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Uma Fábula

B. F. Skinner. (1988). A Fable. The Analysis of Verbal Behavior, 6,1-2.


(Tradução de Maria Luisa Guedes, para uso pessoal)

Recentemente descobriu-se que Daniel Defoe não contou toda a história sobre Robinson Crusoé,
provavelmente porque pensou que não acreditariam nele. O fato é que, através da operação de um tipo de
máquina do tempo wellsiana, Crusoé acordou numa manhã e encontrou um jipe moderno em sua ilha.
Estava em muito bom estado e tinha um inesgotável tanque de gasolina. Naturalmente ele investigou
muito cuidadosamente, puxando e empurrando alavancas, girando e pressionando botões. Quando ele
ligou a ignição o motor começou a funcionar e ele apressadamente desligou. Ele ligou e desligou várias
vezes. Uma vez, quando ele ligou, o jipe estava engrenado e pulou para frente. Assustado, ele
rapidamente desligou. Em outro dia o jipe não pulou. Finalmente, o jipe modelou e manteve tudo o que
Crusoé precisava fazer (não “saber”) (not “to know!”) para dirigi-lo habilidosamente por todas as partes
desmatadas da ilha. Ele “sabia como dirigir um jipe” (knew how to drive) simplesmente no sentido de que
ele fazia as coisas certas no momento certo.
Quando Sexta-Feira chegou à ilha, Crusoé o ensinou a dirigir. Uma vez que Sexta-Feira não
falava inglês, Crusoé podia apenas apontar as partes do jipe e mostrar o comportamento para Sexta-Feira
imitá-lo. Ele ligou e desligou a ignição e Sexta-Feira fez o mesmo e ouviu o motor começar e parar. Ele
ligou, apertou o pedal da embreagem e pôs o jipe em marcha; Sexta-Feira finalmente fez o mesmo e
sentiu o jipe mover-se. Finalmente Sexta-Feira também dirigiu habilidosamente. Crusoé não “comunicou
informação” ou “partilhou conhecimento”; ele simplesmente mostrou comportamentos que, quando
imitados por Sexta-Feira, foram reforçados pela ação do jipe. Sexta-Feira então também “sabia como
dirigir” (knew how to drive), mas, novamente, simplesmente no sentido de fazer todas as coisas certas.
Quando o navio de salvamento chegou, aconteceu de Crusoé estar do outro lado da ilha e não o
ver, mas o capitão encontrou Sexta-Feira, viu o jipe e ficou curioso a seu respeito. Sexta-Feira começou a
mostrar-lhe como dirigir. Como não falava inglês, ele podia ensinar o capitão somente como Crusoé lhe
havia ensinado, apontando e mostrando. Crusoé logo chegou e assumiu a tarefa. Ele apontou as partes do
jipe, como fizera com Sexta-Feira, mas ele também podia chamá-las pelos nomes mais próximos em
inglês e usar palavras como girar, ligar, empurrar e puxar. Ele podia dizer ao capitão o que acontecia
quando as coisas eram feitas. “Quando você gira este botão na base direção algo na carroça faz um
barulho, mas não o gire a menos que o bastão com a bola em cima esteja reto.” Em outras palavras, ele
podia descrever as contingências de reforçamento mantidas pelo jipe e, respondendo a estas descrições e
instruções, o capitão ficou sob controle do jipe mais rapidamente do que Sexta-Feira ficara. Enquanto
para Sexta-Feira Crusoé mostrou como dirigir, para o capitão ele podia dizer. Finalmente o capitão dirigiu
não por responder às instruções, mas porque o jipe modelou e manteve seu comportamento. O capitão
então “sabia como dirigir” (knew how to drive), mas novamente simplesmente no sentido de fazer as
coisas certas no momento certo. Nada passou de Crusoé para o capitão na forma de conhecimento ou
informação.
Crusoé também falava para si mesmo quando estava primeiro explorando o jipe. Ele podia dizer,
como disse para o capitão: “quando você gira este botão na base da direção, algo na carroça faz barulho.”
Ele não estava dizendo a si mesmo para fazer algo que já não tivesse feito (não “conhecido!”); ele estava
estimulando seu próprio comportamento mais do que gerando seu comportamento. Suas respostas às suas
próprias descrições das contingências se fundiram com respostas modeladas pelas contingências e a
combinação mais rapidamente atingiu uma força útil. Crusoé também podia falar sobre o jipe quando
estava longe dele. Deitado na cama à noite ele podia dizer: “a carroça se moveu somente quando alguma
coisa na parte da frente estava fazendo barulho”, e também: “só fez barulho quando eu girei o botão”.
Estas duas respostas juntas devem tê-lo auxiliado a movimentar o jipe mais suavemente na próxima vez
que o fez. Deitado na cama, Crusoé podia também ver o jipe como ele o via quando estava nele, embora
de forma muito menos clara. O que ele estava fazendo não é tão fácil de dizer, em parte porque os
analistas do comportamento não têm prestado muita atenção ao ver na ausência da coisa. Em algumas
discussões exaustivas em epistemologia, Pere Juliá e eu achamos útil tratar o sentir ou o perceber
simplesmente como uma parte inicial do responder, “como o responder até o início da ação”. Ver um
objeto quando ele não está presente é fazer novamente o que foi feito quando ele estava presente. Isto
pode ser feito quando nenhuma ação se segue e sem fazer ou usar cópias do que é visto. Crusoé podia
também sentir ele próprio girando botões e ouvindo barulhos até o início da ação. O comportamento
verbal encoberto tem sobre o comportamento não verbal encoberto a vantagem de poder ser executado
mais completamente. Falar para si mesmo é um tipo de ação. Se Crusoé tivesse escrito urna descrição de
contingências teria sido ainda mais útil. Escrever auxilia o comportamento verbal, assim como fazer um
esboço auxilia a visualizar.
Crusoé podia também ter dado a si próprio o tipo de ajuda que deu para Sexta-Feira. Há
contingências que fortalecem um tipo de auto-imitação. Se quando movemos alguma coisa em nossa
escrivaninha, alguma coisa a alguma distância se movimenta, é provável repetirmos o movimento e
esperarmos pelo efeito, como se nos perguntássemos: “eu fiz isto?” Se nada acontecer, vemos que a
conseqüência foi acidental. Se a mesma coisa acontecer, confirmamos nosso movimento do objeto
distante como um operante no sentido literal de tornar firme ou fortalecer. Comportamentos similares são
algumas vezes vistos em outros primatas. Um movimento é feito, uma conseqüência não usual se segue e
o movimento é imediatamente repetido. As contingências de sobrevivência responsáveis pela evolução de
tal auto-imitação, entretanto, são muito diferentes das contingências operantes. A superioridade das
descrições autocompostas de contingências sobre a auto-imitação é presumivelmente uma das razões
pelas quais as línguas evoluíram e pelas quais são transmitidas de geração a geração como ambientes
sociais ou culturas.

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