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No mito de Narciso, o homem mais belo do mundo fica abismado com sua própria

beleza e, consequentemente, sucumbe, pois esquece de alimentar-se. Esse tipo de


comportamento, autocentrado, contribuiu com a formação do termo “narcisista”, o indivíduo que
preocupa-se excessivamente com si e , consequentemente, perde contato profundo sobre o
outro. Nesse sentido, o narcisismo presente no homem contemporâneo demonstra uma
superação da participação política, motivada pelo próprio ato narcisista e pela consolidação do
capitalismo como sistema econômico hegemônico.
A valorização da própria subjetividade contribui com o afastamento da vida pública, visto
que são movimentos opostos e, supervalorizar um implica na aniquilação do outro. A
“despolitização”, segundo Lipovetsky, foi uma consequência do narcisismo emergente após a
década de 1960, com a baixa contestação social e conformismo decorrentes de um
esgotamento do espírito da contracultura. Nesse movimento individualizante, criou-se, na
mentalidade do indivíduo, a ideia de que os problemas da esfera pública da vida são
dispensáveis.
Historicamente, o descaso pela participação política pode ser entendido como efeito da
sobrepujança do sistema econômico capitalista que, sem barreiras significativas, influenciou
uma cultura individualista. Antes da hegemonia capitalista, havia uma competição sobre qual
ideologia seria a dominante: o socialismo, marcado pelo coletivismo e o capitalismo marcado
pelo individualismo. Após vencer essa disputa, o capitalismo firmou-se como hegemônico e
inibiu, portanto, a cultura coletivista. Por esse viés, dificultou-se expressar participação política
com uma cultura que valoriza apenas o indivíduo.
O homem contemporâneo dispensa a participação política, pois essa envolve entender
o conjunto que forma a sociedade. Com uma cultura que dispensa compreender o coletivo,
defende um ideal do indivíduo em primeira instância e busca valorizar a interioridade subjetiva
de cada um, tal participação política também é de pouco valor. O homem contemporâneo é
centrado em si, tal como Narciso era. Deve lembrar de se alimentar, para não morrer como
Narciso.

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