos objectivos


para a criança, definidos
no plano de intervenção, 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
pode ser atingida no perío-
do de um ano?

4. Utiliza as informações e
ideias prestadas pelos pais
no desenvolvimento do
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
plano de intervenção?

5. Oferece aos pais op-


ções de serviços e recursos
disponíveis para atingir
os objectivos da interven-
ção para o seu filho(a)? 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
Respeita as suas decisões
em relação aos serviços
que o seu filho(a) poderá
ou não receber?

6. Na identificação dos
objectivos da interven-
ção, preocupa-se com as
necessidades, desejos e
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
sentimentos de todos os
membros da família?
Página 5 de 6
PARTE II — Introdução
A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

261
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

262 263

APÊNDICE 2.B
Página 6 de 6

IMPORTANTÍSSIMO
QUADRO I

5
Passo a passo, vamos esboçar um plano de avaliação
IMPORTANTE
MUITO
Importância desta Prática

4
I — Justifica-se a avaliação de programas em IPI?
IMPORTANTE

Em conjunto vamos refletir sobre a seguinte afirmação:


3

3
“Avaliar regularmente as suas práticas é uma característica reveladora da qua-
lidade de um programa de IPI”.
IMPORTANTE
POR VEZES

Individualmente:
2

2
• Cada um vai redigir um parágrafo justificando a sua concordância ou
discordância.
IMPORTANTE
NADA

Em grupo:
1

1
• Partilhar e discutir as respostas;
• Redigir as conclusões.
SEMPRE

5
II — A quem se destina a avaliação?
ETAPA 4: Prestação de Serviços/Apoios Diários

USUALMENTE

Em grupo:
4

4
Com que Frequência

• Identificar o(s) destinatário(s) da avaliação;


• Discutir as implicações que esta condicionante irá ter na avaliação;
ALGUMAS
VEZES

• Redigir as conclusões.
3

III — Quem vai participar na avaliação, como é que a família vai ser incluída e quem
RARAS
VEZES

vai conduzir o processo?


2

Em grupo:
NUNCA

• Identificar os participantes e o(s) dinamizador(es) da avaliação;


1

• Discutir as implicações que a presença dos vários participantes irá ter na ava-
liação e qual o papel de cada um;
cil às fontes de informação
bros da família alargada e
têm acesso rápido e direc-
to a todos os elementos da

artigos especializados, le-


amigos nos programas de
3. Certifica-se que os pais

ção do horário das visitas


agradável a participação
dos pais, de outros mem-

gislação, vídeos, eventos,


intervenção (ex. adequa-

5. Providencia acesso fá-


2. Sempre que vê os pais
elogia-os (ou felicita-os)
diz-lhes algo de positivo
1. Sempre que vê os pais

domiciliárias, ao centro,

importante para os pais

• Redigir as conclusões.
(livros, revistas, jornais,
que poderão ser úteis e
equipa de intervenção?
acerca do seu filho (a)?

4. Torna conveniente e
Práticas

acerca de algo?

das reuniões..)?

IV — De que recursos dispomos para levar a cabo a avaliação?


etc.).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

264 265
Página 2 de 5 Página 3 de 5

Individualmente:
Em grupo:
• Cada um vai elencar as questões.
• Identificar os recursos existentes (sem alterar o normal funcionamento da equi-
pa) em termos de tempo, disponibilidade, recursos económicos…; Em grupo:
• Identificar eventuais recursos a alcançar e discutir formas de os obter; • Partilhar e discutir as respostas;
• Redigir as conclusões. • Redigir o produto final.

V — Quais as principais componentes da intervenção sobre as quais deverá incidir


a avaliação? Exemplo:

Para o primeiro exemplo, podemos colocar questões tais como:


Individualmente:
1. As práticas da equipa enquadram-se globalmente dentro daqueles que, de
• Cada um vai listar as componentes.
acordo com a evidência científica, se consideram como os principais parâme-
tros de uma intervenção centrada na família?
Em grupo: 2. As práticas da equipa baseiam-se nas forças, preocupações e prioridades da
• Partilhar e discutir as respostas; família e procuram dar-lhes resposta, desenvolvendo a componente partici-
pativa das práticas de ajuda centradas na família?
• Redigir as conclusões.
3. As práticas da equipa promovem a partilha de responsabilidade e a colabo-
ração família – profissionais, bem como a tomada de decisão da família, ao
Exemplo: longo de todo o processo de avaliação/intervenção, desenvolvendo, a par da
componente participativa a componente relacional das práticas de ajuda cen-
tradas na família?
Podemos optar por nos focar numa componente geral, tal como:
4. As práticas da equipa introduziram mudanças positivas na vida das crianças
• Perceber se a intervenção traduz a filosofia, os valores e as práticas do modelo
e das suas famílias?
centrado na família.
5. …
Ou optar por uma componente específica, como por exemplo:
• Perceber se o processo de avaliação é desenvolvido numa perspetiva sistémica e VII — Queremos levar a cabo uma avaliação do processo, do produto ou ambas?
centrada na família, ou se a equipa está de facto a trabalhar dentro de um mo-
Em grupo:
delo transdisciplinar…
• Discutir as implicações de cada um dos tipos de avaliação e tomar uma decisão;
• Redigir o produto final.
Esta escolha vai depender daquilo que em cada equipa se considerar prioritário per-
ceber, sempre com o objetivo de aperfeiçoar as práticas.
Exemplo:

Para responder às questões colocadas no exemplo acima, a melhor opção seria re-
correr a ambos os tipos de avaliação:
1. Numa avaliação do processo, durante um período de tempo definido à parti-
da, poderiam ser feitas avaliações/observações sucessivas de vários aspetos,
como por exemplo: como decorre a avaliação, a elaboração do PIIP, quem
toma as decisões, como e onde decorre a intervenção e quem tem nela papel
ativo, de que forma são trabalhadas as redes de apoio social das famílias…
2. Numa avaliação do produto preocupar-nos-íamos apenas com os resultados
finais da intervenção, avaliando com base em instrumentos/entrevistas/ques-
tionários…, por exemplo as perceções das famílias e dos profissionais sobre
o recurso às componentes participativas e relacionais das práticas centradas
VI — De entre os temas que selecionamos, quais as questões específicas que queremos na família, ou o impacto da intervenção na qualidade de vida da criança e
ver respondidas? da família.
VIII — Como vamos transformar as questões formuladas em objetivos precisos e
mensuráveis e identificar os respetivos indicadores?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE II — Introdução
Um guia para profissionais A AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE Intervenção Precoce na Infância

266 267
Página 4 de 5 Página 5 de 5

Em grupo:
Em grupo: • Discutir e tomar decisões sobre as seguintes questões:
• Formular os objetivos relativos a cada questão; • A que tipo de análises se irá recorrer?
• Identificar os indicadores que serão utilizados para avaliar cada objetivo; • Quem vai realizar essas análises?
• Redigir o produto final. • Será necessário recorrer a elementos do exterior?
• Existe verba disponível se for esse o caso?
Exemplo: • Quando se prevê iniciar e terminar estas análises?
No exemplo acima, para responder à questão específica 4: • Redigir as conclusões.

Objetivo: “A intervenção vai ter um impacto positivo na satisfação, bem-estar e


autoconfiança das famílias e no desenvolvimento das crianças.” XI — Como vamos divulgar os resultados da avaliação?

Indicadores:
Em grupo:
Grau de satisfação das famílias
• Discutir e tomar decisões sobre as seguintes questões:
Qualidade da interação mãe-criança
• O que vai ser comunicado?
Nível de stress nas famílias
• Quem vai realizar essas análises?
Nível de apoio social às famílias
• Será necessário recorrer a especialistas do exterior?
Aumento das competências das crianças
• Existe verba disponível se for esse o caso?

• Quando se prevê iniciar e terminar estas análises?
• Redigir as conclusões.
IX — Como e quando vamos recolher as informações/dados de que necessitamos?
XII — Como vão ser usados os resultados da avaliação?

Em grupo:
Em grupo:
• Discutir e tomar decisões sobre as seguintes questões:
• Qual a informação que já possuem registada? • Discutir quem vai utilizá-los e de que forma;

• Como vão organizar essa informação? • Redigir as conclusões

• Quem o vai fazer?


• Qual a informação que têm ainda de recolher?
• Que métodos vão utilizar nessa recolha (questionários, escalas de Likert,
checklists, testes de referência à norma, entrevistas, focus groups, grelhas
de observação…)?
Plano de avaliação

• Quem vai recolher os dados?


• Quando vão ser recolhidos? Vamos agora juntar todos os passos!
• A recolha será feita num ou em vários momentos ao longo do processo de
avaliação?
Em grupo:
• Redigir as conclusões.
• A partir do produto final de cada um dos 12 passos anteriores, esboçar um
plano de avaliação da equipa.
X — Qual a metodologia que iremos utilizar na análise dos dados?
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

268

Oportunidades de desenvolvimento
profissional

PARTE III
Capítulos:
7 Formação — Construindo
conhecimentos, competências e
atitudes para melhor intervir

8 Supervisão — Para uma relação


de confiança e promotora de
desenvolvimento em IPI

A competência não é um estado. É um


processo.

Le Boterf, 1994
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais

270 271

OPORTUNIDADES DE
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

A intervenção precoce na infância (IPI) possui um corpo de conhecimentos específicos que


tem vindo a ser explicitado ao longo deste guia e que deve alicerçar a ação dos profissionais
neste domínio, sublinhando-se a importância de uma intervenção (Bruder, 2010; DEC, 2014):
• O mais atempada possível;
• Centrada na família;
• Assente num trabalho colaborativo;
• Realizada em ambientes naturais e inclusivos.

A concretização de um modelo de intervenção alicerçado nestes princípios exige qualidade


técnica – envolvendo conhecimentos e especialização dos profissionais –, mas também a sua
expressão prática e reflexiva, fundada em qualidades empáticas de envolvimento colabora-
tivo, conducentes a uma prestação transdisciplinar de serviços centrada na família e no seu
ambiente natural (Brazelton & Sparrow, 2003; Dunst & Trivette, 1996; Klein & Gilkerson, 2000).

Neste contexto, a formação, nos seus diferentes níveis inicial e continuado, constitui-se como
um elemento crítico para o sucesso da intervenção, na medida em que potencia uma exi-
gente transformação na atitude e competência dos profissionais de IPI em direção aos novos
requisitos.

Delinear as práticas recomendadas para o desenvolvimento profissional e formação em IPI


envolve (re)definir o que hoje se entende por desenvolvimento profissional neste domínio, de
forma a identificar características estruturais e de processo nas propostas formativas capa-
zes de apoiar, a partir de práticas baseadas na evidência1, o desenvolvimento da qualidade
e eficácia da intervenção (Snyder, Hemmeter, & McLaughlin, 2011). Estas propostas formati-
vas abrangem, claramente, a supervisão reflexiva enquanto processo de formação contínua
assente no apoio, na capacitação e no empowerment dos profissionais e como componente
indispensável ao desenvolvimento de práticas de qualidade em IPI.

1 Tomamos aqui a definição de práticas baseadas na evidência como o processo de tomada de decisão que inte-
gra a melhor evidência de pesquisa disponível com a sabedoria e valores das famílias e dos profissionais (Buysse,
Wesley, Snyder, & Winton, 2006).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais

7
272 273

FORMAÇÃO — CONSTRUINDO
CONHECIMENTOS,
COMPETÊNCIAS E ATITUDES
PARA MELHOR INTERVIR

7.1 PERFIL DO PROFISSIONAL EM IPI,


DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
           E FORMAÇÃO

Para alcançar uma intervenção precoce na infância (IPI) centrada na família, assente num
Formação
trabalho colaborativo, realizado em ambientes naturais e inclusivos, é necessário que os como
profissionais tenham formação e apoio que os capacite para oferecer serviços de elevada “alavanca”
qualidade (Moore, 2011). do perfil do
profissional
em IPI
Um desafio acrescido em IPI é o facto de os profissionais envolvidos serem provenientes de
diversas áreas do saber. A formação inicial oferece-lhes conhecimentos e competências re-
lativos a uma área do saber específica, mas o modo como são preparados para viabilizar
os eixos fundamentais da IPI na sua ação varia consideravelmente consoante as áreas do
saber e mesmo no âmbito de cada uma (Brito, Brandão, & Azevedo, 2015). É, no entanto,
manifesto que nenhuma destas áreas específicas forma os profissionais em todas as com-
petências de que necessitam para trabalhar eficazmente em IPI (Moore, 2011).

Deste modo, a formação em IPI deve ser encarada continuamente, ao longo da vida, pro-
curando ir ao encontro dos aspetos centrais do atual perfil dos profissionais em IPI, onde se
destacam as competências que lhes permitam:
• Envolver outros e construir parcerias – Ética da relação;
• Desenvolver continuamente as suas próprias capacidades – “Tornar-se” profissio-
nal em IPI;
• Prestar serviços de qualidade tendo por base as práticas recomendadas – Dominar
conhecimentos e práticas baseadas na evidência.
Desenvol-
Estas competências vão no sentido de: vimento de
competên-
• Promover o desenvolvimento e bem-estar integral das crianças; cias em IPI
e resultados
• Fortalecer a participação e capacitação das famílias em todas as etapas do pro- efetivos de
intervenção
cesso de intervenção – Intervenção centrada na família;
• Otimizar a inclusão na comunidade – Trabalho em equipa transdisciplinar, realiza-
do em ambientes naturais e inclusivos.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais

274 275
Viabilizar estas competências envolve uma definição clara do que hoje se pretende alcan- A planificação e implementação da formação deve, assim, ter como base cada uma das
çar através do desenvolvimento profissional em IPI. Este deve ser perspetivado de acordo componentes de um programa de desenvolvimento profissional (‘quem’, ‘o quê’, ‘como’) e
com a melhor e mais atual evidência, de modo a potenciar claramente os resultados que a relação que estabelecem entre si. Também as variáveis contextuais, onde se incluem as
se pretendem atingir em IPI para as crianças e suas famílias (Brotherson, Summers, Bruns, políticas, recursos, estruturas organizacionais, acesso, divulgação e avaliação, são funda-
& Sharp, 2008). mentais na conceção do desenvolvimento profissional.

Definição de desenvolvimento profissional


Conjunto de oportunidades facilitadoras de ensino/aprendizagem e da vivência de expe-

7.2 DESENVOLVIMENTO
riências formativas transacionais delineadas com o objetivo de dar suporte à aquisição
de conhecimentos, competências e atitudes dos profissionais, bem como à sua aplicação

PROFISSIONAL EM IPI na prática.


Esta definição inclui três componentes fundamentais:
a. O ‘quem’ do desenvolvimento profissional – As características e contextos dos for-
Relação Nas últimas décadas, o campo do desenvolvimento profissional tornou-se um tema central, mandos e das crianças e famílias com quem trabalham;
entre desen- sobretudo tendo em conta a relação evidenciada pela investigação entre o desenvolvimento
volvimento b. O ‘quê’ do desenvolvimento profissional – O conteúdo, ou seja, o que os profissio-
profissional profissional de elevada qualidade e a elevada qualidade e eficácia da intervenção (Snyder
nais devem conhecer e ser capazes de fazer (geralmente definido por perfis de
de elevada et al., 2011; Stayton, 2015).
qualidade e competências profissionais, orientações de formação e normas de certificação e
a qualidade acreditação);
e eficácia da A definição de desenvolvimento profissional é, em si mesma, complexa e desafiante, pois
intervenção inclui diferentes dimensões estruturais e processuais ao nível das suas finalidades, objetivos c. O ‘como’ do desenvolvimento profissional – A organização e facilitação de expe-
e conteúdos, mas também ao nível dos processos de ensino/aprendizagem, do seu forma- riências de aprendizagem (isto é, as abordagens, modelos ou métodos utilizados
to e da sua duração. para apoiar uma aprendizagem autodirigida, refletida, orientada para a expe-
riência, altamente relevante para a prática).
Considerando esta complexidade, o National Professional Development Center on Inclusion (Buysse, Winton, & Rous, 2009; NPDCI, 2010)
Construção de
uma definição (NPDCI, 2010) construiu uma definição de desenvolvimento profissional a partir de um intenso
de desen- trabalho colaborativo realizado com famílias, profissionais de IPI, investigadores, dirigentes
volvimento políticos, líderes e administradores de programas locais, docentes do Ensino Superior e re- No domínio concreto da IPI, a formação apresenta desafios únicos, pois o que procura alcan- Características
profissio- singulares da
nal assente presentantes de organizações profissionais. O seguinte quadro conceptual (ver Figura 7.1) foi çar é qualitativamente diferente de outras formações em campos disciplinares congéneres:
o conteúdo e as práticas de prestação de serviços em IPI são diferenciados dos realizados formação em
no trabalho desenvolvido pelo NPDCI (2010) para mostrar como essa definição pode ser aplicada no sen- IPI
colaborativo tido de desenvolver, implementar ou avaliar esforços de desenvolvimento profissional eficaz: em idade escolar, sendo muitas dessas diferenças resultado direto das necessidades desen-
volvimentais específicas de bebés e crianças (Bruder & Dunst, 2005) e da necessidade de
envolvimento e participação da família em todo o processo de intervenção (Peterander, 2004).
FIGURA 7.1   Estrutura conceptual para desenvolvimento profissional na IPI
Eficácia da
Considerando que é no contexto familiar que ocorrem as mais importantes interações e ex-
intervenção
periências na vida das crianças e que estas são essenciais ao seu desenvolvimento, é hoje pressupõe
consensual que a eficácia da intervenção com crianças entre os 0 e os 6 anos pressupõe que capacitação e
toda a família seja capacitada e envolvida nesse processo. Por sua vez, esta intervenção envolvimento
das famílias
requer a articulação de diversas áreas disciplinares do saber que, tendo em conta a mul-
tiplicidade de ambientes, serviços, recursos, pessoas (crianças, famílias, cuidadores), suas
Intervenção
características, forças e necessidades, devem ser adaptadas à especificidade de cada caso individuali-
(McCollum & Catlett, 1997). zada

Deste modo, é fundamental que os conteúdos e processos de formação em IPI:


• Se fundamentem numa filosofia explícita, intencional e alicerçada nos princípios e
no perfil do profissional em IPI, em que haja coerência entre cada parte e o todo
da formação, conferindo-lhe fidedignidade e consistência internas;
• Promovam os valores e atitudes subjacentes às práticas recomendadas em IPI que
sustentam e viabilizam o perfil ético do profissional;
• Procurem ir ao encontro de públicos diversos numa perspetiva transdisciplinar;
• Sejam práticos e relevantes para a intervenção, fortalecendo o processo de decisão
tendo em conta a especificidade dos contextos. O leque de conteúdos requer, assim,
Fonte: National Professional Development Center on Inclusion [NPDCI] (2010). Building integrated professional development um planeamento sistemático do processo de formação, numa sequência que espe-
systems in early childhood: Recommendations for states. Chapel Hill: The University of North Carolina, FPG Child Development
Institute. Adaptada e traduzida com autorização do autor. lhe e aprofunde o processo de intervenção de forma coerente e integrada.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 7 — FORMAÇÃO — CONSTRUINDO CONHECIMENTOS, COMPETÊNCIAS E ATITUDES PARA MELHOR INTERVIR

276 277
Tomando como exemplo o ensino de práticas centradas na família, eixo central em IPI, afi- a atingir (European Passport on Professional Training in Early Intervention [EBIFF], 2009;
gura-se fundamental o estabelecimento de uma relação explícita entre os conteúdos e os McCollum & Catlett, 1997).
processos de formação, o perfil do profissional e os resultados a alcançar na intervenção
(Figura 7.2). Retomemos como exemplo a aprendizagem de competências para realizar uma intervenção
centrada na família. Considerando a diversidade de profissionais envolvidos, reconhecemos
Tendo por base a necessidade de articular o perfil do profissional em IPI, as ofertas forma- a necessidade de:
tivas e os resultados que desejamos alcançar, analisamos agora o ‘quem’, ‘o quê’ e ‘como’
• Focar conteúdos e processos relativos à sua formação inicial e assegurar que estes
de cada etapa de formação.
lhes confiram um perfil de conhecimentos e competências que, embora específi-
cos de uma dada área disciplinar, estejam articulados com este eixo central em IPI
FIGURA 7.2   Práticas centradas na família: Da formação à intervenção (Existem conteúdos relacionados com o trabalho com famílias? Quais? De que for-
ma são abordados?);
• Entender como os conteúdos e processos são aprofundados na formação especia-
lizada e contínua (Como são integrados e articulados os contributos teóricos com
as práticas dos formandos? Os profissionais de IPI e as famílias participam nesta
formação? Que dinâmicas formativas são implementadas?).

Reconhecendo a diversidade de participantes, dos seus percursos e necessidades de de-


senvolvimento profissional em IPI, é essencial ter em conta o que hoje sabemos sobre a
aprendizagem de adultos, onde destacamos recomendações fundamentais globais orien-
tadoras das propostas de formação (Dunst & Trivette, 2009b; Trivette, Dunst, Hamby, &
O’Herin, 2009):

• Uma proposta articulada de atividades conduzida por formadores experientes e


orientada para os participantes tem maior impacto na formação — Métodos e prá-
ticas que envolvem ativamente os participantes na aquisição, utilização e avaliação
dos conteúdos de formação têm consequências mais positivas na sua aprendizagem;
• A formação que envolve uma componente reflexiva e de autoavaliação sobre o
processo de ensino/aprendizagem resulta numa qualidade mais elevada das apren-
dizagens e na sua aplicação prática;
• Os métodos de aprendizagem de adultos são mais eficazes quando utilizados com
um pequeno número de participantes (<30), durante mais de 10 horas, em múltiplas
ocasiões; ao repetirmos oportunidades de aprendizagem aumentamos a probabi-
lidade de os formandos desenvolverem uma compreensão mais aprofundada de
uma dada prática que se deseja atingir.
Fonte: Brotherson et al. (2008). Familiy-centered practices: Working in partnerships with families. In P. J. Winton, J. A. McCollum e
C. Catlett (Eds.). Practical approaches to early childhood professional development. Washington D.C.: Zero to Three. Traduzido
e adaptado com permissão do autor.
Deste modo, a forma ‘como’ os conteúdos são abordados e trabalhados na formação será A forma
tão determinante para o sucesso da aprendizagem e da aplicação à prática quanto o teor ‘como’ os con-
teúdos são
dos próprios conteúdos.
abordados
é determi-
Deverá existir uma estreita colaboração entre as instituições de formação com competên- nante para o
sucesso da sua
cias reconhecidas no domínio da IPI, académicas ou outras, e os sistemas ou serviços de
aprendizagem

7.3
intervenção precoce. Esta colaboração estreita é fundamental para o assumir das práti-
COMPONENTES DA FORMAÇÃO: cas recomendadas e das práticas baseadas na evidência como enquadramento para uma
formação de elevada qualidade. Estas, por sua vez, devem estar alinhadas e presentes em
‘QUEM’, ‘O QUÊ’ E ‘COMO’ orientações e regulamentações políticas e legislativas claras que salvaguardem e promo-
vam os padrões de exigência de formação neste domínio (Conselho Nacional de Educação,
2014; Stayton, 2015).
A formação em IPI coloca desafios singulares do ponto de vista dos destinatários (‘quem’),
dos conteúdos (‘o quê’) e dos processos (‘como’). Desenvolvimento profissional em IPI e diferentes ofertas formativas
Diversidade
de percursos • Formação inicial — Inclui os ciclos de estudo (licenciaturas e mestrados, integra-
Relativamente aos destinatários, provenientes de áreas diversas como a Saúde, a Educação
formativos e dos ou não) indispensáveis para os profissionais iniciarem o desempenho das suas
e o Serviço Social, entre outras, é necessário redefinir a tradicional continuidade entre for-
experiência funções (nas áreas da Saúde, Educação, Psicologia, Terapias, Serviço Social, en-
dos profissio- mação inicial, especializada e contínua. De facto, a formação deve procurar compreender
tre outras);
nais de IPI e ir ao encontro do ponto em que cada indivíduo se encontra face às finalidades e objetivos
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 7 — FORMAÇÃO — CONSTRUINDO CONHECIMENTOS, COMPETÊNCIAS E ATITUDES PARA MELHOR INTERVIR

278 279
• Formação especializada — Inclui as pós-graduações e ciclo de estudos de mes- CONTEÚDOS TRANSVERSAIS DE FORMAÇÃO RECOMENDADOS
trado no domínio específico da IPI, conferindo especialização aos profissionais de
Promoção do desenvolvimento e aprendizagem da criança
diversas áreas para desenvolverem a sua ação neste domínio;
Conhecer as características específicas do seu desenvolvimento, bem como fatores
• Formação contínua — Abrange cursos de formação, oficinas de formação, círculos de risco e proteção; Compreender como este conhecimento pode ser traduzido em
de estudos e ações de curta duração, promovendo a atualização e a valorização intervenções que promovam ambientes de aprendizagem seguros, respeitadores,
pessoal e profissional para aquisição e aprofundamento de conhecimentos no desafiadores e de suporte.
domínio da IPI, em articulação próxima com o processo de supervisão reflexiva.
Construção de relações consistentes com a família e com a comunidade
Conhecer e compreender o papel fundamental das famílias, dos cuidadores princi-
pais e da comunidade no desenvolvimento e aprendizagem das crianças pequenas,
reconhecendo a sua diversidade como um valor e dando suporte às famílias e às

7.3.1
comunidades através do estabelecimento de relações de respeito e reciprocidade.
FORMAÇÃO INICIAL
Observação, documentação e avaliação para o trabalho com crianças e suas famílias
Compreender os objetivos e os benefícios da utilização, bem como saber pôr em
prática formas de observação, documentação e avaliação desenvolvimentalmente
adequadas a crianças dos 0 aos 6 anos e suas famílias.
QUEM? Utilização de abordagens desenvolvimentais para se relacionar com crianças e famílias

Os profissionais que desenvolvem a sua ação com crianças dos 0 aos 6 anos e suas famílias Compreender o papel das relações e de interações positivas e de suporte como base
provêm de diferentes áreas do saber e têm formações diversas (médicos/as, enfermeiros/ do trabalho a realizar; articular conteúdos específicos da sua área disciplinar com
as, terapeutas, psicólogos/as, educadores/as de infância e técnicos/as de serviço social, os conteúdos de outras áreas, construindo intervenções adequadas e significativas
entre outros). Na sua ação, terão oportunidade de colaborar no processo de IPI quer ao ní- para cada criança e sua família.
vel fundamental da prevenção quer ao nível da sua ação direta ou indireta neste domínio. Tornar-se um profissional
Ser capaz de articular conteúdos teórico-práticos com situações de vida real, no-
meadamente com base em situações de prática em formação (visitas de observação,
estágios, seminários com participação de famílias e profissionais em IPI); manter uma
O QUÊ? contínua atitude crítica e reflexiva; agir eticamente na defesa dos direitos de crian-
ças e famílias.
Sendo esta etapa inicial a base da formação dos profissionais, é determinante no modo
como iniciam a perceção e futura aplicação de conhecimentos e competências específicas Fundamentos da intervenção precoce na infância
adquiridas junto das crianças, das suas famílias, de outros profissionais e da comunidade. Conhecer e compreender: (1) os fundamentos, conceitos e modelos principais em IPI;
(2) as estratégias de intervenção baseadas nas práticas recomendadas e na evidên-
Compreender o desenvolvimento das crianças dos 0 aos 6 anos implica entender que é nos cia; (3) a relevância do papel dos profissionais enquanto agentes de e para a inclusão,
contextos de vida diária e com base nas relações e interações com a família e cuidadores potenciadores de uma IPI de qualidade junto de crianças e famílias.
privilegiados, no âmbito das rotinas diárias, que se alavanca todo o potencial da criança. O
(Chandler et al., 2012)
desenvolvimento e aprendizagem de crianças em risco, com alterações no desenvolvimen-
to, necessidades especiais ou deficiência ocorrem da mesma forma – todas necessitam que
lhes sejam proporcionadas oportunidades de aprendizagem que potenciem a sua partici-
A presença de uma unidade curricular específica de IPI no plano de estudos não deve cor- Coerência
pação ativa.
responder a uma situação isolada na formação mas antes a um momento integrador de entre todas as
conteúdos, competências e atitudes trabalhadas ao longo de toda a formação, potenciando componentes
Princípios É por isso fundamental que os seguintes princípios estejam presentes numa etapa inicial da formação
um tempo próprio de reflexão aprofundada e crítica sobre os mesmos.
transversais de formação:
à formação
inicial dos • Ver cada criança, antes de mais, como uma criança, valorizando as suas compe-
profissionais
tências únicas;
COMO?
• Promover ambientes inclusivos seguros, saudáveis e estimulantes que otimizem o
seu bem-estar e desenvolvimento; Os princípios da aprendizagem de adultos devem ser tidos em conta e as famílias e os pro-
fissionais de IPI locais devem, sempre que possível, ser parceiros ativos na formação. Potenciar,
• Respeitar o facto de cada criança ser parte de uma família, incorporando esta com- desde a for-
mação inicial,
preensão em todas as interações com as crianças e suas famílias tal como previsto competên-
Escutar testemunhos de famílias e profissionais, realizar entrevistas e visitas de observação,
no Código de Ética do Profissional de IPI (SNIPI, 2009). cias relativas
integrando-as em atividades de prática reflexiva, são algumas das estratégias formativas
a uma ética
que potenciam a compreensão sobre o significado de uma intervenção centrada nas famílias de relação, à
Deste modo, considerando o caráter inclusivo do enquadramento legislativo português e sobre a necessidade de viabilizar um trabalho colaborativo, potenciador da participação prática refle-
(Decreto-Lei nº 281/2009, de 6 de outubro, e Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro), todos das crianças em ambientes naturais e inclusivos. A par destas estratégias, os estudantes de- xiva e ao (re)
os profissionais que trabalham com crianças dos 0 aos 6 anos deverão ter incluídos na for- conhecimen-
vem ser estimulados a refletir sobre o impacto das suas vivências pessoais e familiares no to de práticas
mação da sua área disciplinar conteúdos transversais que foquem particularmente os temas modo como se posicionam junto de famílias e outros profissionais com quem vão desenvol- recomenda-
que se apresentam em seguida. ver a sua ação. das em IPI
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 7 — FORMAÇÃO — CONSTRUINDO CONHECIMENTOS, COMPETÊNCIAS E ATITUDES PARA MELHOR INTERVIR

280 281

7.3.2 FORMAÇÃO ESPECIALIZADA


Para que estes aspetos possam ser intencional e fundamentadamente realizados, os docen-
tes responsáveis pela formação em áreas disciplinares específicas devem partilhar entre si
valores inclusivos e conceber e difundir conteúdos de formação, bem como experiências no
terreno com referência às práticas recomendadas em IPI.

Os docentes com formação especializada em IPI devem, por sua vez, apoiar e fundamentar QUEM?
o debate reflexivo de toda a equipa de docência relativamente a formas de traduzir os eixos
fundamentais da IPI na missão, finalidades, objetivos da formação e no plano de estudos. A formação especializada em IPI, designadamente pós-graduação ou mestrado, tem como
destinatários os profissionais das áreas da Saúde, Educação, Psicologia, Serviço Social,
Apresentam-se em seguida testemunhos de estudantes do curso de licenciatura em Educação Terapia da Fala, Ocupacional, ou outras, que desejam e/ou necessitam aprofundar conhe-
de Infância (‘quem’), decorrentes de uma unidade curricular com especial enfoque na inclu- cimentos e competências para viabilizar uma IPI de qualidade.
são e intervenção precoce (‘o quê’), que privilegiou uma dinâmica (‘como’) de: acolhimento
à diversidade dos estudantes; participação (debater, refletir, partilhar, confrontar, com- Como foi já referido, a diversidade dos formandos coloca grandes desafios à organização
preender); abrir(se) ao mundo (ouvir famílias e profissionais, numa atitude de questionar, de conteúdos e do processo de aprendizagem. Assim, podemos encontrar nesta formação
descobrir; desinstalar-se, inquietar-se, maravilhar-se); retornar a si/a nós (ouvir-se/refletir; especializada recém-formados numa determinada área disciplinar lado a lado com profis-
ouvir os que lhe são próximos: avaliação individual e de grupo); e querer aprender (investir sionais de outras áreas disciplinares com vários anos de experiência neste domínio.
em si mesmo ao longo da vida, inovar).

Testemunho de estudantes sobre cada uma das etapas vividas no contexto da sua for- O QUÊ?
mação inicial (Brito 2010)
As práticas recomendadas norte-americanas para o desenvolvimento profissional em IPI
Acolher e participar (Chandler et al., 2012; Miller & Stayton, 2005) e o Currículo Europeu para a Formação de
Tive de me questionar se eu era uma pessoa inclusiva e que tipo de pessoa queria ser. Profissionais em IPI (EBIFF, 2009) constituem orientações relevantes para eleger conteúdos
Todos os conteúdos, métodos e temáticas abordadas levaram-nos a refletir acerca do percur- e processos formativos.
so individual de cada um e sobre a forma como olhávamos e passámos a olhar e a aceitar o
outro e a diferença. Delinear os conteúdos da formação especializada em IPI implica, antes de mais, determinar
os conhecimentos, as competências e as atitudes necessários para uma prática partilhada Amplitude e
Abrir(se) ao mundo profundidade
de papéis e funções a desempenhar na prática da IPI (claramente expresso na missão e fi- de conteúdos
Observei a terapeuta a falar com o M. [criança com paralisia cerebral]. A comunicação esta- nalidades da formação), considerando duas dimensões: a amplitude e a profundidade de
belecida entre os dois foi muito além do que estava à espera. Este momento ficou comigo ao conteúdos (McCollum & Catlett, 1997).
longo de muitos dias...
Escutar os pais foi uma oportunidade única que envolveu a razão e a emoção. A amplitude será alcançada através do desenho de múltiplas oportunidades formativas na
abordagem dos princípios centrais em IPI; a profundidade será alcançada com o tempo –
Retornar a si/a nós a dimensão temporal deve permitir a aplicação dos conteúdos abordados e uma contínua
Depois de me ter posto no lugar de alguém com deficiência é impossível voltar atrás. reflexão crítica sobre os mesmos.

Este portefólio carrega a história de seis pessoas que já se conhecem bastante bem e que ago-
ra partilham muitas das mesmas ideias sobre a inclusão. Todos os assuntos foram debatidos Conteúdos de maior relevância a integrar no plano de estudos: Conteúdos
e, na maior parte das vezes, chegámos a um consenso, não porque tínhamos de chegar a um, fundamentais
mas porque fundamentámos e pensámos nas nossas ideias com calma. • Intervenção centrada na família; a realçar nas
• Trabalho colaborativo em equipa transdisciplinar; propostas de
formação
Querer aprender – Aprendizagem ao longo da vida • Intervenção em contextos inclusivos e naturais de vida;
Ter técnicas não basta para ser um bom profissional; é preciso dedicar-me, revirar-me, rein- • Conhecimento aprofundado sobre desenvolvimento típico e atípico (perturbações
ventar-me todos os dias para que consiga chegar até às crianças na sua plenitude, até às suas do espetro do autismo, paralisia cerebral, trissomia 21, problemas de comunica-
famílias. ção e linguagem, ou outros).

Esta disciplina ajudou-me a entender melhor as crianças com NEE, assim como lidar com as
suas famílias e compreendê-las. Fez-me pensar mais no outro, dar valor ao essencial. Sempre Apesar de num primeiro momento de formação ser importante explicitá-los (designadamente
houve e continuará a haver diferenças, mas o que faz mudar não é a diferença, é o olhar. Como através da definição dos modelos e princípios enquadradores em IPI), a sua presença deve
afirma Ruben Alves: “O medo dos olhos dos outros é um sentimento universal. Todos gostaría- ser transversalmente sublinhada nos conteúdos relativos a todo o processo de intervenção,
mos de olhos mansos… A diferença não é resolvida de forma triunfante, como na história do nomeadamente:
Patinho Feio. O que muda não é a diferença. São os olhos.”
• Referenciação;
• Primeiros contactos;
• Avaliação;
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 7 — FORMAÇÃO — CONSTRUINDO CONHECIMENTOS, COMPETÊNCIAS E ATITUDES PARA MELHOR INTERVIR

282 283
• Desenvolvimento do programa individual de intervenção precoce (PIIP), sua imple- Tomando consciência sobre o valor da escuta em IPI – Intra e interpessoal (Brito et al., 2012)
mentação e monitorização em visitas domiciliárias e em creche/jardim de infância;
A herança cultural é determinante na atitude do indivíduo e nem sempre é fácil reconhecer que
• Avaliação de resultados e satisfação. o outro possa ter hábitos, atitudes e valores diferentes dos nossos. As minhas principais dificul-
dades estão relacionadas com a capacidade de identificar o que levo comigo para a interação;
As práticas recomendadas em IPI constituem um guia para a seleção dos conteúdos da for- permitir que seja a família a encontrar as respostas sem me sobrepor a ela; saber identificar o
mação, sendo que estes devem contemplá-las e aprofundá-las, fornecendo evidência aos ponto de equilíbrio entre o ouvir e o intervir… Ainda tenho receio de desiludir a família quan-
formandos sobre a melhor forma de as concretizar junto de crianças, famílias e profissio- to às expetativas que criou relativamente à minha pessoa se não der a minha opinião sobre ‘o
nais; as práticas recomendadas devem estar explícita, intencional e fundamentadamente que devem fazer’.
presentes nas finalidades, objetivos, conteúdos e processos de ensino/aprendizagem dos
planos de estudo, onde também se devem sublinhar os conteúdos essenciais relativos ao Hoje, num primeiro encontro, ao preencher os dados sobre cada criança, procuro cada vez mais
trabalho em equipa, à organização e coordenação de serviços e recursos e à avaliação de escutar os pais sobre ‘quem é o seu filho’. Recentemente, recebi uma mãe pela primeira vez.
programas em IPI. Enquanto estivemos juntas, esta mãe falou-me sobre o seu filho mas também sobre si, sobre a
sua infância, sobre o valor que o marido tem na sua vida e o relacionamento do casal, sobre os
A componente de investigação (i.e., saber procurar e articular informação relevante para outros filhos. Fiquei sensibilizada quando referenciou o facto de eu ter tido tempo para a escu-
Presença
em “pro- uma IPI de qualidade) e de formação pessoal (i.e., prática reflexiva) – potenciadora do tar, para a ouvir falar das suas aspirações, dos seus receios como mãe. No final, muito tocada,
fundidade” “tornar-se” profissional e de práticas profissionais e éticas em IPI – deve assentar numa di- ela disse que aquelas folhas de registo eram a vida da sua família e do seu filho.
das compo-
nentes de
nâmica temporal ao longo de todo o curso de formação sustentadora da sua aprendizagem
investigação em profundidade.
e formação
pessoal

COMO?
O processo de formação especializada em IPI assenta na necessidade de:
7.3.3 FORMAÇÃO CONTÍNUA

• Conjugar aulas expositivas com aulas teórico-práticas e seminários que incluam a QUEM?
análise e debate de artigos científicos, textos de apoio, vídeos e outros materiais
pedagógicos, bem como a partilha de experiências significativas com a participa- A formação contínua revela-se fundamental para todos os que têm um papel e/ou função, Papel fun-
ção ativa de famílias e profissionais em IPI; direta ou indireta, no âmbito da IPI. damental
da forma-
Potenciar o • Articular as aulas teórico-práticas com experiências no terreno e trabalho de cam- ção contínua
Através da formação contínua, os profissionais desenvolvem as competências necessárias no desen-
processo críti- po, garantindo que a tutoria e supervisão sustentam esta articulação com base num
co e reflexivo para mobilizarem, em situações concretas, os recursos adquiridos durante a formação. volvimento
processo contínuo e fundamentado de prática reflexiva; profissional
através da
em IPI
realização de • Utilizar instrumentos de avaliação que apelem ao processo reflexivo e crítico de en- Presentemente, assistimos a um processo de transição de uma oferta de formação tradi-
portfólios de
aprendizagem sino/aprendizagem dos formandos, como portefólios e estudos de caso, integrantes cional de ‘fora para dentro’ para um processo de formação reflexivo de ‘dentro para fora’
e estudos de dos conteúdos de diversas unidades curriculares; (Sheridan, Edwards, Marvin, & Knoche, 2009) – o adulto em situação de formação traz consigo
caso uma história de vida e uma experiência profissional singulares, sendo essencial pensar como
• Dinamizar a colaboração entre docentes e entre docentes e discentes, viabilizando a este adulto se apropria da experiência passada projetando-se, renovadamente, no futuro.
adequação, coerência e continuidade na construção de conhecimentos, competên-
cias e atitudes que se desejam presentes no gesto profissional futuro dos formandos.
Hoje sabemos que workshops isolados ou formações episódicas pouco relacionadas com
o quotidiano e com a prática dos profissionais em IPI se revelam ineficazes (Snyder et
A formação deve ser coordenada e realizada por docentes académica e profissionalmente al., 2011).
Papel dos
reconhecidos como especialistas em IPI, com uma ação significativa e concreta neste do-
docentes,
famílias e mínio (i.e., em investigação, supervisão de projetos/equipas de IPI); deve ser realizada em
profissionais parceria com as famílias e os profissionais de IPI, designadamente das comunidades onde
de IPI na a formação se realiza. Esta equipa deve definir a missão, finalidades, objetivos da formação
formação O QUÊ?
especializada e plano de estudos com base em recomendações e evidências internacionalmente reconhe-
cidas e deve, ela própria, identificar-se com esta proposta formativa. Os conteúdos relativos à formação contínua têm como finalidade desenvolver e aprofundar Relação entre
as competências inerentes ao perfil do profissional em IPI, fundado em práticas recomen- as competên-
Em seguida, partilham-se testemunhos de alunos de um mestrado em IPI – provenientes de dadas, de forma a viabilizar a qualidade nos resultados pretendidos. cias inerentes
diferentes áreas do saber, contextos de intervenção e com experiências distintas em interven- ao profissio-
nal em IPI e
ção precoce, que realizaram atividades de prática reflexiva, sendo ativamente “envolvidos Com base nesta articulação, apresentam-se no Quadro 7.1 exemplos de conteúdos a pro- os conteúdos
num pensamento crítico sobre as suas próprias reações, julgamentos, comportamentos e mover na formação contínua em IPI. de formação
intenções, integrando este pensamento com as suas ações” (Brazelton Touchpoints Project, contínua
2006, p.19). Estas tinham como particular intenção potenciar as competências de ajuda efi-
caz em IPI (Dunst, 2000a), envolvendo qualidade técnica, características e representações
do profissional e envolvimento participativo.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 7 — FORMAÇÃO — CONSTRUINDO CONHECIMENTOS, COMPETÊNCIAS E ATITUDES PARA MELHOR INTERVIR

284 285

QUADRO 7.1   Conteúdos a promover na formação contínua 4. As estratégias de coaching, tutoria, ou feedback de desempenho, realizadas por
formadores especialistas em desenvolvimento profissional, durante a formação;

Perfil do profissional em IPI Conteúdos Finalidade 5. O acompanhamento e apoio continuados no tempo, reforçando a aprendizagem
anteriormente realizada;
• Promoção de oportunidades 6. O desenvolvimento profissional com duração e intensidade bastantes para prover
de aprendizagem em contex- múltiplas oportunidades de ensaiar uma nova competência relativa a uma deter-
tos naturais e inclusivos; minada prática recomendada;
Promover o desenvolvimento e • Conhecimento sobre desen-
7. A projeção e implementação da formação contínua abrangendo o maior número
bem-estar integral das crianças. volvimento típico e atípico da
possível das seis características-chave anteriormente apresentadas. A investiga-
criança baseado na evidência;
ção demonstra que a sua utilização simultânea tem maior impacto no sucesso da
• Avaliação da criança nos seus formação, potenciando a implementação de práticas recomendadas em IPI junto
contextos naturais. de crianças e famílias.
• Capacitação e empowerment (Dunst, 2015)
Fortalecer a participação e ca- das famílias; Alcançar resultados po-
pacitação das famílias em todas sitivos para as crianças
• O ciclo de intervenção e as
as etapas do processo de inter- e suas famílias Sabemos hoje que experiências continuadas de suporte e apoio nos ambientes de trabalho A formação
práticas de ajuda eficaz;
venção – Intervenção centrada realizadas em equipa e tendo em conta o contexto organizacional têm mais benefícios na em equipa
na família. • Avaliação das preocupações promoção de competências e na transformação de atitudes dos profissionais do que forma- tem benefícios
das famílias e redes de apoio. acrescidos na
ção oferecida sob o formato de instrução (Sparrow, 2014; Winton & Catlett, 2009). promoção de
• Trabalho em equipa competências
A “forma” como estas competências são potenciadas pelos formadores é também essencial e na trans-
transdisciplinar; formação de
Optimizar a inclusão na comu- (Sparrow, 2014; Winton & Catlett, 2009): variáveis intrapessoais do formador (competências
• O papel do mediador de caso; atitudes dos
nidade — Trabalho em equipa e conhecimentos), características interpessoais e relacionais (capacidade de estabelecer re- profissionais
transdisciplinar, em ambientes • Colaboração intersectorial; lações positivas com base no respeito e na confiança) e variáveis contextuais e sistémicas
naturais e inclusivos.
• Avaliação de programas (ação focada na compreensão da cultura singular de cada ambiente de trabalho) têm sido
em IPI. objeto de estudo, sublinhando-se que o desenvolvimento profissional sustentado e amplia- A qualificação
do no tempo não poderá ocorrer sem formadores qualificados que honrem o conhecimento do formador
que cada um traz para a formação (Winton & Catlett, 2009). Qualidades, valores, princípios, é fundamen-
tal para a
ética e competências dos formadores deverão ser idênticos aos que os profissionais neces-
COMO? sitam para trabalhar em parceria efetiva com famílias, outros profissionais e comunidade
qualidade e
impacto da
(Davis, Day, & Bidmead, 2002). formação
De destacar que atualmente existem diversos tipos de formação, com evidência emergente
e progressivamente mais relevantes em IPI – como ações de consultoria, coaching, tuto-
ria, supervisão reflexiva ou comunidades de prática (Buysse et al., 2009) –, que procuram No quadro que se segue, profissionais de diversas áreas com funções diretas e indiretas em
promover o desenvolvimento profissional de forma participada e contextualizada, visando IPI testemunham o impacto que a formação contínua teve na forma como implementaram
mudanças consistentes e duradouras em direção aos princípios fundamentais em IPI. Neste intervenção colaborativa/transdisciplinar centrada na família, contextualizando-a relativa-
sentido, foi recentemente apresentado um modelo para conceptualizar, projetar e imple- mente às suas práticas:
mentar a formação contínua, promotor da utilização de práticas recomendadas em IPI com
base na evidência (Dunst, 2015). As características principais que sustentam este modelo de
formação elencam, sobretudo, aspetos relacionados com o processo formativo (‘como’). O valor da formação para uma intervenção colaborativa (Brito, 2014)

Quando agora questiono o porquê de determinada atuação, faço-o no sentido individual de eu


Distinguem-se atualmente sete características-chave baseadas na evidência para a proje-
compreender, mas também para conduzir a uma reflexão conjunta, que implica partilha, troca
ção e implementação da formação contínua em IPI, que se apresentam no quadro seguinte.
de ideias, pesquisa na procura permanente da melhoria da qualidade dos cuidados prestados.
Questiono-me: Como podemos motivar os restantes elementos da equipa a refletirem sobre a
Características-chave baseadas na evidência para a formação contínua em IPI: sua prática e a ousarem mudar?
Enfermeira
1. A exposição explícita e ilustrativa de conteúdos relativos a conhecimentos e práti-
cas recomendadas, articulando-os de forma clara com o perfil de competências do Estar em processo de formação com uma colega da equipa ajuda imenso na reflexão constante
profissional de IPI; sobre a nossa prática em intervenção precoce.
2. As oportunidades ativas e autênticas de aprendizagem na utilização das novas Educadora de infância
práticas em contexto de trabalho e avaliação do seu impacto pelo profissional em
formação; Somos um grupo coeso com formação em diversas áreas. Essa enorme capacidade crítica que
o grupo demonstrou permitiu perceber a complementaridade entre as profissões, e que não
3. A inclusão explícita de práticas reflexivas no decurso da formação, potenciando a
devem, nem podem, ser postas barreiras disciplinares entre cada profissão quando se trata de
compreensão e mestria de uma determinada competência aprendida;
ir ao encontro das crianças e das suas famílias.
Técnica de serviço social
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 8 — Supervisão — Para uma relação de confiança e promotora de desenvolvimento em IPI

286 287

8
EM SÍNTESE:

SUPERVISÃO — PARA UMA


• A qualidade da formação em IPI é um elemento crítico para uma intervenção efi-
caz, configurando um exigente perfil profissional – técnico, relacional e humano;
• A colaboração entre todos os envolvidos em IPI (onde se incluem associações de
profissionais, grupos de pais, famílias e cuidadores, autoridades locais, instituições RELAÇÃO DE CONFIANÇA
E PROMOTORA DE
de Ensino Superior, investigadores, bem como todo o sistema de IPI) é fundamental
para que se construam orientações comuns com base na evidência e nas práticas

DESENVOLVIMENTO EM IPI
recomendadas, alinhando conteúdos e processos formativos;
• As normas a estabelecer para uma formação de elevada qualidade em IPI de-
vem constituir a base para projetar, implementar e avaliar cursos de formação
e para a acreditação nacional desses programas, orientando o desenvolvimen-
to de políticas rigorosas de certificação. Este princípio deverá ser válido não só
para a formação especializada no âmbito do Ensino Superior mas também para
as diversas formações avulsas que atualmente surgem com diferentes formatos
e origens, muitas delas não garantindo a qualidade indispensável que lhes deve
presidir, quer ao nível de conteúdos e processos formativos quer ao nível do perfil
dos formadores que as conduzem; O desenvolvimento de práticas de qualidade em intervenção precoce na infância (IPI) está
intimamente ligado ao desenvolvimento profissional dos técnicos oriundos de várias disci-
• Como sublinha a investigação, uma formação com elevada qualidade e uma in-
plinas profissionais e serviços que, através de oportunidades de formação e de supervisão,
tervenção eficaz são condições essenciais para promover o desenvolvimento e
eventualmente, se transformam em profissionais de IPI (Santos, 2007).
aprendizagem das crianças, assim como o bem-estar das suas famílias.

Assim, e sabendo que um programa de IPI de qualidade proporciona aos seus profissio-
nais oportunidades de supervisão (e formação) contingentes com as funções que deles se
espera (Santos, 2007),…
... propomos esta secção no presente guia na expetativa de contribuir para que a supervisão
técnica se constitua efetivamente como uma força no apoio e promoção ao desenvolvi-
mento profissional em IPI e, indiretamente, do processo de empowerment e capacitação
das famílias, bem como do bem-estar e desenvolvimento das crianças.

8.1 O PAPEL DA SUPERVISÃO EM IPI

O que alguns chamam a “regra de ouro” da supervisão define bem a essência deste pilar
da IPI:

Age com os outros como gostarias que eles agissem junto de outros. “Regra de
ouro” da
( Jaree Pawl [n.d.], citado por Fenichel, 1999, p. 11) supervisão

O caráter transdisciplinar do conhecimento em IPI resulta da partilha de saberes entre


os vários profissionais da equipa quando envolvidos na análise e reflexão da sua própria
intervenção junto das famílias e crianças em apoio. Na impossibilidade de o supervisior ex-
perienciar as situações reais da intervenção dos supervisandos, torna-se fundamental definir
o que se espera da supervisão:

O papel da supervisão é apoiar os profissionais na construção de competências que lhes


permitam apoiar a capacitação e empowerment das famílias quando nem o supervisor
nem os outros elementos da equipa estiverem lá.
( Jaree Pawl [n.d.], citado por Fenichel, 1999, p. 11)
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 8 — Supervisão — Para uma relação de confiança e promotora de desenvolvimento em IPI

288 289
Essas competências não podem ser modeladas e, tal como no âmbito da relação entre crian- Acreditamos que o conhecimento daí resultante será para ambos um pilar e um motor da
Como se ças e famílias e entre mediador de caso e famílias, também devem (Santos, 2007): respetiva participação plena na estrutura de IPI a que ambos pertencem.
constroem
competências • Desenvolver-se no âmbito da relação entre o supervisor e os supervisandos;
nos Cada contexto de supervisão é único, pois depende, em larga medida, da especificidade
profissionais • Ser construídas por cada indivíduo no contexto da sua equipa;
de cada pessoa que nele participa: o supervisor, os supervisandos, bem como as famí-
• Ser desenvolvidas por cada equipa no seu micro, meso, exo e macrossistema de lias e as crianças destinatárias da intervenção que constituem o objeto de trabalho desse
intervenção; grupo de supervisão.
• Traduzir-se em ações adequadas a cada momento das vidas das famílias e crian-
ças, e também das próprias equipas e comunidades. Quem já foi supervisando ou supervisor sabe que cada reunião de supervisão é única, na
medida em que é dedicada aos momentos únicos que cada profissional/equipa de IPI está a
A promoção destas competências pode incluir a participação em seminários ou conferências, viver relativamente ao seu próprio funcionamento, bem como relativamente às suas intera-
a publicação de artigos com o objetivo de disseminar, partilhar e clarificar abordagens ou a ções com as famílias/crianças. Contudo, há um conjunto de referências ou pressupostos que
participação na criação de legislação nacional (Santos, Feliciano, & Agra, 2011). funcionam como garante de que todos, num mesmo programa de IPI, seguem os mesmos
princípios, observam os mesmos valores e respeitam os fundamentos das práticas recomen-
No ciclo de vida da família de uma criança com necessidades especiais, o tempo da IPI dadas em IPI.
corresponde à descoberta da criança, das suas forças e competências, bem como das dos
outros membros da família; é um tempo de autoconhecimento e de transformação; de co-
municação entre os elementos da família e destes com a comunidade envolvente; e também
de descoberta e ativação de recursos e potencial inclusivo. Contudo, esta etapa da vida da

8.2
família começa, por vezes, por ser de sofrimento emocional, de angústia face ao presente e
SUPERVISÃO: PRESSUPOSTOS
IPI, um
interlocutor ao futuro (e até ao passado, pelo sentimento de culpa que frequentemente assalta os pais...),
privilegiado
de incerteza, revolta, raiva e negação relativamente a um diagnóstico que veio provocar de-
sequilíbrio e pôr à prova a coesão e as relações intrafamiliares (Santos, 2010). PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA
Na verdade, a IPI tem o potencial de se constituir junto de uma família em necessidade como
               RELAÇÃO DE CONFIANÇA E
o interlocutor privilegiado. Será o mediador de caso e a equipa que vão prestar o apoio ne-
cessário à evolução e desenvolvimento da família desde os difíceis momentos iniciais até à
                APOIO AO DESENVOLVIMENTO
sua verdadeira inclusão no contexto da comunidade em que habitam. A comunidade, por
sua vez, deverá constituir-se também como uma fonte de suporte em constante adaptação
Para que a intervenção em curso possa ser objeto de supervisão ela tem de ser explanada,
e transformação, sempre em busca de respostas e recursos contingentes com as necessida-
em primeira instância, pelo profissional que é o interlocutor da equipa junto da família; e ele
des de cada um dos seus cidadãos e das suas famílias.
só procederá a esta partilha se sentir que existe, no contexto da supervisão, espaço tempo-
ral e emocional para expor os seus sucessos e dificuldades, os seus progressos e dúvidas.
Para que as coisas se passem deste modo é preciso que a IPI assuma os princípios e conceitos
já descritos neste guia. Mas, para que os profissionais de IPI sejam capazes de levar a cabo
a difícil e exigente tarefa que têm a seu cargo, é fundamental que possam contar com uma A condição de base para uma supervisão em IPI bem sucedida é um sentido de confiança
O direito à supervisão de qualidade. De facto, a supervisão constitui uma condição essencial para uma e segurança emocional entre os participantes (Santos, Carvalho, Silva, Feliciano, & Agra,
supervisão 2014).
IPI de qualidade, sendo um direito das crianças, das famílias e dos próprios profissionais.

Cabe ao supervisor criar um clima relacional de confiança, de apreço incondicional pelo valor
Uma supervisão de qualidade resulta num efeito em cascata, na medida em que promove intrínseco de cada pessoa ali presente, de empatia face ao vivido a ser partilhado (porque só
nos profissionais processos idênticos aos que estes devem promover junto das famílias: a experienciando a perspetiva do outro/supervisando poderá realmente compreender o que
capacitação e o empowerment. está em causa no seu discurso e assim supervisionar/apoiar) e de autenticidade – é fulcral
(Santos, 2009) que todos sintam genuinidade e honestidade nas interações (Santos et al., 2014).

Mas a qualidade da supervisão depende também da atitude do supervisando – da sua dis-


Como foi já referido, o apoio às famílias deverá resultar no seu empowerment e no desen- ponibilidade interna, da sua abertura ao outro (pares da equipa e supervisores) e do seu
volvimento de competências que vão ao encontro das necessidades das suas crianças. nível de compromisso com a filosofia e estrutura de IPI.

Neste capítulo abordaremos estes processos, as características de uma supervisão de qua- Todos – estruturas coordenadoras do programa de IPI, supervisor e supervisando – têm ain-
lidade em IPI, bem como as competências desejáveis no supervisor, esperando inspirar e da de cuidar da formação continuada de todos os elementos, garantindo a qualidade da
apoiar um processo de reflexão e metacognição2 em supervisores e supervisandos em IPI. sua participação. Em última instância, cabe também a cada profissional responsabilizar-se
por garantir um contributo robusto e válido para o todo comum, integrando e otimizando as
2 De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, “metacognição é a capacidade de compreender e refletir oportunidades de desenvolvimento profissional ao seu alcance.
sobre o próprio estado mental” (Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico, 2015). O conceito de
metacognição relaciona-se com a consciência e a automonitorização do ato de aprender; é a aprendizagem do
sujeito sobre o seu próprio processo de aprendizagem (Dantas & Rodrigues, 2013). Envolve a tomada de consciên-
cia do aprendiz sobre o próprio conhecimento, e pode ser guiado pelo professor, que confronta o aprendiz com
as tarefas de reconhecimento apropriadas. (Fino, 2001, p. 290).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 8 — Supervisão — Para uma relação de confiança e promotora de desenvolvimento em IPI

290 291

8.3 ESTABELECER OS OBJETIVOS DO Relativamente à supervisão técnica, propomos uma abordagem que respeite as característi-
cas de uma supervisão reflexiva, na medida em que constitui a opção que verdadeiramente
SUPERVISANDO E responde às necessidades de um sistema de intervenção precoce.

                DO SUPERVISOR

Identificar os
objetivos dos
O ponto de partida de uma boa estrutura de supervisão deverá ser o apoio aos supervi-
sandos na identificação dos objetivos que nortearão a sua ação. Estes deverão decorrer
da filosofia do programa de IPI, assumida e explicitada por todos os intervenientes, desig-
8.4.1 SUPERVISÃO TÉCNICA EFICAZ: O CASO DA
SUPERVISÃO REFLEXIVA EM IPI
supervisandos nadamente pelos coordenadores, formadores, supervisores e profissionais de intervenção
direta. Depois, ao longo do processo de supervisão, o supervisor deverá apoiar um exercí- Para ser eficaz, a supervisão tem de ser regular, reflexiva e colaborativa.
cio constante de confronto entre as práticas reais, explicitadas pelos seus protagonistas, e (Norman-Murch & Wollenburg, 2000; Parlakian, 2001)
os objetivos que as norteiam (Santos, 2007).

A ideia é fornecer aos supervisandos informação e apoio para que eles possam, a cada mo- A supervisão reflexiva envolve uma relação de supervisão centrada na pessoa – visando o Supervisão
mento, questionar-se: respetivo empowerment e capacitação. À semelhança do que acontece na relação entre os reflexiva
profissionais e as famílias, o desenvolvimento profissional dos participantes na supervisão é
“Será que o que eu faço, penso ou sinto na minha intervenção vai ao encontro dos objetivos inevitavelmente recíproco, isto é, se ocorre desenvolvimento do profissional/supervisando,
Questiona-
mento do que me propus alcançar em conjunto com a minha equipa e que correspondem aos princí- ocorrerá também desenvolvimento do profissional/supervisor. Do mesmo modo, o profis-
supervisando pios da IPI?” sional de IPI evoluirá como pessoa e como profissional se for capaz de apoiar eficazmente
o empowerment e a capacitação das famílias. É deste paralelismo que nos falam nume-
Também o supervisor estabelecerá os seus próprios objetivos que, por sua vez, num efeito rosos autores que investigam em IPI, como Dunst (2000a; 2000b), Dunst, Trivette e Deal
Identificar os
objetivos dos em cascata lhe servirão de referência para o confronto com a sua ação de supervisão, per- (1988), Espe-Sherwindt (2000), Bailey e Simeonsson (1988), Brown e Herwig (1989), Serrano
supervisores mitindo-lhe questionar-se: e Correia (2000); mas também noutros domínios, como a supervisão em contexto de acon-
selhamento clínico (Borders & Brown, 2005), terapia familiar (Liddle, Breunlin, & Shwartz,
“Em que medida a minha ação de supervisão (uma ação, pensamento ou sentimento em 1988), Educação Especial (Swan, 1998), Educação de Infância (Sheerer & Bloom, 1998) ou
Questiona-
mento do concreto...) está em concordância com os princípios e objetivos que me proponho alcançar Educação em geral (Alarcão & Canha, 2013), podem encontrar-se contributos valiosos para
supervisor enquanto supervisor deste programa de IPI?” o exercício de supervisão em IPI.

Assumindo que idealmente o supervisor adotará um estilo de supervisão eclético, socor-


rendo-se da abordagem que melhor responda à exigência de cada situação que analisa,
sublinhamos a importância do domínio do essencial das abordagens de supervisão que se

8.4
reconhecem como eficazes. Neste guia, optamos por partilhar a abordagem reflexiva à su-
ABORDAGENS EFICAZES NA pervisão, por entendermos que reúne o essencial de outras, também relevantes em IPI.

SUPERVISÃO EM IPI Fazer supervisão em IPI de uma forma reflexiva significa acreditar, antes de mais, que a
aprendizagem – no bebé, na criança, no adulto – ocorre no contexto de relações e depen-
de da qualidade destas relações. Também significa saber que a forma como cada um de
Procurando explanar algumas abordagens que consideramos pertinentes e eficazes em nós é – sente, pensa, age – numa dada situação tem um efeito naqueles que connosco par-
IPI, importará antes de mais distinguir entre supervisão administrativa e supervisão técnica. tilham essa situação, e vice-versa.
Apoiando-nos no documento orientador emanado da Minnesota Association for Children’s
Mental Health [MACMH], 2015), podemos equacionar que a supervisão administrativa se Finalmente, significa acreditar que a qualidade da “minha” prática de supervisão fica es-
destina a responder a necessidades do sistema, tais como regular as políticas de IPI, moni- pelhada no funcionamento processual do “meu” grupo de supervisão e nos seus resultados;
torizar procedimentos (incluindo a observância dos critérios de elegibilidade, do processo de isto inclui o bem-estar e desenvolvimento profissional de cada supervisando e da equipa
referenciação, etc.), assegurar a qualidade e a segurança no sistema, entre outras. Este tipo e a sua prestação para o exterior, isto é, a intervenção que concretiza junto das famílias e
de supervisão tem subjacentes determinados objetivos, tais como: a contratação de pessoal, comunidades.
o provimento de recursos para formação, a verificação do correto preenchimento dos for-
mulários, a explicitação e garantia de observância das regras e políticas de funcionamento O foco da supervisão incide sobre a experiência interna do supervisando face às realidades
dos serviços envolvidos no sistema, a monitorização da produtividade e a avaliação do de- a que este é chamado a intervir no seu dia a dia junto das famílias e crianças (Santos, 2007).
sempenho dos profissionais e das equipas.
Nas nossas vidas trazemos para cada situação as nossas experiências passadas, os nossos Autocons-
Assim, a supervisão administrativa tem objetivos muito diferentes dos que presidem à super- valores e as nossas expetativas. Do mesmo modo, os outros respondem-nos de acordo com ciência e
visão técnica; sendo ambas necessárias, deverão idealmente ser realizadas em contextos as suas experiências, valores e expetativas. Num contexto como a IPI, em que o objeto final autoconheci-
distintos e por pessoas diferentes. da atenção e investimento de cada profissional é algo tão fulcral como cuidar e apoiar o de- mento
senvolvimento de uma criança e sua família, estas dimensões assumem um valor exponencial.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 8 — Supervisão — Para uma relação de confiança e promotora de desenvolvimento em IPI

292 293
Assim, a autoconsciência e o autoconhecimento relativamente aos nossos valores e expeta- 4. Estabelecer a agenda/abrir o diálogo — O supervisor dá a conhecer a sua propos-
tivas são poderosos instrumentos no trabalho que realizamos. ta de agenda aos supervisandos, preferencialmente com antecedência, de modo
a que estes possam preparar o seu contributo para a reunião; este procedimento
favorece a otimização de tempo e esforços de ambas as partes; o supervisor deve
Testemunhos de participantes num processo de supervisão em IPI (Santos, 2007): deixar sempre um espaço considerável da agenda para acolher preocupações
emergentes da vivência da equipa desde a reunião anterior e ainda não partilha-
Testemunhos de supervisoras das em supervisão;
Compreendo agora que existem sempre mudanças que nunca imaginámos poderem acontecer, 5. Recolher informação/focalizar — O supervisor e a equipa envolvem-se na seleção
compreendo também melhor que tudo o que é bem feito é, de facto, muito difícil e exige muito da informação mais relevante para a compreensão dos problemas apresentados,
esforço, empenho, dedicação, paixão e… dor! extraindo o essencial do acessório e favorecendo a construção de uma perspetiva
esclarecida sobre a intervenção em curso;
(...) Preciso de crescer bastante para poder ajudar as equipas a serem melhores também!
6. Ouvir os participantes, valorizar os diferentes contributos (eventualmente) redis-
A minha função como supervisora permitiu-me encetar um processo de amadurecimento enquan-
tribuir papéis, reformular, expandir,...;
to pessoa e profissional, processo em construção e para o qual necessito ainda muito da ajuda
das minhas colegas supervisoras. 7. Construir e selecionar hipóteses, através de brainstorming — O supervisor favorece
o sentido de segurança e confiança no grupo e o empowerment dos participantes;
Testemunhos de supervisandas
8. Formular os próximos passos possíveis face ao conhecimento gerado durante a
Talvez o que me tenha apoiado mais intensamente tenha sido sentir que nada era porque ‘tinha reunião de supervisão — O supervisor distribui responsabilidades até ao próximo
de ser’, ‘porque sim’... percebe? Apreciei muito sentir-me verdadeiramente escutada, o diálo- encontro.
go, a análise conjunta, a constante reflexão, comparando – e muitas vezes contrastando – o
que fazíamos, pensávamos e sentíamos com os valores que supostamente nos guiavam, os
nucleares da IPI,... em que acreditávamos com todas as nossas forças mas que nem sempre
estavam claramente presentes nas nossas ações e tomadas de decisão. COMO CONCRETIZAR A SESSÃO DE SUPERVISÃO?
A confiança de que no dia X da semana ia ter a minha reunião com a minha equipa e a minha Ao longo de todo o processo de supervisão, o supervisor implementará técnicas de empow-
supervisora dava-me uma tranquilidade e um sentimento de não estar só, que, tenho a certeza, erment (Heffron & Murch, 2010) dos participantes/supervisandos, designadamente:
se transmitiam às famílias que eu apoiava... É um sentido de grupo, de comunidade, perce-
be?... Todos ficamos a pertencer! a. Parte do discurso dos supervisandos, realçando os aspetos mais relevantes para a
análise esclarecida da intervenção;
Agora, visto à distância, tenho a certeza de que a supervisora tinha estabelecido esse objeti-
vo, não era por acaso... O modo como ela nos ouvia e interpelava, como nos estimulava, era b. Coloca questões abertas;
notável!...
c. Gere o ritmo das participações e discussões em curso, optimizando e rentabilizando
o tempo disponível, garantindo equidade na participação dos diferentes elementos
da equipa. Isto significa que, ao longo do tempo (não necessariamente em cada
sessão), garantirá que todos os elementos terão oportunidade de expor as suas dú-
COMO PLANIFICAR A SESSÃO DE SUPERVISÃO? vidas e sucessos e de contribuir ativamente para a construção em que todos estão
envolvidos. Também significa gerir as análises das intervenções de modo a favo-
Situando-nos numa sessão de trabalho, e apoiando-nos em Heffron e Murch (2010), propo- recer a extração de inferências aplicáveis a outras intervenções em que a equipa
mos alguns passos estruturantes do processo de supervisão que deverá ser preparado pelo está envolvida. Por último, significa também gerir as discussões tendo sempre em
supervisor em colaboração com os supervisandos: mente que a equipa deve trabalhar em transdisciplinaridade, ou seja, indepen-
dentemente de quem seja o mediador de caso da família cuja intervenção se está
1. Preparação do supervisor — Com o objetivo de se situar na realidade com a qual
a analisar, toda a equipa é responsável por esse apoio e toda a equipa participa
está prestes a restabelecer contacto presencial, o supervisor relembra a situação
ativamente nessa análise;
atual da equipa (revisitando notas de trabalho, sínteses, atas de reuniões anterio-
res,...); o supervisor cumpre, no período entre reuniões, responsabilidades/tarefas d. Apresenta escolhas e opções – ajuda a equipa a visualizar alternativas, vias possíveis,
eventualmente assumidas no último encontro com a equipa; e apoia-a na tomada de decisões que se traduzam numa mais assertiva intervenção;

2. Preparação do supervisando — O supervisando revê e seleciona os dados mais e. Expande questões, analisa preocupações, ajuda a identificar a motivação de um
significativos da intervenção que está a realizar e que pretende ver analisada em dado comportamento dos supervisandos – por exemplo, questionando: “Porque é
supervisão; desta forma, procura obter clarificação e apoio na resolução dos proble- que isso é importante? Porque é que te incomoda tanto? Consegues compreender
mas enfrentados, bem como a oportunidade de construir metacognição em relação o que te motiva a sentir desse modo essa questão?...”;
aos seus próprios sentimentos e cognições envolvidos nesse processo de intervenção; f. Aplica o método de resolução de problemas;

3. Iniciar/restabelecer o contacto — O supervisor recorre a saudações, palavras e ati- g. Fornece feedback específico face a uma determinada preocupação ou problema,
tudes para restabelecer um clima interativo no âmbito do grupo; procura criar um apoiando as iniciativas da equipa para expandir esse feedback a outras situações
ambiente sereno, acolhedor, indutor de bem-estar mas também de proatividade semelhantes;
face aos problemas em análise que decorrem da intervenção;
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA PARTE III — Introdução
Um guia para profissionais Capítulo 8 — Supervisão — Para uma relação de confiança e promotora de desenvolvimento em IPI

294 295
h. Oferece informação através de perguntas abertas – proporcionando à equipa a constrangimentos que enfrenta” (Santos, 2007, p. 263), oferecer referenciais comuns às várias
oportunidade de analisar as situações-problema através do ‘andaime’ que consti- disciplinas e serviços presentes nas equipas transdisciplinares de IPI, empenhadas em de-
tui a pergunta aberta, conducente a reflexão conjunta; senvolver uma abordagem centrada na família e situada nos contextos naturais de crianças
dos 0 aos 6 anos, com necessidades especiais, e suas famílias. Está organizado em quatro
i. Procura e favorece a compreensão/clarificação dos conteúdos em análise pelos
dimensões, designadamente: (i) profissional, social e ética; (ii) desenvolvimento de proces-
participantes;
sos formativos em IPI; (iii) participação na estrutura de IPI e relação com a comunidade; e
j. Enuncia hipóteses explicativas que sejam indutoras de ação; (iv) desenvolvimento profissional.
k. Ouve ativa, atenta e empaticamente;
Trata-se de um instrumento que pretende apoiar o exercício reflexivo dos que estão em-
l. Apresenta informação e escolhas relacionadas com necessidades e interesses es- penhados em levar a cabo uma supervisão em IPI que se constitua como uma verdadeira
pecíficos daquela equipa em particular; fonte de suporte para os profissionais. Também pode apoiar os profissionais de IPI a me-
m. Sintetiza, facilitando à equipa a organização da informação e o recentrar no tópi- lhor usufruírem da ação de supervisão que lhes é destinada: acreditamos que a clarificação
co relevante em análise; e partilha da essência dessa ação conjunta otimiza a prestação de cada um e, por isso, o
processo e resultado comuns.
n. Observa e comunica empaticamente com todos e cada um dos elementos da equi-
pa, favorecendo uma participação equitativa – isto não significa que todos sejam
Este instrumento encontra-se publicado em obra própria (Santos, 2007), pelo que não se in-
obrigados a falar numa dada reunião mas sim que, gradualmente, a todos será
clui neste guia. Recomenda-se, contudo, a sua leitura e utilização.
dado espaço/tempo e argumentos para se sentirem confiantes e seguros para par-
ticiparem ativamente;
o. Procura concordância face a uma possibilidade de intervenção debatida;
p. Dinamiza momentos de autoavaliação e heteroavaliação regulares e frequentes, EM SÍNTESE:
com periodicidade e critérios conhecidos de todos os participantes, e extensíveis
a supervisandos e supervisor. O próprio desempenho do papel do supervisor e do A supervisão técnica em IPI:
supervisando é objeto de avaliação pelos respetivos protagonistas.
• É um direito das crianças e famílias apoiadas, na medida em que constitui uma
coadjuvante imprescindível para a qualidade das práticas dos profissionais; é um
direito dos profissionais de IPI, na medida em que eles são chamados a intervir
Testemunho de supervisanda, profissional de IPI (Santos, 2007):
em domínios que concorrem para a exigente tarefa que constitui a essência do ser
Foi muito bom! Poder chegar, instalar-me no ‘conforto’ do meu grupo de supervisão e partilhar humano: cuidar das crianças e prover o seu harmonioso desenvolvimento, garan-
o que de bom me tinha acontecido naqueles 15 dias na intervenção que estávamos a analisar tindo a continuidade da cultura humana e da própria espécie; é imprescindível à
e discutir,... e os problemas, as dúvidas – tantas dúvidas!... Assim, ao vê-las espelhadas no evolução da abordagem disciplinar para transdisciplinar, inerente à própria de-
discurso dos colegas e da supervisora, adquiriam novos contornos, novas nuances, permitindo finição de IPI, garante da sua identidade;
vislumbrar novas vias, abordagens, possibilidades... • Deve ser realizada por um supervisor com experiência de intervenção direta, bem
como de formação em IPI; deve ser eclética, favorecendo a vasta diversidade das
situações que podem surgir para análise. Contudo, a abordagem regular, reflexiva
e colaborativa deverá ser o ponto de partida e o suporte da ação do supervisor.
Este, mantendo-se ancorado na abordagem reflexiva, poderá episodicamente
ATITUDES E COMPETÊNCIAS DE SUPERVISÃO EM IPI
recorrer a contributos de outras abordagens para mais assertivamente atender a
Subjacentes a qualquer abordagem estão, pois, as competências do supervisor de IPI. Elas uma determinada exigência do seu papel;
são o conteúdo ‘micro’ da ação de supervisão e espelham afinal o que o supervisor valori- • A qualidade da supervisão deverá ser avaliada com base nos processos e nos re-
za e acredita que deve ser a supervisão e, mais do que isso, a IPI. Devem corresponder, se sultados que os profissionais de IPI evidenciarem – o bem-estar emocional, o nível
sujeitas a uma análise detalhada, ao todo ou a uma parte da filosofia do programa de IPI e a qualidade da participação durante as reuniões e a prestação dos profissio-
em que o supervisor opera. nais junto das famílias em apoio; esta qualidade resulta de uma responsabilidade
compartilhada entre supervisor e supervisandos. Na verdade, todos devem prepa-
rar-se para a reunião de supervisão organizando informações e ideias, cuidando
“A competência não é um estado. É um processo. (...) O operador competente é aquele que
do seu desenvolvimento profissional individual, desenvolvendo uma atitude refle-
é capaz de mobilizar; pôr em ação de forma eficaz as diferentes funções de um sistema
xiva, de autoavaliação e autoconhecimento;
em que intervêm recursos tão diversos como operações de raciocínio, conhecimentos, ati-
vações da memória, avaliações, capacidades relacionais ou esquemas comportamentais.” • Cabe ao supervisor a responsabilidade acrescida que lhe é conferida pelo siste-
ma enquanto alguém considerado especialista em IPI, estatuto conferido por uma
(Le Boterf, 1994, p. 43, citado por Roldão, 2003, p. 31)
comprovada experiência profissional e académica, relevantes para o exercício de
funções de supervisão técnica em IPI. Mas também o programa de intervenção
Santos propõe um instrumento, o “Perfil de competências de supervisão em IP”, que com- precoce deve priorizar dentro do seu campo de ação o provimento de oportuni-
preende um conjunto bastante vasto de competências consideradas desejáveis no supervisor dades de apoio ao desenvolvimento profissional dos supervisores.
de IPI. Estas competências não são necessariamente cumulativas, mas podem conjugar-se
consoante as circunstâncias contextuais em presença. Pretende-se, através desse docu-
mento, e “reconhecendo-se a complexidade da intervenção supervisiva e a importância dos
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

296

CONSIDERAÇÕES
Testemunhos de supervisoras em IPI (Santos, 2007):

Aprendi...

Que ontem sabia pouco e que hoje ainda não sei nada. Que fazer supervisão em IPI é um pro-

FINAIS
cesso muito lento que exige muita preparação, formação, informação, avanços e recuos, firmeza
e flexibilidade, atenção e reflexão, e que na maior parte das vezes o tempo não é suficiente
para toda esta preparação.

Que é preciso, sem dúvida, que as próprias supervisoras também possam parar para pensar
sobre a sua prática e, num processo apoiado, gerar as mudanças necessárias a uma interven-
ção mais eficaz.

Que é muito mais difícil caminhar sozinha mas que, às vezes, é inevitável. No entanto, que o
caminho das supervisoras tem de se forçar a ser conjunto, isso reafirmo: ninguém aconselha
bem a equipa se não pertencer realmente a uma.

Que às vezes tenho dificuldades em colocar-me no lugar dos outros e, por isso, em compreen-
der as dificuldades que as colegas sentem face a algumas questões.

Pergunto-me se...

Faço bem todos os dias. Se estou no caminho certo, se este é o meu caminho.

Alguma vez serei capaz.

Estarei capacitada para cumprir os objetivos da supervisão.

O que disse nesta entrevista (...) foi suficiente para se perceber o quanto aprendi com todos os
profissionais e famílias com quem partilhei a IPI!

Muitas das coisas que precisamos podem esperar.


A criança não. Agora é a hora.
Os seus ossos estão a tomar forma,
o seu sangue está a constituir-se,
a sua mente está a desenvolver-se.
A ela, não podemos responder ‘amanhã’.
Seu nome é ‘hoje’.

Gabriela Mistral, Prémio Nobel da Literatura, 1945


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um guia para profissionais

298 299

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Terminamos este guia com algumas considerações esperando que estas contribuam para
que os seus utilizadores possam tirar o máximo proveito do mesmo e para reforçar a ideia
de que “boas práticas” em IPI não se alcançam de uma forma simples e linear. Pelo con-
trário, trata-se de um processo complexo e contínuo que enfrenta diferentes desafios e que
exige fortes compromissos e esforços concertados de todos os intervenientes nos diferentes
patamares do sistema de IPI.

Com “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profis-


sionais” pretende-se transferir e tornar acessíveis conhecimentos, experiências e práticas
consistentes que se constituam como um referencial para ajudar diferentes intervenientes a
consolidar e expandir com sucesso o desenvolvimento futuro da intervenção precoce na in-
fância no nosso país, contribuindo assim para que a IPI seja cada vez mais uma promessa
cumprida para as nossas crianças e famílias.

Indiscutivelmente, a questão primordial em intervenção precoce na infância é a de garantir


que cada criança e família, com as suas necessidades especiais, possam efetivamente be-
neficiar de condições de apoio que respondam eficazmente e de uma forma plena às suas
características específicas, singulares e complexas. Esta questão arrasta consigo um outro
problema, também crucial: como criar as condições de apoio para se responder eficaz-
mente e de uma forma plena à especificidade e complexidade das necessidades de cada
criança e família.

Em primeiro lugar, importa deixar claro que o maior ou menor grau de sucesso das interven-
ções com estas famílias e crianças depende em grande parte das pessoas que trabalham,
com diferentes tipos de responsabilidade, nos departamentos ou serviços públicos, nas ins-
tituições ou equipas relacionadas com a intervenção precoce. Isto é, o desempenho dos
diferentes profissionais que atuam no domínio da IPI, com os seus valores, conhecimentos e
competências e com as oportunidades e condições de trabalho e de desenvolvimento pro-
fissional que lhes são proporcionadas, vai determinar os resultados a alcançar pelas famílias
e crianças e o cumprimento ou não dos objetivos da IPI. Por sua vez, a natureza abrangen-
te da intervenção precoce, que decorre da complexidade e diversidade das necessidades
específicas das crianças e das famílias, exige uma atuação concertada e transdisciplinar en-
tre profissionais de diferentes áreas disciplinares e com formações de base muito distintas.
A qualidade técnica, as práticas relacionais e as práticas participativas que os profissio-
nais põem no seu trabalho com as famílias são componentes que determinam a eficácia da
sua ajuda e o sucesso das intervenções e práticas centradas na família (Dunst, 1998; Dunst,
Trivette, & Swanson, 2010).

As evidências mostram que a ausência de oportunidades no acesso a um adequado de-


senvolvimento profissional por parte dos técnicos de intervenção precoce compromete de
forma significativa a qualidade dos serviços prestados às crianças e famílias (Bruder, 2010).

Se tomarmos em consideração as práticas recomendadas e baseadas em evidências, quan-


do um profissional é inserido numa equipa de intervenção precoce espera-se dele que atue
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um guia para profissionais

300 301
eficazmente junto das famílias e de outros cuidadores principais, nos contextos naturais das A aposta na qualificação dos profissionais é, sem dúvida, uma questão central no garante
crianças – casa, comunidade, contextos formais de educação (creche ou jardim de infância) da eficácia de qualquer sistema de IPI e dos direitos das crianças e suas famílias. Porém,
–, utilizando uma filosofia centrada na família e uma abordagem transdisciplinar (Bruder, configurando-se as políticas e práticas da IPI segundo modelos sistémicos e colaborativos, o
2005). É também desejável, por um lado, que ele disponha de um quadro teórico e concep- sucesso para o seu desenvolvimento e implementação decorre da estreita interligação e da
tual coerente que o ajude a compreender: (i) o papel das experiências precoces e a forma ação concertada de fatores como a liderança, as competências dos profissionais e os fato-
como as crianças destas idades aprendem; (ii) a influência determinante no desenvolvimen- res organizacionais, como se constata nos dois estudos que a seguir nos referimos.
to e aprendizagem em crianças de idades precoces, das interações e experiências que os
cuidadores principais (família e educadores) continuadamente proporcionam à criança nos Neste quadro de reflexão sobre um rumo para o desenvolvimento futuro da IPI, importa
seus contextos naturais e rotinas diárias; (iii) as limitações na capacidade de as crianças em reter aquilo que no contexto europeu a European Agency for Special Needs and Inclusive
idades precoces tirarem benefícios de intervenções esporádicas e intensivas e desinseridas Education 1 (EASNIE) apresentou como recomendações para a IPI. Tendo em conta as prio-
dos contextos naturais, (iv) e, por outro lado, que conheça e saiba implementar as práticas ridades políticas a nível do espaço europeu e reconhecendo os progressos que a IPI vem
recomendadas e oriente a sua intervenção recorrendo a uma abordagem de práticas ba- tendo nos diferentes países, a EASNIE identificou determinadas áreas-chave que requerem
seadas em evidências. um maior esforço e uma maior atenção por parte dos diferentes países. Para que a IPI se
desenvolva com maior equidade e eficácia e para que garanta “(…) o direito de cada crian-
É, pois, indispensável garantir que os profissionais possam beneficiar de uma formação em ça e sua família receber o apoio de que necessita”, a EASNIE considera necessário um maior
serviço adequada, abrangente e centrada no trabalho em equipa, para que adquiram os investimento nos seguintes domínios (EADSNE, 2011):
necessários conhecimentos, competências técnicas específicas e pessoais que permitam
• Numa estratégia abrangente para a IPI: Que consolide a colaboração entre dife-
apoiar eficazmente as famílias e crianças, como tivemos ocasião de refletir em capítulos an-
rentes áreas sectoriais;
teriores. A aposta na qualificação dos profissionais não se esgota na formação em serviço,
sendo decisivo para a qualidade do seu trabalho uma reflexão sistemática e orientada sobre • Na definição clara de padrões de qualidade para os serviços de IPI e implemen-
as suas práticas, as suas interações com as famílias, crianças e outros profissionais e sobre tação de mecanismos de avaliação: Que assegure o cumprimento desses padrões
o seu funcionamento em equipa. Daí a importância de se instituir a supervisão das equi- e, assim, contribua para a melhoria dos serviços de IPI;
pas de IPI e dos seus profissionais como um contexto de fortalecimento (empowerment) de • Na adequação dos financiamentos públicos no domínio da IPI: Procurando inver-
competências e de apropriação de uma abordagem de práticas baseadas em evidências. ter-se a atual situação de ser a IPI aquela que recebe menor atenção e investimento
relativamente a qualquer outra fase da educação, apesar de claras evidências de
Apesar de serem inegáveis os progressos científicos e a adequação progressiva da orga- que é mais eficaz e eficiente do que a intervenção numa fase posterior;
nização dos serviços e das práticas relacionadas com a IPI, persiste um hiato importante
entre o que sabemos sobre “o que se deve fazer” e “o que efetivamente está a ser feito” no • No desenvolvimento e qualificação dos profissionais: Exigindo-se uma valorização
domínio da IPI (Bruder, 2010; Dunst & Trivette, 2009). Embora no âmbito internacional mui- dos padrões profissionais através do reconhecimento das qualificações para aqueles
to se fale de práticas recomendadas e de práticas baseadas em evidências, constata-se, que trabalham na área da IPI e dotando-os de oportunidades de formação de qua-
por exemplo, que as práticas recomendadas pela Division for Early Childhood (DEC) têm lidade e adequada aos desafios da IPI, bem como de acesso a boas experiências.
sido pouco incorporadas nos conteúdos da formação de profissionais no Ensino Superior e
são pouco utilizadas pelos profissionais nas suas práticas de intervenção precoce (Bailey, Por último, olhando agora para a IPI em Portugal reconhecem-se alguns desafios iden-
Simeonsson, Yoder, & Huntington, 1990; Bruder & Dunst, 2005; Bruder, 2010; Dunst & Bruder, tificados num estudo efetuado por diferentes especialistas (Pinto et al., 2012), tomando o
2006; McLean et al., 2002). modelo de desenvolvimento sistémico e os princípios propostos por Guralnick (2005) como
quadro de referência para análise e avaliação do sistema e serviços de IPI, à semelhança
É com perplexidade que se constata esta dificuldade persistente de interação entre investi- do que também foi realizado com outros países no âmbito da International Society on Early
gação, teoria e prática e, consequentemente, de transferência de evidências para a prática Intervention (ISEI). Neste estudo, apesar do reconhecimento dos notáveis progressos verifi-
dos serviços, das equipas e dos próprios profissionais. cados nas últimas décadas na IPI em Portugal, na sua visão global da intervenção precoce
os autores identificam os principais desafios e focos de mudança no âmbito dos diferentes
níveis ou patamares do SNIPI e avançam com algumas recomendações como linhas orienta-
Para que esta situação se altere, os diferentes intervenientes no domínio da intervenção pre-
doras para o desenvolvimento futuro da IPI, tendo em vista uma melhoria da sua qualidade
coce, desde os decisores políticos e profissionais com funções de gestão ou de coordenação
e eficácia. São quatro os eixos em torno dos quais gravitam diversos aspetos que os autores
aos profissionais da linha da frente que intervêm diretamente com as famílias e outros cui-
priorizam como proposta de agenda para mudanças na IPI em Portugal e que passamos a
dadores, têm de se comprometer e demonstrar a necessária liderança, visão e empenho em
descrever de uma forma sintética:
procurar melhorar continuamente um sistema de intervenção precoce que tome em linha de
conta as necessidades crescentes da sociedade e as evidências mais recentes sobre a eficá-
cia (Bruder, 2010). Adotar uma cultura de avaliação de resultados, de condições e práticas 1. Um enquadramento para a IPI
de intervenção e de “prestação de contas”, transversalmente nas diferentes dimensões do • Desenvolver um conjunto de linhas orientadoras que forneçam às ELI um en-
sistema de prestação de serviços em IPI, poderá contribuir para que sejam dados passos quadramento conceptual comum relativamente a práticas transdisciplinares,
em frente na qualidade das práticas dos profissionais com famílias e crianças (Bruder, 2010). centradas na família e baseadas nas comunidades;

O desenvolvimento profissional, englobando atividades que promovem os conhecimentos e • Definir critérios de qualidade para as práticas de IPI;
as competências dos profissionais, quer na sua vertente de formação contínua ou em serviço • Constituir um comité consultivo a nível nacional constituído por especialistas de
quer de supervisão, é uma componente decisiva que deverá fazer parte integrante da organi- experiência reconhecida.
zação e funcionamento dos serviços de IPI (Bruder, Mogro-Wilson, Stayton, & Dietrich, 2009).

1 European Agency for Special Needs and Inclusive Education é a nova designação da European Agency for
Development in Special Needs Education (EADSNE).
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

302
2. A qualificação dos profissionais - Formação em serviço e supervisão
• Definir, a nível nacional, linhas orientadoras de formação em serviço e de su-
pervisão dirigidas às ELI e incluindo os educadores das escolas de referência
para a IPI;
• Desenvolver formação em serviço num sistema nacional de qualificação de acordo
com os princípios da aprendizagem de adultos e com base em métodos efetivos;
• Garantir uma supervisão técnica por profissionais qualificados na área da IPI
que permita facilitar os processos de comunicação em equipa, desenvolver a
mediação de ideias, divulgar os resultados da investigação e clarificar o con-
teúdo legislativo.

REFERÊNCIAS
3. A organização e integração de políticas, sistemas e serviços
• Desenvolver a IPI como um sistema integrado e consolidar o trabalho de co-
laboração intersectorial e intrassectorial a nível nacional, regional e local e o
trabalho em equipa.

BIBLIOGRÁFICAS
• Aperfeiçoar questões como: a compatibilização entre legislações e concertação
de medidas; a constituição e funcionamento das equipas locais de intervenção
(ELI) e afetação e mobilidade dos profissionais; a identificação e referenciação
precoces; as transições; a monitorização e vigilância das crianças em risco numa
perspetiva preventiva.

4. O processo de avaliação-intervenção e a interação profissionais-família


• Definir linhas orientadoras específicas relativamente aos procedimentos e pro-
cessos de avaliação-intervenção e ao trabalho em equipa transdisciplinar, de
forma a orientar os profissionais nas suas interações com as famílias e a pro-
mover uma abordagem centrada na família.

Os conteúdos deste guia podem ajudar a enfrentar muitos destes desafios inerentes à IPI e
poderão ser um fio condutor para uma aproximação cada vez maior entre “o que se sabe
que deve ser feito” e aquilo “que efetivamente é feito” nas práticas dos profissionais.

Práticas Recomendadas em IPI não é um receituário, é sim um ponto de partida para a re-
flexão individual e em equipa que ajudam a reconhecer a diversidade de características das
famílias e crianças, das equipas, dos profissionais e dos contextos e, consequentemente, a
proceder à individualização de práticas centradas na família baseadas em evidências. O
Guia é assim um facilitador que, de uma forma acessível, transmite os fundamentos e o esta-
do da arte no domínio da IPI, oferece um racional sobre o que fazer e porquê, e, sobretudo,
orienta os profissionais na forma de operacionalizar o processo de avaliação-intervenção
centrado na família. O seu fim último é não só promover práticas identificadas como efica-
zes mas também contribuir para a eliminação progressiva de práticas tradicionais que hoje
são reconhecidas como pouco eficazes no desenvolvimento das crianças e famílias.
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• Winton, P. J. (1996). Family-professional partnership and integrated services. In R. A.


McWilliam. Rethinking pull-out services in early intervention: A professional resource (27-
48). Baltimore: Paul H. Brookes Publishing.

• Winton, P. & Catlett, C. (2009). Statewide efforts to enhance early childhood personnel
preparation programs to support inclusion: Overview and lessons learned. Infants & young
children: An interdisciplinary journal of special care practices, 22(1), 63-70.

• Woodruff, G. & Hanson, C. (1987). Project KAI training packet. Unpublished manuscript.
Funded by the U.S. Department of Education, Office of Special Education Programs,
Handicapped Children’s Early Education Program.

• Woods, J. (1999). Who practices his speech more? Do the math [on-line]. Family guided
routines based intervention Website. Retirado de: http://fgrbi.fsu.edu/approach/approach2.
html.

• Workgroup on Principles and Practices in Natural Environments, OSEP TA Community


of practice: Part C Settings. (2008, março). Agreed upon mission and key principles for
providing early intervention services in natural environments. Retirado de: http://ectacenter.
org/pdfs/topics/families/Finalmiddionandprinciples3_11_08.pdf.

• World Health Organization [WHO] (2007). International Classification of Functioning,


Disability and Health. Children and Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland. Retirado
de: https://books.google.pt/books?hl=pt-PT&lr=&id=SWFQDXyU-rcC&oi=fnd&pg=PR5&
dq=Developmental+and+Health+Assessment+in+Rehabilitation+with+the+International+
Classification

• World Health Organization [WHO] (2012). Early childhood development and disability. N.
York: UNICEF.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA
Um guia para profissionais

330

Recursos para monitorizar e melhorar a


prática

ANEXOS
Capítulos:
A Recursos bibliográficos
A1. Bibliografia anotada
A2. Bibliografia em português
A3. Sites de referência

B Acervo
on-line
de instrumentos
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

332 333

RECURSOS PARA MONITORIZAR E


MELHORAR A PRÁTICA

Na secção Anexos são apresentados alguns recursos que poderão ser úteis para apoiar os
profissionais no seu trabalho diário junto das crianças e suas famílias.

Porque é assumido que este guia não esgota (nem pretende esgotar) todo o universo de es-
tudos, pesquisas, trabalhos ou instrumentos relevantes na área da intervenção precoce na
infância (IPI), são elencados e organizados nesta secção alguns recursos de referência para
os profissionais, nomeadamente:
• Recursos bibliográficos – Anexos A
• Instrumentos de apoio à intervenção e monitorização das práticas – Anexo B

Os recursos bibliográficos são apresentados e organizados nesta secção por categorias: A1.
Bibliografia anotada; A2. Bibliografia em português (livros e artigos de publicações em sé-
rie); A3. Sites de referência.

Por sua vez, os instrumentos estão disponíveis num acervo on-line, criado especificamente
para acompanhar a publicação deste guia (www.im2.anip.net).

Um dos objetivos principais desta obra é incentivar os profissionais de IPI a assumirem uma
permanentemente atitude curiosa, crítica e reflexiva, que os leve a procurar mais informa-
ção atualizada e aprofundada e a fazer a monitorização constante das suas práticas. Assim,
a secção Anexos reveste uma importância considerável na composição deste guia, propor-
cionando ao profissional uma série de recursos que são complementares à sua utilização e
que contribuem para o seu melhor entendimento e aplicação na prática diária.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

A
334 335

RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS

Os recursos bibliográficos que integram os Anexos do presente guia estão organizados em


três partes. A primeira, denominada Bibliografia anotada, contém uma lista de obras que
não existem atualmente publicadas em língua portuguesa mas que são consideradas fun-
damentais na área da intervenção precoce, quer pela importância dos seus conteúdos como
pelo seu caráter de aplicação prática. As referências estão organizadas por ordem alfabética
(de acordo com o apelido do primeiro autor) e cada uma contém um resumo em português
sobre os seus conteúdos, bem como uma lista de palavras-chave que permitem rapidamen-
te identificar os assuntos abordados em cada obra. A lista de Bibliografia anotada pretende
assim contribuir para ajudar os profissionais a selecionar as obras para consulta que serão
mais adequadas às suas necessidades e contexto específicos.

A segunda parte desta secção reúne uma seleção de algumas obras de referência na área
da IPI publicadas em língua portuguesa, quer por terem sido escritas por autores portugue-
ses na sua língua materna, quer por terem sido já traduzidas para português. Muitas outras
referências poderiam ser aqui apontadas, porém optámos por apresentar uma pequena
seleção de livros ou artigos publicados que, pela sua pertinência, constituem documentos
úteis, atuais e de consulta rápida sobre temas específicos da IPI. Importa, contudo, referir
a existência já de um elevado número de estudos e trabalhos relevantes no domínio da IPI
produzidos no contexto académico, como dissertações de mestrados ou doutoramentos,
muitos dos quais poderão ser pesquisados e consultados no Repositório Científico de Acesso
Aberto de Portugal (https://www.rcaap.pt/) ou nos repositórios de diferentes universidades.

Finalmente, a terceira secção dos Recursos bibliográficos reúne um conjunto de sites de re-
ferência, nacionais e internacionais, que contêm documentos e materiais importantes para
o apoio à investigação e à intervenção no âmbito da intervenção precoce.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

336 337

A1. BIBLIOGRAFIA ANOTADA


Buysse, V. & Wesley, P. (2005). Consultation in early childhood settings. Baltimore, MD:
Paul H. Brookes Publishing Co.

Palavras-chave: Colaboração entre profissionais; consultadoria; desenvolvimento profis-


sional; intervenção precoce.
Barrera, I., Kramer, L., & Macpherson, T. (2012). Skilled dialogue: Strategies for
responding to cultural diversity in early childhood (2nd edition). Baltimore: Paul H.
Brookes Publishing Co. Neste livro as autoras pretendem partilhar com outros profissionais os seus conhecimentos
de base empírica e a sua experiência prática no domínio da consultadoria. Reconhecem que
Disponível em: http://www.naeyc.org/membercontent/using-skilled-dialogue. é difícil para os profissionais que trabalham sobretudo diretamente com crianças e famí-
lias uma mudança para práticas de consultadoria com outros profissionais, nos diferentes
Palavras-chave: Apoio familiar; colaboração profissionais/família; comunicação; diversi- contextos de cuidados e de educação ou de intervenção precoce. Por isso, Buysse e Wesley
dade cultural; intervenção precoce; Skilled Dialogue. debruçam-se sobre o modelo de consultadoria e procuram esclarecer alguns equívocos que
existem na área da intervenção precoce, acerca do trabalho com outros adultos face a um
objetivo comum de mudança que caracteriza o processo de consultadoria.
Os autores descrevem aquilo que designam por Skilled Dialogue, um modelo único, eficaz e
testado na prática para promover interações que honram e respeitam as crenças e valores
culturais de todos os envolvidos. Como podem os profissionais de intervenção precoce res- O livro está dividido em três partes. Na Parte I é apresentado o seu enquadramento concep-
ponder melhor à diversidade cultural e linguística e garantir interações positivas com todas tual e filosófico, incluindo ainda a definição do conceito e do processo de consultadoria, quais
as crianças e famílias? os seus objetivos, as suas características, bem como uma reflexão sobre os conhecimentos
e competências exigidas aos profissionais. Na Parte II é apresentado de forma detalhada
o modelo e processo de consultadoria com as suas tarefas-chave, onde se destacam oito
Indo muito além dos fundamentos apresentados na primeira edição deste livro, a segunda
passos ou estádios no desenvolvimento desse processo, desde os contactos iniciais e de en-
edição, totalmente atualizada, inclui uma cobertura alargada de temas cruciais da atua-
trada no contexto de consultadoria à fase final de síntese e avaliação de todo o processo. Os
lidade e reflete o feedback do mundo real dos utilizadores experientes do Modelo Skilled
diferentes estádios são ilustrados com casos práticos. Na Parte III, as autoras debruçam-se
Dialogue. Através da utilização deste modelo comprovado para a comunicação pautada
sobre a avaliação e resultados da consultadoria, a sua aplicação em diferentes contextos de
pelo respeito, reciprocidade e responsividade, os profissionais de intervenção precoce es-
educação e intervenção precoce e terminam com recomendações para uma prática eficaz
tarão habilitados a:
de consultadoria em contextos de intervenção precoce.
• Compreender a cultura como uma dinâmica que molda os comportamentos e cren-
ças de todas as pessoas;
• Comunicar ativamente o respeito por aquilo que outros acreditam, pensam e Carpenter, B., Schloesser, J., & Egerton, J. (Ed.) (2009). European developments in early
valorizam;
childhood intervention. Luxembourg: Eurlyaid.
• Resolver problemas de forma criativa através da integração de diversas perspeti-
vas de todas as partes envolvidas; Disponível em: eurlyaid.eu/docs/eaei_eci_development_eng.pdf.

• Reforçar o ensino e avaliação inclusiva; Palavras-chave: Desenvolvimento profissional; intervenção precoce na Europa; práticas
• Reformular diferenças entre os profissionais e as famílias como complementares, e recomendadas; princípios.
não contraditórios;
• Alavancar a diversidade cultural como uma força e não como um “problema” ou Este livro é um e-book que foi publicado pela Associação Europeia de Intervenção Precoce
fator de risco; (Eurlyaid) em 2009 e conta com a colaboração de profissionais, académicos e pais da área
da intervenção precoce de diversos países europeus.
• Evitar os estereótipos baseados na cultura e etnia;
• Ter uma visão crítica sobre os efeitos do trauma e como ele interage com a cultura; Inicia com uma introdução pelos editores sobre Desenvolvimentos Europeus da Intervenção
• Estabelecer relações de colaboração em vez de relações de controlo sobre os outros. Precoce e está organizado em quatro partes: Sistemas e organizações nacionais; Programas
de intervenção; Princípios de trabalho; Formação na intervenção precoce. Dele fazem parte
Para apoiar os profissionais na utilização do modelo nas suas práticas, esta edição inclui dois capítulos que dizem respeito a autores portugueses: na parte dos programas de tra-
uma orientação mais explícita, exemplos reais e formulários práticos para fotocopiar, para balho consta um capítulo sobre a intervenção precoce em Portugal da autoria de Boavida,
ajudar nos processos de avaliação, ensino e organização de informações-chave da família Carvalho e Espe-Sherwindt, e na parte de sistemas e organizações um capítulo sobre tra-
e da criança. Uma introdução ao Modelo Skilled Dialogue. balho com famílias com deficiência intelectual da autoria de Serrano, Schädler, Windels, Van
Loon & Schuer. É um livro recomendado porque apresenta uma visão das experiências eu-
ropeias de intervenção precoce.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

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Crawford, M. & Weber, B. (2013). Early intervention every day!: Embedding activities utilizadas por profissionais de diversas áreas e que trabalham numa diversidade de contex-
in daily routines for young children and their families. Baltimore, MD: Paul H. Brookes tos, podendo ainda ser úteis para o desenvolvimento profissional.
Publishing Co.
Embora as práticas desenvolvimentalmente adequadas constituam a base para assegurar
Palavras-chave: apoio familiar; desenvolvimento; intervenção baseada nas rotinas e con- programas de qualidade para todas as crianças e suas famílias (Copple & Bredekamp, 2009),
textos naturais; intervenção precoce. é referido pelos autores que as crianças que estão em risco de atraso de desenvolvimento fre-
quentemente necessitam de intervenções mais especializadas que lhes possibilitem participar
e envolver-se de forma significativa nas rotinas diárias e nas atividades de aprendizagem.
Este livro recente de Merle Crawford e Barbara Weber foi escrito a pensar nos profissionais Embora os autores reconheçam o papel relevante das práticas desenvolvimentalmente ade-
de intervenção precoce e nos cuidadores, como um recurso abrangente destinado àqueles quadas nos cuidados e educação de crianças em idades precoces, estas práticas não são
que intervêm com crianças dos 0 aos 3 anos. Assenta no conceito fundamental: “contextos incluídas neste documento.
naturais” e nos dados da investigação que mostram que as crianças aprendem ao longo
do dia e não em lições, sessões ou “horários de trabalho”, exercícios, etc., sendo o objetivo
fundamental do prestador de serviços o apoio aos cuidadores, que são os verdadeiros faci-
litadores do processo de IP. Este livro visa ainda aumentar a qualidade de vida das famílias Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Deal, A. G. (1988). Enabling and empowering families:
e ajudar as crianças em risco ou com problemas de desenvolvimento a participar nas roti- Principles and guidelines for practice. Cambridge, MA: Brookline.
nas ao longo do dia, sugerindo exemplos muito práticos, numa filosofia consistente com a
Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF). Pode assim ser um livro muito útil tam- Palavras-chave: Abordagem centrada na família; apoio familiar; capacitação e fortaleci-
bém para os pais ou outros cuidadores, pois inclui sugestões e exemplos sobre formas de mento; empowerment; intervenção precoce; práticas recomendadas; princípios.
incorporar os objetivos desenvolvimentais nas atividades de rotina das famílias.

Está organizado em três partes e nove capítulos, a saber: Parte I – Os fundamentos da inter- Apesar de escrito em 1988, este livro de Carl Dunst e colaboradores contém as ideias con-
venção precoce e as práticas recomendadas (1. Visão geral da IP; 2. Práticas recomendadas: ceptuais essenciais para o trabalho centrado na família. Foi um dos seus primeiros livros
cuidadores; 3. Práticas recomendadas: facilitar a aquisição de habilidades e competências); publicados sobre a investigação e o trabalho com famílias que desenvolve há décadas e
Parte II – Desenvolvimento de competências nos diversos domínios do desenvolvimento (4. contém um conjunto de princípios conceptuais e operacionais que estruturam uma aborda-
Regulação do comportamento e competências sociais; 5. Cognição e linguagem recetiva; 6. gem de trabalho com famílias. Esta utiliza diferentes tipos de experiências e oportunidades
Linguagem expressiva; 7. Motricidade global; 8. Motricidade fina; 9. Autonomia e capaci- para capacitar as famílias com o objetivo de obter consequências e benefícios para o seu
dade adaptativa); Parte III – Rotinas diárias em todos os domínios. fortalecimento. Neste livro são descritos oito princípios conceptuais que, segundo Dunst
(2009), constituem uma tentativa de integrar o pensamento de reconhecidos especialistas
e integrá-lo no desenvolvimento de uma abordagem sistémica da família aplicada à inter-
venção precoce e ao apoio familiar. Esses princípios foram utilizados para desenvolver um
Division for Early Childhood [DEC] (2014). DEC Recommended practices in early inter- enquadramento operacional que permite orientar as práticas sistémicas de intervenção e
vention/Early childhood special education 2014. avaliação da família. O livro possui um conjunto importante de escalas de avaliação da fa-
mília, nomeadamente das suas necessidades e prioridades, dos pontos fortes das funções
Disponível em: www.dec-sped.org/recommendedpractices. de apoio, das redes de apoio, etc.

Palavras-chave: Educação especial; educação precoce; intervenção precoce; práticas


recomendadas.
Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Deal, A. G. (1994). Supporting and strengthening families –
Methods, strategies and practices. Cambridge: Brookline Books.
Este documento, acessível on-line, descreve as práticas recomendadas pela Division for Early
Childhood (DEC) para as áreas da intervenção precoce na infância (IPI) e da educação es-
pecial em idades precoces. A DEC é uma organização internacional sem fins lucrativos que Palavras-chave: Abordagem centrada na família; apoio familiar; capacitação e fortaleci-
promove políticas e divulga práticas baseadas na evidência destinadas a profissionais que mento; empowerment; práticas de ajuda eficaz; princípios.
trabalham com crianças (0-8 anos) com necessidades educativas especiais e/ou em risco
e suas famílias. Este livro de Dunst, Trivette e Deal surge na continuação do seu livro anterior Enabling and
Empowering Families e vem acrescentar informação relevante proveniente quer das lições
As práticas recomendadas pela DEC constituem um guião para pais e profissionais que tra- aprendidas com a utilização do modelo de capacitação e fortalecimento centrado na fa-
balham com crianças em risco ou que têm um atraso desenvolvimental ou uma incapacidade. mília, quer da investigação levada a cabo sobre a sua utilização, apresentando pequenas
Foram desenvolvidas pela primeira vez em 1991 e têm vindo a ser atualizadas regularmente modificações na avaliação e implementação do modelo.
com base em amplas revisões da literatura em IPI e com a participação de especialistas de
referência, com o objetivo de constituírem um guião para profissionais e famílias acerca das Está estruturado em seis capítulos e todos eles são muito reflexivos e ricos de informação:
intervenções mais eficazes para promover a aprendizagem e o desenvolvimento de crianças.
A sua finalidade é constituir uma ligação entre investigação e prática, realçando as práticas Parte I – Introdução; Parte II – Programas de apoio familiar; Parte III – Planos individualiza-
que têm revelado ter resultados mais positivos para as crianças, para as suas famílias, bem dos de apoio à família; Parte IV – Necessidades das famílias, pontos fortes e recursos; Parte
como para os profissionais que com elas interagem. São atualmente constituídas por oito V – Práticas de ajuda eficazes; e Parte VI – Conclusões.
domínios: liderança, avaliação, contextos, família, instrução, interação, aprendizagem e co-
laboração e transição. As práticas recomendadas pela DEC foram elaboradas para serem
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

340 341
Constitui uma leitura recomendada porque aborda os fundamentos do modelo de interven- Crianças sem-abrigo); Parte IV – Emergir e encontrar o caminho, de novo (13. Profissionais
ção centrado na família. e famílias: parceiros nos cuidados; 14. Epílogo: subir mais alto).

Eliëns, M. (2010). Babies and toddlers in the picture. About tunning, interaction and Fenichel, E. (1999). Learning through supervision and mentoring to support the devel-
communication with vulnerable young children. Amesterdam: SWP Publishers. opment of infants, toddlers and their families: A sourcebook. Washington DC: Zero to
Three/National Centre for Infants, Toddlers and Families.
Palavras-chave: Apoio familiar; comunicação; desenvolvimento; intervenção precoce; re-
lação cuidador/criança; videofeedback. Palavras-chave: Desenvolvimento profissional; intervenção precoce; orientação; supervisão.

A abordagem focalizada na relação é um dos princípios nucleares das práticas recomen- Este livro descreve como as práticas de supervisão e orientação podem constituir-se como
dadas em intervenção precoce na infância (IPI); será, pois, de elevada pertinência que os oportunidades regulares para reflexão conjunta sobre o trabalho desenvolvido com bebés,
profissionais de IPI desenvolvam competências que lhes permitam identificar forças e dificul- crianças pequenas e suas famílias.
dades nas relações que têm oportunidade de observar entre as crianças e os seus principais
prestadores de cuidados. E que saibam partilhar esse saber com os prestadores de cuida- O livro está organizado em quatro partes: Resultados de investigação e recomendações do
dos, apoiando-os na consciencialização das suas competências relacionais e na descoberta Zero to Three/National Center for Clinical Infant Programs’ Work Group on Supervision and
de vias para promover a respetiva qualidade. Mentorship; Supervisão e Orientação de Estudantes; Supervisão e Orientação de Profissionais
[da Intervenção junto] de Bebés e Famílias; e Questões dirigidas a Supervisores e Diretores
Babies and Toddlers in the Picture descreve como se desenvolve a comunicação e interação de Programas [de Intervenção] – e é constituído por 18 capítulos que, no seu todo, oferecem
entre pais (ou substitutos) e crianças pequeninas e explica o que os pais podem fazer para uma imagem compreensiva de práticas de supervisão e orientação de alunos e profissionais.
melhorar a comunicação com a sua criança quando ocorrem problemas no seu desenvolvi- Muitos destes capítulos foram previamente publicados na revista Zero to Three, do National
mento. Este livro oferece aos pais, bem como aos profissionais, informação específica acerca Center for Infants, Toddlers and Families (Washington DC, EUA).
do desenvolvimento de crianças pequenas e descreve como podem os profissionais apoiar
os pais com o videofeedback. Numerosos exemplos, ilustrações e um DVD que está incluído Considerado por muitos como “o livro de ouro da supervisão”, é uma fonte de consulta pre-
no livro fazem-no uma ferramenta apropriada para pais, bem como para profissionais que ciosa para todos que se interessam por esta temática.
pretendem apoiar pais de um modo centrado na família e focalizado nas relações.

Guralnick, M. (2005). The developmental systems approach to early intervention. Balti-


Ensher, G. & Clark, D. (2011). Relationship-centered practices in early childhood: Work- more, MD: Paul H. Brookes Publishing Co.
ing with families, infants & young children at risk. Baltimore, MD: Paul H. Brookes
Publishing Co.
Palavras-chave: Intervenção precoce; modelo desenvolvimental sistémico; práticas reco-
mendadas; princípios.
Palavras-chave: Apoio familiar; colaboração profissionais/famílias; contextos naturais; in-
tervenção precoce; práticas recomendadas; risco.
Nesta obra, Michael Guralnick explicita a necessidade de haver sistemas abrangentes e
coordenados de apoio às crianças e famílias e apresenta um enquadramento conceptual
Este livro, organizado por Gail Ensher e David Clark, assenta no pressuposto de que as re- claro sobre como implementar um sistema de intervenção eficaz, mais consistente e coeren-
lações constituem o pilar do trabalho com as famílias de crianças em risco e enquadra-as te. Assim, descreve o modelo desenvolvimental sistémico, um modelo baseado na evidência,
num mundo caracterizado pelas rápidas mudanças em termos demográficos, tecnológicos construído para orientar programas de intervenção dirigidos a crianças até aos cinco anos
e culturais, cruzando os saberes dos domínios social, da saúde e da educação. Os profis- de idade. O objetivo deste livro é, assim, ajudar à criação de programas de intervenção que
sionais não se encontram ainda plenamente preparados para o trabalho com as famílias e sejam, simultaneamente, baseados na investigação e relacionados com as necessidades in-
sentem a falta de conhecimentos e experiência em estratégias de resolução de problemas. dividuais de crianças e famílias.
Trata-se, assim, de um livro destinado aos profissionais em serviço ou em formação, apre-
sentando as novas abordagens no trabalho com as famílias, associadas a sugestões práticas O livro contém 24 capítulos organizados em três secções: 1. Princípios; 2. Práticas: Perspetivas
baseadas em evidências, com o objetivo de apoiar as famílias de crianças em risco nos seus nacionais; 3. Práticas: Perspetivas internacionais. A primeira secção apresenta os princípios
contextos naturais. Os temas estão organizados em quatro partes e 14 capítulos, a saber: nucleares do modelo desenvolvimental sistémico, demonstrando a importância de aplicar
Parte I – Estabelecendo os alicerces (1. Quadro de referências para as melhores práticas; 2. um enquadramento desenvolvimental à intervenção precoce, integrando os vários serviços
Trabalhar em equipa e conhecer como funciona o sistema, para poder ajudar); Parte II – O e profissionais como um sistema e maximizando a inclusão das crianças com dificuldades.
início (3. Os primeiros anos e o desenvolvimento cerebral: as ligações críticas na construção Na segunda secção, alguns especialistas norte-americanos orientam o processo de tomada
de relações; 4. Conceções sobre a maternidade e gravidez no séc. XXI; 5. Nascer cedo de- de decisão com sugestões gerais e recomendações específicas para melhorar práticas em
mais; 6. Diversidade nos contextos: que diferença faz uma diferença para uma família?); Parte áreas-chave e entre diversas comunidades dos EUA. Na terceira e última parte, especialistas
III – Picos e vales ao longo do caminho (7. Diversidade nos contextos: que diferença faz uma de outros países – como Áustria, Austrália, Reino Unido, Grécia, Israel, Itália e Suécia – par-
diferença para uma criança?; 8. As crianças com necessidades especiais de caráter perma- tilham as suas perspetivas e descrevem as suas abordagens ao modelo desenvolvimental
nente; 9. Irmãos e irmãs: a família inclui todos; 10. O abuso de substâncias e a negligência sistémico na intervenção precoce.
e maus-tratos; 11. Desastres familiares, perda de família nas crianças em idades baixas; 12.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

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Hanson, M. & Lynch, E. (2013). Understanding families: Supportive approaches to diver- Klass, S. C. (1996). Home visiting: Promoting healthy parent and child development.
sity, disability and risk (2nd edition). Baltimore: Paul H. Brookes Publishing Co. Baltimore: Paul H. Brookes Publishing Co.

Palavras-chave: Apoio familiar; colaboração profissionais/famílias; colaboração entre Palavras-chave: Apoio familiar; colaboração profissionais/famílias; intervenção precoce;
profissionais; diversidade; intervenção precoce; necessidades especiais; resiliência; risco. visita domiciliária.

A família contemporânea apresenta uma diversidade de facetas, crenças, formas de ser e Neste livro, a autora, Carol Klass, descreve os principais desafios inerentes às visitas domici-
de estar e sistemas de valores, sendo que os profissionais de intervenção precoce têm de liárias partindo de vários anos de experiência e investigação clínica e apoiando-se em relatos
estar preparados para compreender e trabalhar de forma respeitosa com esta diversidade reais de profissionais e famílias apoiadas pela IPI. O objetivo desta obra é descrever de for-
de famílias. Este livro ajuda nessa aprendizagem porque é um livro que combina a pesquisa ma prática a complexidade e as possibilidades das visitas domiciliárias, enquanto encontros
recente sobre famílias e serviços centrados na família com sugestões práticas para trabalhar realizados entre os profissionais e as famílias, com o objetivo de apoiar os pais a compreen-
eficazmente com os cuidadores, especialmente aqueles cujos filhos mais pequenos apresen- der o desenvolvimento da criança e a desenvolver competências parentais adequadas.
tam necessidades especiais ou estão em risco de apresentar problemas de desenvolvimento.
Marci Hanson e Elanor Lynch, especialistas de renome nesta área, ajudam os leitores a en- O livro está dividido em três partes, sendo que a Parte 1 descreve as complexidades do papel
tender e trabalhar respeitando as famílias de hoje, dando aos profissionais em formação do profissional que faz a visita domiciliária, a Parte 2 faz o enquadramento desenvolvimental,
uma visão geral da demografia e da diversidade da família, incluindo fatores como a coe- apresentando as diferentes etapas e áreas do desenvolvimento da criança e as competên-
são da família, estatuto socioeconómico, cultura, etnia. Nesta obra os leitores irão encontrar cias e práticas parentais que o profissional deve promover, e a Parte 3 dedica-se a explicar
temas como: a evolução demográfica na última década; a diversidade cultural e linguística; e exemplificar a relação existente entre as práticas profissionais e as experiências pessoais,
questões económicas causadas pela recessão; as necessidades de bebés e crianças muito passadas e presentes dos profissionais.
jovens; compreensão sobre como as NEE influenciam a vida da família; ajuda na abordagem
de fatores de risco específicos, tais como a pobreza, toxicodependência e violência; um guia
dos fatores que contribuem para a resiliência; dicas para uma comunicação e colaboração
eficaz com famílias; orientações para uma compreensão da legislação sobre apoio educa- Klass, C. (2008). The home visitors guide book: Promoting optimal parent & child devel-
cional e familiar, avaliação e intervenção; orientação para o desenvolvimento de alianças opment. Baltimore, MD: Paul H. Brookes Publishing Co.
fortes com as famílias e outros profissionais; estudos de caso que fornecem imagens reais
dos desafios que as famílias enfrentam hoje. Palavras-chave: Apoio familiar; colaboração profissionais/família; competência e desen-
volvimento profissional; desenvolvimento; intervenção precoce; visita domiciliária.
Estes aspetos são descritos colocando sempre a ênfase na capacidade de resiliência e força
humana. Conjugando a pesquisa e a prática, é um guia especializado de que o profissional Este é um livro que enquadra os aspetos fundamentais relacionados com a visita domiciliá-
precisa para que se possa compreender e atender às necessidades das diversas famílias ria, abordando a questão quer do ponto de vista do visitador domiciliário quer dos pais e da
com crianças pequenas e melhorar a vida e os resultados de famílias do século XXI. criança. Está dividido em três partes: na Parte I abordam-se os aspetos básicos da visita do-
miciliária, nomeadamente a relação do visitador domiciliário com os pais, as competências
fundamentais que este deve dominar e os aspetos relacionados com o seu desenvolvimento
profissional; a Parte II centra-se na promoção do desenvolvimento saudável de pais e filhos,
Heffron, M. & Murch, T. (2010). Reflective supervision and leadership in infant and early
abordando questões relacionadas com o desenvolvimento das crianças em função dos di-
childhood programs. Washington, DC: Zero to Three.
ferentes marcos desenvolvimentais e domínios, cobrindo o período dos 0 aos 5 anos. Refere
ainda as questões relacionadas com os contextos diários das famílias, em particular das fa-
Palavras-chave: Desenvolvimento profissional; intervenção precoce; supervisão. mílias em situação de vulnerabilidade; na Parte III são apresentadas as histórias pessoais de
duas visitadoras domiciliárias e questões com as quais se depararam ao longo da sua ati-
vidade profissional, exemplificando estratégias que podem ser muito úteis aos profissionais.
Este livro, reconhecendo a elevada dificuldade de fazer supervisão reflexiva (ainda mais
quando o mesmo supervisor tem de responder também a exigências de cariz administrati-
vo), oferece informação sobre os fundamentos e enquadramento de prática de supervisão
reflexiva, ilustrando modos de apoiar o exercício deste tipo de supervisão em diversos con- Landy, S. & Menna, R. (2006). Early intervention with multi-risk families: An integrative
textos de trabalho. approach. Baltimore: Paul H. Brookes Publishing.

Inclui a descrição e discussão das diferentes vertentes do papel do supervisor reflexivo, do


Palavras-chave: Apoio familiar; colaboração profissionais/famílias; intervenção precoce;
conhecimento e competências necessários ao exercício deste tipo de supervisão, oferece
famílias multidesafiadas; risco.
pistas e sugestões para conduzir supervisão reflexiva e para resolver dilemas comuns nes-
ta prática profissional.
Ajudar as famílias que vivem em ambientes com múltiplos fatores de risco, incluindo a po-
breza, a violência doméstica, a maternidade na adolescência, a doença mental e o abuso
de substâncias, requer que os profissionais e paraprofissionais trabalhem em conjunto para
poderem providenciar um apoio de qualidade. Este livro mostra aos prestadores de serviços
como ajudar essas famílias multidesafiadas por meio de um modelo integrador que reúne
as técnicas de intervenção mais eficazes a partir de uma variedade de abordagens teóricas,
estratégias de envolvimento parental e programas inovadores. Os profissionais vão aprender
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

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a interagir de forma eficaz com os pais que são resistentes à intervenção e vão descobrir Numa primeira secção são desenvolvidos conceitos relativos a princípios internacionalmente
formas específicas e práticas para ajudar os pais a tornarem-se: mais autorreflexivos sobre recomendados em IPI, nomeadamente práticas: (a) centradas na família; (b) em contextos
os seus papéis parentais e a serem mais compreensivos para com os seus filhos; examinar e naturais; (c) inclusivas; (d) inseridas nas rotinas.
ter controlo sobre as suas defesas e formas de lidar com o stress que estão a influenciar ne-
gativamente a sua parentalidade; fortalecer o seu sentido de competência e de apoio social; Na secção seguinte, o autor fornece procedimentos e materiais que operacionalizam os
desenvolver uma perceção positiva de seus filhos; lidar com perda não resolvida e trauma; conceitos do abordagem centrada na família e que possibilitam ao profissional de IPI com-
melhorar as suas interações com os seus filhos; regular as suas próprias emoções e as dos preender a ecologia da família, as suas necessidades, relações, apoios e recursos: (a) a
seus filhos; desenvolver um bom planeamento e capacidade de resolução de problemas. Families in Natural Environments Scale of Service Evaluation (FINESSE); e (b) o Ecomapa.

Através da utilização de estudos de casos, são ilustrados pontos-chave e técnicas e é apre- De seguida, o autor apresenta métodos para abordar as necessidades funcionais e individuais
sentado um modelo integrado de intervenção, tornando este livro um recurso ideal para das famílias e descreve instrumentos que apoiam a planificação de intervenções desenhadas
o desenvolvimento profissional de psicólogos, assistentes sociais, educadores de infância, para promover a participação das crianças nas suas rotinas diárias. O autor fornece linhas
visitadores domiciliários e outros prestadores de serviços. O livro é também um excelente orientadoras para todas as fases da elaboração de planos de intervenção individualizados,
recurso para profissionais de intervenção precoce que trabalham com famílias em ambien- centrados na família e com base nas rotinas, indicando os objetivos da avaliação e as ino-
tes multidesafiantes. vações que devem ocorrer no processo de avaliações, de forma a abordar as necessidades
funcionais da família. Nesta secção os profissionais podem compreender como se colocam
questões de avaliação e como se desenvolve uma entrevista aprofundada acerca das ro-
tinas e atividades diárias da família – a Entrevista Baseada nas Rotinas. O autor detalha o
Leal, L. (2008). Un enfoque de la discapacidad intelectual centrado en la familia (trad.
modelo de implementação de IPI baseado no mediador de caso no contexto de uma equipa
cast. de M. C. Ramon e E. J. Fernández). Madrid: FEAPS. Confederación Española de transdisciplinar. No âmbito deste modelo, o autor detalha aspetos e instrumentos relativos à
Organizaciones a Favor de las Personas con Discapacidad Intelectual visita domiciliária, sublinha a relevância de promover o empowerment das famílias através
de processos de consultoria colaborativa com os adultos significativos da vida das crianças,
Disponível em: http://www.feaps.org/biblioteca/libros/documentos/enfoque_familia.pdf.
nomeadamente os educadores de infância.
Palavras-chave: Abordagem centrada na família; apoio familiar; colaboração profissio-
O livro fornece mais de 20 instrumentos de avaliação-intervenção, bem como testes de re-
nais/famílias; deficiência intelectual.
visão no final de cada capítulo, permitindo aos profissionais realizar uma autoavaliação dos
seus conhecimentos, de forma a prepará-los para implementar práticas de IPI de qualidade
Este livro faz parte de uma coleção publicada pela Confederación Española de Organizaciones com as crianças e suas famílias.
a Favor de las Personas con Discapacidad Intelectual (FEAPS), Espanha, que se denomina
Cadernos de Boas Práticas.

Apesar de se referir à deficiência intelectual, descreve de forma organizada, clara e simples Norman-Murch, T. & Wollenburg, K. (2000). An integrated approach to supporting
os princípios das práticas centradas na família, e pode ser um recurso importante para os professional development through in-service education and supervision. Zero to Three,
profissionais que tenham mais facilidade em ler em castelhano do que em inglês. O livro en- June-July, 16-22
contra-se organizado em cinco capítulos: 1 – Introdução, que aborda as bases teóricas das
Disponível em: http://www.zerotothree.org/child-development/early-childhood-mental-
práticas centradas na família; 2 – Princípios centrados na família: como entender a unidade
-health/vol20-6b.pdf.
familiar e trabalhar de forma eficaz com as famílias; 3 – Prática centrada família: identifi-
car as necessidades, recursos e pontos fortes e as fontes de apoio da família; 4 – Estudo de
Palavras-chave: abordagem integrada; desenvolvimento profissional; formação em servi-
caso de uma família que procura ilustrar os temas abordados ao longo do livro, projetan-
ço; intervenção precoce; supervisão.
do uma ideia prática do que devem ser as práticas centradas na família; e 5 – Conclusões.

Da autoria de duas profissionais com vasta experiência na intervenção direta, supervisoras e


investigadoras em programas de intervenção precoce, este artigo propõe uma abordagem
McWilliam, R. A. (2010). Routine-based early intervention: Supporting young children
integrada para o apoio ao desenvolvimento profissional através da formação em serviço e
and their families. Baltimore: Paul H. Brookes Publishing Co. da supervisão no contexto de programas de IPI. Está organizado em torno de quatro princí-
pios: (i) encarar o desenvolvimento profissional como um processo, não um evento [pontual];
Palavras-chave: Abordagem centrada na família; contextos naturais; equipa transdiscipli- (ii) considerar nesse processo as componentes emocionais da aprendizagem; (iii) usar téc-
nar; instrumentos de avaliação-intervenção; intervenção baseada nas rotinas; intervenção nicas e processos de scaffolding para apoiar o desenvolvimento de novos modos de ser e
precoce; mediador de caso; práticas recomendadas. fazer as coisas em IPI; e (iv) pensar de modo ecológico – ver o quadro todo do desenvolvi-
mento de cada profissional, as suas circunstâncias e transações (trocas comunicacionais e
relações) em que está ou pode vir a estar envolvido, de modo a identificar o que é relevante
Neste livro, que Robin A. McWilliam apresenta como um guia para os profissionais de IPI, o
para promover o respetivo desenvolvimento profissional.
autor fornece um enquadramento detalhado e disponibiliza instrumentos de avaliação-inter-
venção que operacionalizam, passo a passo, uma abordagem centrada na família, inserida
nos contextos naturais e baseada nas rotinas.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

346 347
Pletcher, L. C. & Younggren, N. O. (2013). The early intervention workbook: Essential Shelden, M. L. & Rush, D. D. (2013). The early intervention teaming handbook. Baltimore,
practices for quality services. Baltimore, MD: Paul H. Brookes Publishing Co. MD: Paul H. Brookes Publishing Co.

Palavras-chave: apoio familiar; intervenção precoce; qualidade; práticas recomendadas; Palavras-chave: Colaboração entre profissionais; equipa transdisciplinar; intervenção
princípios. precoce.

Este é um livro muito prático, escrito pela dupla Lisa Shelden e Dathan Rush, que pretende
Este livro de Lynda Pletcher e Naomi Younggren apresenta-nos um enquadramento atual
apresentar, fundamentar e exemplificar a aplicação de um modelo transdisciplinar de IPI ba-
e moderno da área da intervenção precoce, tendo com referência fundamental a presta-
seado numa abordagem de mediador de caso [Primary Service Provider (PSP) Approach].
ção de serviços em contextos naturais. Embora baseando-se no que é aceite como práticas
O objetivo deste livro é constituir-se como um recurso útil para ajudar decisores, equipas e
recomendadas, pretende ir mais fundo nas respostas a questões mais específicas, nomea-
profissionais a implementar o princípio da IPI de que as prioridades, necessidades e interes-
damente naquilo que determinados conceitos aceites como indiscutíveis na atualidade da
ses da família são tratados de forma mais apropriada por um profissional que representa
intervenção precoce significam em termos de aplicação prática, nomeadamente na forma
e recebe apoio da equipa e da comunidade (Princípio 6 do Workgroup on Principles and
como os programas e sistemas poderão funcionar.
Practices in Natural Environments, 2007). Este livro é apresentado em formato de guia e
permite uma utilização bastante prática contendo lembretes, muitos instrumentos, exemplos
Encontra-se organizado num estilo interativo, colocando ao leitor questões para reflexão,
concretos e orientações para apoiar a implementação desta abordagem transdisciplinar em
simulacros (ex.“E se…?”) e apresentando estudos de caso pondo em foco a perspetiva da fa-
diferentes níveis do sistema.
mília. Inclui ainda fichas e checklists para autoavaliação de conhecimentos, parecendo-nos
muito útil a profissionais em formação neste domínio. Inclui três partes e dez capítulos, que
Contém oito capítulos que adereçam os seguintes conteúdos: 1. Introdução à abordagem
referimos seguidamente: Parte I – Começar: As bases do conhecimento (1. Importância da
do mediador de caso; 2. Fundamentos científicos da abordagem do mediador de caso; 3.
IP; 2. Pilares da IP; 3. Sete princípios-chave); Parte II – Práticas recomendadas no processo
Preparação para a implementação desta abordagem (identificação de desafios, crenças,
de intervenção precoce (4. Início da jornada: referenciação e visitas iniciais; 5. Importância
preconceitos e outras variáveis que podem condicionar a implementação desta aborda-
da avaliação; 6. Desenvolver o plano individualizado de apoio à família (PIAF); 7. Avançar
gem); 4. Escrever planos individuais de intervenção precoce funcionais e participativos; 5.
com o PIAF e implementar a intervenção; 8. Planeamento da transição: deixar a IP); Parte
Implementar a abordagem baseada no mediador de caso: pôr em ação a abordagem; 6.
III – Práticas recomendadas em ação (9. Identificar práticas questionáveis; 10. O significado
Coordenar visitas conjuntas; 7. Conduzir reuniões de equipa; 8. O futuro da abordagem de
da mudança pessoal e organizacional).
mediador de caso nas equipas de intervenção precoce na infância.

Rush, D. D. & Shelden, M. L. (2011). The early childhood coaching handbook. Baltimore,
Shonkoff, J. P. & Phillips, D. A. (2000). From neurons to neighborhoods: The science of
MD: Paul H. Brookes Publishing Co.
early childhood development. Washington: National Academy Press.

Palavras-chave: Coaching; colaboração profissionais/famílias; colaboração entre profis-


Palavras-chave: Ciência do desenvolvimento; contextos; desenvolvimento precoce; inter-
sionais; intervenção precoce.
venção precoce; nature-nurture; neurociências.

Este é um livro muito prático, em formato de manual, que apresenta, fundamenta e exem-
Esta é uma obra de referência na área da IPI que pretende ligar os conhecimentos interdis-
plifica a abordagem do coaching aplicada à IPI, como forma de melhorar a interação entre
ciplinares de uma ciência integrada do desenvolvimento às suas implicações para a ação
os técnicos de IPI e as famílias e outros profissionais. Este livro apresenta o pressuposto de
(tanto ao nível político como prático, do desenvolvimento profissional ou da investigação).
que os princípios do coaching se aplicam ao trabalho eficaz de IPI com famílias e educado-
From Neurons to Neighborhoods apresenta as interações complexas que existem entre nature
res, pela sua ênfase na autonomia, capacitação e empowerment. Providencia estratégias
(natureza, biologia) e nurture (contexto, interações) no processo de desenvolvimento huma-
aos profissionais de IPI a fim de que estes possam sentir-se mais confiantes na implementa-
no, demonstrando como ambos o influenciam conjuntamente e como os primeiros anos de
ção desta abordagem no seu trabalho diário, apresentando sugestões práticas, exercícios,
vida têm um papel particularmente significativo neste processo. O livro está organizado em
lembretes, instrumentos para a prática e exemplos reais.
três partes, sendo a primeira uma secção introdutória que apresenta os conceitos essen-
ciais abordados, como as relações entre nature e nurture. A segunda secção é dedicada à
O livro está organizado em dez capítulos, que abordam os seguintes conteúdos: 1. Introdução
natureza (nature) do desenvolvimento, apresentando as várias tarefas desenvolvimentais a
ao coaching; 2. Fundamentos da investigação sobre coaching; 3. Características dos coaches
cumprir em idades precoces (autorregulação, comunicação e linguagem, relações sociais)
eficazes; 4. Comparação do coaching com outras abordagens à interação entre adultos; 5.
e o processo de desenvolvimento cerebral. A última parte debruça-se sobre o efeito dos
Como usar um estilo de interação baseado no coaching; 6. Estratégias para aprender o pro-
contextos (nurture) na moldagem do processo de desenvolvimento, nos fundamentos da IPI,
cesso de coaching; 7. Fazer coaching com as famílias; 8. Fazer coaching com os profissionais;
analisando a influência das relações pais-criança, do meio económico, do contexto educativo
9. Fazer coaching como parte do desenvolvimento profissional; 10. O futuro do coaching na IPI.
e da comunidade. Destaca-se o ultimo capitulo onde se sintetizam as principais evidências
e conclusões, sendo apresentadas recomendações para as politicas, práticas e desenvol-
vimento profissional nos domínios da educação e intervenção precoce e que têm sido uma
importante referência internacional na última década.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

348 349
Shonkoff, J. P. & Meisels, S. J. (2000). Handbook of early childhood intervention (2nd
edition). Cambridge: Cambridge University Press. A2. BIBLIOGRAFIA EM PORTUGUÊS
Palavras-chave: Intervenção precoce; investigação; programas de intervenção; risco.

Esta é uma obra-base, adequada tanto para estudantes como para profissionais experien-
tes de diversas áreas, cujo principal objetivo é apresentar uma perspetiva geral sobre as
bases teóricas e a prática da IPI, de forma a facilitar a comunicação entre as várias discipli-
LIVROS
nas. Tendo 28 capítulos escritos por importantes especialistas no campo da IPI, este livro está
dividido em sete secções. A primeira contém um capítulo introdutório que enquadra o con-
ceito de IPI no seu contexto histórico e identifica desafios para os próximos anos. A segunda • Almeida, I. C. (2009). Estudos sobre a intervenção precoce em Portugal: Ideias dos
secção analisa múltiplas causas de vulnerabilidade (biológica, familiar e sociocultural) e fa- especialistas, dos profissionais e das famílias. Lisboa: Instituto Nacional para a Reabilitação.
tores de proteção que podem diminuir o impacto do risco. Na secção seguinte exploram-se
quatro abordagens teóricas que apresentam um racional forte para a IPI (nomeadamen- • Brandão, T. (2010). Propostas de intervenção familiar para crianças em risco. In A. T.
te transacional, psicodinâmica, comportamental-educacional e neurobiológica). A quarta Almeida & N. Fernandes (Eds.). Intervenção com crianças, jovens e famílias: Estudos e
secção examina desafios atuais à avaliação nos seus diferentes domínios (criança, relações práticas (pp. 225-246). Centro de Estudos da Criança − Universidade do Minho, Braga:
pais-criança, família e comunidade). Na secção seguinte são explorados detalhadamente Almedina.
diferentes modelos de prestação de serviços, como serviços universais (cuidados de saúde
preventivos), serviços frequentes (cuidados e educação de infância) ou programas especia- • Carvalho, C., & Valério, P. (2010). ANIP – Pelas crianças, com as famílias criamos o futuro!
lizados para populações específicas (serviços destinados a problemas de desenvolvimento Cadernos de Educação de Infância, 91, 26-28.
ou saúde mental). A sexta secção apresenta a investigação relevante sobre o impacto dos
programas de IPI. Na secção final, exploram-se os desafios políticos e programáticos no
• Cruz, A., Fontes, F., & Carvalho, L. (2003). Avaliação da satisfação das famílias apoiadas
campo da IPI com o objetivo de analisar algumas das interações complexas entre o conhe-
pelo PIIP: resultados da aplicação da escala ESFIP. Lisboa: Instituto Nacional para a
cimento, as políticas e o apoio dado nesta área.
Reabilitação.

• Gronita, J., Pimentel, J., Matos, C., Bernardo, A., & Marques, J. (2009). Os nossos filhos são…
Wasik, B. H. & Bryant, D. M. (2001). Home visiting: Procedures for helping families (2nd diferentes. Como podem os pais lidar com uma criança com deficiência. Fundação Calouste
edition). Thousand Oaks: Sage Publications. Gulbenkian, Lisboa. Também disponível em: http://www.gulbenkian.pt/media/files/
fundacao/programas/PG%20Desenvolvimento%20Humano/pdf/Os_nossos_filhos_s__o..._
Palavras-chave: apoio familiar; colaboração profissionais/famílias; intervenção precoce; diferentes.pdf
visita domiciliária.
• Gronita, J., Bernardo, A., Marques, J., & Matos, C. (2011). Intervenção precoce. O processo de
Este livro pretende apresentar de uma forma organizada as principais noções a ter sobre construção de boas práticas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Também disponível
as visitas domiciliárias no contexto da intervenção precoce na infância (IPI), reunindo infor- em: http://www.gulbenkian.pt/media/files/FTP_files/pdfs/PGDesenvolvimentoHumano/
mação atualizada sobre teorias e princípios teóricos da IPI e relacionando-a com a prática PGDH_RelBoasPraticas.pdf
diária das visitas domiciliárias. Começando pela definição e contextualização histórica do
conceito de visita domiciliária, este livro expõe as características profissionais e procedimentos • Kron, M., Serrano, A. M., & Afonso, J. L. (2014). Crescendo juntos: Passos para a inclusão
que deverão estar envolvidos nas visitas domiciliárias, introduzindo também alguns desafios na educação de infância. Porto: Porto Editora.
concretos que surgem na prática diária, assim como orientações e instrumentos específicos.
• McWilliam, P. J., Winton, P. J., & Crais, E. R. (2003). Estratégias práticas para a intervenção
Contém dez capítulos de conteúdos, organizados da seguinte forma: 1. Uma perspetiva histórica; centrada na família. Porto: Porto Editora.
2. Teorias e princípios da visita domiciliária; 3. Programas ilustrativos de visitas domiciliárias
para crianças, jovens e as suas famílias; 4. Características do profissional que faz a visita
• McWilliam, R. A. (2012). Trabalhar com as famílias de crianças com necessidades especiais.
domiciliária, formação e supervisão; 5. Competências e técnicas de prestação de apoio; 6.
Porto: Porto Editora.
Gerir e manter visitas domiciliárias; 7. Visitar famílias em situações stressantes; 8. Questões
éticas e profissionais com que se deparam os visitadores domiciliários; 9. Avaliação e docu-
mentação na visita domiciliária; 10. Direções futuras na visita domiciliária. • Odom, S. L. (2007). Alargando a roda – A inclusão de crianças com necessidades educativas
especiais na educação pré-escolar. Porto: Porto Editora.

• Paasche, C. L., Gorril, L., & Strom, B. (2010). Crianças com necessidades especiais em
contextos de educação de infância. Porto: Porto Editora.

• Pimentel, J. (2005). Intervenção focada na família: Desejo ou realidade. Lisboa: Secretariado


Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

350 351
• Pimentel, J., Gronita, J., Matos, C., Bernardo, A., & Marques, J. (2010). E quando atendemos • Brandão, T. & Ferreira, M. (2013). Inclusion of children with special educational needs in
crianças... diferentes. Como podem os profissionais orientar as famílias com criança com early childhood education. Revista brasileira de educação especial, 19(4), 487-502.
deficiência. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Também disponível em: http://www.
gulbenkian.pt/media/files/fundacao/programas/PG%20Desenvolvimento%20Humano/ • European Agency for Development in Special Needs Education [EADSNE] (2005).
pdf/INTERVENCAO_PRECOCE_WEB.pdf. Intervenção precoce na infância a nível europeu. Análise das situações na Europa. Aspectos-
chave e recomendações. Bruxelas: European Agency for Development in Special Needs
• Sandall, S. & Schwartz, I. (2003). Construindo blocos: Estratégias para incluir crianças Education. Disponível em: http://www.european-agency.org/publications/ereports/
com necessidades especiais em idade pré-escolar. Porto: Porto Editora. early-childhood-intervention/eci_pt.pdf.

• Serrano, A. (2008). Redes sociais de apoio e sua relevância para a intervenção precoce. • EADSNE (2010). Intervenção precoce na infância, progressos e desenvolvimentos. Middelfart,
Porto: Porto Editora. Denmark: European Agency for Development in Special Needs Education. Disponível em:
http://www.european-agency.org/publications/ereports/early-childhood-intervention-
• Franco, V. (2015). Introdução à intervenção precoce no desenvolvimento infantil – Com a progress-and-developments/ECI-report-PT.pdf.
família, na comunidade, em equipe. Évora: Edições Aloendro.
• Franco, V. (2007). Dimensões transdisciplinares do trabalho de equipa em intervenção
• Franco, V. & Apolónio, A. (2010). ODIP − Organização Diagnóstica em Intervenção Precoce. precoce. Interação em psicologia, 11(1), 113-121.
Évora: Universidade de Évora.
• Garrido, C. & Boavida, J.E. (2003). Factores de risco em desenvolvimento. Saúde Infantil,
• Franco, V. & Apolónio, A. (2008). Avaliação do impacto da intervenção precoce no Alentejo: 25(2), 47-55.
criança, família e comunidade. Évora, ARS Alentejo.
• Grande, C. & Pinto, A. I. (2009). Estilos interativos de educadoras do ensino especial em
contexto de educação de infância. Psicologia: Teoria e pesquisa, 25(4), pp. 597-610.

• Grande, C. & Pinto, A. I. (2011). O envolvimento de crianças com necessidades educativas


ARTIGOS DE PUBLICAÇÕES EM SÉRIE especiais em contexto de creche e de jardim de infância. Análise psicológica, 29(1), pp.
99-118.

• Almeida, I. C., Carvalho, L., Ferreira, V., Grande, C., Lopes, S., Pinto, A. I., Portugal, G., • Pinto, A. I. (2010). O envolvimento da criança em contexto de creche. Cadernos de educação
Santos, P., & Serrano, A. M. (2011). Práticas de intervenção precoce baseadas nas rotinas: de infância, 91, Dezembro.
Um projecto de formação e investigação. Análise psicológica, 29 (1), 83-98.
• Pinto, A. I., Grande, C., Felgueiras, I., Almeida, I. C., Pimentel, J. S., & Novais, N. (2009).
• Bairrão, J. (1994). A perspectiva ecológica na avaliação de crianças com necessidades Intervenção e investigação em idades precoces − O legado de Joaquim Bairrão. Psicologia,
educativas especiais e suas famílias: O caso da intervenção precoce. Inovação, Vol. 7, no 23 (2), 21-42.
1, 37-48.
• Pinto, A. I., Grande, C., Aguiar, C., Almeida, I. C., Felgueiras, I., Pimentel, J. S., Serrano, A.
• Bairrão, J. (Coord.) (2003). Tendências actuais em investigação precoce. Psicologia, M., Carvalho, L., Brandão, M. T., Boavida, T., Santos, P., & Lopes-dos-Santos, P. (2012).
Vol. 17(1). Oeiras: Celta Editora. (Número temático da Revista Psicologia da Associação Early childhood intervention in Portugal: An overview based on the developmental systems
Portuguesa de Psicologia, dedicado à intervenção precoce e organizado por J. Bairrão). model. Infants & young children, 25(4), 310-322.

• Boavida, J. & Borges, L. (1990). Intervenção precoce: Um projecto para o distrito de


Coimbra. Saúde infantil, 12, 205-210.

• Boavida, J. & Borges, L. (2003). Intervenção precoce em desenvolvimento. Saúde Infantil,


25(3), 23-34.

• Boavida, J. & Pereira, A.P.S. (2003). Intervenção precoce nas Unidades de Cuidados
Intensivos: princípios para uma prática de qualidade. Inclusão, 4, 71-97.

• Brandão, T. & Craveirinha, F. (2011). Redes de apoio social em famílias multiculturais,


acompanhadas no âmbito da intervenção precoce: Um estudo exploratório. Análise
psicológica, 29 (1), 27-46.
PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

352 353

A3. SITES DE REFERÊNCIA @@ National Association for the Education of Young Children: http://www.naeyc.org/

@@ Orelena Hawks Puckett Institute: http://www.puckett.org/

@@ Projeto Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor: http://im2.anip.net/


@@ Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP): http://anip.net/

@@ Projeto TaCTICS (Julian Woods): http://www.cpd.usu.edu/spies/default.htm


@@ Associação Pais em Rede: paisemrede.pt/

@@ Siskin: http://www.siskin.org/www
@@ Early Intervention in Natural Environments (Blog de Robin McWilliam): http://www.
naturalenvironments.blogspot.pt/
@@ Siskin Children’s Institute: http://www.siskin.org/www/docs/4/research

@@ Center on the Developing Child at Harvard University: http://developingchild.harvard.


edu/ @@ Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância: https://www.dgs.pt/sistema-
nacional-de-intervencao-precoce-na-infancia.aspx

@@ Center on the Social and Emotional Foundations for Early Learning: http://csefel.
vanderbilt.edu/resources/guidelines.html @@ Technical Assistance Center on Social Emotional Intervention for Young Children:
http://challengingbehavior.fmhi.usf.edu/index.htm

@@ Child Welfare Information Gateway: https://www.childwelfare.gov/


@@ Universidade de Aveiro: http://www.ua.pt/sbidm/biblioteca/

@@ Coaching in Early Childhood: http://coachinginearlychildhood.org/


@@ Universidade de Évora: http://servir.uevora.pt/

@@ CONNECT: http://community.fpg.unc.edu
@@ Universidade de Lisboa: http://sibul.reitoria.ul.pt/

@@ Direção-Geral da Educação: http://www.dge.mec.pt/


@@ Universidade do Minho: http://www.uminho.pt/estudar/bibliotecas

@@ Division for Early Childhood (DEC): http://www.dec-sped.org/


@@ Universidade do Porto: http://repositorio-aberto.up.pt/

@@ Embedded Instruction Website: http://www.embeddedinstruction.net/


@@ Zero to Three: http://www.zerotothree.org/

@@ European Agency for Special Needs and Inclusive Education: https://www.european-


agency.org/

@@ European Association on Early Childhood Intervention: http://www.eurlyaid.eu/

@@ Family Guided Routines Based Intervention, Florida State University: http://fgrbi.


fsu.edu/

@@ Frank Porter Graham Child Development Institute: http://fpg.unc.edu/

@@ Instituto Nacional para a Reabilitação: http://www.inr.pt/

@@ Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA): http://


cd.ispa.pt/

@@ International Journal of Early Childhood Special Education: http://www.int-jecse.net/

@@ International Society on Early Intervention: www.isei.washington.edu


PRÁTICAS RECOMENDADAS EM INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA ANEXOS
Um guia para profissionais

B
354 355

ACERVO DE INSTRUMENTOS
ON-LINE

Com o acervo de instrumentos on-line, pretende-se disponibilizar aos profissionais um conjunto


atualizado de instrumentos de monitorização e apoio à prática, como checklists, questio-
nários, protocolos ou outros materiais a utilizar pelos profissionais de intervenção precoce.

Os Anexos B constituem um complemento virtual deste guia que, apesar de não ter aqui um
registo físico assente, está permanentemente disponível on-line, a partir do site do projeto
Im2 – Intervir Mais, Intervir Melhor: www.im2.anip.net.

Criado especificamente para acompanhar a publicação desta obra, e assumindo-se como


uma extensão ao formato impresso, este acervo permite que o guia assuma um caráter di-
nâmico, proporcionando uma atualização constante e de fácil acesso aos profissionais.

ACESSO ON-LINE
ENTRE NO SITE DO IM2 LOCALIZE O SEPARADOR
poderá fazê-lo através do “GUIA“
endereço www.im2.anip.net ou o site tem um separador
do site da ANIP. dedicado à versão on-line.

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tanto a versão on-line do guia se não tem ainda utilizador
como o acervo de instrumentos registado, crie uma conta,
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diária.

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