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EDITORA
CHAMPAGNAT
Para minha esposa Jussara,
e meus filhos Renato, Roberto
e Leonardo.
ii
SUMÁRIO
CAPÍTULO I 1
1.1 PRELIMINARES 1
1.2 SIMILARIDADES ENTRE CIVILIZAÇÕES ANTIGAS 2
1.3 TRIPLAS PITAGÓRICAS 3
1.3.1 CONSTRUÇÃO DE TRIPLAS PITAGÓRICAS 3
1.4 A TRANSMISSÃO DA TRADIÇÃO 5
1.5 AS ORIGENS DA MATEMÁTICA 6
1.6 A ANTIGÜIDADE DO SABER 7
1.7 HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA 9
NOTAS AO CAPÍTULO I 11
CAPÍTULO II 12
A MATEMÁTICA NA PRÉ-HISTÓRIA 12
2.1 PRELIMINARES 12
2.2 SENSO NUMÉRICO 13
2.3 CONTAGEM PRIMITIVA 15
2.4 ORIGENS DO CONCEITO DE NÚMERO 17
2.5 PALAVRAS PARA NÚMEROS 20
2.6 CÔMPUTO DIGITAL 22
2.7 FORMAS, ÁREAS E VOLUMES 23
CAPÍTULO III 28
MATEMÁTICA MEGALÍTICA 28
CAPÍTULO IV 46
OS INDO-EUROPEUS 46
iii
4.1 INTRODUÇÃO: 46
4.2 O PROBLEMA INDO-EUROPEU - SINOPSE HISTÓRICA 46
4.3 ORIGENS DAS LÍNGUAS 51
4.4 PROCESSOS DE DIFUSÃO LINGÜÍSTICA 54
4.5 O MODELO DE RENFREW 56
4.6 CONFIRMAÇÕES DO MODELO DE RENFREW 59
4.6.1 CONTRIBUIÇÕES LINGÜÍSTICAS 59
4.6.2 CONTRIBUIÇÕES DA GENÉTICA 62
4.7 AS LÍNGUAS INDO-EUROPÉIAS 65
CAPÍTULO V 73
A MATEMÁTICA BABILÔNICA 73
5.1 PRELIMINARES 73
5.2 TEXTOS MATEMÁTICOS BABILÔNIOS 79
5.3 O TABLETE PLIMPTON 322 82
NOTA AO CAPÍTULO 3 86
CAPÍTULO VI 89
MATEMÁTICA CHINESA 89
CAPÍTULO IX 123
CONCLUSÕES 123
ANEXO II 135
ANEXO IV 152
O motivo que nos levou a escrever este livro foi divulgar entre o público
interessado em matemática a hipótese de Van der Waerden sobre as origens da
matemática. Esta hipótese preconiza uma origem única, pré-histórica, para as
principais correntes da matemática da antigüidade: grega, hindu, chinesa, babilônica e
a dos construtores megalíticos.
É uma hipótese muito fecunda, que vem cada vez mais agregando
confirmações. Ela altera substancialmente a história da matemática da antigüidade,
como geralmente apresentada nos compêndios sobre o assunto. Hoje encontra-se
restrita a pequeno grupo de especialistas e a um punhado de artigos publicados em
revistas científicas, geralmente de difícil acesso ao público em geral. Até agora
ela vem recebendo atenções unicamente dentro da matemática.
Através de um tratamento multidisciplinar, é nossa intenção mostrar como ela
pode receber comprovações adicionais de outras áreas, insuspeitas até o momento. A
arqueologia, a lingüística e a genética, entre outras ciências, serão convocadas a
testemunhar em seu favor.
As rotas de transmissão do conhecimento matemático, bem como a sua
cronologia, serão objeto de tratamento especial. Indicaremos como hipóteses
adicionais complementam o seu panorama histórico, esclarecendo vínculos entre
civilizações anteriormente não imaginados.
Exporemos a importância da trifuncionalidade no pensamento indo-europeu,
bem como sua influência no desenvolvimento dessa corrente, contribuição nossa para
a elucidação de suas origens.
Demonstraremos que a introdução da agricultura atuou como fator motivador
do desenvolvimento da matemática, fato ao qual não se dá a atenção devida.
Igualmente é nossa intenção mostrar como o interstício existente na produção
de textos matemáticos babilônicos, inexplicado até hoje, pode ser esclarecido, sob a
ótica dessa hipótese.
Sob suas luzes, fatos mencionados pela tradição, como o sacrifício de um boi
por Pitágoras, na ocasião da descoberta do teorema que hoje leva o seu nome, podem
receber novas interpretações.
vi
Nessa perspectiva procuramos reduzir as exigências de conhecimento
matemático a um mínimo, de modo que qualquer pessoa, com formação matemática
equivalente, digamos, ao 1o grau, possa lê-lo com proveito. Material que exija noções
mais aprofundadas foi colocado sob a forma de notas complementares ou de anexos.
vii
AGRADECIMENTOS
À minha esposa, Jussara, e aos meus filhos Renato, Roberto e Leonardo, peço
desculpas pelas incontáveis horas dedicadas à elaboração desta obra, roubadas do
convívio familiar, as quais, hoje reconheço, muito lhes fizeram falta.
CAPÍTULO I
1.1-Preliminares
Para Van der Waerden somente uma origem comum para a matemática e para
a astronomia dessas civilizações antigas pode explicar as suas interconexões e
similaridades.
32 + 4 2 = 52
(z − y)(z + y) = s 2 t 2
Façamos:
( z − y) = s 2 z= (
1 2
2
s + t2)
1.3 obtendo assim:
( z + y) = t 2 y= (s − t 2 )
1 2
2
z=
2
(
1 2
5 + 3 2 ) = ( 25 + 9) = ( 34) = 17
1
2
1
2
y = (52 − 3 2 ) = ( 25 − 9) = (16) = 8
1 1 1
2 2 2
com o que se obtém, finalmente, a tripla primitiva (15,8,17). Como veremos, este é
essencialmente o método empregado pelos chineses, figurando em texto do período
Han (200 A.C. - 220 D.C.).
Se começarmos com inteiro par da forma x = 2.p.q (que, portanto, também
não é quadrado perfeito), teremos :
y = q 2 − p 2 = 4 2 − 12 = 16 − 1 = 15
z = q 2 + p 2 = 4 2 + 12 = 16 + 1 = 17
que é a mesma tripla anterior, desde que intercambiemos x por y. Este é o método
grego de construção de triplas, empregado por Diofante. É possível mostrar que todas
4
as triplas pitagóricas podem ser obtidas a partir de 1.3. Do mesmo modo, podemos
mostrar que todas as triplas pitagóricas podem ser obtidas a partir de 1.4 .
De fato, 1.3 e 1.4 são equivalentes (ver Nota 2), pois 1.4 pode ser obtida a
partir de 1.3 mediante mudança de variável:
s=q+p
t= q-p e trocando x e y .
Isso significa que ambos os métodos, o chinês e o grego, na realidade são o
mesmo método.
Tradições Tradições
Hindus Gregas
10
NOTAS AO CAPÍTULO I
z + y = s2 z + y = ( q + p) = q 2 + 2 pq + p 2
2
z − y = t2 z - y = ( q - p) = q 2 − 2 pq + p 2
2
donde vem
x = st x = ( q + p)( q − p) = q 2 − p 2
11
CAPÍTULO II
A MATEMÁTICA NA PRÉ-HISTÓRIA
"I wish I knew as much as I
tought I knew 10 years ago".
O. Neugebauer
2.1 Preliminares
"O Homem, mesmo nas mais baixas etapas do desenvolvimento, possui uma
faculdade que, por falta de um nome melhor, chamarei de Senso Numérico. Essa
faculdade permite-lhe reconhecer que alguma coisa mudou numa pequena coleção
quando, sem seu conhecimento direto, um objeto foi retirado ou adicionado à
coleção.
O Senso Numérico não deve ser confundido com contagem, que provavelmente
é muito posterior, e que envolve um processo mental bastante intrincado. A contagem,
pelo que sabemos, é um atributo exclusivamente humano, apesar de algumas espécies
irracionais parecerem possuir um rudimentar senso numérico semelhante ao nosso."
(Tobias Dantzig, Número: a Linguagem da Ciência, p. 15)
Dantzig narra no seu livro uma história interessante, que ilustra um senso de
número mais consciente. Certo castelão desejava apanhar um corvo (não é o corvo
brasileiro, mas a espécie do hemisfério norte), o qual tinha feito um ninho em uma
torre da sua propriedade. Como o corvo abandonava o ninho sempre que alguém se
aproximava da torre e não retornava até que ele a deixasse, o castelão tentou um ardil:
dois homens entraram na torre, um permaneceu enquanto o outro se afastou.
O pássaro não caiu na armadilha: manteve-se afastado até que o outro homem
saísse da torre. Repetiu a experiência nos dias seguintes, com dois, três e quatro
homens, sem sucesso. Somente quando cinco homens entraram na torre, quatro sairam
e um permaneceu, foi que o corvo caiu na armadilha. Incapaz de distinguir entre
quatro e cinco, retornou ao ninho e foi apanhado.
O corvo, além de não dispor de palavras para números e não ter idéia do
processo de contagem, não podia, por exemplo, fazer incisões em um pedaço de
madeira nem separar um seixo para cada homem, ou utilizar qualquer outro recurso
material de contagem. Por algum meio, dependendo apenas da sua visão direta, era
capaz de distinguir entre dois e três homens, e entre três e quatro homens. Qualquer
senso numérico possuído por animais e pássaros deve depender apenas da visão direta
e ser independente de palavras e símbolos. Os membros do conjunto devem ser
semelhantes, não necessitando serem exatamente iguais, porém um membro não deve
13
ter características tão marcantes que permitam distingui-lo imediatamente dos outros,
por exemplo, um lobo em conjunto de carneiros.
Outro ponto importante é que, para determinação do senso numérico, não se
podem agrupar os elementos do conjunto dado em subconjuntos, por exemplo dois a
dois, ou três a três, como fazemos, às vezes inconscientemente, pois isso envolve o
processo de contagem, o que não é permitido em face do conceito estabelecido para
ele.
O professor O. Koehler, de Freiburg, durante a Segunda Guerra Mundial,
realizou uma série de experiências, procurando determinar o senso numérico em uma
variedade de pássaros; as experiências eram cientificamente controladas, filmadas,
sem a presença de espectadores humanos. Foram feitos mais de três quilômetros de
filmes, na sua maioria destruídos durante a guerra. A pesquisa mostrou que os
pássaros aprendem os números aos quais são apresentados de duas maneiras: por
apresentação simultânea ou por apresentação sucessiva. Como aos pássaros faltam
palavras para os números, o professor Koehler resumiu as suas conclusões afirmando
que eles "aprendem a pensar números sem nome", expressando dessa maneira a sua
idéia de senso de número visual direto.
Os pássaros de uma dada espécie mostram a mesma habilidade de
compreensão de números sem nome, sejam eles apresentados simultânea ou
sucessivamente, mas a habilidade difere com as espécies. Assim com os pombos
pode ser cinco ou seis, dependendo das condições experimentais, com as gralhas é
seis e com os papagaios, sete. A idéia da apresentação sucessiva corresponde
aproximadamente ao processo de contagem. Os pássaros não contam, pois não têm
palavras. Não são capazes de nomear os números que podem perceber e atuar sobre
eles, mas o fato é que pensam números sem nome.
A capacidade da linguagem parece ser inata ao homem. A criança aprende
palavras como papagaio, mas após as suas primeiras poucas palavras ela pode formar
sentenças que expressam relações verdadeiras, desejos, e que formulam questões. Esta
capacidade distingue o homem dos demais animais
Poucas outras espécies de animais possuem senso numérico, além dos
pássaros. Alguns insetos também possuem senso numérico. A vespa solitária é um
exemplo. A vespa fêmea põe seus ovos em células individuais, fornecendo a cada ovo
um número constante de larvas, das quais as crias se alimentam, quando saem dos
ovos. O número de vítimas é notavelmente constante para cada espécie de vespa.
Algumas espécies colocam cinco, outras 12 ou 24. Ainda mais notável é o caso do
Genus Eumenus, uma variedade em que a fêmea é muito maior que o macho. De
algum modo, a mãe sabe se o ovo produzirá uma larva macho ou fêmea, fornecendo a
quantidade de comida proporcionalmente: não muda a espécie ou o tamanho da presa,
mas se o ovo é macho dedica-lhe cinco vítimas, se é fêmea dez.
Um ponto importante é que nenhum animal doméstico, como cachorro, gato,
cavalo, vaca, etc. possui senso numérico. Um cachorro que late certo número de vezes
para indicar o número de elementos de determinado conjunto, na realidade foi
adestrado para latir continuamente, parando quando o seu dono der certo sinal. Na
maioria dos casos, esses animais não acertam os resultados longe dos donos pelos
quais foram condicionados. Em raríssimos casos, alguns animais parecem acertar o
resultado, mesmo sem a presença do dono. Acontece que esses animais conseguem
perceber sinais mínimos das pessoas presentes, que conhecem o resultado da questão
e, mesmo inconscientemente, os emitem; por isso as experiências com senso numérico
devem ser realizadas sem qualquer presença humana.
14
O senso numérico visual do homem dificilmente vai além de quatro, isto
independente da raça a que pertença. Os selvagens que não alcançaram a etapa de
contagem pelos dedos são quase que completamente desprovidos de percepção
numérica. Curr, no seu estudo sobre a Austrália primitiva, afirma que poucos nativos
são capazes de discernir quatro, e que nenhum australiano em seu estado selvagem
consegue perceber sete.
É interessante observar que Piaget faz uma distinção entre números e números
perceptuais. Números perceptuais, para Piaget, são números pequenos, até quatro ou
cinco, que podem ser distinguidos pela percepção, sem requererem estruturação
lógico-matemática. Esses números podem ser compreendidos intuitivamente pelas
crianças em termos da sua relação parte-todo, embora ainda sem disporem de uma
compreensão operacional de número. Aos números maiores que quatro ou cinco
denomina de números elementares.
O uso dos dedos para contar remonta às origens desta arte. Sem os nossos
dedos, o desenvolvimento dos números, e consequentemente o das ciências exatas,
teria sido desesperadamente tolhido. Nos dedos o homem possui o artifício que lhe
permite passar imperceptivelmente dos números cardinais para os ordinais e vice-
versa. Para indicar que a coleção possui, digamos, 4 objetos, erguemos ou abaixamos
4 dedos simultaneamente. Se quisermos contar essa mesma coleção, erguemos ou
abaixamos os dedos em sucessão. No primeiro caso, empregamos modelo cardinal; no
segundo, estamos usando os dedos como sistema ordinal.
Diversas tribos primitivas associam partes do corpo a números, como auxílio na
contagem. Certos insulares do Estreito de Torres contavam visualmente da seguinte
maneira: primeiro tocavam os dedos da mão direita um a um, depois o punho, o
cotovelo direito e a espádua respectiva, depois o externo, em seguida as articulações
do lado esquerdo, sem esquecer os dedos da mão esquerda. Assim obtinham 17. Se
não era suficiente, ajuntavam os dedos do pé, os tornozelos, os joelhos e as ancas.
Obtinham assim mais 16, totalizando 33. Se isto ainda não era suficiente, recorriam a
pacote de pequenos bastões. Esses métodos de "contagem visual" dão idéia plausível
do que, sem dúvida, os nossos antepassados empregavam como suporte material do
conceito numérico.
Mais tarde, passaram a empregar os dedos para fazer contas. A primeira
máquina de calcular da humanidade foi a mão. Nada conhecemos diretamente sobre o
cálculo digital na pré-história. Os egípcios, os romanos e os gregos conheciam e
empregavam o cálculo digital. Também os chineses, os astecas, os hindus, os árabes,
os persas e os turcos. De que o seu emprego é muito antigo, não restam dúvidas.
Existe, por exemplo, uma gravura em certa mastaba em Saqqara, que data do XXVI
séc. A.C. (Fig. 2.1), que mostra o que parece ser levantamento de uma certa
22
quantidade de grãos. Enquanto alguns parecem efetuar cálculos com o auxílio dos
dedos, o escriba registra os resultados ditados (Ifrah, Histoire, p.91).
Fig 2.1- Cômputo digital. Egito: Antigo Império; XXVI séc. A.C.; Mastaba D2- Saqqara.
25
26
27
CAPÍTULO III
MATEMÁTICA MEGALÍTICA
Casta Diva, che inargenti
Queste sacre antiche piante,
A noi volgi il bel sembiante,
Senza nube e senza vel.
Bellini.Norma.
Uma das mais antigas referências à ciência megalítica pode ser encontrada em
Diodorus Siculus, escritor romano que viveu no primeiro século antes de Cristo, autor
de uma História Universal. Diodorus narra a história do povo que habitava a ilha de
Hiperbórea, citando uma desaparecida "História dos Hiperbóreos".
Os hiperbóreos são descritos como raça que vive no norte, "para além do vento
norte" (hiper-além, bóreas-vento norte), em suas palavras, que adoravam o deus solar
Apolo. A sua ilha era fértil e produtiva: produziam duas colheitas por ano (o que é
possível, mesmo para países tão setentrionais como a Noruega, para determinadas
colheitas). Leto, mãe de Apolo, supostamente nascera naquela ilha; por isto Apolo aí
era adorado acima dos outros deuses. Na sua ilha, os hiperbóreos construíram um
recinto sagrado dedicado a Apolo, e um templo "esférico" na forma. Os encarregados
desse recinto sagrado eram chamados de boreais, e a sua sucessão se dava por
nepotismo hierárquico.
É interessante notar que Diodorus diz que a Lua, vista da ilha, parece estar
muito perto da Terra, e que apresentava protuberâncias na sua superfície. O que é
realmente notável em Diodorus é a menção de que o deus Apolo visitava a ilha cada
19 anos, referência direta ao chamado ciclo metônico, assim denominado em
homenagem ao astrônomo grego Meton, o qual, no quinto século A.C., notou que 235
meses lunares eram iguais a 19 anos lunares, ou seja, depois de dezenove anos as
fases da Lua (cheia, minguante, nova, crescente) se repetiam, com a diferença de
algumas poucas horas, nas mesmas datas do calendário. Esse ciclo também era
conhecido pelos babilônios.
No tempo de sua aparição, o deus tocava cítara e "dançava continuamente"
através do equinócio vernal até o aparecimento das Plêiades. A alusão ao "deus
dançando continuamente" sempre intrigou os estudiosos da astronomia mitológica,
pois é alusão a evento celestial específico. George C. Lewis, conhecido estudioso da
antigüidade grega, cita na sua obra idéias antigas sobre a "dança das estrelas", que ele
acreditava ser referência à dança das estrelas circumpolares.
Muita da informação de Diodorus foi obtida de Hecateus (c. 500 A.C.), mas
outros autores antigos, como Heródoto (c.485-C.420 A.C.), também citam os
hiperbóreos. Heródoto menciona a sua existência, porém lhe faz reservas: "...Deixem-
me acrescentar, todavia, que, se os hiperbóreos existem "para além do vento norte",
também devem existir os hipernótios "para além do (vento) sul" (Heródoto, História,
p.282). De qualquer maneira, isto mostra que a referência aos hiperbóreos já era
antiga no tempo de Heródoto. Para confirmar esta opinião, notamos que Heródoto
menciona que Hesíodo e (talvez) Homero também citam os hiperbóreos. Isto faz-nos
remontar ao oitavo século antes de Cristo, mas provavelmente a tradição é muito mais
antiga.
Nenhuma outra evidência aponta qualquer conexão desta história com a Grã-
Bretanha, a não ser pela referência ao templo "esférico", que podemos associar
principalmente com Stonehenge, embora talvez outros monumentos megalíticos
circulares também possam ser associados. A referência à proximidade da Lua é
explicada pela ilusão de grandeza que a Lua cheia apresenta quando se eleva acima do
horizonte, especialmente em altas latitudes.
Newall também chama a atenção ao fato de que as dezenove pedras azuis
(bluestones) existentes em Stonehenge podem ser associadas com o ciclo metônico de
dezenove anos. Hoje é sabido e aceito que Stonehenge possui alinhamentos solares
(além de lunares e outros); o principal deles é o alinhamento solsticial de seu eixo.
31
Este alinhamento era conhecido há tempos. William Stukeley em 1740, e John Smith
em 1771, já tinham chamado a atenção para o fato.
Stonehenge parece não ter alinhamentos com as Plêiades, porém outros sítios
têm, como Calanish, na Escócia. Calanish possui alinhamentos para a Lua (com o seu
ciclo de dezenove anos), com o sol equinocial e com as Plêiades, contendo assim
todos os ingredientes da passagem de Diodorus. Naturalmente, é impossível saber
com certeza a que monumento Diodorus se reportava, nem ao menos se ele se referia
à Grã-Bretanha, mas ao menos Calanish exibe os alinhamentos requeridos.
Outro povo relacionado com a ciência megalítica é o celta. Os celtas
habitaram a Grã-Bretanha e boa parte da Europa, durante o último milênio da era pré-
cristã. Os seus sacerdotes, os druidas, estão hoje, graças à imprensa sensacionalista
pseudocientífica, associados com os monumentos megalíticos. Aparecem, perante o
grande e ingênuo público, como atores de cerimônias misteriosas e portadores de
conhecimentos profundos e de grande antigüidade; porém a classe dos druidas
somente se estabeleceu definitivamente na Grã-Bretanha por volta de 300 A.C. Na
realidade, estes monumentos são muito mais antigos, construídos entre, digamos,
4500 e 1000 A.C. . O povo celta pode, porém, ser deles descendente e ter herdado
algumas das tradições dos construtores megalíticos.
Vejamos o que autores clássicos dizem a seu respeito. Júlio César, no seu livro
De Bello Gallico, livro 6, parágrafo XIV, (provavelmente citando Posidônio: c.135-
50 A.C.), atribui-lhes muito conhecimento: “Multa praeterea de sideribus atque de
eorum motu, de mundi ac terrarum magnitudine, de rerum natura, de deorum
immortalium vi ac potestate disputandi tradunt.” Em vernáculo temos: “Além de
muitas outras realidades, discutem no que concerne aos astros e aos seus
movimentos, à grandeza do universo e das terras, à natureza das coisas, à força e ao
poder dos deuses imortais, especulações que transmitem à juventude”.
Plínio conta que os druidas eram superiores em conhecimento ao resto da
nação e que sua educação, para alguns, levava vinte anos. Estavam presentes a todos
os ritos religiosos, obedeciam a um chefe supremo que tinha autoridade sobre todos os
outros. Existiam proibições contra o registro escrito dos seus conhecimentos. Destas
citações podemos concluir pela existência de uma classe sacerdotal, com
conhecimento e estudo, que possivelmente era depositária da ciência acumulada.
Vejamos agora o que diziam alguns comentaristas antigos sobre o mais famoso
dos monumentos megalíticos, Stonehenge. É mencionado em crônicas a partir do
século doze da nossa era. Nesse século Henry de Huntington refere-se a ele como uma
das quatro maravilhas da Inglaterra, as outras três sendo aparentemente obras da
natureza. Geoffrey de Monmouth, monge galês, no mesmo século, também o cita em
sua História dos Reis da Grã-Bretanha, obra que é a origem de todas as lendas que
correlacionam Stonehenge com o rei Artur e o mago Merlin.
Em 1624 certo Edmund Bolton sugeriu que era o túmulo de Boadicéia, rainha
pagã que combateu os romanos no século primeiro.
Em 1655, Inigo Jones, agrimensor real, afirmou, no seu Stone-Heng Restored,
que era obra dos romanos.
Walter Charleton escreveu, na sua obra Chorea Gigantum, que era
monumento dinamarquês do século nono.
Foi no tempo de John Aubrey, cerca de 1663, que começaram as primeiras
associações com os druidas e todas as lendas que daí se propagaram, como podemos
verificar no seu manuscrito impublicado Monumenta Britannica. Aubrey era
personagem influente, amigo do rei e membro da Royal Society de Londres. Foi
também o descobridor do círculo externo de 56 buracos do monumento, que hoje leva
32
o seu nome. Esses buracos permanecem como uma das características mais
misteriosas do monumento. Cerca de metade foi escavada; os restantes foram
determinados por meio de sondagens. A maioria contém restos de seres humanos
cremados. Após sua abertura foram novamente fechados, e muitos, em datas
posteriores, foram reabertos para receberem restos humanos.
O tema dos druidas foi retomado por William Stukeley em 1740, quando ele
publicou o seu Stonehenge, a Temple Restored to the British Druids. Stukeley
acreditava ter descoberto que os construtores de Stonehenge tinham empregado uma
unidade de medida que denominou de "cúbito druida", com cerca de 52,5 cm.
Também foi o primeiro a apontar um alinhamento astronômico no monumento, como
já vimos.
Outro apologista dos druidas foi John Smith, que em 1771 publicou um
panfleto intitulado Choir Gaur the Grand Orrery of the Ancients Druids, no qual
sustentava que Stonehenge funcionava como planetário, mas que, em vez de
mecanismo para mostrar movimentos dos planetas, era calendário de pedras
Endossava igualmente o alinhamento solsticial dele. As especulações astronômicas de
Smith muito influenciaram os estudos posteriores do monumento.
Flinders Petrie, que viria a se tornar o maior egiptólogo britânico, chegou a
efetuar um levantamento do monumento em 1880, produzindo assim o primeiro
desenho realmente acurado, que ele supunha (mas não é) preciso ao nível de uma
polegada. Escreveu em seu Stonehege: Plans, Descriptons and Theories que estava
convencido de que o monumento era anterior aos tempos romanos, mas que talvez
algumas das pedras poderiam ser do tempo deles.
A partir dos fins do século dezenove, dificilmente transcorreu um ano sem que
alguma nova teoria excêntrica associasse Stonehenge com a Atlântida, a Lemúria ou
mesmo afirmando que fora construído para servir como templo budista.
Hoje sabemos que sua construção foi efetuada em três períodos: Stonehenge I
(2350-1900 A.C.), Stonehenge II (1900-1700 A.C.) e Stonehenge III (1700-1350
A.C.), pré-datando em muito os episódios que algumas destas extravagantes teorias
contemplam.
Sir Norman Lockyer, astrônomo autodidata, foi um pioneiro dos estudos
astrofísicos do Sol, estudou a orientação de templos na Grécia e no Egito e, no
começo deste século, em 1901, já sexagenário, dirigiu a atenção para Stonehenge. A
opinião de Lockyer era que Stonehenge fora templo solar, e que a sua orientação
astronômica tinha servido principalmente para finalidades rituais. Estudou outros
locais na Grã-Bretanha, desde Cornwall até as Orkney, encontrando indicadores
astronômicos em muitas construções megalíticas.
Concluiu que o eixo, ou Avenue, de Stonehenge, está alinhado com o nascer
do Sol no solstício de verão. Também confirmou a opinião de Petrie que Heel Stone,
vista a partir do centro do monumento, marca a posição do Sol naquele solstício. A
partir dessa pista, tentou calcular a data de sua construção, obtendo entre 1880 e 1840
A.C. Essa data, muito remota, varria todas as pseudo-explicações excêntricas sobre as
origens do monumento, como, por exemplo, as proveniências romanas ou druídicas.
O que ocasionou uma verdadeira revolução no estudo de Stonehenge, de
imenso apelo popular, e multiplicou o número de alinhamentos astronomicamente
significantes de algumas unidades para duas a três dúzias, foram os estudos efetuados
por Gerald Hawkins, astrônomo britânico, que trabalhava no Smithsonian
Astrophysical Observatory, em Massachusets.
Foram primeiro publicados em carta na renomada revista Nature em 26 de
outubro de 1963, sendo posteriormente editados no absorvente e imensamente popular
33
livro Stonehenge Decoded (1966). Empregou para a hercúlea tarefa um computador
IBM 7090, que alimentou com os dados de cento e sessenta e cinco posições
reconhecidas. Determinou vinte e quatro alinhamentos, com alinhamentos lunares até
então insuspeitos.
Hawkins reconheceu em Stonehenge uma nova finalidade que ainda não tinha
sido percebida. No seu segundo artigo na Nature, em 27 de junho de 1964, intitulado
A Neolithic Computer, explicou como, na sua opinião, os 56 buracos do círculo de
Aubrey poderiam funcionar como computador de eclipses, que permitiria a previsão
de eclipses solares e lunares. O trabalho de Hawkins sobre a determinação de eclipses
envolve o ciclo de Meton, o que levanta ecos das citações de Diodorus.
Quando publicou o seu livro em 1965, Hawkins sofreu severas críticas de
arqueólogos dissidentes. O Professor R.J.C. Atkinson, do University College, Cardiff,
eminente arqueólogo e reconhecida autoridade em Stonehenge, considerou o livro de
Hawkins "tendencioso, arrogante, relaxado e inconvincente", explicando as suas
razões em artigo publicado na revista Antiquity, intitulado Moonshine on Stonehenge.
Colin Renfrew, importante arqueólogo inglês, classificou essa querela de "uma
daquelas controvérsias agradáveis, pequenas e ferozes a que a arqueologia parece
estar particularmente sujeita". Embora os arqueólogos expusessem algumas
imprecisões, principalmente de natureza arqueológica, não estavam preparados
tecnicamente para os requisitos exigidos pela astronomia megalítica e teorias
similares.
C.A. (Peter) Newham, astronômo amador britânico, um ano ou dois antes de
Hawkins, havia investigado os alinhamentos solares e lunares de Stonehenge, porém
as revistas científicas recusaram-se a publicar as suas descobertas, por considerarem
que não tinha titulação suficiente. Isto novamente vem a confirmar a insanidade da
exigência, pela comunidade cientifica, de titulação do autor para a aceitação dos seus
trabalhos, ultrapassando mesmo a racionalidade do questionamento do mérito próprio
da obra.
Publicou, às próprias expensas, pequena brochura intitulada The Enigma of
Stonehenge and its Astronomical and Geometrical Significance. Um incêndio, que
destruiu as instalações da tipografia, atrasou a publicação. As provas finais só foram
entregues no fim de outubro, três dias antes do aparecimento da carta de Hawkins na
Nature.
Newham reconhecia que a maioria das pedras de Stonehenge estão muito
juntas para permitirem alinhamentos verdadeiramente precisos, mas sugeriu que
poderiam ter usado pontos de referência mais afastados para aumentar a precisão. Na
época em que Newham efetuou as suas primeiras investigações não havia provas da
existência desses pontos no horizonte distante.
Escavações feitas para se ampliar o estacionamento de carros para turistas no
estacionamento do monumento descobriram a existência de três grandes buracos, de
grande diâmetro (2,5 pés-0,75 m), a cerca de 830 pés (250 m) do centro dele. A
grande dimensão dos buracos e a presença de calços de suporte mostram que foram
empregados grandes postes, do tamanho de árvores, com mais de 9 metros de altura,
neles colocados para assinalar o horizonte, quando vistos do monumento. Isto
evidencia que os construtores do monumento buscavam a máxima precisão que as
técnicas da época permitiam, e que os alinhamentos não eram fortuitos, mera obra do
acaso.
Glyn Daniel, editor da respeitada revista britânica de arqueologia Antiquity,
convidou o famoso e respeitado astrônomo e cosmólogo britânico Fred Hoyle para
examinar criticamente as teorias de Hawkins, do ponto de vista astronômico. Para
34
surpresa geral, Hoyle não apenas confirmou a validade da posição de Hawkins como
também elaborou sua a própria interpretação do monumento, confundindo os
arqueólogos. Essa melhorava a interpretação do círculo de Aubrey como previsor de
eclipses, pois a desenvolvida por Hawkins só permitia a determinação de pequeno
número de eclipses, ao contrário da sua. Publicou seus pontos de vista na Nature, em
30 de julho de 1966, em seu artigo Stonehenge - A Neolithic Observatory. As suas
opiniões balançaram o mundo acadêmico e, a partir de então, a astronomia megalítica
passou a assumir o status de ciência, não mais mera especulação pseudocientífica.
3.3-Alexander Thom
Existe, porém, uma única evidência arqueológica conhecida que mostra que
padrões ou cópias destes podem ter existido. Trata-se de vara de nogueira graduada,
encontrada em monte sepulcral dinamarquês, datado do segundo milênio antes da era
cristã. Pode ser interpretada como régua, e seu comprimento é somente poucos por
cento inferior ao da jarda megalítica.
No seu artigo de 1955, Thom construiu uma espécie de histograma (ver Figura
3.1), no qual lançou os diâmetros de 49 círculos megalíticos. O que chama a atenção é
a existência de picos nos diâmetros de 22, 44, 55 e 66 pés (c. 6,7 , 13, 17 e 20 m). Esta
observação sugere imediatamente que muitos diâmetros são múltiplos de alguma
unidade, fornecendo mesmo uma estimativa de seu valor: cerca de 11 pés (c. 3,4 m).
37
Fig 3.1 : Histograma dos diâmetros de 46 círculos megalíticos, apresentado por Thom em 1955. Picos
surgem nas proximidades dos valores dos diâmetros que mais ocorrem. A escala superior é em unidades de 2
jardas megalíticas (my), a inferior em pés. O desvio padrão (s.d.) fornece uma estimativa da incerteza em cada
diâmetro.
A palavra yard (jarda) pode significar pedaço de madeira, vara, poste, pau. A
palavra francesa verge tem o mesmo sentido e, mais ainda, em espanhol vara significa
pau. O que é extremamente curioso é que a antiga vara espanhola tinha o mesmo
comprimento da vara megalítica. A coincidência no significado e na forma da palavra
vara pode ser facilmente explicada, se observarmos que as três línguas em tela, inglês,
francês e espanhol são todas línguas indo-européias; portanto é quase certo que esses
termos tenham todos uma única origem.
A vara foi a unidade que os espanhóis trouxeram para o Novo Mundo, quando
os Conquistadores dominaram vastos territórios das Américas Central e do Sul; porém
o seu valor varia entre os diferentes territórios. No México representava uma medida
de 32,87 polegadas (83,49 cm), enquanto no Uruguai era de 33,828 polegadas (85,923
cm).
Mesmo na Espanha, antes da introdução do sistema métrico, a vara tinha
diversas interpretações: a vara de Valência media 35,55183 polegadas (90,30 cm)
enquanto a de Castela era de 32,766 polegadas (83,23 cm). Thom chegou a especular
que a vara chegou à Grã-Bretanha nas migrações de povos megalíticos provenientes
da Ibéria, porém o assunto é ponto controverso da arqueologia. A vara também está
correlacionada com o antigo ell da Baviera, de 32,766 polegadas (83,226 cm) e com o
ell austríaco, de 30,78 polegadas (78,18 cm).
Algumas das maiores controvérsias do passado envolveram as chamadas
unidades padrão. Já mencionamos o cúbito druida, assunto favorito dos celtômanos, e
vamos aproveitar para recordar as polêmicas idéias de Piazzi Smyth, que chegou a ser
Astrônomo Real da Escócia, sobre a "polegada da pirâmide", a qual alegava
representar a qüingentésima-milionésima parte do diâmetro polar da Terra! Essas e
outras fantasias "pirâmidológicas", objeto de tantas e tantas publicações
pseudocientíficas, desacreditaram o estudo da metrologia das civilizações antigas, o
qual só retornou ao status de conhecimento científico com o emprego das técnicas
estatísticas de Thom.
39
Os romanos tinham o passus (passo duplo), que valia 5 pés romanos (1 pé
romano = 11,6 polegadas (29,5 cm) = 16 digitus; 1 digitus = espessura de um dedo
polegar = 1,85 cm). O passo parece ter tido longa história antes da sua adoção pelos
romanos.
Os egípcios, por sua vez, como unidade para o uso diário, tinham o cúbito
"curto", de 17,72 polegadas (45 cm) e o cúbito "real", com 20,66 polegadas (52,5 cm).
O cúbito real era empregado nas medições de terras, bem como no projeto das
pirâmides e dos templos. É a unidade empregada no Papiro Rhind. Alguns acreditam
que a medida desse cúbito de 7 palmos (1 palmo = 4 dígitos (jeba) = 28 dígitos (1
dígito =1,875 cm)) está relacionada com o ciclo lunar de 28 dias. A palavra "cúbito"
vem do latim "cubitum", cotovelo.
Uma das mais antigas unidades de comprimento linear, conhecida de modo
indubitável, com registro arqueológico disponível, é o cúbito sumero-babilônico. Um
exemplar desse cúbito está inscrito como medida padrão na estátua de basalto de
Gudea de Lagash, governante sumeriano, hoje uma das atrações do Museu do Louvre,
em Paris. Esse exemplar é datado de aproximadamente 2130 A.C., mede 19,5
polegadas (49,5 cm), e indica uma dimensão para o "pé" de 2/3 do cúbito, ou seja 13
polegadas (33 cm).
O uso de unidades padrões de medida, por parte de civilizações antigas, é fato
incontestável. Em Mohenjo-Daro, cidade do vale do rio Indo, que floresceu no
terceiro milênio antes da era cristã, há evidências arqueológicas do emprego de uma
"polegada indiana". Esta polegada mede cerca de 1,32 polegadas (3,35 cm), e cerca
de 25 destas polegadas perfazem quase exatamente a jarda megalítica. Claro, não seria
nenhuma surpresa se algum múltiplo desta medida caísse nas proximidades da jarda
megalítica. O que realmente é curioso é que uma unidade denominada gaz, que
consiste em 25 destas polegadas, ainda hoje está em uso no noroeste da Índia.
Nem todas as medidas antigas eram relacionadas com tamanhos naturais,
normalmente do corpo humano, como comprova o próprio uso pelos egípcios de dois
cúbitos de tamanhos diferentes.
1.- Elipses:
Pode-se traçar uma elipse empregando-se apenas corda e estacas. Cravam-se duas
estacas nos focos F1 e F2,, e amarram-se as extremidades da corda, formando assim um
laço.
41
Passa-se este laço ao redor das estacas. Mantendo-se a corda tensa e deslocando-se
uma terceira estaca pelo lado de dentro da corda, esta irá traçar no chão o desenho de
elipse. Para o eixo maior da elipse igual a 2a, deve-se tomar o comprimento total da corda
igual a 2a + 2c ( ver Fig. 3.2). No triângulo F1 BO o lado a é igual ao semi-eixo maior da
elipse, b é o semi-eixo menor e c a metade da distância focal F1F2 .
2. Círculos Achatados
3.- Ovais
45
CAPÍTULO IV
OS INDO-EUROPEUS
Ex Oriente Lux !
4.1 Introdução:
Podemos classificar este evento como um dos mais importantes, senão o mais
importante, da história da humanidade. Pela primeira vez o homem passa de predador
a produtor. De passivo, se contentando com coleta e caça, passa a ativo, produzindo a
sua própria alimentação (frutas, grãos, carne). Ocasiona reviravolta na economia e nos
destinos do homem que até hoje não foi devidamente aquilatada.
A partir de 10000 A.C. a temperatura na Europa começa a esquentar e as
geleiras a recuar lentamente. Entre 8300 e 6800, a temperatura no verão já atingia de 8
a 12 C. De 6800 a 5000, a temperatura se elevou rapidamente, atingindo 17C em
5000 A.C.. As condições climáticas propícias para a agricultura principiavam a surgir.
No sétimo milênio A.C., nova economia agrícola começa a se espalhar pela
Europa, baseada no cultivo do trigo e da cevada e no pastoreio da cabras e ovelhas.
Essas espécies não são nativas da Europa, foram importadas. Se rastrearmos de volta
tais espécies através da Europa, o local mais próximo, onde protótipos das mesmas
56
podiam ser encontrados em estado selvagem, é a Anatólia central, parte da atual
Turquia. A domesticação dessas espécies parece ter ocorrido ao mesmo tempo, em
diversas regiões adjacentes do Oriente Médio, mas, para os nossos propósitos, nos
concentraremos na Anatólia, de onde provavelmente elas alcançaram a Europa.
Como pode ter sido esta propagação geográfica em termos demográficos? O
geneticista italiano Luca L. Cavalli-Sforza e seu colaborador, o arqueólogo americano
Albert Ammerman, ofereceram resposta elegante em forma de modelo, a que
denominaram "onda de avanço".
Cavalli-Sforza é professor da Universidade de Stanford desde 1971. Nasceu
em Genova em 1922, recebeu seu diploma em medicina pela Universidade de Pavia,
em 1944. Estudou genética bacteriana na Itália, tendo se voltado para a genética das
populações humanas em 1952. Estudou, desde então, a consangüinidade humana, o
acervo genético e os meios de predizê-lo mediante observações demográficas; as
relações recíprocas entre as evoluções biológica e cultural; os significados culturais
entre nomes e sobrenomes; a reconstrução da evolução humana. Realizou trabalhos de
campo entre os pigmeus da África; aplicou técnicas moleculares visando preservar o
acervo genético de populações aborígines.
O seu modelo pressupõe que a concepção de economia agrícola era conduzida
por movimentos locais dos agricultores e da sua prole. Uma vez que a agricultura
atingisse determinada região, a sua densidade populacional cresceria rapidamente.
Notaram que a exploração agrícola poderia aumentar cerca de 50 vezes a densidade
populacional média, inicialmente de uma pessoa por 10 quilômetros quadrados, que
era provavelmente típica para as primitivas economias caçadoras-coletoras.
Imaginaram que haveria intervalo de 25 anos entre uma geração e a seguinte;
que cada novo agricultor se movimentaria 18 quilômetros, em qualquer direção, da
casa de seus pais para estabelecer a sua própria lavoura. Segundo um modelo de
crescimento logístico, uma população inicialmente com 0,1 habitante por quilômetro
quadrado, que se multiplicasse à taxa inicial de 3,9% ao ano, duplicaria em cada 18
anos. A taxa de crescimento então decresceria lentamente, até se anular, quando a
população atingisse a saturação, ou seja, 5 habitantes por quilômetro quadrado,
densidade média dos povos cultivadores.
Com base nessas hipóteses, arquitetaram um modelo, o qual mostra que a
agricultura se propagaria como onda através da Europa, progredindo na velocidade
média de um quilômetro por ano. Nesta razão, a agricultura levaria cerca de 1500
anos para atingir o norte da Europa, a partir da Anatólia, o que concorda bastante bem
com os dados arqueológicos disponíveis.
É óbvio que um único modelo não seria capaz de descrever integralmente um
processo tão complexo como o da introdução da agricultura na Europa. Variações na
topografia e no clima, entre outras condições, implicariam que as previsões do modelo
difeririam significativamente da realidade.
Podemos imaginar outro modelo: se os moradores locais caçadores-coletores
adotassem a agricultura dos seus vizinhos, ela se teria difundido mais lentamente, sem
substituição lingüística, porque os agricultores seriam os nativos com a sua nova
economia, ao invés dos recém-chegados, falando nova língua.
O que realmente deve ter acontecido foi uma mistura desses dois modelos. Os
recém-chegados podem ter introduzido a agricultura na Grécia, daí para os Balcãs,
Europa central e sul da Itália. Em outras regiões, a agricultura pode ter sido adotada
pelas populações locais, o que explicaria a persistência anômala de diversas línguas
não indo-européias, como o basco. Outras línguas desse caráter seriam o etrusco,
57
falado ainda nos tempos romanos; o ibérico, língua primitiva da Espanha; o picto,
língua pré-céltica da Escócia.
A hipótese tradicional, defendida por Childe-Gimbutas, afirma que a primeira
onda de invasões dos guerreiros-Kurgan, em torno de 3500 A.C., trouxe a estes das
estepes da Rússia para a Grécia, de onde se espalharam para o norte e para o sul. Esta
nova visão, que tem Renfrew por paladino, mostra os primeiros indo-europeus não
como guerreiros invasores oriundos das estepes, mas como camponeses agricultores
provindos da Anatólia, que no curso da sua vida inteira se moveram talvez apenas
alguns quilômetros. Tal teoria implica, igualmente, recuar em vários milênios a data
da chegada destes à Europa. Teria ocorrido por volta de 6500 A.C., e não em torno de
3500 A.C., como assumido no modelo tradicional.
Isto comporta maior continuidade na pré-história européia do que se tinha
previamente acreditado. Não ocorreu, portanto, descontinuidade repentina, algo como
"a chegada dos indo-europeus", como previamente se acreditava. Nem houve
descontinuidade na Idade do Ferro, como muitas vezes se pensou ter acontecido com
a chegada dos Celtas no norte da Europa. A língua celta teria evoluído na Europa
ocidental a partir de raízes indo-européias. O povo que construiu Stonehenge e outros
monumentos megalíticos da Europa seria formado de indo-europeus, que falavam
alguma forma de indo-europeu, antepassado do celta posterior, até o residual de hoje.
Isto concorda com a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, a qual
necessita que uma data mais recuada seja atribuída à sociedade neolítica, criadora do
fluxo original de idéias matemáticas, tendo em vista, entre outras considerações, as
datações megalíticas. Além disso, tende a confirmar a hipótese da correlação dessa
sociedade com os indo-europeus.
Segundo tal ponto de vista, a pré-história da Europa seria moldada por uma
série de transformações e adaptações evolucionárias sobre substrato proto-indo-
europeu comum, acrescido de poucas sobrevivências não indo-européias. Não teriam
ocorrido coisas como uma série de imigrações de fora, mas um conjunto de interações
complexas dentro de uma Europa que já era economicamente agrícola e indo-européia
na linguagem. Embora esse raciocínio, até agora, se tenha concentrado sobre o
continente europeu, a hipótese de que a disseminação das línguas esteja
correlacionada com a difusão da agricultura acarreta implicações fora dele.
A Anatólia não foi a única região, onde a domesticação das espécies selvagens
ocorreu, como mostra o registro arqueológico. A região onde se originou a agricultura
tem três lóbulos, um dos quais é a Anatólia; outro é o Levante, faixa de mais ou
menos 50 a 100 quilômetros de largura na costa do mediterrâneo, região do que se
chama hoje Israel, Jordânia, Síria e Líbano; o terceiro, o Zagros, região do Iraque e
do Irã. Cada um desses três lóbulos pode ter dado origem a uma grande família de
línguas, por difusão. O lóbulo anatólico, que contém Çatal Hüyük, pode ter sido o
berço das línguas indo-européias, o Urheimat dos indo-europeus.
No que concerne ao Levante, uma onda de avanço que aí se originasse, devido
às características topográficas do terreno, se movimentaria para o sul na península
arábica e para o oeste, tendo como destino o norte da África. As evidências de que a
agricultura atingiu o Saara, no norte da África, não muito depois de sua chegada na
Europa, se vêm acumulando. A sua chegada pode ter sido acompanhada por processo
de difusão demográfica similar ao que ocorreu na Europa.
Quanto ao aspecto lingüístico, que pode ter sucedido? Em vastas regiões do
norte da África, o grupo lingüistico dominante é o afro-asiático, que inclui o egípcio
antigo, as línguas berberes e o grupo semítico, os quais tradicionalmente são
considerados como originários da Arábia. É possível, porém, que essas línguas
58
possam ser rastreadas até uma raiz proto-afro-asiática, proveniente do lóbulo
levantino da agricultura, que contém a cidade de Jericó.
Quanto ao terceiro lóbulo, que contém o sítio de Ali Kosh, a agricultura
poderia ter partido deste para o sul do Irã e para o Paquistão. Em tais condições, pode
ter sido a fonte do grupo de línguas da Índia e do Paquistão que depois foi substituído
por línguas do grupo indo-europeu.
Recentemente o lingüista David MacAlpin, da Universidade de Londres,
mostrou que o elamita, língua falada no antigo reino da Elam (agora parte do
Khuzistão, no sudoeste do Irã), é aparentado das linguagens dravídicas da Índia. O
elamita foi, logo depois do sumeriano, uma das primeiras línguas registradas por
escrito, porém, até hoje, permanece na sua maior parte incompreendido e indecifrado.
É possível que a onda de avanço do sudeste tenha carregado os antecedentes do
dravídico e do elamita através da Índia e do Paquistão.
Há pouco tempo estabeleceu-se relação entre o dravídico e a língua falada pela
civilização de Mohenjo-Daro, que foi conquistada por invasores indo-europeus, os
arianos do Rig-Veda. O proto-dravídico pode ter sido deslocado, portanto, pelas
línguas indo-européias agora faladas na Índia.
Ao nosso ver, o modelo da Renfrew apresenta vantagens sobre o tradicional. A
substituição e evolução das línguas, nesse modelo, se efetuou principalmente por
processos pacíficos, não violentos, o que implica não ocorrerem descontinuidades
significativas ao longo da pré-história dos povos envolvidos. As versões violentas, de
hostes guerreiras invasoras, que conquistam e devastam imensos territórios,
dificilmente explicam a estabilidade com que as línguas indo-européias se
desenvolveram e a enorme expansão geográfica que atingiram.
É óbvio que as mudanças introduzidas por meios pacíficos tendem a ser mais
facilmente aceitas que as dos processos violentos, e também mais duradouras. Além
disso, tornam o processo histórico mais contínuo, eliminando a necessidade de
explicações do tipo "invasões de hordas bárbaras". É evidente que tais eventos
ocorreram ao longo da história, que tiveram as suas conseqüências, mas elas
normalmente ou não foram duradouras ou não foram tão abrangentes. Esse modelo
de onda de avanço ampliado tem como conseqüência que os antecedentes das línguas
dos grupos indo-européu, afro-asiático e dravídico estavam agrupadas no Oriente
Médio, em torno de 10000 anos atrás.
O presente quadro, pintado por Renfrew, embora ainda altamente hipotético e
encarado com reservas por algumas autoridades no meio erudito, vem recebendo
notáveis confirmações adicionais nos últimos anos, principalmente em face de
recentes trabalhos nos campos da lingüística e da genética das populações humanas.
MODELO CLÁSSICO
MODELO DE GAMKRELIDZE-IVANOV
62
"Genes não têm efeito direto nas línguas, mas a língua que nós aprendemos
depende de onde nós nascemos e de quem nós nascemos, nossa família e nosso meio
social. Se um grupo se separa, ambas, a herança genética e a língua, irão divergir,
assim, a história dos genes e das línguas é essencialmente a mesma", afirma o
geneticista Cavalli-Sforza.
Nos último 50 anos vários geneticistas, entre os quais se destaca Cavalli-
Sforza, vêm mapeando a distribuição de centenas de genes nas diferentes populações
do mundo. Na reconstrução da distribuição das populações humanas pelo mundo, o
conceito de árvore de família é crucial, pois permite identificar as populações de
antepassados e as suas descendentes, colocando esta seqüência de eventos em ordem
cronológica. Se outros fatores são iguais, quanto mais distante no tempo ocorreu a
separação de duas populações, maior deve ser a diferença genética entre elas, ou seja,
a distância genética.
Esse estudo é muito complicado nas sociedades metropolitanas, pela grande
miscigenação entre os genes dos habitantes; porém o estudo das populações
aborígines pode fornecer pistas valiosas. Distância entre grupos aborígines não pode
ser deduzida a partir da presença ou ausência de um único traço herdado, ou do gene
que o expressa, porque cada grupo carrega praticamente todos os genes existentes. O
que varia é a freqüência com a qual os genes aparecem.
Bom exemplo de distância genética é fornecido pelo fator Rh, antígeno
sangüíneo humano que se apresenta em duas formas, positivo e negativo. É
transmitido geneticamente; tem sido amplamente estudado, por razões de saúde
pública. Os médicos devem identificar as mulheres grávidas com fator Rh negativo e
cujo feto é Rh positivo, para lhe administrar tratamento imunológico logo após o
parto, pois corre risco de vida. Os genes Rh negativos são freqüentes na Europa,
infreqüentes na África e Ásia Ocidental, virtualmente ausentes na Ásia Oriental e
entre as populações aborígines da América e da Austrália.
Cerca de 16 % dos ingleses são Rh negativos, contra 25 % dos Bascos. Esta
diferença percentual de 9 % expressa, de certo modo, a distância genética entre eles.
Já a distância entre os ingleses e os asiáticos orientais é de 16 pontos: distância maior,
implica separação mais antiga. Os Bascos, a propósito, acusam maior freqüência para
o gene do Rh negativo que qualquer outra população no mundo, o que vem a
corroborar a hipótese de que eles sejam um dos mais antigos, senão o mais antigo
povo da Europa, hipótese igualmente confirmada por considerações lingüísticas.
Devem ter conservado parte significativa da sua herança genética original, apesar do
contato freqüente com imigrantes tardios.
Os geneticistas empregam para o cálculo da distância genética fórmulas mais
complicadas que a simples subtração indicada. Um exemplo do cálculo de distância
genética pode ser encontrado no Anexo I, cuja leitura recomendamos para o leitor
interessado, e que tenha formação matemática um pouco mais avançada.
Cavalli-Sforza e os seus colegas Paolo Menozzi e Alberto Parma, em um
projeto de 12 anos, estudaram mais de 100 traços hereditários diferentes, em cerca de
3000 amostras tomadas de 1800 populações. Muitas amostras incluíram centenas ou
mesmo milhares de indivíduos. Tal conjunto de informações, que foi denominada
conjunto clássico, foi deduzido indiretamente a partir das proteínas que os genes
expressam. Mais recentemente, novo conjunto de informações pode ser obtido, a
partir de dados moleculares estudados diretamente na seqüência codificada do DNA
nos núcleos das células. Os dois conjuntos de dados, o molecular e o clássico,
concordam de maneira admirável.
63
Nos últimos anos, novo processo do estudo das distâncias genéticas foi
desenvolvido, principalmente pelo falecido Allan C. Wilson e colegas da
Universidade da Califórnia, em Berkeley. É baseado no relativamente pequeno
número de genes codificado no DNA das mitocôndrias, organelas celulares que
metabolizam energia. Os genes mitocondriais diferem dos do núcleo de maneira
fundamental. Os genes nucleares originam-se de iguais contribuições dos genes do pai
e da mãe, mas os genes do mitocôndria são passados para a prole quase
exclusivamente pela mãe. Têm também taxa de mutação mais alta que a dos genes
nucleares e, nesse processo, a distância genética é calculada não a partir da freqüência
desses genes, mais sim a partir da freqüência das suas mutações. Desta forma, o
relógio mitocondrial é baseado no número de mutações que se acumularam, ao invés
de ser fundamentado nas mudanças das freqüências dos genes.
Uma das conclusões mais controvertidas é que podemos rastrear os genes
mitocondriais do todos os homens hoje existentes até os de uma única mulher, que
deve ter vivido na África, há cerca de 150-200000 anos. Essa hipótese recebeu
memorável divulgação pela imprensa, sendo a mulher cognominada de "Eva", a
antepassada bíblica de toda a humanidade.
O que realmente impressiona é que a distribuição dos genes concorda
surpreendentemente bem com a das linguagens. Em certos casos, uma língua ou
família de línguas podem servir para identificar uma população genética. Exemplo
notável é o das línguas Bantu, família que compreende cerca de 400 línguas no centro
e sul da África, afins entre si e correspondem fielmente às fronteiras e filiações
genéticas tribais.
O motivo disso foi descoberto por Joseph Greenberg, na década de 1950, com
base em argumentos lingüísticos. Concluiu que as línguas Bantu são descendentes de
língua ou de família de dialetos intimamente relacionados, falados por um grupo de
agricultores da Nigéria oriental e de Camarões, há pelo menos 3000 anos, quando
começaram a se dispersar pela África central e do sul.
Essas línguas divergiram ao longo do tempo, mas não tanto que sua origem
fosse obscurecida. Como esta explicação se aplica também aos genes dessas
populações, o cognome Bantu - originalmente uma categoria lingüística - hoje designa
grupo de populações com as mesmas raízes genéticas e lingüísticas. O estudo dos
dados genéticos dessas populações confirmou as suspeitas de Greenberg.
A análise efetuada por Cavalli-Sforza de como os genes variam de um local da
Europa para o seu local vizinho, sugeriu um modelo de como a Europa foi colonizada.
O modelo se superpõe ao de Renfrew, ratificando a hipótese de que agricultores
neolíticos trouxeram os seus genes, cultura e línguas indo-européias do Oriente Médio
para a Europa, em um processo de lenta expansão. O mapa da distribuição geográfica
das freqüências dos genes na Europa mostra que esta se dá ao longo de um gradiente a
partir do sudeste para o noroeste.
Robert R. Sokal, da Universidade de Nova Iorque, encontrou recentemente
significativa evidência estatística de que boa parte desse gradiente está correlacionada
com a dispersão da agricultura a partir da Anatólia. O estatístico Guido Barbujani, da
Universidade de Pádua, que efetuou, há pouco tempo, análise análoga para as outras
famílias lingüísticas, cuja distribuição pode ser explicada pela dispersão da agricultura
a partir do Levante (tais como a afro-asiática, a elamo-dravídica e a altaica antiga),
encontrou correspondência similar. Muito trabalho resta a ser feito segundo estas
linhas de pesquisa.
De qualquer modo, existe clara convergência entre as evidências
arqueológicas, as evidências genéticas e as evidências lingüísticas. Fica a ser
64
realizada, talvez na próxima década, a grande síntese unificadora, capaz de esclarecer
não somente a diversidade das línguas, mas também aquela dos genes e das culturas.
É nossa esperança que essa síntese esclareça pontos sobre um dos aspectos das
origens das culturas, a origem das correntes matemáticas da antigüidade, para o que, é
o nosso ponto de vista, a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg pode contribuir
significativamente, dada a sua fecundidade.
Línguas Kentum
Línguas Satem
Um "aqui este"
Dois "esse"
Três "aquele lá"
Quatro "um (mais) três"
Cinco "mão", "cinco dedos da mão"
Seis "três e três"
Sete " cinco e dois"
Oito "(dez menos) estes (dois)"
Nove "este (um) faltante para dez"
Dez "duas mãos'
Os nomes para um, dois e três indicam noção de posição, a saber : este, esse,
aquele, e provavelmente são algumas das mais antigas palavras indo-européias, no
mínimo remontando aos tempos em que esses povos começavam a contar. As palavras
para quatro, seis e sete são compostas, indicando operações (somas) com os números
anteriores. Cinco e dez indicam possivelmente uma e duas mãos, mostrando o
emprego das mãos e dedos para a contagem, se a reconstrução for correta. Nas
palavras para oito e nove podemos identificar um princípio subtrativo: "(dez menos)
estes (dois)", "este (um) faltante para dez" (dez menos um; falta um para dez).
As línguas indo-européias constituem o mais importante agrupamento
lingüístico hoje falado no globo. Cerca de 3/4 da humanidade (4.225 milhões) se
comunica em apenas 20 línguas, das quais 11 são indo-européias, cujos falantes
representam 60 % desse total. Aproximadamente metade da população do globo
(cerca de 2.728 milhões) se comunica nas vintes línguas indo-européias mais faladas.
No Anexo III podemos apreciar as principais línguas indo-européias do presente e do
passado, bem como a sua localização geográfica.
Das línguas indo-européias duas merecem especial atenção: o hitita e o
tocariano. Na revisão feita por Gamkrelidze, como vimos, estas línguas, as línguas
germânicas e as anatólicas estão mais próximas do proto-indo-europeu original do que
anteriormente se suspeitava. Além disso, o hitita é a língua indo-européia mais antiga
atestada, e o tocariano é a mais oriental de todas elas.
Os lingüistas reconhecem certas similaridades compartilhadas entre tocariano,
céltico, hitita, itálico (e as línguas germânicas, de acordo com Gamkrelidze) como
herdadas do proto-indo-europeu, em período muito arcaico. O hitita, o tocariano, o
céltico, o latim , o grego e as línguas germânicas são línguas do grupo centum.
Alguns emigrantes, vindos provavelmente do leste, da região proposta para
berço dos indo-europeus por Renfrew-Gamkrelidze, invadiram a Anatólia ao redor de
2000 A.C. e estabeleceram o reino Hitita, que dominou toda a Anatólia por volta de
1400 A.C. A sua língua oficial foi a primeira língua indo-européia a ser registrada por
escrito.
Bedrich Hrozny (1879-1952), lingüista tcheco da Universidade de Viena e
mais tarde da Universidade Charles de Praga, decifrou em 1915 as inscrições hititas
escritas em cuneiforme, dos tabletes encontrados nos arquivos de Hattusas, capital do
reino hitita, moderna Bogazköy, situada a cerca de 200 quilômetros a leste de Ankara.
Cerca de 25000 tabletes foram ali escavados entre 1906 e 1912, pelo explorador Hugo
Winckler. Esses arquivos continham textos em oito línguas, a saber, o babilônio e o
assírio (às vezes chamadas de acádico), o hitita cuneiforme, decifrado por Hrozny, o
68
sumeriano, a língua erudita da mesopotâmia, que continuava a ser estudada na época
(cerca de 1200 A.C.).
Além dessas havia o hurrita ou hurriano, que não era língua indo-européia nem
semítica, falada no reino de Mittani, no norte da Siria e do Iraque atuais. A série
numérica em hurriano é: 2-sin, 3-kik, 4-tumni, 6-sinta, 9-nis, 10-eman,
caracteristicamente não-indo-européia.
O hitita hieroglífico, gravado em monumentos de pedra e em selos, foi
posteriormente identificado como o indo-europeu luvita (ou luviano), estreitamente
ligado ao hitita e provavelmente falado na Anatólia oriental. É, talvez, antepassado do
lício, língua falada nesta região na antigüidade clássica.
Outra língua indo-européia encontrada é o palaíta ou palaico, que com o hitita
e o luvita constituem o grupo anatólico das línguas indo-européias (a que se agregam
o lício e o lídio, próximo do hitita).
A última língua, o hático ou hattili, não indo-européia, é a que mais surpresa
causou. Os seus falantes a intitulavam "língua de Hatti" e provavelmente é aparentada
ao grupo das línguas caucasianas. Dos Hatti os hititas tomaram de emprestadas não
somente muitas palavras, mas também muito da sua religião e cultura. Até o nome
Hitita deriva de Hatti, pois os que conhecemos como hititas chamavam a si mesmo de
nes e sua língua de nesili. É, com certeza, verdadeira confusão moderna, que mostra
quão pouco clara é a nossa perspectiva da antigüidade. Esses Hatti são considerados
por alguns especialistas como autóctones da região, e os hititas como invasores..
Essa é questão que provoca ardentes debates e, conforme já comentamos
anteriormente, como o conhecimento da arqueologia da Anatólia é qualitativamente
inferior ao de outras regiões, deve permanecer aberta até que novas informações
permitam esclarecê-la. O que sabemos é que a Anatólia, nessa época era cadinho de
povos indo e não-indo-europeus. Os lingüistas concordam, porém, que o ramo
anatólico fornece alguns dos mais extremados exemplos de arcaísmo entre as línguas
indo-européias. Retém formas gramaticais e construções que desapareceram muito
cedo em outras línguas. É pena que praticamente nada se conheça sobre a matemática
hitita, pois o seu estudo se poderia mostrar revelador.
A descoberta do tocariano pode ser considerada como épica entre as aventuras
da ciência moderna. Somente nos fins do século XIX é que os aventureiros e
exploradores começaram a descobrir o que ainda é uma da mais ignotas regiões da
terra, a que se estende do leste do Irã e do Turcomênistão, passando por Samarcanda,
pelos montes do Altai e do Pamir, chegando à moderna província de Sinkiang, na
China.
Nessa região, ao norte do Tibet e ao sul da Mongólia, encontramos um cordão
de oásis que foram suficientemente férteis para manterem uma civilização urbana,
ilhada por estepes áridas povoadas unicamente por nômades. Nesses oásis, ou em sua
proximidade, jazem cidades esquecidas, semi-enterradas pelas areias, onde papel,
madeira, tecidos velhos de séculos, se conservam extraordinariamente bem, graças à
secura do deserto, como no Egito. Eles orlavam o deserto de Taclamakan, no antigo
Turquestão Oriental, hoje a moderna província de Sinkiang. Faziam parte da antiga
rota da seda para a China.
No princípio deste século, pequeno grupo de sábios se aventurou nessas
paragens, entre eles Aurel Stein foi um dos mais eminentes. De origem húngara,
realizou parte de seus estudos em Budapest, trabalhando em seguida para o Museu
Britânico. Em 1886 foi nomeado responsável pelo Colégio Oriental de Lahore, onde
estabeleceu sua base para uma série de expedições que o tornaram célebre e que
foram responsáveis por lhe dar o título de cavalheiro mais tarde.
69
O seu maior feito ocorreu nas chamadas Grutas dos Mil Budas (Ch'ien-fo-
tung), na vila-oásis de Tonghua. Essas grutas serviam de abrigo para uma colônia de
religiosos, fundada aparentemente pelos budistas em c. 366. Na época de sua primeira
visita, em 1907, era uma vila próspera em que havia pequena comunidade budista,
com um punhado de sacerdotes e monges que mantinham as Grutas. Em 1900, um
sacerdote taoísta de nome Wang-Tao-Shih, ao retocar uma fissura de afresco pintado
em uma das paredes de uma gruta, descobriu uma câmara secreta, que em tempos
tinha sido murada, que continha uma biblioteca inteira. Intimidado com a amplitude
da sua descoberta, tratou logo de emparedá-la novamente. Stein o convenceu a reabri-
la, adquirindo certo número de documentos, entre os quais textos budistas do século
V, parcialmente redigidos em chinês, manuscritos tibetanos e trabalhos diversos em
várias línguas e escritas, a maioria dos séculos VII e VIII da nossa era.
Entre os documentos recuperados de especial importância é o Sutra de
Diamante, versão chinesa do texto budista Vajracchedika. É o mais antigo livro
impresso conhecido no mundo, sendo que a sua data está contida no colofão: 11 de
maio de 868. Foi impresso com blocos de madeira, formando um rolo de papel com
aproximadamente cinco metros por 30 centímetros de largura e hoje é um dos
tesouros do Museu Britânico.
Outra parte dos textos foi adquirida por P.Pelliot para a Biblioteca Nacional,
em Paris, e quase todo o restante foi transferido para Pequim. Documentos escritos
que empregam quase sempre um alfabeto do norte da Índia, do tipo Brahmi,
chamaram a atenção, pois eram redigidos em duas línguas aparentadas até então
desconhecidas.
Do mesmo modo que ocorreu com o hitita, a comunidade científica escolheu
designar estas línguas com o nome provavelmente impróprio de "tocarianas", visto
que, segundo o autor clássico Estrabão, os tocarianos eram um povo que havia
vencido um soberano grego da Bactriana (Irã oriental) no segundo século da nossa
era. Datando dos séculos VII e VIII da era cristã, os textos, muitas vezes bilingües, o
que facilitou sua decifração, foram escritos sobre folhas de palmeira e papel da China
e retratavam uma correspondência monástica e registros contábeis. Passes de
caravanas, escritos a tinta sobre tabletes de madeira, também foram encontrados.
A sua decifração gerou surpresa: eram línguas indo-européias do grupo
centum, as mais orientais até hoje localizadas. A primeira das duas, conhecida como
tocariano A, aparecia em manuscritos descobertos em Karashahr e Tourfan: é
comumente conhecida como tourfaniano. A segunda, o tocariano B, é conhecida
principalmente por textos encontrados em Koucha, daí o nome da koutcheano. Os
números, em tourfaniano e koutcheano são os seguintes: 1: sas, se ; 2: wu, wi ; 3: tre,
trai ; 4: stwar,stwer ; 5: pan, pis ; 6: sak,skas; 7: spat, sukt ; 8: okat,okt; 9: nu,nu;
10: sak, sak; 100: kant,kante.
Quem eram os tocarianos é motivo de acirrada controvérsia, principalmente
nos dias de hoje. Os locutores dessas línguas tinham contatos com os chineses e a
escrita dos documentos data da dinastia T'ang. Do século IV da nossa era em diante os
Anais chineses mencionam raids de nômades, os Xiongnu, sobre as fronteiras
ocidentais. Estes povos mais tarde vieram a ser conhecidos com o nome de hunos.
Aparentemente, os tocarianos tiveram importância na disseminação do
budismo na China, sendo também importantes intermediários comerciais entre o
ocidente e oriente. Nesse ponto de vista, não há razão para que desenvolvessem
atividades belicosas com a China, portanto essa associação com os hunos é pouco
crível. Posteriormente, foram associados com os Yü-chi (sec. II/III D.C.), embora não
haja razão para que se acredite que eles eram falantes do tocariano.
70
Como vimos, os mais antigos documentos dos tocarianos datam do século
VI/VII da nossa era; porém o tocariano, o céltico, o hitita e o itálico têm em comum
fatores arcaicos herdados do proto-indo-europeu, em período muito antigo.
Necessitamos, portanto, de procurar os antecessores dos tocarianos em período entre,
talvez, 2500 A.C. e 200 D.C.
Bosch-Gimpera, seguindo Menghin, vê nos tocarianos os introdutores na
China da cerâmica pintada da cultura de Yang-Shao, nos princípios do II milênio
A.C., cuja origem, afirma, dever-se-ia procurar nos países ucranianos e danubianos,
isto é, nos indo-europeus. Recentemente foram encontrados na província de Sinkiang
115 corpos mumificados, datados pelo carbono-14 de c. 2000 A.C. São pessoas de
tipo físico ocidental: pele branca, e não amarela, cabelos loiros em vez de pretos,
olhos arredondados em vez de puxados. São, fisicamente, parecidos com gente que
viveu bem longe da China, nas estepes da Rússia ou da Ucrânia. Têm características
indo-européias bem nítidas. É a época da cultura Yang-Shao, a mais remota de que se
tem conhecimento. Não é possível afirmar com certeza que falavam tocariano, mas
constituem evidência das ligações dos indo-europeus com a China, em tão remota
época. Estão sendo estudados, em conjunto com os chineses, pelo Instituto de Estudos
Orientais da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. De qualquer modo, é
possível que os tocarianos tenham desempenhado importante papel, ainda não
aquilatado, na transmissão de conhecimentos do ocidente para o oriente e vice-versa,
como veremos.
A última língua a que nos reportaremos é a falada pelos antigos gregos. A
mais remota evidência dela é encontrada nos mais de 3.000 tabletes de argila
descobertos em Knossos, em Creta e em Micenas e Pilos, na Grécia continental. A
maioria desses tabletes, que geralmente contêm registros contábeis de economias
palacianas das civilizações micênica e minóica antiga, são redigidas em escrita
silábica conhecida como linear B. Datam de cerca do século XII antes da nossa era,
sendo escritos em forma primitiva de grego, freqüentemente denominada de micênico.
Essa civilização foi descoberta por Heinrich Schlieman, ao escavar Micenas
em 1874, conhecida como sendo a lendária pátria de Agamenon. Nas suas escavações
na Porta dos Leões encontrou o célebre Círculo de Sepulturas, datado de c.1600 A.C.,
que continha vários artefatos e os restos de 19 indivíduos, entre os quais a bela
"Máscara de Agamenon", hoje depositados no Museu Nacional de Atenas. O passo
seguinte foi dado pelo arqueólogo inglês Sir Artur Evans, que escavou o conhecido
palácio de Knossos na ilha de Creta, encontrando nos seus arquivos nada menos que
três escritas.
Rapidamente se reconheceu que uma das escritas, conhecida como
hieroglífica cretense, composta de signos ou pictogramas, tinha aparecido logo após
2000 A.C., e que a partir de 1600 A.C. em diante foi substituída por outra, a linear A.
Depois de 1450 A.C., foram ao que parece deslocadas pela terceira escrita, a linear B.
Esta escrita, silábica, foi decifrada pelo arquiteto inglês Michael Ventris, com a
colaboração de John Chadwick, revelando, para surpresa geral, o mais antigo dialeto
grego que se conhece. A linear A continua resistindo aos esforços dos decifradores.
Renfrew supõe que a agricultura tenha sido introduzida na Europa através da
Grécia, oriunda da Anatólia, pelos indo-europeus, que coexistiram com um ou mais
povos não indo-europeus naquela região. Esta é questão nebulosa, onde ainda não
existe um consenso.
A civilização micênica desenvolveu vigorosa atividade comercial, cuja
extensão foi possivelmente além do Mediterrâneo. Em julho de 1953, quando tentava
fotografar para um turista visitante de Stonehenge alguns grafites do século XVII,
71
R.J.C. Atkinsons viu no visor da câmara os contornos de uma adaga e de um machado
gravados no monumento. Passada a surpresa inicial, investigação mais detalhada
descobriu vários grupos de adagas e de machados inscritos em outras pedras do
monumento. O machado é de desenho familiar na região, mas a adaga só encontra
similar entre as escavadas nas ruínas de Micenas ! Isto mostra a existência de
conexões entre os micênios e o povo construtor dos megalitos, ainda não
suficientemente avaliadas. Os micênios usavam o estanho procedente das Ilhas
Britânicas para a sua indústria do bronze.
72
CAPÍTULO V
A MATEMÁTICA BABILÔNICA
5.1 Preliminares
TEXTOS NUMÉRICOS
Conteúdo: Proto-Elamitas Proto-Sumérios
-Enumeração de pessoas -contagem por números -contagem por números
sexagesimais sexagesimais
-Cálculos de grãos gastos -números sexagesimais -números sexagesimais
em rações para pessoas -números de capacidade -números de capacidade
-Cálculos de grãos gastos -números de capacidade -números de capacidade
em rações para animais -números decimais -números sexagesimais
-Contagem de grupos de -números decimais -números sexagesimais
animais
-Textos de pão e cerveja -números de capacidade -números de capacidade
-números sexagesimais -números sexagesimais
-Contas de pão ou jarros de -números sexagesimais -números sexagesimais
argila
77
-Contas de grande -números de capacidade -números de capacidade
quantidades de grão,
enviadas ou despachadas de
armazéns, em um caso
durante uma "semana" de
cinco dias
-Cálculos de área -números de área
-números sexagesimais
-Texto de semente-grão -números de área
(caso único) -números de capacidade
Somente no período selêucida (após 300 A.C.) é que utilizaram símbolo para o
zero, mesmo assim só quando figurasse em posições intermediárias e apenas em
textos astronômicos, nunca matemáticos. Mesmo na fase derradeira da matemática
babilônica, não se encontra exemplo de emprego de sinal para o zero no final dos
números.
Entre 1889 e 1900 uma expedição americana escavou Nippur, um dos mais
importantes sítios arqueológicos da Mesopotâmia. Por volta de 1906, Herman V.
Hilprecht, da Universidade da Pensilvânia, publicou um volume em que incluía
reproduções de importantes textos matemáticos e metrológicos babilônio antigos, que
continham um único texto-problema em sumério. Desde então um número
significativo de textos foram descobertos.
O número total de tabletes que alcançaram os museus é estimado por
Neugebauer em no mínimo 500000, sendo este número apenas pequena fração do que
permanece enterrado nas cidades babilônicas. Destes, apenas uns 400 tabletes ou
fragmentos de conteúdo matemático foram copiados, transcritos, traduzidos e
explicados em trabalhos abrangentes e definitivos.
79
Podemos classificar os textos matemáticos em dois grandes grupos: os textos
tabelas (tábuas) e os textos problemas. A primeira classe é constituída principalmente
de tabelas, como por exemplo as tábuas de multiplicação, de recíprocos, etc.
O número de textos problemas conhecidos é de aproximadamente uma centena
de tabletes, comparado com mais do que o dobro de textos tabelas. Os mais antigos
tabletes são uns poucos textos não matemáticos protoliteratos, do final do quarto
milênio A.C. As mais antigas tábuas matemáticas são cerca de meio milênio mais
novas.
A relação entre os textos existentes e os publicados é pequena. A publicação
dos textos exige esforço considerável. Deve-se primeiro selecionar os textos
concernentes ao campo específico de estudo, em questão, no caso a matemática.
Trabalho nada fácil. Somente uma minúscula fração das coleções existentes está
catalogada; em muitos casos, os catálogos existentes, mesmo rudimentares, não são
acessíveis ao público ou aos estudiosos. Neugebauer acha que nem um décimo de
todos os tabletes existentes nos museus apareça em alguma espécie de catálogo.
Insiste em que a "escavação" do material acumulado nas coleções é mais importante
que a acumulação de novos milhares de tabletes, em cima dos nunca investigados
milhares prévios.
Os professores sumérios lecionavam o que poderíamos denominar de
matemática aplicada elementar, trabalhando com problemas pouco abstratos, que
envolviam números e medidas muito grandes ou muito pequenas, com algoritmos
para multiplicação ou divisão e cálculo de áreas baseados em áreas quadradas.
A dominação dos sumérios na Mesopotâmia foi interrompida por breve
interlúdio semita, principiando com Sargão de Akkad (c.2350-2300 A.C.). A
existência de atividade matemática no período de Sargão e de seus sucessores é
confirmada por um número de tabletes com exercícios geométricos simples. Por volta
de 2250 A.C. começa o períodos de dominação gútia, que durou aproximadamente
125 anos.
É importante observarmos que os textos matemáticos sobre os quais se efetuou
o estudo da matemática babilônica podem ser atribuídos a dois períodos
aproximadamente limitados e amplamente separados. A grande maioria dos textos
matemáticos são "babilônios antigos", isto é, contemporâneos da dinastia de
Hamurabi, pertencentes ao período de c.1800 a c.1600 A.C. O segundo e muito
menor grupo é o "selêucida", que data dos três últimos séculos antes da nossa era.
Chegou-se a essas conclusões com base em considerações lingüísticas e paleográficas
confiáveis.
Os mais de 1300 anos que separam os dois grupos influíram na grafia dos
sinais e na linguagem, de forma que torna fácil identificar a que período o texto
pertence. Não existem textos astronômicos do período babilônio antigo; apenas se
encontraram textos matemáticos. Já no período selêucida, os textos matemáticos são
escassos, imperando os astronômicos, mas são suficientes para mostrar que o
conhecimento da matemática babilônica antiga não foi perdido durante o intervalo de
1300 anos para o qual não se dispõe de textos.
Os textos selêucidas não parecem demonstrar conhecimento matemático maior
do que o já disponível no período babilônio antigo. O único progresso essencial que
foi feito consiste no uso do sinal para o zero, como já citamos, embora fosse
empregado apenas em textos astronômicos. Os textos babilônios antigos demonstram
nível da abstração e grau de desenvolvimento matemático surpreendentes,
principalmente na área da álgebra. Enquanto os egípcios dessa época eram apenas
capazes de resolverem equações lineares simples, os babilônios da época de Hamurabi
80
já dominavam a técnica de resolução de equações quadráticas, se aventurando mesmo
a problemas com equações cúbicas e biquadráticas.
Um dos maiores problemas do estudo da matemática babilônica é explicar
como atingiram esse grau de maturidade, pois os textos precedentes existentes são
elementares, não há textos que mostrem a evolução de seu conhecimento matemático
até esse ponto. Vejamos o que diz O.Neugebauer sobre o assunto : "Para os textos
babilônios antigos nenhuma pré-história pode ser dada. Não conhecemos
absolutamente nada sobre um desenvolvimento anterior, presumivelmente sumeriano.
Tudo o que será descrito...está inteiramente desenvolvido nos mais antigos textos
conhecidos." Continuando, emite uma opinião:
"É costume postular um longo desenvolvimento o qual é supostamente
necessário para alcançar um alto nível de discernimento matemático. Eu não
conheço sobre qual experiência se baseia este julgamento. Todos os períodos
historicamente bem conhecidos de grandes descobertas matemáticas alcançaram o
seu ápice depois de um século ou dois de rápido progresso seguidos por muitos
séculos de relativa estagnação. Parece-me igualmente possível que a matemática
babilônica atingisse o seu alto nível em um crescimento rápido similar, baseada,
naturalmente, no desenvolvimento precedente do sistema posicional sexagesimal
cujas formas rudimentares são já atestadas em um sem número de textos econômicos
das mais antigas fases da documentação escrita." (The Exact Sciences in Antiquity,
p.29/30)
É explicação insatisfatória, emitida com reservas. Só a existência prévia do
sistema sexagesimal posicional não explica o grau de abstração alcançado em tão
curto espaço de tempo; além disso, a inexistência de textos intermediários que
mostrem a evolução do conhecimento, mesmo nesse período, dificulta a aceitação
dessa hipótese. Existiria outra explicação ?
À luz da hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, podemos aventar uma
explicação alternativa. O explosivo desenvolvimento poderia ter se dado por
influência de outra cultura, que transmitisse novas idéias ao corpo de conhecimento
então existente. Teríamos então de procurar um contato cultural por volta de 2000
A.C. Segundo a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, os indo-europeus
constituíam o vetor de transmissão dos conhecimentos matemáticos da fonte neolítica
original. Por volta dessa data, um povo provavelmente indo-europeu teve um contato,
que poderíamos classificar como ponderável, com os babilônios: os gútios. Eram um
povo obscuro, sem escrita, geralmente classificado como "bárbaros".
Um trabalho recente de W. B. Henning (citado por Renfrew, L'Énigme Indo-
Européene, p.247) associa os gútios com os proto-tocarianos, que teriam alcançado a
China. Como observa Gamkrelidze (The Early History..., p.84), se a visão de Henning
estiver correta, então os gútios seriam os primeiros indo-europeus a aparecerem em
registros históricos. As afinidades léxicas com o grupo ítalo-céltico, bem como o fato
de que o tocariano divergiu do proto-indo-europeu em uma data bastante antiga,
assim estariam explicados. A proximidade dos gútios com os hititas também seria
dado complementar.
Menghin (citado por Bosch-Gimpera, Les Indo-Européens, p.235) vê nos
(proto) tocarianos os introdutores na China da cerâmica pintada da cultura de Yang-
Shao, nos princípios do II milênio antes da nossa era. Já vimos que recentemente
foram encontradas múmias, que datam aproximadamente dessa época, que provam a
existência de indo-europeus na China nesse período. Isso explicaria por que os
babilônios teriam conhecimento de triplas pitágoricas (e do teorema de Pitágoras)
muito profundo, como veremos a seguir, no período babilônio antigo, sem que se
81
conheça texto sumério precedente sobre o assunto. As triplas pitagóricas, bem como o
teorema de Pitágoras, como já foi frisado, desempenham papel fundamental na
transmissão dos conhecimentos da fonte neolítica, pelos indo-europeus.
Se os gútios foram realmente o vetor da transmissão dessa corrente
matemática para a China, isso pode ter ocorrido desde os fins do terceiro milênio A.C.
É aproximadamente essa a data assinalada pela tradição chinesa para os primeiros
empregos do teorema de Pitágoras na China. Cheng-Yih Chen (A Comparative Study
of Early Chinese and Greek Works, p.43) cita que a tradição chinesa reivindica que o
teorema de Pitágoras foi usado para projetar controles de inundações do rio Amarelo,
aproximadamente no século XXI A.C., por Ta Yü, engenheiro hidráulico que mais
tarde se tornou soberano, estabelecendo o reino de Hsia. Como esta é uma asserção
transmitida pela tradição, não existem outras evidências que a apoiem; porém o seu
emprego no século XI A.C. está firmemente estabelecido, como veremos quando
tratarmos da matemática na China.
Os gútios eram encarados como bárbaros invasores, provenientes das
montanhas. O período da dominação gútia é muito pouco conhecido. É considerado,
geralmente, tempo sombrio, quando se incendiaram cidades, se assolaram campos e se
cortaram rotas, porém é erro considerá-lo em sua totalidade como uma anarquia.
Cidades, como Lagash, tiveram nesses dias a sua época de ouro. Um dos seus
governantes desse período, Gudea, é talvez a figura mais conhecida da antiga
Suméria. O reinado de Gudea é encarado como a idade de ouro da arte suméria.
Existem, evidentemente, pontos obscuros nesta conjectura, mas ela fornece
uma explicação alternativa, mostrando como dados histórico-matemáticos, se
encarados pela ótica da hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, podem
complementar teorias formuladas apenas em outras bases, como a lingüística.
A seção seguinte envolve um mínimo de conhecimento matemático, que não
podemos evitar. Contamos com a paciência e a coragem do leitor.
82
Fig. 5.2 - O Tablete Plimpton 322.
O texto contém alguns poucos erros, que foram corrigidos por Neugebauer.
Em II,9 está escrito 9,1 ao invés de 8,1, o que é apenas erro de transcrição do escriba.
Em II,13 aparece 7,12,1 ao invés de 2,41, pois o escriba assinalou o quadrado de 2,41,
que é 7,12,41, em vez do próprio 2,41. Em III,15 figura 53, ao invés de 1,46, que é o
dobro de 53. Em III,2, finalmente, figura um erro inexplicado, onde 3,12,1 deveria ser
substituído por 1,20,25. R.J. Gillings dá uma explicação para esse erro, atribuindo-o
como o resultado da composição de dois erros (ver Nota 1).
Quais seriam as relações existentes entre estes números? Fazendo os números
da coluna II iguais a y, os da coluna III iguais a z, podemos calcular através do
teorema de Pitágoras :
x2 = z2 − y2
IV x y z
1 120 119 169
2 3456 3367 4825
3 4800 4601 6649
4 13500 12709 18541
5 72 65 97
6 360 319 481
7 2700 2291 3541
8 960 799 1249
9 600 481 769
10 6480 4961 8161
11 60 45 75
12 2400 1679 2929
13 240 161 289
14 2700 1771 3229
15 90 56 106
Algumas dessas triplas são tão grandes que obtê-las empiricamente seria tarefa
quase impossível. Talvez os valores de x estivessem tabulados na parte perdida do
84
tablete. É importante notarmos que todas essas triplas, exceto aquelas nas linhas 11 e
15, são triplas pitagóricas primitivas. Envolvem números muito grandes para que
tenham sido descobertas ao acaso; é evidente que possuíam algum método para
construí-las.
A interpretação dos números da coluna I é a seguinte: se calcularmos (z/x)2
obteremos os valores dessa coluna. Desse modo, o tablete Plimpton 322 é uma tabela
de valores de (z/x)2, y e z.
Como a parte esquerda do tablete está danificada existe uma dúvida quanto à
reconstituição por Neugebauer do primeiro número da coluna I ( [1,] ).
z
2
(x 2 + y2 ) y
2
x = 2 pq ; y = q 2 − p 2 ; z =q 2 + p 2 .
z (q + p ) 1 1 1
2 2
x y z q p IV
w 2 − v 2 = ( w + v )( w − v ) = d. d −1 = 1 , donde temos
w+v=d e w - v = d -1
NOTA AO CAPÍTULO 3
Nota 1: R..J. Gillings (The Australian Journal of Science, 16, 1953, p.54-56)
(p =1,4 e q =27) o escriba substitui -2pq por +2pq (errou o sinal) e escreveu
86
somente 2.27.1,0 = 54,0 ao invés de 2.27.1,4 = 57,36. Assim ele encontrou não z =
2,18,1 - 57,36 = 1,20,25 mas 2,18,1 + 54,0 = 3,12,1.
87
88
CAPÍTULO VI
MATEMÁTICA CHINESA
Oscar Wilde
Como AH = AB + BH e BH = AC , obtemos:
Isto nada mais é que o teorema conhecido pelos ocidentais como teorema de
Pitágoras, mas que, se o critério de precedência fosse o único adotado pela ciência
para nominar as suas descobertas, deveria ser conhecido como "teorema de Shang
Kao" ou "teorema kou-kou".
90
Fig. 6.2 . O diagrama "hsian-t'u" , como foi reconstruído por Chao Shuang, para
a demonstração do teorema"kou-kou"no seu comentário ao Chou-Pei Suan
Ching.
Os números indicados no texto (3-4-5) são dados apenas como exemplo típico.
A demonstração do teorema recai apenas nos procedimentos prescritos na passagem
c). Isso é comprovado pelo fato de que os termos técnicos para base, largura e
hipotenusa são dados no texto, e que a introdução dos números é precedida por "i wei"
- "suponhamos", que mostra que os números são introduzidos como exemplos desses
termos técnicos.
Todos os problemas são enunciados com o uso de números inteiros, como nos
problemas egípcios e babilônios, mas, ao contrário destes, as soluções são
apresentadas mediante regras gerais e não simples enumeração dos passos seguidos
para se obter o resultado (receita de bolo). Cabe notar que todas as soluções
apresentadas são corretas.
92
O lado menor do triângulo é denominado kou, que significa literalmente
"gancho, anzol", o maior de ku, que significa "coxa". A hipotenusa é denominada
hsien, que significa "corda de arco ". As unidades de comprimento são :
1 chang = 10 ch'ih
1chi'ih = 10 ts'un
O ch'ih do período Han tinha cerca de 23 cm, o que nos permite traduzi-lo por
"pé", enquanto o ts'un , com 2,3 cm, pode ser traduzido por "polegada".
Os problemas-tipo eram resolvidos como se segue.
z = x2 + y2 .
x = z2 − y2 .
1
5 5
13 12
(a 2
− d2)
y=
2d
z= y+ d
2 2
d d
s − = c 2 − s + de onde obtemos o valor de s.
2 2
94
10 8
6
Fig. 6.4. A porta e sua diagonal
( z − a) 2 + ( z − b) 2 = z 2
z 2 − 2z( a + b) + a 2 + b 2 = 0 .
Para resolver essa equação, somamos 2ab aos dois membros dela,
completando os quadrados e obtendo:
z − ( a + b) 2 = 2ab .
Extraindo a raiz quadrada dos dois membros vem: z = a + b + 2 ab , que é a
solução indicada.
95
y z
x=3
Fig. 6.5. O bambu quebrado.
1 a2
y = b − .
2 b
.
Este tipo é muito parecido com o tipo 3, onde se conhece:
z 2 − y 2 e z − y , encontrando - se y + z por divisão .
Neste tipo conhece-se z 2 − y 2 = x 2 = a 2 e z + y = 10 = b , sendo z - y
encontrado por divisão. Ambos os problemas requerem o conhecimento da identidade
z 2 − y 2 = ( z − y)( z + y) .
Tipo 7: o problema 14 é o único problema deste tipo. São dados x e uma relação linear
y+z = 7/3 x.
x = 10 1/2 x’ = 21
y = 10 z = 14 1/2
y’ = 20 z’ = 29
96
Fig 6.6. Pessoas caminhando.
7 . 7 = 49 a . a = a2
3.3=9 b . b = b2
z' = ( a 2 + b 2 ) (a + b 2 )
1 1 1 2
z' = ( 49 + 9) z' =
2 2 2
y' = ( a 2 − b 2 )
1
y’ =29 - 9 =20 y’ = z’ - b2
2
x’ = 7 . 3 = 21 x’ = 21 = a .b x’= a.b
97
x' = a. b
( a − b2 )
1 2
y' =
2
z' = ( a + b 2 )
1 2
2
que permitem calcular as triplas pitagóricas onde x é ímpar, sendo perfeitamente
gerais e equivalentes às atribuídas a Pitágoras, que são um caso particular destas,
como iremos ver posteriormente.
A "proporção de A caminhar leste" é obtida calculando-se: y ' = z ' − b 2 , que é
equivalente a y' = ( a 2 − b 2 ) , pois como z ' + y ' = a 2 tem-se z ' = a 2 − y ' , que
1
2
substituindo-se em y ' = z ' − b 2 resulta a fórmula dada. Obtidos x',y'e z' , o passo
seguinte é multiplicar estes números por y/y' = 10/20, de maneira que se satisfaça a y
= 10, encontrando a resposta (10 1/2, 10, 14 1/2).
xy
Solução : s =
( x + y)
s
y
s
x
Fig. 6.7 Quadrado inscrito em um retângulo
y z
x
Fig. 6.8 Círculo inscrito em um triângulo
z = x + y2
Solução: 2xy
2r =
( x + y + z)
98
A partir do centro do círculo desenhar três linhas unindo-os com os vértices do
1 1 1
triângulo. Obteremos então três triângulos parciais, de áreas rx , ry , rz.
2 2 2
Logo:
1 1 1 1
xy = rx + ry + rz
2 2 2 2
xy = r( x + y + z), 2r =
2xy
( x + y + z)
6.3 Comentários
3 4 5
5 12 13
8 15 17
7 24 25
20 21 29
Elas podem ter sido obtidas pelo emprego das fórmulas para cálculo de triplas
pitagóricas discutidas no problema número 14.
Podemos fazer, por exemplo:
100
CAPÍTULO VII
BABILÔNICA E A CHINESA
O problema 12 enuncia:
"Um junco está apoiado contra um muro. Se o seu topo desliza (para baixo) 3
(unidades), a sua extremidade inferior afasta-se 9 (unidades). Qual é o comprimento
do junco, qual é a altura do muro?"
z
y
x
Fig. 7.1 Junco apoiado no muro
z=
2 3
y = z2 − x 2
O emprego do teorema de Pitágoras com a subseqüente extração da raiz
quadrada para a determinação de y é desnecessária, pois basta fazer y = z - d = 15 - 3
= 12.
102
A solução chinesa é essencialmente a mesma, mas não é extraída a raiz
quadrada.
No problema 8 do Capítulo 9 dos “Nove capítulos lemos o seguinte: "A altura
de um muro é 1 chang ( = 10 ch'ih). Uma (viga de) madeira está apoiada contra o
muro de modo que o seu topo está precisamente no (topo) do muro. Se a madeira é
puxada 1 ch'ih para longe do muro, a madeira alcança o chão. Qual é o comprimento
da madeira?"
"Resposta : 5 chang, 5 ch'ih ( = 55 chíh).
Método: multiplique a altura do muro, 10 chíh, por ela mesma, e divida pelo
número de ch'ih que é puxada para longe, e divida ao meio a soma. ( O resultado ) é
o comprimento da madeira."
São dados: x = a = 10, z - y = d = 1, sendo z calculado de acordo com a
1 a2
fórmula z = + d ,
2 d
z
10
y 1
Fig. 7.2 A viga contra o muro
1 (b − a )
2 2
y= = 4, z = b - y = 5
2 b
Nesses problemas pedem-se encontrar dois números tais que a sua soma ou
sua diferença é dada, bem como o seu produto. São problemas clássicos da álgebra
babilônica, e são resolvidos pelo método das somas ou diferenças.
O método também foi empregado por Diofante e consistia em se empregar
mudança de variável.
1 1
Quando a soma s era dada fazia-se x = s + t , y = s − t , reduzindo o
2 2
problema a uma única incógnita t.
1 1
Quando a diferença d era dada, colocava-se x = t + d , y = t - d , o que
2 2
novamente reduzia o problema a uma incógnita.
Os chineses também empregavam soluções deste tipo (ver o problema tipo 4
do Capítulo 9).
1 (s − 2 A )
2
z= .
2 s
106
CAPÍTULO VIII
A tradição geométrica deve também ter influenciado os egípcios, por meio dos
"estiradores de corda" (harpedonaptai), que eram, de acordo com Demócrito, peritos
em "construção de linhas com provas". Cordas estiradas também eram empregadas
pelos construtores de altar hindus. Os Sulvasutras contêm provas e são textos escritos,
mas se baseiam em tradição oral muito mais antiga, como veremos. Quem eram esses
"estiradores de corda " é ainda motivo de muita controvérsia. Eram agrimensores,
arquitetos, astrônomos ou algo mais?
A cerimônia do "estiramento de corda", que era um termo técnico egípcio,
realizava-se para estabelecer a orientação dos templos egípcios com alinhamentos
astronômicos. Nela objetos astronômicos eram usados para estabelecer linhas de
referência. Os egípcios atribuíam profundo significado religioso a essas orientações.
Existem baixos relevos que mostram essas cerimônias, até com data da quinta
dinastia (2560-2420 A.C.), o que mostra quão antiga pode ser essa tradição. A
operação de estiramento de corda é mencionada em uma inscrição em couro, no
Museu de Berlim, que atesta o seu uso já no tempo de Amenemat I (c. 2300 A.C.).
Esses estiradores de corda podiam também colaborar na construção de grandes
edifícios ou de qualquer outro projeto arquitetônico; podiam até redeterminar
divisórias de terras apagadas pelas enchentes. Se atuavam em todos esses campos
ainda é objeto de discussão.
Reputados historiadores da matemática, como Struik, Heath e mesmo Van der
Waerden negavam que os egípcios tivessem conhecimento do teorema de Pitágoras ou
das triplas pitagóricas, pois não figuram em nenhum documento escrito sobrevivente.
Posteriormente, Van der Waerden reconsiderou essa opinião, passando a acreditar que
a tradição oral dos estiradores de corda o conhecesse. O fato é que os egípcios tinham
plenas condições de operar com o teorema, pois sabiam como resolver sistemas como
y = ax , x 2 + y 2 = b , onde aparecia a tripla (8,6,10), que é o dobro da bem
conhecida tripla (3,4,5), como figura no Papiro Berlim 6619, embora no texto não
haja menção a um triângulo.
É também citada a ocorrência em fragmentos do Papiro de Kahun (c.1800
A.C.) das seguintes somas de quadrados:
6 2 + 8 2 = 10 2
12 2 + 16 2 = 20 2
2 2
1 1
1 + 2 = 2
2
2 2
107
Esses valores aparecem em contextos relacionados com equações quadráticas,
mostrando que os egípcios eram capazes de operar com o teorema de Pitágoras,
embora este não seja empregado explicitamente em nenhum texto conhecido. É
possível que o seu conhecimento se tenha transmitido apenas oralmente, ou que os
textos em que ele figura não tenham sido preservados ou descobertos. O intercâmbio
cultural entre egípcios e babilônios, atestado historicamente, também nos faz supor
que os egípcios tivessem acesso a tão importante resultado.
Embora para eras mais recuadas não exista evidência irrefutável do
conhecimento do teorema de Pitágoras entre os egípcios, podemos mostrar a
existência desse em épocas mais recentes. Os problemas de 24 a 31 do Papiro do
Cairo empregam este teorema na sua solução, e são muito similares a problemas
chineses e babilônios correlatos. R.A. Parker, tradutor deste Papiro, afirma:
"Em outro lugar eu mostrei que o conteúdo de um papiro demótico do período
romano tratando de demônios celestiais pode definitivamente ser atribuído à
Babilônia, tendo a transmissão de tal literatura acontecido durante o reinado persa
do Egito, nos séculos VI ou V A.C. É muito possível, realmente, que alguma
quantidade de literatura matemática babilônica tenha vindo ao Egito ao mesmo
tempo, e os problemas de 24 a 31, com o seu uso do teorema de Pitágoras, conhecido
séculos antes na Babilônia, parece ser a confirmação direta de tal transmissão."(Van
der Waerden:167).
Na realidade, o nosso conhecimento da matemática egípcia se baseia apenas
em um punhado de fontes, a saber: os Papiros de Rhind, de Moscou, de Berlim, de
Kahun, de Reisner, do Cairo, o rolo de couro do Museu Britânico, as pranchas de
madeira de Akhmin e alguns poucos outros fragmentos de menor importância.
O Papiro de Rhind, nossa mais importante fonte sobre a matemática egípcia,
foi descoberto na metade do século passado, ao que parece nas ruínas de pequeno
edifício, perto do templo mortuário de Ramsés II em Tebas. Foi adquirido em Luxor,
juntamente com outras antigüidades egípcias, pelo advogado escocês Alexander
Henry Rhind, que, por razões de saúde, foi obrigado a passar o inverno no Egito
durante as temporadas de 1855-6 e 1856-7. Rhind faleceu quando retornava para casa
de outra visita ao Egito, em 1863, e o papiro Rhind, bem como outro documento
matemático conhecido como o rolo de couro, foram adquiridos do seu testamenteiro
em 1865 pelo Museu Britânico.
O Papiro Rhind, no seu estado original, formava um rolo constituído de
quatorze folhas de papiro, cada qual com cerca de 40 cm de comprimento e 32 cm de
altura, coladas nas extremidades. O comprimento total sobrevivente é de 513 cm. O
Papiro foi encontrado em dois pedaços, alguns fragmentos da região da ruptura foram
identificados na coleção egípcia da Sociedade Histórica de Nova Iorque, em 1922.
Tinham sido adquiridos em Luxor pelo comerciante americano Edwin Smith, em
1862-3, e foram presenteados pela sua filha à Sociedade Histórica, após a morte do
seu pai. Estão atualmente no Museu de Brooklyn.
O Papiro está escrito em caracteres hieráticos, em preto e vermelho, e se lê da
direita para a esquerda. Foi copiado pelo escriba Ahmose (A'h-mosè) durante o
período dos Hicsos, ou reis Pastores (cerca de 1650 A.C.), de escritos cerca de 200
anos mais antigos. Contém cerca de 87 problemas matemáticos. Estes são precedidos
por uma tabela de divisão de 2 pelos números ímpares de 3 a 101, as respostas sendo
expressas como soma de frações unitárias (os egípcios só operavam com esse tipo de
fração, cujo numerador era a unidade, 1).
Na sua introdução o escriba anotou:
108
"Cálculos Acurados. A entrada no conhecimento de todas as coisas existentes
e todos os segredos obscuros. Este livro foi copiado no ano 33, no quarto mês da
estação das inundações, debaixo da majestade do rei do Alto e Baixo Egito A-user-
Rê, dotado com vida, na semelhança de escritos dos antigos feitos no tempo do rei do
Alto e Baixo Egito, Ne-ma-'et-Rê. É o escriba A'h-mosè quem copia este escrito."
(Trad. Chace, apud Gillings:Mathematics:45).
Um problema do Papiro Rhind que merece a nossa atenção é o de número 50,
que implica encontrar a área de círculo de diâmetro 9. O seu enunciado é o seguinte:
"Exemplo de um campo redondo de diâmetro 9 khet. Qual é a sua área? Tire
1/9 do diâmetro, 1; o resto é 8. Multiplique 8 vezes 8; perfaz 64. Então ele contém 64
setat de terra." (Bunt: The Historical...:36).
O escriba encontra a área do círculo subtraindo do diâmetro um nono deste e
elevando ao quadrado o resultado. Faz uso, portanto, da fórmula:
2 2
1 8
A = d − d = d .
9 9
Isto implica em que a área do círculo é igualada a de um quadrado cujo lado
vale 8/9 do diâmetro do círculo. É um exemplo notável do problema conhecido entre
os gregos como quadratura do círculo. Mostra que deve ter deve ter havido uma
tradição geométrica entre os "estiradores de corda", da qual os gregos provavelmente
devem ter tido conhecimento, ou que proviesse da sua fonte original neolítica, ou por
contato direto.
A regra citada é ilustrada no Papiro por figura na qual um quadrado está
dividido em nove quadrados iguais, onde as diagonais dos quatro quadrados dos
cantos estão desenhadas. A área de cada um destes quadrados é 1 9 d 2 . A área do
círculo é aproximadamente igual à área de sete destes quadrados: 7 . 1 9 d 2 , o que é
igual a 63 81d 2 . Se tomarmos 64 81 d 2 ao invés de 63 81d 2 não estaremos errando
2
8
muito, com a vantagem de que 64 81 d é um quadrado perfeito: d . Dessa
2
9
maneira, o algoritmo egípcio é equivalente à aproximação = 256/81 = 3,1605...,
bastante boa para a época.
Assim, o escriba pode ter chegado a essa regra de forma quase-dedutiva. De
qualquer modo expressa a preocupação de se encontrar um quadrado igual a um
círculo, problema que mereceu especial atenção dos gregos e que, talvez, tenha feito
parte da tradição neolítica. Proclus observa: "..., eu acredito, os antigos também
procuraram a quadratura do círculo. Pois se encontramos um paralelogramo igual a
qualquer figura retilinear, vale a pena investigar se se pode provar que figuras
retilineares são iguais a figuras limitadas por arcos circulares."(Knorr:The
Ancient...:25).
A nossa segunda fonte em importância é o Papiro de Moscou (ou de
Golenishev), comprado no Egito em 1893. Tem 5,48 m de comprimento, mas apenas
7 cm de largura. Foi escrito, com menos cuidado que a obra de Ahmose, por um
escriba desconhecido da décima segunda dinastia (c.!890 A.C.). Contém 25 exemplos,
quase todos da vida prática, e não difere muito dos do Papiro Rhind, exceto dois que
têm significado especial.
Veremos, em seguida, a discussão do problema 14 do Papiro de Moscou como
apresentada por Boyer (História da Matemática:14-15). Associada a este problema há
uma figura que parece trapézio, mas os cálculos com ela relacionados mostram que o
que se quer representar é tronco de pirâmide. Acima e abaixo da figura estão sinais
109
para dois e quatro, respectivamente, e no interior estão símbolos hieráticos para seis e
cinqüenta e seis.
As instruções ao lado tornam claro que o problema pergunta qual o volume de
um tronco de pirâmide quadrada com altura de seis unidades, se as arestas das bases
superior e inferior medem duas e quatro unidades, respectivamente. O escriba indica
que se deve tomar os quadrados dos números dois e quatro e adicionar à soma desses
quadrados o produto de dois por quatro, o resultado sendo 28. Esse é então
multiplicado por um terço de seis; e o escriba conclui com as palavras: "Veja. é 56;
você achou-a corretamente". Isto é, o volume do tronco foi calculado de acordo com a
fórmula moderna:
v= (
h 2
3
a + ab + b 2 ) ,
onde h é a altura, a e b são os lados das bases quadradas. Essa fórmula não aparece
escrita em lugar algum, mas em substância era conhecida pelos egípcios. Se, como se
faz no documento de Edfer, se toma b = 0, a fórmula se reduz à fórmula familiar, um
terço da área da base vezes a altura, para o volume da pirâmide.
Como os egípcios chegaram a esses resultados não se sabe. Uma origem
empírica para a regra sobre o volume da pirâmide parece possível, mas não para a do
tronco. Para esse uma base teórica é mais provável; sugeriu-se que os egípcios tenham
procedido nesse caso como nos do triângulo isósceles e do trapézio: podem ter
decomposto o tronco em paralelepípedos, prismas e pirâmides. Substituindo as
pirâmides e prismas por blocos retangulares iguais, um arranjo plausível dos blocos
conduz à fórmula egípcia, argumenta Boyer. O admirável é que encontramos o cálculo
do volume de um tronco de pirâmide, empregando a mesma fórmula correta dos
egípcios, no texto chinês os “Nove capítulos!
Tanto o Papiro Rhind como o de Moscou são textos-problemas da mesma
espécie que os textos chineses ou babilônicos. A mesma regra para o cálculo do
volume de um tronco de pirâmide ocorrer tanto em papiro egípcio como em texto
chinês é forte argumento para uma origem em comum.
Uma questão nos acomete: seria possível que a origem desta fórmula fosse um
texto babilônio? Acontece que a matemática e a astronomia babilônica são bem
conhecidas por centenas de textos cuneiformes. Nesses textos não se encontrou a
fórmula correta para o cálculo de volumes de troncos de pirâmides e cones, mas a
regra para pirâmides era conhecida dos egípcios e dos chineses, e a do cone dos
chineses. Desse modo, parece que temos que considerar alguma fonte pré-babilônica.
Em um Papiro do Cairo, escrito no terceiro século A.C. e publicado por
R.A.Parker, para calcular a área de um círculo o escriba inscreve nele um triângulo ou
quadrado, cuja área sabe encontrar com facilidade, e calcula as áreas dos segmentos
de círculo restantes pela fórmula incorreta:
1
F = ( s + a) a .
2
Nesta fórmula s é corda do segmento, a é a sua flecha, e F é a sua área.
Em 1086 D.C. o cientista chinês Shen Kua escreveu um livro denominado
Mêngh Chhi Than (Ensaios do Tanque dos Sonhos), onde tratava sobre quase toda a
ciência conhecida no seu tempo, e onde se pode encontrar muito material algébrico e
geométrico. No seu capítulo 18, onde Shen Kua explica um método para o cálculo do
arco que limita um segmento de círculo, figura a fórmula para o cálculo da área do
segmento de círculo,
110
F=
1
2
(sa + a 2 ) ,
que é equivalente à indicada anteriormente, utilizada no Papiro do Cairo.
O texto babilônico antigo BM 85194, escrito logo após o fim da dinastia de
Hamurabi, trata de problemas que envolvem segmentos de círculo. Embora esta
fórmula não figure explicitamente (pois o cálculo da área do segmento apresentado é
ininteligível), a articulação dos problemas, os desenhos e o método de solução estão
intimamente correlacionados com os do Papiro do Cairo. Em todos os casos o objeto
de investigação é o segmento de círculo, e uma das principais ferramentas é o teorema
de Pitágoras.
Essa mesma fórmula ocorre na "Métrica", de Heron de Alexandria (séc. I
D.C.), que a atribui aos "antigos", reconhecendo-a como inexata e procurando
aperfeiçoá-la.
"Como princípio geral, se alguém encontra a mesma correta regra geral de
cálculo em várias civilizações, sempre tem que levar em conta a possibilidade de
invenção independente, mas se a regra é incorreta, a invenção independente é quase
impossível. Então nós somos forçados a supor que a fórmula chinesa e sua
equivalente, usada no Papiro do Cairo e mencionada por Heron, derivam de uma
origem comum [pré-babilônica]. " (Van der Waerden:40).
8.2.1 Pitágoras
Como vimos, hoje podemos afirmar, com base sólida, que o teorema de
Pitágoras era conhecido, tanto pelos babilônios como pelos chineses, muito antes do
seu nascimento, e provavelmente também pelos construtores megalíticos, pelos
egípcios e pelos hindus.
Seidenberg apontou a existência de notáveis similaridades entre a necessidade
de reprodução de altares da mesma forma e magnitude na Índia e na Grécia que, por
motivos rituais, envolviam punições divinas se a construção não fosse exata. Na
Grécia, isto conduziu ao famoso "problema de Delos", da duplicação do cubo;
enquanto que na Índia o importante não era o volume do altar, mas a sua área. Nos
dois casos o passo fundamental para a solução do problema era: construir um
quadrado igual em área a um retângulo.
Para resolver este problema, exatamente a mesma solução era empregada na
Grécia e na Índia, solução baseada no teorema de Pitágoras. Cabe notar que as idéias
acerca da importância religiosa das construções geométricas eram muito similares em
ambos os países.
Como sabemos, a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg afirma que uma
única fonte no Neolítico influenciou as correntes principais da matemática da
antigüidade, e que esta tradição se dividiu em duas outras grandes tradições: uma
geométrica ou construtiva, que influenciou os hindus e os gregos (bem como
provavelmente os construtores megalíticos e os egípcios), outra algébrica ou
computacional, que se transmitiu por babilônios e chineses. Também aponta os indo-
europeus como o povo responsável por esta fonte comum.
111
Onde, então, Pitágoras poderia ter tido acesso ao conhecimento do teorema
que hoje leva o seu nome? Que Pitágoras visitou o Egito é consenso entre os autores
antigos. As biografias mais recentes, como as de Diógenes Laertius (séc. III D.C.), de
Porfírio (234-c.305 D.C.) e de Jâmblico (c.250-c.325 D.C.) insistem na veracidade
dessa visita. O mesmo atesta Isócrates (436-338 A.C.), que nasceu poucas gerações
após Pitágoras, e por essa razão o seu testemunho se deve basear na tradição oral
próxima.
Quanto à visita à Babilônia, sabe-se que Cambises invadiu o Egito em 525
A.C., e que nessa ocasião deportou Pitágoras para a Babilônia, como prisioneiro,
segundo Jâmblico. O relato de Porfírio sobre a estada na Babilônia tem por base uma
informação de Aristoxeno (contemporâneo de Aristóteles-séc. IV A.C.). A visita à
Babilônia não é tão certa quanto ao Egito, não havendo unanimidade entre os
entendidos. Por outro lado, era comum os gregos clássicos viajarem até o Egito e a
Pérsia, logo não seria nada surpreendente se Pitágoras realmente tivesse empreendido
essas viagens. É possível que nessa ocasião tomasse conhecimento do teorema que
hoje leva o seu nome.
Já a propalada viagem até a Índia parece muito menos verossímil, nem os seus
biógrafos a citam. Com isto procuramos estabelecer o pano de fundo para discutirmos
a tradicional atribuição a Pitágoras do Teorema que hoje porta o seu nome.
Nos Elementos de Euclides, o teorema de Pitágoras aparece como a
proposição 1,47. Em seu comentário à essa proposição, Proclus ( 412-485 D.C.), que
tinha acesso à História da Matemática escrita por Eudemo de Rodes (séc. IV A.C.),
escreve: "se nós ouvirmos aqueles que desejam narrar a história antiga, podemos
encontrar alguns deles referindo-se a este teorema como de Pitágoras, e dizendo que
ele sacrificou um boi em honra desta descoberta", continuando cautelosamente: "mas
por minha parte, enquanto eu admiro aqueles que primeiro observaram a verdade
deste teorema..." .Como podemos notar, a atribuição da descoberta do teorema a
Pitágoras, por Proclus, é feita com todas as ressalvas possíveis, o que nos faz crer que
não se apoiava na autoridade de Eudemus.
Plutarco (nasceu c. 42 D.C.), Athenaeus ( c. 200 D.C.) e Diógenes Laertius,
todos citam os versos de Apolodoro,"o calculador": "quando Pitágoras descobriu
aquela famosa proposição, em honra (strength) da qual ofereceu um esplêndido
sacrifício de bois" ( Heath: History,p.133).
A data de Apolodoro é desconhecida, porém é possível que seja anterior a
Cícero (106-46 A.C.), que cita a história da mesma forma, sem especificar a que
descoberta geométrica se refere, porém acrescentando que não acreditava no
sacrifício, pois o ritual pitagórico proibia oferendas em que sangue era derramado.
Plutarco questiona se o sacrifício foi feito por ocasião da descoberta do
teorema ou da solução do problema de "aplicação de uma área" (espécie de solução
geométrica de equações do segundo grau), mas não há nada que sugira que ele tinha
qualquer hesitação em atribuir ambas as descobertas a Pitágoras.
Como vemos, as evidências históricas da atribuição da descoberta deste
teorema a Pitágoras são bastante magras, quase todas fundamentando-se na tradição
de Apolodoro; porém a tradição em atribuir a descoberta ou demonstração deste
teorema a Pitágoras é bastante persistente, o que nos leva a concluir que o sábio
alguma coisa tem que a isso o relacione. .
Note-se que a demonstração atribuída à Pitágoras é desconhecida, pois a
escola pitagórica proibia a divulgação dos resultados obtidos pelos seus membros,
além de instituir o costume de atribuir todas as suas descobertas ao seu fundador.
112
Quanto ao sacrifício do boi, já Cícero desconfiava da veracidade da lenda.
Diversos autores confirmam que os discípulos de Pitágoras, seguindo os ensinamentos
do mestre, evitavam sacrifícios sangrentos. "Pitágoras proibia o sacrifício de vítimas
aos deuses, e consentia somente que se venerasse o altar puro de sangue" (Diógenes
Laertius: 233). Pitágoras acreditava na teoria da metempsicose (transmigração das
almas), segundo a qual as almas dos homens poderiam, após a morte, habitar os
animais. Era, portanto, coisa abominável matá-los ou comê-los (Diodoro: Barnes:87).
Uma observação notável: a outro filósofo grego também é atribuído um
sacrifício de bois. "Pamphilo diz que Tales, que aprendeu geometria dos egípcios, foi
o primeiro a inscrever em um [semi] círculo um triângulo (o qual seria) retângulo, e
que ele sacrificou um boi (em honra da descoberta)"(Diógenes Laertius;
Heath:History:131). Pamphilo viveu no reinado de Nero (54-68 D.C.), sendo portanto
uma autoridade tardia. Já se argumentou que Diógenes Laertius provavelmente
misturou as histórias, confundido os sacrifícios citados por Apolodoro e Pamphilo,
bem como as diferentes proposições geométricas.
Jâmblico e Porfírio contam que Pitágoras se encontrou com Tales, já avançado
em idade, o qual lhe transmitiu alguns ensinamentos e lhe recomendou que fosse ao
Egito, como ele próprio fizera na juventude, para aprender com os sacerdotes. Em
qualquer caso, a história toda tem alguns fatores em comum que não podem ser
negligenciados: "alguém", ao descobrir determinada proposição geométrica,
sacrificou um boi ou diversos.
A proposição geométrica em pauta também tem algumas coisas em comum:
no caso de Tales, triângulo inscrito em [semi] círculo é triângulo retângulo, no de
Pitágoras, num triângulo retângulo a soma do quadrado da hipotenusa é igual à soma
dos quadrados dos catetos. Em ambos os casos, trata-se de triângulo retângulo que,
em última análise, se reduz a uma instância do número três. Há, portanto, indícios que
nos levam a supor que exista fundo lendário comum que diz algo como: "alguém”, ao
descobrir a famosa proposição, que está relacionada com triângulo retângulo ou
instância do número três, sacrificou um ou vários bois”.
O número três, dentro da concepção do mundo dos indo-europeus,
desempenhava papel fundamental, como veremos posteriormente. Já mencionamos a
importância desempenhada pelas triplas pitagóricas e pelo próprio teorema de
Pitágoras, dentro da tradição matemática arquitetada por Van der Waerden, a qual
seria a origem das principais correntes matemáticas da antigüidade.
Nesse ponto de vista, como já desconfiava Cícero, o sacrifício sangrento não
foi efetuado por Pitágoras, nem mesmo por Tales, mas pertence ao fundo lendário
comum, que, se aceitarmos a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, está ligado
aos povos indo-europeus. Não seria a primeira vez que atributos mitológico-lendários
seriam vinculados a pessoas históricas. Já sabemos que essa descoberta deve ter sido
feita antes de Hamurabi, pois nesse tempo já estava incorporada a manuais
matemáticos, tipo problemas-texto, babilônicos. Sabemos também que quem fez essa
descoberta era matemático e provavelmente sacerdote capacitado a efetuar sacrifícios.
Com base nesses argumentos, seria bem possível que a mitologia indo-
européia se preocupasse com algo que envolvesse o número três e sacrifício de gado.
Buscando nessa direção, pelo menos um exemplo concreto pudemos localizar. Diz
respeito a incursões em busca de gado. Correspondências léxicas permitem reconstruir
expressões proto-indo européias para "incursões em busca de gado" e sacrifício de
cem bois" (a palavra grega hekatómbe, refere-se ao sacrifício de cem bois).
Um extenso estudo do papel do gado na sociedade e crenças dos indo-
iranianos, permitiu a Bruce Lincoln sugerir a importância fundamental do gado na
113
economia e religião indo-européia antiga. De evidências mitológicas primeiramente
obtidas de fontes iranianas e indianas, mas também dos gregos, dos romanos, dos
germanos, dos celtas e hititas, Lincoln reconstituiu um mito indo-europeu da primeira
incursão atrás de gado.
Esse diz respeito a uma figura heróica *Trito (terceiro,três) (védico Trita
Aptya, avesta Thraetona Athwya, grego Herakles, norueguês Hymir, hitita Hupasiya)
que perde o seu gado para um monstro de três cabeças, normalmente serpente, o qual,
pelo menos na tradição indo-iraniana, está associado com populações locais não indo-
européias. Em outro encontro, *Trito, com o auxílio do deus guerreiro derrota o
monstro de três cabeças e recobra o seu gado. Esse mito envolvia o sacrifício de um
homem e um boi, de cujas partes o mundo foi criado.
Podemos tentar estabelecer um paralelo entre a derrota do monstro de três
cabeças e a descoberta da proposição que envolve um triângulo (instância do número
três). A descoberta equivaleria a uma derrota do desconhecimento (o monstro de três
cabeças ?). Em homenagem a isso, seria feito o sacrifício ritual de um homem e um
boi. O sacrifício humano não era comum entre os antigos indo-europeus, embora
evidências dele possam ser encontradas entre os celtas, os germanos e os minóicos.
Entre os gregos parece não ter sido praticado, principalmente nos tempos de
Pitágoras. Mas o do boi sim.
O interessante é que instâncias do número três aparecem tanto no nome do
herói *Trito (terceiro) como no do vilão: o monstro de três cabeças. Podemos
localizar este episódio dentro da linha de tradição oral de construções geométricas
com aplicações rituais, enquadrando-se na estrutura que Van der Waerden arquitetou
para a transmissão de conhecimentos a partir da fonte neolítica comum.
Em resumo, o conhecimento desse teorema é muito anterior a Pitágoras,
remontando no mínimo aos babilônios da dinastia de Hamurabi, aos chineses dos fins
do segundo milênio A.C. e provavelmente aos construtores megalíticos da Europa. É
provável que Pitágoras tomasse conhecimento dele, talvez, em uma das suas viagens,
porém que não efetuou sacrifício sangrento de bois em sua homenagem parece
insofismável. Este episódio, como vimos, pode ter sido transposto de algum mito de
fundo indo-europeu, ou talvez recordação de sacerdote-matemático notável do
neolítico, que o descobriu.
De qualquer maneira, toda essa argumentação vem reforçar a hipótese de Van
der Waerden-Seidenberg sobre a origem comum das principais correntes matemáticas
da antigüidade, na qual o teorema de Pitágoras e as triplas Pitagóricas
desempenhavam papel primordial. Também sua atribuição aos indo-europeus parece
reforçada com essa interpretação do episódio.
( a − 1)
1 2
y=
2
z = ( a 2 + 1)
1
2
114
Este método se origina de que z - y = 1 e z + y = a 2 , deste modo a equação
(z + y)(z − y) = x 2 é satisfeita. Assim todas as triplas onde z - y = 1 podem ser obtidas
com este método. É um caso particular do método chinês.
Proclus também menciona um método atribuído a Platão, o qual começa com
número par, sendo as triplas escritas como:
x = 2c
y = c2 − 1
z = c2 + 1
Neste caso temos z - y = 2 e z + y = 2 c 2 . Podemos obter todas as triplas que
atendam a z - y = 2 com este método.
Os dois métodos são complementares, juntos fornecem todas as triplas
pitagóricas.
Existe ainda o método de Diofante, que já estudamos, e é equivalente ao
método chinês para o cálculo de triplas pitagóricas. Vale a pena observar que o
método de Diofante (c. 250 D.C.) para o cálculo de triplas é o mesmo método
empregado pelo matemático hindu Brahmagupta (c.625 D.C.) para construir
triângulos retângulos com lados racionais. Acredita-se que neste ponto Brahmagupta
não foi influenciado por Diofante; provavelmente deve ter tido acesso a uma tradição
antiga, talvez a mesma que Diofante acessou.
O algoritmo euclidiano é processo que se emprega para encontrar o máximo
divisor comum de dois números inteiros positivos, e é assim denominado porque é
encontrado no início do Livro VII dos Elementos de Euclides.
Porém, no Capítulo I da obra chinesa "Os Nove capítulos", quando aparece a
regra para simplificar frações da forma m/n, encontramos uma descrição deste
algoritmo. Tanto os chineses como os gregos procediam do mesmo modo: reduziam o
par de números (m,n) por subtrações alternadas até que se tornassem iguais, então
dividiam m e n pelo divisor comum resultante.
Os gregos dispunham de sistema de contagem decimal, e operavam com
frações do mesmo modo que os chineses. Tanto os gregos como os chineses usavam o
ábaco, e ordenavam grandes números de acordo com as potências de 10000. A
explicação destas similaridades parece apontar para uma origem comum entre estas
duas correntes, a chinesa e a grega.
5,12,13 12,35,37
7,24,25
Podemos constatar facilmente que as triplas das duas primeiras colunas podem
ser obtidas com o auxílio das regras atribuídas a Pitágoras e a Platão. A tripla da
terceira coluna é três vezes a tripla (5,12,13). Em todas essas triplas z-y é pequeno, o
que torna o cálculo das triplas por meio de ( z + y)( z − y) = x 2 bastante fácil. Já triplas
como (20,21,29), onde z - y = 8, que não é tão pequeno, não são mencionadas.
Poderíamos perguntar se Baudhayana ou um dos seus antecessores não
poderia ter descoberto essas triplas empiricamente, medindo lados de triângulos. Por
diversas razões, isto não é provável.
z 2 − y 2 = ( z + y)( z − y) = x 2
118
Fig. 8.1 Forma do altar básico
119
"Ele quem deseja os céus deve construir o altar-falcão; pois o falcão é quem
melhor voa entre os pássaros; assim ele (o sacrificante) próprio tendo se tornado um
falcão voa para o mundo celestial.", diz o Sulvasutra, justificando assim a forma do
altar.
Por que a forma era importante? Podemos aventar uma justificativa. "Ele quem
deseja os céus deve construir o altar-falcão". Por que? Por ação ritual, temos a
seguinte equação:
Falcão = Altar
Sacrificante = Altar
e dessa maneira temos Sacrificante = Falcão; assim ele pode voar para os céus. É
óbvio, neste ponto de vista, que se o falcão não for bem feito, não poderá voar, e o
sacrificante não irá atingir os céus. Daí a justificativa da importância da forma.
Eram, na sua maioria, compostos de cinco camadas de tijolos, que juntas
atingiam a altura do joelho. Em alguns casos dez ou quinze camadas eram prescritas,
e a altura aumentava proporcionalmente. Muitos, embora não todos, tinham uma
superfície nivelada e de acordo com a forma e a área desta eram nominados. O altar
em forma de falcão básico tinha área de 7 1/2 purushas quadradas. A palavra
"purusha" significa "homem" e era uma medida linear, equivalente a altura de um
homem com seus braços levantados para cima (c. 2,28 m) e, também, medida de área
(c. 5,2 m2).
Cada um das cinco camadas do altar védico era constituída de 200 tijolos de
várias formas. As camadas ímpares, um, três e cinco tinham o mesmo arranjo; as
pares, dois e quatro, tinham o seu. Além disso, era requerido que, exceto no contorno
do altar, a extremidade de cada tijolo não coincidisse com a do que estava embaixo.
O corpo do altar em figura de falcão geralmente era formado por quadrado de
2x2 (quatro purushas quadradas), as asas e a cauda eram formadas cada uma por
quadrado de um purusha. Para que essa forma ficasse mais parecida com um falcão,
as asas eram aumentadas de um quinto de purusha cada, e a cauda de um décimo de
purusha. Essas deveriam ser as dimensões e a forma do altar-falcão quando fosse
construído pela primeira vez.
Na segunda vez que este altar fosse construído, a sua área deveria ser
aumentada de um purusha quadrado, ou seja, ficaria com 8 1/2 purushas quadrados;
na terceira vez, outro purusha quadrado é adicionado e assim por diante, até que o
altar atingisse 101 1/2. É claro que o sacrificante está subindo uma escada,
ascendendo na hierarquia, o seu nível hierárquico determina a área ou por ela é
determinado.
Na construção de altares maiores, de 8 1/2, 9 1/2, ...., a mesma forma do altar
básico (7 1/2) deve ser mantida; para isto o problema de encontrar um quadrado de
área igual a dois quadrados dados está explicitamente envolvido, bem como o de
converter um retângulo em um quadrado. Na sua solução empregavam o teorema de
Pitágoras.
Portanto o problema básico enfrentado nos Sulvasutras era: dado um altar em
forma de falcão, com área de 7 1/2 purushas quadradas, construir um altar com
exatamente a mesma forma, tendo uma área de 8 1/2 purushas. Na sua solução
aparece o problema de construir um quadrado de área igual a de um retângulo.
Segundo Van der Waerden (p.12), este problema é resolvido pelos mesmos
dois passos que Euclides emprega nos seus Elementos Em primeiro lugar, o retângulo
120
é transformado numa diferença entre dois quadrados, e em seguida esta diferença é
igualada a um quadrado por meio do teorema de Pitágoras.
Como esta construção era conhecida pelo autor do Sataphata Brâhmana, que
viveu antes de 600 A.C., não pode ter sido influenciada pela geometria grega.
Enquanto para os gregos variava o volume, para os hindus era a área que sofria
variação; porém, em ambas as civilizações, a forma do altar deveria manter se
constante.
Os primórdios do sistema de sacrifício Védico podem ser rastreados pelo
menos até o tempo do Rig-Veda (2000-1500 A.C.). O Rig-Veda menciona não
somente o vedi, o terreno sacrificial, mas também a disposição tripartite do agni, o
altar de fogo. A descrição da disposição dos três fogos, conforme narra o Sulvasutra,
envolve a construção de linhas retas, de triângulos (de formas prescritas), de círculos e
quadrados.
O Sataphata Brâhmana indica que o aumento de área do altar, com a
manutenção da forma prescrita, deveria ser feito por meio de construções exatas:
"Ele ( o sacrificante) assim expande (a asa) de tanto quanto ele a
contrai, e assim, na verdade, ele nem excede (o seu tamanho próprio) ou (ele
nem) o faz muito pequeno."
"Aqueles que privam o agni (altar) de suas verdadeiras proporções
sofrerão o pior para sacrificar" ( Van der Waerden:13).
A idéia de que sofrimentos enviados pelos deuses poderiam ser evitados, se
uma construção exata fosse efetuada, também ocorre nos textos gregos, como tivemos
oportunidade de constatar.
Seidenberg acredita igualmente que os hindus, em alguns casos, também
dobravam o volume de seus altares para combater ou evitar pragas. Como vimos, o
altar básico era constituído de cinco camadas de tijolos, mas, em algumas ocasiões,
dez ou quinze eram requeridas. Construir um altar com dez camadas significa dobrar
o volume do de cinco. O problema é que os textos não mencionam o uso do altar de
dez camadas para isso; portanto esta tese ainda não está comprovada.
2
2 − 1
2
6
1 + = 4 ou = = 3,088...
3 2+ 2
122
CAPÍTULO IX
CONCLUSÕES
Léon Tolstoi
Conclui que o núcleo proposto se adapta bastante bem aos problemas chineses
e aos Elementos de Euclides. A adequação desse núcleo ao corpo babilônico não foi
estudada no trabalho citado.
As três primeiras linhas são obscuras, mas as duas últimas nos fornecem
sucintamente a finalidade da escola: transformar o homem inculto e ignorante num
homem de estudo e saber.
Pela manhã, quando na sua chegada à aula, o aluno estudava o tablete que
preparara na véspera. A seguir, o "grande irmão" (o professor assistente) preparava
nova placa, que o estudante devia copiar e estudar. A seguir o "grande irmão" e o "pai
da escola" provavelmente examinavam as cópias para verificar se estavam corretas.
O ensaio denominado "Os Tempos da Escola", composto por volta de 2000
A.C., nos fornece vívida descrição da vida escolar naqueles tempos. Mostra que a
natureza humana e a vida de estudante pouco mudaram no transcorrer destes quatro
mil anos, constituindo um dos mais humanos documentos descobertos no Oriente
Médio. Começa com o professor-autor perguntando ao aluno o que tem feito na
escola:
Recitei a minha tábua, almocei, preparei a minha nova tábua, escrevi-
a, terminei-a; depois apresentaram-me as tábuas de recitação; e à tarde
trouxeram-me as minhas tábuas de exercícios. No fim da aula, fui para a casa
e encontrei o meu pai. Expliquei (?) as minhas tábuas de exercícios ao meu
pai, recitei-lhe a minha tábua e ele ficou deliciado, pois enchi-o de alegria.
O autor faz agora o estudante dirigir-se aos criados (evidentemente tratava-se
de uma casa abastada):
127
Tenho sede, dá-me água para beber; tenho fome, dá-me pão para comer;
lava-me os pés, faz-me a cama que quero ir-me deitar. Acorda-me de manhã
bem cedo para não chegar tarde senão o professor bater-me-á com a cana.
O que ainda é a rotina diária da vida de estudante. Continua:
Quando me levantei de manhãzinha, encarei a minha mãe e disse-lhe:
"Dê-me o meu almoço, quero ir para a escola ! " A minha mãe deu-me dois
pãezinhos e fui para a escola. Na escola o vigilante encarregado de verificar
a pontualidade disse: "Por que chegaste atrasado?" Temeroso e com o
coração a bater, apresentei-me ao professor e fiz-lhe uma vênia respeitosa.
Mesmo assim não foi um bom dia para o nosso estudante, como se recorda
nostalgicamente:
O meu professor leu a minha tábua, disse:
"Falta aqui qualquer coisa, bateu-me com a cana.
(seguem-se duas linhas inintelígiveis)
O vigilante encarregado da limpeza disse:
"Andaste na rua e não arranjaste (?) as tuas roupas (?)",
bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado da assembléia (?) disse:
"Por que falaste sem autorização", bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado do bom comportamento disse:
"Por que te levantaste sem autorização", bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado do portão disse:
"Por que saíste sem autorização", bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado do (idioma) sumérico disse:
"Por que não falaste sumério", bateu-me com a cana.
O meu professor (ummia) disse:
"A tua ortografia não é satisfatória", bateu-me com a cana.
A única diferença com os tempos modernos talvez seja a ausência da cana. É
óbvio que passou a detestar a escola:
( E assim ) eu ( comecei) a odiar a arte do escriba ( e comecei a)
negligenciar a arte do escriba. O meu professor não sentiu nenhum prazer
comigo; deixou de me preparar nos assuntos (essenciais ) à arte (de ser) um
"jovem escriba" ou à arte de ser um "grande irmão".
O aluno, desesperado, diz ao pai:
Dá-lhe algum salário suplementar (e) que ele fique mais bondoso (?);
deixa-o ficar ( durante algum tempo) livre da aritmética (?); ( quando)
verifica os trabalhos dos estudantes, que me corrija ( também a mim, isto é,
que não continue sem me ligar importância).
Deste ponto em diante é o próprio autor que descreve os acontecimentos,
como se deles tivesse participado:
Àquilo que o aluno disse o pai prestou atenção. Convidou o professor
e, quando este entrou na casa, fizeram-no sentar na "cadeira grande". O
estudante rodeou-o de atenções e serviu-o, e tudo o que sabia da arte do
escriba expôs ao pai. Então, o pai, de coração jubiloso, disse ao professor da
escola: "O meu rapaz abriu a mão e tu fizeste com que o saber lá entrasse;
mostraste-lhe todos os aspectos delicados da arte de escriba; fizeste-lhe ver as
soluções dos problemas de matemática e de aritmética, ensinaste-o a
aprofundar (?) a escrita cuneiforme (?).
O autor passa a palavra ao pai, que fala para a criadagem:
128
Deitem-lhe óleo "irda", tragam-no para a mesa. Façam com que o
óleo corra como água sobre o seu ventre e costas; quero que o vistam com
uma roupa, lhe dêem algum salário extra, lhe ponham um anel no dedo.
Cumpridas as tarefas, o professor diz ao estudante:
Jovem, (porque) não desprezaste minhas palavras completarás a arte
de escriba desde o princípio até o fim. Porque me deste tudo sem poupar, me
pagaste um salário maior do que mereço (e) me honraste, que Nidaba, a
rainha dos anjos da guarda, seja teu anjo da guarda; que o teu estilete afiado
escreva bem; que os teus exercícios não tenham erros, (...)
É um estudo da natureza humana, com quatro mil anos de idade. É difícil
decidir apenas a partir deste ensaio se os pedagogos eram sádicos ou os alunos
desordeiros e grosseirões. É mais provável que, pelo menos em parte, o último caso
seja verdadeiro, pois temos exemplos do comportamento nada exemplar dos alunos
em outros ensaios.
9.4 Conclusões
y = (a 2 − b 2 )
1
2
z = (a 2 + b 2 )
1
2
129
(z − y)(z + y) = z 2 − y2 = x 2 .
Com o conhecimento do teorema de Pitágoras é possível calcular triplas
pitagóricas, porém elas podem ser calculadas sem se conhecer esse teorema. Os
nossos engenheiros, físicos e artesãos têm muitas oportunidades de empregar o
teorema de Pitágoras nas suas profissões. Já o mesmo não pode ser dito das triplas
pitagóricas. Encontrar, portanto, triplas pitagóricas associadas ao teorema de
Pitágoras em quatro civilizações antigas é algo verdadeiramente extraordinário, o
que nos permite concluir que uma origem comum é altamente provável.
Um ponto de vista enganoso, embora extraordinariamente difundido, é que os
vários povos da terra percorreram o seu caminho até onde estão agora completamente
sem cultura e lá, sem comunicação mesmo com os vizinhos, construíram a cultura que
atualmente possuem.
Em ciência, as descobertas simultâneas e independentes são extremamente
raras. Na matemática, a descoberta das geometrias não-euclidianas por Gauss, Bolyai
e Lobatchevski e a invenção do calculo por Newton e Leibniz, constituem exemplos
praticamente únicos. Além disso, todos eles dispunham de meios de comunicação e de
informação inexistentes na antigüidade, conheciam o trabalho dos seus precursores, e
habitavam uma região geográfica bastante restrita.
Quando um teorema realmente importante, como o teorema de Pitágoras, que
não é óbvio, evidente ou fácil, é conhecido em diversos países, amplamente
distanciados geograficamente, o melhor que podemos fazer é adotar a hipótese da
dependência. Se admitirmos isso como hipótese de trabalho, então os "elos perdidos"
começam a se tornar aparentes. As similaridades começam a se evidenciar e
principiamos a perceber as imbricações entre as civilizações.
Ao que parece, uma fonte comum desta tradição se situava algures na pré-
história, na sua acepção indicada, isto é, antes da invenção da escrita, no neolítico. Tal
fonte comum, transmitida oralmente, assentava em teoria matemática consistente, em
que o teorema de Pitágoras desempenhava papel fundamental.
Podemos, também, identificar duas correntes principais de transmissão dessa
fonte. A primeira era caracterizada por conjuntos de problemas com solução. É
identificada nos textos-problemas chineses e babilônios, bem como nos papiros
egípcios do Médio Império. A segunda corrente, provavelmente transmitida apenas
oralmente, pode ser constatada em construções geométricas, com aplicações rituais.
Encontramos traços dessa tradição nos hindus, nos gregos, nos estiradores de corda
egípcios e, talvez, nos construtores megalíticos.
Na primeira corrente, as triplas pitagóricas aparecem com um destaque
inusitado. Qual seria a razão disto ? Vimos que a corrente está representada nos textos
babilônicos e chineses, e que os textos chineses são os que parecem refletir melhor
essa tradição. O Capítulo 9 dos “Nove capítulos consiste em uma seqüência de
problemas sobre triângulos retângulos, todos com solução. Nesses problemas são
dados dois números e pede-se um terceiro, por exemplo um lado e a soma de dois
outros. Algumas vezes a solução pode ser encontrada com operações elementares,
outras vezes a extração da raiz quadrada é necessária. Em todos os problemas os
números são escolhidos de modo que a extração da raiz quadrada fornecesse número
racional. Para que os seus triângulos tivessem lados racionais, o autor tinha de saber
como obter triplas pitagóricas.
Portanto deve ter existido no neolítico uma tradição de ensino de problemas
de matemática por meio de seqüências de exercícios-padrões bem escolhidos, com
soluções racionais, que se espalhou pela Babilônia, pela Grécia, pelo Egito e China.
130
Essa tradição é, assim, a mais antiga manifestação de didática do ensino da
matemática de que se tem conhecimento, por ter-se originado antes mesmo da escrita,
transmitida que foi por via oral.
O que é particularmente impressionante é que até hoje o ensino da matemática
se processa mediante conjuntos de problemas escolhidos para terem soluções
racionais, o que mostra que, desde a pré-história, os professores de matemática se
preocupam com os aspectos psicológicos de ensino da matemática, evitando
problemas que conduzam a cálculos enfadonhos e que desestimulem os alunos a
aprendê-la. .
A nossa exposição pode parecer estranha e pouco ao gosto do matemático
profissional. Este com certeza censurará o grande número de "talvez", "é provável",
"pode ser" e outras expressões igualmente dúbias que permeiam o texto. Está
acostumado a andar em terreno firme, a construir argumentações de bases sólidas;
porém, quando se trata da pré-história, não existe outra maneira de proceder,
porquanto, na ausência de evidências escritas, só podemos esperar comprovações
indiretas ou parciais, nunca documentais. Para nos aventurarmos na pré-história
precisamos primeiro aprender a caminhar sobre pisos movediços e pantanosos.
O nosso relato é apenas parcial, existem na História da Matemática outros
pontos que evidenciam contatos entre as civilizações, como por exemplo os
algoritmos para o cálculo de raízes quadradas ou cúbicas, a construção de quadrados
mágicos, a solução das equações (e sistemas) lineares, a solução de equações
quadráticas, etc., porém a sua história não é tão conhecida como a do teorema de
Pitágoras e das triplas pitagóricas.
Muito trabalho resta. A importância da agricultura no desenvolvimento da
matemática neolítica ainda não foi suficientemente avaliada. Além disso,
comprovações provenientes de outras ciências (botânica, medicina, etc.) podem vir a
auxiliar na confirmação do núcleo desta hipótese, pois, com certeza, esta fonte
neolítica original não influenciou unicamente a matemática. Para encerrarmos, cabe
recordar que a Hipótese de Van der Waerden-Seidenberg ainda é hipótese de trabalho;
necessita, portanto, de confirmações posteriores; porém esse conjunto de evidências
vem-se mostrando cada vez mais coerente, bem como novas comprovações se vêm
agregando paulatinamente, o que nos permite acalentar a expectativa de que esta
conjectura, arquitetada por Van der Waerden, brevemente deixe de ser simplesmente
hipótese.
131
132
ANEXO I
A freqüência dos genes relativos aos grupos sangüíneos A,B e O foi levantada
em vários povo do mundo. Se nós distinguirmos entre quatro alelos A1 , A2 , B, O, as
seguintes freqüências relativas foram listadas (Cavalli-Sforza, L.L.;Edwards, A.W.F.:
Phylogenetic Analysis. Models and Estimation Procedures. Amer. J. Hum. Genet. 19,
233-257 (1967); apud Bastchlet, p. 509) :
x ki = f ki
Como
4
f
i=1
ki =1
x
i =1
2
ki =1
133
x 11 x 21 x 31 x 41
x 12 x 22 x 32 x 42
a 1 = a 2 = a 3 = a 4 =
x 13 x 23 x 33 x 43
x 14 x 24 x 34 x 44
Esquimó Bantu Ingleses Coreanos
a1 . a2 = a1 a2 . cos
134
ANEXO II
LÍNGUAS CENTUM
135
LÍNGUAS SATEM
LÍNGUAS ROMÂNICAS
136
Italiano Francês Espanhol Rumeno
LÍNGUAS CÉLTICAS
137
Irlandês Galês Córnico Bretão
1 oin un un eun
2 da dau dow diou
3 tri tri tri tri
4 cethir petwar peswar pevar
5 colc pimp pymp pemp
6 se chwe whe chouech
7 secht seith seyth seiz
8 ocht wyht eath eiz
9 noi naw naw nao
10 deich dec, deg dek dek
11 oin deec un ar dec ednack unneck
12 da deec dour ar dec dewthek daou-zek
13 tri deec tri ar dec trethek tri-zek
14 cethir deec petwar ar dec puzwarthak pevar-zek
15 coic deec hymthek pymthek pem-zek
16 se-deec un ar bymthek whettak choue-zek
17 secht-deec dou ar bymthek seitag seit-zek
18 ocht-deec deu naw eatag tri-(ch)ouech
19 noi-deec pedwar ar nawnzack naou-zek
bymthek
20 fiche ugeint ugans ugent
30 deich ar fiche dec ar ugeint dek warn ugans tregont
40 da fiche de-ugeint deu ugens daou ugent
50 deich ar da fiche dec ar de-ugeint hanter-cans hanter-kant
60 tri fiche tri ugeint try ugens tri ugent
70 deich ar tri fiche dec ar tri-ug dek warn try ugens dek ha tri ugent
80 ceithri fiche pedwar-ugeint peswar ugens pevar ugent
90 deich ar ceithri dec ar pedwar-u dekwarn peswar dek ha pevar
fiche ugens ugent
100 cet cant cans kant
1000 mile mil myl mil
138
LINGÜAS GERMÂNICAS
139
LÍNGUAS GERMÂNICAS MODERNAS
140
ALEMÃO E GÓTICO
141
LÍNGUAS ESLAVAS
142
LÍNGUAS INDO-ARIANAS
143
LÍNGUAS IRANIANAS
(*) Notável é a semelhança fonética do português onze e doze com o taliche: yonza
e donza.
LÍNGUAS DIVERSAS
144
LÍNGUAS NÃO INDO-EUROPÉIAS
(1) O limite de contagem para os Bascos era evidentemente 100, pois a palavra para
mil, milla, é um empréstimo do latim, tomado dos romanos.
(2) Como no caso dos bascos, as palavras etruscas são completamente estranhas e não
mostram similaridade com qualquer língua familiar.
145
LÍNGUAS ORIENTAIS
Japonês Coreano
146
LÍNGUAS FINO-ÚGRICAS E TURCO
147
ANEXO III
150
151
ANEXO IV
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
156
157