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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em pe-
ríodo integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos
de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto
contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de
material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A
seguir, apresentamos cada seção:

incidência do tema nas principais provas vivenciando

De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreensão
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos temas
o território nacional. para além da superficial memorização de fórmulas ou regras. Para
evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida
a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma
preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações entre
aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato em
teoria seu dia a dia.

Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção


tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas aplicação do conteúdo
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua-
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compilados,
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e comenta-
dos, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difícil com-
preensão torne-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos
do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever, a qualquer
momento, as explicações dadas em sala de aula.
multimídia
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidadosa
seleção de conteúdos multimídia para complementar o repertório
do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreensão, com áreas de conhecimento do Enem
indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. Tudo isso é en-
contrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
temas estudados – há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
sugestões de aplicativos que facilitam os estudos, com conteúdos aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
em uma seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
o conhecimento do nosso aluno. Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resolvê-
conexão entre disciplinas -las com tranquilidade.

Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-


borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos diagrama de ideias
conteúdos de cada área, de cada disciplina.
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los
conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como Bio-
em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aque-
logia e Química, História e Geografia, Biologia e Matemática, entre
les que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio
outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com essa realidade
de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
por meio de explicações que relacionam a aula do dia com aulas
de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizan- Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo
do temas da atualidade. Assim, o aluno consegue entender que da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos
cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz parte de uma principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organiza-
grande engrenagem no mundo em que ele vive. ção dos estudos e até a resolução dos exercícios.

Herlan Fellini

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© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2020
Todos os direitos reservados.

Autores
Lucas Limberti
Murilo Almeida Gonçalves
Pércio Luis Ferreira

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenador-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Imagens
Freepik (https://www.freepik.com)
Shutterstock (https://www.shutterstock.com)

ISBN: 978-65-88825-04-4

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o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à dis-
posição para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos
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SUMÁRIO
ENTRE LETRAS
GRAMÁTICA
Aulas 27 e 28: Colocação pronominal 6
Aulas 29 e 30: Período composto: orações coordenadas e subordinadas adjetivas 8
Aulas 31 e 32: Período composto: orações subordinadas substantivas 12
Aulas 33 e 34: Período composto: orações subordinadas adverbiais 14

ENTRE TEXTOS: INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS


Aula 14: Textos em verso I 18
Aula 15: Textos em verso II 21
Aula 16: Leitura de imagens I: a arte antiga 24
Aula 17: Leitura de imagens II: da arte medieval à arte renascentista 31

LITERATURA
Aulas 27 e 28: Realismo no Brasil 42
Aulas 29 e 30: Naturalismo no Brasil 61
Aulas 31 e 32: Parnasianismo 73
Aulas 33 e 34: Simbolismo 84

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Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora
da identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional.
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público-alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como intimidação, sedução, comoção, chan-
H24
tagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar, pela análise de suas linguagens, as tecnologias de comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem.

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GRAMÁTICA: Incidência do tema nas principais provas

Todos os temas deste livro têm alta incidência Compreender como os pronomes funcionam
no Enem. dentro do período, contribuindo para sustentar
as relações de coordenação e subordinação
dentro dos períodos pode ser um diferencial
ao candidato.

Aborda o uso dos pronomes apresentados Compreender a importância das conjunções Ocorre com certa frequência as funções prono-
neste livro. Além disso, perceber a importância em relação ao estudo dos períodos simples e minais dentro de orações e períodos. Assim,
das relações de coordenação e subordinação compostos coordenados e subordinados será o conteúdo deste livro aborda os elementos
dentro dos períodos será um diferencial para a chave para o bom desempenho. que constituem o período e as relações de
questões que envolvam textos, literários coordenação e subordinação.
ou não.

A resolução dos exercícios exige conheci- Além de saber reconhecer as regras da colo- Aborda os sentidos possíveis decorrentes A objetividade de que se compõe dá margem
mentos sobre a especificidade de cada classe cação pronominal, o candidato deverá reunir das relações de subordinação e coordena- para questões bastante diretas sobre os
gramatical. É relevante, então, saber reconhe- a maior quantidade de conhecimento sobre ção. Compreender como essas relações se usos dos pronomes e os efeitos de sentido
cer como as próclises e ênclises atuam, bem as construções sintáticas de coordenação e constituem e por meio de quais termos elas decorrentes das relações dentro do período
como as conjunções para efeitos distintos de subordinação. se estabelecem será de grande ajuda ao composto.
sentido dentro de um período. candidato.

UFMG

Frequentemente apresenta textos configura- A relação entre linguagens verbal e não É comum questões que se atentem aos
dos por linguagens verbal e não verbal. Assim, verbal é uma constante neste vestibular. elementos sintáticos de que um texto se vale
compreender como os pronomes e as relações Propagandas e charges, então, acabam para a sua composição. Portanto, convém
dentro do período produzem determina- sendo fonte para questões. Reescrever frases estar seguro sobre o uso correto dos termos
dos efeitos de sentido será essencial ao pode ser comum, para tanto, saber utilizar que compõem os períodos compostos.
candidato. corretamente os pronomes será
um diferencial.

O uso dos pronomes pode aparecer em A abordagem deste vestibular ampara-se na Bastante direto, apresenta muitas questões a
questões de aplicação direta, por isso, atenção aos diferentes usos das conjunções, respeito de conhecimentos sobre a colocação
compreender as funções e regras de ênclise de modo a construir efeitos de sentido dentro pronominal. É comum, também, que questões
e próclise será muito importante. Ademais, de um período composto. Ademais, entender o ligadas aos efeitos de sentido advindos das
este caderno traz estudos sobre os períodos uso dos pronomes trabalhados neste caderno relações de subordinação apareçam.
simples e compostos. poderá ser de grande ajuda.

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AULAS COLOCAÇÃO PRONOMINAL
27 E 28
COMPETÊNCIAS: 1e8 HABILIDADES: 1 e 27

1. SINTAXE DE COLOCAÇÃO Quem te chamou até aqui? (pronome interrogativo)


Por que o convidaram? (advérbio interrogativo)
A colocação de pronomes oblíquos átonos em português
pode ser realizada em três posições, obedecendo a regras e) Com gerúndio precedido de preposição “em”.
e condições específicas. Essas três posições são a próclise, Exemplo:
a mesóclise e a ênclise.
Em se tratando de pesquisas, melhor utilizar a biblioteca.

1.1. Próclise f) Nas orações introduzidas por pronomes relativos.

Temos próclise quando o pronome surge antes do verbo. Exemplos:


Suas condições de colocação são: Foi aquele rapaz quem me pediu para falar com você.
a) Nas orações que contenham uma palavra ou expressão Há situações que nos constrangem.
de valor negativo.
Essa foi a festa onde te conheci.
Exemplos:
g) Com a palavra “só” (no sentido de “apenas” ou “so-
Ninguém me ajuda. mente”) e com as conjunções coordenativas alternativas.
Não me fale de problemas hoje. Exemplos:
Nunca se esqueça do que lhe disse Só se lembram dos pais quando precisam de dinheiro.
b) Nas conjunções subordinativas: Ou vai embora, ou se prepare para a bronca.
Exemplos: h) Nas orações iniciadas por palavras exclamativas e nas
Voltarei a fazer contato se me interessar. optativas (que exprimem desejo).

Ela não quis jantar, embora lhe servissem o me- Exemplos:


lhor prato. Deus o ilumine! (oração optativa)
É necessário que o vendamos por um bom preço. Como te admiro! (oração exclamativa)
c) Nas orações em que existam pronomes indefinidos ou
advérbios, sem marcas de pausa. 1.2. Mesóclise
Exemplos: Temos mesóclise quando o verbo estiver em algum dos tem-
pos futuros do indicativo (futuro do presente ou futuro do
Tudo me irrita nessa cidade. (pronome indefinido)
pretérito), desde que não existam condições para a próclise.
Hoje se vive melhor no Brasil. (advérbio) O pronome é colocado no meio do verbo.
Observação: caso tenhamos marcas de pausa depois do Exemplos:
advérbio, emprega-se ênclise.
Comprar-lhe-ei umas roupas novas. (comprarei + lhe)
Exemplo:
Encontrar-me-iam se realmente quisessem. (en-
Hoje, vive-se melhor no Brasil. (advérbio) contrar + me)
d) Nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios de Observações:
tipo interrogativo.
a) Havendo condições para a próclise, esta prevalece sobre
Exemplos: a mesóclise:

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Exemplo c) Nas orações reduzidas de infinitivo.
Sempre lhe contarei os meus segredos. (O advér- Exemplos:
bio “sempre” exige o uso de próclise.)
Convém dar-lhe um pouco mais de tempo.
b) A mesóclise é uso exclusivo da língua culta e da moda-
Espero enviar-lhe isto até amanhã cedo.
lidade literária. Não a encontramos na comunicação oral
mais básica. d) Nas orações reduzidas de gerúndio (desde que não ve-
nham precedidas de preposição “em”).
c) Com esses tempos verbais (futuro do presente e futuro
do pretérito) jamais ocorrerá a ênclise. Exemplos:
A mãe adotiva ajudou a criança, dando-lhe cari-
1.3. Ênclise nho e proteção.
Temos ênclise quando o pronome surge depois do verbo. Ele se desesperou, deixando-se levar pela situação.
Seu emprego obedece às seguintes regras: Observação: Se o verbo não estiver no início da frase, nem
a) Nos períodos iniciados por verbos (desde que não este- conjugado nos tempos Futuro do Presente ou Futuro do
jam no tempo futuro), pois, segundo a gramática normati- Pretérito, é possível usar tanto a próclise como a ênclise.
va, não podemos iniciar frases com pronome oblíquo. Exemplos:
Exemplos: Eu me encontrei com ela.
Fale-me o que está acontecendo. Eu encontrei-me com ela.
Compravam-se muitos produtos antes da crise.
b) Nas orações imperativas afirmativas.
Exemplos:
Ligue para seu primo e avise-o do horário
Ei, ajude-me com essa receita!

DIAGRAMA DE IDEIAS

SINTAXE DE
COLOCAÇÃO

PRÓCLISE MESÓCLISE ÊNCLISE

PRONOME OBLÍQUO PRONOME OBLÍQUO PRONOME OBLÍQUO É


ANTECEDE O VERBO. É COLOCADO NO IN- COLOCADO APÓS O VERBO.
Não me desrespeite! TERIOR DO VERBO. Deixe-me em paz!
Far-me-ia um favor?

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AULAS PERÍODO COMPOSTO: ORAÇÕES
29 E 30 COORDENADAS E SUBORDINADAS ADJETIVAS

COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 HABILIDADES: 1, 18 e 27

1. NOÇÕES PRELIMINARES De acordo com o modo como as orações se unem, as coor-


denadas podem ser divididas em:
1. Oração é um enunciado linguístico que apresenta uma a) sindéticas: ligadas por conjunção coordenativa.
estrutura caracterizada pela presença de um verbo.
b) assindéticas: que não são introduzidas / conectadas
2. Chama-se período composto aquele que apresenta por conjunção.
mais de um verbo dentro do mesmo conjunto de enun-
ciação. Se se tratar de período simples, há apenas um úni- Desse último exemplo apresentado (“Abriu a porta, en-
co verbo dentro do período, sinalizado pelo ponto final. trou em casa e acendeu as luzes”), a conexão entre as
duas primeiras orações não apresenta conjunção (co-
Exemplos:
nexão por vírgula). São, portanto, consideradas assin-
Falou com a menina hoje cedo. (estrutura com déticas. A última é conectada a anterior por meio da
apenas um único verbo à qual se dá o nome de conjunção “e”. Portanto, será chamada de sindética
oração absoluta.) (de tipo aditiva).
Falou com a menina hoje cedo e percebeu que
ela estava nervosa. (nessa estrutura, há mais de 1.1. Orações coordenadas assindéticas
um verbo no mesmo período; a ela se dá o nome
Como se viu, são orações não introduzidas por conjunção.
de período composto.)
São coordenadas, postas lado a lado e separadas por
Orações COORDENADAS são colocadas lado a lado na sinais de pontuação.
frase, não desempenham qualquer função sintática
Exemplos:
como termo de outra oração. Encontram-se, portanto,
no mesmo nível sintático. Vim, vi, venci.
Exemplo: Esquece isso. Vamos dar uma volta.
Abriu a porta, entrou em casa e acendeu as
luzes.
As três orações apresentadas têm todos os termos neces-
sários e poderiam vir de forma absoluta (com um único
verbo por oração):
a) Abriu a porta.
b) Entrou em casa.
c) Acendeu as luzes.
Dessa forma, diz-se que as orações são independentes,
uma vez que, postas apenas lado a lado, não exercem função
sintática uma em relação à outra, ou seja, são sintaticamente multimídia: vídeo
equivalentes. Há entre elas uma relação de sentido, mas sob
o ponto de vista sintático, uma não depende da outra. FONTE: YOUTUBE

A conexão entre as duas primeiras é feita exclusivamente Quadrilha


por uma pausa, representada, na escrita, por uma vírgula. Carlos Drumond de Andrade
Entre a segunda e a terceira, essa conexão é feita pelo uso Homenagem ao autor feita pela Flip Zone.
da conjunção “e”.

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1.2. Orações coordenadas sindéticas Ora mostra-se alegre, ora expressa tristeza profunda.
Estarei lá, quer você aceite, quer não.
Conforme o tipo de conjunção que as introduz, as orações
coordenadas sindéticas podem ser aditivas, adversati- Atenção: nesse último exemplo, a segunda oração fica su-
vas, alternativas, conclusivas ou explicativas. bentendida, para evitar a redundância do mesmo verbo.)
a) As aditivas expressam ideia de adição, de acréscimo. d) As conclusivas exprimem conclusão ou consequên-
Regularmente indicam fatos, acontecimentos ou pensa- cia referentes à oração anterior. As conjunções típicas são:
mentos dispostos em sequência. As conjunções coorde- logo, portanto e pois (posposto ao verbo). Usa-se ainda:
nativas aditivas típicas são e e nem (e + não). então, assim, por isso, por conseguinte, de modo que, em
vista disso etc.
Exemplos:
Exemplos:
Viajaram e trouxeram muitas fotos de lembrança.
Tenho prova amanhã, portanto não posso ir ao show.
Não trouxeram presentes nem fotos da última viagem.
A situação econômica é delicada; devemos, pois, agir
Observação: As orações sindéticas aditivas podem tam- com cautela.
bém estar ligadas pelas locuções “não só... mas (tam-
bém)”; “tanto... como” e semelhantes. Essas estruturas O time jogou bem, por isso foi vencedor.
costumam ser usadas quando se pretende enfatizar o Aquela substância é toxica, logo deve ser manuseada
conteúdo da segunda oração. Ele não só canta, mas com cuidado.
também (ou como também) interpreta muito bem.
Ela sabe tanto matemática como português. e) As explicativas Indicam uma justificativa ou uma ex-
plicação referente ao fato expresso na declaração anterior.
b) As adversativas exprimem fatos ou conceitos que se As conjunções que merecem destaque são: que, porque e
opõem ao que se declara na oração coordenada anterior, pois (obrigatoriamente anteposto ao verbo).
estabelecendo entre elas contraste ou compensação. Mas Exemplos:
é a conjunção adversativa típica. Além dela, empregam-se:
porém, contudo, todavia, entretanto e as locuções no en- Vá com cuidado, que o caminho é perigoso.
tanto, não obstante, nada obstante. Mudou de emprego, porque estava farto da rotina.
Exemplos: Ligue para ela, pois hoje é o seu aniversário.
Eles embarcariam para a Europa dentro de uma
hora, mas perderam o voo. 1.3. Orações subordinadas adjetivas
O cachorro não é bonito; no entanto, é simpático. Uma oração subordinada adjetiva tem valor e função de ad-
jetivo, ou seja, equivale a essa classe de palavras. As orações
O problema é grave; contudo, há solução. adjetivas vêm introduzidas por pronome relativo e exercem a
função de adjunto adnominal do antecedente.
Importante Exemplo:
Dependendo do contexto em que for empregada, Este é o livro que te indiquei como referência.
a conjunção e pode indicar ideia de adversidade.
Compraram vários presentes e perceberam depois A conexão entre a oração subordinada adjetiva e o termo
que não caberiam nas malas. Deitou-se cedo e não da oração principal que ela modifica é feita pelo pronome
conseguiu dormir. relativo “que”.

c) As alternativas expressam ideia de alternância de Importante


fatos ou escolha. Regularmente é usada a conjunção ou. Para que dois períodos unam-se num período com-
Além dela, empregam-se também os pares: ora... ora; já... posto, altera-se o modo verbal da segunda oração,
já; quer... quer; seja... seja etc. se necessário.

Exemplos: Dica: O pronome relativo “que” sempre pode ser


substituído por: o qual, a qual, os quais,as quais. Refi-
Diga agora ou cale-se para sempre.
ro-me ao livro que é referência. Essa oração é equiva-
Atenção: apenas a segunda é sindética, mas ambas são lente a: Refiro-me ao livro o qual é referência.
alternativas, dada a ideia de escolha.)

9
1.3.1. Classificação das orações
subordinadas adjetivas
Na relação que estabelecem com o termo que caracterizam,
as orações subordinadas adjetivas podem atuar de duas
maneiras diferentes. Há as que restringem ou especificam o
sentido do termo a que se referem, individualizando-o. Nes-
sas orações, não há marcação de pausa; são as chamadas
orações subordinadas adjetivas restritivas. multimídia: música
Há também as orações que realçam um detalhe ou am-
plificam dados sobre o antecedente, já suficientemente Águas de março (Tom Jobim)
definido; são as denominadas orações subordinadas É pau, é pedra, é o fim do caminho
adjetivas explicativas. É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
Exemplo: É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
O homem que trabalha é útil à sociedade. É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
A ausência de vírgula restringe o sentido da palavra homem, É madeira de vento, tombo da ribanceira
designando um tipo de homem entre vários. É o mistério profundo, é o queira ou não queira

Trata-se de oração subordinada restritiva que apresenta va- É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
lor sintático de adjunto adnominal, uma vez que qualifica
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
o termo anterior. Das águas de março, é o fim da canseira
Exemplo: É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
O homem, que trabalha, é útil à sociedade. É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
A presença de vírgula amplia o sentido da palavra homem,
É o fundo do poço, é o fim do caminho
que pode ser entendida como todo homem.
No rosto, o desgosto, é um pouco sozinho
Trata-se de oração subordinada explicativa, pois acrescen- É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
ta uma informação acessória; desempenha também valor É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
sintático de adjunto adnominal, uma vez que qualifica o É a luz da manhã, é o tijolo chegando
termo anterior. É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
Observação: A oração subordinada adjetiva explicativa é
separada da oração principal por uma pausa, que, na es- É o projeto da casa, é o corpo na cama
crita, é representada pela vírgula. É comum, por isso, que É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
a pontuação seja indicada como forma de diferenciar as É um resto de mato, na luz da manhã
orações explicativas das restritivas. De fato, as explicativas São as águas de março fechando o verão
vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não. É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Au, edra, im, minho
Esto, oco, ouco, inho
Aco, idro, ida, ol, oite, orte, aço, zol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

10
DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES ORAÇÕES
COORDENADAS ADJETIVAS

SINDÉTICAS ASSINDÉTICAS EXPLICATIVAS RESTRITIVAS

COM CONJUNÇÕES SEM CONJUNÇÕES COM VÍRGULAS OBRIGATÓRIAS SEM VÍRGULAS


Eles desceram do carro porque Chegamos na praia, A professora, que é uma Ele é um dos poucos di-
o trânsito estava parado. nadamos, comemos. das mais novas da escola, retores que é admirado
é adorada pelos alunos. pelos funcionários.

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AULAS PERÍODO COMPOSTO: ORAÇÕES
31 E 32 SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS

COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 HABILIDADES: 1, 18 e 27

1. ORAÇÕES SUBORDINADAS 1.1. Classificação das orações


subordinadas substantivas
SUBSTANTIVAS
De acordo com a função que exerce no período, a oração
A oração subordinada substantiva trata-se de uma construção subordinada substantiva pode ser:
com verbo que possui valor de substantivo (esta oração fica
a) subjetiva: exerce a função sintática de sujeito do verbo
posicionada onde, habitualmente, deveria haver um substanti-
da oração principal:
vo) e vem introduzida, geralmente, pelas conjunções integran-
tes que ou se. Sintaticamente, podem exercer a função de: Exemplo:
ƒ sujeito É importante que investiguemos o caso.
ƒ objeto direto ƒ Oração principal: É importante
ƒ objeto indireto
ƒ Oração subordinada: que investiguemos o caso.
ƒ complemento nominal
(sintaticamente exerce função de sujeito da oração
ƒ predicativo do sujeito
principal).
ƒ aposto

Atenção
É importante, nesse momento, que sejam recuperados
os conceitos de identificação de conjunções integran-
tes anteriormente aprendidos. Lembremos que, para
localizarmos uma conjunção integrante, devemos
substituir os elementos “que” ou “se” pelo pronome
demonstrativo “isso”. A função que couber ao prono-
me indicará a função exercida pela oração.
multimídia: música
Exemplos: Eu sei que vou te amar
É importante que chegue cedo ao atendimento. (Tom Jobim)
Substituindo a oração subordinada em destaque pelo Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
pronome “isso”, temos:
Em cada despedida eu vou te amar
É importante isso (ou, na ordem direta: Isso é impor- Desesperadamente, eu sei que vou te amar
tante). Percebemos então que a função sintática do
E cada verso meu será
pronome “isso” na construção é de sujeito. Vejamos Pra te dizer que eu sei que vou te amar
outro exemplo: Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
Não sei se entregaremos a encomenda hoje.
A cada ausência tua eu vou chorar
Substituindo a oração subordinada em destaque pelo Mas cada volta tua há de apagar
pronome “isso”, temos: O que esta ausência tua me causou

Suponho isso (o pronome “isso” completa o sentido do Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
verbo “supor”). Percebemos então que a função sintáti- A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
ca do pronome “isso” na construção é de objeto direto.

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b) objetiva direta: exerce a função de objeto direto do
verbo da oração principal: Importante
Exemplo: Não podemos esquecer que as orações subordinadas
Eu percebo que ficarei com bastante sono hoje. substantivas objetivas indiretas integram o sentido de
um verbo, enquanto as orações subordinadas subs-
ƒ Oração principal: Eu percebo tantivas completivas nominais integram o sentido de
ƒ Oração subordinada: que ficarei com bastante sono um nome. Para distinguir uma da outra, é necessário
levar em conta o termo complementado.
hoje (sintaticamente exerce função de objeto direto da
oração principal).
e) predicativa: exerce o papel de predicativo do sujeito do
c) objetiva indireta: exerce a função de objeto indireto
verbo da oração principal e vem sempre depois do verbo “ser”.
do verbo da oração principal (a conjunção integrante vem
precedida de preposição). Exemplo:
Exemplo: O grande mal é que me esqueço das coisas.
Tudo depende de que ela se esforce. ƒ Oração principal: O grande mal é
ƒ Oração principal: Tudo depende ƒ Oração subordinada: que me esqueço das coisas.
(sintaticamente exerce função de predicativo da oração
ƒ Oração subordinada: de que ela se esforce. (sinta-
principal.)
ticamente exerce função de objeto indireto da oração
principal.) f) apositiva: exerce a função de aposto de algum termo
da oração principal.
d) completiva nominal: exerce a função de comple-
mento nominal (complementa o sentido de um nome que Exemplo:
pertença à oração principal; também vem marcada por Eu espero a seguinte solução: que religuem a
preposição). energia elétrica em casa.
Exemplo: ƒ Oração principal: Eu espero a seguinte solução
Sou favorável a que o absolvam. ƒ Oração subordinada: que religuem a energia elétri-
ƒ Oração principal: Sou favorável ca da casa. (sintaticamente exerce função de aposto da
oração principal).
ƒ Oração subordinada: a que o absolvam. (sintati-
camente exerce função de complemento nominal da Atenção: a oração subordinada substantiva apositiva é
oração principal.) a única que pode prescindir da conjunção integrante. Isso
ocorre por conta de os que a acompanham funcionarem,
também, como elemento integrante.

DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES
SUBSTANTIVAS

POSSUEM VALOR DE SUBSTANTIVO


SÃO INTRODUZIDAS POR CONJUNÇÃO INTEGRANTE
Eu desejo que eles sejam felizes.
ORAÇÃO SUBSTANTIVA OBJETIVA DIRETA

13
AULAS PERÍODO COMPOSTO: ORAÇÕES
33 E 34 SUBORDINADAS ADVERBIAIS

COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 HABILIDADES: 1, 18 e 27

1. ORAÇÕES SUBORDINADAS ƒ Oração subordinada: que comeu com casca e tudo


(assume valor de adjunto adverbial de consequência,
ADVERBIAIS uma vez que declara o efeito na oração principal.)
c) condição
Uma oração subordinada adverbial exerce a função de ad-
junto adverbial do verbo da oração principal. Dessa forma, Exemplo:
pode exprimir circunstância de tempo, modo, fim, causa, Se o torneio for bem estruturado, todos
condição, etc. Classifica-se de acordo com a conjunção ou sairão ganhando.
locução conjuntiva que a introduz.
ƒ Oração principal: todos sairão ganhando.
Exemplo:
ƒ Oração subordinada: Se o torneio for bem estrutura-
Quando vi a pintura do artista, senti uma das maio- do (assume valor de adjunto adverbial de condição, uma
res emoções de minha vida. vez que a oração subordinada impõe-se como necessária
A primeira oração, “Quando vi a pintura do artista”, atua para a realização ou não de um fato sobre a principal.)
como um adjunto adverbial de tempo, que modifica a for- d) concessão
ma verbal “senti”.
Exemplo:
Trata-se de uma oração subordinada adverbial temporal,
Embora não goste de cogumelos, irei provar
uma vez que indica uma circunstância temporal acrescida
o prato.
ao verbo da segunda oração. É importante lembrar que a
classificação das orações subordinadas adverbiais é feita do ƒ Oração principal: irei provar o prato
mesmo modo que a classificação dos adjuntos adverbiais (e ƒ Oração subordinada: Embora não goste de cogu-
no sentido das conjunções que introduzem a oração). melos (assume valor de adjunto adverbial de conces-
A seguir, temos as circunstâncias expressas pelas orações são, uma vez que admite uma ideia de cessão a algum
subordinadas adverbiais: fato, ou mesmo anormalidade em relação a esse fato).

a) causa e) comparação

Exemplo: Exemplo:

Como ninguém se interessou pelo projeto, não Andava rápido como um foguete.
houve alternativa a não ser cancelá-lo. ƒ Oração principal: Andava rápido
ƒ Oração principal: não houve alternativa a não ser ƒ Oração subordinada: como um foguete (assume va-
cancelá-lo. lor de adjunto adverbial de comparação, uma vez que
ƒ Oração subordinada: Como ninguém se interessou estabelece uma comparação com a ação indicada pelo
pelo projeto (assume valor de adjunto adverbial de cau- verbo da oração principal).
sa, uma vez que provoca um determinado fato, ao mo- f) conformidade
tivo do que se declara na oração principal.)
Exemplo:
b) consequência
Fez o bolo conforme a receita.
Exemplo:
ƒ Oração principal: Fez o bolo
Sua fome era tanta que comeu com casca e tudo.
ƒ Oração subordinada: conforme a receita (assume va-
ƒ Oração principal: Sua fome era tanta lor de adjunto adverbial de conformidade, pois exprime

14
uma regra, um modelo adotado para a execução do que que acrescenta uma ideia de tempo ao fato expresso
se declara na oração principal). na oração principal, podendo exprimir noções de simul-
taneidade, anterioridade ou posterioridade).
g) finalidade
Exemplo:
Li o manual a fim de aprender mais sobre como Importante
usar o produto. Não confundir as orações coordenadas explicativas
ƒ Oração principal: Li o manual com as subordinadas adverbiais causais. As ora-
ções coordenadas explicativas caracterizam-se por
ƒ Oração subordinada: a fim de aprender mais sobre
fornecer um motivo que explica a oração anterior.
como usar o produto (assume valor de adjunto adver-
bial final, pois expressa a intenção, a finalidade daquilo Exemplo:
que se declara na oração principal). A criança devia estar doente, porque
h) proporção chorava muito.
(o choro da criança poderia não
Exemplo:
ser a causa de sua doença.)
Viaja ao exterior à medida que a empresa soli-
As orações subordinadas adverbiais causais expri-
cita seu trabalho.
mem a causa do fato.
ƒ Oração principal: Viaja ao exterior
Exemplo:
ƒ Oração subordinada: à medida que a empresa so-
Ele está triste porque perdeu seu
licita seu trabalho (assume valor de adjunto adverbial
emprego.
proporcional, pois exprime ideia de proporção, ou seja,
(a perda do emprego é a cau-
um fato simultâneo ao expresso na oração principal).
sa da tristeza dele.)
i) tempo
ƒ Observe também que há pausa – vírgula, na escrita
Exemplo: – entre a oração explicativa e a precedente e que ele
trabalha com sistemas imperativos (verbos no impe-
Quando você for a Londres, traga-me um presente.
rativo) ou hipotéticos (marcadores de dúvida como
ƒ Oração principal: traga-me um presente. “talvez”, verbo “dever”).
ƒ Oração subordinada: Quando você for a Londres
(assume valor de adjunto adverbial temporal, uma vez

DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES
ADVERBIAIS

POSSUEM VALOR DE ADVÉRBIO


SÃO INTRODUZIDAS POR CONJUNÇÃO SUBORDINATIVAS
A questão era tão difícil que ele não conseguiu resolver.
ORAÇÃO ADVERBIAL CONSECUTIVA

15
ENTRE TEXTOS – INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS:
Incidência do tema nas principais provas

O Enem é conhecido por ser essencialmente A interpretação de textos acontece de forma


interpretativo. Os temas presentes neste livro mais prática, muitas vezes ligada aos textos lite-
servirão, portanto, como conhecimento crucial às rários. Por isso, este livro traz aulas sobre como
resoluções das questões. realizar a interpretação de textos em versos.

Por ser um vestibular crítico, a ideia de inter- Boa parte das questões da frente de linguagem A prova conduz a interpretação de textos em
pretação acontece, sobretudo, pela habilidade diz respeito à interpretação. Reconhecer textos não paralelo aos textos literários, majoritariamente.
compreensiva do candidato. Interpretar textos em verbais e ser capaz de amplificar os seus diálogos Compreender e interpretar corretamente
versos poderá ser uma ferramenta eficaz no trato com as áreas artísticas será uma habilidade útil. textos em versos será um diferencial.
com os textos literários.

Dentre as habilidades pedagógicas, a prova A interpretação de textos pode ser a chave É uma prova de conceitos. A interpretação de De forma geral, a prova equilibra bem as frentes
costuma trabalhar, em suas questões, a aplica- para um bom resultado. Saber ler um texto em textos ocorre de maneira direcionada, por isso, da área de Português, de modo que as questões
ção. Assim, relacionar rapidamente textos não verso será de grande ajuda. saber reconhecer, de forma rápida e eficaz, os de interpretação se tornam bastante direciona-
verbais a elementos artísticos pode ser uma elementos artísticos de um texto não verbal será das. Conhecer os conceitos por trás da produção
forma de avaliar a capacidade interpretativa uma ferramenta extra. dos textos em versos ajudará o candidato a
do aluno. interpretá-los.

UFMG

A prova alinha a interpretação de textos às obras A habilidade interpretativa trabalha com O exame é objetivo e exige uma capacidade
literárias que costuma exigir na sua lista obri- questões que exigirão do candidato uma leitura leitora fundamental, que demonstre aptidão em
gatória. Por isso, este livro traz duas aulas sobre cuidadosa. Desse modo, compreender que textos reconhecer, em textos não verbais, os elementos
como interpretar textos em versos, para que o em verso têm suas peculiaridades, bem como os artísticos que os compõem. Saber estruturar um
candidato possa dominar todo e qualquer tipo textos não verbais, será um diferencial. texto em verso pode ser um diferencial na hora
de texto literário. de resolver as questões.

De caráter mais material, trabalha com Perceber que essa frente se alinha às frentes A interpretação de textos é a chave para resolu-
questões interpretativas que exigem um de Gramática e Literatura é um excelente pri- ção da grande maioria das questões da prova.
senso crítico apurado. Por isso, seja diante do meiro passo. Por isso, compreender os recursos Manter-se alerta para questões que trabalhem
texto em verso ou do texto não verbal, ter artísticos dos textos não verbais e em versos com textos em versos será muito importante.
em mãos as ferramentas necessárias para a será de grande ajuda ao candidato.
interpretação será um primeiro
passo essencial.

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AULA TEXTOS EM VERSO I
14
COMPETÊNCIA: 5 HABILIDADES: 15, 16 e 17

1. TEXTOS EM VERSO Nos bancos da Praça conversas acesas,


apertos, beijocas, talvezes.
Muitos vestibulares, atualmente, fazem uso dos gêneros lite- D. Pedro II espia do alto.
rários para construir questões de interpretação de textos. Ou (As barbas tão alvas
seja, as questões não abordam necessariamente um conhe- tão alvas nem sei!)
cimento profundo sobre a obra (seu enredo), mas exigem do
candidato um trabalho mais acurado com as questões es- E os pares passeiam,
truturais e também com a compreensão do conteúdo de al- parece que dançam,
gum poema ou trecho de livro. Nessa primeira aula, daremos que dançam ciranda,
ênfase às características dos textos em verso (os poemas). em torno do Rei.
(JORGE DE LIMA. POEMAS NEGROS. COSAC NAIFY, PÁGINA 41, 2014).
1.1. O poema ƒ Verso: entende-se por verso uma sucessão ou sequência
O poema é um gênero textual de cunho bastante subjeti- de sílabas que mantém determinada unidade rítmica
vo, que se constrói não apenas com ideias ou sentimentos, e melódica em um poema, correspondendo, habitual-
mas que articula combinações de palavras que, na maioria mente, a uma linha do poema. No poema apresentado,
dos casos, constituem sentidos variados. Essas combina- cada linha do poema corresponde a 1(um) verso, então
ções de palavras costumam ser distribuídas em um “cor- temos um total de 21 versos.
po” bastante complexo, dotado de vários elementos que
ƒ Estrofe: entende-se por estrofe um agrupamento de
conheceremos mais adiante, como o verso, a estrofe (ele-
versos realizado pelo autor do poema. Os agrupamentos
mentos estruturais), a rima, o ritmo (elementos sonoros),
podem variar bastante, de acordo com a forma do poe-
entre outros. O jogo de palavras realizado nos poemas (de
ma (forma fixa ou forma livre). Por exemplo, no poema
fortes marcas conotativas), muitas vezes, imprime dificul-
de Jorge de Lima que foi apresentado, opta-se por uma
dades de interpretação. Vejamos os elementos do poema:
forma mais livre, com agrupamentos variados. Temos na
a) O verso e a estrofe abertura duas estrofes de 3 versos (conhecidas como
tercetos), seguidas por uma de 6 versos (sexteto). Em se-
Para entendermos com mais precisão o que são esses dois
guida, temos um agrupamento com 2 versos (chamado
elementos, vejamos o poema a seguir, do escritor Jorge Lima:
dístico), seguido de outro de 3 (mais um terceto). O po-
Retreta do Vinte ema é finalizado com um grupo de 4 versos (quarteto).
O cabo mulato balança a batuta, 1.1.1. Formas fixas
meneia a cabeça, acorda com a vista
São conhecidos como formas fixas aqueles poemas que
os bombos, as caixas, os baixos e as trompas.
apresentam um padrão predeterminado em sua constru-
(No centro da Praça o busto de D. Pedro escuta.) ção. Existem vários tipos de forma fixa, como o vilancete
Batuta pra esquerda: relincham clarins, (um terceto mais dois outros tipos de estrofe à escolha
requintas, tintins e as vozes meninas da banda do 20. do poeta), o haicai (poema de origem japonesa que se
constrói com três versos e um número predeterminado
Batuta à direita: de novo os trombones de sílabas) ou as redondilhas (formas fixas de 5 ou 7
e as trompas soluçam. E os bombos e as caixas: ban-ban! versos). A mais tradicional dessas formas é o soneto. Ele
Vêm logo operários, meninas, cafuzas, possui uma forma estruturada a partir do agrupamento
mulatos, portugas, vem tudo pra ali. de duas estrofes de 4 versos (dois quartetos) e outras
Vem tudo, parecem formigas de asas duas de 3 versos (dois tercetos), totalizando 14 versos.
Rodando, rodando em torno da luz. Em sua composição, costuma ser desenvolvida uma ideia

18
ou discussão que perpassa os 13 primeiros versos e en- Pode-se notar que o primeiro verso que escolhemos é um
contra sua resolução/fecho no último verso. Vejamos um decassílabo perfeito. A contagem, como dito, deve ser en-
exemplo de soneto, de Carlos Drummond de Andrade: cerrada na última sílaba tônica da última palavra do verso (a
palavra “futuro” é paroxítona; sua tônica é a sílaba “-tu”).
Oficina Irritada
Já no segundo verso encontramos outra regra que deve ser
Eu quero compor um soneto duro obedecida (sublinhada no verso): a junção da vogal final de
como poeta algum ousara escrever. uma palavra com a vogal inicial de outra (des-per-te em).
Eu quero pintar um soneto escuro, Também é um verso decassílabo. De acordo com a variabili-
seco, abafado, difícil de ler. dade de sílabas poéticas, as estrofes terão nomes diferentes:

Quero que meu soneto, no futuro, ƒ 5 sílabas poéticas: pentassílabo ou redondilha menor
não desperte em ninguém nenhum prazer. ƒ 6 sílabas poéticas: hexassílabo
E que, no seu maligno ar imaturo,
ƒ 7 sílabas poéticas: heptassílabo ou redondilha maior
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
ƒ 8 sílabas poéticas: octossílabo
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer, ƒ 9 sílabas poéticas: eneassílabo
tendão de Vênus sob o pedicuro. ƒ 10 sílabas poéticas: decassílabo
Ninguém o lembrará: tiro no muro, ƒ 11 sílabas poéticas: endecassílabo
cão mijando no caos, enquanto Arcturo, ƒ 12 sílabas poéticas: dodecassílabos ou alexandrinos
claro enigma, se deixa surpreender.
O processo de contagem e separação de sílabas poéticas re-
Temos aí um soneto de estilo clássico, que além de apresen- cebe o nome de escansão.
tar o agrupamento de estrofes que comentamos (dois quar-
tetos e dois tercetos), apresenta elementos de métrica e rima 2.2. Ritmo
bastante determinados. Aliás, é importante nesse momento
O ritmo corresponde a uma “melodia” que se cria no cor-
conhecermos um pouco melhor esses outros elementos.
po do poema por conta da acentuação de certas sílabas
que há nos versos. Usando novamente os versos acima
2. ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO POEMA apresentados, podemos perceber que há um conjunto de
sílabas mais fortes nas mesmas posições de cada verso (no
caso, a segunda, a sexta e a décima são as mais fortes).
2.1. Métrica Esse padrão cria um ritmo que dá certa musicalidade ao
A métrica é a medida dos versos, ou, em termos mais cla- poema, quando este é recitado.
ros, a quantidade de sílabas de cada linha que compõe o
poema. No entanto, a contagem de sílabas poéticas Que/ ro/ que/ meu/ so/ ne/ to,/ no/ fu/ tu/ ro,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
segue um padrão diferente da separação de síla-
bas tradicional. Na contagem de sílabas poéticas deve- não/ des/ per/ te em/nin/ guém/ ne,/ nhum/ pra/zer
mos proceder da seguinte maneira: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

ƒ Contam-se as sílabas como numa separação silábica ha-


bitual, mas realizando a junção da vogal final + vogal 2.3. Rima
inicial de palavras que estão em fronteira de sílaba (des-
de que, pelo menos uma delas seja átona). A rima é um recurso sonoro que também atribui musicali-
dade ao poema. Constrói-se a partir da semelhança sonora
ƒ A contagem deve ser encerrada na última sílaba tônica de palavras no final de versos. Novamente:
da palavra que encerra o verso.
Eu quero compor um soneto duro
Vejamos um exemplo com os dois primeiros versos da segunda como poeta algum ousara escrever.
estrofe do poema de Carlos Drummond que foi apresentado: Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Que/ ro/ que/ meu/ so/ ne/ to,/ no/ fu/ tu/ ro,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
não/ des/ per/ te em/nin/ guém/ ne,/ nhum/ pra/zer E que, no seu maligno ar imaturo,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

19
Destacamos o sistema de rimas do poema de Drummond.
Fica evidente que é um esquema de rimas em que os ver-
sos se alternam “-uro” e “-er”. Essa sequência de versos
alternados também garante musicalidade ao poema.

3. VERSOS BRANCOS
São chamados de versos brancos aqueles quem sistema mé-
trico organizado, mas não apresentam nenhum tipo de rima.
Exemplo
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - ELEFANTE (FRAGMENTO)

Se fizermos a escansão dos versos que compõem esse po-


ema de Carlos Drummond de Andrade, veremos que todos
– sem exceção – apresentam 6 sílabas poéticas (são he-
xassílabos). Também é possível notar que não há esquema
de rimas entre os versos. Quando temos esses dois fenô-
menos em um mesmo poema, dizemos que ele é formado
por versos brancos.

20
AULA TEXTOS EM VERSO II
15
COMPETÊNCIA: 1, 4 e 5 HABILIDADES: 1, 12, 15, 16 e 17

1. ESTRUTURA DOS TEXTOS EM classes fechadas e verbos pronominalizados


ƒ Elêusis (substantivo que dá nome à cidade grega /
VERSO (APROFUNDAMENTO) deuses (substantivo comum)
O objetivo dessa segunda parte da aula é fornecer um apro- ƒ cabelo (substantivo comum) / fazê-lo (verbo prono-
fundamento a respeito das teorias sobre a formação estrutu- minalizado)
ral dos textos em verso Exemplo:
Por que ninguém me deu um aviso?
1.1. Tipos de rimas Pra quê que serve essa porra de bip?
Na aula anterior, vimos o conceito geral de rima. Agora vere- Assim não dá. Que falta de juízo,
mos seus detalhamentos. As rimas podem ser classificadas de... de... sei lá! Eu lá em Arembipe
(PAULO HENRIQUES BRITTO)
de acordo com o valor, a tonicidade e a correspondência
fonética e posição no texto. Vejamos os tipos:
1.1.2. Classificação por tonicidade
1.1.1. Classificação por valor Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste-
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer sistemas mas rímicos a partir de variações entre as tonicidades das
rímicos a partir de variações entre classes gramaticais ou palavras que fecham o verso.
combinações inusitadas de palavras. a) Rima aguda (masculina): quando as rimas são feitas
a) Rima pobre: quando as rimas são feitas com palavras com palavras oxítonas ou monossílabos
pertencentes a mesma classe gramatical ƒ per-der / per-cor-rer (oxítonas)
ƒ amor / dor (substantivos) ƒ mun-da-réu / céu (oxítona + monossílabo)
ƒ correr / perder (verbos) Exemplo:
Exemplo: Um sussurro também, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De repente do riso fez-se o pranto
De alguns, talvez, ainda, os ecos falarão.
Silencioso e branco como a bruma
E em seu surto, a buscar eternamente o belo,
E das bocas unidas fez-se a espuma
misturado à voz das monjas do Carmelo,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
subirão até Deus nas asas da oração.
(VINÍCIUS DE MORAES)
(ALBERTO DE OLIVEIRA)
b) Rima rica: quando as rimas são feitas com palavras per-
b) Rima grave (feminina): quando as rimas são feitas
tencentes a classes gramaticais diferentes
com palavras paroxítonas
ƒ altar (substantivo) / mudar (verbo)
ƒ gar-ra-fa / es-ta-fa (paroxítonas)
ƒ contente (adjetivo) / certamente (advérbio) Exemplo:
Exemplo: Foste o beijo melhor da minha vida,
Aqui outrora retumbaram hinos; ou talvez o pior... Glória e tormento,
Muito coche real nestas calçadas contigo à luz subi do firmamento,
E nestas praças, hoje abandonadas, contigo fui pela infernal descida!
Rodou por entre os ouropéis mais finos... (OLAVO BILAC)
(RAIMUNDO CORREIA)
c) Rima esdrúxula: quando as rimas são feitas com pa-
c) Rima rara ou preciosa: quando as palavras que rimam lavras proparoxítonas
possuem terminações pouco comuns ou combinações entre ƒ es-tá-ti-co / a-pá-ti-co (proparoxítonas)

21
Exemplo: comum de rima, encontrado geralmente em poemas de
Começou de súbito matriz oriental, chamados haicai).
A festa estava mesmo ótima Exemplo:
Ela procurava um príncipe
Ele procurava a próxima Rosa (que exibida!)
que posa assim toda prosa
(SAMUEL ROSA / RODRIGO FABIANO LEÃO)
é prova de vida.
(GUILHERME DE ALMEIDA)
1.1.3. Classificação por
correspondência fonética 1.1.5. Classificação pela
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer sistemas organização dentro da estrofe
rímicos a partir de equalizações / coincidências sonoras entre Na aula anterior, vimos também o conceito geral de estrofe.
as palavras que encerram os versos. Agora veremos sua classificação a partir do modo como as
a) Rima perfeita (consoante): há correspondência total de rimas são organizadas pelo poeta.
sons, havendo repetição tanto dos sons vocálicos como dos a) Rimas alternadas (ou cruzadas): as rimas organi-
sons consonantais (a partir da última vogal tônica do verso) zam-se alternadamente, seguindo o esquema ABAB.
Exemplo: (A) - Senhora, partem tão tristes
Destes penhascos fez na natureza (B) - meus olhos por vós, meu bem,
O berço em que nasci: Oh! quem cuidara, (A) - que nunca tão tristes vistes
Que entre penhas tão duras se criara (B) - outros nenhuns por ninguém.
Uma alma terna, um peito sem dureza! (JOÃO ROIZ DE CASTEL-BRANCO)
(CLÁUDIO MANUEL DA COSTA)
b) Rimas emparelhadas (ou paralelas): as rimas orga-
b) Rima imperfeita: há correspondência parcial de sons, nizam-se em duplicatas, seguindo o esquema AABB.
podendo ser as vogais tônicas ou átonas ao final dos ver-
(A) - Vagueio campos noturnos
sos (rimas toantes/assonantes); ou apenas as consoantes (A) - Muros soturnos
(rimas aliterantes) (B) - Paredes de solidão
(B) - Sufocam minha canção.
Exemplo:
(FERREIRA GULLAR)
O cristal do Tejo Anarda
Em ditosa barca sulca; c) Rimas interpoladas (ou intercaladas): as rimas organi-
Qual perla, Anarda se alinda, zam-se em sistemas de oposição, seguindo o esquema ABBA.
Qual concha, a barca se encurva.
(BOTELHO DE OLIVEIRA) (A) - Busque Amor novas artes, novo engenho
(B) - para matar-me, e novas esquivanças;
(B) - que não pode tirar-me as esperanças,
1.1.4. Classificação por (A) - que mal me tirará o que não tenho.
posicionamento da rima (CAMÕES)

Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- d) Rimas encadeadas: as rimas correm entre palavras que
mas rímicos ao final dos versos (algo mais comum) ou em estão no fim de um verso e no início ou meio do outro.
seu interior (algo mais raro).
Salve Bandeira do Brasil querida
a) Rima externa: as coincidências sonoras aparecem no Toda tecida de esperança e luz
final dos versos (é o tipo mais tradicional de rima Pálio sagrado sobre o qual palpita
A alma bendita do país da Cruz”
Exemplo: (FRANCISCO DE AQUINO CORREIA)
O poeta é um fingidor.
e) Continuadas: o esquema rímico segue de modo contí-
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor nuo por todo o poema.
A dor que deveras sente. (A) - Já se viam chegados junto à terra
(FERNANDO PESSOA) (B) - que desejada já de tantos fora,
b) Rima interna: as coincidências sonoras aparecem no (A) - que entre as correntes Índicas se encerra
(B) - e o Ganges, que no céu terreno mora.
interior de um único versos, geralmente entre palavras (A) - Ora sus, gente forte, que na guerra
que estão no meio e no fim desse verso (é um tipo menos (B) - quereis levar a palma vencedora:

22
(A) - Já sois chegados, já tendes diante
(B) - a terra de riquezas abundante! 3. AS RELAÇÕES ENTRE FORMA
(CAMÕES)
E CONTEÚDO NO POEMA
f) Rimas mistas (ou misturadas): as rimas existem, mas
É muito importante para um bom desempenho nas provas
apresentam combinações variadas ao longo do poema (ri-
mando em alguns pontos e não rimando em outros) de vestibular que os alunos entendam que o conteúdo de
um poema (seu assunto) muitas vezes dialoga com sua for-
Os navios existem, e existe o teu rosto ma (estrutura de versos). Vejamos exemplos.
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades, RÁPIDO E RASTEIRO
partem no vento, regressam nos rios.
vai ter uma festa
As palavras que te envio são interditas que eu vou dançar
até, meu amor, pelo halo das searas até o sapato pedir pra parar.
se alguma regressasse, nem já reconhecia aí eu paro, tiro o sapato
o teu nome nas suas curvas claras. e danço o resto da vida
(EUGÉNIO DE ANDRADE) (CHACAL)

Nesse poema, do poeta carioca Chacal, ele fala sobre uma


2. CAVALGAMENTO (ENJAMBEMENT) experiência de dançar indefinidamente. Esse seria o conte-
údo (assunto) do poema. Conseguimos perceber que a for-
O cavalgamento (mais conhecido pela palavra francesa ma (estrutura) espalha os versos pela página, para a direita
“enjambement”) consiste em um processo poético de pôr
e para a esquerda, como se estivessem dançando. Vemos
no verso seguinte uma ou mais palavras que completem o
então que o conteúdo dialoga com a forma.
sentido do verso anterior.
DA SUA MEMÓRIA
Trata-se de um recurso que atende a algumas estratégias
semânticas do poema, como mil
e
ƒ criar expectativa em relação à conclusão de uma ideia mui
ƒ chamar a atenção para alguma palavra / complemento tos
que surgirá no verso seguinte out
ros
ƒ ampliar as possibilidades interpretativas de um verso ros
tos
Exemplos: sol
Debaixo dos pés duros dos ardentes tos
Cavalos treme a terra, os vales soam pou
coa
(CAMÕES) pou
Nesse exemplo, de Camões, vemos que a palavra “cavalo” coa
pag
chama a atenção por não estar na sequência natural da sen-
amo
tença, antes do adjetivo (...pés duros dos cavalos ardentes...) meu
Que Neruda me dê sua gravata (ARNALDO ANTUNES)
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.
Nesse poema, de Arnaldo Antunes, vemos que o assun-
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)
to (se lermos as palavras fragmentadas na sequência,
Nesse exemplo, de Drummond, a qualificação da “grava- encontraremos um período com sentido) é sobre vários
ta” só surge no verso seguinte, encerrando o período e rostos que vão, aos poucos, aparecendo na mente do eu
chamando a atenção do leitor para essa informação.
lírico, e que vão apagando o seu próprio rosto. Em suma,
A voz é dela, embora me pertença o poema tem como conteúdo (assunto) o estreitamento
a música. E mais a mão que a toca. das lembranças de si próprio (por conta de pensar mui-
(PAULO HENRIQUES BRITTO) to nos outros rostos). Para representar isso na forma, o
Nesse exemplo, de Paulo Henriques Britto, a quebra do ver- autor faz justamente um estreitamento na estrutura do
so entre “pertença” e “a música” nos permite duas leituras poema, por meio da fragmentação das palavras. Desse
do verso (1. A voz é dela, embora me pertença / 2. A voz é modo, se o poema discute estreitamento de lembranças,
dela embora me pertença a música). ele terá um formato estreito.

23
AULA LEITURA DE IMAGENS I: A ARTE ANTIGA
16
COMPETÊNCIAS: 1e4 HABILIDADES: 1, 12, 13 e 14

1. LEITURA DE IMAGENS I naturalistas (humanos e animais em cenas de caça)


ou motivos geométricos (círculos, cruzes e espirais).
(ARTE ANTIGA)
1.1. Introdução
Os estudos dessa aula abordarão especificamente expres-
sões artísticas que englobarão um arco que vai da pré-his-
tória (arte rupestre) até o que foi produzido pelos povos
antigos do Egito, da Grécia e de Roma (período conhecido
como Arte da Antiguidade). ARTISTA DESCONHECIDO – PINTURA RUPESTRE DE ALTAMIRA (C.15000 A.C.)

1.2. A arte rupestre


O termo “arte rupestre” é usado para descrever a prática
que os povos antigos tinham de pintar e entalhar rochas,
além de empilhar pedras para formar grandes desenhos
no chão. São trabalhos oriundos do Paleolítico Superior e
do Neolítico. Os mais antigos de que se tem registro estão
na caverna Blombos, na África do Sul. Estima-se que foram
feitas há 77 mil anos.
Há algumas dessas expressões artísticas que se tornaram
mais famosas, especialmente por conta da qualidade do ARTISTA DESCONHECIDO – PINTURA RUPESTRE DE UBIRR (C.40000 A.C.)
registro, como é o caso das pinturas rupestres de Ubirr, na
Austrália; as da caverna de Altamira, na Espanha; ou as
do complexo de Lascaux, na França. Todas elas apresen-
tam grande qualidade artística na representação de figuras
humanas ou animais, dispostas de maneira que tirassem
maior proveito dos contornos das paredes das cavernas
(chegando a transmitir sensações tridimensionais, como as
da caverna de Altamira).
É necessário que entendamos que os registros rupestres ARTISTA DESCONHECIDO – PINTURA RUPESTRE DE UBIRR (C.40000 A.C.)
nos revelam dados materiais da vivência de povos muito
antigos, especialmente nas suas relações que envolviam,
caça, pesca e outros tipos de contatos com animais. Por esse
motivo, os estudiosos ressaltam que são pinturas pautadas
pela técnica do naturalismo, que consiste na tentativa de
registrar fielmente (realísticamente) aquilo que se vê.
As pinturas rupestres também foram encontradas no
Brasil, especialmente na região de São Raimundo Nona-
to, no Piauí e também nas regiões da Chapada Diaman- ARTISTA DESCONHECIDO – PINTURA RUPESTRE DA
tina e Gruta do Sol, na Bahia. Elas apresentam motivos GRUTA DO SOL (C.40000 A.C.)

24
de frente para o espectador, enquanto a cabeça e as pernas
1.3. Arte egípcia eram vistas de perfil.
Engloba o período que vai de 2649 a.C. e 1070 a.C, e
De acordo com estudiosos, como a arte egípcia estava
apresenta uma notável variedade de expressões artísticas,
intimamente ligada a experiências dinásticas e religiosas
como pinturas (em afrescos e papiros), esculturas, cerâmi-
(mesmo as relações de trabalho, como a que é vista na
cas e obras arquitetônicas. Importante salientar que, nesse
imagem, estavam conectadas à ideia de servir ao faraó), as
período, não havia ainda a distinção entre “arte” e “arte-
imagens não deveriam representar as individualidades (a
sanato”, que aparecerá no Renascimento.
criatividade) do artista. As pinturas também não deveriam
Suas obras, em geral, retratavam doutrinas políticas, sociais ter um caráter altamente naturalista (o observador não
e espirituais, com função dinástica, religiosa e cultural. Ape- deve confundir uma pintura com o indivíduo), ela deveria
sar de existirem alguns sistemas de regras para produção ser explicitamente representativa.
artística, nota-se grande criatividade no desenvolvimento
de certas obras. 1.3.2. Escultura
É muito importante conhecermos as bases artísticas egíp- A escultura egípcia foi trabalhada de maneira bastante
cias, pois elas serão altamente influentes para as produ- detalhista e naturalista, diferente da pintura. Era comum
ções artísticas gregas e romanas em momento posterior. que se encomendassem esculturas que reproduzissem não
apenas os dados físicos do indivíduo (por exemplo, fisiono-
1.3.1. Pintura mia e traços raciais), mas também traços de sua condição
A arte pictórica egípcia, apesar de não apresentar sistemas social. Vejamos a imagem a seguir:
adequados de proporcionalidade (diferença ideal de altura/
largura entre figuras humanas ou mesmo entre humanos
e animais), ou sistema de perspectiva (recurso gráfico que
utiliza o efeito visual de linhas convergentes para criar a ilu-
são de tridimensionalidade do espaço e das formas), traba-
lhava com a peculiar “regra da frontalidade”, que veremos
detalhada na imagem a seguir. A pintura se concentrava
em papiros funerários e afrescos realizados, em geral, no
interior de construções como pirâmides.

ARTISTA DESCONHECIDO – INSPECIONANDO OS


CAMPOS PARA NEBAMUN (1350 A.C.) ARTISTA DESCONHECIDO – ESCRIBA SENTADO (2500 A.C.)

A pintura acima é um afresco (aplicação de tintura sobre Trata-se de uma das esculturas mais impressionantes da
estrutura previamente preparada com pedra ou gesso) que arte egípcia. Talhada em calcário fino, conserva até hoje
retrata a vivência nos campos de plantação egípcios. Nela sua base constitutiva original (no Louvre, onde está insta-
vemos um sujeito, à esquerda, que inspeciona os campos lada, passou por leve restauração em 1998). O que mais
de trabalho para o Faraó Nebamun (que teria vivido em chama a atenção é o detalhamento do rosto e do corpo
meados de 1350 a.C.). (que influenciará muito, mais adiante, a arte grega). Há
Sobre a parte estética, é possível reparar que – além de também a preocupação em registrar fielmente o trabalho
não ter perspectiva nem proporcionalidade adequada – se- do escriba, com a mão em forma de pinça, como se esti-
guiam uma estética rígida chamada de “regra da frontali- vesse segurando uma caneta, além de um documento na
dade”, na qual o tronco e um dos olhos eram retratados mão esquerda.

25
1.3.3. Arquitetura
A arquitetura egípcia destacou-se pelo fascinante traba-
lho com construções de pirâmides, esfinges e templos.
Esses monumentos eram realizados para atestar a gran-
diosidade e a imponência do poder político e religioso
dos faraós.

ARTISTA DESCONHECIDO – COLUNAS DO TEMPLO DE LUXOR (SÉC XIV - XII A.C.)

1.4. A arte grega


ARTISTA DESCONHECIDO – PIRÂMIDES DE QUÉOPS, QUÉFREN E
MIQUERINOS, NO DESERTO DE GIZÉ (SÉCULO XXVII – XXVI A.C.)
A arte grega, em seus primórdios, recebeu forte influência
da produção artística egípcia. Destacam-se as produções
As pirâmides da imagem acima foram construídas a pedido escultóricas e a arquitetura do período. Também encon-
dos faraós que dão nome a cada uma das construções, a tramos pinturas, mas em geral possuem como suporte
fim de abrigar seus restos mortais. A maior delas, a de Que- vasos e ânforas.
óps, possui 146 metros de altura e ocupa uma superfície
Os gregos criaram várias obras de arte que enfeitavam
de 54.300 metros quadrados, revelando o grande domínio
templos e prédios públicos, celebrando vitórias em bata-
que os egípcios possuíam da técnica de construção.
lhas e retratando pessoas famosas já mortas. Foi uma arte
que idealizou um forte projeto realista de reprodução dos
corpos, que em momento posterior influenciaria a arte do
Renascimento.
Já na arquitetura, destacam-se o rápido desenvolvimento
artístico na produção de elementos geométricos e simétri-
cos, além de uma preocupação com a ornamentação que
compunha as colunas dos templos gregos, destacando-se
as ordens arquitetônicas dórica, jônica e coríntia.

1.4.1. As ordens arquitetônicas


ARTISTA DESCONHECIDO – ESFINGE DO FARAÓ QUÉFREN (SÉCULO XXVII A.C.) na Grécia antiga
A imagem acima apresenta uma esfinge que está loca- Na arquitetura grega, as edificações que mais despertaram
lizada próxima às três pirâmides da imagem anterior. A interesse foram os templos, que eram locais utilizados não
gigantesca construção (20 metros de altura e 74 de com- apenas para reunir pessoas para atividades religiosas, mas
primento) tenta representar a figura do faraó Quéfren, no também para proteger de intempéries climáticas (excesso
entanto, a ação erosiva do vento e das areias do deserto de chuva ou sol). Sua construção obedecia a regras bem rí-
desgastaram a imagem (o nariz, por exemplo), dando-lhe gidas que foram evoluindo com o passar do tempo, e essas
um aspecto misterioso. mudanças deram origem ao que chamamos de (novas) or-
dens arquitetônicas (que consistiam em modificações pon-
As colunas do templo de Luxor apresentam um aspecto ar- tuais na ornamentação e reforço da construção). Vejamos
tístico importante: são decoradas com uma espécie de flor as três principais ordens:
de papiro enrolada na base (corpo da coluna) e no capitel
(a cabeça da coluna). Esse tipo de decoração servirá de ins- I. Ordem dórica
piração para a composição de outros modelos de colunas e A ordem dórica surge nas costas do Peloponeso, em mea-
capitéis que veremos na arte grega. dos do século V a.C. É a mais simples das ordens. Foi muito

26
empregada no exterior de templos mais baixos, de caráter III. Ordem coríntia
sólido. A coluna não tem base, tem entre quatro a oito mó- A ordem coríntia é característica do final do século V a.C.
dulos de altura, o fuste apresenta vinte estrias (sulcos ver- É um estilo predominantemente decorativo. A coluna apre-
ticais na coluna). O capitel é simples, sem ornamentação, e senta na base um fuste que é composto por vinte e quatro
se assemelha a uma almofada. sulco afiados. O capitel apresenta uma exuberância deco-
rativa que imitavam folhas de uma planta chamada acanto.
Foi um sistema de ornamentação que, posteriormente, foi
muito utilizado na arte romana. Também, o teto difere da
ordem anterior: passa a ser horizontal.

EXEMPLO DE ESTRUTURA DÓRICA

II. Ordem jônica EXEMPLO DE ESTRUTURA CORÍNTIA

A ordem jónica surge na Grécia oriental por volta de 450


a.C. (sendo muito usada em Atenas). Durante um bom
tempo, ela se desenvolveu em conjunto com a ordem dó-
rica, no entanto, suas formas mais fluidas, que traziam um
aspecto de maior leveza ao monumento, fizeram com que
fosse mais utilizada do que a ordem antiga. A coluna pos-
sui uma base larga (a dórica não possuía base), o fuste
é mais detalhado, apresentando vinte e quatro sulcos. O PLANTA DE TEMPLO GREGO: NOTA-SE O CUIDADO COM A SIMETRIA
DOS ESPAÇOS, COM DIMENSÕES QUE SE APRESENTAM IDÊNTICAS.
capitel apresenta um desenho espiralado (como se fossem
rolos projetados para os lados).

COLUNAS DO PATERNON (C. 440 A.C.), NA ACRÓPOLE DE ATENAS

O famoso monumento grego chamado Paternon apre-


senta um conjunto de ornamentação de ordem dórica.
Reparem que o corpo das colunas é mais grosso, firmado
diretamente no degrau mais elevado do templo (não há
base). O capitel era mais simples. A arquitrave era lisa e
apoiada diretamente nas colunas. Sobre ela havia alguns
retângulos com sulcos verticais e retângulos que poderiam
EXEMPLO DE ESTRUTURA JÔNICA ser lisos, pintados ou com figuras em relevo.

27
quebrando-se facilmente (como vemos na perna do guerrei-
ro, na imagem apresentada acima). A partir daí, começarão,
no século V a.C., as produções de esculturas em bronze, um
material mais resistente, que permitiu inclusive maiores de-
talhamentos da escultura (como, por exemplo, permitir ao
espectador perceber a alternância entre membros tensos –
com veias saltadas – e membros relaxados).

1.4.3. Pintura
A pintura na Grécia antiga não foi o elemento artístico de
maior destaque, e como em outras civilizações, apareceu
como elemento de decoração da arquitetura e da escul-
COLUNAS DE ERECTEION (C. 420 A.C.), NA ACRÓPOLE DE ATENAS
tura. São muito comuns os grandes painéis pintados que
O templo de Erecteion apresenta um conjunto de orna- recobriam paredes de templos ou outras construções. O
mentação ordem jônica, que consistia em corpo das colu- maior destaque fica por conta das pinturas realizadas em
nas mais fino, firmado em uma base (um pequeno círculo cerâmica, mais especificamente em vasos e ânforas.
decorado). O capitel era ornamentado. A arquitrave era Essas pinturas ficaram conhecidas por valorizarem o equi-
marcada por três faixas horizontais. Sobre ela havia uma líbrio e a simetria entre os desenhos apresentados e o for-
faixa de esculturas em relevo. mato curvo dos vasos, além do uso de cores intensas que
davam maior destaque às imagens.
1.4.2. Escultura
A escultura grega se desenvolve no século VII a.C. Muito
influenciados pelos artistas egípcios, os gregos esculpiam
seus trabalhos em grandes blocos de mármore. Seus traba-
lhos escultóricos prezavam o naturalismo das figuras (ten-
tativa de imprimir grande realismo), valorizando a simetria
natural do corpo humano. Nesse sentido, havia preferência
pela pintura de corpos nus, normalmente em posição frontal,
para que a distribuição simétrica fosse mais adequada. Ao
final da composição, a obra deveria ser não apenas realística,
mas também bela em sim mesma (ou seja, havia um ideal de
beleza / perfeição humana na composição das obras).
A escultura grega, por não estar presa a regras religiosas,
pode se desenvolver mais livremente. Desse modo, passa-
mos a ver em períodos posteriores, esculturas mais ousa-
das, em que o corpo humano aparece não apenas de pé,
mas em outras posições, como vemos na imagem a seguir:

EXÉQUIAS – ÂNFORA DA ÁTICA COM FIGURAS NEGRAS (C.540 A.C. – 530 A.C.)

As pinturas em ânforas apresentavam silhuetas em negro


sobre um fundo em geral avermelhado. Costumavam retra-
ARTISTA DESCONHECIDO - GUERREIRO CAÍDO, DO FRONTÃO TRIANGULAR tar a mitologia grega e outros aspectos da época, como ritos
DO TEMPLO DE AFAIA, EGINA (500 A.C – 480 A.C).
funerários, competições esportivas, trabalhos e feitos heroi-
Nessa escultura percebemos a preocupação com a perfeição cos no campo de batalha. Originalmente, esses objetos eram
dos corpos e o detalhamento dramático da expressão do utilizados em rituais religiosos ou mesmo para armazenar
guerreiro. O principal problema das posições inusitadas das água, vinho, azeite e outros mantimentos. Com o passar do
esculturas de mármore é que, muitas vezes, elas concentra- tempo, devido à qualidade e equilíbrio das imagens, passa-
vam um excesso de peso em algum ponto sem sustentação, ram a ser entendidos também como objetos artísticos.

28
1.5. A arte romana apresenta uma planta com uma cúpula circular fechada, que
cria um espaço isolado do exterior onde o povo se reunia
A arte romana recebeu influência definitiva da arte gre- para o culto. Enquanto os monumentos gregos chamavam a
ga, especialmente no que diz respeito à manutenção do atenção pelas peculiaridades de seu exterior, os monumen-
caráter naturalista das obras (esculpidas, em sua maio- tos romanos trarão a atenção para o interior de suas obras.
ria, em bronze). Vemos também um grande número de
inovações na arquitetura, especialmente pela influência O trabalho com os arcos e as abóbadas permitiu também
dos povos etruscos, que deixaram como legado para os outros avanços: enquanto os templos gregos tinham que ser
romanos o uso dos arcos e das abóbadas nas constru- assentados próximos a colinas (tanto para favorecer a segu-
ções. Isso permitiu aos romanos desenvolverem cons- rança, evitando desmoronamentos, quanto para permitir a
truções não só mais amplas, mas também com espaços reunião do povo no entorno do templo), os romanos conse-
internos mais livres (uma vez que os arcos e as abó- guiam sustentar suas obras em qualquer espaço, indepen-
badas ajudavam a eliminar o excesso de colunas que dentemente da topografia, permitindo melhor sustentação e
habitualmente sustentavam as construções gregas). favorecendo boa visão do espaço interno. O Maior exemplo
desse tipo de construção é o Coliseu romano.
Já na pintura, destacam-se os afrescos e as composições
em mosaicos de mármore. Um importante avanço desse
período é o fato de notarmos já em algumas obras os pri-
meiros trabalhos com a técnica da sobreposição (colocação
de um objeto opaco diante de outro, criando uma sensa-
ção de profundidade).

1.5.1. Arquitetura
Os templos romanos – grande destaque do período –
eram, em geral, construídos em um plano mais elevado COLISEU – ROMA, ITÁLIA (68 – 79 D.C.)
e a entrada só era alcançada através de uma escadaria É possível notar que o Coliseu é circundado externamente
construída diante da fachada principal. Estes elementos por vários arcos que favorecem sua sustentação, e sua ele-
arquitetônicos – pórtico e escadaria – faziam com que a vação e formato circular criam um sistema de auditório que
fachada principal fosse bem distinta das laterais e do fundo favorece a visão do espaço interno.
do edifício, como vemos na imagem a seguir:

MAISON CARRÉ, NIMES – FRANÇA (16 A.C.)

Na imagem apresentada, vemos também que o monu-


mento apresenta várias características que foram preser-
vadas da arquitetura grega. No entanto, o trabalho com
os arcos e as abóbadas permitiu aos romanos um melhor
desenvolvimento dos espaços internos, como vemos no
Panteão romano.
É possível notar que, embora a parte externa da construção
PANTEÃO, ROMA – ITÁLIA (SÉCULO II)
se assemelhe muito às construções gregas, a parte interna

29
1.5.2. Escultura 1.5.3. Pintura
Como dito no início dessa aula, a escultura romana se inspira Embora circunscrita ao interior de templos e outras cons-
na arte grega, pelo menos no que diz respeito ao caráter na- truções, a arte pictórica romana também apresentou al-
turalista das esculturas. No entanto, não havia uma preocu- guns avanços interessantes. Inicialmente, era comum que
pação com os ideais de beleza cultivados pelos gregos. Para as paredes de monumentos fossem decoradas com uma
os artistas romanos, a preocupação era mais pragmática, por camada de gesso que imitava placas de mármore. A partir
isso é comum percebermos que as esculturas dos indivíduos desse trabalho, os artistas começaram a perceber que ape-
são esculpidas valorizando a indumentária (ou seja, não há a nas com a pintura, era possível criar a ilusão de que na pa-
preocupação em produzir um corpo nu detalhado). A valori- rede existia um bloco de mármore saliente. Daí, da suges-
zação da vestimenta também está ligada ao fato de que ela, tão da saliência para a sugestão de profundidade foi um
muitas vezes, consolidava uma forte representação política, pequeno salto. Em suma, os artistas romanos, aos poucos,
como vemos na imagem a seguir: passaram a manipular a sugestão de frente e fundo, não
só nos afrescos, mas também nos mosaicos, técnica muito
desenvolvida no período, e que vemos na imagem a seguir:

ARTISTA DESCONHECIDO – MOSAICO DE ALEXANDRE (333 A.C.)

A técnica do mosaico consiste na colocação, lado a lado,


de pequenos pedaços de pedras de cores diferentes sobre
uma superfície de gesso ou argamassa (em cima de um
desenho previamente definido). Após isso, a superfície re-
cebe uma solução de cal, areia e óleo que fixa a imagem e
preenche os espaços vazios, gerando um resultando muito
parecido com uma pintura.
A imagem acima apresenta um mosaico (já bem danifica-
do à esquerda) em que vemos não só sua semelhança com
uma obra pictórica, como conseguimos constatar o uso da
técnica da profundidade) vemos cavaleiros e cavalos pos-
tos mais à frente e outros mais ao fundo.
ARTISTA DESCONHECIDO – AUGUSTO DE PRIMA PORTA – MÁRMORE (20 A.C.)

Nessa obra há que se destacar, para além da preocupação


com a característica realista dos corpos, há a ideia do deta-
lhamento da vestimenta romana, vinculada a ideia de com-
posição de um líder. O braço levantado, como se estivesse
dando uma ordem, traz a obra de arte para um campo
mais naturalizado da experiência uma humana (um líder
em suas ações). Há ainda o curioso fato de, simbolicamen-
te, vincular o sujeito político ao sujeito divino, colocando
aos pés do imperador Augusto um cupido sustentado por
um golfinho. Há ainda, na parte frontal da vestimenta, vá-
rias figuras míticas e religiosas esculpidas em alto-relevo.

30
AULA LEITURA DE IMAGENS II: DA ARTE
17 MEDIEVAL À ARTE RENASCENTISTA
COMPETÊNCIAS: 1e4 HABILIDADES: 1, 12, 13 e 14

1. ARTE MEDIEVAL neração e respeito). Além disso, toda base de composição


(lugar dos personagens, posição do corpo, das mãos, do-
A arte do período medieval pode ser dividida em três mo- bras de roupa) era determinada pelos sacerdotes. Era uma
mentos de maior destaque: arte que apresentava características figurativas (menos re-
alistas) e decorativas.
1º Arte bizantina – produção artística que corresponde
ao território onde estava localizado o Império Romano do
Oriente. Apresenta uma produção de maior relevância a par- 1.1.1. Arquitetura
tir do século VI (embora tenha se iniciado um pouco antes) A arquitetura foi predominantemente religiosa, marcada
que se estende até meados do século XV, quando os turcos pela construção de grandes e sofisticadas basílicas, que mes-
tomam a cidade de Constantinopla, capital do Império. clavam características dos grandes monumentos romanos e
2º Arte românica (ou romanesco) - produzida na transi- certo clima místico, muito comum nas construções orientais.
ção da Alta Idade Média para a Baixa Idade Média (séculos
XI e XII). Trata-se de uma produção que recebe influência
não só das experiências artísticas romanas (especialmente
o Império Romano do Ocidente), mas também de outras
matrizes, como a egípcia, a persa, a bárbara (Escandinávia
e Alemanha) e bizantina.
3º Arte gótica – produção artística que se inicia propria-
mente na Baixa Idade Média, passando pelo Renascimento
do século XII, e alcançando o Renascimento Italiano (Góti-
co Italiano) já na passagem do século XIV para o século XV.

1.1. Arte bizantina


A arte bizantina é uma vertente que surge mais precisa-
mente após o Imperador Teodósio decretar o cristianismo
como religião oficial do império romano (em 391 d.C.). Nos
anos anteriores, havia predominado uma produção deno-
minada arte cristã primitiva, que tinha como característi-
ca – além da forte religiosidade – obras simples, de base
popular. Por outro lado, a produção artística bizantina vai
coincidir com um momento de grande esplendor e riqueza
da capital do Império, dando origem a obras que assumem
um caráter mais majestoso (que exibem poder e riqueza). BASÍLICA DE SANTA SOFIA (532 – 537)

Foi um tipo de arte centrada em exaltar a religião cristã e Umas das características que mais chama a atenção na Basí-
a autoridade do imperador (considerado um ser sagrado, lica de Santa Sofia é a sua enorme cúpula (domo), que é sus-
representante de Deus na Terra), e por conta disso, acabou tentada por outras abóbadas esféricas. Essa cúpula central
sendo pautada por muitas regras estabelecidas por sacer- é vazada por quarenta janelas em arco que permitem a en-
dotes. Por exemplo, recuperou-se a regra da frontalidade trada da luz, dando leveza à estrutura e oferecendo a ilusão
da arte egípcia (com leves modificações), fazendo com que de um anel celestial que se projeta para o centro do salão.
a ênfase das imagens religiosas fosse na rigidez da figura Vemos também que a parte interna é marcada por grande
retratada (conduzindo o espectador a uma atitude de ve- opulência, com muitas ornamentações em cor dourada.

31
1.1.2. Pintura e escultura A obra acima é uma das mais importantes da arte bizan-
tina e foi produzida já próximo à queda de Constantino-
A pintura e a escultura também apresentavam demarcação pla. Trata-se de um monumento de contemplação espi-
religiosa e ficaram bastante conectadas à arquitetura (ser- ritual na fé cristã. É importante notar que a pintura não
vindo muitas vezes como ornamentação das basílicas). Na é essencialmente realística, mas figurativa, atendendo a
pintura, destacaram-se técnicas variadas, como o mosaico demandas de contemplação.
(que dava à obra um ar, muitas vezes, de riqueza) e a têm-
pera (técnica em que se misturavam pigmentos a algum
aglutinante, como gema de ovo, a fim de se conseguir um
resultado de tintura mais brilhante e luminoso). Na escultu-
ra, destacam-se alguns belos trabalhos com marfim.

ARTISTA DESCONHECIDO – TRÍPTICO BORRADAILE (SÉCULO X) – MARFIM

Acima, vemos um tríptico (escultura ou pintura fundada


ARTISTA DESCONHECIDO – CRISTO PANTOCRATOR, BASÍLICA DE em três painéis, conectados por dobradiças, e cujas ima-
MONREALE – ITÁLIA (1180 – 1190) – MOSAICO
gens orientam uma leitura que apresenta conexões) que
Vemos que a imagem apresentada apresenta o Cristo em demonstra o rígido sistema de organização e ordem da
posição frontal, projetado na parte superior interna da arte bizantina: vemos que as figuras são apresentadas si-
abóbada principal da basílica (demarcando imponência. metricamente (mesma quantidade à esquerda e à direita).
Sua expressão é séria e demonstra autoridade, e vemos
que o mosaico é contornado por pedras douradas, demar-
cando a magnificência da imagem.
1.2. Arte românica
No século IX, com a subida ao poder do Imperador Carlos
Magno (como imperador do Ocidente), aumenta o incen-
tivo às artes na corte como um todo. Criam-se academias
literárias e oficinas para produção de objetos de arte. Esse
grande desenvolvimento cultural também promoveu um
resgate das tradições artísticas greco-romanas. Alguns
séculos depois, o resgate dessas tradições da antiguida-
de, misturado a outras influências artísticas do período,
fez com que surgisse um novo estilo que se consolidou
com maior força na arquitetura: o estilo românico (ou ro-
manesco), que determinará a produção artística medieval
entre os séculos XI e XII.

1.2.1. Arquitetura
As igrejas românicas ficaram conhecidas pela sua arquite-
tura peculiar, formada pelas abóbadas, pilares maciços e
paredes espessas. São igrejas grandes e sólidas (com orien-
tação horizontal), conhecidas como “fortalezas de Deus”.
Abóbada de berço: consistia num semicírculo, também
chamado de arco pleno, ampliado lateralmente por pare-
ANDREI RUBLEV – SANTÍSSIMA TRINDADE (1410) – TÊMPERA SOBRE MADEIRA des solidas. Apresentava algumas desvantagens, como o

32
peso excessivo que ficava sobre o arco central, correndo colunas com capitéis que lembravam muito os vistos na arte
riscos de desabamento, além da baixa luminosidade no greco-romana. Também são muito comuns os tímpanos (es-
interior das construções, devido ao fato de se ter pouca pos- paços geralmente triangulares ou em arco, lisos ou ornados
sibilidade de inserção de janelas com esculturas, limitados pelos três lados do frontão por um
ou mais arcos ou por linhas retas que assentam sobre o por-
Abóbada de aresta: consistia numa intersecção em ângu-
tal de entrada de uma igreja, catedral ou templo).
lo reto de duas abóbadas de berço apoiadas sobre pilares.
Com isso distribuía-se melhor o peso das pedras para evitar
desabamentos, além de transmitir leveza para a construção
e melhorar a luminosidade dos espaços internos.

ABÓBADAS DE BERÇO E DE ARESTA

AUTOR DESCONHECIDO – CRISTO EM MAJESTADE, IGREJA DE


SAN CLEMENTE – ESPANHA (1123) – AFRESCO
O afresco acima, é uma imagem religiosa que lembra o Cris-
to Pantocrator que vimos nos estudos de arte bizantina. No
entanto, a imagem aqui segue algumas outras regras. Na
pintura religiosa romanesca, vemos que, além da regra da
frontalidade, temos um proposital sistema de desproporção
ABADIA DE MOISSAC, FRANÇA (506 D.C.) e deformação da imagem (de modo que o Cristo, ao centro,
Vemos que as construções arquitetônicas romanescas, for- seja sempre maior que as demais figuras). Outro ponto que
madas por abóbadas de berço ou de aresta, davam origem chama a atenção é a técnica do colorismo, em que havia
a monumentos mais espessos (e, por isso, mais resistentes), uma distribuição variada e intensa de cores sobre a imagem,
mas que não favoreciam a iluminação (podemos reparar sem que houvesse preocupação em se trabalhar meios-tons,
que as janelas são feitas a partir de pequenas aberturas na matizes ou jogos de luz e sombra.
lateral da construção. Outro ponto relevante é a orientação
horizontal. Como as abóbadas de berço e de aresta não
sustentam muito peso, as igrejas, embora fortes e resisten-
tes, não eram muito elevadas.

1.2.2. Pintura e escultura


A pintura e a escultura também, como na arte bizantina,
apresentavam demarcação religiosa e ficaram bastante co-
nectadas à arquitetura. Na pintura, o principal diferencial
seria na técnica utilizada: como as igrejas possuíam paredes
feitas com pedras espessas, isso favorecia um preparo pré-
vio delas para inserção de afrescos (pinturas sobre gesso ou
argamassa). A escultura também se desenvolveu nas igrejas
e abadias. Influenciadas pela experiência da antiguidade
clássica, as obras nos espaços religiosos são formadas por TÍMPANO DA ABADIA DE MOISSAC

33
Vemos que o tímpano é uma escultura que se insere nos
portais das igrejas, basílicas e abadias, e que seguem a
mesma orientação religiosa do período.

1.3. Arte gótica


No século XII, a economia fundamentada no comércio faz
com que a vida social se desloque do campo para a cida-
de, surgindo aí a burguesia urbana. Nesse período, ainda
predomina a arte românica, mas já começam a aparecer as
primeiras mudanças que promoverão uma revolução pro-
funda na arte, em especial na arquitetura.
Embora viesse se desenvolvendo desde o século XII, foi
apenas no século XIV que ganhou a denominação de arte
gótica. Sua principal característica reside na evolução dos
arcos e abóbadas utilizadas na construção e sustentação ABÓBADA DE NERVURA
das igrejas. A criação do arco ogival (um arco com parte
superior não arredondada, mas cortada em um ângulo)
permitiu o desenvolvimento de um novo tipo de abóbada:
a de nervuras. Essa abóbada, por possuir vários arcos ogi-
vais entrelaçados, trazia duas grandes vantagens:
ƒ permitia o uso de colunas mais finas para a sustenta-
ção das construções, ao invés das grossas paredes que
existiam na arquitetura românica, o que, além de trazer
um aspecto mais elegante para a edificação, favorecia
a inserção de janelas maiores BASÍLICA DE SAINT-DENIS, FRANÇA (SÉCULO VII) –
EXTERIOR (ESQUERDA) – INTERIOR (DIREITA)
ƒ sustentava muito mais peso, fazendo com que as cons-
A basílica de Saint-Denis é um claro exemplo de arquite-
truções pudessem ser mais elevadas (dando um tom de
tura gótica. Vemos na imagem do interior que sua susten-
imponência para a edificação)
tação é feita por abóbadas de nervura e colunas finas. Na
imagem do exterior, vemos que isso favorece a horizonta-
lização da igreja (que passa a ser mais alta e imponente)
e a entrada de um número maior de janelas e vitrais com
temática religiosa.

1.3.1. Escultura e pintura


A escultura permaneceu atrelada à arquitetura, sendo usa-
da como ornamentação dos monumentos religiosos. Já a
pintura, passa a ter um maior desenvolvimentos, principal-
mente na passagem dos séculos XIV para o XV

Os arcos ogivais diferem dos arcos de forma perfeita da 2. RENASCIMENTO


arte românica, pois não são arredondados na parte su- Possivelmente, o Renascimento é um dos períodos mais
perior (apresentam um corte angular). Esse formato foi profícuos da história da arte. Configurou-se como um mo-
essencial para a criação de abóbadas de nervura. vimento cultural desenvolvido na Europa a partir do século
As abóbadas de nervura são construídas com vários arcos XIV até meados do século XVII. Os locais de maior expres-
são foram a Itália, a Alemanha, a Bélgica e os Países Baixos.
ogivais, o que cria um topo entrelaçado (as nervuras). Esse
entrelaçamento melhora a sustentação (favorecendo a hori- A consolidação da burguesia instituiu na sociedade a
zontalidade da edificação), e as colunas mais finas permitem figura do mecenas, que seria o grande financiador não
a colocação de mais janelas (o que favorece a iluminação). apenas de pesquisas científicas (a fim de que a sociedade

34
avançasse do ponto de vista da exploração socioeconô- Em geral, estudamos a arte do Renascimento em três es-
mica), mas também de projetos culturais (as artes como paços: o gótico flamengo (praticado nas regiões que hoje
consolidação da imagem e do poder financeiro do bur- seriam a Bélgica e Luxemburgo); o Renascimento italiano
guês na sociedade do período). Também, o pensamento e também o Renascimento na Alemanha e Países Baixos.
de ordem mais racional (antropocêntrico) que começava
a operar no período faz com que os valores medievais 2.1.1. O gótico flamengo
(vinculados a um pensamento católico-cristão) sejam dei-
O gótico flamengo foi uma expressão artística ligada aos
xados de lado pelo homem do Renascimento, que passa-
primeiros anos do Renascimento, e que marca justamen-
rá a buscar novos valores na Antiguidade Clássica.
te uma procura por uma pintura mais realista não apenas
Do ponto de vista estético, o investimento do mecenato fez do ponto de vista da imagem, mas também da temática,
com que houvesse grandes inovações artísticas no período. retratando com maior frequência cenas da vida doméstica
Os estudos aprofundados em geometria, perspectiva, anato- (sem deixar de lado o dado de espiritualidade que ainda
mia humana e tridimensionalidade fizeram com que as obras era muito forte).
artísticas ganhassem uma dimensão de perfeição nunca an-
tes vista. Essa ideia de obra de arte que reproduz o indivíduo Embora despertem a atenção pela alta qualidade realística,
a partir de uma preocupação em representa-lo perfeitamen- os artistas flamengos não costumavam organizar suas com-
te em suas dimensões corporais remete justamente aos ide- posições a partir de rigorosos métodos matemáticos para
ais de beleza e perfeição da representação do indivíduo que cálculos de perspectiva e proporção (como veremos com fre-
vimos nos estudos de arte grega e romana. quência no Renascimento Italiano). Eles preferiam trabalhar
de modo mais intuitivo, sendo os primeiros a explorar mais
Vale ressaltar que foi um período artístico em que os gran-
intensamente as possibilidades da pintura a óleo.
des destaques ficaram por conta da arte pictórica e da arte
escultórica. A arquitetura apresentou alguns avanços mais
simples em relação ao projeto gótico, investindo em cons-
truções que articulassem a proporcionalidade entre suas
partes (ou, em termos mais práticos, uma edificação que
respeitasse uma geometria mais organizada).

2.1. A pintura e a escultura


renascentista
A interpretação mais científica do mundo, que vemos no
Renascimento, refletiu-se na pintura e na arquitetura por
meio da aplicação – na arte – dos estudos de perspecti-
va, geometria, proporcionalidade, anatomia, matemática,
entre outros. Vale ressaltar que muitos desses despertaram
outras tendências importantes: foi o caso dos estudos de
perspectiva, que conduziram os artistas a uma preocupa-
ção com o trabalho de iluminação na pintura, por meio
da técnica do claro-escuro, em que o artista pinta algumas
áreas iluminadas e outras na sombra. Esse jogo de con-
trastes faz com que os corpos ganhem uma aparência de
volume (favorecendo o naturalismo / realismo da pintura).
Outro aspecto relevante do Renascimento, em especial
JAN VAN EYCK, O CASAL ARNOLFINI (1434) – ÓLEO SOBRE TELA
da pintura, é a formação de um estilo artístico mais
pessoal. No caso, o artista não estava necessariamente O casal Arnolfini é certamente a obra mais famosa da pin-
obrigado a produzir uma obra que estivesse vinculada a tura flamenga. Trata-se de uma primorosa obra feita a óleo,
alguma matriz religiosa (algo muito comum na arte egíp- que retrata um espaço doméstico burguês (possivelmente
cia ou medieval) ou mesmo que objetivasse a veneração uma reservada cerimônia religiosa matrimonial). Merece
de algum líder. Essa maior autonomia, fez com que, no destaque o trabalho com a técnica da profundidade, ainda
período, surgissem um grande número de artistas com mais acentuado pela inserção de um espelho convexo ao
características próprias. fundo da imagem que reflete o próprio autor da pintura e

35
outra pessoa a seu lado (talvez o padre responsável pela consolidação do casamento). Vemos que é uma imagem que está
situada em um campo que é mais humanista (que registra a vida privada) sem perder a dimensão religiosa.

2.2. Renascimento italiano

SANDRO BOTTICELLI, A PRIMAVERA (C. 1478) – ÓLEO SOBRE TELA

Nessa famosa pintura de Sandro Botticelli, vemos um trabalho que é inspirado claramente nas fontes greco-romanas. A re-
tomada de deuses e outras figuras mitológicas da antiguidade (temos Vênus ao centro, Zéfiro e Clóris à direita, entre outras
figuras) é um dos traços marcantes da pintura renascentista italiana. Além disso, podemos ver que o trabalho com os corpos
tenta seguir o ideal de beleza da Antiguidade Clássica.

O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, é um desenho


à lápis feito pelo autor, acompanhado de algumas anota-
ções. Tornou-se famoso por indicar em um pequeno espa-
ço uma variedade de estudos, como anatomia, geometria,
proporcionalidade e simetria. Tais estudos acabaram viran-
do a base não apenas do trabalho pictórico de da Vinci,
mas de quase todo o tipo de pintura naturalista que foi
produzida posteriormente.

LEONARDO DA VINCI, HOMEM VITRUVIANO (1490) – LÁPIS E TINTA SOBRE PAPEL.

36
A escultura de Michelangelo também é exemplar dos tra-
balhos escultóricos vistos no Renascimento italiano. Vemos
que a ideia grega de representar o corpo nu, a fim de me-
lhor detalhar sua simetria, é resgatada nesse período. Não
apenas o ideal de beleza está em cena, mas a ideia de
transmitir certas sensações por meio do trabalho esculpido:
a cabeça ereta e o resto passam uma imagem de autocon-
fiança, as mãos são razoavelmente grandes, permitindo ver
as veias saltadas de tensão, e dando uma maior percepção
de sua força.

2.3. Renascimento na Alemanha


e nos países baixos
O Renascimento na Alemanha e nos países baixos, embora
seguisse muitos dos parâmetros que vimos na vertente ita-
liana, ainda exibe, de certa forma, resquícios de uma matriz
teocêntrica, remanescente do período medieval. Vejamos
algumas obras.
LEONARDO DA VINCI, MONA LISA (1503 – 1506) – ÓLEO SOBRE TELA

Também conhecida como Gioconda, a famosa obra de da


Vinci também nos dá uma noção da qualidade técnica do
autor. A modelo é colocada propositalmente em uma espé-
cie de balcão que permite ao autor realizar um trabalho com
a perspectiva (na paisagem ao fundo), a sobreposição (em
que percebemos que, quanto mais longe, mais opaca se tor-
na a figura) e também com as nuances de iluminação (que
parece se projetar com maior claridade na pele da modelo e
no fundo da paisagem, e de modo mais escurecido no ves-
tido e na parte inferior do quadro). Vale ressaltar também o
cuidadoso trabalho com as feições de Mona Lisa, resultado
de cuidadosos estudos de anatomia e simetria).

ALBRECHT DURER, OS QUATRO CAVALEIROS DO


APOCALIPSE (1498) – XILOGRAVURA

A obra cima faz parte de uma coletânea de quinze xilo-


gravuras (técnica de gravura na qual se esculpe a imagem
na madeira para posterior reprodução da imagem gravada
sobre o papel ou outro suporte adequado. É um processo
muito parecido com um carimbo) batizadas de Apocalip-
se. É possível notar que as técnicas do desenho são muito
avançadas, com profundidade e grande detalhamento dos
MICHELANGELO, DAVI (1501 – 1504) – MÁRMORE corpos, no entanto a temática é de tonalidade religiosa.

37
HIERONYMUS BOSCH, O JARDIM DAS DELÍCIAS (1500 – 1505) – ÓLEO SOBRE TELA

Uma das obras mais fascinantes do período, O jardim das delícias de Hieronymus Bosch chama a atenção pelo caráter fantasio-
so (chegando a lembrar uma obra surrealista). Trata-se de um tríptico com muitas referências religiosas. O painel da esquerda
mostra uma espécie de paraíso (vemos figuras bíblicas como Adão e Eva, que parece ter acabado de ter sido criada a partir da
costela de Adão). O painel da direita seria um inferno repleto de instrumentos musicais (vemos sujeitos sendo torturados). Já o
painel central, apresenta o tal Jardim das delícias, um local onde estariam os prazeres terrenos (conseguimos ver figuras tendo
relações sexuais).

PIETER BRUEGEL, JOGOS INFANTIS (1560) – ÓLEO SOBRE TELA

Nessa pintura, Pieter Bruegel, apesar de já estar inserido no contexto do Renascimento, retrata a realidade das pequenas al-
deias que ainda conservavam a cultura medieval. Vale a penas ressaltar, no entanto, que embora retrate a cultura medieval, a
temática da pintura não tem vínculos religiosos. Ela chama a atenção pelo volume de personagens em cena e pela sensação
de movimento que dimensões circulares das personagens imprime na imagem.

38
HANS HOLBEIN, OS EMBAIXADORES (1533) – ÓLEO SOBRE TELA

Hans Holbein talvez tenha sido o pintor do Renascimento alemão que mais valorizou a característica humanística / racional que
víamos na vertente italiana. Em gera, suas obras retratam personagens dotadas de um realismo tranquilo, sem que existam
as agitações que vimos nas obras anteriores. Na imagem acima, vemos também a inserção na pintura de uma curiosa técnica
que surge no período: a pintura anamórfica. Trata-se da inserção de uma imagem distorcida em algum ponto da pintura que
só adquire forma natural quando vista de determinado ângulo, ou com o suporte de algum espelho cilíndrico posicionado no
centro do quadro.

39
LITERATURA: Incidência do tema nas principais provas

A prova do Enem exige conhecimento a res- A maioria das questões de Literatura se refere
peito das escolas/estéticas literárias – realista, às obras de leitura obrigatória. Neste livro,
naturalista, parnasiana e simbolista – e de encontram-se alguns exercícios sobre o Rea-
seus principais representantes. lismo brasileiro, movimento do qual faz parte
Quincas Borba, de Machado de Assis.

A maioria das questões de Literatura se Como a Unifesp não possui lista obrigatória Como a Unesp não possui lista obrigatória
refere às obras de leitura obrigatória. Neste de obras, as questões contemplam o conheci- de obras, as questões contemplam o conhe-
livro, encontram-se alguns exercícios sobre o mento das escolas/estéticas literárias – realis- cimento acerca das escolas/estéticas literárias
Realismo brasileiro, movimento do qual faz ta, naturalista, parnasiana e simbolista – e de – realista e naturalista – e de seus principais
parte O Ateneu, de Raul Pompeia. seus principais representantes. representantes.

Parte das questões de Literatura da prova A prova exige conhecimentos acerca dos di- Como a PUC-Camp não possui uma lista A prova exige conhecimentos acerca dos
se baseia nas obras da Fuvest. Neste livro, versos movimentos literários. Neste livro, estão obrigatória de obras, as questões contemplam movimentos literários no Brasil e em Portugal.
encontram-se alguns exercícios sobre o presentes exercícios sobre as estéticas realista, o conhecimento acerca dos diferentes gêneros Neste livro, estão presentes exercícios sobre
Realismo brasileiro – no qual está inserida a naturalista, parnasiana e simbolista. literários e das escolas/estéticas literárias as estéticas realista, naturalista, parnasiana
obra Quincas Borba, de Machado de Assis realista, naturalista, parnasiana e simbolista. e simbolista.
–, Naturalismo, Parnasianismo e
Simbolismo.

UFMG

A maioria das questões de literatura se refere A maioria das questões de Literatura se refere A maioria das questões de Literatura se refere
às obras de leitura obrigatória. Neste livro, às obras de leitura obrigatória. Neste livro, às obras de leitura obrigatória. No entanto,
encontram-se exercícios sobre importantes alguns exercícios sobre a estética naturalista, também são comuns questões que cobrem
movimentos literários, como o Realismo. da qual faz parte a obra Casa de pensão, de o conhecimento acerca dos movimentos
Aluísio de Azevedo. literários, em geral, e de seus principais
representantes.

Como a Uerj não possui lista obrigatória de Como a Unigranrio não possui uma lista A Souza Marques avalia conhecimentos
obras, as questões contemplam o conhecimen- obrigatória de obras, as questões contemplam acerca dos gêneros literários e dos movimen-
to acerca dos diferentes gêneros literários, das o conhecimento acerca dos diferentes gêneros tos literários brasileiros. Neste livro, estão
escolas/estéticas literárias brasileiras – realista, literários, das escolas/estéticas literárias – presentes questões sobre as estéticas realista,
naturalista, parnasiana e simbolista – e de realista e naturalista – e seus principais naturalista, parnasiana e simbolista.
seus principais representantes. representantes.

41
AULAS REALISMO NO BRASIL
27 E 28
COMPETÊNCIA: 5 HABILIDADES: 15, 16 e 17

1. MACHADO DE ASSIS revelam influências românticas: fase romântica; a partir


daí, o escritor entra numa nova fase: fase realista.

Cronologia
ƒ 1839 – Em 21 de junho nasce no Rio de Janeiro Jo-
aquim Maria Machado de Assis, filho do brasileiro
Francisco José de Assis e da açoriana Maria Leopoldina
Machado de Assis, moradores do Morro do Livramento.
ƒ 1849 – Depois do falecimento de sua mãe e de sua
única irmã, Machado é amparado por sua madrinha.
ƒ 1854 – Seu pai casa-se com Maria Inês da Silva; após
a morte do pai, Machado continuará a viver com a ma-
drasta.
ƒ 1855 – Publica seu primeiro poema, Ela, após tornar-se
colaborador do jornal Marmota Fluminense, de Francis-
co de Paula Brito.
ƒ 1856 – Como aprendiz de tipógrafo, entra para a Tipo-
grafia Nacional.
ƒ 1858 – Tem aulas de francês e latim com o professor
padre Antônio José da Silveira Sarmento. Torna-se revisor
de provas de tipografia e da livraria do jornalista Pau-
Órfão aos dez anos, o menino mestiço do Morro do Livra- la Brito. Lá conhece membros da Sociedade Petalógica:
mento, no Rio de Janeiro, estudou em escolas públicas e Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Manoel de Mace-
tratou de instruir-se por conta própria, interessado que era do. Colabora nos jornais O Paraíba e Correio Mercantil.
pela leitura.
ƒ 1859 – Colabora na revista O Espelho (publicada até
Inteligente e esforçado, Joaquim Maria Machado de Assis janeiro de 1860) como crítico teatral.
(1839-1908) aproximou-se de intelectuais e de jornalistas
que lhe deram oportunidades. Aos dezesseis anos empre- ƒ 1860 – A convite de Quintino Bocaiúva, passa a redator
gou-se na tipografia de Francisco de Paula Brito. Aos deze- do Diário do Rio de Janeiro, sob os pseudônimos Gil, Job
nove já era colaborador assíduo de jornais e revistas cario- e Platão. Resenha debates do Senado, escreve crítica te-
cas: Correio Mercantil, O espelho, Diário do Rio de Janeiro, atral e colabora em A Semana Ilustrada.
Semana Ilustrada, Jornal das Famílias. ƒ 1861 – Publica Desencantos (comédia) e Queda que as
Em 1867, foi nomeado oficial da Secretaria de Agricultu- mulheres têm para os tolos (sátira).
ra, enquanto sua carreira de escritor mostrava-se cada vez ƒ 1862 – Como sócio do Conservatório Dramático Bra-
mais promissora. Casou-se aos trinta anos com a portu- sileiro, exerce função não remunerada de auxiliar da
guesa Carolina Xavier de Novais. censura. É bibliotecário da Sociedade Arcádia Brasileira.
Na passagem do Império para a República, Machado de Colabora em O Futuro, periódico quinzenal sob a dire-
Assis já era um intelectual respeitável. Formado escritor à ção de Faustino Xavier de Novais.
luz do Romantismo, com o tempo enveredou para o Rea- ƒ 1863 – Publica o Teatro de Machado de Assis, do qual
lismo. Portanto, suas obras anteriores à década de 1880 constam duas comédias, O protocolo e O caminho da

42
porta. Passa a publicar contos no Jornal das Famílias. Agricultura. Publicada em livro a comédia Tu, só tu,
puro amor...
ƒ 1864 – Publica seu primeiro livro de versos, Crisálidas.
Em julho firma contrato com B. L. Garnier para a venda ƒ 1882 –- Publica seu terceiro livro de contos, Papéis
definitiva dos direitos autorais do livro. avulsos, do qual faz parte O alienista. Entra em licença
de três meses para tratar-se fora do Rio de Janeiro.
ƒ 1865 – Torna-se sócio-fundador da Arcádia Fluminense.
ƒ 1884 – Publica em livro os contos de Histórias sem
ƒ 1866 – Publica a comédia Os deuses de casaca e sua
data e passa a morar na rua Cosme Velho, onde residi-
tradução do romance Os trabalhadores do mar, de Victor
rá até a morte.
Hugo. No fim do ano, chega ao Rio de Janeiro a portu-
guesa Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta ƒ 1886 – Publica o volume Terras, compilação para estu-
Faustino Xavier de Novais e futura esposa de Machado. do da Secretaria da Agricultura, resultado do trabalho
de oito anos na Comissão de Reforma da Legislação
ƒ 1867 – É agraciado com a Ordem da Rosa, no grau de
das Terras.
cavaleiro, e nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial.
ƒ 1888 – Por decreto imperial é nomeado oficial da Or-
ƒ 1868 – Crítico consagrado, a pedido de José de Alencar,
dem da Rosa.
guia o jovem poeta Castro Alves no mundo das letras.
ƒ 1889 – Em 30 de março é promovido a diretor da Dire-
ƒ 1869 – Casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novais.
toria do Comércio, da Secretaria de Estado da Agricul-
ƒ 1870 – Publica Falenas e Contos fluminenses. tura, Comércio e Obras Públicas.
ƒ 1872 – Publica Ressurreição, seu primeiro romance. ƒ 1891 – Publica em livro o romance Quincas Borba.
ƒ 1873 – Publica Histórias da meia-noite (contos) e No- ƒ 1892 – É promovido a diretor-geral da Viação da Secre-
tícia da atual literatura brasileira: instinto de naciona- taria da Indústria, Viação e Obras Públicas.
lidade (ensaio crítico). É nomeado primeiro oficial da
ƒ 1895 – Araripe Júnior publica um perfil de Machado
Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Co-
de Assis na Revista Brasileira, de José Veríssimo. Em
mércio e Obras Públicas.
dezembro do mesmo ano, Machado passa a ser cola-
ƒ 1874 – Publica A mão e a luva, seu segundo romance. borador da revista.
ƒ 1875 – Publica Americanas, seu terceiro livro de poesias. ƒ 1896 – Publica seu quinto livro de contos Várias histó-
ƒ 1876 – Entre agosto e setembro, publica o romance rias. Dirige a primeira sessão preparatória da fundação
Helena no jornal O Globo. Colabora na revista Ilustra- da Academia Brasileira de Letras (ABL).
ção Brasileira e é promovido a chefe de seção da Secre- ƒ 1897 – Participa da inauguração da ABL e é eleito seu
taria de Agricultura. primeiro presidente, cargo que vai ocupar por dez anos.
ƒ 1878 – Publica o romance Iaiá Garcia em O Cruzeiro ƒ 1899 – Publica o romance Dom Casmurro e Páginas
e edita-o em livro. Em artigo no mesmo jornal publica recolhidas, livro de contos, ensaios e teatro. Firma
crítica ao romance O primo Basílio, de Eça de Queirós, a escritura de venda de toda sua obra a François
que o nomeia defensor de seus direitos autorais, por Hippolyte Garnier.
conta das edições clandestinas da obra no Brasil. Em
licença por motivo de doença, permanece em Friburgo ƒ 1901 – Publica Poesias completas, das quais constam
de onde retorna em março do ano seguinte. Crisálidas, Falenas, Americanas e a coletânea Ocidentais.

ƒ 1879 – Publica na Revista Brasileira, o romance Me- ƒ 1904 – Publica seu penúltimo romance Esaú e Jacó.
mórias póstumas de Brás Cubas e na revista A Estação, Em janeiro, em Friburgo, morre Carolina Augusta Xa-
o romance Quincas Borba e A nova geração (estudo). vier de Novais, dias antes de completarem 35 anos de
casamento. Não tiveram filhos.
ƒ 1880 – É designado Oficial de Gabinete do Ministério
da Agricultura. Em comemoração ao tricentenário do ƒ 1906 – Dedica à mulher já falecida seu mais famoso
poeta português Luís de Camões, organizada pelo Real soneto, A Carolina.
Gabinete Português de Leitura, sua comédia Tu, só tu, ƒ 1908 – Publica seu nono e último romance, Memorial de
puro amor... é representada no teatro Dom Pedro II. Aires. Em 1o de junho entra em licença para tratamento
ƒ 1881 – Publica em livro Memórias póstumas de Brás de saúde. Falece no dia 29 de setembro, aos 69 anos, no
Cubas. Escreve crônicas no jornal Gazeta de Notí- Rio de Janeiro. É enterrado conforme sua determinação:
cias e passa a ser oficial de gabinete do ministro da na sepultura da esposa no Cemitério de São João Batista.

43
1.1. Machado e Carolina: minha carola Poema inédito de Machado de Assis
é descoberto por pesquisador
Poema escrito quando Machado tinha apenas 17 anos.

Depois de mais de cem anos de sua morte, Machado


de Assis (1839-1908) ainda continua a surpreender o
público e a crítica. Segundo a Folha de S. Paulo, Wilton
Marques, professor do Departamento de Letras da
Universidade Federal de São Carlos e da Pós-gradua-
ção em Estudos Literários
da Unesp de Araraquara, encontrou um poema
inédito do autor, escrito quando Machado tinha
apenas 17 anos de idade.

“AI, O AMOR DE UM POETA! AMOR / SUBIDO / INDELÉVEL,


PURÍSSIMO, EXALTADO, /AMOR ETERNAMENTE CONVENCIDO”

Machado de Assis e Carolina Novais viveram juntos duran-


te 35 anos em perfeita harmonia. Um amor de verdade, de
carne e osso. Ela era portuguesa e mais velha que o escri-
tor. Em carta, Machado escreveu uma declaração: “Tu não
te pareces com as mulheres vulgares que tenho conhecido.
Espírito e coração como os teus são prendas raras. Como MACHADO DE ASSIS NA JUVENTUDE
te não amaria eu?”.
O Grito do Ipiranga, nome do poema encontrado
No ano seguinte ao casamento foi publicado o primeiro por Marques e publicado no Correio Mercantil, em
volume dos Contos fluminenses. Mesmo sem ter sido o 9 de setembro de 1856, possui 76 versos. Recheado de
grande sucesso do escritor, os contos apresentam uma patriotismo e de exaltação ao Brasil, o poema é ain-
das características de Machado: o diálogo com o leitor da bastante influenciado pelo Romantismo chamado
e a ironia. “heroico”. Trata-se, sem dúvida, de um Machado bem
diferente daquele que conhecemos, crítico e ácido, de
obras políticas como Esaú e Jacó.
Machado de Assis publicou seu primeiro poema
aos 15 anos e boa parte da sua juventude ainda é
um mistério. Foi membro fundador da Academia
Brasileira de Letras, teve sua obra traduzida para
diversos idiomas, incluindo o tcheco, o sueco e o
estoniano, e é considerado o maior escritor da li-
teratura nacional.
multimídia: livros O poema passou despercebido durante mais de um
Um mestre na periferia do capitalismo século, mesmo sendo assinado como Joaquim Maria
Roberto Schwarz Machado de Assis, ficando de fora de diversos volumes
da obra completa do autor. Não se destacando, segundo
Nesse trabalho, o crítico Roberto Schwarz apon- os estudiosos, esteticamente, o poema é importante por
ta como as liberdades da prosa machadiana da mostrar que Machado publicava em grandes jornais já
maturidade atendem à formalização das rela- aos 17 anos e não aos 19, como antes se imaginava.
ções de classe, cujo traço dominante é a ideolo-
(JÉSSICA BORGES, 14 MAR. 2015. DISPONÍVEL EM:
gia ambivalente das elites brasileiras. <CABINELITERARIA.COM.BR>. ACESSO EM: 23 MAR. 2015).

44
1.2. Primeira fase: ciclo romântico Helena
No ano de 1859 morre o conselheiro Vale, figura de
primeira classe da sociedade do Segundo Reinado,
homem bem relacionado e respeitado. Ele deixa um
filho, Estácio, de vinte e sete anos, e uma irmã, D.
Úrsula, que desde a morte da cunhada cuidara com
desvelo da bela chácara em que vivem, no Andaraí.
A leitura do testamento revela uma segunda filha
do conselheiro Vale, Helena, nascida de uma união
até então desconhecida de toda a família. Enquanto
Estácio aceita o último pedido do pai – levar Helena
para morar na chácara e tratá-la com muito carinho
–, D. Úrsula vê na jovem uma intrusa e usurpadora.
No entanto, o testamento é obedecido. Helena sai do
colégio interno para morar na chácara, onde começa
a mudar a vida de todos.
Helena e Estácio apaixonam-se, mas o rapaz sente-se
Ao analisar os romances e os contos de Machado de Assis culpado, pois acredita ser irmão da moça. Helena, con-
considerados românticos, já se revela a característica que tudo, sabe que não é filha de Vale. O conselheiro teve
haveria de marcar sua obra. Os acontecimentos são nar- um romance secreto com sua mãe e prometeu perfilhar
rados sem precipitação, entremeados de explicações aos a menina e tratá-la com carinho. A atitude esquiva de
leitores por parte do narrador e cheios de considerações Helena, que se encontra às ocultas com seu pai legí-
sobre os comportamentos. Seus personagens não são timo, Salvador, faz com que se desconfie que ela tem
lineares como os dos demais românticos. Têm comporta- um amante.
mentos imprevistos, fazem maquinações, não são transpa- No final, embora perdoada por Estácio, que desco-
rentes, mas interesseiros. A estrutura narrativa, no entanto, bre a verdade, Helena morre em consequência de
ainda é linear: tem começo, meio e fim bem demarcados. uma febre nervosa.
Fazem parte do ciclo romântico as obras Ressurreição, A
mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia e os livros de contos
Histórias da meia-noite e Contos fluminenses. 1.3. Segunda fase: ciclo realista
Com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas,
em 1881, Machado de Assis muda o rumo de sua obra.
Amadurece como escritor e passou a escrever para leitores
mais exigentes. Seus personagens tornam-se mais elabora-
dos, pois são compostos à luz da Psicologia. Além disso, a
técnica de composição do romance é aperfeiçoada: capítu-
los e frases passam a ser mais curtos a fim de estabelecer
maior contato com o leitor. Observa-se também uma apu-
rada análise da sociedade brasileira do final do Segundo
Império, ambiente no qual o casamento começa a ser um
grande alvo da crítica tecida pelo autor.
As estruturas narrativas fogem à linearidade, entremeadas
de digressões temporais, intromissões do narrador e aná-
lise apurada dos acontecimentos. Memórias póstumas de
Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó,
Memorial de Aires são romances do ciclo realista.
Além dos romances, Machado publica cerca de duzentos
FOI NO JORNAL MARMOTA FLUMINENSE QUE MACHADO contos a partir de 1869, começando com os Contos flumi-
DE ASSIS ESTREOU COMO ESCRITOR. nenses, publicados em pleno Romantismo. Suas narrativas

45
curtas estão reunidas em Histórias da meia-noite, Papéis Mas o furacão Eça apareceu no meio do caminho do co-
avulsos, Histórias sem data, Várias histórias, Páginas reco- medido escritor brasileiro, o que levou Machado a reformu-
lhidas, Relíquias da casa velha. lar seus romances.
Merecem destaque os contos A cartomante, Missa do Em dezembro de 1878, seriamente enfermo, Machado,
galo, O alienista, O espelho, Cantiga de esponsais, “bruxo do Cosme Velho” partiu para uma temporada em
Noite de almirante, A igreja do diabo, entre outros. Nova Friburgo. Voltou de lá três meses depois, com o pri-
meiro esboço de Memórias póstumas de Brás Cubas, fura-
A produção poética de Machado de Assis está reunida em
cão ainda mais avassalador que o de Eça.
Falenas, Crisálidas, Americanas, Ocidentais.
A narrativa do “defunto autor”, irônica, fragmentária, in-
Destacam-se as peças de teatro Queda que as mulheres
ventiva, foi um divisor de águas na literatura nacional e
têm para os tolos, Quase ministros e Lição de botânica.
inaugurou a grande fase do autor.
A chave dessa reinvenção está no fato de Machado ter se
abastecido do cânone literário – em Brás Cubas, o caldei-
rão inclui a Bíblia, Xavier de Maistre, Sterne, Shakespeare
e muito mais – de forma despudorada.

1.4. O romance machadiano


“Seja no plano da forma, através das interrupções, seja no
plano do conteúdo, através de anedotas e apólogos sobre
a vaidade humana, a experiência visada não muda. Obser-
multimídia: vídeo vemos enfim que apólogos, anedotas, vinhetas, charadas,
FONTE: YOUTUBE caricaturas, tipos inesquecíveis, etc. – modalidades curtas,
A cartomante em que Machado carrega a tinta na maestria – são formas
Wagner de Assis, Pablo Uranga fechadas em si mesmas, e nesse sentido matéria romanesca
de segunda classe, estranha à exigência de movimento glo-
Rita, noiva de Vilela, se apaixona perdidamente bal própria ao grande romance oitocentista”.
pelo melhor amigo do noivo. Em dúvida sobre (SCHWARZ, ROBERTO. UM MESTRE NA PERIFERIA DO
seu futuro e para resolver seu dilema amoroso, CAPITALISMO – MACHADO DE ASSIS, P.51).

Rita decide consultar uma cartomante. Entretan-


to, as cartas lhe apontam um caminho diferente 1.4.1. O estilo
daquele indicado por sua psicóloga. Será que Elegância e certa contenção, rápidas pinceladas e muita dis-
confiar na vidente é mesmo a melhor decisão? crição na composição da personagem, eis o estilo macha-
diano. Adepto de personagens fortes, as narrativas revelam
excepcional capacidade de observação do ser humano e da
1.3.1. Machado versus Eça sociedade, impressa, aliás, desde o início.
Tudo teria começado em fevereiro de 1878, quando O Pri- As lições que aprendeu dos românticos José de Alencar,
mo Basílio, de Eça de Queiroz, foi publicado no Brasil. A Almeida Garrett, Victor Hugo e Swift levaram-no a apenas
relação adúltera de Luísa com o primo e as críticas demo- organizar seus personagens de modo diverso ao deles.
lidoras aos costumes da burguesia de Lisboa escandaliza-
ram leitores dos dois continentes. 1.4.2. Entrelinhas
Em dois artigos publicados em abril daquele ano, Macha- “No romance machadiano, praticamente não há frase que
do fez severas restrições à trama. Apontou falhas estru- não tenha segunda intenção ou propósito espirituoso. A
turais, condenou a inconsistência psicológica de Luísa e prosa é detalhista ao extremo, sempre à cata de efeitos
descreveu a relação entre os primos como “um incidente imediatos, o que amarra a leitura ao pormenor e dificulta a
erótico, sem relevo, repugnante, vulgar”. imaginação do panorama. Em consequência, e por causa
também da campanha do narrador para chamar a atenção
Ao publicar os dois ensaios sobre Eça, Machado já era autor sobre si mesmo, a composição do conjunto pouco aparece”.
de quatro romances (Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena (SCHWARZ, ROBERTO. IN: UM MESTRE NA PERIFERIA
e Iaiá Garcia). DO CAPITALISMO – MACHADO DE ASSIS. P.18).

46
1.4.3. O olhar detrás das máscaras Brás Cubas, por exemplo, era um exibicionista. Dava festas
muito ricas para ‘fazer barulho’, para aparecer na socie-
Nos romances iniciais, Machado é um romântico crítico, um dade. Quanta gente faz isso ainda hoje, não? Existem até
pouco diferente dos demais, característica singular que ha- revistas especializadas nessa exibição de ricos e famosos.
veria de constituir. O casamento não é a cura para todos os
(MÁRCIA LÍGIA GUIDIN. ESPECIAL PARA A PÁGINA 3.
males (como diziam os românticos), mas um tipo de comér- PEDAGOGIA & COMUNICAÇÃO (ATUALIZADO EM 13 DEZ.
cio, uma certa troca de favores. 2013). DISPONÍVEL EM: < EDUCACAO.UOL.COM.BR>.

Nos romances escritos após 1881, essa crítica social é acentu-


ada e assume uma fina ironia ao contemplar o casamento, o
Joaquim Maria Machado de Assis (1837-1908) era mu-
adultério, a exploração do homem pelo próprio homem. Acos-
lato e nasceu num morro do Rio de Janeiro, numa épo-
tumou-se a olhar detrás das máscaras sociais, a desmascarar o
ca em que, no Brasil, os negros eram ainda escravos.
jogo das relações sociais, a compreender a natureza humana
Não teve educação formal, mal frequentou a escola
mediante personagens com penetrante espírito de análise.
primária. Trabalhou desde cedo e aprendeu o que pôde.
Nos indivíduos sempre há supostas intenções para objetivos
Uma das características mais atraentes e refinadas de
reais. Disso, resultam suas atitudes, veículos de satisfação pes-
Machado de Assis é sua ironia, uma ironia que, embo-
soal para quem as pratica.
ra chegue francamente ao humor em certas situações,
tem geralmente uma sutileza que só a faz perceptível
1.4.4. A criação de mulheres-símbolo a leitores de sensibilidade já treinada em textos de alta
As mulheres ganham tratamento especial na obra ma- qualidade. Essa ironia é a arma mais corrosiva da crítica
chadiana. Não faltam as “dissimuladas”, as ambíguas, machadiana dos comportamentos, dos costumes, das
as sensuais, as astuciosas, as dominadoras sem a fragi- estruturas sociais. Machado a desenvolveu a partir de
lidade da mulher romântica. Não à toa carregam nomes grandes escritores ingleses que apreciava e nos quais
bastante sugestivos: Capitu, capitã (vem do sobrenome se inspirou (sobretudo o originalíssimo Lawrence Ster-
do deus dos mares na mitologia: Netuno Capitolino), ne, romancista do século XVIII).
comandante; Sofia, sabedoria; Iaiá, patroa. (DISPONÍVEL EM: <WEBARTIGOS.COM/ARTIGOS>).

Nos contos, elas assumem o papel de fatais, adúlteras, re-


catadas, sedutoras, fascinantes... 1.4.6. Humor inglês
Acabamos percebendo que as pessoas são as mesmas, que
1.4.5. Linguagem e ironia machadiana o mundo da hipocrisia e da farsa social não mudou. Essa
E nós continuamos a ler o tal romance; com um pouco de sensação é parte do pessimismo machadiano de que tanto
irritação com esse narrador estranho e arrogante, mas con- nos falam os livros. Não gargalhamos, apenas rimos em si-
tinuamos. Adiante, Brás Cubas, contando sua juventude lêncio, com o canto da boca, para nós mesmos. E esse sinal
(era na verdade um playboy rico e desocupado), apaixona- é o famoso humor inglês de que falam os estudiosos: as pia-
-se por uma prostituta de luxo, com quem gasta muito di- das, as ironias são todas assim, inglesas; o defunto diz o que
nheiro (do pai, é claro). Este ficará furioso, mas Brás Cubas, quer, fingindo não dizer.
fingindo certa ingenuidade, nos conta: “Marcela amou-me
Um dos momentos mais cruéis (sim, a ironia às vezes é
por quinze meses e onze contos de réis”. Esta curta frase
cruel com os personagens) chama-se “A flor da moita”.
é maravilhosa, pois, sem denegrir a moça diretamente, o
Sabe por quê? Quando pequeno, Brás havia presencia-
protagonista nos afirma que o amor dela era profissional,
do um beijo às escondidas que um poeta casado dava
interesseiro, por dinheiro. Marcela não o amava: o autor
numa dama solteirona atrás de uma moita da mansão
construiu outra ironia, sugerindo que entendêssemos o
contrário do que disse. de seus pais. Pois bem, anos depois, conheceu a filha
bastarda dessa mesma senhora, a menina Eugênia. Era
E esse romance, tão famoso, vai por aí afora. É só diversão, linda, educada, pura, mas coxa (manca). Eugênia ficou
embora, é claro, com um vocabulário do século 19, o que então sendo “a flor da moita” porque foi concebida no
nem sempre é simples para nós. Na verdade, o tal Brás amor ilícito. Por isso teria defeitos. Perceba que Brás é
Cubas se exibe até no uso do vocabulário, ele é pedante.
grosseiro, vulgar e deseducado. Mas quem vai punir um
Se prosseguimos na leitura, conseguimos rir muito, pen-
defunto? Quem?
sando que os vários episódios vividos naquela sociedade
(MÁRCIA LÍGIA GUIDIN. ESPECIAL PARA A PÁGINA 3. PEDAGOGIA &
(por ele e por todos) são os mesmos nos tempos de hoje. COMUNICAÇÃO. (ATUALIZADO EM 13 DEZ. 2013). DISPONÍVEL EM: <
E muitas ações sociais e morais são as mesmas... O pai de EDUCACAO.UOL.COM.BR>. ACESSO EM: 14 DE MARÇO 2015).

47
1.4.7. Digressão Capítulo I – Óbito do autor
Própria do discurso oratório, a digressão pode apresentar [...] expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do
qualquer medida, aparecer em qualquer parte do texto e em mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catum-
obras de qualquer outra natureza, sobretudo a poesia épi- bi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era
ca, o romance e o ensaio. Empregada desde a Antiguidade solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompa-
greco-latina, constitui expediente difícil de manejar, uma vez nhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Ver-
que pode comprometer a integridade da obra em que se dade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que
insere. Por isso, hoje em dia tende a ostentar sentido pejo- chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e cons-
rativo, equivalente a “desvio”, “divagação”, “subterfúgio”. tante tão constante e tão triste, que levou um daqueles
(MOISÉS MASSAUD. 2004, P. 125). fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no
Tanto em Dom Casmurro (1899) quanto em Memórias discurso que proferiu à beira de minha cova: – “Vós, que o
póstumas de Brás Cubas, a narração é conduzida por per- conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que
sonagens que contam sua própria história e a comentam. a natureza parece estar chorando a perda irreparável de
Por trás de ambos está o escritor Machado de Assis que, um dos mais belos caracteres que cobrem o azul como um
na verdade, conduz a narrativa como um todo. Acrescen- crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe foi à na-
te-se que o narrador se vale, na construção do texto, da tureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime
utilização da narração em primeira pessoa, da participação, louvor ao nosso ilustre finado”.
da técnica da digressão, do jogo de tempo cronológico e [...]
psicológico, do frequente exercício da metalinguagem, da
narração em ar de conversa, tudo isso pontuado pelo hu-
mor e ironia.
(DISPONÍVEL EM: <WEBARTIGOS.COM/ARTIGOS>). Comentário

“Parece claro que a situação de ‘defunto autor’, di-


ferente de ‘autor defunto’ (...) que não desmancha
1.5. Memórias póstumas de Brás Cubas a verossimilhança realista. A todo momento, Brás
exibe o figurino do gentleman moderno, para des-
merecê-lo em seguida, e voltar a adotá-lo, configu-
rando uma inconsequência que o curso do romance
vai normalizar”
(SCHWARZ, ROBERTO. UM MESTRE NA PERIFERIA DO
CAPITALISMO – MACHADO DE ASSIS. P.19).

Capítulo XIV – O primeiro beijo


Tinha dezessete anos; pungia-me um buçozinho que eu
forcejava por trazer a bigode. Os olhos, vivos e resolutos,
eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como
ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era
uma criança com fumos de homem, se um homem com
ares de menino. Ao cabo, era um lindo garção, lindo e au-
daz, que entrava na vida de botas e expostas, chicote na
1.5.1. Uma escrita renovadora mão e sangue nas veias, [...]
A posição de Machado de Assis na literatura brasileira é a de Sim, eu era esse garção bonito, airoso, abastado; e facilmen-
renovador – um abridor de caminhos –, pois revolucionou a te se imagina que mais de uma dama inclinou diante de mim
narrativa, atribuindo-lhe um tom de mais verossimilhança e a fronte pensativa, ou levantou para mim os olhos cobiçosos.
menos superficialidade, e foi além de seu tempo, imprimindo De todas porém a que me cativou logo foi uma... não sei se
à literatura um senso psicológico notável. diga; este livro é casto, ao menos na intenção; na intenção
O caráter inovador de Memórias póstumas de Brás Cubas é castíssimo. Mas vá lá; ou se há de dizer tudo ou nada. A
são as reflexões do personagem, como elas se encadeiam que me cativou foi uma dama espanhola. Marcela, a “linda
e se misturam nos eventos em que ele vive. Marcela”, como lhe chamavam os rapazes do tempo. [...]

48
Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida Ah! Indiscreta! Ah! Ignorantona! Mas é isso mesmo que
pela austeridade do tempo, que lhe não permitia arrastar nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o pas-
pelas ruas os seus estouvamentos e berlinda, luxuosa, im- sado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a
paciente, amiga de dinheiro e de rapazes. Naquele ano, vaidade dos nossos afetos. Deixa lá dizer o Pascal que o ho-
mem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante,
Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de
isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a
réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze
anterior, e que será corrigida também, até a edição definiti-
contos, sobressaltou-se, achou que o caso excedia as falas
va, que o editor dá de graça aos vermes.
de um capricho juvenil.
– Desta vez, disse ele, vais para Europa; vais cursar uma Capítulo CLX
universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para ho-
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a ce-
mem sério e não para arruador e gatuno. E como eu fizesse
lebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não
um gesto de espanto: – Gatuno, sim senhor; não é outra
conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas,
coisa um filho que me faz isto...
coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor
Sacou da algibeira os meus títulos de dívida, já resgatados do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida,
por ele, e sacudiu-os na casa. nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas
– Vês, peralta? É assim que um moço deve zelar o nome coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve
dos seus? Pensas que eu e meus avós ganhamos o dinhei- míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com
ro em casas de jogo ou a vadiar pelas ruas? Pelintra! Desta a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro
vez ou tornas juízo, ou ficas sem coisa nenhuma. lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é
a derradeira negativa deste capítulo de negativas: – Não
Estava furioso, mas de um furor temperado e curto. tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da
Eu ouvi-o calado, e nada opus à ordem da viagem [...] nossa miséria.
(ASSIS, MACHADO DE. MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE
Capítulo XXVIII – Virgília? BRÁS CUBAS. SÃO PAULO: FTD. 1991).

Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos


depois...? A mesma; era justamente a senhora, que em
1.5.2. Nos quadrinhos
1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, Memórias Póstumas de Brás Cubas (em quadrinhos), o
muito antes, teve larga parte nas minhas mais íntimas sen- mais célebre romance brasileiro de todos os tempos, revo-
sações. Naquele tempo contava apenas uns voluntários. lucionário na forma fragmentária, no tempo narrativo não
Não digo já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as linear, no estilo realista irônico, é, ao mesmo tempo, um dos
mocinhas do tempo, porque isto não é romance, e, que mais agudos retratos das elites brasileiras, além de reposi-
lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era tório de algumas passagens mais famosas da literatura em
bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daque- língua portuguesa.
le feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro
indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília,
e era clara, muito clara, financeira, ignorante, pueril, cheia
de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma de-
voção, – devoção ou talvez medo; creio que medo. Aí tem
o leitor, em poucas linhas, retrato físico e moral da pessoa
que devia influir mais tarde na minha vida; era aquilo com
dezesseis anos. Tu que me lês, se ainda fores viva, quando
estas páginas vieram à luz, – tu que me lês, Virgília amada,
não reparas na diferença entre a linguagem de hoje e a
que primeiro empreguei quando te vi? Crê que era tão sin-
cero então como agora; a morte não me tornou rabugento,
nem injusto.
– Mas, dirás tu, se você não guardou na retina da memória
a imagem do que fui, como é que podes assim discernir a
1.5.3. No cinema
verdade daquele tempo, e exprimi-la depois de tanto anos? Depois de morrer, em pleno ano de 1869, Brás Cubas (Re-
ginaldo Faria) decide narrar sua história e revisitar os fatos

49
mais importantes de sua vida a fim de se distrair na eter- Livre do sacerdócio, o moço forma-se em Direito e acaba
nidade. Relembra os amigos, como Quincas Borba (Marcos casando-se mesmo com Capitu.
Caruso), sua displicente formação acadêmica em Portugal,
O casal vive muito bem. Bentinho vai progredindo, man-
os amores de sua vida e o privilégio de nunca ter precisado
tém amizade com Escobar, antigo colega de seminário, e
trabalhar na vida
Sancha, sua esposa. A vida segue seu curso. Nasce-lhe um
(1H41–2001– DISPONÍVEL EM: <ADOROCINEMA.COM/FILMES/
filho, Ezequiel.
FILME-120279/>. ACESSO EM: 22 MAR. 2015).
Escobar morre e, durante o enterro, Bentinho começa a
achar Capitu estranha. Surpreende-a contemplando o ca-
dáver de uma forma que ele interpreta como apaixonada.
A partir do episódio, Bentinho consome-se em ciúme e o
casamento entra em crise. Cada vez mais Ezequiel torna-se
parecido com Escobar – o que precipita em Bentinho a cer-
teza de que ele não é seu filho. O casal separa-se, Capitu e
Ezequiel vão para a Europa e algum tempo depois ela morre.
Já moço, Ezequiel volta ao Brasil para visitar o pai, que
comprova a semelhança do filho com
Escobar. Ezequiel morre no estrangeiro. Cada vez mais
multimídia: vídeo fechado em sua dúvida, Bentinho ganha o apelido de
FONTE: YOUTUBE “Casmurro” e põe-se a escrever a história de sua vida.

Memórias póstumas Capítulo XXXII – Olhos de ressaca


André Klotzel
Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve,
Após ter morrido, em pleno ano de 1869, Brás porém, no qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se
Cubas (Reginaldo Faria) decide narrar sua histó- fez ambas as coisas, como eu. É o que contarei no outro
ria e revisitar os fatos mais importantes de sua capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias
vida, a fim de se distrair na eternidade. A partir do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram
de então, ele relembra amigos, como Quincas dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal,
Borba (Marcos Caruso), sua displicente forma- nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha.
ção acadêmica em Portugal, os amores de sua – Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzi-
vida e, ainda, o privilégio de nunca ter precisado nho para lhe pregar um susto.
trabalhar na vida.
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode
ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai
a barateza), comprado a um mascate italiano, moldura
tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as
1.6. Dom Casmurro duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a ver-
Publicado em 1900, Dom Casmurro é um romance narra- dade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda
ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
do em primeira pessoa. A partir de um flashback da velhice
para a adolescência, Bentinho conta sua própria história. – Há alguma coisa?

Órfão de pai, cresce num ambiente familiar muito carinho- – Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre
so – tia Justina, tio Cosme, José Dias. Cabral chegue para a lição. Como passou a noite?

Recebe todos os cuidados da mãe, D. Glória, que o destina- – Eu bem. José Dias ainda não falou?
ra à vida sacerdotal. – Parece que não.
Sem vocação, Bentinho não quer ser padre. Namora a vizi- – Mas então quando fala?
nha Capitu e quer se casar com ela. D. Glória, presa a uma – Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assun-
promessa que fizera, aceita a ideia inteligente de José Dias to; não vai logo de pancada, falará assim por alto e por
de enviar um escravo ao seminário para ser ordenado no longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer primeiro
lugar do Bentinho. ver se mamãe tem a resolução feita...

50
– Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preci- Poucas mais seriam. Tinha-as escrito com receio de que a
so alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu emoção me impedisse de improvisar. No tílburi em que andei
já nem sei se José Dias poderá influir tanto; acho que fará uma ou duas horas, não fizeram mais que recordar o tempo
tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, do seminário, as relações de Escobar, as nossas simpatias,
mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um a nossa amizade, começada, continuada e nunca interrom-
inferno isto. Você teime com ele, Bentinho. pida, até que um lance da fortuna fez separar para sempre
duas criaturas que prometiam ficar muito tempo unidas. De
– Teimo; hoje mesmo ele há de falar.
quando em quando enxugava os olhos. O cocheiro aventu-
– Você jura? rou duas ou três perguntas sobre a minha situação moral;
– Juro! Deixe ver os olhos, Capitu. não me arrancando nada, continuou o seu ofício.

Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, Chegando a casa, deitei aquelas emoções ao papel; tal se-
“olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Eu não sabia o ria o discurso.
que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se po- Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida.
diam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daque-
me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei le lance consternou a todos. Muitos homens choravam
extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viú-
A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia va, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, que-
do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá- ria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela,
-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa,
enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar cresci- tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem
dos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... algumas lágrimas poucas e caladas...
[...] As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxu-
gou-as depressa, olhando a futuro para a gente que estava
Capítulo CXXII – O enterro na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la;
A viúva... Poupo-vos as lágrimas da viúva, as minhas, as da mas o cadáver parece que a retinha também. Momento
outra gente. Saí de lá cerca de onze horas; Capitu e prima houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais
Justina esperavam-me, uma com o parecer abatido e estú- os da viúva, se, o pranto nem palavras desta, mas grandes
pido, outra enfastiada apenas. e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse
tragar também o nadador da manhã.
– Vão fazer companhia à pobre Sanchinha; eu vou cuidar
(ASSIS, MACHADO DE. DOM CASMURRO. SÃO PAULO: ÁFRICA, 1978).
do enterro.
Assim fizemos. Quis que o enterro fosse pomposo, e a aflu-
ência dos amigos foi numerosa. Praia, ruas, Praça da Gló- “Na construção de Machado, Capitu é a mulher que
ria, tudo eram carros, muitos deles particulares. A casa não inverte o jogo: de oprimida passa a opressora, pois es-
sendo grande, não podiam lá caber todos; muitos estavam colhe Bentinho como quem vai tornar concreto o seu
na praia, falando do desastre, apontando o lugar em que desejo e consegue trazê-lo para si; vive sua época e
Escobar falecera, ouvindo referir a chegada do morto. José assume este desejo como legítimo: quer ser rica, tor-
Dias ouviu também falar dos negócios do finado, divergin- na-se rica. É virtuosa, sim, pois é fiel ao que traçou para
do alguns na avaliação dos bens, mas havendo acordo em si. Mas nem quando ama – pois ama Escobar! – com-
que o passivo devia ser pequeno. Elogiavam as qualidades preende a natureza do próprio desejo. Seu tropeço não
de Escobar. Um ou outro discutia o recente gabinete Rio é amar Escobar, mas não ser capaz de colocar todo o
Branco; estávamos em março de 1881. Nunca me esque- seu Ser naquele propósito que desenhou para si: uma
ceu o mês nem o ano. parte dela ama quem não devia amar. Para Capitu, é
impossível viver o amor, e seus desejos não se reconcil-
Como eu houvesse resolvido falar no cemitério, escrevi algu- iam; o desejo possível (realizado com Bentinho, que lhe
mas linhas e mostrei-as em casa a José Dias, que as achou cobre a matéria) fica de frente com o desejo impossível
realmente dignas do morto e de mim. Pediu-me o papel, (amar plenamente Escobar) e assim Capitu se revela. A
recitou lentamente o discurso, pesando as palavras, e con- grande traição que Dom Casmurro nos mostra é, por
firmou a primeira opinião; no Flamengo espalhou a notícia. fim, a da natureza: a aparência do filho, que expõe o
Alguns conhecidos vieram interrogar-me: desejo fora do controle da anti-heroína gananciosa”.
– Então, vamos ouvi-lo? (MÔNICA R. DE CARVALHO. DISPONÍVEL EM: <FORADEMIM.
COM.BR>. ACESSO EM 22 MAR. 2015).
– Quatro palavras.

51
1.6.1. Na música eterna e tola discussão entre beletristas –, devo ter alcan-
çado pelo menos cem mil desprevenidos. Bom, não apenas
O professor e músico Luiz Tatit criou esta espetacular can-
mostrei que Escobar comeu a Capitu, como, não sei não,
ção que retrata Capitu, personagem atemporal de Macha-
acho que tirei Dom Casmurro do “armário”.
do Assis. Faz menção à concepção de um feminino com
arte que encanta com seu jeito atraente e misterioso. Vale Como não sou dos maiores – e nem mesmo dos menores –
a pena escutá-la também na voz de Zélia Duncan. admiradores do bruxo, fundador da Academia Brasileira de
Letras (“a Glória que fica, eleva, honra e consola”, eu, hein,
Capitu que frase!), não vou discutir a maciça, inexpugnável web
protecionista que se criou em torno dele. Não quero polemi-
De um lado vem você com seu jeitinho zar (falta-me vontade e capacidade) com a candura que os
Hábil, hábil, hábil
erúditos (com acento no ú, por favor) têm pra relação equí-
E pronto!
Me conquista com seu dom
voca entre Capitu, a “dos olhos de ressaca” (que Machado
De outro esse seu site petulante não explica se era ressaca do mar ou de um porre), e Escobar,
WWW o mais íntimo amigo de Bentinho, narrador e personagem do
Ponto livro (evidente alter ego do próprio Machado).
Poderosa ponto com
A desconfiança básica vem desde 1900, quando Machado
É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
publicou Dom Casmurro. Dom Casmurro é ou não é corno,
E todo encanto palavra cujo sentido de humilhação masculina – que ainda
Canto, canto mantém bastante de sua força nesta época de total per-
Raposa e sereia da terra e do mar missividade – na época de Machado era motivo de crime
Na tela e no ar passional, “justa defesa da honra”, e outros desagravos
Você é virtualmente amada amante permitidos pela legislação e pelos costumes.
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular
Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu mulher em milhares
Capitu
No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, o vício
É só navegar, é só te seguir, e então naufragar
Capitu
Feminino com arte
A traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente
Imperando no site
Capitu

1.6.2. Curiosidade
Curioso que, ontem como hoje, o epíteto corna não se gru-
Bentinho que traiu Capitu? dou à mulher. Ela é tola, vítima, “não sei como suporta
Publiquei, através de anos, no Estadão, no O Dia, e no Jornal isso!”, “corneia ele também!”, mas o epíteto não colou.
do Brasil – ao todo aproximadamente dois milhões de exem- Dom Casmurro sofre da dor específica umas 50 páginas
plares – “pesquisa” sobre Dom Casmurro, a obra magna de do romance, envenenado pela hipótese da infidelidade
Machado de Assis. Como minha página era a capa exterior de Capitu. Que dúvida, cara pálida? Capitu deu pra Es-
dos jornais citados, e o assunto era picante – se Escobar, cobar. O narrador da história, Bentinho/Machado, só não
“herói” do romance, tinha ou não tinha comido a Capitu, coloca no livro o DNA do Escobar porque ainda não havia

52
DNA. Mas fica humilhado, desesperado mesmo, à propor- notaram; mas eu não me importo com isso.”
ção que o filho cresce e mostra olhos, mãos, gestos e tudo
Pág. 899 “Durante cerca de cinco minutos esteve com a
o mais do amigo, agora morto. Bentinho chega a chamar
minha mão entre as suas, como se não me visse desde
Escobar de comborço (parceiro na cama).
longos meses.
Mas, pela nossa eterna pruderie intelectual, também ainda
– Você janta comigo, Escobar?
ridiculamente forte com relação a outro tipo de relação, a
homo, nunca vi ninguém falar nada das intimidades entre – Vim para isto mesmo.”
Bentinho e Escobar. É verdade que, na época, Oscar Wilde Pág. 900 “Caminhamos para o fundo. Passamos o lava-
estava em cana por causa do pecado que “não ousava di- douro; ele parou um instante aí, mirando a pedra de bater
zer seu nome”. roupa e fazendo reflexões a propósito do asseio; lembra-
Não fiz interpretações. Apenas selecionei frases – mo- -me só que as achei engenhosas, e ri, ele riu também. A
mentos – do próprio Dom Casmurro/Machado, da edição minha alegria acordava a dele, e o céu estava tão azul, e
da Editora Nova Aguilar. Leiam, e concordem ou não. o ar tão claro, que a natureza parecia rir também conos-
co. São assim as boas horas deste mundo.”
Pág. 868 “Chamava-se Ezequiel de Souza Escobar. Era
um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugidios, como Pág. 901 “Fiquei tão entusiasmado com a facilidade men-
as mãos, como os pés, como a fala, como tudo.” tal do meu amigo, que não pude deixar de abraçá-lo. Era
no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão: um
Mesma página “Escobar veio abrindo a alma toda, desde
padre que estava com eles não gostou…”
a porta da rua até o fundo do quintal. A alma da gente,
como sabes, é uma casa com janelas para todos os lados, Pág. 902 “Escobar apertou-me a mão às escondidas, com
muita luz e ar puro… Não sei o que era a minha. Mas tal força que ainda me doem os dedos.”
como as portas não tinham chaves nem fechaduras, bas- Pág. 913 “Escobar também se me fez mais pegado ao co-
tava empurrá-las e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o ração. As nossas visitas foram-se tornando mais próximas,
achei dentro, cá ficou…”. e as nossas conversações mais íntimas.”
Pág. 876 “Ia alternando a casa e o seminário. Os padres Pág. 914 “A amizade existe; esteve toda nas mãos com
gostavam de mim. Os rapazes também e Escobar mais que que apertei as de Escobar ao ouvir-lhe isto, e na total au-
os rapazes e os padres.” sência de palavras com que ali assinei o pacto; estas vieram
Pág. 883 “Os olhos de Escobar eram dulcíssimos. A cara ra- depois, de atropelo, afinadas pelo coração, que batia com
pada mostrava uma pele alva e lisa. A testa é que era um grande força.”
pouco baixa… mas tinha sempre a altura necessária para Págs. 925/26 (Depois da morte de Escobar) “Era uma bela
não afrontar as outras feições, nem diminuir a graça delas. fotografia tirada um ano antes. (Escobar) estava de pé,
Realmente era interessante de rosto, a boca fina e chocar- sobrecasaca abotoada, a mão esquerda no dorso de uma
reira, o nariz fino e delgado.” cadeira, a direita metida no peito, o olhar ao longe para
a esquerda do espectador. Tinha garbo e naturalidade. A
Mesma página “Fui levá-lo à porta… Separamo-nos com
moldura que lhe mandei pôr não encobria a dedicatória,
muito afeto: ele, de dentro do ônibus, ainda me disse adeus,
escrita embaixo, não nas costas do cartão: ‘Ao meu querido
com a mão. Conservei-me à porta, a ver se, ao longe, ainda
Bentinho o seu querido Escobar 20-4-70c.”
olharia para trás, mas não olhou.”
•••
Mesma página “Capitu viu (do alto da janela) as nossas
despedidas tão rasgadas e afetuosas, e quis saber quem P.S.: Mas, se vocês ainda têm dúvida, leiam a página 845
era que me merecia tanto. do fúlgido romance. Bentinho, ele próprio, fica pasmo, e re-
alizado, quando consegue dar um beijo (quer dizer, apenas
– É o Escobar, disse eu.”
uma bicota) em Capitu. É ele próprio quem fala, entusias-
Pág. 887 “– Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo mado com seu feito de bravura:
também; aqui no seminário você é a pessoa que mais me
“De repente, sem querer, sem pensar, saiu-me da boca esta
tem entrado no coração.
palavra de orgulho:
– Se eu dissesse a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo,
– Sou Homem!”
perderia a graça… Mas a verdade é que não tenho aqui
MILLÔN FERNANDES. DISPONÍVEL EM: <BLOGDOGUSMAO.
relações com ninguém, você é o primeiro, e creio que já COM.BR>. ACESSO EM: 22 MAR. 2015.

53
1.6.3. Nos quadrinhos – HQ Já adulto, Bento reencontra Miguel, um amigo que Bento
conheceu antes de ele desistir da faculdade Engenharia.
O amor (e o ciúme) de Bentinho por Capitu virou história em Miguel está em São Paulo para procurar modelos para um
quadrinhos. A Editora Ática acaba de editar o clássico Dom clipe de uma Banda de Rock (Capital Inicial), que sua em-
Casmurro, escrito por Machado de Assis em 1899, nesse presa está produzindo, e leva Bento para o estúdio, com o
formato, com arte de Rodrigo Rosa e roteiro de Ivan Jaf. O pretexto de conhecê-la, mas na verdade é para aproximá-
lançamento integra a coleção Clássicos Brasileiros em HQ. -lo de sua assistente. É lá que “Dom” acidentalmente re-
Nos quadrinhos, o ainda adolescente Bento Santiago entreou- encontra sua Capitu e dali renasce o romance da infância,
ve a mãe falar que quer torná-lo padre, independentemente só que, agora, avassalador.
de sua nascente paixão pela vizinha Capitu. Dom Casmurro (DISPONÍVEL EM: <WIKIPEDIA.ORG>. ACESSO EM: 23 MAR. 2015).
em quadrinhos é fiel à manutenção do mistério original, no
qual o caráter ambíguo de Capitu merece destaque. 1.6.5. Minissérie
No fim do livro, o leitor conta com a seção bônus, com in- Capitu desenvolve-se a partir da promessa de Dona Glória
formações sobre o processo de construção da obra e curio- (Eliane Giardini), mãe do protagonista Bentinho: depois
sidades sobre o contexto histórico brasileiro do Século 19. de perder um filho, ela jura fazer do próximo herdeiro um
padre; mas Bentinho tem uma enorme paixão por sua vizi-
1.6.4. No cinema nha e melhor amiga Capitu, e por causa da promessa, eles
não podem ficar juntos. Mesmo a contragosto, Bentinho
vai para o seminário, onde conhece Escobar, que vira seu
melhor amigo. Antes de deixar o seminário, José Dias ajuda
Bentinho a ficar junto de sua amada. Já fora do seminá-
rio, vai estudar, forma-se advogado e casa-se com Capitu.
Escobar torna-se comerciante e casa-se com Sancha, ami-
ga de infância de Capitu. O casal Escobar e Sancha gera
uma filha, Capituzinha. Dois anos depois, para a alegria de
Bento e Capitu, nasce Ezequiel. Os casais mantêm fortes
laços de amizade. Num jantar na casa de Escobar, os qua-
multimídia: vídeo tro amigos planejam uma viagem para a Europa. Em um
momento a sós, Bentinho surpreende um olhar intenso de
FONTE: YOUTUBE
Sancha, o que dá vez a um diálogo cheio de insinuações
DOM e uma troca ardorosa de apertos de mãos. Bentinho, forte-
Moacyr Góes mente atraído por Sancha, repele o sentimento e fica mal
ao perceber o desejo pela mulher do melhor amigo. A fata-
“Dom” é um filme brasileiro de 2003, do gê-
lidade marca a vida de Escobar, que morre afogado no dia
nero drama, e é uma reimaginação da obra
Dom Casmurro, de Machado de Assis. O filme seguinte. A morte do amigo aumenta ainda mais a culpa
marca a estreia do roteirista e diretor Moacyr e o ciúme de Bentinho, que, atormentado, acredita ver no
Góes no cinema. próprio filho, Ezequiel, a imagem do amigo por causa do
ocorrido anteriormente.
(DISPONÍVEL EM: <WIKIPEDIA.ORG>. ACESSO EM: 22 MAR. 2015).
Bento (Marcos Palmeira) é um homem cujos pais, apre-
ciadores de Machado de Assis, resolveram batizá-lo com
este nome em homenagem ao personagem homônimo do
1.7. O conto machadiano
livro Dom Casmurro. Tantas vezes foi justificada a razão da Machado de Assis é autor de quase duzentos contos, cujas
homenagem que Bento cresceu com a ideia fixa de que histórias revelam evolução das românticas, leves para mais
seria o próprio personagem e destinado a viver, exatamen- densas, intrigantes, que alcançam o patamar das obras-pri-
te, aquela história. Até chamava sua amiga de infância no mas da Literatura brasileira.
Rio de Janeiro, Ana (Maria Fernanda Cândido), de Capitu.
Seus amigos, conhecedores do seu sentimento de predes- A construção de um conto é, com certeza, muito mais difícil
tinação, apelidaram-no Dom. Bento e Ana separaram-se do que a construção de um romance, porque o conto:
quando a família do menino mudou-se para São Paulo. ƒ é uma narrativa curta e deve prender a atenção do leitor;

54
ƒ deve ter um só e muito interessante conflito; noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos
ƒ deve provocar tensão e conduzir o leitor para um úni- à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria
co efeito; acordá-lo à meia-noite.
ƒ deve manter um perfeito equilíbrio narrativo e; A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão
ƒ trabalha com poucas personagens, em tempo exíguo Menezes, que fora casado em primeiras núpcias com uma de
e em pequenos espaços. minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta
acolheram-me bem, quando vim de Mangara para o Rio de
Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. [...]
Boa Conceição! Chamavam-lhe “a santa”, e fazia jus ao
título, tão facilmente suportava os esquecimentos do ma-
rido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem
extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No
capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria
um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe,
se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O pró-
prio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que
multimídia: vídeo chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de nin-
guém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que
FONTE: YOUTUBE
não soubesse amar. Naquela noite de Natal foi o escrivão
O Alienista ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia
Guel Arraes, Jorge Furtado estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal
para ver “a missa do galo na Corte”. A família recolheu-
O alienista é interessante e envolvente. O as- -se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente,
sunto abordado na obra ainda é polêmico até vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e
os dias atuais. Seus personagens, em especial sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta;
o Dr. Simão, prendem a atenção do leitor. Uma uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira
verdadeira obra de arte de Machado de Assis. ficaria em casa.
– Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? Per-
Machado de Assis foi um contista extraordinário porque sou- guntou a mãe de Conceição.
be manejar as regras do conto como ninguém. O núcleo te- – Leio, D. Inácia.
mático e narrativo reduzido e sua força expressiva altamente
Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros; velha
concentrada do conto machadiano flagra aspectos psicoló-
tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa
gicos da natureza humana.
que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de
ƒ Personagens fortes – as femininas ocupam lugar querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez
de destaque. Como no romance, guardam as ambigui- ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras.
dades típicas do universo feminino; têm força interior; Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas.
estão no comando, são racionais e calculistas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer,
quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase
ƒ Adultério – o tema é explorado implícita – apenas
sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno ru-
sugerido – e explicitamente.
mor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns
ƒ Temas psicológicos – a visão de mundo de Machado passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar;
de Assis é a mesma nos romances e nos contos. Nestes levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o
são uma versão em miniatura do seu modo de interpre- vulto de Conceição.
tar a sociedade. São relatos sofridos, pesados, recriadores – Ainda não foi? perguntou ela.
da vida real, notadamente a carioca do final do século.
Prosa com boa dosagem de humor e de tragédia. – Não fui, parece que ainda não é meia-noite.
– Que paciência!
1.7.1. Missa do galo Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da al-
Nunca pude entender a conversação que tive com uma se- cova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura.
nhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não dispa-

55
ratada com o meu livro de aventuras; fechei o livro; ela Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no
foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espa-
do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, lhadas. Não estando abotoadas, as mangas caíram natu-
sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza: ralmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e
– Não ! qual! Acordei por acordar. menos magros do que se poderiam supor. A vista não era
nova para mim, posto também não fosse comum; naquele
[...] momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias
– Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de eram tão azuis, que, apesar da pouca claridade, podia con-
tempo. Que romances é que você tem lido? tá-las do meu lugar. [...]

Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia- [...]


-me com cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-
por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. -me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um ins-
De vez em quando passava a língua pelos beiços, para tante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela
umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes
ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lem-
a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, bra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou
tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me apare-
de mim os grandes olhos espertos. cem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me.
“Talvez esteja aborrecida”, pensei eu. Uma das que ainda tenho frescas é que em certa ocasião,
ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.
E logo alto:
Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela,
– D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu... quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no
meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia
– Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são
dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um
onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz
arrepio de frio voltou as costas e foi sentar-se na cadeira,
de não dormir de dia?
onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho,
– Já tenho feito isso. que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que
– Eu, não perdendo uma noite, no outro dia estou que pendiam da parede.
não posso, e meia hora que seja, hei de passar pelo sono.
Mas também estou ficando velha.
– Que velha o quê, D. Conceição?
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume
tinha os gestos demorados e as atitudes tranquilas; agora, po-
rém ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala
e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabi-
nete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia,
dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não multimídia: livros
sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo;
essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noi- Ao vencedor as batatas
te. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina Roberto Schwarz
o consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal No ensaio de abertura, “As ideias fora do lu-
deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o gar”, Roberto Schwarz reflete sobre a comédia
círculo das suas ideias; tornou ao espanto de me ver esperar ideológica nacional representada pela dispari-
acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvi- dade entre a sociedade escravista e as ideias
ra missa do galo na Corte, e não queria perdê-la. do liberalismo europeu.
– É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
– Acredito; mas aqui há mais luxo e mais gente também.
Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça.
S. João não digo, nem Santo Antônio...

56
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

O final do século XIX é um tempo de muitas transformações na


vida brasileira. Em 1888, é abolida definitivamente a escravidão.
No ano seguinte, como resultado de um golpe militar, é procla-
mada a República. A Cidade do Rio de Janeiro cumpre, em 1889,
mais uma vez, um papel simbólico fundamental, pois é dian-
te de sua Câmara Municipal, dissolvido o parlamento do Impé-
rio, que se dá a posse dos membros do Governo Provisório da
República, em vias de institucionalização. A República, porém,
não extirpará num passe de mágica as mazelas do Brasil antigo,
nem terminará com as profundas contradições sociais existentes
no país. [...] O Rio de Janeiro, como cenário do novo regime, torna-se objeto de atenção das preocupações cientifi-
cistas da época. Movida pela ideologia do progresso, a virada do século será marcada pela ideia de modernização
urbana – que caracterizará todo o século XX.”
[SANTOS, AFONSO CARLOS MARQUES DOS. “DO LIVRAMENTO AO COSME VELHO: O RIO DE MACHADO DE ASSIS”.
TEXTO DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.REVISTAIPOTES.UFJF.BR/VOLUMES/3/CAP01.PDF.]

Entender e refletir sobre a obra de Machado de Assis é saber lidar com muitas das agruras da sociedade em
que vivemos. O autor, de maneira genial, apontou os principais defeitos da classe social em plena ascensão em
sua época — a Burguesia. O interessante é que o mundo liberal, pano de fundo da crítica machadiana, hoje se
estabelece como neoliberal e carrega as mesmas características, quiçá atenuadas, como falsidades, corrupções,
adultérios e relações pautadas no interesse e na ambição humana, de sua crítica no final do século XIX em sua
mais aguda fase realista.
Ter um olhar crítico para com a lógica de poder de nossos tempos é, sem dúvida, o grande legado que Machado de
Assis deixa em suas obras. Com elegância ele destroça a pompa burguesa, com tapas de luva de pelica desnuda o
quão brega e interesseira é a articulação existencial dos detentores dos meios de produção de sua época e de hoje.

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VIVENCIANDO

BELMINO DE ALMEIDA, “ARRUFOS” (1887), ÓLEO SOBRE TELA, 89,1 CM X 116,1 CM.
MUSEU DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO.

58
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico,
15 social e político.

Esta Habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas vinculadas ao primeiro aspecto da
tríade analítica básica da arte literária (contexto, autor e obra), no caso o conceito de linguagem utilizada pelos autores
em escolas literárias diferentes, mas que se aproximam tematicamente. A construção dos procedimentos literários está
ligada aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção
artística do contexto.

Modelo
(Enem) No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a personagem, critica sutilmente um outro estilo de
época: o Romantismo.
“Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nos-
sa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as
mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos
às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não.
Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo
passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.”
ASSIS, MACHADO DE. MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS. RIO DE JANEIRO: JACKSON, 1957.

A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao Romantismo está transcrita na alternativa:
a) “(...) o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas (...)”
b) “(...) era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça (...)”
c) “Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, (...)”
d) “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos (...)”
e) “(...) o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.“

Análise expositiva: Machado de Assis faz uma sutil crítica aos românticos, que idealizavam a mulher, tor-
A nando-a uma espécie de musa inatingível. Capitu era real e, assim como as mocinhas de sua idade, possuía
sardas e espinhas, mas nem por isso deixava de ser bela.
Alternativa A

59
DIAGRAMA DE IDEIAS

REALISMO NO BRASIL

A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX REVELOU UM PERÍODO DE PROFUNDAS


TRANSFORMAÇÕES NO MODO DE PENSAR E AGIR DAS PESSOAS. OS PROBLEMAS
E CONTRADIÇÕES SOCIAIS COMEÇARAM A SURGIR EM NOME DA REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL, FATORES QUE INFLUENCIARAM AS ARTES E, É CLARO, A LITERATURA.

CARACTERÍSTICAS

• OBJETIVISMO;
• LINGUAGEM CULTA E DIRETA;
• NARRATIVA LENTA, QUE ACOMPANHA O TEMPO PSICOLÓGICO;
• DESCRIÇÕES E ADJETIVAÇÕES OBJETIVAS, COM A FINALIDADE
DE CAPTAR A REALIDADE DE MANEIRA FIDEDIGNA;
• UNIVERSALISMO;
• SENTIMENTOS, SOBRETUDO O AMOR, SUBORDINADOS AOS INTERESSES SOCIAIS;
• HERÓI PROBLEMÁTICO, CHEIO DE FRAQUEZAS;
• NÃO IDEALIZAÇÃO DA MULHER.

O MARCO DO REALISMO NA EUROPA FOI REGISTRADO,


EM1857, COM A PUBLICAÇÃO DO ROMANCE MADAME
BOVARY, DO ESCRITOR FRANCÊS GUSTAVE FLAUBERT.

O INÍCIO DO REALISMO NO BRASIL SE DÁ COM


A PUBLICAÇÃO DAS FAMIGERADAS MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, DE MACHADO DE ASSIS.

60
AULAS NATURALISMO NO BRASIL
29 E 30
COMPETÊNCIA: 5 HABILIDADES: 15, 16 e 17

1. NATURALISMO NO BRASIL

Não é de hoje que a cidade do Rio de Janeiro é dividida entre ricos e pobres, morro e asfalto. Basta ler o romance O cor-
tiço (1890), obra-prima de Aluísio Azevedo (1857-1913), para perceber que os contrastes sociais já faziam parte do dia
a dia dos cariocas desde o século XIX. Ambientada nas vésperas da Abolição e da Proclamação da República, a história
revela um efervescente ambiente urbano, construído à luz da observação do cotidiano e sob a influência da literatura
francesa – notadamente do romance L’assommoir (A taberna), 1877, do francês Émile Zola (1840-1902), inspirador do
naturalismo francês do qual Azevedo é seguidor.

1.1. Contexto
Na tentativa de acabar com os cortiços no Rio de Janeiro,
muitos pobres foram literalmente empurrados para longe
da cidade e para os morros, onde se formaram as favelas.
O fim da escravidão e o início do período republicano no
Brasil foram marcados por conflitos e revoltas populares
também no Rio de Janeiro. Em 1904, estourou um mo-
vimento de caráter popular desencadeado contra a cam-
panha de vacinação obrigatória contra a varíola, imposta
pelo governo federal.

61
ƒ detalhismo – a caracterização das personagens e am-
bientes é minuciosa; o amor é materializado; e a mulher
passa a ser vista como objeto de prazer masculino;
ƒ denúncia das injustiças sociais – levada pela fun-
ção social da arte, a literatura denuncia o preconceito e
a ambição humanos;
ƒ determinismo e causalidade – busca da explica-
ção lógica para o comportamento das personagens;
consideração da soma de fatores que justificam suas
1.1.1. Revolta popular atitudes; visão de mundo determinista e mecanicista;
homem próximo ao animal (zoomorfismo);
A revolta engrossava a cada dia, impulsionada pela crise
econômica – desemprego, inflação e alto custo de vida. ƒ linguagem popular e coloquial – emprego de ter-
A reforma urbana retirou a população pobre do centro da mos e sentidos comuns aos das personagens cotidia-
cidade, derrubando cortiços e habitações simples. nas; linguagem simples, natural e clara;

Espalhados pelas ruas, populares destruíam bondes e ape- ƒ cientificismo – caracterização e análise objetivas das
drejavam prédios públicos. Em 16 de novembro de 1904, personagens, consideradas casos a serem analisados;
o presidente Rodrigues Alves revogou a lei da vacinação ƒ personagens patológicas – mórbidas, adúlteras,
obrigatória e mandou que o exército, a marinha e a polícia assassinas, bêbadas, miseráveis, doentes, prostitu-
acabassem com os tumultos. tas; procuram comprovar a tese determinista sobre
o ser humano.
1.1.2. Burguesia versus proletariado
A segunda metade do século XIX foi caracterizada pela con- 1.1.3. Diferenças entre
solidação do poder da burguesia, do materialismo e do cres- Realismo e Naturalismo
cimento do proletariado. De um lado, o progresso, represen-
tado pelo crescimento das cidades; de outro, o crescimento Realismo
dos bairros pobres onde residiam os operários. Enquanto a ƒ Mergulho psicológico
burguesia lutava pelo dinheiro e pelo poder, o operário ma- ƒ Retrato fiel da personagem
nifestava sua insatisfação e promovia as primeiras greves. ƒ Personagem esférica
Nessa conjuntura nasceram e desenvolveram-se as ciências ƒ Materialização do amor
sociais, preconizando o desenvolvimento científico, que le- ƒ Veracidade
ƒ Classes dominantes (burguesia urbana)
varam à substituição o idealismo e o tradicionalismo pelo
ƒ Influência de Gustave Flaubert (França)
materialismo e racionalismo. O método científico passou a
ƒ Conclusões tiradas pelos leitor
ser o meio de análise e compreensão da realidade. Teorias
desse naipe deram fundamentos ideológicos à literatura Naturalismo
realista-naturalista, quais sejam: a teoria determinista, de ƒ Visão determinista
Hippolyte Taine (1825-1893), encarava o comportamen- ƒ Cientificismo
to humano como determinado pela hereditariedade, pelo ƒ Zoomorfismo
meio e pelo momento; e a teoria evolucionista, de Charles ƒ Classes dominadas (pobres e favelados)
Darwin (1809-1882) defendia a tese de que o homem des- ƒ Emprego de termos técnicos
cende dos animais. ƒ Personagens patológicas e biológicas
ƒ Determinismo, evolucionismo, positivismo
As características do naturalismo literário são ligadas à ƒ Foco na terceira pessoa
realidade da época cujo tom deixa de ser tão poético e ƒ Romance de tese (experimental)
subjetivo, como nas escolas precedentes. ƒ Influência de Émile Zola (França)
Os romances naturalistas revelam:
ƒ veracidade – as narrativas buscam seus correspon- 1.2. Aluísio Azevedo
dentes na realidade;
Aluísio Azevedo (1857-1913) deixou São Luís do Ma-
ƒ contemporaneidade – essa realidade retrata com ranhão, onde nasceu e, aos dezenove anos, veio para o
fidelidade as personagens reais, vivas, não idealizadas; Rio de Janeiro. Lá morou com o irmão, Artur Azevedo, e

62
dedicou-se persistentemente ao desenho e à pintura na Considerado o mais importante dos naturalistas brasileiros,
Imperial Academia de Belas-Artes. em sua obra não há excesso de exploração da patologia
humana, como ocorre, por exemplo, na obra do francês
Aos vinte e um anos voltou a São Luís, onde passou a co-
Émile Zola.
laborar na imprensa local. Em 1879, já havia lançado o
romance romântico Uma lágrima de mulher. Mas foi em Aluísio prefere a observação direta da realidade da qual
1881 que seu nome tornou-se conhecido com a publica- ressalta, sobretudo, a influência que o meio exerce sobre o
ção do romance O mulato, cuja temática, bastante critica- homem, segundo a teoria determinista de Hippolyte Taine.
da pela sociedade local, atacava o preconceito racial. Por
isso, Aluísio foi aconselhado a “pegar na enxada, em vez
de ficar escrevendo”.
De volta para o Rio de Janeiro, produziu folhetins românti-
cos para jornais. Memórias de um condenado e Mistérios
da Tijuca foram alguns deles ditados pelas necessidades
de sobrevivência. Escreveu também obras mais bem elabo-
radas à luz da estética realista-naturalista, como Casa de
pensão e O cortiço, que consolidaram seu prestígio.
Em 1895 foi nomeado vice-cônsul em Vigo, na Espanha. multimídia: livros
Foi o início de uma atribulada carreira diplomática, que o
levaria a Locoama, no Japão, a La Plata, na Argentina, a Aluísio Azevedo, de Antônio Dimas
Salto Oriental, no Uruguai, a Cardiff; na Inglaterra, a Ná- Esse livro faz parte de um coleção que se desti-
poles, na Itália e, finalmente, a Buenos Aires, na Argentina. na não só a estudantes – especialmente os do
segundo grau e de cursos pré-universitários – e
professores mas também a todas as pessoas in-
1.2.1. Fase romântica teressadas em literatura. Apresenta textos sele-
Dentre os seus folhetins românticos destacam-se Uma lágri- cionados, análises histórico-literárias, biografias
ma de mulher; Memórias de um condenado ou A Condessa e atividades de compreensão de texto.
Vésper; Filomena Borges; A mortalha de Alzira; Mistério da
Tijuca ou Girândola de amores.

1.2.2. Fase naturalista 1.3. O cortiço


Nesse seu melhor romance naturalista, focaliza o proletaria-
do urbano do Rio de Janeiro que vive num ambiente coletivo:
um cortiço. Os personagens são criados sob uma visão de
conjunto cujo meio influi categoricamente, despersonalizan-
do-os e a tudo dominando.
O espaço é o elemento de destaque na obra que está inti-
mamente ligado aos personagens. Como o romance possui
muitos deles, a coletividade torna-se um fator preponde-
rante na obra, o que faz com que O Cortiço seja considera-
do um romance da multidão. As personagens espelham o
nascimento do proletariado no Rio de Janeiro, em fins do
século XIX.

Romances: O mulato; Casa de pensão; O homem; O coruja;


O cortiço; O livro de uma sogra e os contos Demônios; Pe-
gadas; O touro negro.

63
O cortiço exemplo das teses naturalistas, como o determi-
nismo biológico e geográfico, ao passo que são in-
fluenciados pelo ambiente em que estão inseridos,
como é o caso do português Jerônimo, por exem-
plo, que tem uma vida exemplar até cair nas gra-
ças da mulata Rita Baiana, largando sua esposa e
mudando todos os seus hábitos em prol da atração
sexual que sente pela nova moça.
Além dele, há o exemplo de Pombinha, uma moça
culta que sonhava em se casar, mas renuncia a isso
para viver como prostituta, após se envolver com Léo-
nie (uma jovem que também levava essa vida). Assim,
A obra narra inicialmente a trajetória de João Romão, esses personagens são animalizados, colocados como
ganancioso comerciante de origem portuguesa, dono agindo por puro instinto.
de uma pedreira, de uma taverna e de um terreno de
bom tamanho, no Rio de Janeiro, onde constrói ca-
sinhas de baixo custo para alugar. Em busca do en-
riquecimento, não mede esforços para isso, ou seja,
explora seus empregados, faz furtos, etc. Sua amante,
a ex-escrava Bertoleza, o ajuda de domingo a domin-
go, trabalhando incansavelmente.
Em seguida entra na história Miranda, um comercian-
te bem estabelecido que desperta a inveja de João
Romão, que passa a trabalhar e explorar seus empre-
gados cada vez mais para se tornar mais rico que ele.
Porém, no momento em que Miranda recebe o título
de barão, João Romão entende que não basta ganhar
dinheiro, é necessário também possuir uma posição
multimídia: vídeo
social reconhecida, como frequentar bons restauran- FONTE: YOUTUBE
tes, teatros, usar roupas finas, etc. E começa a fazê-lo,
O cortiço
até receber também o mesmo título.
“O cortiço” é um filme brasileiro de 1978, do
A partir daí João Romão se equipara à Miranda e co- gênero drama, dirigido por Francisco Ramalho
meça a imitar suas conquistas, reformando o cortiço, Jr., com roteiro baseado no livro homônimo de
a taverna, etc, ostentando agora ares aristocráticos. Aluísio Azevedo.
Além disso, se aproxima da família de Miranda e pede
a mão da filha dele, Zulmira, em casamento, visando
ascender ainda mais. Há, entretanto, o empecilho re-
presentado por Bertoleza, que, percebendo a intenção 1.4. Trechos de O cortiço
de João Romão em se livrar dela, exige parte dos bens
que ele acumulou enquanto ela estava ao seu lado. 1.4.1. Capítulo III
Diante disso, para se ver livre da amante, que atrapa-
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrin-
lha seus planos de ascensão social, ele a denuncia a
do, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e jane-
seus antigos donos como escrava fugida. Assim, num
las alinhadas.
gesto desesperado prestes a ser capturada, Bertoleza
se mata, deixando o caminho livre para o casamento Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assen-
de Romão e Zulmira. tada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda
Paralelamente à história da ganância de João Romão, na indolência de neblina as derradeiras notas da última
estão os habitantes do cortiço: pessoas com menor guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e
ambição financeira, que todo o tempo servem de tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido
em terra alheia.

64
não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante,
um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro
e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crian-
ças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali
mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem
ou no recanto das hortas.

A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, ume-


decia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As ROUPA ESTENDIDA. (ÓLEO SOBRE TELA, 67 CM
pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em X 82 CM. 1944. ELISEU VISCONTI.)
alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez [...]
grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas “Machona”, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos
de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o ma- e grossos, anca de animal do campo. Tinha duas filhas, uma
rulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; casada e separada do marido, Ana das Dores, a quem só
começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café chamavam a “das Dores” e outra donzela ainda, a Nenen, e
aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de mais um filho, o Agostinho, menino levado dos diabos, que
janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; re- gritava tanto ou melhor que a mãe. A das Dores morava em
atavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada sua casinha à parte, mas toda a família habitava no cortiço.
cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros Ninguém ali sabia ao certo se a Machona era viúva ou des-
abafados de crianças que ainda não andam. No confuso quitada; os filhos não se pareciam uns com os outros. A das
rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vo- Dores, sim, afirmavam que fora casada e que largara o ma-
zes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de mar- rido para meter-se com um homem do comércio; e que este,
recos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns retirando-se para a terra e não querendo soltá-la ao desam-
quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na paro, deixara o sócio em seu lugar. Teria vinte e cinco anos.
parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança
Nenen dezessete. Espigada, franzina e forte, com uma proa-
dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espane- zinha de orgulho da sua virgindade, escapando como enguia
jando-se à luz nova do dia. por entre os dedos dos rapazes que a queriam sem ser para
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; casar. Engomava bem e sabia fazer roupa branca de homem
uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, com muita perfeição.
após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do Ao lado da Leandra foi colocar-se à sua tina a Augusta Car-
fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. ne-Mole, brasileira, branca, mulher de Alexandre, um mu-
O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender lato de quarenta anos, soldado de polícia, pernóstico, de
as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes grande bigode preto, queixo sempre escanhoado e um luxo
a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas des- de calças brancas engomadas e botões limpos na farda,
piam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; quando estava de serviço. Também tinham filhos, mas ain-
os homens, esses não se preocupavam em não molhar o da pequenos, um dos quais, a Juju, vivia na cidade com a
pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água madrinha que se encarregava dela. Esta madrinha era uma
e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e cocote de trinta mil-réis para cima, a Léonie, com sobrado
fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas na cidade. Procedência francesa.

65
Alexandre em casa, à hora de descanso, nos seus chinelos piramidal. Da sua passada grandeza só lhe ficara uma caixa
e na sua camisa desabotoada, era muito chão com os com- de rapé de ouro, na qual a inconsolável senhora pitadeava
panheiros de estalagem, conversava, ria e brincava, mas agora, suspirando a cada pitada.
envergando o uniforme, encerando o bigode e empunhan-
A filha era a flor do cortiço. Chamavam-lhe Pombinha. Bo-
do a sua chibata, com que tinha o costume de fustigar as
nita, posto que enfermiça e nervosa ao último ponto; loura,
calças de brim, ninguém mais lhe via os dentes e então a
muito pálida, com uns modos de menina de boa família. A
todos falava teso e por cima do ombro. A mulher, a quem
mãe não lhe permitia lavar, nem engomar, mesmo porque
ele só dava “tu” quando não estava fardado, era de uma
o médico a proibira expressamente. [...]
honestidade proverbial no cortiço, honestidade sem mérito,
porque vinha da indolência do seu temperamento e não do
arbítrio do seu caráter.
1.4.2. Capítulo VII
[...]
Junto dela pôs-se a trabalhar a Leocádia, mulher de um
ferreiro chamado Bruno, portuguesa pequena e socada, Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, re-
de carnes duras, com uma fama terrível de leviana entre bolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a
as suas vizinhas. esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de
gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofe-
Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota, a quem
gante; já correndo de barriga empinada; já recuando de
respeitavam todos pelas virtudes de que só ela dispunha
para benzer erisipelas e cortar febres por meio de rezas e braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando
feitiçarias. Era extremamente feia, grossa, triste, com olhos num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma
desvairados, dentes cortados à navalha, formando ponta, pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à
como dentes de cão, cabelos lisos, escorridos e ainda retin- vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos
tos apesar da idade. Chamavam-lhe “Bruxa”. no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca
parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e
Depois seguiam-se a Marciana e mais a sua filha Florinda. cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços,
A primeira, mulata antiga, muito séria e asseada em exa- que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a
gero: a sua casa estava sempre úmida das consecutivas carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando. [...]
lavagens. Em lhe apanhando o mau humor punha-se logo
a espanar, a varrer febrilmente, e, quando a raiva era gran- O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desespe-
de, corria a buscar um balde de água e descarregava-o com rando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a
fúria pelo chão da sala. A filha tinha quinze anos, a pele de Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo
um moreno quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles re-
luxuriosos de macaca. Toda ela estava a pedir homem, mas quebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata
sustentava ainda a sua virgindade e não cedia, nem à mão soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmonio-
de Deus Padre, aos rogos de João Romão, que a desejava sa, arrogante, meiga e suplicante.
apanhar a troco de pequenas concessões na medida e no
peso das compras que Florinda fazia diariamente à venda.
Depois via-se a velha Isabel, isto é, Dona Isabel, porque ali
na estalagem lhe dispensavam todos certa consideração, pri-
vilegiada pelas suas maneiras graves de pessoa que já teve
tratamento: uma pobre mulher comida de desgostos. Fora
casada com o dono de uma casa de chapéus, que quebrou e
suicidou-se, deixando-lhe uma filha muito doentinha e fraca,
a quem Isabel sacrificou tudo para educar, dando-lhe mestre
até de francês. Tinha uma cara macilenta de velha portugue-
sa devota, que já foi gorda, bochechas moles de pelancas
rechupadas, que lhe pendiam dos cantos da boca como sa-
quinhos vazios; fios negros no queixo, olhos castanhos, sem- RODA DE SAMBA. HEITOR DOS PRAZERES.
pre chorosos engolidos pelas pálpebras. Puxava em bandós
sobre as fontes o escasso cabelo grisalho untado de óleo de E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma
amêndoas doces. Quando saía à rua punha um eterno ves- pelos olhos enamorados.
tido de seda preta, achamalotada, cuja saia não fazia rugas, Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das
e um xale encarnado que lhe dava a todo o corpo um feitio impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz

66
ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas Rio de Janeiro em 25 de dezembro de 1895. É o patrono
da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, da cadeira no 33 da ABL, por escolha do fundador Domício
que o atordoara nas matas brasileiras[...]. da Gama.

(AZEVEDO, ALUÍSIO. O CORTIÇO. SÃO PAULO: ÁTICA, 1945). Era filho de Antônio de Ávila Pompeia, homem de recursos e
advogado, e de Rosa Teixeira Pompeia, que pertencia à famí-
lia de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Transferiu-se
1.5. Raul Pompeia cedo com a família para a Corte e foi internado no Colégio
Raul D’Ávila Pompeia (1863-1895) tinha apenas dez anos Abílio, um estabelecimento de ensino que adquirira grande
quando foi matriculado num internato, dirigido pelo dou- prestígio, dirigido pelo educador Abílio César Borges, o Barão
tor Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas, no Rio de de Macaúbas – o mesmo que, em Salvador, educara Castro
Janeiro. Após concluir os estudos primários, entrou para o Alves e Rui Barbosa. Passando do ambiente familiar austero
Imperial Colégio D. Pedro II, em 1879. e fechado para a vida no internato, Raul Pompeia recebeu
um choque profundo no contato com estranhos. Logo se
Em literatura, o adolescente admirava Flaubert e Zola e de-
distinguiu como aluno aplicado, com o gosto pelos estudos
liciava-se com as ideias de liberdade aprendidas na leitura
e pelas leituras; bom desenhista e caricaturista, redigia e ilus-
de Rousseau. No final do colégio, já tinha pronto seu pri-
trava do próprio punho o jornalzinho O Archote. Em 1879,
meiro romance: Uma tragédia no Amazonas.
transferiu-se para o Colégio Pedro II, para fazer os prepara-
Em 1881, matriculou-se na Faculdade de Direito de São tórios, e ali se projetou como orador e publicou seu primeiro
Paulo. Três anos depois, já como jornalista consagrado, abo- livro, Uma tragédia no Amazonas (1880).
licionista e republicano, foi reprovado na Faculdade. Nesse
Reprovado no terceiro ano, em 1883 seguiu com 93 aca-
tempo escrevera mais um romance: As joias da Coroa.
dêmicos para o Recife e lá concluiu o curso de Direito, mas
não exerceu a advocacia. De volta ao Rio de Janeiro em
1885, dedicou-se ao jornalismo, escrevendo crônicas, fo-
lhetins, artigos, contos e participando da vida boêmia das
rodas intelectuais. Nos momentos de folga escreveu O Ate-
neu, “crônica de saudades”, romance de cunho autobio-
gráfico, narrado em primeira pessoa, contando o drama de
um menino que, arrancado do lar, é posto num internato
da época. Publicou-o em 1888, primeiro em folhetins, na
Gazeta de Notícias, e, logo a seguir, em livro, que o consa-
grou definitivamente como escritor.
Decretada a Abolição, em que se empenhara, passou a
dedicar-se à campanha favorável à implantação da Repú-
blica. Em 1889 colaborou em A Rua, de Pardal Mallet, e no
Jornal do Comércio. Proclamada a República, foi nomeado
professor de mitologia da Escola de Belas Artes e, logo a
seguir, diretor da Biblioteca Nacional. No jornalismo reve-
lou-se um florianista exaltado, grande jacobino que era, em
oposição a intelectuais do seu grupo, como Pardal Mallet
e Olavo Bilac. Numa das discussões, surgiu um duelo entre
Bilac e Pompeia. Combatia o cosmopolitismo, achando que
o militarismo, encarnado por Floriano Peixoto, constituía a
defesa da pátria em perigo. Referindo-se à luta entre por-
Tomou, então, a decisão de se transferir para o Recife, onde
tugueses e ingleses, desenhou uma de suas melhores char-
terminou o curso, em 1885, e começou a escrever o roman-
ges: O Brasil crucificado entre dois ladrões. Com a morte
ce que haveria de consagrá-lo: O Ateneu, publicado sob a
de Floriano, em 1895, foi demitido da direção da Biblioteca
forma de folhetim em 1888.
Nacional, acusado de desacatar a pessoa do então Presi-
dente da República, Prudente de Morais, no explosivo dis-
1.5.1. Biografia curso pronunciado em seu enterro. Rompido com amigos,
Raul de Ávila Pompeia nasceu em Jacuecanga, Angra dos caluniado em artigo de Luís Murat, sentindo-se desdenha-
Reis(RJ) em 12 de abril de 1863, e faleceu na cidade do do por toda parte, inclusive dentro do jornal A Notícia, que

67
não publicara o segundo artigo de sua colaboração – o
que, aliás, tratou-se de um simples atraso –, pôs fim à vida,
1.6. Trechos de O Ateneu
com um tiro no coração, no dia de Natal de 1895.
A posição de Raul Pompeia, ficcionista de alturas geniais,
na literatura brasileira é controvertida. A princípio a crítica
o julgou pertencente ao Naturalismo, mas as qualidades
artísticas presentes em sua obra fazem-no aproximar-se do
Simbolismo, ficando a sua arte como a expressão típica, na
literatura brasileira, do estilo impressionista.
(DISPONÍVEL EM: <ACADEMIA.ORG.BR/ABL>. ACESSO EM: 22 MAR. 2015).

1.6.1. Capítulo I
O Ateneu [...]
O romance O Ateneu tem cunho memorialista e res- O diretor recebeu-nos em sua residência, com manifesta-
salta-se em seu eixo fundamental o estudo psicológi- ções ultra de afeto. Fez-se cativante, paternal; abriu-nos
co de um adolescente. O foco narrativo é centrado em amostras dos melhores padrões do seu espírito, evidenciou
Sérgio, personagem constantemente em conflito com as faturas do seu coração. O gênero era bom sem dúvi-
os valores impostos pela direção do internato. da nenhuma; que apesar do paletó de seda e do calçado
raso com que se nos apresentava, apesar da bondosa fa-
miliaridade com que declinava até nós, nem um segundo
o destituí da altitude de divinização em que o meu critério
embasbacado o aceitara.
[...]
Surpreendendo-nos com esta frase, untuosamente escoada
por um sorriso, chegou a senhora do diretor, D. Ema. Bela
Surgem no romance os problemas criados pela edu- mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac,
cação convencional: a homossexualidade, as revoltas formas alongadas por graciosa magreza, erigindo, porém,
e a corrupção. o tronco sobre quadris amplos, fortes como a maternidade;
olhos negros, pupilas retintas de uma cor só, que pareciam
Oscilando entre ser um diário e um romance, o livro é re-
encher o talho folgado das pálpebras; de um moreno rosa
cheado das experiências do menino Sérgio no internato,
que algumas formosuras possuem, e que seria também a
dirigido pela mão de ferro do diretor Aristarco de Ramos.
cor do jambo, se jambo fosse rigorosamente o fruto proi-
Trata-se de quadros narrativos que vão sendo expos- bido. Adiantava-se por movimentos oscilados, cadência de
tos ao leitor. Personagens e situações do colégio são minueto harmonioso e mole que o corpo alternava. Vestia
apresentados, desvendando-se um mundo de hipocri- cetim preto justo sobre as formas, reluzente como pano
sias e falsidades em que até amigos tornam-se dela- molhado; e o cetim vivia com ousada transparência a vida
tores. A história do internato passa pela formação se- oculta da carne. Esta aparição maravilhou-me.
xual e intelectual do adolescente como um reflexo da
Houve as apresentações de cerimônia, e a senhora com
sociedade e focaliza, ao mesmo tempo, a decadência
um nadinha de excessivo desembaraço sentou-se ao divã
do regime monárquico-escravocrata brasileiro.
perto de mim.
No colégio há um sistema de “proteções”, em que es-
– Quantos anos tem? – perguntou-me.
tudantes mais velhos tomam a guarda de mais novos.
O sistema esconde todo tipo de baixeza, inclusive o as- – Onze anos...
sassinato provocado pela criada Ângela. A atmosfera
– Parece ter seis, com estes lindos cabelos.
saturada e falsa, forjada pelo diretor Aristarco, contami-
na a todos, com exceção de D. Ema, esposa do diretor, Eu não era realmente desenvolvido. A senhora colhia-me o
que é pessoa de muito boa vontade e vem a ser alvo de cabelo nos dedos:
uma paixão platônica do menino Sérgio. A obra termina – Corte e ofereça a mamãe, aconselhou com uma carícia; é
com um incêndio provocado pelo estudante Américo. a infância que aí fica, nos cabelos louros... Depois, os filhos
nada mais têm para as mães.

68
O poemeto de amor materno deliciou-me como uma divi- e anguloso, incapaz de ficar sentado três minutos, sempre
na música. Olhei furtivamente para a senhora. Ela conser- à mesa do professor e sempre enxotado, debulhando um
vava sobre mim as grandes pupilas negras, lúcidas, numa risinho de pouca-vergonha, fazendo agrados ao mestre,
expressão de infinda bondade! Que boa mãe para os me- chamando-lhe bonzinho, aventurando a todo ensejo uma
ninos, pensava eu. Depois, voltada para meu pai, formulou tentativa de abraço que Mânlio repelia, precavido de con-
sentidamente observações a respeito da solidão das crian- fianças; Batista Carlos, raça de bugre, válido, de má cara,
ças no internato. coçando-se muito, como se o incomodasse a roupa no cor-
[...] po, alheio às coisas da aula, como se não tivesse nada com
aquilo, espreitando apenas o professor para aproveitar as
distrações e ferir a orelha aos vizinhos com uma seta de
papel dobrado. Às vezes a seta do bugre ricochetava até
à mesa de Mânlio. Sensação; suspendiam-se os trabalhos;
rigoroso inquérito. Em vão, que os partistas temiam-no e
ele era matreiro e sonso para disfarçar.
Dignos de nota havia ainda o Cruz, tímido, enfiado, sempre
de orelha em pé, olhar covarde de quem foi criado a panca-
das, aferrado aos livros, forte em doutrina cristã, fácil como
um despertador para desfechar as lições de cor, perro como
uma cravelha para ceder uma ideia por conta própria; o
Sanches, finalmente, grande, um pouco mais moço que o
venerando Rebelo, primeiro da classe, muito inteligente,
vencido apenas por Maurílio, na especialidade dos noves
fora vezes tanto, cuidadoso dos exercícios, êmulo do Cruz
na doutrina, sem competidor na análise, no desenho linear,
na cosmografia.
(POMPEIA, RAUL. O ATENEU. SÃO PAULO: ÁTICA, 1986.]

1.6.2. Capítulo II
[...]
Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma varie-
dade de tipos que me divertia. O Gualtério, miúdo, redon-
do de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas
de símio – palhaço dos outros, como dizia o professor; o
Nascimento, o bicanca, alongado por um modelo geral de
pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma foice; o Ál-
vares, moreno, cenho carregado, cabeleira espessa e inton- multimídia: vídeo
sa de vate de taverna, violento e estúpido, que Mânlio ator- FONTE: YOUTUBE
mentava, designando-o para o mister das plataformas de
bonde, com a chapa numerada dos recebedores, mais leve
Germinal
de carregar que a responsabilidade dos estudos; o Almeidi- Durante o século XIX, os trabalhadores france-
ses eram explorados pela aristocracia burguesa,
nha, claro, translúcido, rosto de menina, faces de um rosa
que dava condições miseráveis para seus em-
doentio, que se levantava para ir à pedra com um vagar
pregados. Em uma cidade francesa, os traba-
lânguido de convalescente; o Maurílio, nervoso, insofrido, lhadores de uma grande mineradora decidiram
fortíssimo em tabuada: cinco vezes três, vezes dois, noves realizar uma greve e se rebelar contra seus che-
fora, vezes sete?... Iá estava Maurílio, trêmulo, sacudindo fes, causando o caos.
no ar o dedinho esperto... olhos fúlgidos, rosto moreno,
marcado por uma pinta na testa; o Negrão, de ventas ace-
sas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto

69
VIVENCIANDO

“CERIMÔNIA DE PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE 1891”, DE FRANCISCO AURÉLIO DE FIGUEIREDO E MELO

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Algumas teorias deram fundamentos ideológicos à literatu-


ra do Realismo-Naturalismo, quais sejam a Teoria Determi-
nista (Hippolyte Taine, 1825-1893), que diz que o compor-
tamento humano é determinado pela hereditariedade, pelo
meio e pelo momento e o Evolucionismo (Charles Darwin,
1809-1882), que defende a tese de que o homem descen-
de dos animais. Até hoje essas teorias são utilizadas para
tomar decisões e constituir julgamentos sobre as premissas
que circundam a existência humana. Muitos, ainda hoje,
pautam suas vidas em vieses religiosos e criacionistas; caso
não seja esse seu pensamento, o uso dessas teorias cienti-
ficistas do final do século XIX podem sustentar pontos de
vistas racionalistas.

70
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico,
15 social e político.

Esta Habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas vinculadas ao primeiro aspecto da
tríade analítica básica da arte literária (contexto, autor e obra), no caso o conceito de linguagem utilizado pelos autores
em escolas literárias diferentes, mas que se aproximam tematicamente. A construção dos procedimentos literários está
ligada aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção
artística do contexto.

Modelo
(Enem) Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os
cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um di-
retor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como
os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha
consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de acla-
mações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império
com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos
pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de
livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudente-
mente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas
de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e
sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que
não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não
havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPÉIA, R. O ATENEU. SÃO PAULO: SCIPIONE, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do
colégio demarcado pela:
a) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais;
b) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo educacional;
c) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação do ensino;
d) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos escolares;
e) cumplicidade entre educadores e famílias, unidos pelo interesse comum do avanço social.

71
Análise expositiva: A obra O Ateneu, de Raul Pompeia, critica as instituições de ensino, mostrando-as
A como um negócio vantajoso do ponto de vista financeiro. O Naturalismo é um movimento literário da se-
gunda metade do século XIX, e uma de suas características é o romance de tese ou romance experimental,
que analisa a sociedade como um objeto científico.
Alternativa A

DIAGRAMA DE IDEIAS

NATURALISMO NO BRASIL

NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX, SURGEM AS TEORIAS


CIENTIFICISTAS, QUE VÃO SERVIR DE BASE ARGUMENTATIVA
PARA OS AUTORES EM SEUS ROMANCES DE TESE (OU
ROMANCES EXPERIMENTAIS). SÃO ELES: POSITIVISMO,
DARWINISMO, DETERMINISMO SOCIAL E COMUNISMO.

NA EUROPA, O NATURALISMO TEVE COMO


MARCO INICIAL A PUBLICAÇÃO DA OBRA GERMINAL,
EM 1881, DO ESCRITOR E TEÓRICO ÉMILE ZOLA.

NO ROMANCE NATURALISTA, O NARRADOR AGE COMO


UM CIENTISTA QUE OBSERVA OS FENÔMENOS SOCIAIS
COMO QUEM OBSERVA UMA EXPERIÊNCIA CIENTÍFICA,
INCLUSIVE ZOOMORFIZANDO AS PERSONAGENS
NO AMBIENTE DA MISÉRIA.

O REALISMO, O NATURALISMO E O PARNASIANISMO


APRESENTAM ASPECTOS COMUNS: O RESGATE DO
OBJETIVISMO NA LITERATURA, O GOSTO PELAS
DESCRIÇÕES E O COMBATE AO ROMANTISMO.

O INÍCIO DO NATURALISMO NO BRASIL SE DÁ COM A


PUBLICAÇÃO DE O MULATO, DE ALUÍSIO AZEVEDO.

RAUL POMPEIA SE DESTACOU NO NATURALISMO BRASILEIRO.


DESTAQUE PARA A OBRA O ATENEU, PUBLICADA EM
1888, DE CARÁTER CONFESSIONAL E MEMORIALISTA.

72
AULAS PARNASIANISMO
31 E 32
COMPETÊNCIA: 5 HABILIDADES: 15, 16 e 17

1. O PARNASIANISMO

PARNASO. 1497. ANDREA MANTEGNA.


Escola literária exclusiva da França e do Brasil, o Parnasia- No Brasil, o movimento é contemporâneo ao Realismo-Na-
nismo surgiu com as antologias poéticas publicadas na turalismo, uma vez que os poetas parnasianos compuse-
França a partir de 1866, sob o título Le Parnasse contem- ram suas obras entre o final do século XIX e o começo do
porain (O Parnaso contemporâneo). século XX, adotando a moda importada da França.
Os parnasianos interessaram-se apenas por poesia e fo- A partir de 1878, no Diário do Rio de Janeiro, os simpati-
ram guiados pela estética da “arte pela arte”, proposta zantes do Realismo entraram em polêmica aberta contra os
pelo precursor da escola, o poeta francês Théophile Gautier do Parnasianismo. Esse desentendimento ficou conhecido
(1811–1872). como Batalha do Parnaso e acabou servindo para divul-
gar a estética parnasiana, logo alcunhada de “ideia nova”,
A “arte pela arte” estava voltada para o ideal clássico de
nos meios artísticos do país.
beleza e harmonia de formas. Para os parnasianos, a estru-
tura métrica e sonora de seus versos era perfeita, uma vez
que predominava neles a técnica do bom versejar em vez 1.1. Características da
da inspiração. poesia parnasiana
73
ƒ Objetividade no tratamento dos temas abordados, ba-
seados na realidade sem subjetivismo e emoção.
1.3. Emoções contidas
O apego ao equilíbrio clássico em contraposição ao exage-
ƒ Impessoalidade do escritor que não interfere na abor-
ro da poesia romântica pretendem levar o poema à obje-
dagem dos fatos.
tividade, a captar a verdadeira essência da poesia, à racio-
ƒ Valorização da estética e busca da perfeição, da be- nalidade. Temas universalistas, como o amor, a natureza, o
leza em si. tempo e a própria poesia, dominam a poesia parnasiana.
ƒ Preferência pelas rimas esteticamente ricas.
ƒ Linguagem rebuscada e vocabulário vernáculo.
1.4. Amor sensual
ƒ Temas frequentes ligados à mitologia grega e à cul- Os parnasianos preferem a exploração sensual do amor,
tura clássica. que preza a mulher concreta, palpável, geralmente des-
crita com minúcias, cujo protótipo é Vênus, a deusa do
ƒ Preferência pelos sonetos.
amor na mitologia.
ƒ Valorização da metrificação rigorosa dos versos.
ƒ Valorização da descrição de cenas e objetos. 2. PARNASIANOS NO BRASIL
“A estética parnasiana cristalizou-se entre nós depois da
1.2. “Arte pela arte” publicação de Fanfarras, de Teófilo Dias, livro em que o mo-
Em reação à emotividade excessiva do Romantismo, os vimento antirromântico começa a se definir no espírito e na
parnasianos adotaram uma postura de objetividade e im- forma dos parnasianos franceses”, explica Manuel Bandei-
passibilidade poéticas, um exercício da arte pela arte, e o
ra, em estudo dedicado ao movimento.
culto à forma com a finalidade de alcançar a perfeição na
métrica, nas rimas preciosas e raras, no vocabulário, na Coube, no entanto, à chamada tríade parnasiana, formada
descrição, na predileção por sonetos. por Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, a
O resultado dessa postura estética foi uma poesia excessi- consolidação do Parnasianismo brasileiro.
vamente descritiva cujos temas incidem em acontecimen-
tos históricos, em fenômenos naturais, em objetos, como
este soneto de Alberto de Oliveira:

Vaso grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois… Mas o lavor da taça admira, OLAVO BILAC, À DIREITA, RAIMUNDO CORREIA, AO CENTRO, E ALBERTO
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas DE OLIVEIRA, POETAS CONHECIDOS COMO A “TRÍADE PARNASIANA.
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas, 2.1. Alberto de Oliveira
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
A fidelidade à estética parnasiana e a perfeição dos versos
Poeta de Teos: referência a Anacreonte, nascido em Teos, do carioca Antônio Mariano Alberto de Oliveira (1857-
na Jônia 1937) foram reconhecidas em 1924, quando foi eleito o
“segundo príncipe dos poetas brasileiros” – o primeiro
Colmada: coberta
foi Olavo Bilac, em 1913. Foi um dos fundadores da Aca-
Lavro: trabalho demia Brasileira de Letras.
Ignota: desconhecida Considerado um dos mais perfeitos parnasianos, sua poesia
Anacreonte: poeta lírico do vinho e do amor é descritiva, exalta a forma e a Antiguidade clássica.

74
de Letras.
ƒ Recebeu com discurso, na ABL, o poeta e romancista
Goulart de Andrade.
Era filho de José Mariano de Oliveira e de Ana Mariano de
Oliveira. Fez os estudos primários em escola pública na vila
de N. S. de Nazaré de Saquarema. Depois, cursou humani-
dades em Niterói. Diplomou-se em Farmácia, em 1884, e
cursou a Faculdade de Medicina até o terceiro ano, onde
foi colega de Olavo Bilac, com quem, desde logo, estabe-
leceu relações pessoais e literárias. Bilac seguiu para São
Paulo, matriculando-se na Faculdade de Direito, e Alberto
foi exercer a profissão de farmacêutico. Deu seu nome a
várias farmácias alheias. Uma delas, e por muitos anos, era
uma das filiais do estabelecimento do velho Granado, in-
dustrial português. Casou-se em 1889, em Petrópolis, com
a viúva Maria da Glória Rebello Moreira, de quem teve um
filho, Artur de Oliveira.
2.1.1. Obras Em 1892, foi oficial de gabinete do presidente do Estado,
Sua obra compreende os poemas de Canções românticas; Dr. José Tomás da Porciúncula. De 1893 a 1898, exerceu o
Meridionais; Sonetos e poemas; Versos e rimas; Poesias (pri- cargo de diretor-geral da Instrução Pública do Rio de Janei-
meira, segunda e terceira séries e póstuma). ro. No Distrito Federal, foi professor da Escola Normal e da
Escola Dramática.
Vaso chinês Entre dezesseis irmãos, nove homens e sete moças, todos
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
com inclinações literárias, destacou-se Alberto de Oliveira
Casualmente, uma vez, de um perfumado como a mais completa personalidade artística. Ficou famo-
Contador sobre o mármore luzidio, sa a casa da Engenhoca, arrabalde de Niterói, onde o casal
Entre um leque e o começo de um bordado. Oliveira residia com os filhos. Na década de 1880, era fre-
Fino artista chinês, enamorado, quentada pelos mais ilustres escritores brasileiros, entre os
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
quais Olavo Bilac, Raul Pompeia, Raimundo Correia, Aluísio
Na tinta ardente, de um calor sombrio. e Artur Azevedo, Afonso Celso, Guimarães Passos, Luís Del-
Mas, talvez por contraste à desventura, fino, Filinto de Almeida, Rodrigo Octavio, Lúcio de Mendon-
Quem o sabe? – de um velho mandarim ça, Pardal Mallet e Valentim Magalhães. Nessas reuniões,
Também lá estava a singular figura. só se conversava sobre arte e literatura. Sucediam-se os
Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
recitativos. Eram versos próprios dos presentes ou alheios.
De olhos cortados à feição de amêndoa. Heredia, Leconte, Coppée, France eram os nomes tutelares,
(ALBERTO DE OLIVEIRA. OP. CIT.) quando o Parnasianismo francês estava no auge.

Note que nesse soneto há “culto à forma”. Os versos são Em seu livro de estreia, em 1877, Canções românticas,
rigorosamente metrificados, com rimas raras obtidas do Alberto de Oliveira mostrava-se ainda preso aos cânones
aproveitamento sonoro de palavras de categorias grama- românticos. Mas sua posição de transição não escapou ao
ticais diferentes, bem como do uso de terminações não crítico Machado de Assis em um famoso ensaio, de 1879,
comuns: “vendo-a” / “amêndoa”. em que assinala os sintomas da “nova geração”. O antirro-
mantismo vinha da França por uma plêiade de poetas reu-
2.1.2. Biografia nidos no Parnasse Contemporain, Leconte de Lisle, Banvill,
Gautier. em Meridionais (1884), está o momento mais alto
ƒ Alberto de Oliveira (Antônio Mariano A. de O.), far- de sua ortodoxia parnasiana. Concretiza-se o forte pendor
macêutico, professor e poeta, nasceu em Palmital de pelo objetivismo e pelas cenas exteriores, o amor à natu-
Saquarema, RJ, em 28 de abril de 1857, e faleceu reza, o culto à forma, à pintura da paisagem, à linguagem
em Niterói, RJ, em 19 de janeiro de 1937. castiça e à versificação rica. Essas qualidades acentuam-se
ƒ Primeiro ocupante da Cadeira 8 da Academia Brasileira nas obras posteriores.

75
Em Sonetos e poemas e versos e rimas, sobretudo, e nas
coletâneas das quatro séries de Poesias (1900, 1905, 1913
2.2. Raimundo Correia
e 1928), ele patenteou seu talento de poeta, de arte e de O maranhense Raimundo da Mota de Azevedo Correia
perfeita mestria. Foi um dos maiores cultores do soneto em (1859-1911) iniciou sua carreira poética com Primeiros
sonhos como romântico, seguidor das tendências de Fa-
língua portuguesa. Com Raimundo Correia e Olavo Bilac,
gundes Varela, Casimiro de Abreu e Castro Alves. Depois
constituiu a trindade parnasiana no Brasil, movimento
assumiu o Parnasianismo com Sinfonias, constituindo ao
inaugurado com Sonetos e rimas (1880) de Luís Guimarães,
lado de Alberto de Oliveira e de Olavo Bilac a famosa “trí-
que teria a sua fase criadora encerrada em 1893 com Bro-
ade parnasiana”. Com a evolução de sua obra, Raimundo
quéis, de Cruz e Sousa, que abriram o movimento simbolista. Correia chegou a ser um pré-simbolista.
Mas a influência do Parnasianismo, sobretudo pelas figuras
de Alberto e Bilac, seria sentida muito além do término como Com prefácio de Machado de Assis, Sinfonias caracteri-
za-se pela exaltação à natureza, perfeição formal, cultura
escola, estendendo-se até a irrupção do Modernismo (1922).
clássica, pessimismo e desilusão.
Alberto de Oliveira envelheceu tranquilamente e pôde as-
sistir ao fim da sua escola poética, com a mesma grandeza,
serenidade e fino senso estético, traços característicos da sua
vida e de sua obra. O soneto que abre a quarta série de
Poesias (1928), “Agora é tarde para novo rumo / dar ao se-
quioso espírito;...” sintetiza bem sua consciência de poeta e
o elevado conceito que sustentou sua arte.
Durante toda a carreira literária, colaborou também em jor-
nais cariocas: Gazetinha, A Semana, Diário do Rio de Janeiro,
Mequetrefe, Combate, Gazeta da Noite, Tribuna de Petrópo-
lis, Revista Brasileira, Correio da Manhã, Revista do Brasil,
Revista de Portugal, Revista de Língua Portuguesa. Era um
apaixonado bibliófilo; chegou a ter uma das bibliotecas mais
escolhidas e valiosas de clássicos brasileiros e portugueses,
que doou à Academia Brasileira de Letras
(DISPONÍVEL EM: <ACADEMIA.ORG.BR/ABL>. ACESSO EM: 1º JUN. 2015).
A temática concentra-se na exaltação das formas estrutu-
rais dos poemas, na contemplação da natureza, na perfei-
ção dos objetos, na métrica rígida. Em As pombas, exal-
tam-se as formas, a métrica perfeita e a natureza.

As pombas
Vai-se a primeira pomba despertada ...
Vai-se outra mais ... mais outra ... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada ...
multimídia: livros E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ensaio sobre o Parnasianismo brasileiro, de Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Duarte Montalegre Voltam todas em bando e em revoada...
Destinava-se esse ensaio a ser lido, em notas
tanto quanto possível esquemáticas e gerais, Também dos corações onde abotoam,
na Semana Brasileira da Faculdade de Letras de Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
Coimbra, que não pôde realizar-se em junho de
1942, por motivos de doença do ilustre diretor No azul da adolescência as asas soltam,
do Instituto de Estudos Brasileiros, professor Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
doutor Rebêlo Gonçalves. E eles aos corações não voltam mais...
(RAIMUNDO CORREIA. POESIAS. RIO DE JANEIRO, AGIR, 1976.)

76
A cavalgada Esse poema valeu a Raimundo Correia o epíteto de “O poeta
das pombas”, que ele tanto detestava. Recém-formado, em
A lua banha a solitária estrada... fins de 1884, voltou para o Rio de Janeiro e foi logo nome-
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
ado promotor de justiça de São João da Barra. Também foi
O som longínquo vem-se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.
juiz municipal de órfãos e ausentes em Vassouras. Em 21
de dezembro daquele ano casou-se com Mariana Sodré, de
São fidalgos que voltam da caçada; ilustre família fluminense.
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando Em Vassouras publicou poesias e páginas de prosa no jor-
O remanso da noite embalsamada... nal O Vassourense, do poeta, humanista e músico Lucindo
Filho, no qual também colaboravam Olavo Bilac, Coelho
E o bosque estala, move-se, estremece...
Neto, Alberto de Oliveira, Lúcio de Mendonça, Valentim
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha... Magalhães, Luís Murat e outros. Em começos de 1889 foi
nomeado secretário da presidência da província do Rio de
E o silêncio outra vez soturno desce... Janeiro, no governo do conselheiro Carlos Afonso de Assis
E límpida, sem mácula, alvacenta Figueiredo. Após a proclamação da República foi preso. No
A lua a estrada solitária banha...
entanto, graças às suas notórias convicções republicanas,
(RAIMUNDO CORREIA. POESIAS. RIO DE JANEIRO, AGIR, 1976.)
foi solto e nomeado juiz de direito em São Gonçalo de Sa-
pucaí, no Sul de Minas.
2.2.1. Obras
Em 22 de fevereiro de 1892 foi nomeado diretor da Secre-
ƒ Primeiros Sonhos (1879); taria de Finanças de Ouro Preto. Na então capital mineira,
ƒ Sinfonias (1883); foi também professor da Faculdade de Direito e, no primeiro
número da revista que ali se publicava, apareceu seu traba-
ƒ Versos e versões (1887);
lho “As antiguidades romanas.” Em 1897, no governo de
ƒ Aleluias (1891), Poesias (1898). Prudente de Morais, foi nomeado segundo-secretário da
ƒ Poemas famosos: Plenilúnio, Banzo, A cavalgada, Legação do Brasil em Portugal. Lá editou suas Poesias em
quatro edições sucessivas e aumentadas, com prefácio do
Plena nudez, As pombas.
escritor português D. João da Câmara. Por decreto do go-
verno, suprimiu-se o cargo de segundo-secretário, e o poeta
2.2.2. Biografia voltou a ser juiz de direito. Em 1899, em Niterói, passou a
ƒ Raimundo Correia (R. da Mota de Azevedo C.), magis- ser diretor e professor no Ginásio Fluminense de Petrópolis.
trado, professor, diplomata e poeta, nasceu em 13 de
Em 1900 voltou para o Rio de Janeiro como juiz de vara
maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís,
cível, cargo em que permaneceu até 1911. Por motivos de
ancorado na baía de Mogúncia, MA, e faleceu em Paris,
saúde, partiu para Paris em busca de tratamento, onde veio
França, em 13 de setembro de 1911.
a falecer. Seus restos mortais ficaram em Paris até 1920.
ƒ Ocupou a Cadeira 5 da ABL. Naquele ano, juntamente com os do poeta Guimarães Pas-
Foram seus pais o desembargador José Mota de Azevedo sos, também falecido na capital francesa, para onde fora à
Correia, descendente dos duques de Caminha, e Maria Cla- procura de tratamento, foram transladados para o Brasil,
ra Vieira da Silva. Vindo a família para a Corte, o pequeno por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, e deposita-
Raimundo foi matriculado no Internato do Colégio Nacio- dos no cemitério de São Francisco Xavier, em 28 de dezem-
nal, hoje Pedro II, onde concluiu os estudos preparatórios bro de 1920.
em 1876. No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de
Raimundo Correia ocupa um dos mais altos postos na po-
Direito de São Paulo, onde encontrou um grupo de rapazes:
esia brasileira. Seu livro de estreia, Primeiros sonhos (1879),
Raul Pompeia, Teófilo Dias, Eduardo Prado, Afonso Celso,
insere-se ainda no Romantismo. Já em Sinfonias (1883)
Augusto de Lima, Valentim Magalhães, Fontoura Xavier e
nota-se o feitio novo que seria definitivo em sua obra, o
Silva Jardim, todos destinados a ser grandes figuras das
Parnasianismo. Segundo os cânones dessa escola, que es-
letras, do jornalismo e da política.
tabelecem uma estética de rigor formal, ele foi um dos mais
No tempo de estudante, colaborou em jornais e revistas. perfeitos poetas da língua portuguesa. Formou com Alberto
Estreou na literatura em 1879, com Primeiros sonhos. Em de Oliveira e Olavo Bilac a famosa “tríade parnasiana. Além
1883, publicou as Sinfonias, das quais faz parte um dos mais de poesia, deixou obras de crítica, ensaio e crônicas.
conhecidos sonetos da língua portuguesa, “As pombas”. (DISPONÍVEL EM: <ACADEMIA.ORG.BR/ABL>. ACESSO EM: 1º JUN. 2015).

77
2.3. Olavo Bilac parnasianas. Em temática variada, preferia temas gre-
co-romanos. Descreve a natureza, sinais de sua heran-
ça romântica.
A poesia e a vida boêmia atraíram Olavo Bilac. A vida amo-
rosa foi sempre tumultuada. Foi o “primeiro príncipe dos po-
etas brasileiros”, título outorgado pela Revista Fon-Fon, em
1907. Fortaleceu seu nome em palestras pelo país inteiro,
em que pregava o patriotismo e combatia o analfabetismo.
Considerado um dos parnasianos mais radicais, destacou-
-se pela busca da perfeição formal na poesia. No conjunto
de sua obra, a coletânea Poesias destaca os poemas Pa-
nóplias, Via-láctea e Sarças de fogo, na primeira edição,
e O caçador de esmeraldas, Alma inquieta e Viagens, na
segunda; Poemas infantis e Tarde.
Bilac também foi autor de Contos pátrios, em colaboração
com Coelho Neto; Tratado de versificação, em colaboração
com Guimarães Passos; Através do Brasil, em colaboração
com Manuel Bonfim; Crônicas e novelas.
No poema Profissão de fé, que serve de prefácio à obra
Poesias, Bilac expõe os princípios do Parnasianismo a partir
da comparação entre o poeta e o ourives. Como o artesão,
o poeta deve fazer de seu poema uma verdadeira oficina
da palavra, cuja impassibilidade e frieza pretendidas, no
entanto, ele nem sempre conseguiu manter. Entregava-se
ao lirismo com bastante frequência.

[...]
multimídia: livros Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Olavo Bilac: literatura comentada, de Norma Com que ele, em ouro, o alto relevo
Seltzer Goldstein Faz de uma flor.
O livro faz parte de um coleção que se destina
[...]
não só a estudantes – especialmente os do se- Por isso, corre, por servir-me,
gundo grau e de cursos pré-universitários – e Sobre o papel
professores mas também a todas as pessoas in- A pena, como em prata firme
teressadas em literatura. Apresenta textos sele- Corre o cinzel.
cionados, análises histórico-literárias, biografias
[...]
e atividades de compreensão de texto. Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
O carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865- Como um rubim.
1918) abandonou a Faculdade de Medicina no quinto ano Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
do curso, mudou-se para São Paulo e ingressou na Facul-
Do ourives, saia da oficina
dade de Direito. Um ano depois voltou ao Rio de Janeiro, Sem um defeito:
onde se dedicou ao jornalismo e à literatura.
[...]
É membro fundador da Academia Brasileira de Letras na Porque o escrever – tanta perícia,
qual ocupou a cadeira no 15. Foi um dos principais repre- Tanta requer,
sentantes do Movimento Parnasiano. Que ofício tal... nem há notícia
Sua primeira obra foi Poesias, publicada em 1888, que De outro qualquer.
revela plena identificação do poeta com as propostas [...]

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Em Poesias, publicado em 1888, havia trinta e cinco sone- ƒ O Caçador de Esmeraldas (1902);
tos agrupados sob um único título: Via-Láctea. Neles, já se
ƒ As viagens (1902),
observa o culto ao subjetivismo, influenciado pelo já findo
Romantismo. Alguns desses sonetos estão entre os melho- ƒ Alma Inquieta (1902);
res que Bilac escreveu. ƒ Poesias infantis (1904);

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo ƒ Crítica e fantasia (1904);


Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, ƒ Tratado de versificação (1905);
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto... ƒ Conferências literárias (1906);
E conversamos toda a noite, enquanto ƒ Ironia e piedade (crônicas) 1916;
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, ƒ Tarde (obra póstuma - 1919).
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!


Que conversas com elas? Que sentido
3. CURIOSIDADE
Tem o que dizem, quando estão contigo?” Em 1906 apareceu pela primeira vez o hino à bandeira brasi-
leira escrito pelo poeta Olavo Bilac, hino que se tornou mais
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! um elemento da identidade nacional brasileira.
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas”.

multimídia: vídeo
FONTE: YOUTUBE

O caçador de esmeraldas
“O caçador de esmeraldas” é o título de um po-
ema do poeta parnasiano Olavo Bilac, baseado Hino à Bandeira Nacional
na história do bandeirante Fernão Dias Paes Le- LETRA: OLAVO BILAC / MÚSICA: FRANCISCO BRAGA
me. Em meados do século XVII, Portugal estava
Salve, lindo pendão da esperança,
envolvido em uma profunda crise financeira e es-
Salve, símbolo augusto da paz!
tendeu seu domínio sobre o território brasileiro,
a oeste, para procurar pedras preciosas e ouro. Sua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
Recebe o afeto que se encerra
2.3.1. Obras Em nosso peito juvenil,
Olavo Bilac escreveu: Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
ƒ Poesias, 1888;
Em teu seio formoso retratas
ƒ Via Láctea (1888); Este céu de puríssimo azul,
ƒ Sarças de Fogo, (1888); A verdura sem par destas matas,
ƒ Crônicas e novelas (1894); E o esplendor do Cruzeiro do Sul.

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Recebe o afeto que se encerra Jornalista político nos começos da República, foi um dos
Em nosso peito juvenil, perseguidos por Floriano Peixoto. Teve de se esconder em
Querido símbolo da terra, Minas Gerais, quando frequentou a casa de Afonso Arinos,
Da amada terra do Brasil! em Ouro Preto. De volta ao Rio foi preso. Em 1891 foi no-
meado oficial da Secretaria do Interior do Estado do Rio.
Contemplando o teu vulto sagrado, Em 1898, inspetor escolar do Distrito Federal, cargo em
Compreendemos o nosso dever; que se aposentou pouco antes de falecer. Foi também de-
E o Brasil, por seus filhos amado, legado em conferências diplomáticas em 1907 e secretário
Poderoso e feliz há de ser. do prefeito do Distrito Federal. Em 1916 fundou a Liga de
Recebe o afeto que se encerra Defesa Nacional.
Em nosso peito juvenil, Sua obra poética enquadra-se no Parnasianismo, que, na
Querido símbolo da terra, década de 1880, teve sua fase mais fecunda. Embora não
Da amada terra do Brasil! tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasia-
no, uma vez que só em 1888 publicou Poesias, Olavo Bilac
Sobre a imensa Nação Brasileira, tornou-se o mais típico dos parnasianos brasileiros ao lado
Nos momentos de festa ou de dor, de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.
Paira sempre, sagrada bandeira,
Fundindo o Parnasianismo francês com a tradição lusita-
Pavilhão da Justiça e do Amor!
na, Olavo Bilac deu preferência às formas fixas do lirismo,
especialmente ao soneto. Nas duas primeiras décadas do
2.3.2. Biografia século XX, seus sonetos eram decorados e declamados em
ƒ Olavo Bilac (O. Braz Martins dos Guimarães B.), jorna- toda parte, nos saraus e salões literários comuns na época.
lista, poeta, inspetor de ensino, nasceu no Rio de Ja- Nas Poesias encontram-se os famosos sonetos Via Láctea e
neiro, RJ, em 16 de dezembro de 1865, e faleceu, na Profissão de fé, nos quais codificou seu credo estético pelo
mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918. Um dos culto ao estilo, pela pureza da forma e da linguagem e pela
fundadores da Academia Brasileira de Letras, criou a simplicidade como resultado do lavor.
Cadeira 15, que tem como patrono Gonçalves Dias, e Ao lado do poeta lírico, há nele um poeta de tonalidade
recebeu o acadêmico Afonso Arinos. épica, expresso no poema O caçador de esmeraldas, em
Eram seus pais o doutor Braz Martins dos Guimarães Bilac que celebra os feitos, a desilusão e a morte do bandeirante
e D. Delfina Belmira dos Guimarães Bilac. Após os estudos Fernão Dias Pais.
primários e secundários, matriculou-se na Faculdade de Bilac foi um dos poetas brasileiros mais populares e mais
Medicina no Rio de Janeiro, mas desistiu no quarto ano. lidos do país, razão pela qual também foi eleito o “príncipe
Tentou a seguir o curso de Direito em São Paulo, mas não dos poetas brasileiros”, em concurso que a revista Fon-fon
passou do primeiro ano. Dedicou-se desde cedo ao jorna- lançou em 1o de março de 1913. Anos mais tarde, apesar
lismo e à literatura. Teve intensa participação na política da reação modernista contra sua poesia, Olavo Bilac ocu-
e em campanhas cívicas das quais a mais famosa foi em pou posição de destaque na literatura brasileira, como um
favor do serviço militar obrigatório. Fundou vários jornais dos mais típicos e perfeitos poetas do parnasianismo bra-
de vida mais ou menos efêmera, como A Cigarra, O Meio, sileiro. Foi notável conferencista, numa época de moda das
A Rua. Na seção “Semana”, da Gazeta de Notícias, substi- conferências no Rio de Janeiro e produziu também contos
tuiu Machado de Assis. e crônicas.
(DISPONÍVEL EM : <ACADEMIA.ORG.BR/ABL>. ACESSO EM 1O JUN. 2015).

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VIVENCIANDO

“O ESPELHO DE VÊNUS”, DE EDWARD BURNE JONES

ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico,
15 social e político.

Esta Habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas vinculadas ao primeiro aspecto da
tríade analítica básica da arte literária (contexto, autor e obra), no caso o conceito de linguagem utilizada pelos autores
em escolas literárias diferentes, mas que se aproximam tematicamente. A construção dos procedimentos literários está
ligada aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção
artística do contexto.

81
Modelo
(Enem)
MAL SECRETO
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
CORREIA, R. IN: PATRIOTA, M. PARA COMPREENDER RAIMUNDO CORREIA. BRASÍLIA: ALHAMBRA, 1995.

Coerente com a proposta parnasiana de cuidado formal e racionalidade na condução temática, o soneto
de Raimundo Correia reflete sobre a forma como as emoções do indivíduo são julgadas em sociedade. Na
concepção do eu lírico, esse julgamento revela que:
a) a necessidade de ser socialmente aceito leva o indivíduo a agir de forma dissimulada;
b) o sofrimento íntimo torna-se mais ameno quando compartilhado por um grupo social;
c) a capacidade de perdoar e aceitar as diferenças neutraliza o sentimento de inveja;
d) o instinto de solidariedade conduz o indivíduo a apiedar-se do próximo;
e) a transfiguração da angústia em alegria é um artifício nocivo ao convívio social.

Análise expositiva: Raimundo Correia propõe uma reflexão que levanta a questão da dissimulação pre-
A sente na sociedade de sua época como projetada para tempos futuros. Logo, as pessoas vestem a máscara
da face e tornam invisíveis os sofrimentos, autorizando tão somente que sejam passados falsos sorrisos e
alegrias.
Alternativa A

82
DIAGRAMA DE IDEIAS

PARNASIANISMO

O PARNASIANISMO É ESTUDADO NO BRASIL E NA FRANÇA. EM


PORTUGAL, POR CONTA DA ÓPTICA CRÍTICA DE ANTERO DE
QUENTAL, A POESIA SE DESENVOLVEU APENAS NO REALISMO.

EM 1871, FOI PUBLICADO O PARNASSE


CONTEMPORAIN, UMA REVISTA FRANCESA QUE É
CONSIDERADA O INÍCIO DA ESCOLA NA EUROPA.

OS “PRÍNCIPES” DA POESIA PARNASIANA NO BRASIL


COMPUNHAM-SE EM UMA TRÍADE: OLAVO BILAC,
ALBERTO DE OLIVEIRA E RAIMUNDO CORREIA.

A CHAMADA “ARTE PELA ARTE” E O “IDEAL DA TORRE


DE MARFIM” MARCAM UMA TEMÁTICA ALIENADA AOS
PROBLEMAS SOCIAIS POR PARTE DOS PARNASIANOS.

PONTOS FORTES: • DESCRITIVO E NARRATIVO


• POUCAS FIGURAS • RIMA REGULAR
DE LINGUAGEM • RIMAS RARAS E ARTIFICIAIS
• PREFERÊNCIA PELO SONETO

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AULAS SIMBOLISMO
33 E 34
COMPETÊNCIA: 5 HABILIDADES: 15, 16 e 17

Nascido na França, o Simbolis- invisível, o universo que se pode sentir, mas não revelar,
mo ocorreu em um momento exceto pela representação de sensações.
de transição entre os séculos
De acordo com o determinismo, os acontecimentos na vida
XIX e XX, em contraposição
de uma pessoa, bem como suas vontades, escolhas e com-
ao Realismo e ao Naturalis-
portamentos, eram causados por influência do meio. Em
mo. No intenso contato com
razão disso, as pessoas eram consideradas resultado direto
a cultura, a mentalidade, as
do meio, destituídas de plena liberdade, decisão e escolha.
artes e a religiosidade orien-
tais, os artistas daquela época Nascido nesse mesmo contexto, o Impressionismo, movi-
mergulharam nesses valores mento artístico francês, caracterizou-se pelo estilo funda-
distintos do pensamento oci- mentalmente sensorial, em que a natureza era encarada
dental, mais racional, e espelharam em suas criações essa não de forma objetiva, mas interpretada. Prevalecia, por-
outra visão de mundo. As produções do período são subje- tanto, a verdade do artista.
tivas, posto que o artista buscava voltar para dentro de si à
procura de zonas mais profundas, numa viagem interior de 1.1. Decadentismo e Simbolismo
resultados imprevisíveis.
1.1.1. Gauguin impressionista.
1. PERÍODO DE TRANSIÇÃO Gauguin simbolista.
Influenciados pelo misticismo provindo do intercâmbio
ENTRE SÉCULOS com as artes, os pensamentos e as religiões orientais, os
O Simbolismo correspondeu a uma resposta artística à cri- artistas do final do século XIX foram tachados de “deca-
se de civilização burguesa da Europa industrializada. Foi dentes”, em alusão à decadência dos valores estéticos vi-
uma revolta contra a ideologia tecnocrática do Naturalismo gentes: Naturalismo e Parnasianismo.
e contra certos dogmas, como o determinismo, que, segun-
Por volta de 1880, espalhou-se a ideia de decadentismo,
do os artistas da época, sufocavam a criatividade.
bastante relacionada à figura do francês Charles Baudelai-
Essa luta foi instintiva e afetiva, bem como pessimista. O ar- re (1821-1867), poeta místico, libertino e ferozmente críti-
tista dos últimos anos do século XIX negava os valores da co. Os “decadentes” eram poetas em crise, dizia-se.
sociedade burguesa de forma problemática e autodilaceran-
O decadentismo era um estado de revolta contra a socie-
te e, além disso, parecia estar descontente consigo mesmo.
dade burguesa e seus falsos conceitos. Sthéfane Mallarmé
A arte simbolista apresentou significativa elaboração estéti- (1842-1898) e Jean Moréas (1856–1910), poeta de ori-
ca. Apesar de se referir a um mundo decadente, suas formas gem grega, escreveram um artigo/manifesto denominado
eram bastante refinadas: procuram servir de refúgio ao artis- Le symbolisme, em 1886, denominação que haveria de
ta diante de um mundo marcado pelas práticas burguesas. prevalecer para denominar o novo estilo literário.
Por valorizar o mundo inteiro e os valores espirituais, a ati- Nesse manifesto, Moréas, pseudônimo de Ioannes Papa-
tude da arte simbolista é subjetivista, muito semelhante a diamtopoulos, apresenta o Simbolismo como resultado da
dos românticos da metade do século XIX. Porém, os simbo- própria evolução da literatura, evolução essa, segundo ele,
listas vão mais além, atingindo as camadas do inconsciente cíclica. Caracterizam-no as metáforas estranhas e o voca-
e do subconsciente. Eles retomam o misticismo, o sonho, a bulário novo harmonicamente sustentado e aberto à valo-
fé, numa tentativa de encontrar novos caminhos. rização do ritmo. A poesia simbolista é “inimiga do ensina-
Na trilha do desconhecido, o movimento explora a possi- mento, da declamação, da falsa sensibilidade, da descrição
bilidade de estabelecer relações entre o mundo visível e o objetiva e procura vestir a ideia de uma forma sensível”.

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1.2. Bases filosóficas do Simbolismo
O gosto pelo mistério das coisas, a tentativa de captar a
realidade secreta do universo, de encontrar uma “alma”
na natureza têm bases filosóficas em algumas doutrinas
daquele contexto.

1.2.1. Doutrina do incognoscível


multimídia: livros
O Simbolismo (1893-1902)
Massaud Moisés
Massaud Moisés (São Paulo, 9 de abril de
1928) foi professor titular da Universidade de
São Paulo (USP), Brasil, de 1973 a 1995, ano
em que se aposentou. Ele escreve brilhamente
sobre a escola literária do Simbolismo nessa
obra crítica.

Em razão disso, caberia à poesia simbolista a representa-


ção estática, a construção literária despreocupada com a flu-
ência do tempo, uma poesia narrativa ou discursiva; caso
contrário, perderia sua pureza.
Para os simbolistas, a linguagem poética deveria apre-
sentar-se mediante sugestões, com linguagem indireta e É alicerçada no pensamento do filósofo inglês Hebert Spen-
figurada, que sugerisse conteúdos emotivos e sentimentais cer (1820-1903) cujo ponto de partida é o registro daquilo
sem, entretanto, narrá-los ou descrevê-los. que escapa à explicação das ciências experimentais, como
as verdades ligadas ao conhecimento religioso.

1.2.2. Doutrina do irracionalismo pessimista

É alicerçada no pensamento do filósofo alemão Arthur


Schopenhauer (1788-1860), que via uma única forma de
superar a condição miserável do ser humano: a libertação
da vontade individual mediante o alcance de um estado
estético puro, desinteressado.

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1.2.3. Doutrina do espírito inconsciente 2. CARACTERÍSTICAS DA
LITERATURA SIMBOLISTA
2.1. A teoria das correspondências

É alicerçada no pensamento do filósofo alemão Eduard Von


Hartmann (1842-1906), que radicalizou o pessimismo de
Schopenhauer: fatigada de querer, a humanidade estaria BAUDELAIRE
ansiando voltar ao nada imaginário. A “alma do mundo“
seria o espírito inconsciente. Por volta de 1855, o poeta francês Charles Baudelaire in-
troduziu sugestões proporcionadas por textos ambíguos,
misteriosas correspondências apresentadas num sistema
de analogias. Em As flores do mal, a ideia de que tudo no
mundo tem correspondência entre si e pode ser explicitado
por símbolos está magistralmente expressa no soneto Cor-
respondências. Nele, as imagens aproximam-se em cenários
naturais, têm significação simbólica e falam aos sentidos.

A Natureza é um templo onde vivos pilares


Podem deixar ouvir confusas vozes: e estas
Fazem o homem passar através de florestas
De símbolos que o veem com olhos familiares.
multimídia: vídeo Como os ecos além confundem seus rumores
FONTE: YOUTUBE Na mais profunda e mais tenebrosa unidade,
Tão vasta como a noite e como a claridade,
Sonhos, de Akira Kurosawa Harmonizam-se os sons, os perfumes e as cores.
São oito segmentos que revelam um alto grau
de simbolismo: no primeiro, “A raposa”, uma Perfumes frescos há como carnes de criança
Ou oboés de doçura ou verdejantes ermos
criança é avisada pela mãe de que não deve
E outros ricos, triunfais e podres na fragrância
ir à floresta quando há chuva e sol, pois é a
época do acasalamento das raposas, que não Que possuem a expansão do universo sem termos
gostam de ser observadas. Mas ele desobede- Como o sândalo, o almíscar, o benjoim e o incenso
ce aos conselhos e observa as raposas, atrás Que cantam dos sentidos o transporte imenso.
de uma árvore. (CHARLES BAUDELAIRE. AS FLORES DO MAL. TRAD. JAMIL ALMANSUR
HADDAD. SÃO PAULO: CIRCULO DO LIVRO, 1995.]

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No soneto, as correlações ou correspondências mostram-se
nas comparações e metáforas que se referem aos sentidos
humanos: tato, visão, paladar e notadamente olfato: per-
fumes frescos como carnes de crianças; perfumes podres,
perfumes doces com oboés, perfumes verdes.
A noção de correspondência é fundamental para explicar
as produções do final do século XIX. Há correspondências
sensoriais entre a música, a pintura e a literatura.

2.2. A realidade ambígua


multimídia: vídeo
Os símbolos sugerem ideias ambíguas, resultado da tes-
situra artística na construção do poema,como a célebre FONTE: YOUTUBE
“alquimia verbal” pregada pelo poeta francês Rimbaud Eclipse de uma paixão
(1854–1891). À poesia permite-se qualquer mistura de Em 1871, Paul Verlaine (David Thewlis), um re-
correspondências que conduza a um estado universal e nomado poeta, convida o jovem Arthur Rimbaud
abra caminho para a aproximação entre as artes: literatura (Leonardo DiCaprio) para morar com ele e sua
e música, literatura e pintura. esposa em Paris.

Adormecido no vale
É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata 2.3. A musicalidade, antes
Como se delirasse, e o sol da montanha de qualquer coisa
Num espumar de raios seu clarão desata.
Jovem soldado, boca aberta, a testa nua, O poeta simbolista francês Paul Verlaine (1844-1896) de-
Banhando a nuca em frescas águas azuis, fendia a aproximação da poesia com a música. Em razão
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua, disso, há poemas simbolistas que apresentam inovações
Frágil, no leito verde onde chove luz. métricas, como a ruptura das regras de versificação rigo-
rosamente observadas pelos parnasianos, o deslocamento
Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente. e a atenuação do acento tônico do verso, que lhes trazem
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio. bastante fluidez e musicalidade.
E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito, Canção de outono
Tem dois furos vermelhos do lado direito.
(ARTHUR RIMBAUD. TRAD. FERREIRA GULLAR.) Estes lamentos
Dos violões lentos
Arthur Rimbaud (1854-1891) publicou em vida apenas a Do outono
obra Uma temporada no inferno (1873). Poesias (1871) e Enchem minha alma
Iluminações (1873) são publicações póstumas. Nelas ob- De uma onda calma
serva-se uma aproximação sinestésica entre palavras, sons, De sono.
cores e odores, característica marcante do Simbolismo. E soluçando
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.
E vou à toa
No ar mau que voa
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.
(PAUL VERLAINE. TRAD. GUILHERME DE ALMEIDA.)

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3. SIMBOLISMO EM PORTUGAL
O marco inicial do Simbolismo em Portugal foi Oaristos, de
Eugênio de Castro, em 1890. O prefácio traz um verdadeiro
programa de estética simbolista, com base nas ideias do
poeta francês Jean Moréas.
O término do Simbolismo português deu-se em 1915,
quando Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro lançaram
a revista Orpheu, que deu início ao movimento modernista.

3.1. Eugênio de Castro


Formado em Letras pela Faculdade de Coimbra, por volta
de 1889, o português Eugênio de Castro e Almeida (1869-
1944) envolveu-se com a publicação de duas revistas aca-
dêmicas: Os insubmissos e Boêmia nova, ambas defenso-
PAUL VERLAINE
ras do Simbolismo francês.
Com a publicação da obra Oaristos (1890) definiu algumas
2.4. Metáforas e analogias sensoriais características da nova escola, como o uso de rimas novas e
Na poesia simbolista, são frequentes as metáforas e as raras, novas métricas, aliterações, sinestesias e vocabulário
analogias sensoriais. No plano da interpretação, a alusão musical. Essa técnica tem inspiração em Paul Verlaine: busca
aos órgãos dos sentidos remete às correspondências entre intensa de musicalidade, como neste poema Um sonho.
mundo material e mundo imaterial simbolicamente suge-
rido. Sob o ponto de vista da sonoridade, o emprego de
aliterações, de repetições de palavras e de versos conferem
ao verso simbolista extraordinária musicalidade, sugestão
significativa e possibilidades de interpretação.

Sinfonias do ocaso
Musselinosas como brumas diurnas
Descem do acaso as sombras harmoniosas,
Sombras veladas e musselinosas
Para as profundas solidões noturnas.
Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da lua e das Estrelas majestosas
Iluminando a escuridão das furnas.
Ah! por estes sinfônicos ocasos Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
A terra exala aromas de áureos vasos, O sol, o celestial girassol, esmorece...
Incensos de turíbulos divinos. E as cantilenas de serenos sons amenos
Os plenilúnios mórbidos vaporam... Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
E como que no Azul plangem e choram
Cítaras, harpas, bandolins, violinos... As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
CRUZ E SOUZA, IN BROQUÉIS, 1893
Cornamusas e crotalos,
Musselinosas: transparentes como o tecido chamado Cítolas, cítaras, sistros,
musselina, leve e sedoso Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Sidérias: celestiais Em suaves,
Furnas: cavernas Suaves, lentos lamentos
De acentos
Turíbulos: vasos onde se queimam incensos Graves,
Plenilúnios: noites de lua cheia Suaves.

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Flor! enquanto na messe estremece a quermesse Sua obra mais importante, Clepsidra – relógio de água –,
E o sol, o celestial girassol esmorece, tem poemas que se destacam pela musicalidade e pelo ca-
Deixemos estes sons tão serenos e amenos, ráter dramático dos temas.
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
[...]
Messe: colheita
Esmorece: desmaia
Cantinela: cantiga suave, monótona
Halo: auréola
Cornamusas: gaita de foles
Crotalos: instrumento musical semelhante a castanholas
Publicado postumamente, em 1920, o título desse livro re-
Cítolas: instrumento egípcio de percussão fere-se a um instrumento semelhante à ampulheta, dois
cones interligados, usado para medição de tempo. O tem-
Cítaras: alaúdes
po é medido com base na velocidade de escoamento da
Sistros: o mesmo que liras água do cone superior para o inferior.
De posse dessa metáfora para intitular sua obra, Camilo
3.2. Camilo Pessanha Pessanha chama a atenção para o tempo que flui e para o
Camilo Almeida Pessanha (1867-1926) é considerado o me- tema da obra: a perda, a efemeridade de tudo quanto pas-
lhor, mais autêntico e inovador poeta simbolista português sa, a inutilidade da vida, a dor, o medo, a realidade ambí-
cujo trabalho influenciou modernistas posteriores, como gua. Predominante na obra é a ideia de que o ser humano
Fernando Pessoa. só atinge as aparências, nunca a essência das coisas.
Distante da tendência neorromântica dos escritores do seu Chorai arcadas
tempo, incorporou procedimentos muito semelhantes aos Do violoncelo!
do francês Verlaine, ao aproximar a poesia da música. Sua Convulsionadas,
visão de mundo é pessimista, a partir da óptica da ilusão Pontes aladas
De pesadelo...
e da dor. Sente-se um verdadeiro exilado no mundo, sob
a impressão de uma verdadeira desintegração de seu ser. De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trêmulos astros,
Soidões lacustres...
– Lemes e mastros...
E os alabastros

Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
– Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.
(CAMILO PESSANHA. CLEPSIDRA. LISBOA: ÁTICA, 1945.)

89
Caminho 4.1. Cruz e Sousa
Tenho sonhos cruéis: n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,
Sem ela o coração é quase nada:
– Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora. multimídia: vídeo
(MASSAUD MOISÉS. A LITERATURA PORTUGUESA ATRAVÉS FONTE: YOUTUBE
DOS TEXTOS. SÃO PAULO: CULTRIX, V 1971.)
Cruz e Sousa - o poeta do Desterro

4. SIMBOLISMO NO BRASIL Drama biográfico sobre o poeta João da Cruz e


Sousa, simbolista brasileiro. Descendente de es-
O Simbolismo brasileiro desenvolveu-se paralelamente ao cravos, Cruz e Sousa, depois de receber a melhor
Parnasianismo, portanto no mesmo contexto histórico-cul- educação possível, decide se mudar para o Rio de
tural. Todavia, desenvolveu-se fora do Rio de Janeiro, com Janeiro em busca do reconhecimento de sua obra.
a publicação de duas obras do poeta catarinense Cruz e
Sousa: Missal e Broquéis, ambas de 1893, e terminou com
a publicação de Canaã, de Graça Aranha, em 1902. Embora nascido escravo, João da Cruz e Sousa (1861-
1898) teve educação refinada, aprendeu francês, latim
Como o Parnasianismo, o movimento simbolista também e grego no Ateneu Provincial, em Santa Catarina, graças
se projetou no século XX, sendo que sua influência esten- à proteção de uma família aristocrática. Numa socieda-
deu-se pelo Pré-Modernismo e Modernismo, considerando de eminentemente branca, padeceu diversas formas de
que houve modernistas neossimbolistas. pressão social e preconceitos.
O decadentismo do final do século XIX reflete-se no Sim- Fixou-se no Rio de Janeiro em 1886, onde viveu bastante
bolismo do Brasil, se forem consideradas estas três orienta- pobre e discriminado pela origem étnica. Ficou conhecido
ções que o nortearam: como “Cisne negro” e “Dante Negro”. Teve seu valor reco-
ƒ Orientação humanístico-social, adotada por Cruz nhecido somente após a morte.
e Sousa e continuada mais tarde por Augusto dos An-
jos: preocupação com os problemas transcendentais do
ser humano.
ƒ Orientação místico-religiosa, adotada por Alphon-
sus de Guimaraens: temas religiosos distantes do eso-
terismo europeu.
ƒ Orientação intimista-crepuscular, adotada por
pré-modernistas e modernistas, como Olegário Ma-
riano, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, Manuel
Bandeira e Cecília Meireles: temas relacionados com
o cotidiano, sentimentos melancólicos e gosto pela
penumbra.
A produção em prosa não vingou no Simbolismo brasileiro,
mesmo com a poesia em prosa de Cruz e Sousa, por exem-
plo. Ficou voltado para a poesia em um momento históri-
co em que o país estava marcado por frustrações, falta de
perspectivas, angústias.

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Missal e Broquéis, marcos iniciais do Simbolismo no Bra- Antífona
sil, foram publicados em 1893. Sua obra poética conta
ainda com Faróis, Últimos sonetos e Evocações (poesia Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
em prosa). De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
A temática de sua poesia é caracterizada pela busca do Incensos dos turíbulos das aras...
transcendente, ao lado do sentimento trágico da existên- [...]
cia. Além das inovações métricas, sua obra introduz uma
combinação de vocábulos que resultam em curiosas asso- Indefiníveis músicas supremas,
ciações de concreto e abstrato, cujo efeito sugere analogias Harmonias da Cor e do Perfume...
e correspondência importantes, bem como recursos sono- Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
ros, sinestesias e repetições de efeito melódico. Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
[...]
4.1.1. Missal Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Escritos em prosa, os poemas de Missal ainda não alcan- Que fuljam, que na Estrofe se levantem
çam a qualidade musical, a plasticidade, a sugestão, a E as emoções, todas as castidades
sublimidade e a alquimia verbal de suas realizações pos- Da alma do Verso, pelos versos cantem.
teriores. Vale mais como registro do que como referência [...]
do Simbolismo no Brasil. Obra influenciada pela poesia em
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
prosa de Charles Baudelaire.
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
[...]
(CRUZ E SOUSA. POESIAS COMPLETAS. RIO DE JANEIRO: OURO, 1957.)

Antífona: pequeno verso que se canta antes e depois de


um salmo
Turíbulos: vasos para queimar incenso
Aras: altares
Réquiem: ritual para mortos
Diafaneidades: transparências

4.1.2. Broquéis Fuljam: brilhem

São 54 sonetos – forma poética preferida pelo autor nesse Alabastros: rochas muito brancas, translúcidas
livro. O branco está presente em diversos jogos e matrizes,
a luminosidade do luar e da neblina; a neve, as imagens
vaporosas, os cristais, criando um universo delicado. Sines-
tesias, assonâncias e aliterações qualificam os poemas.

multimídia: livros
Cruz e Sousa
Tasso da Silveira
Esse livro reúne as mais belas poesias do maior
poeta simbolista brasileiro: Cruz e Souza.

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4.2. Alphonsus de Guimaraens A catedral
Entre brumas, ao longe, surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:


“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O astro glorioso segue a eterna estrada.


Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:


“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

Por entre lírios e lilases desce


A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.
O “Solitário de Mariana”, como era conhecido, Afonso Hen- E o sino chora em lúgubres responsos:
riques da Costa Guimarães (1870-1921) viveu grande parte “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
de sua vida em Minas Gerais, onde exerceu a magistratura.
Marcado pela morte de sua noiva, Constança, quando am- O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
bos tinham dezoito anos, Alphonsus de Guimaraens jamais Vem acoitar o rosto meu.
a esqueceu, embora tenha se casado e sido pai de catorze A catedral ebúrnea do meu sonho
filhos. A morte da noiva despertou nele um sentimento reli- Afunda-se no caos do céu medonho
gioso que o acompanharia na poesia, a começar pelos títulos Como um astro que já morreu.
das obras: Kyriale, Setenário das dores de Nossa Senhora,
E o sino chora em lúgubres responsos:
Dona Mística, Pauvre Lyre, Pastoral aos crentes do amor e da “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
morte... Além da religião, seus poemas exploram os temas (ALPHONSUS DE GIMARAENS. OS MELHORES
da natureza e da arte, que de alguma forma se relacionam POEMAS. SÃO PAULO: GLOBAL, 1985.)
com o da morte.
Hialino: semelhante ao vidro
Arrebol: o nascer do sol
Ebúrnea: marfim

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4.2.1. Obras
ƒ Setenário das dores de Nossa Senhora (1899);
ƒ Dona mística (1899);
ƒ Câmara ardente (1899);
ƒ Kiriale (1902);
ƒ Mendigos (1920);
ƒ Pauvre Lyre (1921);
ƒ Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923);
ƒ Poesias (Nova Primavera, Escada de Jacó, Pulvis, 1938).

VIVENCIANDO

O ANJO FERIDO, DE HUGO SIMBERG

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ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico,
15 social e político.

Esta Habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas vinculadas ao primeiro aspecto da
tríade analítica básica da arte literária (contexto, autor e obra), no caso o conceito de linguagem utilizada pelos autores
em escolas literárias diferentes, mas que se aproximam tematicamente. A construção dos procedimentos literários está
ligada aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção
artística do contexto.

Modelo
(Enem)
VIDA OBSCURA
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro
ó ser humilde entre os humildes seres,
embriagado, tonto de prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes
tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sofrimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto,
que o coração te apunhalou no mundo,
Mas eu que sempre te segui os passos
sei que a cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!
SOUSA, C. OBRA COMPLETA. RIO DE JANEIRO: NOVA AGUILAR, 1961.

Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo brasileiro, Cruz e Souza transpôs para seu lirismo uma
sensibilidade em conflito com a realidade vivenciada. No soneto, essa percepção traduz-se em:
a) sofrimento tácito diante dos limites impostos pela discriminação;
b) tendência latente ao vício como resposta ao isolamento social;
c) extenuação condicionada a uma rotina de tarefas degradantes;
d) frustração amorosa canalizada para as atividades intelectuais;
e) vocação religiosa manifesta na aproximação com a fé cristã.

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Análise expositiva: Trata-se de um soneto simbolista, cujas características são compatíveis com a obra de
A Cruz e Souza como um todo: são a da crítica dos excluídos, da dor de se viver em um mundo de indiferença,
de injustiça e de miséria. No poema, o eu lírico lamenta o fim de uma existência que passou despercebida
pela vida por conta de sua humilde condição social, a despeito do seu sofrimento e de suas privações.
Alternativa A

DIAGRAMA DE IDEIAS

SIMBOLISMO

O PRECURSOR DO SIMBOLISMO NO BRASIL FOI O ESCRITOR CRUZ


E SOUZA COM A PUBLICAÇÃO DE SUAS OBRAS
MISSAL (PROSA) E BROQUÉIS (POESIA), AMBAS EM 1893.

A OBRA OARISTOS, DE EUGENIO DE CASTRO,


PUBLICADA NO ANO DE 1890, É O MARCO
INICIAL DO SIMBOLISMO EM PORTUGAL.

A OBRA CLEPSIDRA, DE CAMILO PESSANHA, É UMA DAS


MAIS DESTACADAS OBRAS DO SIMBOLISMO PORTUGUÊS.

ALPHONSUS DE GUIMARAENS É O PSEUDÔNIMO DE AFONSO


HENRIQUE DA COSTA GUIMARÃES. O ESCRITOR É UM DOS
NOMES MAIS IMPORTANTES DO SIMBOLISMO NO BRASIL. UMA
CURIOSIDADE É QUE, NO ANO DE 1919 (DOIS ANOS ANTES
DE SUA MORTE), ELE RECEBE UMA VISITA INUSITADA: MÁRIO
DE ANDRADE BATE À SUA PORTA, NA CIDADE DE MARIANA
(MG), PARA FAZER UMA LEITURA DE EDGARD ALAN POE.

PONTOS FORTES:
• SUGESTÃO E SUBJETIVIDADE.
• RELIGIOSIDADE E MISTICISMO.
• TRANSCENDENTALISMO.
• INCONSCIENTE, SUBCONSCIENTE,
LOUCURA E MUNDO ONÍRICO.
• METÁFORAS, SINESTESIAS, ALITERAÇÕES E ASSONÂNCIAS.

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