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PERFIS FEMININOS DAS PERSONAGENS DE JOSÉ DE

ALENCAR: uma análise psicológica e social das personagens


femininas de suas obras
Silvana Avesani Cavotto FURLAN *

RESUMO

O escritor José de Alencar se mostra preocupado com o perfil das personagens


femininas, objeto de estudo deste trabalho. A presença do dinheiro provocou
desequilíbrios, interferindo na vida afetiva das personagens e conduzindo a dois
desfechos: a realização dos ideais românticos ou a desilusão numa sociedade onde
ter valia mais do que ser. Havia em Alencar uma incoerência, própria de nossas
elites oitocentistas, demonstrada na personagem Aurélia, que cultivava um pudor
contra o poder corruptor do dinheiro, mas não abandonou o luxo nem o serviço dos
escravos. Os romances se passam na sociedade brasileira da segunda metade do
século XIX em seu processo de formação, onde a instituição do matrimônio era a
base da estrutura da sociedade; afinal, eram as motivações econômico-sociais que
revelavam o casamento como um processo de aquisição e/ou ampliação e
consolidação do capital e do poder econômico.

PALAVRAS-CHAVE: Romantismo. Maniqueísmo. Sociedade. Divindade.

O Romantismo, novo estilo artístico importado da França, apresenta características


como a exaltação à natureza; o patriotismo; a idealização do amor e da mulher; o
subjetivismo e o predomínio da imaginação sobre a razão. Não era, para nós, apenas um
estilo artístico, mas um estilo de vida, onde acadêmicos exibiam comportamento típico,
com boemia regada a bebida. As farras serviam para animar, segundo eles, a vida
tediosa da cidade, e a bebida, para serem tocados pelo sopro da inspiração.

Enfim, estas obras representam o início do processo de transposição do folhetim


europeu para a literatura brasileira, imprimindo ao modelo estrangeiro a cor, a luz e o
cheiro dos trópicos.

O romance do século XIX era escrito por homens, sobre mulheres, e dirigido a elas.
Mas o sistema era contraditório na necessidade da mulher como feitora num sistema de
valores que via na alfabetização feminina uma ameaça à ordem vigente e aos bons
costumes familiares. As mulheres são alvos da atenção como consumidoras dos
romances, visando-se ensinar-lhes o lugar da mulher.

Nos romances de José de Alencar a mulher é vista como um “meteoro”, que brilha no
céu da sociedade e depois desaparece. Isto sugere que a independência e a identidade da
mulher só encontram lugar no período que decorre entre seu surgimento em sociedade e
o seu casamento. É por isso que as heroínas do romance brasileiro do século XX têm,
em média, de 14 a 18 anos de idade.
*
Graduada em Letras pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (UNAR). Graduação em
Nutrição pela PUC-Campinas. Pós-graduada lato sensu em Administração de Nutrição.
silvanaacf@gmail.com

UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.3, n.2, p.29-32, 2009.


FURLAN, S. A. C. Perfis femininos das personagens de José de Alencar.
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Alencar busca salvar suas personagens, restaurando a sua dignidade, livrando-as das
atitudes de pouco valor e restabelecendo o herói ou a heroína. Daí os enredos valerem
como documento apenas indireto de uma época, estabelecendo entre si relações sociais
existentes ou criadas pelo contexto; representam o real ou imaginário do autor. As
tramas e enredos são jogos de possibilidades de relacionamentos humanos observáveis
ou imagináveis no plano real ou adquirido pelo hábito da leitura.

O problema do Romantismo, no Brasil, era um problema político. A confluência entre


as questões da Independência e da cultura apoiavam-se na falta de uma identidade
nacional e na divergência entre a consciência política e a literária. Sem dúvida, o
problema da identidade estava ligado ao problema da tradição. Rompendo-se com a de
que se dispunha, não se poderia criar outra. Mesmo assim houve um grande esforço
para a construção de uma identidade nacional.

Nos romances Lucíola e Diva, Alencar não assume a autoria e usa as pseudo-iniciais
G.M. Esta era uma senhora, avó, insuspeita, e assume que as paixões com que irá operar
são inadequadas para jovens e meninas, podendo causar melindres. As imagens relativas
a Lúcia, nesse discurso, são dicotômicas: luz viva ou pureza d’alma/ nudez do corpo.
Mesmo cortesã, havia nela um lado puro e cristão.

Antes da narrativa, se transforma em musa cristã, vestida de virtude com símbolo de


pudor. Caracterizando o romantismo, vemos a personagem apaixonada à primeira vista,
sendo vista como Maria da Glória e não como Lúcia. Só confessa sua paixão no leito de
morte e no fim da narrativa.

Obedecendo às características do Romantismo, o desenrolar do romance resultará no


matrimônio. Neste caso, um casamento do céu substituindo o da terra, pois um corpo de
mulher sem a castidade é impróprio para os “sagrados laços do matrimônio”.

Em Diva, 1864, a personagem principal chama-se Emília Duarte e estará sempre ligada
à formosura. Mito e religião unem-se e constroem no imaginário um arquétipo
feminino. Outro livro com nota introdutória atribuída a G.M. Paulo foi o narrador de
Lucíola e será o introdutor de Diva. O traço mais marcante será a beleza e apontará para
uma relação complexa. A mulher será superior; rainha e dominadora pela beleza

Nesta época (1850), no Rio de Janeiro 55% eram homens e 42% mulheres, agravando o
mercado matrimonial. Sem dúvida, o casamento era, para o homem, condição principal
para crescer no mercado de trabalho, ganhar respeito e estabelecer uma família, como
forma de integrar-se às condições de mobilidade social.

Em Senhora, 1875, Alencar completa a série “Perfis de Mulher”. Mostra a maturidade


do autor como romancista. G.M. ainda assina a autoria, mas aparece numa nota “Ao
Leitor”, assinada por J. de Al., decifrando o mistério que envolvia a autoria de Lucíola e
Diva.

Na obra, Aurélia é definida como “uma heroína da virtude”, se tornando irmã de Emília
e Lúcia. A narrativa é construída numa linha temporal descontínua. Inicia-se com
Aurélia aos dezoito anos de idade como rainha dos salões; é um astro desconhecido.
Depois de legitimá-la nos salões, como moça rica, o narrador desloca Aurélia no tempo,

UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.3, n.2, p.29-32, 2009.


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mostrando a mediocridade de uma vida pobre, honrada, mesquinha e sem perspectiva;


pertencia, portanto, ao mundo com fronteiras e intransponível. Jamais seria descrita;
primeiro, por ser pobre, não se vestia de forma adequada; segundo, se ela se vestisse
bem, estaria em desacordo com seu mundo.

Após a herança, Aurélia foi a única personagem feminina de Alencar que assumiu o
controle do capital sem a figura do marido.

A obra Iracema, 1865, sexto romance de Alencar, trará o tema mulher segundo a
literatura indianista. Para Alencar somente Iracema será descrita sem os adornos da
civilização e como parte da natureza. Alencar quis mostrar o projeto de nossa identidade
nacional ou de uma pátria brasileira. É um livro de poemas e narrativa, abordando a
questão da sociedade brasileira e o indianismo.

Ao falar de Iracema, o autor conta uma história de amor; seu nome, título da obra,
constitui-se num anagrama da palavra AMÉRICA.

Na relação vertical homem/mulher, amor e casamento são esperados, despersonalizando


a mulher em benefício da identidade masculina. A relação horizontal entre homem e
guerreiros será diferente, pois ambos possuem um só coração e um só Deus, porém
brancos. O discurso de Alencar mostra a distância entre o homem e a mulher, chamando
Martim de cristão e Iracema de índia.

Iracema, anunciada sua morte após o nascimento de seu filho, marcará o futuro
reservado aos selvagens do novo mundo. A índia morrerá para que o branco e seu filho
(Moacir) vivam. Este será cearense e ela, a eterna virgem indiana. Poti, ao morrer, deixa
renascer o herói brasileiro Filipe Camarão.

Diferentemente, no caso dos romances urbanos, além do retrato da vida burguesa na


Corte, as obras revelam um escritor preocupado com o perfil das personagens
femininas, que foi o objeto de estudo desta pesquisa. Alguns são chamados até de
“perfis de mulher”. A presença constante do dinheiro provocou desequilíbrios,
interferindo na vida afetiva das personagens e conduzindo a dois desfechos: a realização
dos ideais românticos ou a desilusão numa sociedade onde ter vale mais do que ser.

Enfim, a imagem de mulher soberana ou submissa é falsa. As personagens parecem


adestradas nas obras de Alencar. Se Lúcia é punida por afastar-se das normas morais
vigentes, Alencar coloca Emília como exemplo das virtudes premiadas.

O autor demonstrou que o romance de herói positivo não é dotado de inteligência


humana; a dialética é essencial à construção dos destinos humanos, e o aprendizado está
ligado ao sofrimento. Mais tarde mostrou figuras mais bem trabalhadas por valores que
ele mesmo canonizava. Assumiu a autoria dos “Perfis de Mulher”, onze anos e treze
livros depois de usar as pseudo-iniciais G.M.

Seus romances mostram as condutas sociais, e seus narradores são pedagógicos. A


literatura didática está amparada no maniqueísmo fechado, construindo um narrador
juiz. Criam-se tramas complexas e personagens contraditórias. Vale ressaltar que, na

UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.3, n.2, p.29-32, 2009.


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época, a literatura era produzida e consumida pela mesma classe social; que tinha acesso
à escola e aos bens culturais.

ABSTRACT

The writer José de Alencar was worried about his female characters’ profile, the
main object of this paper. The presence of money created imbalances interfering
with the emotional life of the characters, leading to two outcomes: the achievement
of romantic ideals or disillusionment in a society where having was more valuable
than being. Alencar´s novels show an inconsistency which is pertaining to
Brazilian nineteenth century’s elite. In the novel Senhora, this is demonstrated by
Aurelia, who cultivated a shame against the corrupting power of money, but did
not abandon the luxury or the service of slaves. Alencar’s urban novels are set in
the Brazilian society of the second half of the nineteenth century in its formation
process, in which the institution of marriage was the basis of the structure of
society; after all, economic and social motivations constituted marriage as a
process of acquisition and/or expansion and consolidation of capital and economic
power.

KEYWORDS: Romanticism. Manichaeism. Society. Divinity.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, José de. A pata da gazela. São Paulo: Átila, s/d.

ALENCAR, José de. Cinco minutos. São Paulo: Ática, s/d.

ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, s/d.

ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: Ática, s/d.

ALENCAR, José de. O guarani. São Paulo: Ática, s/d.

ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, s/d.

ALENCAR, José de. Viuvinha. São Paulo: Ática, s/d.

FURLAN, Silvana Avesani Cavotto. Perfis femininos das personagens de José de


Alencar: uma análise psicológica e social das personagens femininas de suas obras.
2009. 77f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Letras)-Centro
Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson”, Araras, 2009.

RIBEIRO, Luís Filipe. Mulheres de papel: um estudo do imaginário em José de


Alencar e Machado de Assis. Niterói: EDUFF, 1996.

UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.3, n.2, p.29-32, 2009.

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