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parte
Pesquisa, ensino e assistência
em dor orofacial
capítulo 1

Dor orofacial:
evolução e desafios à odontologia
José Tadeu Tesseroli de Siqueira

Sintoma ou doença? Eis o dilema da dor. Aprendemos que é um sintoma, mas


parece que também pode ser uma doença. O enfoque principal durante a formação acadêmica
é a dor aguda e pouco se discute sobre a dor crônica. Este capítulo discorre sobre esses temas,
iniciando com o papel da cavidade oral e da face na história da dor humana. Também revê alguns
tópicos históricos, como o panorama que envolvia os tratamentos dentários até o início do século
XX e como o sofrimento vivido na extração dentária, por exemplo, motivou a procura, pelos
dentistas, de alternativas para reduzir a dor do tratamento. Assim foi descoberta a anestesia por
Horace Wells, em 1844. Esse dentista foi o primeiro anestesista da história e, curiosamente, ele
foi seu próprio paciente. É possível que tenha percebido o impacto de sua descoberta sobre a
humanidade, afinal, as cirurgias passaram a ser indolores.
Após essa conquista extraordinária do controle da dor operatória, ainda persistia o enigma
de algumas dores, como a dor fantasma do amputado. A dor continuou sendo alvo de estudo da comunidade
científica internacional, que gradativamente mostrou novas e interessantes descobertas capazes de influenciar
profissionais de diferentes áreas e países. Entre nós, essas mudanças ocorreram inicialmente em centros
multidisciplinares de ensino público e em hospitais universitários, contribuindo para formar uma nova imagem
sobre dor, particularmente sobre a dor crônica. O curso de Odontologia Hospitalar, de onde vem a experiência
deste livro, contribuiu para incluir o cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar e trouxe novos desafios, como a
importância de internato e residência hospitalar em odontologia.
No Brasil, o representante mais antigo da odontologia foi, possivelmente, Tiradentes, que,
independentemente do seu saber científico, destacou-se pela sua participação social e capacidade de liderança.
Em 1929, a dor em odontologia foi discutida em um congresso latino-americano realizado
no Rio de Janeiro, durante o qual o professor Henrique Carlos Carpenter mostrou profundo conhecimento sobre
o complexo fenômeno da dor e discutiu as incompreensíveis manifestações clínicas das odontalgias e neuralgias
faciais. Ele solicitava que a Saúde Pública autorizasse o uso de medicamentos internos (analgésicos) pelos dentistas
brasileiros. Isso demorou, mas aconteceu. Porém, hoje temos os medicamentos, mas continuamos nos defrontando
com dores faciais persistentes. Do que precisamos ainda?
Nesta década, houve a aprovação da especialidade Disfunção Temporomandibular e Dor
Orofacial pelo Conselho Federal de Odontologia, fato que realça a importância e complexidade das dores faciais e,
ao mesmo tempo, aumenta nossa responsabilidade nessa complexa área. Vivemos, portanto, novos tempos e desafios.

Introdução

A dor é corriqueiramente ensinada como sendo o


mais comum e relevante dos sintomas. Assim, so-
mos treinados a procurar a doença que a provoca – pode
sintoma, ou a própria doença. Eis o enigma da dor!
Como diferenciar?
A complexidade desta tarefa é reforçada por ser a dor
ser uma cárie dentária, um tumor, uma fratura ou outra subjetiva, em qualquer uma das situações acima descritas,
de inúmeras afecções possíveis e descritas na Classifica- e por nem sempre estar acompanhada de sinais visíveis
ção Internacional de Doenças (CID-10). Mais recentemente que esclareçam sua origem, como feridas, alteração de
descobriu-se que a dor pode ser a própria doença Assim, cor ou aumento de volume da área envolvida.
na clínica, ao aplicarmos os conceitos de Semiologia, A linguagem básica da dor é o elo comum que une
descobrimos que temos de fazê-lo a partir da queixa co- todos os profissionais da área da saúde, ou qualquer
mum, dor, que pode ser um mero, ou patognomônico, pessoa interessada nesse atraente e complexo assunto.

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Além disso, a palavra “dor” tem um significado que não um bom conhecimento da patologia nos permite com­
se restringe apenas às áreas da saúde, estando presente preender as doenças que afligem nossos semelhantes,
também na filosofia, nas artes e na teologia. “Dor” faz valoriza os sinais e sintomas e permite uma adequada
parte do cotidiano da vida. Portanto, sempre é hora de formulação de hipóteses diagnósticas. enfim, de uma
reciclar conhecimentos e de discutir na prática clínica o forma ou de outra, é no conhecimento da patologia e
significado de ter dor. semiologia que se fundamenta a identificação da doen­
ça – o diagnóstico.
por que estudar e tratar a dor?
Tratar dor exige sólida formação em Patologia e Se-
Segundo o médico e professor John Bonica,1 um dos miologia, mas não basta conhecer os componentes físi-
pioneiros em aplicar na clínica o princípio da multidis- cos da doença, ou a condição que a provoca. Existe um
ciplinaridade no tratamento da dor: outro lado, ainda mal compreendido pela maioria dos
profissionais da área da saúde, que engloba os aspectos
como sempre, o tratamento da dor permanece uma emocional, cognitivo e comportamental dos pacientes
das mais importantes preocupações da sociedade, e com doenças crônicas; além disso, também existe o am-
uma preocupação específica da comunidade científica biente familiar, as condições de trabalho e o aspecto so-
e dos profissionais da saúde. esta importância deriva cial. Sem dúvida, a dor deve ser avaliada em um amplo
do fato de que dor aguda ou crônica aflige milhões de aspecto biopsicossocial. As dores orofaciais não fogem
pessoas anualmente; e em muitos pacientes com dores a essa regra.3
crônicas, e uma significativa parcela daqueles com dor
aguda, ela é inadequadamente aliviada. consequente­ É no conhecimento da patologia e da
mente dor é a mais frequente causa de sofrimento e semiologia que se fundamenta a identificação da
incapacidade que compromete seriamente a qualidade doença: o diagnóstico.
de vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. nos
eua, 15 a 20% da população tem dor aguda, e entre 25
e 30% tem dor crônica.1 dor: experiência e metáfora com
conteúdo biopsicossocial
A sensação de que entendemos dor, por considerá-la
sintoma comum para o diagnóstico de muitas doenças, O que fazer quando a dor, além de ser o sintoma,
não preenche toda a dimensão em que ela se expressa parece ser também a própria doença? Além do indis-
em cada paciente e no mesmo paciente ao longo dos pensável conhecimento de Patologia e Semiologia,
anos. Também não explica a razão pela qual muitos pa- teremos de ir além e conhecer melhor as repercussões
cientes não têm alívio da dor a despeito dos tratamen- da dor no organismo como um todo, tanto física como
tos recebidos e, tampouco, explica as alterações que afetivamente. Afinal, o quanto conhecemos dos nossos
ocorrem no indivíduo ou na sua vida, como alterações pacientes para compreendermos suas queixas de dor?
emocionais, depressão, distúrbios do sono ou perda do Existem inúmeras variáveis que os tornam únicos, de
emprego. tal forma que podemos ter a mesma doença, ou “dor”,
Além disso, as “sequelas” da dor independem da em indivíduos diferentes, mas obter respostas distintas
extensão da lesão ou do local do corpo humano onde de tratamentos idênticos.4 Devemos estar preparados
ela se instalou, não isentando, portanto, nenhum pro- para compreendê-los um pouco mais em suas queixas
fissional da área da saúde da sua responsabilidade de, e angústias. “A resposta à dor nem sempre decorre da
no mínimo, entender a complexidade de tal fenômeno. extensão da lesão, mas em grande parte do susto que
Uma vez ciente de que a dor tem múltiplas dimensões, a mesma causa ao doente”. Esta frase, pronunciada em
ele evita comentários depreciativos perante a queixa 1996 por Wall,5 um dos pais das teorias modernas sobre
do paciente, pode agir mais rapidamente no sentido de os mecanismos da dor, ajuda-nos a lembrar que tratamos
compreender e encaminhar casos complexos de dor e, doentes e não simplesmente um dente, uma articulação
principalmente, não se prende ao mito de que a dor é ou uma mera estrutura orgânica.
“só” um sintoma e, portanto, deve ter uma relação de Por essa razão, a definição mais difundida sobre dor
causa-efeito para poder ser explicada. (leia a seguir) foi encontrada após longas discussões e
ainda hoje é motivo de controvérsias na International
dor: a importância da patologia e da semiologia Association for the Study of Pain (IASP).6 O capítulo
brasileiro da IASP chama-se Sociedade Brasileira para o
Como a dor é, antes de mais nada, um sintoma, Estudo da Dor (SBED).
ela exige conhecimento de Patologia. Desta, decor-
re a necessidade de sólida formação em Semiologia, Dor: é uma experiência sensitiva e emocional desagra­
indispensável ao diagnóstico das doenças. Tommasi2 dável que resulta em dano real ou potencial dos teci­
lembra que: dos, ou é descrita em tais termos.6

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Nessa definição da IASP fica evidente a necessidade oral; ela também sedia uma microbiota abundante, com
de compreender que dor é uma experiência cuja per­ a qual vive em simbiose, e auxilia na defesa do orga-
cepção é individual e multidimensional no cérebro da nismo. O risco de infecções na cavidade oral aumenta
pessoa que dela sofre.7 A persistência da dor ao longo a possibilidade de bacteremia, com risco iminente aos
do tempo merece atenção, bem como o entendimen- indivíduos susceptíveis à infecção, como é o caso de pa-
to da doença envolvida. Portanto, é importante reco- cientes susceptíveis à endocardite bacteriana.14
nhecer duas dimensões simultâneas ao avaliar e tratar Curiosamente, a face é exatamente a região do cor-
pacientes com dor: duração da dor (tempo) e doença po humano em que ocorre a expressão do sofrimento. E
envolvida (patologia).8 Daí surgiram os conceitos de o sofrimento, expresso pelo choro, mistura-se, inúmeras
dor aguda e dor crônica, que se baseiam principalmen- vezes, com a própria fonte física da dor. Assim, dores
te no tempo de dor, embora existam outras caracterís- comuns aos seres humanos, como de dente, de gargan-
ticas que as distinguem. A dor crônica é um fenômeno ta, das aftas fazem parte do nosso cotidiano e, de tão
que se mostrou diferente da dor aguda.6 Este é o grande conhecidas, nem sempre são entendidas e, muitas vezes,
desafio atual: conhecer o fenômeno da dor crônica vai causam surpresa quando se manifestam de forma atípi-
além de conhecer o estímulo que a provoca ou que a ca. Dessas dores, as de dente assumem, seguramente,
iniciou. posição de liderança quando se fala em dores orofaciais,
A dor aguda está relacionada claramente à lesão seja pelas suas características fisipatológicas, pelo so-
tecidual e ao processo inflamatório, enquanto na dor frimento que causam ou pela variabilidade clínica com
crônica não existe uma clara ligação entre ela e a lesão que se manifestam. A história humana documentou, em
tecidual ou a inflamação, e ela persiste após a cicatriza- um misto de comédia e drama, o sofrimento causado
ção do tecidual, quando há história de traumatismo ou por essa dor corriqueira. Artistas europeus, entre outros,
lesão.9 Na dor aguda, a dor é o sintoma de uma doença deixaram quadros que mostram como eram realizados
ou lesão tecidual, enquanto na dor crônica a própria os tratamentos dentários na Europa, os quais certamen-
dor pode ser a doença.10 A compreensão dessas dife- te não eram muito diferentes dos realizados no Brasil
renças levou à adoção de um modelo conceptual de dor dos tempos de Tiradentes (Fig. 1.1 A-B).
que considere sua multidimensionalidade: o modelo
biopsicossocial.
Tal modelo entende a dor como uma verdadeira
metáfora e a lesão tecidual pode ser só o fator inicial;
entretanto, sua percepção no cérebro depende de um
sistema nervoso apto e susceptível a mudanças neuro-
plásticas; ela gera sofrimento, e o doente, que nem sem-
pre encontra alívio e explicação para os seus sintomas,
acaba passando por muitas consultas, profissionais ou
tratamentos diferentes.11 Esse é o todo da dor, princi-
palmente da persistente ou crônica, na qual o risco de
iatrogenia é muito alto.

Modelo conceitual, multidimensional de dor:11 noci­


A
cepção, dor, sofrimento e comportamento doloroso.

Figura 1.1. O cirurgião-barbeiro


Boca / face: onde as expressões de dor e na Europa e no Brasil. A. Qua­
sofrimento se misturam dro do período renascentista que
mostra o ambiente em que eram
A face, incluindo a boca, forma uma região extrema- realizadas as extrações dentárias
mente complexa do ponto de vista anatomofisiológico. e realça o sofrimento decorrente
dessa pequena cirurgia. Observe a
Ela é indispensável para as atividades cotidianas, como “mesa cirúrgica” e o desespero do
o comer e o falar, e é, em parte, a essência da nossa doente; aparentemente seu braço
humanidade, pois é através dela que transmitimos sen- direito está amarrado enquanto o
timentos e emoções: ela nos permite sorrir; ver, beijar, esquerdo está contido pelo “Sa­
cheirar, saborear e também chorar pela dor.12 camuelas”, “El Sacamuelas” de
B Theodor Romboutus (1597-1637),
A importância dessas estruturas para a sobrevivência
e exposto no Museu do Prado em
é realçada pelos diversos reflexos que permitem a inte- Madrid. B. Curiosamente, o primeiro “Sacamuelas” brasileiro co­
gração das suas funções, além da enorme e reconhecida nhecido foi Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Esse apelido
sensibilidade decorrente da sua extensa representação virou nome próprio, e uma breve consulta à internet mostra cerca
no córtex cerebral.13 Muitas doen­ças manifestam-se de 3,8 milhões de possibilidades de consulta, em diversos idiomas.
primária ou secundariamente nos tecidos da cavidade Fonte: Ojugas.15
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Dor em odontologia: da dor de dente local, que mudou o panorama do atendimento odon-
ao sofrimento do tratamento tológico, possibilitando o controle da dor transope-
ratória, a agilização dos tratamentos e a redução do
O sofrimento milenar, físico e emocional, causado sofrimento deles decorrentes. Ela é a grande arma do
pela dor de dente, ou pelo seu tratamento, criou mitos cirurgião-dentista no combate à dor, embora necessite
que se estendem até os nossos dias, pois, ao contrário ser mais explorada como método eficiente de diagnós-
do que ocorria em cirurgias de braços ou pernas, o uso tico em dor difusa, ou referida, e também como método
de anestesia por isquemia ou por congelamento não era, de tratamento da dor crônica. A angústia, a ansiedade
evidentemente, capaz de permitir a extração indolor de e o medo gerados pelos tratamentos odontológicos são
dentes. Com um agravante, pois possivelmente o nú- típicos constituintes do componente afetivo-compor-
mero de extrações dentárias foi superior ao de outros tamental que acompanha a dor aguda ou a expectativa
procedimentos cirúrgicos na área médica ao longo da de dor.18,19 A tranquilização do paciente, juntamente
história humana, e antes da descoberta da anestesia.16 com o controle da dor operatória, reduz a resposta
neurovegetativa, típica do estresse emocional, que é,
A descoberta da anestesia geral inegavelmente, um dos responsáveis por algumas das
mais frequentes complicações sistêmicas observadas
Dor e sofrimento tornaram-se o terror de pacientes em cirurgias ou procedimentos odontológicos. Um
que necessitavam tratar seus dentes. Assim, a anestesia bom exemplo é a lipotimia.
geral foi a grande descoberta, ao possibilitar tratamen-
tos e cirurgias dentárias indolores. A descoberta e o Dor em odontologia no Brasil
uso pioneiro do óxido nitroso e do éter como agentes
anestésicos em cirurgia pelos cirurgiões-dentistas Ho- No Brasil, relatos pioneiros sobre a dificuldade no
race Wells e Thomas Green Morton, respectivamen- diagnóstico e tratamento da dor em odontologia en-
te, é, sem dúvida, um marco na História da odontologia contram-se nos livros do III Congresso Odontológico
e do controle da dor.17 Esses homens são lembrados Latino-Americano, realizado no Rio de Janeiro, em
como grandes benfeitores da humanidade e, curiosa- 1929.20 Naquela oportunidade o Professor Henrique
mente, foram os primeiros anestesistas (Fig. 1.2 A-B). Carlos Carpenter, da Faculdade de Odontologia da
Outro grande avanço no controle e tratamento da dor Universidade do Rio de Janeiro, relatava as dificulda-
em odontologia ocorreu com a descoberta da anestesia des clínicas para o diagnóstico das neuralgias faciais e
realçava o papel do dente como fonte de dor referida à
cabeça. O professor apresentou em sua tese ilustrações
Figura 1.2. Luta contra a dor. publicadas pelo médico neurologista inglês Dr. Henry
A. Horace Wells é considerado Head, que mostravam mapas de irradiação das dores de
o descobridor da anestesia. B. dente à cabeça e ao pescoço (Fig. 1.3 A-B). Esses ma-
Esta pintura do século XIX retra­ pas foram publicados originalmente em 1894 e o Dr.
ta a histórica cirurgia realizada
sob anestesia geral (éter), apli­ Carpenter realçava sua importância clínica, a despeito
cada por outro cirurgião-den­ das controvérsias, pois esse conhecimento era raro na
tista, Thomas Green Morton. É época. Além disso, ele citava as alterações emocionais
um marco histórico no combate comuns aos pacientes com dor. Justificava, dessa forma,
à dor humana que identifica a a necessidade de receitar medicamentos de uso interno
participação da odontologia
no controle da dor. “Primeira
para o tratamento da dor em odontologia – procedimen-
operação em éter”, Biblioteca to que era vedado ao cirurgião-den­tista pelo Ministério
Médica de Boston, 1881, por da Saúde Pública do Brasil.20 “A Dôr em Odontologia”
Robert C. Hinckley. A foi a These por ele apresentada.
Fonte: Rings.17 Passaram-se 22 anos até o cirurgião-dentista brasi-
leiro ter reconhecido esse direito legal de prescrever
medicamentos de uso interno. Porém, só mais tarde, no
dia 24 de agosto de 1966, é que o exercício profissional
da odontologia foi regulamentado no Brasil pela lei
de Nº 5.081, a mesma que vigora nos dias atuais. Lon-
ga jornada para regulamentar uma profissão que exerce
atividade clínica, faz diagnóstico, realiza tratamentos e
atua em doenças de origem local e sistêmica ocorridas
na boca; isso sem considerar as diferentes interações
médicas e os níveis de complexidade que atualmente
também são exigências do Sistema Único de Saúde Bra-
B sileiro – SUS.3 Crenças, ignorância e ambições pessoais
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foram e são motivações que insistem em minimizar o esse atendimento, verificamos que essa dor tem grande
papel da Patologia Dental na Patologia Geral. Feliz- impacto sobre o indivíduo, a família e o estado. Além
mente esse panorama está mudando gradual­mente no disso, se atualmente a medicina e a ciência lutam para
Brasil. melhorar a qualidade e o tempo de vida das pessoas,
estas necessitam de saúde oral compatível com esse ob-
Dor na face: integrando jetivo.
a boca ao corpo Infelizmente, doenças da boca, como a cárie dentá-
ria e a doença periodontal, são mais comuns nas popu-
Dores desse segmento corpóreo são motivos fre- lações mais carentes e ainda motivo de preocupação por
quentes de procura por atendimento à saúde, tanto mé- parte do poder público e de organizações como a Orga-
dico como odontológico. Entre elas, a dor de dente é a nização Mundial da Saúde (OMS). Se considerarmos os
mais comum e provavelmente uma das mais conhecidas riscos aumentados de morbidade e até de mortalidade
da humanidade. Se considerarmos os gastos que envol- das infecções agudas ou crônicas de origem odontogê-
vem o tratamento da dor de dente, decorrentes de faltas nica, então vemos que a dor de dente é a ponta do iceberg
ao trabalho ou à escola, da necessidade de medicamen- de um problema de saúde pública que deve ser enfren-
tos ou da adequação dos serviços de saúde pública para tado com realismo.
As dores de dente representam sintomas agudos de
doenças bem conhecidas e comuns, e curiosamente, se
assemelham a outras dores que são verdadeiras doenças
crônicas que acompanharão o indivíduo que a sente por
toda a vida – como é o caso da neuralgia do trigêmeo
que, de tão forte, pode levar ao suicídio no desespero
das crises.
Junto com câncer de boca, dores irradiadas à face,
síndrome da ardência bucal, dor muscular mastigatória
e disfunção da articulação temporomandibular (ATM),
as dores de dente, típicas e atípicas, representam um
universo que pode ser mais bem compreendido na atua-
lidade, mas que exige integração de diversas disciplinas
para a formação profissional.

Dores crônicas da boca e da face

Atualmente, a odontologia defronta-se com outro


desafio: o tratamento e o controle das dores crônicas
da boca e da face, predominantemente as que envolvem
a dinâmica do aparelho mastigatório e aquelas decor-
A
rentes de procedimentos cirúrgicos ou de traumatismos.
Nesta área, a odontologia participa ativamente do tra-
tamento das dores orofaciais e de muitas cefaleias se-
cundárias decorrentes de doenças localizadas na boca
ou na face. Estudos epidemiológicos demonstram a alta
prevalência das dores orofaciais na população em geral,
iniciando pelas dores de dente e estendendo-se às dores
musculoesqueléticas do aparelho mastigatório.21-23 No

Figura 1.3. Os esquemas exemplificam os mapas de espalhamento


das dores dentais à cabeça e ao pescoço (foram descritos pelo
neurologista inglês Dr. Henry Head e publicados originalmente em
1894). Os mapas faciais das dores de dente fazem parte da These
apresentada pelo professor Henrique Carlos Carpenter, que dis­
correu sobre o tema “A Dôr em Odontologia”, em que relatava sua
experiência com essas intrigantes dores e reinvidicava aos órgãos
públicos brasileiros a liberação da prescrição de medicamentos de
uso interno pelo cirurgião-dentista brasileiro.
B Fonte: Carpenter.20
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Brasil, a dor de dente foi apontada por cerca de 40%


dos entrevistados quando perguntados sobre as dores Aguda
x
que sentiram.24 Em relação a outras dores, a dor facial Crônica
DTM
ocorreu em 12% da população estudada, a lombalgia
ATM
em 41%, as cefaleias em 26%, a dor abdominal em 16%
e dor torácica em 12%.25 Infecções

O cirurgião-dentista, frequentemente, é o primeiro Inflamatória


x
profissional procurado por pacientes com dor na boca e Neuropática
Neuralgias
deve se preparar para assumir tal responsabilidade. Ela
inclui necessidade de diagnóstico preciso e encaminha-
mento desses doentes. É a interdisciplinaridade. Como Locais
Odontalgias
acontece no diagnóstico e prevenção do câncer bucal,
o cirurgião-dentista faz parte da linha de frente também
Sistêmicas Cefaleias
no diagnóstico precoce da dor e da prevenção da dor primárias
crônica da face, considerando-se que muitos doentes
relatam ao especialista longas histórias de tratamentos Dores referidas Tumores
dentários ou cirurgias orais.

Figura 1.4. Momento histórico atual vivido pela odontologia na


a exemplo do seu papel no diagnóstico e luta contra a dor: o atendimento de pacientes com dores orofa­
prevenção do câncer bucal, o cirurgião­dentista ciais crônicas, incluindo dores persistentes orais e faciais, além
faz parte da linha de frente no diagnóstico precoce de cefaleias secundárias originárias do aparelho mastigatório. É
da dor e da prevenção da dor crônica da face, a participação do cirurgião­dentista na equipe multidisciplinar de
pois, normalmente, é o primeiro profissional a ser dor. esta cabeça de mulher é parte da escultura “afrodite” do es­
cultor grego praxíteles (330 a.c.), que teve como modelo a cortesã,
consultado por doentes com dores faciais.
famosa na época, frineia. a escultura simboliza histórico e revo­
lucionário período na evolução das artes. ela foi escolhida já como
símbolo dessa nova fase da odontologia brasileira e mundial, em
Neste sentido, é indispensável sua participação nas que a boca é integrada ao corpo, e a dor na face, além de expressar
equipes multidisciplinares de dor, particularmente nas lesão física, também é expressão da pessoa que sofre e do contexto
queixas relacionadas ao segmento cefálico. biopsicossocial em que vive.
Sem dúvida, um outro papel incorpora-se à atividade fonte: grande enciclopédia larousse cultural.26
profissional rotineira do cirurgião-dentista, que é o con-
trole e a prevenção da dor crônica da face e de cefaleias
secundárias de origem odontológica. Surgem outras ne- De acordo com a Academia Americana de Dor
cessidades, como adequar o ensino de graduação e de Orofacial,27,28 o campo de atuação nessa área inclui as
pós-graduação às necessidades clínicas dos pacientes e condições álgicas decorrentes dos diferentes tecidos da
aprimorar o relacionamento multiprofissional responsá- cabeça e do pescoço, incluindo todas as estruturas que
vel. Além disso, no diagnóstico diferencial de cefaleias formam a cavidade oral. O diagnóstico diferencial abran-
e dores craniofaciais ou cervicais fica mais evidente a ge grande número de doenças ou afecções que afetam,
necessidade da participação do cirurgião-dentista, que primária ou secundariamente, esse segmento corpóreo.
contribui identificando e tratando as doenças da boca Portanto, dor orofacial pode ser o principal sintoma
pertinentes à sua atividade profissional. das ínúmeras doenças que acometem diretamente as es-
Este é um momento histórico vivido pela odontologia truturas orofaciais; mas também pode ser o sintoma de
na batalha contra a dor: o atendimento de pacientes com doenças alojadas nas regiões adjacentes da cabeça e do
dores orofaciais crônicas, incluindo as dores persistentes pescoço, ou em regiões mais distantes, como do tórax
orofaciais e as cefaleias secundárias originárias no apare- e do abdome, quando provocam dores referidas. Todas
lho mastigatório. É a participação do cirurgião-dentista as potenciais fontes de dores orofaciais podem cruzar as
na equipe multidisciplinar de dor. A escolha da escultura fronteiras de muitas disciplinas médicas ou odontológi-
de Praxíteles, "Afrodite", simboliza este empolgante ins- cas, o que faz com que a abordagem interdisciplinar seja
tante brasileiro da luta contra a dor (Fig. 1.4). frequentemente necessária para estabelecer tanto o seu
diagnóstico quanto o seu tratamento.29-32
dor oroFacIal / BucoFacIal As dores provenientes da boca passaram a receber
atenção a partir da segunda metade do século XX, quan-
Genericamente, a denominação dor orofacial re- do se iniciou o estudo aprofundado da dor de dente, de
fere-se às condições álgicas relacionadas às estruturas seu tratamento e dos aspectos emocionais envolvidos. É
da boca e da face propriamente dita. Entretanto, tanto possível que a existência da odontologia como profis-
estruturas do crânio como do pescoço também podem são independente da medicina causasse a impressão de
causar dores faciais. que não é uma profissão da área da saúde, e que apenas
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conservava e repunha dentes. Esse pensamento ainda Estudo recente sobre a formação profissional de den-
existe nos dias atuais. Por outro lado, a responsabili- tistas e médicos brasileiros que tratam pacientes com
dade de estudar os dentes permitiu o reconhecimento dor crônica na região facial mostrou que os currículos
gradativo e científico de que eles fazem parte do ser precisam ser uniformizados de modo a contemplar a
vivo e a ele estão incorporados, e as doenças corriquei- complexidade da área, pois, independentemente do tra-
ras da boca, como os focos infecciosos odontogênicos tamento pertinente a cada especialidade ou profissão, é
e a própria dor de dente têm implicações locais e dis- necessário o reconhecimento das condições álgicas que
tantes, e comprometem, evidentemente, a saúde. Além afetam a cabeça e podem se manifestar como dor orofa-
disso, inúmeras doenças sistêmicas podem manifestar-se cial.32 Portanto, o atendimento de pacientes com dores
primária ou secundariamente na boca. O estudo da dor orofaciais indica a necessidade de conhecer, além de
orofacial aproximou inevitavelmente os profissionais de Anatomia e Fisiologia, também os aspectos psicológicos
diferentes áreas da saúde, e, com o tempo, percebeu-se envolvidos; obriga a conhecer o diagnóstico diferencial
a complexidade desse segmento do corpo humano. entre condições, síndromes ou doenças que causam dor
na região cefálica, incluindo a possibilidade das dores
O estudo da dor na boca: referidas e, finalmente, exige que o profissional, na fase
• Possibilitou o reconhecimento gradativo e científi- de tratamento, esteja familiarizado com as diferentes
co de que os dentes fazem parte do ser vivo e a ele terapêuticas existentes, indicações e contraindicações,
estão incorporados. Doenças corriqueiras da boca, incluindo formação sólida em farmacologia, fisiotera-
como a cárie e a doença periodontal, têm implica- pias e abordagem multidisciplinar, quando necessário.34
ções locais e distantes, e comprometem, evidente- Ver Quadro 1.1.
mente, a saúde do indivíduo.
• Permitiu compreender que nem toda dor de dente é Quadro 1.1. Dor orofacial (aguda / crônica)
de origem dentária, pois doenças como a neuralgia
1. Alveolodentárias, destacando-se as odontalgias,
do trigêmeo, tumores, leucemia ou a artrite reuma- principalmente as difusas e que se manifestam
toide também podem afetar a boca e os dentes. como dor facial ou cefaleias secundárias.
• Levou ao estudo das dores da boca e da face, inte-
2. Musculoesqueléticas, destacando-se as Disfunções
grando a boca ao corpo e contribuindo para integrar
Temporomandibulares (DTM), mas sem esquecer os
profissionais de diferentes áreas da saúde, levando-os tumores e as infecções.
a entender melhor os pacientes com dor crônica ou
3. Neuropáticas, são comuns na face e algumas
persistente nessa região do corpo.
delas são odontalgias não odontogênicas, como a
neuralgia idiopática do trigêmeo. A síndrome da
Em 1974, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados ardência bucal e dor facial atípica também entram
Unidos da América reuniu, pela primeira vez, clínicos e neste grupo.
cientistas de várias profissões da área da saúde para um 4. Neurovasculares, algumas cefaleias manifestam-se
significativo simpósio sobre as dores orais e faciais.33 É na face, como as cefaleias em salvas. Também são
grande a multiplicidade de fontes potenciais de dores causas de odontalgias não odontogênicas.
orofaciais e envolvem os diversos tipos de tecidos que
5. Psiquiátricas/psicológicas, estas são apenas
formam essa região. Ver Figura 1.5. citadas, porém devem ser consideradas no
diagnóstico diferencial.
6. Dores referidas à face são condições que podem
indicar risco à vida, como o infarto agudo do
miocárdio e o câncer.

Dor orofacial: da disfunção


Dor orofacial: da ATM à dor crônica
alveolodentárias
musculoesqueléticas
neuropáticas A denominação “dor orofacial” tornou-se popular
neurovasculares entre os cirurgiões-dentistas e os profissionais da área
psiquiátricas/psicológicas
dores referidas da saúde envolvidos no tratamento da dor. Ela é ampla-
mente divulgada na literatura científica internacional e
inclui o segmento odontológico, no qual se destacam as
odontalgias e as históricas disfunções da articulação tem-
poromandibular como condições muito prevalentes na
população geral.21,30 As disfunções da ATM tornaram-se
Figura 1.5. Desenho esquemático da cabeça mostrando as tão populares que muitas vezes são usadas praticamente
potenciais fontes de dores orofaciais. como sinônimo de dor orofacial, o que certamente é
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| Siqueira & Teixeira |

inadequado, já que o capítulo da dor orofacial engloba, rápido encaminhamento é absolutamente indispensável
como vimos anteriormente, grande variedade de condi- para o seu prognóstico.
ções álgicas. Estudos clínicos com dores persistentes da Acima de tudo devemos compreender que essa enti-
face mostram que a falta de diagnóstico preciso é uma dade “disfunção de ATM” ou “disfunção temporomandi-
das principais causas de insucesso nos tratamentos, os bular” será gradativamente substituída pelas afecções ou
quais são frequentemente dirigidos a uma causa única, doenças que causam dor e disfunção mandibular, e que
muitas vezes atribuída às disfunções da ATM.35 esta é mais uma consequência do que uma causa de dor.
O conceito atual de dores musculoesqueléticas Portanto, a variabilidade desses problemas que acarretam
mastigatórias ultrapassa os limites convencionais das dor e disfunção mandibular exigirá conhecimento amplo,
antigas disfunções da ATM, ou seja, de disfunção da ar- tanto das bases neurobiológicas da dor, como de critérios
ticulação temporomandibular propriamente dita. Essa diagnósticos e de terapêutica em dor, seja oclusal, ortopé-
denominação engloba diversas anormalidades de natu- dica, fisiátrica, farmacológica, cirúrgica ou psicológica.
reza musculoesquelética que afetam a função mandi-
bular e podem causar dor. Gradativamente, a literatura Níveis de complexidade em dor orofacial
científica mostra evidências de que essas disfunções, na
existência de dor, necessitam ser avaliadas no contexto A dor crônica e as diversas condições de dor deve-
“dor” tanto ou mais que no contexto “disfunção”,36,37 já riam ser avaliadas em um contexto de níveis de com-
que a dor é a experiência complexa e o motivo princi- plexidade, o que permitiria um melhor prognóstico a
pal que leva o paciente à procura de assistência à saúde. cada caso, individualmente, e também para que o clíni-
Este representativo grupo de dores musculoesqueléti- co identifique seus limites e as necessidades de encami-
cas da face deve ser incorporado às dores orofaciais de nhamento e de interconsultas, assim como preconiza o
acordo com critérios que permitam identificá-lo e dife- Sistema Único de Saúde (SUS) adotado pelo Brasil. Ver
renciá-lo das demais condições álgicas que acometem na Figura 1.6 as sugestões sobre níveis de complexidade
a face. Existem inúmeras doenças, locais ou sistêmicas, em dor orofacial.3
que afetam o complexo maxilomandibular e que devem
ser incluídas no diagnóstico diferencial das dores oro- Desafios da odontologia na área de dor
faciais, como cefaleias primárias, cervicalgias e doenças
cardíacas. Se inicialmente a dor decorrente de doenças dos den-
A odontologia, qualquer que seja sua especialidade, tes foi o foco primário da atenção odontológica, em um
tem implícita em sua atividade a prevenção e a cura das segundo momento as doenças e disfunções relacionadas
doenças de origem bucodental, bem como a restauração à articulação temporomandibular passaram a se destacar
da função mandibular. Nesse contexto, os conhecimen- pela sua prevalência e importância clínica. Entretan-
tos sobre oclusão dentária e ATM são indispensáveis to, vivemos um momento em que as necessidades dos
para o cirurgião-dentista, clínico ou especialista, inde- pacientes vão além. Dores crônicas, como a síndrome
pendentemente se é cirurgião, periodontista, endodon- da ardência bucal, as dores neuropáticas e a dor facial
tista, protesista ou ortodontista. Esses conceitos já fo- persistente, são outros exemplos do dia a dia, e, embora
ram plenamente salientados e defendidos por diversos pouco prevalentes, têm grande impacto biopsicossocial.
profissionais.38,39 Outro grande desafio à profissão odontológica é o que
A tarefa de cuidar do aparelho mastigatório, da oclu- diz respeito aos pacientes com necessidades especiais
são dentária ou da ATM pertence essencialmente ao (morbidades associadas) e que sentem dor orofacial. Fi-
cirurgião-dentista, porém, independentemente dos as- nalmente, um grupo especial exige atenção odontológi-
pectos estruturais envolvidos, quando há queixa de dor, ca: são os pacientes com câncer de cabeça e pescoço.
ela pode ser o diferencial ou o complicador dessa tarefa. A seguir serão relacionadas diversas situações da clí-
Devemos estar preparados para compreender que dor nica odontológica que constituem o universo da dor em
é fenômeno complexo, o qual precisa ser entendido e odontologia.41
que, mesmo sendo as disfunções mandibulares muito
frequentes, existem outras condições dolorosas da face a. Controle da dor transoperatória: pode ser conse-
que as simulam, como dores referidas da própria face, guido convenientemente por meio das técnicas de
do crânio, do tórax e até do abdome. Devemos ainda anestesia local, lembrando que há pacientes gene-
compreender que existem dores somáticas, neuropáti- ticamente susceptíveis à dor e não sabemos exata-
cas e por transtornos psiquiátricos e que, embora seja mente quem são eles. A prevenção da dor aguda
a dor o sintoma essencial à proteção da vida, sentinela pode ser medida de prevenção da dor crônica. Es-
que nos alerta, ela pode se tornar a própria doença;40 tudos genéticos experimentais apontam que há sus-
que também existe a dor do câncer, a qual pode ser a ceptibilidade individual à dor e espera-se que, em
manifestação inicial da doença e, como inúmeras vezes um futuro próximo, possamos saber previamente à
somos os primeiros profissionais a atender o paciente, cirurgia quem são esses pacientes.42
nossa responsabilidade frente ao diagnóstico precoce e b. Controle do medo e da ansiedade: é conseguido
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| Dores orofaciais |
Dor em odontologia: níveis de complexidade

Dor persistente/crônica:
Dor refratária, procedimentos complexos,
alta tecnologia
Centro de dor

Dor persistente/crônica:
dente, pós-trauma, miofascial, Especialista dor/
“dor facial atípica”, neuropática, Centro de dor
DTM, ardência bucal, câncer

Dor aguda:
Endodontia, dentística, pós-cirúrgica, Especialidades Odontológicas
ATM, DTM, periodontal, infecções

Dor aguda:
Cáries, pulpite, periodontite, Clínico geral
Pós-cirúrgica/procedimentos/DTM

Figura 1.6. nesta escada são apresentadas as sugestões de níveis de complexidade de dor orofacial e necessidade de tratamento. este es­
quema para o tratamento da dor foi elaborado para ser adaptado aos níveis de complexidade do sistema Único de saúde (sus) brasileiro.
fonte: siqueira.3

por meios seguros, capazes de minimizar os efeitos ambulatorial através da cetamina iniciou-se com a
emocionais gerados pelo atendimento odontológi- necessidade cirúrgica de eliminação de focos dentá-
co, ou pela simples expectativa do mesmo. A tran- rios em crianças que deveriam se submeter a cirurgias
quilização dos pacientes pode ser realizada no pré, cardíacas e corriam risco de infecção focal de origem
pós e transoperatório. Medidas que tranquilizem o dentária. Esta técnica foi introduzida por Cromberg,
paciente na fase pré-operatória podem contribuir em 1975.43 Considerando-se a demanda por atendi-
para a redução das dores trans e pós-operatórias. mento odontológico sob anestesia geral, o custo/be-
Não se justifica que em cirurgias eletivas sob anes- nefício decorrente da analgesia ambulatorial é mais
tesia local o paciente ainda sofra física e mental- interessante, evidenciando a importância da técnica
mente como no passado remoto. Historicamente em um país carente economicamente e com enorme
o cirurgião-dentista descobriu a anestesia geral, e fila de doentes esperando por tratamento odontoló-
no Brasil finalmente está regulamentado o uso do gico. Na analgesia ambulatorial a equipe pode ser
óxido nitroso em consultório odontológico. É rele- composta por odontopediatras e médico-anestesista
vante lembrar que o controle da dor e da ansiedade especializado neste tipo de atendimento. O consul-
foi responsável pela incorporação de medicação de tório deve estar em condições que permitam segu-
uso interno, incluindo os ansiolíticos, no receituário rança ao paciente no transcorrer do procedimento
da odontologia – o que pressupõe a necessidade de operatório. Além disso, os membros dessa equipe
educação profissional para a aplicação desses conhe- multidisciplinar devem ter treinamento adequado
cimentos na clínica. O estudo da farmacologia e o para avaliação e preparo pré, trans e pós-operatório
preparo para aplicação de procedimentos de emer- do doente, ressalvando-se, evidentemente, a autono-
gência são indispensáveis para enfrentar eventuais mia das respectivas áreas, de acordo com sua atuação
intercorrências.16 As técnicas de sedação e analgesia e competências profissionais.44
exigem treinamento especializado e, dependendo Em 2004, após discussão entre os Conselhos Fede-
da condição clínica do doente, devem ser realizadas rais de Odontologia e Medicina, foi regulamentado o
por um médico-anestesista. uso pelo cirurgião-dentista brasileiro da sedação por
A Divisão de Odontologia do Instituto Central do meio do óxido nitroso.
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da c. O diagnóstico da dor de dente referida à cabeça
Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) desen- e ao pescoço: ainda é um grande desafio clínico e
volveu pioneiramente grande experiência neste tipo exige avaliação meticulosa que inclui semiotécnica
de técnica, principalmente no atendimento odonto- refinada, se possível alicerçada pelo conhecimento
pediátrico de pacientes pouco cooperativos devido da fisiopatologia da dor e pelos critérios para o diag-
a distúrbios neurológicos, a alto grau de ansiedade nóstico diferencial de odontalgias (patogênese). O
ou a outros distúrbios comportamentais. A analgesia espalhamento de algumas dessas dores às regiões
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| Siqueira & Teixeira |

adjacentes da face, crânio e pescoço produz grande Então, a odontologia participa com medidas preven-
confusão e indecisões. Nas dores de dente difusas, o tivas, curativas e paliativas, a fim de proporcionar
doente assusta-se de tal forma com a intensidade da uma melhor qualidade de vida ao paciente.47 Ver os
dor que normalmente procura atendimento em pron- capítulos da Parte 10.
to-socorro de hospitais gerais. A grande dificuldade
nesses casos é o diagnóstico, pois o tratamento é rela- Tratamento da dor: da ética à relação
tivamente tranquilo. O desafio do cirurgião-dentista cirurgião-dentista / paciente
na área de dor orofacial inicia-se pelo diagnóstico da
dor de dente difusa, principalmente das pulpites, que O código de ética odontológico contempla os diver-
eventualmente causam cefaleias secundárias.35 sos aspectos que envolvem a pesquisa científica incluin-
d. Terapêutica da dor aguda (inflamatória): indepen- do o consentimento livre e esclarecido do paciente,
dentemente de sua origem, pressupõe conhecimen- ou de seu representante legal, além de transplantes de
to dos mecanismos da dor, do processo inflamatório órgãos.48 Todavia, o universo da pesquisa nem sempre
e de farmacologia aplicada. É imprescindível que o corresponde à atividade clínica, a qual envolve decisões
cirurgião-dentista conheça as várias classes de fárma- diárias. Quando o paciente apresenta dor, as decisões
cos utilizados para o tratamento da dor e saiba como profissionais defrontam-se com vários desafios: primei-
aplicá-los em cada caso; a situação mais comum de- ro, com a própria complexidade do fenômeno doloroso;
corre da dor pós-operatória e sabe-se que seu contro- depois, com a individualidade do sujeito que a sofre e,
le incompleto, além do sofrimento que gera, pode ser ainda, com o próprio conceito de ética pelo profissio-
causa de cronificação da dor. A experiência clínica e nal. Neste sentido, podem existir julgamentos empíri-
os dados da literatura científica sugerem que os pro- cos que afetam as decisões profissionais e nem sempre
fissionais se preocupem mais com este aspecto.45 Ver são favoráveis aos pacientes.
Capítulo 36. A International Association for the Study of Pain
e. Dor crônica orofacial/cefaleias secundárias/dor (IASP) discute os aspectos éticos que envolvem a dor
pós-operatória persistente: a exemplo da dor mio- na clínica e na pesquisa.34 Entre os conceitos filosóficos
fascial mastigatória, da síndrome da ardência bucal dessa relação é fundamental ao profissional da saúde re-
(SAB), das neuralgias e neuropatias orofaciais, da lembrar a necessidade de:
odontalgia atípica/dor facial atípica e da dor no cân-
cer, pressupõem um largo espectro de conhecimentos 1. Distinguir os aspectos subjetivos da dor dos aspec-
que vai desde o conhecimento da fisiopatologia da tos objetivos obtidos na avaliação da dor.
dor até os mecanismos biopsicossociais envolvidos no 2. Distinguir entre dor e sofrimento.
comportamento de dor do paciente. É indispensável 3. Entender que existem diferenças individuais e de
que o cirurgião-dentista conheça, no mínimo, as prin- grupos no que concerne à intensidade e ao signifi-
cipais causas de dores craniofaciais para estabelecer cado da dor.
o diagnóstico diferencial. Deve-se lembrar, também,
que ao lado do diagnóstico físico deve existir uma ava- Entre as obrigações éticas destacam-se:
liação comportamental do doente. Medicamentos não
convencionalmente usados na odontologia brasileira, 1. Respeitar as culturas individuais, lembrar dos direitos
embora de prescrição legal, começam a fazer parte humanos básicos e da responsabilidade profissional.
do receituário do cirurgião-dentista, a exemplo dos 2. Entender o significado moral do sofrimento desne-
antidepressivos tricíclicos e dos anticonvulsivantes, cessário por dor.
preconizados em pacientes com dor crônica. Equipe 3. Entender que dor moderada a excruciante provoca
multidisciplinar para o controle da dor crônica pode danos físicos e psicológicos. Obedecer aos princí-
ser indispensável para alguns doentes. Esta distinção pios da beneficência (caridade) e da não maleficên-
deve ser feita, inclusive, para determinar as limitações cia (não provocar dano).
clínicas do profissional, a necessidade de interconsul- 4. Ter consciência de que a dor agride a dignidade
tas e o encaminhamento do doente.19,28,30,46 humana; e que a dor iatrogênica, de certa forma,
f. Dor e cuidados paliativos no paciente com câncer compara-se à dor das vítimas de tortura.
de cabeça e pescoço: nos últimos anos, aumentaram 5. Entender o princípio de justiça no manejo e pesqui-
os esforços da odontologia para identificar o câncer sa em dor.
de boca. Entretanto, quando a dor é o sintoma do
câncer ainda não identificado nem sempre o diagnós- Quando o paciente decide-se por fazer uma cirur-
tico é rápido ou mesmo há suspeita da doença. Além gia odontológica eletiva, como é o caso de cirurgia de
disso, o câncer de cabeça e de pescoço, incluindo implantes de titânio, de terceiros molares e da cirur-
o de boca, são os que causam maior dor. Portanto, gia ortognática, ou procedimentos menos invasivos,
além dos tratamentos do próprio câncer pela equipe como o tratamento de canal, uma restauração ou uma
médica, o controle de doenças bucais é fundamental. prótese dentária, ele nem sempre conta com riscos e
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| Dores orofaciais |
nem sempre imagina a possibilidade de complicações, Entidades internacionais como a International Asso­
como a lesão de nervo ou a chance de ficar com dor ciation for the Study of Pain (IASP); a Sociedade Brasi-
pós-cirúrgica persistente. Se a cirurgia na boca é de leira para o Estudo da Dor (SBED); a Academia Ameri-
um tumor, ou de uma fratura, ela é necessária e, psico- cana de Dor Orofacial (AAOP – American Academy of
logicamente, as complicações serão mais aceitas, pois Orofacial Pain); a Academia Brasileira de Fisiopatologia
há risco potencial à vida. As cirurgias orais têm risco Crânio-Oro-Cervical (ABFCOC); a Sociedade Brasi-
mínimo a médio, em sua maioria, desde que a condi- leira de Dor Orofacial e ATM (SOBRAD); o Departa-
ção clínica do paciente seja boa. Infelizmente há uma mento de DTM e Dor Orofacial da Associação Paulista
tendência de minimização dos riscos pelo cirurgião- de Cirurgiões-Dentistas (APCD) e o Centro Multidis-
dentista, de modo que o paciente em geral não recebe ciplinar de Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo
as informações a respeito dos riscos cirúrgicos e de são exemplos do interesse que desperta o tema dor em
suas sequelas, o que em muito contribui para a insatis- todos os profissionais da área da saúde. Recentemente
fação dos pacientes e para a deterioração das relações a Academia Americana de Dor Orofacial publicou as
profissional/paciente.3 No capítulo sobre dor orofacial bases para a formação do cirurgião-dentista que atuará
persistente, a qual surge após procedimentos odonto- em dor orofacial.51 Ver Figura 1.7.
lógicos ou cirúrgicos da boca, discute-se amplamente Existem sugestões de currículos mínimos para for-
aspectos pouco conhecidos pelo cirurgião-dentista, mar profissionais da área de saúde na abordagem dos
como a dor neuropática, cujo tratamento é prolon- pacientes com dor, seja na graduação ou na pós-gradua­
gado e varia do simples ao complexo. Embora sejam ção.34 Torna-se necessária no Brasil uma ampla discussão
casos menos comuns, eles são muito incapacitantes e para uniformização de termos, condutas e programas,
deveriam ser reconhecidos pelos profissionais envolvi- pois inúmeras faculdades de odontologia, geralmente
dos no tratamento da dor. de forma independente, enfocam as matérias básicas e
O professor Gino Emílio Lasco, um dos grandes as disciplinas técnicas (especialidades odontológicas)
representantes da cirurgia bucomaxilofacial no Brasil, nos pacientes com anormalidades de oclusão dental.
sempre lembrava aos seus alunos: “Em casos de riscos ci- A disfunção temporomandibular é abordada nas disci-
rúrgicos, esclareçam detalhadamente seus doentes antes plinas de oclusão, mais comumente dentro da Prótese
da cirurgia; assim eles não atribuirão a erros as eventuais dentária, mas também pela Ortodontia e eventualmen-
complicações que apareçam”.3 te pela Cirurgia Oral. Essas disciplinas normalmente
Inúmeras vezes discutimos sobre dor, mas nem sem- têm enfoques próprios e independentes, e, do ponto de
pre é ela o alvo do problema. Insatisfações e frustrações vista técnico, é importante essa abordagem, pois são
de expectativas aborrecem as pessoas. A odontologia nas disciplinas que os alunos aprendem e se preparam
rea­liza procedimentos invasivos, biológica e psicologi- para seu desempenho operatório (técnico) na odonto-
camente, com riscos potenciais que não deveriam ser mi- logia. Por exemplo, técnicas de reabilitação oral são
nimizados ou deixados de ser apresentados ao paciente. ensinadas pela Prótese; os tratamentos da anquilose e
Apresentar o prognóstico e as informações necessárias da luxação da ATM são bem abordados pela Cirurgia
exige preparo profissional primoroso, mas torna menos Oral e as anormalidades do crescimento maxiloman-
estressante e mais humano o relacionamento entre ci- dibular e da ATM são matérias básicas da Ortodontia
rurgiões-dentistas e seus pacientes, particularmente em
procedimentos cirúrgicos.3

Treinamento profissional em dor:


Educação continuada

Atualmente, preparar os profissionais da saúde para


abordar pacientes com queixas de dor é um desafio en-
frentado por associações internacionais e instituições
de ensino em inúmeros países, havendo várias sugestões
de programas curriculares.34,49,50 O cirurgião-dentista,
clínico ou especialista, convive com as queixas de dor
de seus pacientes e não pode se eximir dessa responsa-
bilidade. Considere queixas comuns como odontalgias,
sensibilidade dentinária, aftas e disfunções da ATM. Figura 1.7. Placa enviada pela American Academy of Orofacial
Talvez não exista uma única pessoa no mundo que, pelo Pain (AAOP) à Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD)
menos uma vez na vida, não tenha tido uma dessas quei- comemorativa à participação do Grupo de Estudos em Dor Orofa­
cial na aprovação, pelo Conselho Federal de Odontologia, da nova
xas ou que continua a tê-la a despeito dos tratamentos. especialidade Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial, cujo
Esse desafio também é nosso.40 objetivo é o de preparar cirurgiões-dentistas para a difícil tarefa de
diagnosticar e tratar doentes com dor crônica.
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| siqueira & teixeira |

e da Ortopedia dos Maxilares. O interessante é que a os profissionais da área de saúde. Na odontologia, esta
odontologia, em si uma especialidade, gira, direta ou afirmação aplica-se a todas as áreas. Entretanto, a expe-
indiretamente, em torno da oclusão dentária e do apa- riência clínica e inúmeros relatos da literatura mostram
relho mastigatório, conhecimentos que são a base da que há consenso quanto às dificuldades de abordagem
profissão. Ninguém deve se considerar isento ou ter dos doentes com dor orofacial crônica. Para tentar sa-
exclusividade sobre conhecimentos indispensáveis ao ná-las, atualmente existem cursos regulares e de espe-
exercício de sua profissão. cialização odontológica em dor que preparam os pro-
Felizmente, a par das técnicas avançadas e comple- fissionais interessados nessa tarefa. Com esses cursos,
xas, usadas pela odontologia, chegamos a uma fase de espera-se a redução de erros e iatrogenias e a agilização
transição sobre as relações da oclusão com as DTM, a do encaminhamento adequado desses pacientes, pois o
partir da experiência adquirida nos últimos anos e de convívio e treinamento em equipes multidisciplinares
evidências científicas sobre o tema. Estudos em diver- de dor crônica trariam a experiência indispensável so-
sas áreas da odontologia apontam para a necessidade bre dor, doenças e doentes.
de que o enfoque oclusal indispensável ao tratamen- Do anteriormente exposto depreende-se que a par-
to do paciente seja complementado pelo entendimento ticipação do cirurgião-dentista em equipe multidiscipli-
do contexto neural em que ocorrem as funções orais e nar de dor pressupõe os seguintes conhecimentos:
mandibulares.7,32,52-55
Tópicos da equipe multiprofissional para trata-
a odontologia, como especialidade, gira mento da dor:
em torno, direta ou indiretamente, da oclusão
dental e do aparelho mastigatório. esses a. Linguagem comum a todos os membros da equipe:
conhecimentos são indispensáveis ao cirurgião­ dor.
­dentista. ninguém deve se considerar isento b. Modelo conceitual de dor: do biomédico ao biopsi-
ou ter exclusividade de conhecimento básico e cossocial.
indispensável à sua profissão. c. Anatomia, Fisiologia, Patologia e Semiologia.
d. Síndromes álgicas que acometem cabeça e pescoço.
e. Princípios gerais do tratamento da dor, incluindo a
De qualquer forma, a razão principal da procura Farmacologia.
pela assistência médico-odontológica no momento
atual chama-se dor, e, sem dúvida, merecerá sempre Para atingir tais objetivos é necessário que haja edu-
nosso enfoque, pelo menos no princípio. Revisão cur- cação continuada em dor; prática clínica em equipes es-
ricular para integração das diferentes disciplinas é ne- pecializadas em dor, principalmente em dor crônica, e
cessária. Os conhecimentos básicos sobre os mecanis- discussões interdisciplinares de casos clínicos de dor.
mos neurais da dor orofacial, a sua fisiopatologia e os
fatores psicossociais envolvidos devem fazer parte da a manutenção das responsabilidades individuais
formação nuclear dos profissionais da odontologia. Os obriga o profissional a preparar­se para tomar
conhecimentos sobre a complexidade do fenômeno dor decisões que não prejudiquem o doente, não
são comuns e aplicáveis a todas as áreas clínicas: clínica confundam os membros da equipe multidisciplinar
odontológica geral, endodontia, periodontia, ortodon- e não comprometam os aspectos éticos envolvidos.
tia, prótese, semiologia, cirurgia, odontopediatria e na
própria dor orofacial.
o cIrurgIão-dentIsta na eQuIpe
não há necessidade de ser especialista multIdIscIplInar de dor
em dor. Mas, havendo este desejo, o profissional
deve estar apto para enfrentar e conhecer um A conduta clínica do cirurgião-dentista que se pro-
vasto campo, que envolve amplos conhecimentos põe a atender e tratar pacientes com dor persistente ou
básicos e clínicos, em toda a odontologia e nas crônica depende muito de sua formação nessa área. Ela
matérias afins, particularmente no que tange à exige sólida formação interdisciplinar e, a exemplo da
dor crônica. cirurgia bucomaxilofacial, a presença do dentista nos
hospitais permite a resolução dos problemas pertinentes
à odontologia e lhe dá enorme experiência clínica, seja
os centros unIversItárIos pela variedade de problemas com os quais se defron-
de tratamento da dor na ta, seja pela complexidade desses problemas, ou, ainda,
Formação proFIssIonal pela convivência multidisciplinar. Os conceitos científi-
cos que embasam o atendimento de pacientes com dor
A dor, como sintoma primário de grande número de solidificam-se durante a vivência clínica hospitalar, em
doenças, deve ser conhecimento indispensável a todos meio a profissionais treinados para esse fim.
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| Dores orofaciais |
Sob esse enfoque, Dor Orofacial é outra área que exi- necessidades especiais, e as próprias exigências atuais do
ge a presença do cirurgião-dentista no hospital. A face Sistema Único de Saúde (SUS), sinalizam para a evo-
é ocupada em grande parte pelo aparelho mastigatório; lução do conceito de Odontologia Hospitalar e para
além disso, muitas doenças bucodentais causam dor, di- mudanças na formação do cirurgião-dentista. O treina-
versas cefaleias secundárias são de origem odontológica mento hospitalar mínimo durante o período de gradua-
e muitos pacientes têm dores mistas que necessitam de ção em odontologia seria altamente recomendável, pois
abordagem interdisciplinar. A complexidade da face é Odontologia Hospitalar é, na verdade, a nossa odontolo-
exemplificada pela própria representação dela no córtex gia, generalista ou especializada, sendo realizada dentro
cerebral, seja a parte sensitiva ou a motora. Além disso, o do hospital. Em geral, a imagem que essa denominação
sistema trigeminal inerva estruturas intra e extracranianas, passa aos profissionais da área da saúde, e aos próprios
o que poderia explicar a dificuldade de diagnóstico das dentistas, é a de que ela se refere exclusivamente à cirur-
dores craniofaciais. Queixas banais como aftas, traumatis- gia bucomaxilofacial, mas essa é uma visão limitada. A
mo de prótese dentária ou queimor oral podem aparentar odontologia é indispensável em hospitais gerais, e prin-
exagero, mas são explicáveis dentro desse contexto. cipalmente nos de ensino, sejam públicos ou privados,
quer para ajudar no diagnóstico diferencial de doenças
o aperfeiçoamento em odontologia da cavidade oral e dos maxilares, quer para realizar o
Hospitalar pode funcionar como “residência tratamento específico de doenças que afetam primária,
odontológica hospitalar”. seu objetivo é a prática ou secundariamente, os dentes e as áreas anexas. Além
clínica no ambiente multidisciplinar próprio do disso, os doentes internados podem apresentar dores e
hospital, vendo o doente em sua globalidade e infecções dentárias que exijam atendimento imediato; a
necessidades. Desta forma, além de exercitar o morbidade desses problemas de saúde estende-se a riscos
diagnóstico, ele aprende a considerar os riscos e à saúde geral, como ocorre nas infecções focais, a exem-
os benefícios de sua terapêutica nos diferentes plo da endocardite bacteriana. O doente internado pode
níveis de complexidade do doente. apresentar alto risco em procedimentos odontológicos
corriqueiros, devido ao nível de complexidade da doen-
ça sistêmica que motivou sua internação. Atender esses
O médico e os demais profissionais da área da saúde pacientes exige recursos hospitalates, humanos e técni-
envolvidos no tratamento da dor entendem e reconhe- cos altamente especializados. Alguns desses pacientes,
cem a necessidade da participação do cirurgião-dentista mesmo após a alta hospitalar, necessitam de acompanha-
na equipe multidisciplinar, particularmente nas cefaleias mento permanente pelas equipes treinadas do próprio
e algias craniofaciais. Esse convívio é perfeitamente hospital; outros, dependendo do nível de complexidade
possível, como demonstra a experiência clínica, pois da doença, podem ser devidamente orientados, e, des-
facilita o estudo e o conhecimento da fisiopatologia da se modo, receber tratamento nos consultórios dentários
dor e de sua complexidade; permite reconhecer que as particulares. É evidente que os dentistas que atendem
demais regiões do corpo humano podem ter manifes- tais pacientes deveriam receber capacitação mínima, e o
tações clínicas semelhantes à da boca/face e permite, treinamento e a vivência em uma residência odontológi-
principalmente, despertar a consciência de que cada um ca hospitalar seriam muito benéficos nesse sentido.
é parte desse universo. Assim, cada profissional trata
criteriosamente o que é de sua alçada e encaminha cor- a experiência dos útimos 25 anos na área
retamente o que não é. Quem ganha é o paciente, que de odontologia Hospitalar no Hospital das clínicas
não tem "dono", mas se entrega e confia imensamente de são paulo e as próprias exigências atuais do
em quem o atende. E ganhamos todos nós, pois apren- sistema Único de saúde (sus) sinalizam para a
demos e mantemos o respeito mútuo. evolução do conceito tradicional de isolamento do
dentista entre as quatro paredes do consultório,
odontologIa HospItalar: a saúde apontando para a necessidade de mudança na sua
Bucal no contexto da saúde geral formação clínica e humanista.
o desafio de criar regimes de internato ou de
O exercício da odontologia em âmbito hospitalar no residência hospitalar odontológica ainda assusta, mas
Brasil recebe a denominação genérica de Odontologia é a forma de adequar recursos humanos visando ao
Hospitalar. Pereira56 definiu a Odontologia Hospitalar nível de complexidade das doenças e dos doentes.
“como o ramo da odontologia que visa ao entrosamento
com especialidades médicas, tendo por objetivo ofere-
cer atendimento de alto nível, em condições de segu- odontologia Hospitalar: integração
rança, contando com o apoio efetivo do corpo clínico no contexto de saúde pública
do hospital”.
A experiência dos útimos 70 anos nas áreas de ci- Nos Estados Unidos da América, a área da Medici-
rurgia bucomaxilofacial, dor orofacial e pacientes com na Oral é a que corresponde à Odontologia Hospitalar
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brasileira, mas, no contexto em que é realizada a nossa odontologia, neurologia, oftalmologia e otorrinolarin-
Odontologia Hospitalar, ela não deveria ter a conota- gologia. No I Encontro de Odontologia Hospitalar
ção de especialidade, pois todas as especialidades odon- do Hospi­tal das Clínicas de São Paulo, foi realizado
tológicas têm vantagem no atendimento do paciente o Curso Multidisciplinar de Dor Facial. Em 1988,
hospitalar. A nosso ver, a Odontologia Hospitalar é o quando foi criada a Liga de Cefaleia da Faculdade de
complemento da graduação, em ambiente multidiscipli- Medicina da Universidade de São Paulo,57 também
nar e em diversos níveis de complexidade. A importân- foi incluída a odontologia com a participação de um
cia dos programas de aprimoramento, estágio ou resi- cirurgião-dentista. Posteriormente, em 1991, motiva-
dência hospitalar para o cirurgião-dentista decorre da do pela experiência clínica adquirida, e também pelas
experiência profissional que terá no ambiente em que necessidades crescentes devido à complexidade dos
conviverá com os doentes e com os demais profissionais problemas, o Grupo de ATM passou a chamar-se Gru-
da área da saúde; vivência do contexto em que se discu- po de Estudos em Dor Orofacial e ATM. Finalmente,
tem e tratam doentes e doenças, além da observação e em 1997, a Dra. Eliane Barbosa Prado, então diretora
participação nas dificuldades inerentes aos tratamentos da Divisão de Odontologia do Instituto Central, des-
desses doentes complexos. vinculou o Grupo da Dor Orofacial/ATM da Cirurgia
No ambiente hospitalar, o dentista se defronta, na Oral, transformando-o em uma das três equipes da
prática, com as mais variadas situações e doenças, en- Divisão de Odontologia do Instituto Central do Hos-
riquecendo sua formação, independentemente de sua pital das Clínicas (ICHC) ICHC. A denominação pas-
especialidade, pois ele se prepara para tratar as doen- sou a ser Equipe de Dor Orofacial / ATM (EDOF/HC).
ças bucodentais no contexto da saúde geral, na qual o Atualmente essa equipe é integrada ao Centro de Dor
objetivo primário é conhecer o doente, para que possa da Divisão de Neurologia do Hospital das Clínicas de
atendê-lo de acordo com o prognóstico determinado São Paulo, fato que favorece a interdisciplinaridade e
pela sua doença, ciente dos riscos e benefícios que o propicia o estudo de casos complexos de dor, aprovei-
tratamento trará à condição clínica sistêmica. Períodos tando o potencial tecnológico e humano disponível na
de estágio ou residência profissional em Odontologia instituição. Esse entrosamento permitiu a elaboração
Hospitalar objetivam dar ao profissional a prática de de muitos estudos, os quais culminaram em protocolos
que ele precisa para compreender seu paciente durante de abordagem e tratamento da dor orofacial, apresen-
quaisquer tratamentos dentários, principalmente quan- tados ao longo deste livro.
do estará isolado em seu consultório. Também o prepa- Possivelmente, este foi o primeiro serviço odonto-
ram para avaliar mais rapidamente os riscos e benefícios lógico em hospital universitário brasileiro com o obje-
dos tratamentos sugeridos. tivo de formar cirurgiões-dentistas, em regime de resi-
dência, capazes de abordar as mais diversas condições
Experiência brasileira da Odontologia álgicas da boca e da face, em atuação multidisciplinar,
Hospitalar no ensino da dor e que englobasse o tripé: pesquisa, ensino e assistên-
cia, nos diversos níveis de complexidade exigidos pelo
A experiência em Dor e Disfunção Temporomandi- SUS.
bular e Dor Orofacial descrita neste livro solidificou-­ No Curso de Aprimoramento em Odontologia Hos-
-se na atividade exercida no Hospital das Clínicas de pitalar do HC/FMUSP, em modelo de residência, to-
São Paulo, onde existe o Centro Interdisciplinar de dos os aprimorandos (estagiários, residentes) recebem
Dor, idealizado em 1974, no Departamento de Neuro- 96 horas de ensino e treinamento em dor orofacial no
logia, e oficializado em 1979. Com o passar do tempo, 1º ano do curso. Já no 2º ano, os alunos da Divisão de
as atividades do Centro de Dor ampliaram-se de for- Odontologia do ICHC recebem 460 horas, enquanto
ma interdisciplinar, permitindo a aglutinação de pro- os alunos da área específica de Dor Orofacial recebem
fissionais de diferentes áreas interessados no estudo e cerca de 2.000 horas e passam por diversas clínicas que
tratamento da dor.57 Especificamente na Divisão de abordam a dor nesse complexo hospitalar.
Odontologia, o estudo da dor iniciou-se com o atendi- Desde 2003, existe uma a duas vagas para a área de
mento de pacientes com disfunção de ATM, em 1980, Dor Orofacial, tendo sido formados nesse período nove
como atividade voluntária do autor em Cirurgia Oral, cirurgiões-dentistas, com treinamento em período inte-
a convite do Dr. Clóvis de Almeida, então diretor. Em gral de dois anos em um total de cerca de 4.000 horas.
1984, a Dra. Conceição da Glória Motta incorporou Em 2010 foi aprovada a Residência em Odontologia
essa atividade à rotina do Grupo da Cirurgia Oral, que Hospitalar do HC/FMUSP, com oito vagas, sendo uma
era uma das três equipes que compunham a Divisão para Dor Orofacial, em período integral de dois anos,
de Odontologia do Instituto Central. Esse subgrupo com cerca de 3.600 horas. Certamente é um programa
foi nomeado Grupo de ATM. Em 1986 foi realizado inédito e que contempla a complexidade das dores oro-
o I Curso de Dor Facial pela Divisão de Odontolo- faciais e disfunções mandibulares, preparando jovens
gia, já então de natureza multidisciplinar, englobando cirurgiões-dentistas para esse desafio (Quadro 1.2).

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| Dores orofaciais |
Quadro 1.2. Histórico dos cursos de Aprimoramento e de de sua especialidade, convive com diferentes situações
Residência em Odontologia Hospitalar do HC/FMUSP clínicas, morbidades associadas, locais ou sistêmicas e se
prepara para exercer sua atividade nessas circunstâncias.
Início do Curso de Aprimoramento em Odontologia
Hospitalar: 1986
O beneficiário é o doente, em quem aplicamos terapêu-
tica para determinada doença, respeitando suas indivi-
Bolsa PAP/FUNDAP do Governo do Estado de São dualidades e reconhecendo os riscos e benefícios dos
Paulo
procedimentos. Entre os benefícios está o preparo e o
Vagas: 15 aperfeiçoamento profissional para exercer tarefas, apa-
Duração: dois anos em período integral (3.600 horas) rentemente privativas do hospital, em nível de ambula-
–– 1º ano: básico (geral) tório ou de consultório privado. São favorecidos, prin-
–– 2º ano: específico, a partir de 2003, o cipalmente, os pacientes cardiopatas, os coagulopatas
aprimoramento específico passou a ter as e os imunossuprimidos, além dos pacientes que podem
seguintes opções: necessitar de biópsia, dentística, cirurgia periodontal,
• Cirurgia Bucomaxilofacial (BMF) cirurgia para exerese de um cisto maxilar ou reabilitação
• Pacientes com Necessidades Especiais (PNE) funcional do maxilar através de próteses dentárias. O ci-
• Dor Orofacial/Disfunção Temporomandibular
rurgião-dentista, ao atender esses pacientes com neces-
(DOF/DTM)
sidades especiais, deve estar preparado para abordá-los
A partir de 2010 foi aprovado pelo Governo Federal o e avaliá-los, independentemente de sua doença local,
Programa de Residência em Odontologia Hospitalar discutir os riscos e os benefícios que a terapêutica terá
(5.200 horas), com oito vagas. Os dois cursos passaram
a ter esta distribuição:
para o doente e saber avaliar a necessidade e a oportu-
–– Curso de Aprimoramento (3.600 horas): 8 vagas nidade de cada intervenção. Como ocorre na medicina,
(BMF: 2; PNE: 5; DOF/DTM: 1) todos devemos conhecer o mínimo indispensável sobre
–– Curso de Residência (5.200 horas): 8 vagas nossos doentes, na prática, antes de optarmos por al-
(BMF: 2; PNE: 5; DOF/DTM: 1) gum tratamento. Isso significa a possibilidade de inter-
consultas para avaliação preliminar e respectivo preparo
do paciente, quer na rotina do procedimento eletivo,
quer nos casos de urgência. O cirurgião-dentista deve
estar apto para fazer avaliação no contexto clínico do
Os objetivos dos Programas de Educação Continu- doente, e o convívio multidisciplinar em ambiente hos-
ada em Dor Orofacial da Instituição são apresentados pitalar fornecido pela residência odontológica auxiliaria
no Quadro 1.3. muito nesse sentido.
O programa geral teórico-prático, que apoia esses O HC/FMUSP tem programa oficial de Aprimora-
objetivos, é apresentado em diversos módulos no 1º e mento em Odontologia Hospitalar, com bolsa patro-
no 2º ano dos Cursos de Aprimoramento ou Residên- cinada pelo PAP/FUNDAP, desde 1986. Funciona em
cia em Odontologia Hospitalar do HC/FMUSP, tanto modelo de residência, semelhante à residência médica,
para os alunos das áreas específicas de Pacientes com e seu formato é inédito e pioneiro no Brasil. Permite
Necessidades Especiais e Cirurgia Bucomaxilofacial, formação ampla em clínica odontológica, colocando
quanto para aqueles que escolheram a área específica o cirurgião-dentista em contato com inúmeras condi-
de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial. ções clínicas, em diferentes níveis de complexidade,
O que muda, naturalmente, é a carga horária total em as quais o levam a conhecer melhor os pacientes, suas
cada área. doenças e as condições sociais que apresentam.
A pesquisa clínica e experimental da Equipe de Dor Atualmente, o Curso de Aprimoramento em Odon-
Orofacial é vinculada ao Departamento de Neurologia e tologia Hospitalar continua sendo ministrado em dois
ao Programa de Fisiopatologia Experimental da FMUSP. anos, com dedicação integral. No primeiro ano, todos
Nas diversas linhas de pesquisa sobre Dor Orofacial os os alunos (15) circulam em todos os setores de odon-
alunos egressos da Residência/Aprimoramento têm opor- tologia do hospital e praticam odontologia generalista
tunidade de realizar seu mestrado ou doutorado. Até o nos doentes. No segundo ano, os alunos escolhem, de
presente momento foram formados quatro doutores e 12 acordo com a classificação no primeiro ano, três pos-
mestres dentro dessas linhas de pesquisa. síveis áreas: Cirurgia Bucomaxilofacial, Odontologia
para Pacientes com Necessidades Especiais e Disfunção
Internato e residência odontológica Temporomandibular e Dor Orofacial (Quadro 1.2).
hospitalar: o desafio do presente Em 2010, foi criada oficialmente a Residência em
Odontologia Hospitalar do HC/FMUSP. Correspon-
A Odontologia Hospitalar exige preparo específico e de à residência médica, com bolsa do Ministério da
oferece benefícios ao doente, ao hospital, aos profissio- Educação/Saúde, com duração de dois anos e 5.200
nais da saúde, incluindo as diferentes equipes médicas, e horas. A característica desse programa de residên-
ao próprio cirurgião-dentista que, independentemente cia odontológica é inédita e pioneira no Brasil, pois
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Quadro 1.3. Objetivos dos Programas de Educação Continuada em Disfunção
Temporomandibular e Dor Orofacial para cirurgiões-dentistas dos Cursos de Aprimoramento
ou Residência em Odontologia Hospitalar do Hospital das Clínicas – HC/FMUSP
ODONTOLOGIA HOSPITALAR – PROGRAMA DIDÁTICO PARA EDUCAÇÃO EM DOR

Área: Dor Orofacial/Disfunção Temporomandibular


Instituição: Equipe de Dor Orofacial da Divisão de Odontologia e Centro de Dor da Divisão de Neurologia do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Objetivo geral dos programas de educação continuada:
Preparar o cirurgião-dentista para atender pacientes com dor, incluindo as disfunções mandibulares, em todos os
níveis de complexidade, visando capacitá-lo para:
–– Interagir na equipe multidisciplinar e conviver com a realidade da saúde pública brasileira e a diversidade social
dos pacientes de um hospital universitário.
–– Abordar e avaliar pacientes com dor, compreender e organizar as histórias de acordo com os diferentes níveis de
complexidade dos pacientes, das doenças e da própria queixa de dor.
–– Fazer o diagnóstico de doenças específicas de sua área de atuação, a partir da queixa “dor”, diferenciando dores
de origem odontológica das não odontológicas, reconhecendo as síndromes álgicas crônicas que afetam a região
orofacial, particularmente as de natureza musculoesquelética, neuropática ou neurovascular e, finalmente,
identificando possíveis relações entre a queixa de dor orofacial e doenças crônicas, quando existentes (pacientes
com necessidades especiais).
–– Planejar o tratamento do paciente com dor, inclusive os cuidados paliativos no câncer, definindo prioridades e
riscos de cada intervenção, distinguindo entre aguda e crônica, inflamatória e neuropática e observando os níveis
de complexidade da dor e do paciente.
–– Receitar fármacos indicados no tratamento da dor, reconhecendo seus riscos e benefícios.
–– Entender que o paciente com dor crônica é também "um paciente com necessidades especiais".
Objetivos específicos dos programas de educação continuada:
1. Conhecer os mecanismos biológicos da dor tendo como suporte dados científicos sobre:
–– Anatomia e fisiologia da boca e do aparelho mastigatório e representação no córtex cerebral, sensitiva e motora,
da face.
–– Nervos cranianos, com ênfase no complexo nuclear trigeminal.
–– Neuroanatomia e fisiopatologia da dor, incluindo a distinção entre aguda e crônica, inflamatória e neuropática, e
entre os componentes afetivos e cognitivos da dor.
–– Modelo biopsicossocial para avaliar e tratar pacientes com dor.
–– Modelo de Adaptação à Dor para compreender as dores musculoesqueléticas.
–– Dor e sono, incluindo os distúrbios orofaciais (apneia e bruxismo).
2. Exercitar a prática da avaliação e diagnóstico do paciente com dor estando ciente da importância de:
–– Ouvir, conduzir e organizar a narrativa de dor do paciente, valorizando e entendendo a queixa principal e seu
significado para o paciente, realizando história clínica detalhada, que inclua o histórico da queixa/doença e a
história médico-odontológica do paciente.
–– Realizar exame físico, intra e extraoral, incluindo avaliação funcional da mandíbula e dos nervos cranianos,
identificar a necessidade de exames de imagens, laboratoriais e de interconsultas e usar injeções anestésicas ou
testes terapêuticos.
–– Identificar os casos em que a dor é um sinal de urgência ou emergência médica.
–– Conhecer Patologia e Semiologia Bucodental.
–– Conhecer os critérios de diagnóstico das síndromes álgicas craniofaciais e cefaleias.
3. Fazer o planejamento do tratamento do paciente com dor orofacial/disfunção mandibular, conhecendo as
evidências científicas sobre:
–– Efeitos do esclarecimento e da atitude profissional no efeito placebo.
–– Tratamento odontológico em geral, incluindo placas de mordidas e cirurgias.
–– Tratamento odontológico dos distúrbios orofaciais do sono (apneia e bruxismo).
–– Controle da dor e cuidados paliativos odontológicos no paciente com câncer de boca.
–– Tratamento farmacológico: analgésicos, anti-inflamatórios e adjuvantes.
–– Tratamento não farmacológico: fisioterápico, neuroestimulação elétrica transcutânea (TENS), laser terapêutico,
acupuntura, hipnose, etc.
–– Tratamentos de alta complexidade: estimulação magnética transcraniana, neurocirurgia e bombas analgésicas.
4. Interagir com o Grupo Multidisciplinar de Dor para compartilhar o conhecimento sobre:
–– Epidemiologia, classificações e impacto social e na saúde pública da dor, incluindo a orofacial.
–– Princípios de ética no tratamento do paciente com dor.
–– Relação entre Assistência, Ensino e Pesquisa em hospital universitário.
–– Instrumentos usados para avaliação do paciente com dor crônica.
–– Integração da Equipe Multidisciplinar para avaliação e tratamento de casos complexos de dor orofacial, ou para
identificar as implicações sistêmicas das doenças bucodentais em pacientes com dor ou doenças crônicas.
–– Discussão multidisciplinar e multiprofissional.

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contempla a clínica odontológica em três áreas prin- desde que sob supervisão de docente com formação es-
cipais: Pacientes com Necessidades Especiais, Disfun- pecífica no diagnóstico e controle da dor orofacial, com
ção Temporomandibular e Dor Orofacial e Cirurgia formação e experiência preferencial nesses centros mul-
Bucomaxilofacial. tidisciplinares de dor. Disciplinas como a Farmacologia
O programa prático consta de atendimento de pa- poderiam incentivar a aplicação clínica dos fármacos
cientes em diversos níveis de complexidade; de reu­ nas diversas áreas de atuação do cirurgião-dentista, par-
niões clínicas para discussão e planejamento dos casos ticularmente no controle da dor. Os cursos de gradua-
clínicos; de reuniões científicas da Equipe de Dor Oro- ção que mantêm estágios ou residência de Odontologia
facial, na Divisão de Odontologia; do Ambulatório de Hospitalar (cirurgia bucomaxilofacial, pacientes com
Cefaleia; da Liga de Dor e do Grupo Multidisciplinar necessidades especiais, estomatologia ou dor orofacial)
de Dor da Divisão de Neurologia do HC/FMUSP. As teriam a possibilidade prática de aplicar esse currículo
aulas teóricas são ministradas por cirurgiões-dentistas, mínimo em dor (Quadro 1.4).
médicos e profissionais de saúde do corpo clínico do A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED)
Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da já enviou sugestões à Associação Brasileira de Ensino
Universidade de São Paulo. A carga horária é pratica- Médico (ABEM) e à Associação Brasileira de Ensino
mente a mesma dos cursos de graduação em odontolo- Odontológico (ABENO), com o objetivo de incentivar
gia, o que permite formação complementar e altamente o estudo da dor, de forma integrada, entre os profissio-
especializada nessas três áreas. nais da área da saúde.

Dor na graduação: a experiência A especialidade Disfunção


brasileira das Ligas de Dor Temporomandibular e Dor Orofacial

As Ligas, como a Liga de Dor, são criações brasileiras O outro contexto da dor em odontologia é o que
que permitem integração e motivação perante assuntos diz respeito aos doentes com dor crônica da face, e nes-
de saúde durante a formação acadêmica. Comuns na te caso é indispensável que os profissionais envolvidos
medicina e na enfermagem, são ótimos locais de conví- tenham treinamento e formação específicos e que se-
vio para os estudantes de graduação de todas as áreas de jam verdadeiramente especializados. O Conselho Fe­­
saúde, incluindo a odontologia. Este é um assunto que de­ral de Odontologia regulamentou a especialidade de
desperta a atenção de todos, e provavelmente estamos Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (ver
apenas no início de uma nova fase de adaptações e desa- no Quadro 1.5 a resolução do CFO). Inúmeros cursos
fios aos professores e profissionais brasileiros da área de foram criados em todo o Brasil e espera-se que, gradati-
saúde, particularmente para o cirurgião-dentista. vamente, apliquem o currículo mínimo, com treinamen-
Em 1995 foi criada a Liga de Dor da Faculdade de to interdisciplinar, preferencialmente com estágios em
Medicina e da Escola de Enfermagem da Universi­dade centros hospitalares de dor, indispensáveis à boa forma-
de São Paulo.57 A odontologia esteve presente em todas ção profissional nessa complexa área.
essas atividades multidisciplinares do Centro de Dor, o A especialidade em dor foi questionável inicial-
que propiciou uma ampla atividade de ensino, pesquisa mente, porém, pelo desconhecimento da dor crônica e
e assistência em dores orofaciais, incluindo as disfun- sua abordagem precária na graduação ela justifica-se.59
ções temporomandibulares, servindo como modelo de Quanto ao nome da especialidade, possivelmente Dor
atuação.58,59 Orofacial é o que melhor se aplica, pois as dores mus-
As Ligas de Dor estão em pleno crescimento nas culoesqueléticas mastigatórias, conhecidas tradicional-
universidades brasileiras e mostram os sinais dos no- mente como disfunção de ATM, ou, mais recentemente,
vos tempos na formação universitária dos profissio- disfunção temporomandibular, são parte dessa área (ver
nais da saúde. A Sociedade Brasileira para o Estudo da também Capítulos da Parte 12 sobre disfunção mandi-
Dor (SBED), a partir de 2005 incentivou a criação e bular). A mudança do nome fortalece a necessidade de
atua­ção das ligas de dor, implementando um progra- estudar e receber treinamento em dor, especialmente da
ma anual em todo o Brasil. O interesse dos alunos de dor crônica, em todas as suas variáveis e níveis de com-
graduação de odontologia aumenta gradativamente. plexidade.
Provavelmente, a mudança curricular nas universida-
des brasileiras sofrerá a influência das ligas, que difun- Desafios à odontologia brasileira
dem ensinamentos sobre o convívio interdisciplinar e
sobre a fisiopatologia da dor, particularmente da dor O presente aprendizado sobre Dor, Dor Orofacial
crônica. Essa experiência já permitiu sugestões de cur- e ATM, incluindo o ensino da oclusão dentária, per-
rículos mínimos para as diferentes profissões de saúde mite incluir, entre nossos objetivos futuros, mudanças
em nosso país.49,50 substanciais na formação do cirurgião-dentista aqui no
Na odontologia, a dor orofacial poderia ser aplicada Brasil.3,59
pelas disciplinas de Semiologia ou de Clínica Integrada, Eis algumas metas:
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1. Entender o problema global da dor crônica no Brasil, Com a especialidade defrontamo-nos com três de-
incluindo a que ocorre na região orofacial, e seu im- safios. O primeiro é o de levar em frente o estudo, o
pacto na saúde pública. diagnóstico e o tratamento das dores orofaciais e da

Quadro 1.4. Sugestão de currículo mínimo para graduação em odontologia


CONTEÚDO Carga horária

1. Mecanismos neurais da dor.


–– Neuroanatomia craniofacial.
2
–– Fisiologia da dor, somação, facilitação, sinapses, neurotransmissores, convergência, dualidade
da dor.
2-. Fisiopatologia da dor.
–– Dor por nocicepção – inflamação.
–– Dor neuropática.
–– Sensibilização periférica, sensibilização central, neuroplasticidade, resposta neurovegetativa e 2
muscular.
–– Dor aguda x dor crônica.
–– Dor referida; comportamento doloroso.
3. Classificação em dor orofacial.
1
–– Critérios diagnósticos das cefaleias e algias craniofaciais.
4. Abordagem clínica ao paciente com dor orofacial.
–– Importância do diagnóstico clínico em dor (Patologia e Semiologia).
1,30
–– Exames complementares: imagens e laboratoriais – quando usá-los.
–– O controle da dor; prognóstico em dor orofacial.
5. Critérios de diagnóstico em dor orofacial.
–– Dores dentinárias, pulpares e periodontais.
–– Neuralgias e neuropatias da face.
–– Doenças da ATM, disfunções temporomandibulares, síndrome dolorosa miofascial. 4
–– Neoplasias de cabeça e pescoço.
–– Cefaleias primárias.
–– Epidemiologia da dor.
6. Terapêutica em dor orofacial.
–– Níveis de controle da dor: alívio, cura, cuidados paliativos.
–– Fármacos: analgésicos de ação central e periférica, anti-inflamatórios, antidepressivos,
antivonvulsivantes, neurolépticos, ansiolíticos. 2
–– Terapia física: TENS, Laser, calor, frio, outros.
–– Terapia oclusal: placas de mordida, ajustes, reposição postural da mandíbula.
–– Outros métodos: acupuntura, hipnose.
7. Abordagem multidisciplinar ao paciente com dor orofacial.
–– Condições dolorosas sistêmicas (fibromialgia, artrite reumatoide).
1,30
–– Depressão, quadros conversivos, aspectos psicológicos e psiquiátricos.
–– O papel do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar de dor.
TOTAL 14 horas
Fonte: Pimenta e colaboradores.
49

Quadro 1.5. Resolução do CFO sobre a especialidade


Resolução CFO-25/2002

Art. 1º. As áreas de competência para atuação do especialista em Disfunção Temporomandibular e


Dor Orofacial incluem:
a) Diagnóstico e prognóstico das dores orofaciais complexas, incluindo as disfunções
temporomandibulares, particularmente aquelas de natureza crônica.
b) Inter-relacionamento e participação na equipe multidisciplinar de dor em instituições de saúde,
de ensino e de pesquisas.
c) Realização de estudos epidemiológicos e de fisiopatologia das disfunções temporomandibulares
e demais dores que se manifestam na região orofacial; e,
d) Tratamento das dores orofaciais e disfunções temporomandibulares, através de procedimentos
de competência odontológica.
Fonte: Conselho Federal de Odontologia.60
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DTM, em todos os níveis de complexidade. O segun- -formados, e das Ligas de Dor, para os acadêmicos,
do é o reconhecimento de que devemos encarar velhos mostram o caminho para a integração do dentista aos
e conhecidos inimigos: cárie dentária e doença perio- demais profissionais da saúde. A exemplo do internato
dontal e suas consequências para a saúde, com núme- e da residência médica, é a melhor forma de colocar o
ros alarmantes de necessidades de tratamento, o que as acadêmico de odontologia em contato com seus cole-
tornam importante problema de saúde pública para o gas de outras áreas da saúde, em contato com os doen-
nosso país. Por fim, o terceiro desafio é o crescimen- tes e seus diversos graus de complexidade e com a pró-
to dos atendimentos odontológicos para doentes com pria rea­lidade social do país e seus desafios em relação à
necessidades especiais em diversos níveis de complexi- saúde da Nação e à saúde bucal em particular. Esse é o
dade, alguns deles obrigatoriamente em hospitais uni- desafio das nossas faculdades de odontologia, a fim de
versitários. Formar recursos humanos com treinamento cumprir seu dever de educar e preparar profissionais que
avançado é o desafio, mas, felizmente, temos plenas terão em suas mãos a saúde e a vida das pessoas. É a me-
condições de encará-lo, a exemplo do que ocorreu com lhor maneira de formar profissionais que preencham os
a AIDS no Brasil. critérios para o bom atendimento do Sistema Único de
Sáude (SUS) dentro dos diversos níveis de complexida-
2. O ensino da oclusão dentária. de, entendendo e agilizando o sistema de transferência
e contratransferência de doentes.
É fundamental, mas a tentativa de relacioná-la com
a DTM, de modo até obsessivo, está sendo revista.52-55,61 5. Abordagem humanística dos pacientes com dores
A dinâmica do aparelho mastigatório inclui os dentes, orofaciais.
a atividade dos músculos da mastigação e uma intensa
rede neural de comando. Esta, infelizmente, sempre foi A par da melhora das classificações em dor, com
ignorada em nossa formação profissional. Esquecemos critérios de diagnóstico, sob o aspecto semiológico, é
que esta rede tem informações periféricas, reflexos com- necessária a incorporação de valores humanos à forma-
plexos e comando central. E aqui reside a essência bio- ção do dentista, assim como de todos os profissionais da
lógica do indivíduo, inclusive no que se refere à boca: é saúde, incluindo aspectos éticos, filosóficos e religiosos,
no sistema nervoso central (SNC) que existe a integra- a fim de reduzir a abordagem excessivamente tecnicis-
ção do todo, que é o organismo, sob o aspecto bioló- ta. Essa abordagem humanística, que não prescinde da
gico, emocional e cognitivo. A função de uma estrutura técnica, começa a ser discutida em nosso meio, a exem-
como a boca é algo complexo e as sensações anormais plo das histórias e narrativas em dor, na medicina e na
nela presentes, incluindo a dor das disfunções musculo- odontologia, e é um grande desafio para o futuro.3
esqueléticas mastigatórias (DTM), não se explicam uni-
camente pelas alterações morfológicas nela existentes. 6. Incentivo às nossas publicações na lingua inglesa e os
Felizmente, vivemos uma época de mudanças conceitu- desafios das traduções.
ais sobre DTM, e, a par das discussões sobre evidências
científicas entre oclusão e DTM, creio que o maior de- É absolutamente necessária a uniformização da lin-
safio é refletir sobre as mudanças no ensino da oclusão guagem sobre DTM e Dor Orofacial (DOF) no Brasil.
dentária, na graduação e na pós-graduação, para que a Há necessidade de grupos de trabalho de diferentes
própria oclusão seja apresentada dentro da complexida- instituições para tradução adequada da linguagem téc-
de neural que a comanda. nica da lingua inglesa para o português, respeitando as
características da nossa cultura e formação, e evitando
3. Necessidade de estudos epidemiológicos sobre saúde a criação de termos inadequados e confusos que não cor-
bucal e dores orofaciais. Incluindo as DTM. respondem aos originais. Esta é uma tarefa enorme, mas
necessária. Além disso, um dos maiores desafios para o
Em todo o país, dada sua extensão territorial e desi- futuro são as publicações brasileiras na língua inglesa, que
gualdade social, permitiriam criação de estratégias pon- é muito diferente do pensar em português. Necessitare-
tuais pelos órgãos responsáveis pelas políticas de saúde mos editar revistas brasileiras em inglês para divulgarmos
pública no Brasil. as atividades científicas aqui realizadas, mas de forma que
não se perca o conteúdo cultural e social em que fomos
4. Mudanças nos currículos de graduação e de pós-gra- formados e em que são executados os estudos. Isto ocor-
duação nas nossas faculdades de odontologia. re frequentemente nas traduções técnicas por nativos da
língua inglesa que desconhecem algumas das expressões
Os exemplos dos Cursos de Aprimoramento e Re- e características da língua portuguesa. Talvez ainda não
sidência em Odontologia Hospitalar, para os recém- estejamos adequadamente preparados para esta tarefa.

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| Siqueira & Teixeira |

Conclusão orofacial. Estas são de múltiplas origens, fazem parte


de uma região complexa, em termos de funções, iner-
Importantes avanços sobre dor foram conseguidos vação e expressão de dor, e, para serem reconhecidas
por meio da evolução no tratamento e entendimento clinicamente, necessitam de profissionais com formação
das dores em odontologia. As odontalgias, além de in- interdisciplinar, preferencialmente com treinamento em
tensas e frequentemente difusas, são muito prevalentes centros de dor.
na população em geral e um dos problemas mais comuns Esses avanços foram extremamente benéficos, parti-
de dor da humanidade. Nos últimos 50 anos, os avan- cularmente à odontologia e à medicina brasileiras, cujas
ços científicos sobre dor, incluindo estudos sobre dores fronteiras são imprecisas no que concerne à dor facial.
dentárias, permitiram a melhoria no conhecimento so- O paciente precisa do conhecimento decorrente da in-
bre os problemas clínicos, incluindo as dores da região tegração entre ambas.

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