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ORIGENS DA MATEMÁTICA

MANOEL DE CAMPOS ALMEIDA

EDITORA
CHAMPAGNAT
Para minha esposa Jussara,
e meus filhos Renato, Roberto
e Leonardo.

ii
SUMÁRIO

CAPÍTULO I 1

A HIPÓTESE DE VAN DER WAERDEN-SEIDENBERG 1

1.1 PRELIMINARES 1
1.2 SIMILARIDADES ENTRE CIVILIZAÇÕES ANTIGAS 2
1.3 TRIPLAS PITAGÓRICAS 3
1.3.1 CONSTRUÇÃO DE TRIPLAS PITAGÓRICAS 3
1.4 A TRANSMISSÃO DA TRADIÇÃO 5
1.5 AS ORIGENS DA MATEMÁTICA 6
1.6 A ANTIGÜIDADE DO SABER 7
1.7 HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA 9
NOTAS AO CAPÍTULO I 11

CAPÍTULO II 12

A MATEMÁTICA NA PRÉ-HISTÓRIA 12

2.1 PRELIMINARES 12
2.2 SENSO NUMÉRICO 13
2.3 CONTAGEM PRIMITIVA 15
2.4 ORIGENS DO CONCEITO DE NÚMERO 17
2.5 PALAVRAS PARA NÚMEROS 20
2.6 CÔMPUTO DIGITAL 22
2.7 FORMAS, ÁREAS E VOLUMES 23

CAPÍTULO III 28

MATEMÁTICA MEGALÍTICA 28

3.1 MONUMENTOS MEGALÍTICOS 28


3.2 SINOPSE HISTÓRICA DA CIÊNCIA MEGALÍTICA 31
3.3 ALEXANDER THOM 35
3.4 UNIDADES DE MEDIDA MEGALÍTICAS 36
3.5 OUTRAS UNIDADES DE MEDIDAS ANTIGAS 39
3.6 GEOMETRIA MEGALÍTICA 40
3.6.1 TIPOS DE CÍRCULOS MEGALÍTICOS: 41

CAPÍTULO IV 46

OS INDO-EUROPEUS 46
iii
4.1 INTRODUÇÃO: 46
4.2 O PROBLEMA INDO-EUROPEU - SINOPSE HISTÓRICA 46
4.3 ORIGENS DAS LÍNGUAS 51
4.4 PROCESSOS DE DIFUSÃO LINGÜÍSTICA 54
4.5 O MODELO DE RENFREW 56
4.6 CONFIRMAÇÕES DO MODELO DE RENFREW 59
4.6.1 CONTRIBUIÇÕES LINGÜÍSTICAS 59
4.6.2 CONTRIBUIÇÕES DA GENÉTICA 62
4.7 AS LÍNGUAS INDO-EUROPÉIAS 65

CAPÍTULO V 73

A MATEMÁTICA BABILÔNICA 73

5.1 PRELIMINARES 73
5.2 TEXTOS MATEMÁTICOS BABILÔNIOS 79
5.3 O TABLETE PLIMPTON 322 82
NOTA AO CAPÍTULO 3 86

CAPÍTULO VI 89

MATEMÁTICA CHINESA 89

6.1 A MAIS ANTIGA DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA DE PITÁGORAS 89


6.2 OS ¨NOVE CAPÍTULOS SOBRE A ARTE MATEMÁTICA¨ 91
6.3 COMENTÁRIOS 99

CAPÍTULO VII 101

COMPARAÇÃO ENTRE A MATEMÁTICA 101


BABILÔNICA E A CHINESA
101
7.1 UM TEXTO DE PROBLEMAS BABILÔNICO 101
7.2 COMPARAÇÃO ENTRE A ÁLGEBRA CHINESA E A BABILÔNICA 105

CAPÍTULO VIII 107

AS MATEMÁTICAS EGÍPCIA, GREGA E HINDU 107

8.1 A MATEMÁTICA EGÍPCIA 107


8.2 A MATEMÁTICA GREGA 111
8.2.1 PITÁGORAS 111
8.2.2 ORIGEM COMUM 114
8.2.3 PROBLEMAS CÉLEBRES DA ANTIGÜIDADE GREGA 115
8.3 A MATEMÁTICA HINDU 117
8.3.1 TRIPLAS PITAGÓRICAS NA ÍNDIA 117
iv
8.3.2 GEOMETRIA E RITUAL NA ÍNDIA 119
8.3.3 A CIRCULATURA DO QUADRADO 121

CAPÍTULO IX 123

CONCLUSÕES 123

9.1 O PAPEL DAS TRIPLAS PITAGÓRICAS 123


9.2 CONTEÚDO DA TRADIÇÃO ORAL NEOLÍTICA 124
9.3 A ESCOLA SUMÉRIA 125
9.4 CONCLUSÕES 129
EXEMPLO DO CÁLCULO DA DISTÂNCIA GENÉTICA 133

ANEXO II 135

LÍNGUAS CENTUM 135


LÍNGUAS SATEM 136
LÍNGUAS ROMÂNICAS 136
LÍNGUAS CÉLTICAS 137
LÍNGUAS GERMÂNICAS 139
LÍNGUAS GERMÂNICAS MODERNAS 140
ALEMÃO E GÓTICO 141
LÍNGUAS ESLAVAS 142
LÍNGUAS INDO-ARIANAS 143
LÍNGUAS IRANIANAS 144
LÍNGUAS DIVERSAS 144
LÍNGUAS NÃO INDO-EUROPÉIAS 145
LÍNGUAS ORIENTAIS 146
LÍNGUAS FINO-ÚGRICAS E TURCO 147

ANEXO III 151

PRINCIPAIS LÍNGUAS INDO-EUROPÉIAS 148

ANEXO IV 152

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 152


v
INTRODUÇÃO

O motivo que nos levou a escrever este livro foi divulgar entre o público
interessado em matemática a hipótese de Van der Waerden sobre as origens da
matemática. Esta hipótese preconiza uma origem única, pré-histórica, para as
principais correntes da matemática da antigüidade: grega, hindu, chinesa, babilônica e
a dos construtores megalíticos.
É uma hipótese muito fecunda, que vem cada vez mais agregando
confirmações. Ela altera substancialmente a história da matemática da antigüidade,
como geralmente apresentada nos compêndios sobre o assunto. Hoje encontra-se
restrita a pequeno grupo de especialistas e a um punhado de artigos publicados em
revistas científicas, geralmente de difícil acesso ao público em geral. Até agora
ela vem recebendo atenções unicamente dentro da matemática.
Através de um tratamento multidisciplinar, é nossa intenção mostrar como ela
pode receber comprovações adicionais de outras áreas, insuspeitas até o momento. A
arqueologia, a lingüística e a genética, entre outras ciências, serão convocadas a
testemunhar em seu favor.
As rotas de transmissão do conhecimento matemático, bem como a sua
cronologia, serão objeto de tratamento especial. Indicaremos como hipóteses
adicionais complementam o seu panorama histórico, esclarecendo vínculos entre
civilizações anteriormente não imaginados.
Exporemos a importância da trifuncionalidade no pensamento indo-europeu,
bem como sua influência no desenvolvimento dessa corrente, contribuição nossa para
a elucidação de suas origens.
Demonstraremos que a introdução da agricultura atuou como fator motivador
do desenvolvimento da matemática, fato ao qual não se dá a atenção devida.
Igualmente é nossa intenção mostrar como o interstício existente na produção
de textos matemáticos babilônicos, inexplicado até hoje, pode ser esclarecido, sob a
ótica dessa hipótese.
Sob suas luzes, fatos mencionados pela tradição, como o sacrifício de um boi
por Pitágoras, na ocasião da descoberta do teorema que hoje leva o seu nome, podem
receber novas interpretações.

vi
Nessa perspectiva procuramos reduzir as exigências de conhecimento
matemático a um mínimo, de modo que qualquer pessoa, com formação matemática
equivalente, digamos, ao 1o grau, possa lê-lo com proveito. Material que exija noções
mais aprofundadas foi colocado sob a forma de notas complementares ou de anexos.

vii
AGRADECIMENTOS

Expresso meus agradecimentos ao Irmão Ireneu Martim, pela sua diligência


na decifração dos originais e por suas valiosas sugestões que contribuíram em muito
para a melhoria desta obra.

Agradeço, igualmente, ao Irmão Virgilio Josué Balestro, por seu precioso


auxílio na revisão desta obra, por seus conselhos inestimáveis e por seu esforço
abnegado na busca e tradução das citações latinas originais.

À minha esposa, Jussara, e aos meus filhos Renato, Roberto e Leonardo, peço
desculpas pelas incontáveis horas dedicadas à elaboração desta obra, roubadas do
convívio familiar, as quais, hoje reconheço, muito lhes fizeram falta.
CAPÍTULO I

A HIPÓTESE DE VAN DER WAERDEN-SEIDENBERG

"Um homem com uma nova idéia é considerado


um excêntrico até que sua idéia seja bem
sucedida."
Mark Twain

1.1-Preliminares

Era crença geral, até recentemente, que a História da Matemática principiava


com a aritmética, álgebra e geometria dos egípcios e dos Babilônios e que a
matemática nestas civilizações tinha sido criação própria, nativa, e tinha germinado
independentemente uma das outras. É neste contexto que a História da Matemática é
ensinada nos compêndios e que aprendemos com nossos mestres, ainda hoje. Contudo
três descobertas recentes alteraram esta perspectiva substancialmente.
A primeira delas, devida a A.Seidenberg foi publicada em 1962, sob o título A
Origem Ritual da Geometria, no Archiv of History of Exact Sciences. Estudando as
construções de altar prescritas nos Sulvasutras, manuais hindus antigos relativos à
construção de altares com forma e dimensões dadas, descobriu que nestes textos o
teorema de Pitágoras era empregado para construir um quadrado de área igual a um
retângulo, e que esta construção era a mesma empregada por Euclides nos seus
Elementos Conjugando este fato com outros, deduziu que a geometria hindu, a
álgebra geométrica grega, e a álgebra e a geometria babilônicas eram todas
originárias de uma mesma fonte comum, na qual o teorema de Pitágoras e a
construção de altares desempenhavam papéis primordiais.
A segunda descoberta foi feita por Bartel Leenert van der Waerden e
publicada em 1983, no seu livro Geometria e Álgebra nas Antigas Civilizações.
Comparou a antiga coleção chinesa de problemas Nove capítulos da Arte Aritmética
com coleções de problemas matemáticos babilônios, encontrando tantos pontos em
comum que a conclusão de que provinham de uma mesma fonte pré-babilônica lhe
pareceu inevitável. Do mesmo modo, nesta fonte o teorema de Pitágoras também
desempenha papel central.
A terceira descoberta foi efetuada pelos escoceses Alexander Thom e
Archibald S. Thom, pai e filho, que identificaram na construção de monumentos
megalíticos o emprego de Triângulos Pitagóricos, isto é, de triângulos retângulos
cujos lados são múltiplos inteiros de uma unidade de comprimento básico. É fato bem
conhecido que os babilônios possuíam uma lista de Triplas Pitagóricas, ou seja, de
três números inteiros que satisfazem o teorema de Pitágoras, como (3,4,5), e que os
gregos, os hindus e os chineses conheciam como encontrar estas triplas.
Combinando essas três descobertas, Van der Waerden arquitetou uma
reconstrução da matemática que teria existido no Neolítico, entre digamos 3.000 e
2.500 A.C., e se teria difundido da Europa Central para a Grã-Bretanha, para o
Oriente Médio, para a Índia e para a China. Hoje em dia, descobertas recentes
parecem indicar novos sentidos das rotas de difusão e maior antigüidade nessas datas,
como veremos posteriormente. Considera-se que os melhores exemplos desta corrente
1
matemática pré-histórica são encontrados nos textos chineses, embora diversos traços
de geometria e álgebra pré-babilônica possam ser discernidos nos trabalhos de
Euclides e de Diofante, bem como na matemática popular grega. Os gregos, embora
tivessem conhecimento dessa ciência antiga, transformaram-na completamente,
estabelecendo as origens da matemática formal atual, ciência dedutiva baseada em
definições, postulados e axiomas.
Além das evidências puramente matemáticas, que procuramos delinear aqui,
existem outras, talvez não menos importantes, de origem lingüística, antropológica,
mitológica e arqueológica.

1.2 - Similaridades entre civilizações antigas

Se compararmos as culturas e, em particular, as habilidades matemáticas e


astronômicas, dos construtores megalíticos da Europa Ocidental, dos egípcios, dos
gregos, dos babilônios, dos hindus e dos chineses encontramos muitas similaridades.
Van der Waerden resumiu-as no seguinte quadro:

1. Em todos as civilizações mencionadas encontramos:


• agricultura bem estabelecida, com excedente econômico que permitiu
a manutenção de classe dominante, que usufruía deste.
2. No Ocidente, na Grécia, na Fenícia e no Egito encontramos:
• construção de navios e navegação de mar aberto.
3. No Ocidente, na Grécia, na Ásia Menor, no Irã, na Índia e na China:
• línguas indo-européias (hitita na Ásia Menor, tocariano na China).
4. Na Grécia, no Egito, na Índia e na China:
• o sistema de contagem decimal completamente desenvolvido, bem
como regras para operações com frações m/n (no Egito somente 2/3,
3/4 e 1/n ).
5. Na Grécia e na China:
• o algoritmo euclidiano e o ábaco.
6. No Ocidente, no Egito e na Babilônia:
• astronomia de horizonte.
7. Na Grécia, na Babilônia, na Índia e na China:
• o teorema de Pitágoras.
8. No Ocidente, na Grécia, na Babilônia, na Índia e na China:
• triplas pitagóricas.
9. No Ocidente, na Grécia e no Egito:
• arquitetura megalítica.
10. No Ocidente e no Egito;
• orientação de templos segundo os solstícios de verão e de inverno.
11. Na Grécia e na Índia:
• construção de altares que satisfazem condições geométricas; castigo
dos deuses se as construções não fossem exatas; construção de
quadrado de área igual a retângulo dado.
12. No Ocidente, no Egito e na Índia:
• "estiradores de corda" que realizam construções geométricas com
finalidade ritual.
13.- No Egito, na Grécia e na China:
• uma única e incorreta regra para a área de um segmento de círculo.
2
14.- No Egito, na Babilônia e na China:
• coleções de problemas matemáticos com soluções.
15.- Na China e no Egito:
• a mesma e incorreta regra para o volume de pirâmide truncada.

Para Van der Waerden somente uma origem comum para a matemática e para
a astronomia dessas civilizações antigas pode explicar as suas interconexões e
similaridades.

1.3 Triplas pitagóricas

Iremos agora estabelecer algumas noções técnicas básicas, que empregaremos


ao longo da argumentação. O material a seguir é relativamente técnico, mas não
transcende o nível da matemática básica. O leitor não interessado nestes detalhes
pode pular para a próxima secção; retorne a ela se posteriormente sentir dificuldade
na compreensão de algum conceito matemático. O material mais difícil, ou que exija
maior conhecimento matemático, será exposto em notas ou nos anexos.
Triângulo retângulo é o triângulo no qual um dos seus ângulos é reto (=
o
90 ). Triângulo pitagórico é o triângulo retângulo cujos três lados são proporcionais
a números inteiros x, y e z.
De acordo com o teorema de Pitágoras, talvez o único teorema de que
todos se recordam dos bancos escolares, os números inteiros devem satisfazer a
equação:
1.1 x2 + y2 = z2

Tripla pitagórica é a tripla de números inteiros (x,y,z) que satisfazem a


equação 1.1 , por exemplo (3,4,5), pois

32 + 4 2 = 52

Uma tripla pitagórica é chamada primitiva se os três números inteiros x, y e


z não têm fator comum. A tripla (3,4,5) é primitiva, já as triplas (6,8,10) e
(15,20,25) não o são, pois são obtidas a partir da multiplicação de (3,4,5) por 2 e 5,
que são os fatores comuns.
Na tripla pitagórica primitiva, um dos números x ou y deve ser par e o outro
ímpar. Se ambos os números x e y forem pares, a tripla não é primitiva; se ambos
forem ímpares, a soma x 2 + y 2 não pode ser um quadrado (ver Nota 1, no final do
capítulo).

1.3.1 Construção de triplas pitagóricas

A construção de triplas pitagóricas primitivas requer apenas procedimentos


matemáticos simples. Podemos reescrever o teorema de Pitágoras (1.1) como
3
1.2 z 2 − y 2 = ( x − y)( x + y)

A partir daí podemos começar com qualquer inteiro x e resolver a


equação 1.2 para obtermos y e z . Este é problema indeterminado, pois temos duas
incógnitas e uma única equação, que se pode resolver por tentativas. Vamos
admitir que começamos com um número ímpar x = s.t (que, portanto, não é
quadrado perfeito). Temos então :

(z − y)(z + y) = s 2 t 2
Façamos:
( z − y) = s 2 z= (
1 2
2
s + t2)
1.3 obtendo assim:
( z + y) = t 2 y= (s − t 2 )
1 2
2

Tomemos, por exemplo, x = s.t = 15 = 5.3

z=
2
(
1 2
5 + 3 2 ) = ( 25 + 9) = ( 34) = 17
1
2
1
2
y = (52 − 3 2 ) = ( 25 − 9) = (16) = 8
1 1 1
2 2 2

com o que se obtém, finalmente, a tripla primitiva (15,8,17). Como veremos, este é
essencialmente o método empregado pelos chineses, figurando em texto do período
Han (200 A.C. - 220 D.C.).
Se começarmos com inteiro par da forma x = 2.p.q (que, portanto, também
não é quadrado perfeito), teremos :

( z − y)( z + y) = 4p 2 q 2 = ( 2p) 2 ( 2q) 2


Fazendo:
z − y = 2p2 z = q 2 + p2
1.4 obtemos
z + y = 2q 2
y = q 2 − p2

Fazendo, por exemplo, x = 2.p.q = 2.1.4 = 8, temos:

y = q 2 − p 2 = 4 2 − 12 = 16 − 1 = 15
z = q 2 + p 2 = 4 2 + 12 = 16 + 1 = 17

que é a mesma tripla anterior, desde que intercambiemos x por y. Este é o método
grego de construção de triplas, empregado por Diofante. É possível mostrar que todas
4
as triplas pitagóricas podem ser obtidas a partir de 1.3. Do mesmo modo, podemos
mostrar que todas as triplas pitagóricas podem ser obtidas a partir de 1.4 .
De fato, 1.3 e 1.4 são equivalentes (ver Nota 2), pois 1.4 pode ser obtida a
partir de 1.3 mediante mudança de variável:
s=q+p
t= q-p e trocando x e y .
Isso significa que ambos os métodos, o chinês e o grego, na realidade são o
mesmo método.

1.4 A transmissão da tradição

Podemos identificar, acredita Van der Waerden, duas linhas principais de


transmissão dos conhecimentos dessa fonte neolítica única. Nos textos chineses e
babilônios, bem como nos papiros egípcios encontramos conjuntos de problemas com
soluções. De outro lado, como veremos posteriormente, pode-se identificar traços de
tradição oral de construções geométricas, tradição que já existia na Europa Ocidental,
no neolítico, entre os construtores megalíticos, a qual teve seqüência entre os
estiradores de corda egípcios e os ritualistas hindus. Nas duas tradições o teorema de
Pitágoras desempenha papel primordial. Do mesmo modo, o cálculo de triplas
pitagóricas era parte integrante de ambas.
Como já tivemos oportunidade de ver, no item anterior, e como veremos mais
adiante, existem boas razões para se afirmar que essas triplas não eram encontradas
empiricamente, mas calculadas mediante regras sistemáticas, baseadas no teorema de
Pitágoras, como as que acabamos de analisar.
O desenvolvimento das duas tradições deve ter sido o seguinte, de maneira
esquemática:
Descoberta do Teorema de Pitágoras

Problemas com Soluções Aplicações Rituais

Textos-Problemas ¨Nove Capítulos¨ Geometria na Geometria dos Construções


Babilônicos e Chinês Arquitetura Estiradores de Geométricas
Egípcios Megalítica Corda Egípcios de Altares

Tradições Tradições
Hindus Gregas

É óbvio que este esquema é muito simplificado. Muitos outros pontos


importantes, como o algoritmo de Euclides, o cálculo de raízes quadradas, a solução
sistemática de equações quadráticas e de sistemas de equações lineares, as regras para
o cálculo de áreas e de volumes não estão incluídas, porque a sua história é muito
menos conhecida que a do teorema de Pitágoras, como veremos.
Analisando o esquema, podemos identificar a partir do terceiro nível duas
linhas de desenvolvimento:
5
1. do lado direito temos a tradição oral dos estiradores de corda, que eram
especialistas em construções geométricas com aplicações rituais. Foram ativos no
Egito, nas construções megalíticas, em particular nas das Ilhas Britânicas e na Índia.
De sua atividade no Egito pouco se sabe, o mais importante testemunho é o de
Demócrito, que diz que os estiradores de corda eram especialistas em "construir linhas
com provas" (demonstrações).
Na Índia nós temos os Sulvasutras e os Brahmanas, cujas construções de
altares por meio de cordas estiradas são descritas com detalhes e, principalmente, com
provas. Da íntima conexão entre as tradições gregas e hindus entre a construção de
altares, podemos inferir que o desenvolvimento dessas construções se manifestava no
âmbito dos povos indo-europeus, como teremos oportunidade de apreciar mais
detalhadamente.
2. O lado esquerdo do esquema identifica o desenvolvimento de tradição
escolar: método de ensino da matemática mediante problemas com solução. Este
método faz parte dos textos egípcios e babilônios, porém o mais extenso e
significativo conjunto de problemas é o dos "Nove capítulos" chinês.
A análise dessas tradições é objeto deste livro. O que aqui tratamos em rápidas
pinceladas será desenvolvido em detalhes no transcorrer dos próximos capítulos.

1.5 As origens da matemática

Como vimos, existe muita similaridade entre as idéias matemáticas e


religiosas, além de outras, dos construtores megalíticos das Ilhas Britânicas, dos
babilônios, dos gregos, dos hindus e dos chineses, que praticamente nos forçam a
postular a existência de doutrina matemática comum, emergente do neolítico, da qual
essas idéias se originaram. Estabelecido esse ponto, estaríamos em condições de
emitir uma conjectura razoável sobre que povo seria capaz de forjar tal doutrina.
Ponto primordial para observar é a vastíssima extensão geográfica que tal
povo deveria ter atingido (ou influenciado), o que, por si só, reduz significativamente
nosso universo de hipóteses. Em segundo lugar, devemos ter consciência de que esse
povo, além de estar no lugar certo, também necessitaria existir no tempo correto para
que essa cadeia de conexões se pudesse produzir; portanto a seqüência temporal
desses eventos é sumamente importante, e a eleição dos candidatos deve levar isso em
consideração.
Vasculhando na pré-história as alternativas possíveis, que atendam a esses
pontos e também à rede de interconexões gerada pelas similaridades entre as
civilizações citadas, principalmente no tocante às idéias matemáticas, constatamos
que estamos reduzidos a praticamente uma opção, a adotada por Van der Waerden:
identificar esse povo com os indo-europeus.
As línguas indo-européias dispõem de sistema decimal perfeito de contagem,
além de método para designar frações. Esse sistema numérico é importante acervo
cultural, que constitui excelente base para o desenvolvimento e ensino da aritmética e
da álgebra. Além disso, as religiões das antigas populações indo-européias têm tanto
em comum que dificilmente se pode duvidar da existência de uma proto-religião indo-
européia. O povo Beaker, que construiu monumentos megalíticos nas Ilhas Britânicas
como Stonehenge II, Woodhenge e outros, provavelmente falava língua indo-
européia. De qualquer modo, habitava uma região, onde línguas indo-européias eram
faladas havia bastante tempo.
6
Como encontramos idéias muito similares acerca da importância ritual de
construções geométricas exatas na Índia e na Grécia, o mesmo conjunto de triplas
pitagóricas nas Ilhas Britânicas e na Índia, as mesmas construções geométricas na
Grécia e na Índia, a conclusão de que essas idéias religiosas e matemáticas têm uma
origem comum indo-européia parece altamente provável, afirma Van der Waerden.

Essas são as idéias basilares da hipótese de Van der Waerden-Seidenberg: a


existência de fonte neolítica única, que influenciou as idéias das correntes
matemáticas da antigüidade citadas e que foi arquitetada pelos indo-europeus. É,
ainda, hipótese de trabalho, extremamente frutífera, como veremos. Os indo-europeus
serão estudados com mais detalhes no Capítulo IV.

1.6 A antigüidade do saber

Deve-se tomar muito cuidado em se atribuir conhecimentos fantásticos aos


antigos. Sob uma perspectiva de séculos de distância, muitos são atraídos pela
fascinante e tentadora noção de que tudo o que é antigo deve estar imbuído de valor
"cerimonial" ou de profunda finalidade "científica". Esquecem-se, porém, de que as
preocupações primordiais das sociedades primitivas eram questões domésticas, como
alimentação, habitação e, principalmente, sobrevivência. A elas seguiam-se questões
sócio-políticas e de economia mundana. Certos autores, às vezes, levam a induzir que
tudo o que é antigo é sábio, que os primeiros filósofos viviam mais próximos dos
deuses que os racionalistas, seus sucessores. Dão a impressão de que, quanto mais
remotos os ensinamentos, mais sagrados ou verdadeiros são.
É necessário encará-los com senso crítico, dentro do verdadeiro espírito
científico, dentro na perspectiva histórica das reais potencialidades da sua época;
porém a manutenção de mentalidade aberta é condição fundamental para a integridade
da pesquisa. Rejeitar o inexplicado apenas porque não se enquadra nos esquemas
convencionais, tradicionalistas, é atitude anticientífica.
Como já foi dito, o matemático deve-se congratular quando se depara com um
paradoxo, pois aí existe real oportunidade de a sua ciência progredir. A sua remoção
pode, eventualmente, ocasionar mudança de paradigma, na terminologia de Kuhn,
proporcionando assim momento propício para a evolução dessa ciência. A atitude
correta que cumpre adotar diante de fatos inexplicados pela teoria tradicional é
arquitetar nova hipótese de trabalho, que, se verificada, conduza a novo modelo
(paradigma). É desse modo que a ciência evolui.
Um dos melhores exemplos da pseudo-sapiência dos textos "antigos" é o da
tradição hermética. A Idade Média e, principalmente, a Renascença, foram
profundamente influenciados pelos tratados herméticos contidos na coleção "Corpus
Hermeticum", escritos atribuídos ao suposto sacerdote egípcio Hermes Trimegisto, da
mais venerável antigüidade. Acirradas discussões eram acesas sobre se Hermes era
contemporâneo, sucessor ou antecessor de Moisés, ou mesmo de Noé. Mas todos
concordavam que era anterior aos sábios filósofos gregos, especialmente Platão.
A antiga e misteriosa religião egípcia permeia esses textos. Os supostamente
profundos conhecimentos dos seus sacerdotes, o seu ascético modo de vida e a magia
religiosa que se imaginava praticassem nas câmaras secretas dos seus longínquos
templos, tudo isto proporcionava excepcional atrativo para o hermetismo.
Os gregos identificavam Hermes, que era às vezes denominado de "Três Vezes
Grande", com o deus egípcio Tot, escriba dos deuses e divindade da sabedoria.
7
Avalizado por eruditos de porte, Hermes Trimegisto foi aceito pela Renascença como
pessoa real, da mais alta antigüidade, autor dos escritos herméticos, bem como
reverenciada autoridade em verdades divinas, portanto fonte de prístino saber.
A tradição hermética influenciou eruditos como Pico della Mirandola,
Giordano Bruno, Campanella, Fludd, Atanásio Kircher, Kepler e muitos outros.
Imagine-se, portanto, o alvoroço que Isaac Casaubon provocou em 1614, quando
provou, com argumentos estilísticos, entre outros, que esses textos eram de autoria de
escritores dos séculos II ou III D.C., talvez cristãos ou semicristãos, que misturaram
escritos de Platão e dos platônicos com livros sagrados cristãos. Casaubon admite que
esses textos foram forjados nos tempos dos primeiros cristãos, talvez com o propósito
de tornar a nova doutrina agradável aos gentios, falsificações portanto com boas
intenções, mas antes de tudo abomináveis, porque inverídicas.
Outro exemplo memorável é a atração exercida pela "fabulosa e vetusta"
ciência dos magos caldeus. Através de um formidável aparato pseudo-erudito, Alfred
Jeremias no seu Handbuch der Altorientalischen Geisteskultur desenvolveu a doutrina
"pãbabilônica", que vicejou na Alemanha entre 1900 e 1914, exercendo ainda hoje
considerável atração.
A tese principal desta doutrina era edificada sobre teorias mirabolantes acerca
da "antiquíssima idade" da astronomia caldaica, combinada com pretensa "visão do
mundo" (Weltanschauung) babilônica baseada em paralelismo entre o "microcosmo e
o macrocosmo". Todos os fenômenos na cosmogonia, na religião e na literatura
clássicas eram rastreados até as suas "origens" nesta filosofia cósmica hipotética dos
babilônios.
A combinação de vasto desrespeito pelas evidências textuais, com o uso
indiscriminado de fontes secundárias e de traduções inadequadas, bem como pelo
emprego de uma cronologia pré-concebida, tudo culminou com a criação de quadro
fabuloso sobre o "saber" babilônico, que exerceu e ainda exerce ponderável influência
sobre a literatura concernente à Mesopotâmia.
A ciência babilônica efetivamente merece o nosso respeito pelas suas
conquistas, bem como a influência que exerceu, mormente sobre os gregos, mas daí a
afirmar que é a fonte universal de todo o conhecimento, representaria exorbitante
exagero.
Franz Xavier Kugler (1862-1929), grande erudito jesuíta, foi um dos poucos
sábios na Alemanha que não sucumbiu aos apelos dessa visão pãbabilonística. Ele e
outros defendiam que as similaridades entre astro-mitologias, que os pãbabilonistas
citavam como exemplos de difusão da ciência babilônica, podiam ser explicadas
facilmente pelo fato de que todas as raças testemunhavam os mesmos eventos sob os
mesmos céus. Além disso, em pequeno livro intitulado "Im Bannkreis Babels",
mostrou dramaticamente os absurdos que os métodos pãbabilonísticos originavam.
Kugler começou sua carreira como professor de química e, quando o Padre Joseph
Epping morreu, em 1894, continuou a sua obra na decifração da matemática e
astronomia cuneiforme.
Tudo começou quando o Padre J.N. Strassmayer reconheceu a importância dos
tabletes, então recém-descobertos, e começou a copiá-los, no British Museum, em
Londres. Enviou as suas anotações ao Padre Epping, que na época estava em Quito,
no Equador, convencendo-o a estudá-las.
Em 1881 apareceu em periódico teológico católico, "Stimmen aus Maria
Laach", um artigo "Zur Entzifferung der Astronomischen Tafeln der Chaldaer",
assinado por J. Epping, de Quito, Equador, com introdução por J.N.Strassmaier, de
Londres. Este artigo estabelecia as bases da decifração e interpretava os primeiros
8
tabletes astronômicos, que então estavam sendo escavados em número cada vez
maior.
Oito anos após, Epping publicou, nos suplementos do mesmo periódico, um
pequeno livro intitulado "Astronomisches aus Babylon", em que esclarecia as teorias
babilônicas sobre a Lua e fornecia detalhada discussão dos almanaques planetários e
lunares.
Após a morte de Epping, como já mencionamos, Kugler continuou a sua obra,
publicando diversos trabalhos de suma importância entre 1900 e 1924. As cópias de
Strassmaier, feitas nos últimos vinte anos do século passado, nunca foram publicadas.
Depois do falecimento de Kugler, o seu herdeiro e sucessor, Padre Schaumberger,
dividiu o conhecimento dos volumosos cadernos de Strassmaier com o Professor Otto
Neugebauer, que é o maior conhecedor da matemática e da astronomia babilônica do
presente século. Graças ao esforço notável desses sacerdotes católicos, hoje
conhecemos o conteúdo dos tabletes cuneiformes matemáticos e astronômicos, que
colocam a ciência babilônica ao alcance de todos, e inauguram assim, nova época na
história da ciência.

1.7- História e pré-história

É costume estabelecer a distinção entre história e pré-história, encarando-se a


história como a descrição dos fatos ocorridos após a invenção da escrita e mediante
esta. Fatos históricos seriam, portanto, fatos registrados por escrito. Este modo de se
estabelecer a dicotomia história-pré-história, embora tradicional, encerra deficiências,
que geram mal-entendidos. Um dos problemas é que não estabelece linha divisória
temporal.
Por exemplo, se definirmos como 3.000 A.C. essa fronteira no tempo, válida
em todo o globo, fatos ocorridos antes desta data seriam pré-históricos; depois
históricos. Essa data mais ou menos coincide com a invenção da escrita pela
humanidade. Como essa divisória não existe na realidade, embora vivamos hoje em
plena era da informatização, das missões espaciais, dos engenhos nucleares, portanto
na era histórica, coexistimos com povos pré-históricos, como os silvícolas da floresta
amazônica, os aborígines da Austrália e Nova-Zelândia, entre outros. Logo, história e
pré-história, nesta acepção, podem ser contemporâneas.

A descoberta da escrita, segundo opinião amplamente aceita pela comunidade


erudita, foi obra dos sumérios, pouco antes de 3.000 A.C.. Logo depois, os elamitas e
os egípcios passaram a fazer uso dela; portanto, no alvorecer do terceiro milênio antes
da nossa era, somente esses eram povos históricos, na acepção indicada da palavra; a
Europa e o resto do mundo se encontravam imersos na pré-história.
Para os nossos propósitos, podemos dividir em três períodos a parte da pré-
história conhecida como Idade da Pedra, a etapa em que o homem empregou
ferramentas de pedra:
1. O Paleolítico, que se divide em inferior, médio e superior. O
superior é período das magníficas pinturas nas cavernas da Espanha e do sul
da França.
2. O Mesolítico, que é período intermediário, frio, quando a civilização
estava em um baixo nível, se comparada com o período antecedente e o
subseqüente.
9
3. O Neolítico, caracterizado por ferramentas de pedra extremamente
bem elaboradas, por cerâmica de bom acabamento, e pelo desenvolvimento da
agricultura, da navegação e da arquitetura megalítica.
A duração desses períodos varia em cada parte do mundo. Na Europa
(ocidental e central), o último período do Neolítico, o Calcolítico, começa em torno de
2500 A.C. e é caracterizado pelo aparecimento do cobre. Depois desta data, por volta
de 2000 A.C. começa a Idade do Bronze.
É interessante conhecermos um pouco como são feitas as datações pré-
históricas. O método da datação radiocarbônica foi desenvolvido por Willard F.
Libby, americano, em 1946, pelo qual foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química
de 1960. Baseia-se no fato de que toda a planta, durante a sua vida, assimila átomos
de carbono da atmosfera. Além disso, a razão entre o isótopo radioativo C-14 e o
carbono normal C-12 da planta é a mesma que a encontrada na atmosfera. Quando a
planta morre, a quantidade de C-14 decresce segundo a lei da desintegração
radioativa, bem conhecida dos físicos.
Conhecendo estes fatos, Libby divisou duas hipóteses: primeiro, admitiu que a
meia-vida do C-14 é de 5568 anos; segundo, que a razão entre o C-14 e o C-12
existente na atmosfera se tem mantido constante, desde os remotos tempos pré-
históricos até a explosão da primeira bomba atômica. Admitindo-se essas hipóteses
como verdadeiras, pode-se, medindo-se a sua radioatividade, estimar a idade de
qualquer material orgânico encontrado em escavação.
Infelizmente as hipóteses de Libby mostraram-se apenas aproximadas. Na
realidade, a meia-vida do C-14 é cerca de 3 % maior que a estimada, e a concentração
de C-14 na atmosfera é variável. Isso acarretou que as datas verdadeiras eram, em
muitos casos, mais antigas que as estimadas por Libby. No terceiro milênio antes da
nossa era, período de fundamental importância para o nosso estudo, esta diferença
pode importar em vários séculos.
Tornou-se necessário corrigir essas datações. O método que se emprega é o
dos anéis de crescimento das árvores. A cada ano de idade, as árvores agregam um
anel no caule. Comparando-se seqüências de anéis de crescimento da árvores de longa
vida, como as sequóias, estabeleceu-se uma cronologia que pode ser empregada para
corrigir as datações radiocarbônicas. Tábuas de correção foram elaboradas.
Mesmo as datas radiocarbônicas corrigidas pelos anéis de crescimento não são
inteiramente confiáveis. Existe a possibilidade de ocorrerem erros aleatórios devidos à
contagem radioativa e, além disso, uma comparação com datas históricas bem
estabelecidas do Egito parece indicar que as datas radiocarbônicas corrigidas pelo
método dos anéis podem sofrer erros sistemáticos importando em 100 ou 200 anos
para datações neolíticas. De qualquer modo, esse método de correção já revolucionou
algumas concepções que se supunham bem estabelecidas. Verificou-se, por exemplo,
que algumas construções megalíticas, que se admitiam posteriores à construção das
pirâmides do Egito, são, na realidade, mais velhas que elas.
Outros métodos de datação também são empregados modernamente. Entre
eles, podemos citar o da termoluminescência, baseado na medição da intensidade das
partículas  emitidas por peças de cerâmica submetidas a aquecimento; o do
paleomagnetismo, baseado nas inversões que o campo magnético terrestre sofreu ao
longo do tempo; o método do potássio-argônio, que mede o argônio acumulado
devido ao decaimento do potássio radiativo, empregado para datações de depósitos
vulcânicos.

10
NOTAS AO CAPÍTULO I

Nota 1 : Se x e y forem pares, seus quadrados x2 e y2 também o serão,


bem como sua soma x2 + y2. Logo z2 deve ser par, o que implica que z é par e então a
tripla não é primitiva .
Se x e y forem ímpares, seus quadrados também o serão. Logo, se x2 e y2
são da forma 2n + 1, então a sua soma x2 + y2 é da forma 4n + 2 , ou seja 2(2n +1),
um produto de um número par por um ímpar, que não pode ser quadrado perfeito .

Nota 2 : De fato, se fizermos s = q + p e t = q - p teremos

z + y = s2 z + y = ( q + p) = q 2 + 2 pq + p 2
2

z − y = t2 z - y = ( q - p) = q 2 − 2 pq + p 2
2
donde vem
x = st x = ( q + p)( q − p) = q 2 − p 2

Das duas primeiras equações obtemos z = q 2 + p 2 e y = 2 pq . Da terceira


obtemos x = q 2 − p 2 . Trocando x por y verificamos a equivalência dos métodos.
Desta maneira provamos que, embora o método chinês principie com número
ímpar e o grego com par, na realidade eles fornecem os mesmos resultados, pois
são equivalentes .

11
CAPÍTULO II

A MATEMÁTICA NA PRÉ-HISTÓRIA
"I wish I knew as much as I
tought I knew 10 years ago".
O. Neugebauer

2.1 Preliminares

É nosso objetivo, neste capítulo, apresentar um resumo do que hoje é


conhecido sobre a matemática na pré-história. Como veremos, é muito pouco, e com
forte componente especulativo.
É impossível examinar a história de qualquer ciência sem nos depararmos com
a magia. Esta era complexo amálgama de espiritismo, de mistério e observações
de fenômenos naturais. Pode parecer estranha a menção da magia em livro de espírito
científico, porém, em seu contexto, a magia foi um modo legítimo de expressar uma
síntese do mundo natural e o seu relacionamento com o homem. Se, em sociedade
primitiva, o mago ou xamã, impostor ou curandeiro, se propõe provocar chuva por
meios artificiais, ele expressa a compreensão da existência de ligação entre a chuva e
o crescimento das plantações, admitindo que a sobrevivência do homem depende do
comportamento do mundo natural. Sente que há conexão entre o homem e o meio que
o cerca, o seu entendimento primitivo estima que, uma vez conhecido o procedimento
correto, o homem pode controlar as forças da natureza, colocando-as ao seu serviço.
A magia exprimia uma visão anímica da natureza. O mundo era habitado e
manipulado por espíritos e forças etéreas ocultas, que habitavam os animais, as
árvores, o mar e o vento; a função da magia era submeter essas forças aos desígnios
dos magos, persuadindo os espíritos a cooperar. Para isso preparava poções, fazia
invocações, lançava feitiços. Os ingredientes das poções, por exemplo, inicialmente
eram escolhidos arbitrariamente, mas o seu sucesso ou fracasso paulatinamente
mostraria quais eram os genuinamente eficazes.
Esse conjunto de conhecimentos práticos, desenvolvido à luz da experiência,
tornou o mago o primeiro de uma linhagem de investigadores experimentais e o
antepassado remoto do cientista moderno. Hoje, a farmacologia moderna procura, nos
conhecimentos desses xamãs, novos fármacos, em busca do potencial genético
preservado pela biodiversidade das nossas florestas. As doenças eram encaradas como
manifestações dos espíritos do mal. Os fenômenos naturais eram relacionados com o
mundo dos espíritos, e desenvolviam-se procedimentos para lidar com ambos os
mundos.
Esses princípios hoje não seriam considerados científicos, mas, nos tempos
primitivos, a pressuposição de tais intervenções era tentativa de racionalização, era
busca de teoria aceitável para explicar os diversos fenômenos experimentados pelo
homem. Nas sociedades pré-históricas a ciência era uma fusão de explicações naturais
e espirituais. O mago-sacerdote tinha aspecto científico para o seu conhecimento: por
um lado, ele tinha o conhecimento da natureza; por outro, contava com o acesso aos
deuses e às forças elementares.
12
Lentamente, quando o homem passou a adotar processos mais realistas para a
obtenção do seu bem estar, como, por exemplo, a construção de sistemas de irrigação,
o homem principiou, consciente ou inconscientemente, a relegar as intervenções do
mundo dos espíritos a papel mais de cooperação que de intervenção. Com isso a
magia foi progressivamente rebaixada, as suas qualidades místicas foram mal
empregadas para fins particulares, o que deu origem à feitiçaria; ou para interesse
público, criando poderosa casta sacerdotal capaz de dominar os incultos e os
incrédulos. Isso conduziu os filósofos gregos a uma atitude radicalmente contra a
magia, criando uma orientação que permaneceu central na cultura científica do
Ocidente.
O conceito fundamental da matemática é o conceito de número. Quando a
humanidade começou a se preocupar com números? A resposta óbvia é: quando ela
necessitou do processo de contagem; porém isso não esclarece a questão da datação.
Uma questão que imediatamente nos ocorre é se o conceito de número e o processo de
contagem são inatos no homem, isto é, se nasce com ele ou se é adquirido mediante
aprendizagem. Se é inato, então a humanidade sempre teve conhecimento dele, desde
os primeiros hominídeos.

2.2 Senso numérico

"O Homem, mesmo nas mais baixas etapas do desenvolvimento, possui uma
faculdade que, por falta de um nome melhor, chamarei de Senso Numérico. Essa
faculdade permite-lhe reconhecer que alguma coisa mudou numa pequena coleção
quando, sem seu conhecimento direto, um objeto foi retirado ou adicionado à
coleção.
O Senso Numérico não deve ser confundido com contagem, que provavelmente
é muito posterior, e que envolve um processo mental bastante intrincado. A contagem,
pelo que sabemos, é um atributo exclusivamente humano, apesar de algumas espécies
irracionais parecerem possuir um rudimentar senso numérico semelhante ao nosso."
(Tobias Dantzig, Número: a Linguagem da Ciência, p. 15)
Dantzig narra no seu livro uma história interessante, que ilustra um senso de
número mais consciente. Certo castelão desejava apanhar um corvo (não é o corvo
brasileiro, mas a espécie do hemisfério norte), o qual tinha feito um ninho em uma
torre da sua propriedade. Como o corvo abandonava o ninho sempre que alguém se
aproximava da torre e não retornava até que ele a deixasse, o castelão tentou um ardil:
dois homens entraram na torre, um permaneceu enquanto o outro se afastou.
O pássaro não caiu na armadilha: manteve-se afastado até que o outro homem
saísse da torre. Repetiu a experiência nos dias seguintes, com dois, três e quatro
homens, sem sucesso. Somente quando cinco homens entraram na torre, quatro sairam
e um permaneceu, foi que o corvo caiu na armadilha. Incapaz de distinguir entre
quatro e cinco, retornou ao ninho e foi apanhado.
O corvo, além de não dispor de palavras para números e não ter idéia do
processo de contagem, não podia, por exemplo, fazer incisões em um pedaço de
madeira nem separar um seixo para cada homem, ou utilizar qualquer outro recurso
material de contagem. Por algum meio, dependendo apenas da sua visão direta, era
capaz de distinguir entre dois e três homens, e entre três e quatro homens. Qualquer
senso numérico possuído por animais e pássaros deve depender apenas da visão direta
e ser independente de palavras e símbolos. Os membros do conjunto devem ser
semelhantes, não necessitando serem exatamente iguais, porém um membro não deve
13
ter características tão marcantes que permitam distingui-lo imediatamente dos outros,
por exemplo, um lobo em conjunto de carneiros.
Outro ponto importante é que, para determinação do senso numérico, não se
podem agrupar os elementos do conjunto dado em subconjuntos, por exemplo dois a
dois, ou três a três, como fazemos, às vezes inconscientemente, pois isso envolve o
processo de contagem, o que não é permitido em face do conceito estabelecido para
ele.
O professor O. Koehler, de Freiburg, durante a Segunda Guerra Mundial,
realizou uma série de experiências, procurando determinar o senso numérico em uma
variedade de pássaros; as experiências eram cientificamente controladas, filmadas,
sem a presença de espectadores humanos. Foram feitos mais de três quilômetros de
filmes, na sua maioria destruídos durante a guerra. A pesquisa mostrou que os
pássaros aprendem os números aos quais são apresentados de duas maneiras: por
apresentação simultânea ou por apresentação sucessiva. Como aos pássaros faltam
palavras para os números, o professor Koehler resumiu as suas conclusões afirmando
que eles "aprendem a pensar números sem nome", expressando dessa maneira a sua
idéia de senso de número visual direto.
Os pássaros de uma dada espécie mostram a mesma habilidade de
compreensão de números sem nome, sejam eles apresentados simultânea ou
sucessivamente, mas a habilidade difere com as espécies. Assim com os pombos
pode ser cinco ou seis, dependendo das condições experimentais, com as gralhas é
seis e com os papagaios, sete. A idéia da apresentação sucessiva corresponde
aproximadamente ao processo de contagem. Os pássaros não contam, pois não têm
palavras. Não são capazes de nomear os números que podem perceber e atuar sobre
eles, mas o fato é que pensam números sem nome.
A capacidade da linguagem parece ser inata ao homem. A criança aprende
palavras como papagaio, mas após as suas primeiras poucas palavras ela pode formar
sentenças que expressam relações verdadeiras, desejos, e que formulam questões. Esta
capacidade distingue o homem dos demais animais
Poucas outras espécies de animais possuem senso numérico, além dos
pássaros. Alguns insetos também possuem senso numérico. A vespa solitária é um
exemplo. A vespa fêmea põe seus ovos em células individuais, fornecendo a cada ovo
um número constante de larvas, das quais as crias se alimentam, quando saem dos
ovos. O número de vítimas é notavelmente constante para cada espécie de vespa.
Algumas espécies colocam cinco, outras 12 ou 24. Ainda mais notável é o caso do
Genus Eumenus, uma variedade em que a fêmea é muito maior que o macho. De
algum modo, a mãe sabe se o ovo produzirá uma larva macho ou fêmea, fornecendo a
quantidade de comida proporcionalmente: não muda a espécie ou o tamanho da presa,
mas se o ovo é macho dedica-lhe cinco vítimas, se é fêmea dez.
Um ponto importante é que nenhum animal doméstico, como cachorro, gato,
cavalo, vaca, etc. possui senso numérico. Um cachorro que late certo número de vezes
para indicar o número de elementos de determinado conjunto, na realidade foi
adestrado para latir continuamente, parando quando o seu dono der certo sinal. Na
maioria dos casos, esses animais não acertam os resultados longe dos donos pelos
quais foram condicionados. Em raríssimos casos, alguns animais parecem acertar o
resultado, mesmo sem a presença do dono. Acontece que esses animais conseguem
perceber sinais mínimos das pessoas presentes, que conhecem o resultado da questão
e, mesmo inconscientemente, os emitem; por isso as experiências com senso numérico
devem ser realizadas sem qualquer presença humana.
14
O senso numérico visual do homem dificilmente vai além de quatro, isto
independente da raça a que pertença. Os selvagens que não alcançaram a etapa de
contagem pelos dedos são quase que completamente desprovidos de percepção
numérica. Curr, no seu estudo sobre a Austrália primitiva, afirma que poucos nativos
são capazes de discernir quatro, e que nenhum australiano em seu estado selvagem
consegue perceber sete.
É interessante observar que Piaget faz uma distinção entre números e números
perceptuais. Números perceptuais, para Piaget, são números pequenos, até quatro ou
cinco, que podem ser distinguidos pela percepção, sem requererem estruturação
lógico-matemática. Esses números podem ser compreendidos intuitivamente pelas
crianças em termos da sua relação parte-todo, embora ainda sem disporem de uma
compreensão operacional de número. Aos números maiores que quatro ou cinco
denomina de números elementares.

2.3 Contagem primitiva

Existem duas correntes principais que procuram mostrar como surgiu a


contagem. A primeira, a utilitária, afirma que a contagem surgiu como parte da vida
diária do homem. A segunda, a ritual, assegura que a contagem começou relacionada
com rituais religiosos.
Inicialmente, as noções primitivas de número, de grandeza e forma parecem
mais relacionadas com contrastes do que com semelhanças: a diferença entre um lobo
e muitos, entre uma sardinha e uma baleia, a dissemelhança entre a lua redonda e o
caule retilíneo de um pinheiro. Dessa massa de constatações caóticas começou a
emergir a existência de analogias: da constatação do contraste entre uma ovelha e um
rebanho, entre uma árvore e uma floresta, um lobo e muitos, emergiu a observação de
que uma ovelha, uma árvore e um lobo têm algo em comum: a sua unicidade. Essa
distinção entre a unidade e a pluralidade deve ter sido estabelecida muito
primitivamente.
Igualmente, a noção de par: duas pernas, duas mãos, dois olhos, etc. também é
muito antiga. Talvez essa noção possa ter conduzido à observação de que dois
conjuntos podem ter os seus elementos postos em correspondência um a um,
biunívoca, como denominamos modernamente. O uso da correspondência um a um
permite definir uma quantidade, mesmo que não se saiba contar. Essa percepção de
uma propriedade abstrata que certos grupos têm em comum é o que nós denominamos
de número, passo fundamental no caminho da matemática moderna. "Deve ter exigido
muito tempo”, afirma Russel, “para descobrir-se que um casal de faisões e um par de
dias eram ambos instâncias do número dois."
Parece que os sinais para números precederam as palavras para números, pois
é mais fácil fazer incisões num bastão de madeira do que formular uma frase coerente
para identificar um número. Essa pressuposição, porém, deve ser encarada com
cautela. Além disso, o próprio bastão constitui registro que pode ser guardado.
Registros numéricos foram assim mantidos por meio de incisões em bastões, feixes,
nós em cordas (quipos), seixos ou conchas amontoados em pilhas.
O mais antigo registro numérico que chegou até nós é um osso (rádio) de um
lobo novo, encontrado em 1937 por Karl Absalom, como resultado de escavações em
Vestonice, na antiga Tchecoeslováquia central. Está gravado com 55 profundas
incisões, das quais as primeiras 25 estão dispostas em grupos de cinco. Seguem-se a
elas uma incisão com o dobro do comprimento das outras, que termina a primeira
15
série; então, começando também com incisão de duplo comprimento, nova série de
incisões continua até trinta, também dispostas em grupos de cinco. Talvez o homem
pré-histórico que o gravou estivesse registrando o número de uma coleção,
possivelmente de peles, ou o número de dias desde um dado evento. É razoável
admitir que fizesse uma incisão para cada objeto na coleção que estivesse contando.
Nesse importantíssimo registro, podemos reconhecer dois valiosos conceitos
matemáticos. O primeiro é o da correspondência um a um entre dois elementos de
dois diferentes conjuntos de objetos, neste caso entre o conjunto de incisões no osso e
o conjunto do que quer que seja que o homem pré-histórico estivesse contando. O
segundo é o de base de sistema de numeração. A disposição em grupos de cinco
elementos indica compreensão rudimentar de sistema de numeração de base cinco.
Como a idade desse osso é estimada em 30000 anos, é o mais antigo registro de
atividade matemática de que se tem conhecimento. Outros ossos do paleolítico
também mostram incisões, que podem terem sido registros de contagem, mas cuja
diferenciação de simples linhas decorativas é difícil.
Outra importante forma de registro pré-histórico é a exemplificada pelo osso
de Ishango. É osso pequeno, com uma série de incisões, encontrado em Ishango, nas
cabeceiras do Nilo, e datado de c. 6500 A.C., dois ou três mil anos antes da primeira
dinastia no Egito e do aparecimento da escrita hieroglífica. As incisões, pensava-se,
eram elementos decorativos ou registros de contagem elementar, de caça talvez. O
escritor americano Alexander Marshack descobriu que essas incisões eram uma
notação lunar, meio para registrar o ciclo das fases e períodos da Lua. Uma vez que
reconheceu isso, conseguiu identificar em museus da Europa vários outros ossos do
paleolítico superior com inscrições que poderiam ser explicadas da mesma maneira.
O uso da Lua deve ter sido a mais antiga forma de contagem do tempo; sua
revolução comparativamente rápida fornece um passo natural entre o "curto" dia e o
"longo" ano. O problema de usar a Lua como marcador do tempo recai na dificuldade
de se manter um registro acurado das suas fases, além dos óbvios incidentes
meteorológicos complicadores.
Além disso, mesmo os antigos já tinham percebido que é impossível combinar
os meses lunares com o ano sem ajustar um ou outro. Esses povos procuraram ajustar
o ano pela Lua, o que podia ser feito adotando-se anos de comprimento variável de
doze e treze meses respectivamente. Para que os anos se ajustassem às estações,
posteriormente foi necessário recorrer ao ano solar, principalmente usando as posições
dos solstícios. Isso também mostra que a matemática, desde os seus primeiros
registros, esteve intimamente ligada à astronomia. Alguns desses ossos, como
Marshack mostrou, mantêm registros de vários meses, separados por espaços brancos,
marcas em ângulo ou outros sinais.
O costume de usar bastões entalhados como registros numéricos sobreviveu até
recentemente. A palavra talha vem do latim medieval talare, cortar. O Tesouro Real
Britânico mantinha registro de suas receitas mediante bastões entalhados. O recibo do
pagamento de impostos era feito desse modo. Estes bastões eram pequenos pedaços
de madeira, nos quais eram gravadas incisões transversais correspondentes ao registro
numérico em tela; a seguir era lascado no seu sentido longitudinal, ficando cada uma
das partes de posse de um dos interessados na transação. A certificação da mesma era
procedida encaixado-se as partes lascadas dos bastões, se correspondessem
perfeitamente então era verdadeira, e a quantidade era a indicada pelas incisões. O uso
desses bastões só foi abolido na Inglaterra em 1826.
Esses bastões entalhados, ou talhas, tiveram vários empregos, entre os quais
podemos citar os seguintes. A talha do leite era empregada para registrar a quantidade
16
de leite entregue por determinado produtor a terceiros. A talha de pastagem anotava
os direitos de pastagem de seu titular. A talha de água habilitava o seu titular a se
servir de água, pelo tempo determinado nela, para irrigar os seus campos. A talha de
capital indicava a soma emprestada aos camponeses pela comunidade ou pelos
financistas da época.
O emprego de seixos (contas, sementes, conchas, etc.) para manter registros
numéricos, os "calculi" dos romanos (de onde se originou a palavra cálculo), parece
ter dado origem ao primeiro dispositivo mecânico de cálculo, o ábaco. Inicialmente
não passava de uma série de colunas formadas por linhas riscadas no chão ou em
caixas de areia, onde se colocavam os seixos. Somente muito depois é que passou a
ter a forma com que hoje é conhecido, de contas deslizantes sobre hastes ou fios
suportados por armação. Fundamenta-se no conceito de base de sistema de numeração
posicional, representando as suas colunas paralelas as potências sucessivas dela. O
zero era representado pela ausência de seixos na coluna respectiva, em que se fizesse
necessário.
O emprego de nós em cordas para manter registros numéricos possibilitou aos
Incas a manutenção do seu imenso império, pois não dispunham da escrita.
Empregando sistema decimal, representavam os registros numéricos por nós em
cordinhas coloridas, que depois eram insertas em uma maior, formando os chamados
"quipus" (palavra inca significando nó). Cada vila do império inca possuía oficiais
reais chamados de "quipucamayocs", ou guardiães dos nós, que tinham a função de
confeccionar e interpretar os "quipus". Até os nossos dias, nas ilhas Riou-Kiou, nas
ilhas Carolinas, na África Ocidental, entre certos índios da América do Norte, etc.,
encontramos o costume de usar nós em cordinhas para manter registros diversos.

2.4 Origens do conceito de número

No seu artigo "The Ritual Origin of Counting", publicado em 1962, A.


Seidenberg sustenta que a contagem foi inventada para uso em antigas cerimônias
religiosas, onde se representava o ritual da criação. Supõe que os participantes dos
rituais religiosos eram chamados em determinada ordem, aos pares, e a contagem se
desenvolveu com a especificação desta ordem. Isso explicaria a razão e a antigüidade
de sistemas de contagem em base 2, bem como a sua ampla distribuição geográfica.
Os nomes dos participantes no ritual, ou seja, as palavras que os anunciavam, eram de
caráter numérico. Assim, a "seriação" seria o ritual e a "conta" o mito.
Um mito, conforme o ponto de vista de Lord Raglan, nada mais é que o
conjunto de palavras associado a um ritual. Mito e ritual são complementares; ritual é
o drama mágico para qual o mito é o seu livro de palavras, que não raro sobrevivem
muito depois de ter cessado o desempenho do drama propriamente dito. Elevadas
"contas" poderiam assim ser produzidas, a partir de grandes procissões de
participantes. A base utilizada corresponderia ao número de pessoas no ritual
fundamental; a necessidade de números elevados proviria da contínua repetição desse
ritual fundamental.
Essa conjectura se apoia em certo número de fatos demonstrados em estudos
de tribos primitivas, bem como nos antigos escritos religiosos babilônicos, a saber: a
procissão ritual, a procissão ritual por pares, a presença em cena dos participantes do
ritual, a chamada que toma forma de número. Nesse caso, o aspecto ordinal teria
precedido o conceito quantitativo ou cardinal.
17
Resta a questão de se saber se no paleolítico superior existiriam realmente tais
rituais religiosos e se existem provas arqueológicas deles. André Leroi-Gourhan,
estudando a distribuição das pinturas e outros elementos decorativos encontrados nas
cavernas pré-históricas do paleolítico superior, chegou à surpreendente conclusão de
que ela não se dava ao acaso, mas era fruto de planificação ordenada, provavelmente
obedecendo a motivos rituais bem definidos. Esses bisões, mamutes, cavalos, etc.,
não são, portanto, apenas magníficas obras de arte, frutos de geniais artistas
paleolíticos, mas signos representativos de elementos rituais, cujo significado nos
escapa. Provavelmente estavam correlacionados com rituais de criação, porquanto,
como o próprio Leroi-Gorhan afirma, o homem só pode compreender e dominar
mediante símbolos de criação.
Certo é que essas representações mostram aparato simbólico muito mais
complexo e rico do que se tinha imaginado, existindo extraordinária unidade no seu
conteúdo figurativo, pois o sentido aparente das representações não parece ter variado
de 30000 A.C. a 9000 A.C., permanecendo o mesmo, seja nas Astúrias, seja nas
margens do Don. Essa extraordinária constância do dispositivo simbólico é a prova,
assegura Leroi-Gourhan, de que existia uma mitologia, elaborada desde muito cedo,
uma vez que já no Aurignaciense se atesta o emparelhamento dos animais e dos
signos. Provavelmente o conteúdo oral e operatório da religião paleolítica era
muito mais variado do que transparece nas figuras. A distribuição topográfica dos
signos ao longo das cavernas parece indicar que os rituais se processavam em etapas,
sendo então razoável a conjectura de Seidenberg de que os assistentes eram chamados
a participar de cada cena.
A suposição de que eram chamados aos pares repousa na hipótese de que a
contagem por 2 (base dois) é a mais antiga, porém já vimos que existem indícios (o
osso de Vestonice) de que há pelo menos 30000 anos já se contava agrupando-se 5 a
5 (base 5). De qualquer modo, mesmo que a procissão ritual se realizasse pela
chamada à cena de um indivíduo de cada vez, isso não altera o conjunto da
argumentação de Seidenberg, que permanece válido.
Essa conjectura enfatiza que o aspecto ordinal teve precedência histórica na
origem da contagem. Isso parece ser verdadeiro, mesmo se a contagem não teve
realmente origem ritual. No conceito de cardinação, o número de objetos em um
conjunto é determinado pela colocação deles em correspondência com os de outro
conjunto, por exemplo, os dedos da mão. Se achamos, digamos, cinco dedos, dizemos
que o número cardinal do conjunto é cinco. A ordenação determina o número de
objetos em um conjunto contando-os: um, dois, três, quatro, cinco. O último número
ordinal, cinco, é o número cardinal do conjunto.
Esses dois conceitos correspondem a duas importantíssimas correntes da
educação matemática moderna. A primeira dessas correntes busca a introdução do
conceito de número mediante as idéias de conjunto e de correspondência um a um
entre conjuntos, com base nos trabalhos de Georg Cantor (1845-1914), desenvolvidos
no final do século passado. Esse tratamento é muitas vezes conhecido como a
abordagem cardinal do conceito de número.
Enquanto Cantor estava lançando as bases da teoria moderna dos conjuntos,
Giuseppe Peano (1858-1932) procurava axiomatizar os números naturais e a sua
aritmética. Para isso desenvolveu um conjunto de cinco axiomas. Um desses axiomas
é que todo número natural tem um sucessor. Esse tratamento é denominado de
abordagem ordinal ao conceito de número. Enfatiza a idéia de contagem como
sucessão: um, dois, três, etc., ao invés da idéia de associação acentuada na
abordagem cardinal de número. Modernamente sabe-se que os conceitos são
18
equivalentes, mas resta o problema de identificar qual realmente tem precedência
histórica.
Charles J. Brainerd, da Universidade de Alberta, estudando como o conceito de
número se origina nas crianças, chegou à conclusão de que o conceito de número
natural surge da primeira compreensão da ordenação e não da primeira compreensão
da cardinação. Determinou que a ordem da emergência dos vários conceitos na mente
de uma criança é a seguinte: primeiro a ordenação, depois o conceito de número e, em
terceiro lugar, a cardinação; portanto, uma ontogênese numérica natural parece estar
baseada no conceito de ordem, a saber, primeiro a criança aprende os números
ordinais, depois os naturais e por último os cardinais. Isso parece indicar que a assim
chamada "Nova Matemática", com a sua ênfase no conceito de cardinação como
introdutório ao de número, não segue a ordem natural das coisas. Também é mais
natural ao pastor estabelecer a sucessão: uma ovelha, duas ovelhas, três ovelhas, etc.
Vamos considerar como numeral qualquer signo capaz de representar um
número. Se este signo é sinal gráfico, temos então os numerais no sentido habitual,
como normalmente os estudantes aprendem: 1, 2, 3, 4, ....; I, II, III, IV, ... Se este
signo é palavra, temos então o que é conhecido como "nome" dos números, ou
palavras para números: um, dois, três, quatro,....
O problema de contagem para uma criança surge quando a série dos numerais
é aplicada a um conjunto qualquer de objetos, pois a criança deve ter em conta que a
ordenação desses objetos é imposta pela série de palavras para números: um, dois,
três, quatro, ... e não por qualquer propriedade intrínseca dos próprios objetos, como
por exemplo tamanho; portanto o processo de contar requer ponderável grau de
abstração para a criança, mesmo para perceber que a ordem dos objetos não influi no
resultado do processo. Segundo Piaget, a criança domina os números em etapas
independentes, começando com os números de 1 a 7, continuando, em etapas
posteriores, com o domínio dos que vão de 8 a 15, do 16 a 30, até que finalmente
adquire controle efetivo sobre todo o sistema.
Quando se abstrai a identidade individual de cada elemento do conjunto,
quando a ordem no processo de contagem já não desempenha papel significativo,
principia a transformação dos números ordinais em cardinais. Um número ordinal,
como bem observa Crump, é adjetivo que só tem sentido se qualifica algo; um número
cardinal é substantivo que se pode encontrar sozinho. O número cardinal é uma
abstração, é a única propriedade em comum de todos os conjuntos que têm esse
número de elementos. Devemos observar que o número "5" é classe lógica, cujos
membros têm a propriedade de ter 5 elementos, e que todo membro desta classe "5" é
o resultado da adição de 2+3, 3+2, 2+2+1, 3+1+1, etc.
Contar objetos é habilidade cognitiva elementar, a qual não implica
compreensão operatória de número. A compreensão cabal das relações lógicas entre
adição, subtração, multiplicação e divisão é somente obtida, segundo Piaget, quando a
criança atinge o nível operatório. Pela manipulação física de contas, pedrinhas, etc., a
criança pode eventualmente efetuar multiplicações e divisões antes do estágio
operatório, mas ela faz isso mecanicamente e sem compreensão integral do que
realmente está fazendo.
Isso é o que ocorre nas tribos primitivas. Mesmo em sociedades com sistemas
verbais de número, contas parecem ser usualmente limitadas ao cálculo de totais,
enquanto multiplicação e divisão se baseiam no uso de objetos como contadores
(calculi). Gay e Cole, no seu estudo da matemática dos Kpelle, notaram que mesmo
quando aquelas pessoas colocam objetos juntos, retiram objetos, ou dividem objetos
19
entre conjuntos de pessoas, nunca têm a oportunidade de trabalhar com numerais
puros, nem falam deles.
Toda a sua atividade matemática está ligada a situações concretas; desse modo,
os números cardinais são ou precedidos pelo substantivo que eles enumeram
(conchas-cinco) ou conectados a um pronome (cinco-dessas, p.ex.). Podem efetuar
adições e subtrações simples com o uso de pedras, nas quais são acurados somente até
um horizonte de trinta ou quarenta. Parecem não ter uma operação como a
multiplicação. Divisão é obtida pelo uso de pedras, divididas em pilhas, tantas quantas
o divisor.
De modo geral, parece que as sociedades primitivas não necessitam do uso de
frações. O problema de dividir 20 conchas por 5 pessoas, ou seja, encontrar 1/5 de 20,
pode ser resolvido, construindo-se 5 montes (iguais) com as 20 conchas, obtendo-se 4
conchas para cada um. Para as suas necessidades quantitativas, o homem prático pode
escolher unidades suficientemente pequenas, dispensando o trabalho com frações;
portanto as sociedades primitivas podem efetuar contas (adição, subtração,
multiplicação e divisão) com o auxílio de contadores, dentro de certo limite, sem
terem noção dos fundamentos lógicos desses procedimentos.

2.5 Palavras para números

O conceito de número em sociedades iletradas foi questão investigada pelos


antropólogos no final do século passado e no princípio do presente, principalmente
por Tylor (1871), Conant (1896) e Lévy-Bruhl (1912). Esses estudos mostraram que
não existem sociedades que não mostrem alguma familiaridade com o conceito de
número, mesmo que esse conhecimento seja extremamente limitado, não se
estendendo para além dos números 1, 1 e 2, ou 1, 2 e 3.
À primeira vista, parece inconcebível que possa existir ser humano incapaz de
contar para além de 2, mas esse parece ser o caso, pois existem algumas poucas
línguas destituídas de palavras numerais puras. Os Chiquitos da Bolívia não têm
quaisquer numerais, mas expressam a idéia para "um" pela palavra etama, que
significa só, sozinho. Os Tacanas, também da Bolívia, não têm palavras para números,
exceto aquelas emprestadas do espanhol, ou do Aymara e Peno, línguas com as quais
estiveram longo tempo em contato. Umas poucas outras línguas sul-americanas são
igualmente quase destituídas de palavras para números.
Mesmo nessas línguas, o senso de número não falta de todo, alguma expressão,
ou alguma forma de circunlocução indicam o conceito da diferença entre um e dois,
ou, pelo menos, entre um e muitos. Essa distinção entre singular e plural parece
ocorrer em estágio muito primitivo de qualquer língua.
Como o desenvolvimento do conceito de número foi processo longo e gradual,
algumas línguas conservaram nas suas gramáticas uma distinção tripartite entre um e
dois e mais de dois, ao passo que a maioria das línguas atuais só faz a distinção de
número entre singular e plural. O proto-indo-europeu tinha forma de dual que,
gradualmente, desapareceu das línguas da família indo-européia, sobrevivendo apenas
umas poucas formas vestigiais, como no grego clássico (he cheir - "a mão"; tò cheîre
- "ambas as mãos"; hai cheîres - "as mãos). Formas para a tripla (a trial) e para a
quádrupla (a quaternal, sobrevivente em algumas línguas do Pacífico Sul), são ainda
mais raras.
O passo do dois para o três, "para além do dois", parece ter sido decisivo na
gênese do processo de contagem. Quando certa tribo de habitantes de uma ilha do Mar
20
do Sul conta por dois, urapun, okasa, okasa urapun, okasa okasa, okasa okasa
urapun (isto é, 1, 2, 2+1, 2+2, 2+2+1) sentimos que não deram o passo decisivo do
dois para o três. Mesmo assim constatamos, para o nosso espanto, que são capazes de
contar para além do dois sem serem capazes de contar até três! Do mesmo modo,
alguns pigmeus Africanos contam a, oa, ua, oa-oa, oa-oa-a, e oa-oa-oa para 1, 2, 3,
4, 5 e 6. Este é um dos fundamentos do argumento de Seidenberg de que a contagem
por pares (base dois) é a mais primitiva de todas.
Os membros da tribo australiana Aranda, segundo A.Sommerfeld, não possuem
mais que dois nomes para número, propriamente ditos: ninta para a unidade e tara
para o par, para três e quatro dizem, respectivamente: tara-mi-ninta (dois-e-um ) e
tara-ma-tara (dois-e-dois ). Para além do quatro empregam uma palavra que significa
"bastante". Certos indígenas da ilhas Murray, no Estreito de Torres, que separa a
Nova Guiné da península australiana do cabo York, só conhecem os seguintes nomes
para número: netat para "um", neis para "dois", neis-netat para "três" e neis-neis para
"quatro". Acima disso empregam algo parecido como " multidão".
Como vimos, esses indígenas só possuem nomes para os números um e dois, o
três e o quatro são formados pela justaposição das palavras para um e dois, algo como
dois-um e dois-dois; para além do quatro, empregam expressões como muitos,
multidão, inumeráveis. Outras tribos, como os Botucudos do Brasil, os Abipones do
Chaco do Paraguai, determinados índios da Terra do Fogo, para citar algumas,
também procedem assim. Os Botocudos, ao dizerem "muitos", apontam para os
cabelos, como se quisessem dizer: "depois de quatro, são tão inumeráveis como os
cabelos da cabeça".
Os Yanomami, do Brasil, não conseguem contar para além de três.
Recentemente ocorreu um episódio, que vale a pena ser mencionado, como ilustração
do modo de pensar primitivo. Garimpeiros atacaram uma aldeia desses índios,
dizimando vários deles. As manchetes citavam cifras para o número de mortos
variando entre um punhado e várias dezenas, pois os relatos dos sobreviventes não
conseguiam quantificar os abatidos, por não saberem contar. Além disso, esses
silvícolas têm por costume incinerar os falecidos e ingerir as cinzas, como forma de
respeito e homenagem. Desse modo, não restavam provas materiais que permitissem
quantificá-los.
A questão do número de mortos, após ampla celeuma, só foi resolvida por um
antropólogo, o qual pediu que os sobreviventes lhe dissessem os nomes dos
desaparecidos. Após ter elaborado uma lista desses, contou-os, fornecendo assim o
total dos mortos. Esses indígenas, muito primitivos, conseguem perceber a falta de um
membro do seu grupo não pelo processo de contagem, mas por outros meios, como
laços de parentesco, de amizade, etc. Isso também não é exemplo de senso numérico,
pois os elementos faltantes do conjunto são identificados pelos seus traços
característicos.
Quanto ao uso de outras bases, certa tribo da Terra do Fogo tem os seus
primeiros nomes para números baseados em 3, e algumas tribos sul-americanas usam
4. A base 5, como seria de se esperar, parece ter sido a primeira base amplamente
disseminada. Por exemplo, entre os Galibi do Brasil : atoneigne oietonai - uma mão :
5; oia batoue - a outra mão : 10; poupou patoret oupoume - pés e mãos : 20. Embora
ao longo da história o uso de contar pelos dedos, isto é, empregando bases 5 e 10,
pareça ter surgido mais tarde do que contar por dois ou três, os sistemas quinário e
decimal quase invariavelmente ganharam do binário e do ternário.
Como já Aristóteles tinha observado, o uso hodiernamente difundido do
sistema decimal parece ser apenas o resultado do acidente anatômico de que nós
21
normalmente nascemos com dez dedos nas mãos e dez dedos nos pés. Struik cita uma
investigação levada a cabo pela Universidade de Stanford sobre 307 sistemas de
numeração empregados por tribos primitivas americanas. Destes, 146 empregavam a
base decimal, 106 usavam base quinária-decimal, 81 eram binários, 35 eram
vigesimais e quinário-vigesimais, 3 eram ternários e somente um utilizava a base 8.
Traços de sistema de base 12 também podem ser encontrados, principalmente
relacionados com medições. Essa base pode ter sido sugerida talvez porque 12 tem
muitos divisores inteiros, ou talvez porque é o número aproximado de lunações em
um ano.
A base 20, pelo fato de corresponder ao número de dedos das mão e pés, foi
muito usada. O mais conhecido sistema vigesimal é o maia, embora traços de sistema
céltico de base 20 possam ser encontrados no francês quatre-vingts ao invés de
huitante e quatre-vingt-dix ao invés de nonante.
Os sumérios introduziram a base 60, posteriormente adotada pelos demais
povos da Mesopotâmia. Ainda hoje a empregamos para medidas de tempo e de
ângulo.
Bases mistas são raras, como por exemplo entre os Yukaghirs da Sibéria, que
contam: um, dois, três, três e um, cinco, dois três, um mais, dois quatros, dez faltando
um, dez. É importante observar que, se uma sociedade possui extenso sistema verbal
de números, somente este fato não nos capacita para afirmar que possui conceito
operacional de número.

2.6 Cômputo digital

O uso dos dedos para contar remonta às origens desta arte. Sem os nossos
dedos, o desenvolvimento dos números, e consequentemente o das ciências exatas,
teria sido desesperadamente tolhido. Nos dedos o homem possui o artifício que lhe
permite passar imperceptivelmente dos números cardinais para os ordinais e vice-
versa. Para indicar que a coleção possui, digamos, 4 objetos, erguemos ou abaixamos
4 dedos simultaneamente. Se quisermos contar essa mesma coleção, erguemos ou
abaixamos os dedos em sucessão. No primeiro caso, empregamos modelo cardinal; no
segundo, estamos usando os dedos como sistema ordinal.
Diversas tribos primitivas associam partes do corpo a números, como auxílio na
contagem. Certos insulares do Estreito de Torres contavam visualmente da seguinte
maneira: primeiro tocavam os dedos da mão direita um a um, depois o punho, o
cotovelo direito e a espádua respectiva, depois o externo, em seguida as articulações
do lado esquerdo, sem esquecer os dedos da mão esquerda. Assim obtinham 17. Se
não era suficiente, ajuntavam os dedos do pé, os tornozelos, os joelhos e as ancas.
Obtinham assim mais 16, totalizando 33. Se isto ainda não era suficiente, recorriam a
pacote de pequenos bastões. Esses métodos de "contagem visual" dão idéia plausível
do que, sem dúvida, os nossos antepassados empregavam como suporte material do
conceito numérico.
Mais tarde, passaram a empregar os dedos para fazer contas. A primeira
máquina de calcular da humanidade foi a mão. Nada conhecemos diretamente sobre o
cálculo digital na pré-história. Os egípcios, os romanos e os gregos conheciam e
empregavam o cálculo digital. Também os chineses, os astecas, os hindus, os árabes,
os persas e os turcos. De que o seu emprego é muito antigo, não restam dúvidas.
Existe, por exemplo, uma gravura em certa mastaba em Saqqara, que data do XXVI
séc. A.C. (Fig. 2.1), que mostra o que parece ser levantamento de uma certa
22
quantidade de grãos. Enquanto alguns parecem efetuar cálculos com o auxílio dos
dedos, o escriba registra os resultados ditados (Ifrah, Histoire, p.91).

2.7 Formas, áreas e volumes

Fig 2.1- Cômputo digital. Egito: Antigo Império; XXVI séc. A.C.; Mastaba D2- Saqqara.

O homem do neolítico desenvolveu um sentimento para formas e desenhos


geométricos. A queima e pintura de cerâmicas, a manufatura de cestas, a tecelagem,
que exigia padrões para os tecidos e, mais tarde, o trabalho com metais, propiciaram o
cultivo das relações planas e espaciais. Padrões empregados em danças também
devem ter contribuído para tal. A ornamentação neolítica revela especial interesse na
congruência, na simetria e similaridade das formas. Relações numéricas podem ter
entrado em algumas dessas figuras, como em certos padrões pré-históricos que
parecem representar números triangulares, enquanto outras mostram números
"sagrados”. Muitos desses padrões permaneceram populares, mesmo em tempos
históricos. Belos exemplos podem ser encontrados em vasos minóicos e do período
geométrico grego, em mosaicos posteriores, árabes ou bizantinos, e na tapeçaria persa
e chinesa.
Originalmente esses padrões podem ter tido significado mágico ou ritual, porém
o seu apelo estético gradualmente dominou. A magia permeava as cerimônias
religiosas, e esse componente mágico deve ter sido incorporado às concepções de
número existentes, bem como na escultura, na música e nos desenhos. Havia (e ainda
há !) números "mágicos", como 3, 4, 5, 7; figuras "mágicas" tais como a suástica, a
espiral ou o pentagrama. Alguns autores chegam até a considerar esse fator como
preponderante no desenvolvimento da matemática da época. Embora as raízes sociais
da matemática possam estar obscurecidas hoje em dia, indubitavelmente devem ter
exercido significativo papel no seu tempo. A numerologia "moderna" certamente tem
raízes nesta época
Sobre as origens da geometria, é importante citar o testemunho do historiador
grego Heródoto (c.485-c.420 A.C.), na descrição do Egito:
"Foi este rei (Sesóstris), todavia, que dividiu a terra em lotes e deu a
cada um lote quadrado de igual tamanho, do produto do qual ele cobrava
uma taxa anual. Todo homem cuja propriedade fosse danificada pela cheia do
rio (Nilo) deveria ir e declarar sua perda diante do rei, que enviaria
inspetores para determinar a extensão da perda (quanto sua propriedade
tinha se tornado menor), de modo que ele poderia pagar no futuro uma
quantia menor que a taxada para sua propriedade. Talvez este seja o modo
23
pelo qual a geometria foi inventada, e transmitida adiante para a Grécia-..."
(Heródoto: Histories, p.169)
Os "inspetores" que o texto cita eram conhecidos como "estiradores de corda"
(grego: harpedonaptai; árabe: massah; assírio: masihanu), os quais realizavam
levantamentos com o auxílio de cordas, mais ou menos como nossos agrimensores ou
topógrafos modernos.
Aristóteles achava que a geometria se tinha originado no Egito porque existia aí
uma classe sacerdotal com tempo suficiente de lazer para se lhe dedicar. Platão, no
Fedro, diz: "Na cidade de Naucratis, no Egito, havia um famoso deus antigo cujo
nome era Tot; o pássaro chamado íbis era-lhe consagrado, e foi o inventor de muitas
artes, tais como a aritmética, o cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas
e dos dados, mas sua grande descoberta foi o uso das letras". (Cajori, History, p.9)
Essa atribuição da origem da geometria a Tot é nitidamente lendária: é evidente o
propósito de os sacerdotes atribuírem ao seu deus todas as principais descobertas que
beneficiaram a humanidade.
A conexão do nascimento da geometria com enchentes de rios, que apagavam
divisórias de terras férteis, e que, portanto, precisavam serem restituídas, também
pode ser feita na Mesopotâmia, com as enchentes do Tigre e do Eufrates, o que é
muito menos conhecido que a história paralela do Egito. Como também tinham uma
classe sacerdotal com tempo de lazer, os argumentos que os gregos listam para situar
a origem da geometria no Egito também servem para apontar a Mesopotâmia como a
sua fonte.
Na realidade, o ponto fundamental dessa história toda, que escapou a Heródoto
e a Aristóteles, não é o fato de uma classe sacerdotal ter tempo de lazer para se
dedicar à geometria ou à necessidade da restituição de divisas obliteradas. A
descoberta, se se pode assim denominar, realmente basilar, é a da agricultura.
Somente depois de a humanidade praticar a agricultura é que surgiram excedentes
econômicos que permitiram a existência de classes sacerdotais ou dominantes, com
lazer disponível para atividades como a astronomia e a matemática: a espécie passava
de homo vacans para homo sedens, isto é, o sedentário substituía o nômade.
O cultivo agrícola nas terras fertilizadas pela enchente anual do Nilo permitia o
pagamento, em espécie, da taxa imposta pelo faraó. A cobrança dessa taxa só era
possível porque havia excedente de produção, ou seja, nem toda a safra era empregada
na subsistência dos camponeses. A parcela excedente em parte se comerciava e em
parte servia ao pagamento do imposto, o qual permitia a manutenção da elite. Esse
excedente originou o comércio, baseado no escambo. Como não havia moeda na
época, as trocas tinham de ser efetuadas em espécie. Os bens necessitavam ser
quantificados, medidos, para que a equação da permuta pudesse ser satisfeita: uma
quantidade x do bem A equivale a uma quantidade y do bem B.
A necessidade de medições, de comprimentos, de áreas ou de volumes é que
parece ter dado origem à geometria. A mensuração exige conceito operacional de
número, que se estende além de simples cálculos aritméticos processados com
contadores, como já vimos. Depende, igualmente, do conceito de unidade; com esta
quantidades diferentes, da mesma espécie, podem ser comparadas. Também envolve
seriação e iteração da unidade.
No caso de grãos, que era o principal produto agrícola da época, a maneira mais
fácil de se medir determinada quantidade era medir o volume por ela ocupado, como
por exemplo cesto ou jarro de grãos. Daí a necessidade de se conhecerem cálculos de
volumes e de unidades volumétricas.
24
É interessante observar o tradicional costume de se empregar as denominadas
"medidas-semente". Por exemplo, certo costume muito antigo de se medir terra no
velho mundo, que sobreviveu até os tempos modernos, era baseado na quantidade
(volume) de grãos que seria necessária para plantá-la. Ainda hoje se usa a expressão
"área de um litro" para designar a área que pode ser plantada com a quantidade de
sementes que cabe em um litro.
Os babilônios, bem como outras nações asiáticas, também empregavam para
medir terras a quantidade de sementes necessária para semear um campo, idéia essa
encontrada em muitos documentos assírios antigos. Os hebreus igualmente
empregaram para medida ou a quantidade de semente requerida para semear a terra,
ou a área que podia ser arada por uma junta de bois, sendo essa última unidade
denominada de zemed, que no Antigo Testamento é algumas vezes traduzida por
acre. Como o emprego desse tipo de mensuração para áreas é muito subjetivo, pois
envolve o problema de espaçamento das sementes, devem ter sentido a necessidade de
outros métodos para cálculo de áreas, bem como de novas unidades para tal.
A noção de pesar dada porção de grãos para quantificá-la, envolve notável
desenvolvimento tecnológico: a balança. Possivelmente pode ter sido descoberta ao
se procurar alternativas para o uso de volumes como medida. Determinadas unidades
de volume, como por exemplo um metro cúbico, são muito difíceis de ser
confeccionadas, padronizadas e de uso quase impraticável. Já as unidades de peso são
portáteis e muito mais práticas, bem como facilmente padronizáveis.
Com a padronização das unidades, de qualquer tipo, surgiu a necessidade do
emprego de múltiplos e submúltiplos delas. O problema da metrologia antiga é
particularmente interessante; voltaremos a ele mais adiante. Uma unidade de área, por
exemplo um metro quadrado, é de difícil construção e de emprego praticamente
impossível. Imaginemos alguém, portando o quadrado de metro de lado, e procurando
aplicá-lo na medida de campo. O emprego de unidades de área requer ponderável
grau de abstração.
A necessidade da divisão das terras, principalmente as irrigadas ou fertilizadas
por inundação, que gerassem lotes quadrados, retangulares, losangulares e mesmo
irregulares deve ter forçado a procura de métodos para o cálculo das suas áreas, o que
permitiria a comparação entre os lotes de formato diverso.
Os desenhos desses lotes devem ter sido fonte de inspiração para a procura de
relações geométricas nas diversas figuras, criando assim talvez a semente da nossa
geometria plana. Encontramos diversos exemplos desses desenhos, associados a
relações geométricas, em documentos egípcios e babilônios.
Que mensurações primeiro se realizaram, se área, volume ou peso, bem como as
suas relações geométricas, eis um problema que permanece aberto. Mostramos um
cenário possível. As implicações que as exigências motivadas pela agricultura
ocasionaram no desenvolvimento da matemática da época merecem serem mais bem
estudadas.
Como tivemos oportunidade de apreciar, o nosso conhecimento da matemática
pré-histórica está longe de ser satisfatório. Existem raríssimas evidências diretas,
arqueológicas: a imensa maioria são evidências indiretas, conjecturas, analogias com
dados antropológicos, etnológicos, da psicologia infantil ou mesmo lingüísticos.
Expressões como "parece", "pode ser que", "talvez" e outras igualmente nebulosas ou
vagas permeiam o texto. Resumindo, o nosso corpo de conhecimentos desses
primórdios é composto basicamente de conjecturas e analogias.

25
26
27
CAPÍTULO III

MATEMÁTICA MEGALÍTICA
Casta Diva, che inargenti
Queste sacre antiche piante,
A noi volgi il bel sembiante,
Senza nube e senza vel.

Bellini.Norma.

3.1 Monumentos megalíticos

O megalitismo é traço cultural que consiste em dispor intencionalmente, ou


utilizar para a construção de monumentos de tipos diversos, pedras de grandes
dimensões, brutas ou algumas vezes talhadas.
Os mais antigos são os chamados "túmulos de passagem", encontrados em
Portugal, na Espanha e na Grã-Bretanha, datando de 4800 a 3000 A.C. Um túmulo de
passagem é constituído basicamente de câmara funerária redonda central, construída
no meio de um monte de terra artificial, com passagem de pedra que conduz à câmara.
Algumas vezes foram edificadas câmaras laterais. Localizam-se normalmente perto da
costa, sendo aproximadamente do mesmo tipo nos três países citados. Um dos mais
famosos túmulos deste tipo é o erigido em Newgrange, na Irlanda, por volta de 3300
A.C Parece ter sido cuidadosamente orientado: uma pequena abertura, localizada
sobre a sua entrada permite que os raios do sol nascente no solstício de inverno
iluminem a câmara funerária. Outros desses túmulos também demostram orientação
astronômica.
Os esqueletos neles desenterrados são de um tipo encontrado mais
freqüentemente nos países mediterrâneos, de cabeça comprida e baixa estatura. Parece
terem vindo de Portugal até a Bretanha por mar, e depois para a Inglaterra, Escócia e
Irlanda. Deviam ter consideráveis habilidades em construção de embarcações, em
navegação e arquitetura.
Os monumentos megalíticos são nominados com uma terminologia de origem
britânico-galesa:
1. Os dólmens (de dol ou tol, mesa e men-pedra) são câmaras formadas
por suportes verticais e cobertas por lajes horizontais; eram os únicos
monumentos megalíticos com a função bem definida de câmaras sepulcrais.
2. Os menires são pedras, normalmente isoladas, erguidas na posição
vertical; a sua denominação vem de men-pedra e hir-comprida.
3. Os cromlech (crom-círculo ou curva, lech-lugar) são formados por
menires dispostos em círculo.
4. Os alinhamentos (do francês alignement) são pedras verticais
dispostas em filas para formar longas avenidas (avenue); as filas de pedras em
Le Menec, Bretanha, França, estendem-se por 1167 metros, com largura média
de 100m; as de Carnac, situadas pouco distantes, por mais de cinco mil
metros; são compostas por vários milhares de pedras em pé, representando a
maior concentração de remanescentes megalíticos na Europa.
5. Os henge, que começaram a ser construídos pouco antes de 3000
A.C.; eram lugares de encontro, circundados por muros de terra ou fossos.
28
O mais famoso henge é Stonehenge, em Wiltshire. Do centro do seu círculo de
terra, com quase 100 m de diâmetro e 1,8 m de altura, podemos ver o levantar do Sol
sobre a pedra conhecida como Heelstone (pedra do calcanhar), no dia do solstício do
verão, 21 de junho. Heelstone é um monólito hoje com 4,8 m, situado a cerca de 76,8
m do centro geométrico do monumento.
O fosso, o círculo de terra, os buracos de Aubrey, os buracos do
estacionamento e Heelstone pertencem ao que é conhecido como período Stonehenge
I, construído entre 2350 e 1900 A.C., aproximadamente.
Ao Stonehenge II (c.1900-1770 A.C.) pertencem os dois círculos interiores
concêntricos das chamadas "pedras azuis", assim denominadas devido à sua cor azul-
esverdeada. Esse projeto, ao que parece, nunca foi completado.
No período Stonehenge III (c.1700-1350 A.C.) as grandes pedras sarcenas
foram trazidas de Marlborough Down, situado a 34 km ao norte dali, e erguidas no
monumento. Os cinco grandes trilitos, que formam uma espécie de ferradura, foram
colocados dentro de um círculo (círculo sarceno) de trinta pedras verticais encimadas
por pedras horizontais, denominadas lintéis. As pedras que estão em pé no círculo
sarceno pesam cerca de 25 t cada uma e têm altura de 4,2 m acima do chão. Cerca de
0,9 a 2,1 m de cada pedra estão enterrados no chão. Os lintéis pesam 7 t cada. Os
trilitos em ferradura são as maiores pedras do monumento; o do sudoeste é o maior de
todos, erguendo-se a 7,2 m do chão. A sua pedra vertical do oeste pesa 50 t. O
conjunto de pedras de Stonehenge representa uma massa de 1850 t.
Procuramos, sempre que possível, fornecer dados como dimensões e pesos dos
elementos constituintes desses monumentos, para que se possa aquilatar o tremendo
esforço exigido para a sua construção, levando-se em conta os meios e técnicas
rudimentares então disponíveis.
Para se ter idéia de tal esforço, estima-se que a construção de Stonehenge
exigiu cerca de trinta milhões de homens-hora de trabalho! As pedras azuis vieram
dos montes Prescelly, em Pembrokeshire, no País de Gales. Isto exigiu uma viagem
de 390 quilômetros, boa parte por rios e mares.
Silbury Hill, perto de Avebury, é grande monte artificial de terra; a sua
construção exigiu não menos que dezoito milhões de homens-horas de esforço.
Atkinsons estima que o monumento foi completado em somente dois anos, o que
implica em equipe de 3700 homens trabalhando oito horas por dia, trezentos dias por
ano. Isto exige organização que, mesmo nos dias atuais, não é fácil de ser encontrada.
O mais impressionante de todos os menires é o Er-Grah, ou Le Grand Menir
Brisé, localizado perto da cidade de Locmariaquer, perto de Carnac, na Bretanha.
Agora está caído e quebrado em cinco peças, uma das quais não está mais no local.
Deveria ter de peso mais de 350 toneladas e, quando em pé, mais de 20 metros de
altura. Para deslocar sobre rolos esse menir necessitaríamos dos esforços de 1750
homens ou de 250 bois. Uma pequena rampa de só 2 % elevaria estes números para
2100 homens ou perto de 300 bois.
Uma pedra com apenas 40 t, como o dólmen de Rochechouart, de tamanho
comum nessas construções, exige 225 homens para a deslocar sobre rolos e quase
300 em rampa de 2 %.
Esses números podem ser muito superiores, se considerarmos as dificuldades
de coordenação, com número mais elevado de manobras.
Alguns “henges” eram construídos com estruturas de madeira e provavelmente
tinham cobertura. O mais famoso destes é Woodhenge, perto de Stonehenge. Foi
descoberto em 1925 por fotografia aérea, e é provavelmente contemporâneo de
Stonehenge I. Esse tipo de estrutura recebe o nome de megaxílica. De modo geral, os
29
“henges” não eram habitados. Parecem ter sido locais de encontro cerimonial e,
provavelmente, observatórios astronômicos.
Antes de 4500 A.C., o sul da Inglaterra era ocupado por bandos dispersos de
caçadores nômades. Em torno de 4300 A.C., vindos da Europa, chegaram à Inglaterra
agricultores neolíticos, trazendo consigo o gado, a agricultura, o trigo, os instrumentos
primitivos de pederneira e osso e a cerâmica. Esses imigrantes são conhecidos como
povo Neolítico Antigo ou povo de Windmill Hill.
Logo depois chegaram outros pequenos grupos vindos da França, que se
fundiram com os aborígines e produziram a chamada cultura neolítica superior. Eles
foram os responsáveis pela construção de Woodhenge, Stonehenge I e Silbury Hill.
Por volta de 2500 A.C. o povo Beaker foi da Holanda e do Reno para a
Inglaterra, levando consigo o uso do metal trabalhado. Era pouco numeroso, porém
foi bem sucedido, dominando a cultura no sul da Inglaterra. O nome com que se
denominava nos é desconhecido, como também os nomes dos outros povos neolíticos
que os precederam. Nós os chamamos de Beakers devido às suas elaboradas taças
(Beakers) de cerâmica, as quais eram enterradas com os seus mortos. Os Beakers e o
povo do Neolítico Superior devem ter construído o conjunto de Avebury e
Stonehenge II.
À proporção que mais Beakers chegavam à Grã- Bretanha, as várias culturas se
fundiram em uma única, a cultura Wessex. Tal cultura provavelmente foi responsável
pela construção de Stonehenge III.
Por volta de 1800 A.C., teve a Inglaterra a sua cultura do bronze, dominada por
aristocracia forte e poderosa., que estendeu laços comerciais com a Europa Central,
Irlanda, Creta e mesmo a Grécia. Dessa fase possivelmente se originaram as lendas
gregas da ilha Hiperbórea.
A cultura megalítica não se confinou à Grã-Bretanha, a Portugal e Espanha.
Podemos acrescentar a península Escandinava, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a
Alemanha e a Polônia. Os monumentos de Malta são muitos conhecidos; datam de
4000 a 2000 A.C.. No segundo milênio antes da nossa era, túmulos de passagem com
grandes cúpulas foram construídos em Micenas. No terceiro milênio encontramos
impressionantes túmulos de passagem megalíticos no Egito: as pirâmides. A
tecnologia necessária para a construção dos grandes templos egípcios do segundo
milênio rivaliza ou supera a que nós admiramos em Stonehenge III. No Cáucaso, os
monumentos do tipo dolmênico são numerosos, e datam do III milênio até os fins do
II.
O Oriente Próximo também conta com concentrações megalíticas distribuídas
nas regiões montanhosas da Síria, do Líbano e da Jordânia. São pouco conhecidas;
trata-se de conjuntos de monumentos modestos, com um pequeno número de
inumações (duas a cinco), agrupados em necrópoles, que datam do fim do IV e início
do III milênio. O Irã, o Paquistão, a Índia Central e Meridional parecem conter poucas
e mal conhecidas sepulturas megalíticas. Na Índia do Sul existe importante conjunto
megalítico, relativamente bem conhecido. A data do conjunto é a Idade do Ferro, ou
seja a segunda metade do primeiro milênio antes de nossa era. Menires e
alinhamentos são conhecidos na Índia Meridional, embora em menor quantidade que
as sepulturas, com as quais parecem manter alguma relação.
Outros exemplos podem ser citados ao redor do globo, mas são de datas mais
tardias, e provavelmente não têm laços culturais em comum, a não ser o
aproveitamento de material lítico.
30
3.2- Sinopse histórica da ciência megalítica

Uma das mais antigas referências à ciência megalítica pode ser encontrada em
Diodorus Siculus, escritor romano que viveu no primeiro século antes de Cristo, autor
de uma História Universal. Diodorus narra a história do povo que habitava a ilha de
Hiperbórea, citando uma desaparecida "História dos Hiperbóreos".
Os hiperbóreos são descritos como raça que vive no norte, "para além do vento
norte" (hiper-além, bóreas-vento norte), em suas palavras, que adoravam o deus solar
Apolo. A sua ilha era fértil e produtiva: produziam duas colheitas por ano (o que é
possível, mesmo para países tão setentrionais como a Noruega, para determinadas
colheitas). Leto, mãe de Apolo, supostamente nascera naquela ilha; por isto Apolo aí
era adorado acima dos outros deuses. Na sua ilha, os hiperbóreos construíram um
recinto sagrado dedicado a Apolo, e um templo "esférico" na forma. Os encarregados
desse recinto sagrado eram chamados de boreais, e a sua sucessão se dava por
nepotismo hierárquico.
É interessante notar que Diodorus diz que a Lua, vista da ilha, parece estar
muito perto da Terra, e que apresentava protuberâncias na sua superfície. O que é
realmente notável em Diodorus é a menção de que o deus Apolo visitava a ilha cada
19 anos, referência direta ao chamado ciclo metônico, assim denominado em
homenagem ao astrônomo grego Meton, o qual, no quinto século A.C., notou que 235
meses lunares eram iguais a 19 anos lunares, ou seja, depois de dezenove anos as
fases da Lua (cheia, minguante, nova, crescente) se repetiam, com a diferença de
algumas poucas horas, nas mesmas datas do calendário. Esse ciclo também era
conhecido pelos babilônios.
No tempo de sua aparição, o deus tocava cítara e "dançava continuamente"
através do equinócio vernal até o aparecimento das Plêiades. A alusão ao "deus
dançando continuamente" sempre intrigou os estudiosos da astronomia mitológica,
pois é alusão a evento celestial específico. George C. Lewis, conhecido estudioso da
antigüidade grega, cita na sua obra idéias antigas sobre a "dança das estrelas", que ele
acreditava ser referência à dança das estrelas circumpolares.
Muita da informação de Diodorus foi obtida de Hecateus (c. 500 A.C.), mas
outros autores antigos, como Heródoto (c.485-C.420 A.C.), também citam os
hiperbóreos. Heródoto menciona a sua existência, porém lhe faz reservas: "...Deixem-
me acrescentar, todavia, que, se os hiperbóreos existem "para além do vento norte",
também devem existir os hipernótios "para além do (vento) sul" (Heródoto, História,
p.282). De qualquer maneira, isto mostra que a referência aos hiperbóreos já era
antiga no tempo de Heródoto. Para confirmar esta opinião, notamos que Heródoto
menciona que Hesíodo e (talvez) Homero também citam os hiperbóreos. Isto faz-nos
remontar ao oitavo século antes de Cristo, mas provavelmente a tradição é muito mais
antiga.
Nenhuma outra evidência aponta qualquer conexão desta história com a Grã-
Bretanha, a não ser pela referência ao templo "esférico", que podemos associar
principalmente com Stonehenge, embora talvez outros monumentos megalíticos
circulares também possam ser associados. A referência à proximidade da Lua é
explicada pela ilusão de grandeza que a Lua cheia apresenta quando se eleva acima do
horizonte, especialmente em altas latitudes.
Newall também chama a atenção ao fato de que as dezenove pedras azuis
(bluestones) existentes em Stonehenge podem ser associadas com o ciclo metônico de
dezenove anos. Hoje é sabido e aceito que Stonehenge possui alinhamentos solares
(além de lunares e outros); o principal deles é o alinhamento solsticial de seu eixo.
31
Este alinhamento era conhecido há tempos. William Stukeley em 1740, e John Smith
em 1771, já tinham chamado a atenção para o fato.
Stonehenge parece não ter alinhamentos com as Plêiades, porém outros sítios
têm, como Calanish, na Escócia. Calanish possui alinhamentos para a Lua (com o seu
ciclo de dezenove anos), com o sol equinocial e com as Plêiades, contendo assim
todos os ingredientes da passagem de Diodorus. Naturalmente, é impossível saber
com certeza a que monumento Diodorus se reportava, nem ao menos se ele se referia
à Grã-Bretanha, mas ao menos Calanish exibe os alinhamentos requeridos.
Outro povo relacionado com a ciência megalítica é o celta. Os celtas
habitaram a Grã-Bretanha e boa parte da Europa, durante o último milênio da era pré-
cristã. Os seus sacerdotes, os druidas, estão hoje, graças à imprensa sensacionalista
pseudocientífica, associados com os monumentos megalíticos. Aparecem, perante o
grande e ingênuo público, como atores de cerimônias misteriosas e portadores de
conhecimentos profundos e de grande antigüidade; porém a classe dos druidas
somente se estabeleceu definitivamente na Grã-Bretanha por volta de 300 A.C. Na
realidade, estes monumentos são muito mais antigos, construídos entre, digamos,
4500 e 1000 A.C. . O povo celta pode, porém, ser deles descendente e ter herdado
algumas das tradições dos construtores megalíticos.
Vejamos o que autores clássicos dizem a seu respeito. Júlio César, no seu livro
De Bello Gallico, livro 6, parágrafo XIV, (provavelmente citando Posidônio: c.135-
50 A.C.), atribui-lhes muito conhecimento: “Multa praeterea de sideribus atque de
eorum motu, de mundi ac terrarum magnitudine, de rerum natura, de deorum
immortalium vi ac potestate disputandi tradunt.” Em vernáculo temos: “Além de
muitas outras realidades, discutem no que concerne aos astros e aos seus
movimentos, à grandeza do universo e das terras, à natureza das coisas, à força e ao
poder dos deuses imortais, especulações que transmitem à juventude”.
Plínio conta que os druidas eram superiores em conhecimento ao resto da
nação e que sua educação, para alguns, levava vinte anos. Estavam presentes a todos
os ritos religiosos, obedeciam a um chefe supremo que tinha autoridade sobre todos os
outros. Existiam proibições contra o registro escrito dos seus conhecimentos. Destas
citações podemos concluir pela existência de uma classe sacerdotal, com
conhecimento e estudo, que possivelmente era depositária da ciência acumulada.
Vejamos agora o que diziam alguns comentaristas antigos sobre o mais famoso
dos monumentos megalíticos, Stonehenge. É mencionado em crônicas a partir do
século doze da nossa era. Nesse século Henry de Huntington refere-se a ele como uma
das quatro maravilhas da Inglaterra, as outras três sendo aparentemente obras da
natureza. Geoffrey de Monmouth, monge galês, no mesmo século, também o cita em
sua História dos Reis da Grã-Bretanha, obra que é a origem de todas as lendas que
correlacionam Stonehenge com o rei Artur e o mago Merlin.
Em 1624 certo Edmund Bolton sugeriu que era o túmulo de Boadicéia, rainha
pagã que combateu os romanos no século primeiro.
Em 1655, Inigo Jones, agrimensor real, afirmou, no seu Stone-Heng Restored,
que era obra dos romanos.
Walter Charleton escreveu, na sua obra Chorea Gigantum, que era
monumento dinamarquês do século nono.
Foi no tempo de John Aubrey, cerca de 1663, que começaram as primeiras
associações com os druidas e todas as lendas que daí se propagaram, como podemos
verificar no seu manuscrito impublicado Monumenta Britannica. Aubrey era
personagem influente, amigo do rei e membro da Royal Society de Londres. Foi
também o descobridor do círculo externo de 56 buracos do monumento, que hoje leva
32
o seu nome. Esses buracos permanecem como uma das características mais
misteriosas do monumento. Cerca de metade foi escavada; os restantes foram
determinados por meio de sondagens. A maioria contém restos de seres humanos
cremados. Após sua abertura foram novamente fechados, e muitos, em datas
posteriores, foram reabertos para receberem restos humanos.
O tema dos druidas foi retomado por William Stukeley em 1740, quando ele
publicou o seu Stonehenge, a Temple Restored to the British Druids. Stukeley
acreditava ter descoberto que os construtores de Stonehenge tinham empregado uma
unidade de medida que denominou de "cúbito druida", com cerca de 52,5 cm.
Também foi o primeiro a apontar um alinhamento astronômico no monumento, como
já vimos.
Outro apologista dos druidas foi John Smith, que em 1771 publicou um
panfleto intitulado Choir Gaur the Grand Orrery of the Ancients Druids, no qual
sustentava que Stonehenge funcionava como planetário, mas que, em vez de
mecanismo para mostrar movimentos dos planetas, era calendário de pedras
Endossava igualmente o alinhamento solsticial dele. As especulações astronômicas de
Smith muito influenciaram os estudos posteriores do monumento.
Flinders Petrie, que viria a se tornar o maior egiptólogo britânico, chegou a
efetuar um levantamento do monumento em 1880, produzindo assim o primeiro
desenho realmente acurado, que ele supunha (mas não é) preciso ao nível de uma
polegada. Escreveu em seu Stonehege: Plans, Descriptons and Theories que estava
convencido de que o monumento era anterior aos tempos romanos, mas que talvez
algumas das pedras poderiam ser do tempo deles.
A partir dos fins do século dezenove, dificilmente transcorreu um ano sem que
alguma nova teoria excêntrica associasse Stonehenge com a Atlântida, a Lemúria ou
mesmo afirmando que fora construído para servir como templo budista.
Hoje sabemos que sua construção foi efetuada em três períodos: Stonehenge I
(2350-1900 A.C.), Stonehenge II (1900-1700 A.C.) e Stonehenge III (1700-1350
A.C.), pré-datando em muito os episódios que algumas destas extravagantes teorias
contemplam.
Sir Norman Lockyer, astrônomo autodidata, foi um pioneiro dos estudos
astrofísicos do Sol, estudou a orientação de templos na Grécia e no Egito e, no
começo deste século, em 1901, já sexagenário, dirigiu a atenção para Stonehenge. A
opinião de Lockyer era que Stonehenge fora templo solar, e que a sua orientação
astronômica tinha servido principalmente para finalidades rituais. Estudou outros
locais na Grã-Bretanha, desde Cornwall até as Orkney, encontrando indicadores
astronômicos em muitas construções megalíticas.
Concluiu que o eixo, ou Avenue, de Stonehenge, está alinhado com o nascer
do Sol no solstício de verão. Também confirmou a opinião de Petrie que Heel Stone,
vista a partir do centro do monumento, marca a posição do Sol naquele solstício. A
partir dessa pista, tentou calcular a data de sua construção, obtendo entre 1880 e 1840
A.C. Essa data, muito remota, varria todas as pseudo-explicações excêntricas sobre as
origens do monumento, como, por exemplo, as proveniências romanas ou druídicas.
O que ocasionou uma verdadeira revolução no estudo de Stonehenge, de
imenso apelo popular, e multiplicou o número de alinhamentos astronomicamente
significantes de algumas unidades para duas a três dúzias, foram os estudos efetuados
por Gerald Hawkins, astrônomo britânico, que trabalhava no Smithsonian
Astrophysical Observatory, em Massachusets.
Foram primeiro publicados em carta na renomada revista Nature em 26 de
outubro de 1963, sendo posteriormente editados no absorvente e imensamente popular
33
livro Stonehenge Decoded (1966). Empregou para a hercúlea tarefa um computador
IBM 7090, que alimentou com os dados de cento e sessenta e cinco posições
reconhecidas. Determinou vinte e quatro alinhamentos, com alinhamentos lunares até
então insuspeitos.
Hawkins reconheceu em Stonehenge uma nova finalidade que ainda não tinha
sido percebida. No seu segundo artigo na Nature, em 27 de junho de 1964, intitulado
A Neolithic Computer, explicou como, na sua opinião, os 56 buracos do círculo de
Aubrey poderiam funcionar como computador de eclipses, que permitiria a previsão
de eclipses solares e lunares. O trabalho de Hawkins sobre a determinação de eclipses
envolve o ciclo de Meton, o que levanta ecos das citações de Diodorus.
Quando publicou o seu livro em 1965, Hawkins sofreu severas críticas de
arqueólogos dissidentes. O Professor R.J.C. Atkinson, do University College, Cardiff,
eminente arqueólogo e reconhecida autoridade em Stonehenge, considerou o livro de
Hawkins "tendencioso, arrogante, relaxado e inconvincente", explicando as suas
razões em artigo publicado na revista Antiquity, intitulado Moonshine on Stonehenge.
Colin Renfrew, importante arqueólogo inglês, classificou essa querela de "uma
daquelas controvérsias agradáveis, pequenas e ferozes a que a arqueologia parece
estar particularmente sujeita". Embora os arqueólogos expusessem algumas
imprecisões, principalmente de natureza arqueológica, não estavam preparados
tecnicamente para os requisitos exigidos pela astronomia megalítica e teorias
similares.
C.A. (Peter) Newham, astronômo amador britânico, um ano ou dois antes de
Hawkins, havia investigado os alinhamentos solares e lunares de Stonehenge, porém
as revistas científicas recusaram-se a publicar as suas descobertas, por considerarem
que não tinha titulação suficiente. Isto novamente vem a confirmar a insanidade da
exigência, pela comunidade cientifica, de titulação do autor para a aceitação dos seus
trabalhos, ultrapassando mesmo a racionalidade do questionamento do mérito próprio
da obra.
Publicou, às próprias expensas, pequena brochura intitulada The Enigma of
Stonehenge and its Astronomical and Geometrical Significance. Um incêndio, que
destruiu as instalações da tipografia, atrasou a publicação. As provas finais só foram
entregues no fim de outubro, três dias antes do aparecimento da carta de Hawkins na
Nature.
Newham reconhecia que a maioria das pedras de Stonehenge estão muito
juntas para permitirem alinhamentos verdadeiramente precisos, mas sugeriu que
poderiam ter usado pontos de referência mais afastados para aumentar a precisão. Na
época em que Newham efetuou as suas primeiras investigações não havia provas da
existência desses pontos no horizonte distante.
Escavações feitas para se ampliar o estacionamento de carros para turistas no
estacionamento do monumento descobriram a existência de três grandes buracos, de
grande diâmetro (2,5 pés-0,75 m), a cerca de 830 pés (250 m) do centro dele. A
grande dimensão dos buracos e a presença de calços de suporte mostram que foram
empregados grandes postes, do tamanho de árvores, com mais de 9 metros de altura,
neles colocados para assinalar o horizonte, quando vistos do monumento. Isto
evidencia que os construtores do monumento buscavam a máxima precisão que as
técnicas da época permitiam, e que os alinhamentos não eram fortuitos, mera obra do
acaso.
Glyn Daniel, editor da respeitada revista britânica de arqueologia Antiquity,
convidou o famoso e respeitado astrônomo e cosmólogo britânico Fred Hoyle para
examinar criticamente as teorias de Hawkins, do ponto de vista astronômico. Para
34
surpresa geral, Hoyle não apenas confirmou a validade da posição de Hawkins como
também elaborou sua a própria interpretação do monumento, confundindo os
arqueólogos. Essa melhorava a interpretação do círculo de Aubrey como previsor de
eclipses, pois a desenvolvida por Hawkins só permitia a determinação de pequeno
número de eclipses, ao contrário da sua. Publicou seus pontos de vista na Nature, em
30 de julho de 1966, em seu artigo Stonehenge - A Neolithic Observatory. As suas
opiniões balançaram o mundo acadêmico e, a partir de então, a astronomia megalítica
passou a assumir o status de ciência, não mais mera especulação pseudocientífica.

3.3-Alexander Thom

Para isto também contribuíram notavelmente os trabalhos do professor


Alexander Thom. Até então inexistiam levantamentos topográficos precisos dos sítios
megalíticos. Tendo consciência disto, efetuou levantamentos confiáveis em mais de
300 sítios. Estudando-os, forneceu uma interpretação para a geometria deles, a partir
da sua constatação de que os construtores megalíticos empregavam uma unidade de
medida comum, a jarda megalítica.
Transformou o estudo da geometria e astronomia megalítica em ciência,
mediante o uso consciente e consistente da estatística, com o uso dos levantamentos
que efetuara. Tinha plena consciência de que só o estudo de grande número de sítios,
mediante métodos estatísticos, permitiria a exclusão de elementos (como
alinhamentos) fortuitos, devidos apenas ao acaso. A sua contribuição para o
estabelecimento da metrologia, da geometria e da astronomia megalítica é tão
marcante, que a sua vida merece ser conhecida.
Nasceu no reinado da Rainha Vitória, em 26 de março de 1894, em Mains
Farm, Carradale, Escócia. Seu pai era um fazendeiro, dedicado ao lacticínio; a mãe
era filha de fabricante de musselina de Glasgow. A família deixou Carradale quando
ele tinha sete anos de idade, mudando-se para uma fazenda que adquiriram em
Dunlop, onde passou a sua infância.
Em 1907 ou 1908 foi enviado para a Academia de Kilmarnock, a uns doze
quilômetros de distância. Deixando aquela escola, freqüentou o Skerries College e
prestou os Exames Preliminares para ingressar na Universidade. Teve aulas de
Engenharia no Technical College, recebendo a qualificação de membro do Royal
Technical College em 1914.
Recebeu o grau de B. Sc. em engenharia em 1915, após mais um ano de
estudos na Universidade de Glasgow, passando então a fazer parte do seu corpo
docente. Recebeu o título de Doutor (D.Sc.) nesta universidade em 1929.
Casou-se em 1917 com Jeanie Boyd Kirkwood, nascendo desta união três
filhos: Archibald, com quem repartiu o seu interesse pelos megalitos, Alan e a caçula
Beryl.
Construiu, em 1922, na fazenda em Hill, Dunlop, um pequeno chalé com vista
para o mar, que chamou Thalassa. Seus passatempos eram longos cruzeiros de iate e
fotografia, principalmente a colorida, que então dava os primeiros passos.
Durante a Segunda Guerra Mundial trabalhou na "Fábrica", o Royal Aircraft
Establishment. Sob a sua supervisão foi construído em 1942 o Túnel de Vento
(Aerodinâmico) de Alta Velocidade, empregado para testes de aviões durante o
conflito.
Em 1944 candidatou-se à Cadeira de Ciência da Engenharia, na Universidade
de Oxford, que assumiu no outono de 1945. Logo após a guerra, foi um dos
35
engenheiros britânicos enviados à Alemanha, para levantar os avanços tecnológicos
de que ela dispunha.
Sob a sua condução, o Laboratório de Engenharia cresceu, tornando-se
insuficiente para o cada vez maior número de estudantes de graduação e pós-
graduação. Nova ampliação foi construída, recebendo o seu nome em sua
homenagem: the Thom Building.
Após a aposentadoria, retornou à Thalassa. Construiu, então, dois telescópios,
um Cassegrain, cujos espelhos fez questão de polir, apesar dos reclamos da esposa por
causa das manchas que as calças, sujas com o rouge empregado para dar lhes
acabamento, deixavam nos assentos das cadeiras em Thalassa. O outro é refrator que
utiliza como objetiva a lente de periscópio de antigo submarino alemão.
A partir de 1946 passou a dedicar grande parte do seu tempo livre àquilo que
hoje cognominamos de Arqueoastronomia. O seu interesse pelos megalitos remonta à
década de trinta. Até Thom, os levantamentos topográficos dos sítios megalíticos
disponíveis não eram merecedores de inteira confiança, não passando, às vezes, de
meros esboços realizados por pessoas sem capacitação. Seus primeiros levantamentos
foram realizados por volta de 1937; nos fins da década de sessenta, tinha efetuado
mais de 300 levantamentos acurados. Thom afirmava ter visitado mais de 450 sítios,
muitos dos quais exigiram longas caminhadas solitárias, carregando nas costas o
pesado teodolito e o seu tripé. Outras vezes foi acompanhado pelo filho Archibald,
que hoje é o continuador da sua obra .
Começou a publicar as suas descobertas em 1954, com o artigo "Os
Observatórios Solares do Homem Megalítico", seguido pelo "Um Exame Estatístico
dos Sítios Megalíticos na Grã- Bretanha"(1955). Muitos outros deram seqüência a
estes, como: "A Geometria do Homem Megalítico", "A Unidade de Comprimento
Megalítica", "Megalitos e Matemática",etc. Publicou dois livros: "Sítios Megalíticos
na Grã-Bretanha"(1964) e "Observatórios Lunares Megalíticos"(1971), que hoje são
considerados referências-padrão sobre o assunto. O seu último artigo foi publicado em
1984. Thom faleceu em 7 de novembro de 1985. O filho, Archibald Stevenson Thom,
foi co-autor de muitos dos seus trabalhos e é professor da Universidade de Glasgow.

3.4- Unidades de medida megalíticas

A idéia de que os construtores megalíticos pudessem ter empregado uma


unidade de medida padrão não era nova, basta lembrar Stukeley e seu "cúbito druida".
Essa idéia é hoje conhecida como "hipótese quântica", ou seja, o emprego de um
“quantum” unitário de medida. Os trabalhos de Thom, como vimos, permitiram o
estabelecimento de novo padrão de precisão nos levantamentos dos sítios megalíticos.
Com base neles, Thom chegou à conclusão de que era empregada uma unidade
fundamental, a qual denominou de "jarda megalítica", e que media cerca de 0,829
metros (2,72 pés).
Do ponto de vista puramente prático, a existência de um quantum ou unidade
de medida seria muito útil aos construtores megalíticos. O estabelecimento de um
sistema de unidades de medida é etapa básica no desenvolvimento da agricultura.
Além disso, qualquer edifício ou construção dificilmente pode ser projetado ou
construído sem dispormos de meios para determinarmos as dimensões.
A existência de unidade fundamental implica a manutenção de padrões que
pudessem ser copiados, para que as réplicas fossem usadas em sítios distantes
36
geograficamente. O próprio processo de cópia introduz erros, e em cópias de cópias os
erros tendem a se multiplicar.

Thom notou que a existência de unidade altamente acurada no projeto de sítios


megalíticos implicaria a existência de uma espécie de "Bureau de Medidas", capaz de
construir ou verificar unidades de comprimento padrões. Até hoje não se encontrou
(ou se reconheceu) nenhum desses padrões, o que não significa que não tenham
existido, pois possuímos exemplares de unidades de medidas normatizadas
indubitavelmente empregadas em outras civilizações, demonstrando que isto era
possível.

Existe, porém, uma única evidência arqueológica conhecida que mostra que
padrões ou cópias destes podem ter existido. Trata-se de vara de nogueira graduada,
encontrada em monte sepulcral dinamarquês, datado do segundo milênio antes da era
cristã. Pode ser interpretada como régua, e seu comprimento é somente poucos por
cento inferior ao da jarda megalítica.

Uma alternativa para a existência de uma unidade padrão seria a escolha de


nova unidade para cada sítio. Essa poderia ser um passo ou outra unidade relacionada
com o corpo humano. Como essas unidades diferem muito pouco de lugar para lugar,
ou de um século para outro, ter-se-ia a impressão de que a mesma unidade fora
empregada em todos os sítios.

O uso de tal unidade não padronizada, como o passo, conduziria a medidas


muito menos acuradas que o emprego de unidade padrão. A própria precisão com que
foram construídos os sítios megalíticos aponta, portanto, para o uso de unidade básica
tal como a jarda megalítica..

De que modo Thom reconheceu a existência dessa unidade e determinou o


seu valor? Como existem vários tipos de monumentos, Thom começou com os
círculos, os círculos achatados e os ovóides. Escolheu para estudo o valor dos
diâmetros dos círculos, que é a sua dimensão mais característica. Para os círculos
achatados preferiu o diâmetro mais longo e, para os ovóides, o mais curto. Essas
escolhas são perfeitamente razoáveis, pois esses diâmetros correspondem aos arcos
mais longos, os quais, podemos presumir, são os mais bem determinados em geral.

No seu artigo de 1955, Thom construiu uma espécie de histograma (ver Figura
3.1), no qual lançou os diâmetros de 49 círculos megalíticos. O que chama a atenção é
a existência de picos nos diâmetros de 22, 44, 55 e 66 pés (c. 6,7 , 13, 17 e 20 m). Esta
observação sugere imediatamente que muitos diâmetros são múltiplos de alguma
unidade, fornecendo mesmo uma estimativa de seu valor: cerca de 11 pés (c. 3,4 m).

37
Fig 3.1 : Histograma dos diâmetros de 46 círculos megalíticos, apresentado por Thom em 1955. Picos
surgem nas proximidades dos valores dos diâmetros que mais ocorrem. A escala superior é em unidades de 2
jardas megalíticas (my), a inferior em pés. O desvio padrão (s.d.) fornece uma estimativa da incerteza em cada
diâmetro.

Todavia devemos considerar a possibilidade de que alguma fração (como


metade ou um quarto) deste valor era a unidade usada, o que conduzia a uma
estimativa de cerca de 5,5 pés (c.1,7 m). Posteriormente, Thom verificou que uma
unidade de cerca de 5,435 pés (c. 1,675 m) se ajustava melhor aos diâmetros dos
círculos. A este valor denominou de "braça megalítica" (megalithic fathom). Como
corresponde ao diâmetro de um círculo com cerca de 2,72 pés (c.0,829 m) de raio,
Thom chegou à conclusão de que uma unidade de cerca de 2,72 pés estava em uso, e
esta foi batizada de "jarda megalítica" (megalithic yard = my).
Mais tarde, refinou essas considerações, empregando número maior de
diâmetros, chegando às mesmas conclusões. Na época dessas argumentações, em
1955, inexistiam métodos rigorosos que pudessem determinar a existência de unidade
de medida comum, a partir de um conjunto de dados.
Motivados por esse problema, ou seja, o estudo da metrologia megalítica,
estatísticos como S.R.Broadbent e D.G.Kendall desenvolveram métodos que
permitem testar a hipótese quântica. Esses testes confirmaram as hipóteses iniciais de
Thom, assegurando à jarda megalítica uma confirmação científica da sua existência.
Isto significa que existe uma evidência satisfatória da existência de algo como a jarda
megalítica, nos dados sobre os diâmetros dos círculos megalíticos, consistente com a
hipótese quântica de Thom, que não pode ser atribuída unicamente ao acaso.
Outro fato notável, que se observa quando se constrói o histograma de Thom
para os perímetros dos círculos megalíticos, é que os construtores megalíticos
preferiam construir círculos cujos perímetros fossem múltiplos inteiros de uma
determinada unidade. Exemplificaremos. Um círculo com diâmetro de 8 unidades
tem perímetro de aproximadamente 25 unidades. Se a relação entre o perímetro e o
diâmetro for de 3 1/8 =3,125 (em vez de 3 1/7=3,143, uma aproximação mais rigorosa
do valor de ), um diâmetro de 8 unidades dá precisamente um perímetro de 25
unidades.
" A descoberta da existência de círculos cujos diâmetros inteiros levavam a
perímetros inteiros deve ter levado ao desenvolvimento de uma regra de matemática e
desenho megalíticos: o perímetro é em unidades inteiras de varas megalíticas (MR =
38
megalithic rod), em que MR é definida como 2,5 jardas megalíticas" (Thom, No
Rastro..., p.61).
Por que os construtores megalíticos adotaram esta regra não se sabe, mas que
ela existiu é indubitável. Como  não tem valor exato (é número transcendente), esta
regra é impossível de ser cumprida exatamente. Foi comprovado que círculos
megalíticos tiveram seus diâmetros ligeiramente retocados, pelos seus construtores,
para que seus perímetros se ajustassem a essa regra.
Muitos dos monumentos megalíticos apresentam petroglifos, não se
conhecendo o significado da sua imensa maioria. Thom, estudando-os, conjeturou
que esses desenhos eram medidos em unidade de 0,816 polegadas (c. 2,07 cm). Este
comprimento é exatamente 1/40 da jarda megalítica. Tal unidade recebeu o nome de
polegada megalítica. A significância estatística dessa unidade é menor que a da jarda
megalítica, porém isto pode ser justificado, se argumentarmos que a dificuldade que
os construtores megalíticos tinham em medir com precisão distâncias pequenas era
maior do que tinham em medir distâncias maiores. De qualquer modo, a aceitação
dessa unidade é consideravelmente menor que a devida à jarda megalítica.

3.5-Outras unidades de medidas antigas

A palavra yard (jarda) pode significar pedaço de madeira, vara, poste, pau. A
palavra francesa verge tem o mesmo sentido e, mais ainda, em espanhol vara significa
pau. O que é extremamente curioso é que a antiga vara espanhola tinha o mesmo
comprimento da vara megalítica. A coincidência no significado e na forma da palavra
vara pode ser facilmente explicada, se observarmos que as três línguas em tela, inglês,
francês e espanhol são todas línguas indo-européias; portanto é quase certo que esses
termos tenham todos uma única origem.
A vara foi a unidade que os espanhóis trouxeram para o Novo Mundo, quando
os Conquistadores dominaram vastos territórios das Américas Central e do Sul; porém
o seu valor varia entre os diferentes territórios. No México representava uma medida
de 32,87 polegadas (83,49 cm), enquanto no Uruguai era de 33,828 polegadas (85,923
cm).
Mesmo na Espanha, antes da introdução do sistema métrico, a vara tinha
diversas interpretações: a vara de Valência media 35,55183 polegadas (90,30 cm)
enquanto a de Castela era de 32,766 polegadas (83,23 cm). Thom chegou a especular
que a vara chegou à Grã-Bretanha nas migrações de povos megalíticos provenientes
da Ibéria, porém o assunto é ponto controverso da arqueologia. A vara também está
correlacionada com o antigo ell da Baviera, de 32,766 polegadas (83,226 cm) e com o
ell austríaco, de 30,78 polegadas (78,18 cm).
Algumas das maiores controvérsias do passado envolveram as chamadas
unidades padrão. Já mencionamos o cúbito druida, assunto favorito dos celtômanos, e
vamos aproveitar para recordar as polêmicas idéias de Piazzi Smyth, que chegou a ser
Astrônomo Real da Escócia, sobre a "polegada da pirâmide", a qual alegava
representar a qüingentésima-milionésima parte do diâmetro polar da Terra! Essas e
outras fantasias "pirâmidológicas", objeto de tantas e tantas publicações
pseudocientíficas, desacreditaram o estudo da metrologia das civilizações antigas, o
qual só retornou ao status de conhecimento científico com o emprego das técnicas
estatísticas de Thom.
39
Os romanos tinham o passus (passo duplo), que valia 5 pés romanos (1 pé
romano = 11,6 polegadas (29,5 cm) = 16 digitus; 1 digitus = espessura de um dedo
polegar = 1,85 cm). O passo parece ter tido longa história antes da sua adoção pelos
romanos.
Os egípcios, por sua vez, como unidade para o uso diário, tinham o cúbito
"curto", de 17,72 polegadas (45 cm) e o cúbito "real", com 20,66 polegadas (52,5 cm).
O cúbito real era empregado nas medições de terras, bem como no projeto das
pirâmides e dos templos. É a unidade empregada no Papiro Rhind. Alguns acreditam
que a medida desse cúbito de 7 palmos (1 palmo = 4 dígitos (jeba) = 28 dígitos (1
dígito =1,875 cm)) está relacionada com o ciclo lunar de 28 dias. A palavra "cúbito"
vem do latim "cubitum", cotovelo.
Uma das mais antigas unidades de comprimento linear, conhecida de modo
indubitável, com registro arqueológico disponível, é o cúbito sumero-babilônico. Um
exemplar desse cúbito está inscrito como medida padrão na estátua de basalto de
Gudea de Lagash, governante sumeriano, hoje uma das atrações do Museu do Louvre,
em Paris. Esse exemplar é datado de aproximadamente 2130 A.C., mede 19,5
polegadas (49,5 cm), e indica uma dimensão para o "pé" de 2/3 do cúbito, ou seja 13
polegadas (33 cm).
O uso de unidades padrões de medida, por parte de civilizações antigas, é fato
incontestável. Em Mohenjo-Daro, cidade do vale do rio Indo, que floresceu no
terceiro milênio antes da era cristã, há evidências arqueológicas do emprego de uma
"polegada indiana". Esta polegada mede cerca de 1,32 polegadas (3,35 cm), e cerca
de 25 destas polegadas perfazem quase exatamente a jarda megalítica. Claro, não seria
nenhuma surpresa se algum múltiplo desta medida caísse nas proximidades da jarda
megalítica. O que realmente é curioso é que uma unidade denominada gaz, que
consiste em 25 destas polegadas, ainda hoje está em uso no noroeste da Índia.
Nem todas as medidas antigas eram relacionadas com tamanhos naturais,
normalmente do corpo humano, como comprova o próprio uso pelos egípcios de dois
cúbitos de tamanhos diferentes.

3.6- Geometria megalítica

O cuidado e a precisão com que os sítios megalíticos eram construídos nos


permite afirmar, com segurança, que a sua geometria não é mero fruto do acaso. A
persistência dos seus desenhos, por séculos e mesmo milênios, reforça esta certeza.
Variedade considerável de plantas foi empregada na sua construção, mas podemos
classificar a grande maioria destas em pequeno conjunto básico de projetos.
Thom ordenou os círculos megalíticos nas seguintes categorias: elipses;
círculos achatados tipos A,B e D; ovóides tipos I e II; círculos concêntricos e
compostos. Verificou, igualmente, que determinados sítios, como Avebury, exigiam
geometria específica.
Iremos deter-nos em cada um desses tipos, mas antes gostaríamos de fazer
alguns comentários sobre as técnicas construtivas então disponíveis. Como podemos
conjeturar, já que nos faltam os competentes registros, hão de ter empregado cordas,
estacas, e possivelmente varas, aferidas ou não. Varas, como padrão de medida, não
eram imprescindíveis, pois podiam medir distâncias com o uso de corda nodulada.
Estacas e cordas eram os instrumentos dos agrimensores egípcios, os "estiradores de
corda", como eram denominados. Sabemos, por exemplo, que uma distância de 100
cúbitos, medida com corda era chamada khet, e que um setat correspondia ao
quadrado de um khet de lado.
40
Aliás, mesmo hoje em dia os nossos mestres de obra, ao locar determinada
planta, continuam a utilizar estacas e barbantes. A experiência mostra que, embora
empregando apenas esses instrumentos rudimentares, conseguem locar uma obra de
maneira deveras satisfatória. Não há por que duvidarmos de que os mestres
megalíticos auferiam os mesmos resultados.
Cabe, a esta altura, nos perguntarmos por que esses construtores desejavam
usar tais tipos particulares de desenhos geométricos e não outros quaisquer. A esta
questão talvez nunca poderemos propiciar resposta inteiramente satisfatória. Hoje em
dia os nossos melhores palpites apontam para razões astronômicas. Parece certo, e o
que é melhor, argumentos estatísticos o comprovam: a geometria de determinados
sítios era escolhida em função de determinados alinhamentos astronômicos, adotados
provavelmente por razões cerimoniais.
Stonehenge, por exemplo, além de contar com grande número de alinhamentos
astronômica e estatisticamente significantes, está, atualmente, sendo interpretado
como previsor de eclipses, verdadeiro observatório astronômico megalítico. Outros
sítios, de múltipla função, foram identificados.
O leitor pode estar perguntando-se por que os povos antigos se preocupavam
tanto com alinhamentos astronômicos. As indicações de tempo pelas fases do clima
são apenas aproximadas, estando sujeitas a flutuações. Muitas vezes os homens
primitivos não se apercebem dessas flutuações. Não constituem, portanto, registro
fiável da passagem do tempo. A sucessão de períodos de chuva e seca, determinando
as épocas de semeadura e colheita, induziu o homem primitivo a adotar períodos de
tempo mais longos. Os astrônomos da idade da pedra observaram que em quatro bem
determinadas épocas do ano, o Sol sempre nascia e se punha em quatro pontos
definidos do horizonte, que correspondiam ao início das estações, cada qual
caracterizada por clima típico. É bem conhecida a associação das cheias do Nilo,
principal fato da vida cotidiana dos egípcios, com o aparecimento da estrela Sirius no
horizonte.
Mesmo estrelas mais apagadas, como as Plêiades, eram importantes para
muitos povos. No noroeste do Brasil, muitas tribos determinam a época da semeadura
pela posição de determinadas constelações, especialmente as Plêiades. Se elas
desaparecerem no horizonte começa o período das chuvas. Os Polinésios orientam-se
no mar por meio das constelações. A observação regular dos astros permite a
manutenção de calendário confiável; portanto não seria de se admirar a existência,
entre os homens primitivos, de uma classe especial, cuja função seria praticar
observações e manter o calendário em ordem.

3.6.1- Tipos de círculos megalíticos:

1.- Elipses:

Pode-se traçar uma elipse empregando-se apenas corda e estacas. Cravam-se duas
estacas nos focos F1 e F2,, e amarram-se as extremidades da corda, formando assim um
laço.

41
Passa-se este laço ao redor das estacas. Mantendo-se a corda tensa e deslocando-se
uma terceira estaca pelo lado de dentro da corda, esta irá traçar no chão o desenho de
elipse. Para o eixo maior da elipse igual a 2a, deve-se tomar o comprimento total da corda
igual a 2a + 2c ( ver Fig. 3.2). No triângulo F1 BO o lado a é igual ao semi-eixo maior da
elipse, b é o semi-eixo menor e c a metade da distância focal F1F2 .

Fig. 3.2 - Elementos da elipse

Thom argumentou que provavelmente a predileção dos mestres megalíticos por


elipses se prende ao fato de que elas são caracterizadas por três elementos: a, b e c,
2 2 2
correlacionados entre si pelo teorema de Pitágoras: a = b + c . Muitas elipses são
baseadas em triplas pitagóricas. Uma, em Callanish, nas Hébridas, é baseada em um
triângulo (3,4,5). Duas outras, em Stanton Drew, Somerset, tem triângulos (5,12,13),
e uma, em Daviot, perto de Inverness, na Escócia, tem um triângulo (12,35,37).
A excentricidade de uma elipse nada mais é que a relação c/a. Quanto maior a
sua excentricidade, mais achatada a elipse. Quando a sua excentricidade é nula, a
elipse torna-se círculo. A excentricidade das elipses megalíticas varia muito, mas há
uma concentração significativa em torno de 0,5.
A elipse megalítica ideal teria 2a, 2b, 2c e o seu perímetro medidos em valores
inteiros da jarda megalítica. Esse ideal é matematicamente impossível, mas é
surpreendente como conseguiram tão boas aproximações.

2. Círculos Achatados

Denominamos de círculos achatados aqueles compostos de arcos de círculo de


diversos raios. São classificados em dois tipos principais A e B, admitindo o tipo A
uma variante: o D. Todos eles são desenhados empregando-se quatro arcos de
círculo.
O tipo B (Fig. 3.4), o mais simples, é composto por semicírculo de raio OA,
dois arcos de círculo com raios CM=DN, com centros em C e D, respectivamente.
Um arco com raio AB e centro em A une EG, completando o desenho. Neste tipo, a
relação entre os seus diâmetros principais AB e MN, ou seja, AB/MN, vale 0,8604.
No tipo A (Fig. 3.3), os centros C e D não estão no mesmo diâmetro do círculo
básico, mas estão no ponto médio dois raios OM e ON, que formam um ângulo de
o
120 entre si. A relação entre os seus diâmetros principais vale: AB/PQ = 0,9114.
O tipo D nada mais é que uma modificação do A, onde AB/PQ vale 0,9343.
42
Cerca de 67 % dos círculos megalíticos, segundo Thom, são círculos perfeitos.
Os achatados representam cerca de 17 % do total.

Fig.3.3 Tipo A Fig.3.4 Tipo B

Fig. 3.5 Tipo I Fig. 3.6 Tipo II

3.- Ovais

Outro tipo de círculo megalítico, que obedece ao princípio de múltiplos da


unidade, mas não perfeitamente circular, é o oval, em forma de ovo. Responde por
cerca de 5 % do total de círculos computados. São conhecidas pelo menos duas
variantes: os tipos I e II .
O oval tipo I (Fig. 3.5) é formado por dois triângulos retângulos (ABC e
ABD), dispostos lado a lado. É formado por quatro arcos de círculo, um com centro
em A e raio AE, dois com centros em C e D e raios DE = CF, e um centrado em B
com raio BG.
Muitos dos ovais deste tipo foram construídos baseados em triângulo (3,4,5),
os lados sendo múltiplos simples da jarda megalítica, por exemplo o círculo em Clava,
Inverness, que encerra túmulo de passagem (Fig. 3.8). Woodhenge, como já vimos,
era provavelmente grande construção de madeira, coberta. O seu desenho é formado
por ovais concêntricas do tipo I. Os seus centros estão nos vértices de dois triângulos
congruentes ABC e ABD (ver Fig. 3. 7). Os lados destes são múltiplos de meia jarda
megalítica, ou seja AB = 6 my, AC = 17,5 my, BC = 18,5 my. Se duplicarmos estes
43
números obtemos a tripla pitagórica (12,35,37). Já encontramos a mesma tripla na
elipse em Daviot, como vimos anteriormente.
O tipo II (fig.3.6) também era composto por dois triângulos retângulos (ABC
e BCD), colocados com a hipotenusa em comum. Compõe-se de um arco de círculo
com centro em c e raio CE, dois segmentos de reta (EH e FG) paralelos a AB e DB, e
um arco de círculo com centro em b e raio BH. Dois círculos deste tipo, a saber, The
Hunters, em Bomin Moor, na Cornualha, e o Buckland Ford, em Dartmoor, são
baseados em triângulos pitagóricos (3,4,5).

Fig. 3.7 Plano de Woodhenge

Existem outros círculos cujas geometrias não se enquadram nas anteriores; na


maioria das vezes, podem ser explicados por combinações dos princípios empregados
por Thom no estudo das construções anteriores. Às vezes sítios particulares exigem
geometrias específicas. Por exemplo, em Crucuno, perto de Carnac, encontramos um
retângulo megalítico bem definido. A complicada geometria proposta por Thom para
o importante sítio de Avebury, composta de arcos circulares de diversos raios, se
notabiliza pelo fato de que não apenas os raios destes arcos são medidos em múltiplos
inteiros, mas também o perímetro é inteiro, o que é extremamente improvável de ter
ocorrido ao acaso: o seu desenho básico é triângulo pitagórico (75,100,125), em jardas
megalíticas, que corresponde à tripla pitagórica primitiva (3,4,5).
Em 1974, Thom publicou os resultados das suas investigações sobre
Stonehenge, sítio cuja construção esmerada deve ter exigido especial atenção quanto à
sua geometria. Confirma-se o emprego de múltiplos inteiros da vara megalítica: o
círculo de Aubrey tem circunferência de 131 varas, o de Sarsen tem na sua
circunferência externa 48 varas e na interna 45.
As interpretações de Thom para as geometrias dos círculos megalíticos não são
as únicas. Um matemático da Universidade de Londres I.O.Angell projetou um
44
número de desenhos que também se adaptam às formas de alguns círculos
megalíticos.

Fig.3. 8 Círculo de Clava

As construções de Angell lembram o método familiar de traçar elipses com


duas estacas e um laço de corda, exceto pelo detalhe de empregarem três ou quatro
estacas.
O professor de psicologia americano T.M.Cowan mostrou que as formas de
Thom podem ser obtidas mediante seqüência elegante de traçados, empregando-se
corda ancorada em estaca, que se curva em torno de estacas colocadas em posições
determinadas.
O estudo da geometria dos sítios megalíticos em outros países, que não a Grã-
Bretanha e a França, é ou território inexplorado ou ainda muito incipiente. Existem
evidências do emprego da jarda megalítica em pequeno grupo de círculos em Boitin,
perto de Schwerin, na Alemanha.
De qualquer maneira, os princípios identificados por Thom para a construção
dos sítios megalíticos, merecem considerável atenção por parte da comunidade
científica atual.
É muito difícil encontrar empiricamente triplas pitagóricas como (5,12,13) ou
(12,35,37). Entre os triângulos retângulos com lados perpendiculares inteiros, muito
poucos têm também hipotenusa inteira. Existem, portanto, afirma Van der Waerden,
boas razões para se supor que eles dispunham de método para o cálculo dessas triplas,
talvez igual ou semelhante aos empregados pelos gregos ou pelos chineses.

45
CAPÍTULO IV

OS INDO-EUROPEUS

Ex Oriente Lux !

4.1 Introdução:

Existem tantas similaridades entre as idéias matemáticas e religiosas correntes


entre os povos construtores neolíticos, os gregos, os hindus, os babilônios e os
chineses, que nos permitimos postular a existência de doutrina matemática comum,
corrente no neolítico, que foi a fonte original de todas elas.
Seria possível elaborar conjectura razoável sobre o povo ou o lugar de origem
dessa doutrina matemática? Van der Waerden propõe uma hipótese de trabalho que
permite elucidar muitas dessas questões. Admite que os criadores de tal corrente
foram os indo-europeus.
O povo Beaker, construtores megalíticos, responsáveis por Stonehenge II,
Woodhenge e muitos outros monumentos megalíticos, provavelmente falava língua
indo-européia. De qualquer modo, vivia em região onde línguas indo-européias eram
faladas havia muito tempo.
As línguas indo-européias dispõem de sistema de numeração decimal; muitas
contam com método de designar frações. Esse sistema de numeração é importante
proeza cultural, constituindo excelente base para o ensino da aritmética e da álgebra.
As religiões dos povos indo-europeus antigos têm tantos pontos em comum, que
dificilmente podemos duvidar da existência de uma proto-religião indo-européia. .
O historiador Van der Waerden salienta que, se encontramos idéias similares
acerca da importância ritual de construções geométricas na Grécia e na Índia, se nos
deparamos com o mesmo conjunto de triplas pitagóricas com aplicações rituais entre
os construtores megalíticos e os hindus, se esbarramos com as mesmas construções
geométricas na Grécia e na Índia, então será bastante provável a conclusão de que tais
idéias matemáticas e religiosas tenham uma mesma origem.
Quem seriam os indo-europeus ? Qual o seu lugar de origem ? Que língua
falavam? Quais os seus costumes ?
Tentaremos esclarecer algumas destas questões no transcorrer do presente
capítulo.

4.2 O Problema indo-europeu - Sinopse histórica

As relações íntimas entre as línguas européias já tinham sido percebidas desde


o início do século XVII. Joseph Scaliger (1540-1609), por exemplo, procurou reunir
as línguas européias em quatro grandes grupos, cada qual denominado pela sua
palavra para "Deus".
46
Um era o grupo hoje conhecido como o das línguas românicas, reconhecido
como o grupo deus (latim deus, italiano dio, português deus), que contrastava com o
das línguas germânicas gott (inglês god, holandês god, sueco gud) . Havia ainda o
grupo do grego theos e o do eslavo bog (russo bog, tcheco buh). Não progrediu para
além deste agrupamento, negando terminantemente qualquer relação entre os grupos.
Em 1786, um juiz inglês, com posto na Corte Suprema em Calcutá, efetuou
descoberta notável. Sir William Jones, antes de se dedicar ao estudo do Direito,
recebeu formação de caráter orientalista. Desde a sua chegada a Calcutá, uns três anos
antes desta data, se devotava ao estudo do sânscrito, língua na qual estão redigidos os
textos sagrados e a literatura da Índia. Nessa época já era uma língua morta, mas
servia de língua erudita e literária, mais ou menos como o latim no ocidente, durante a
Renascença, ou o sumério na Babilônia antiga.
Em um discurso pronunciado perante a Sociedade Asiática de Bengala, Sir
Jones fez uma observação que se constituiu no ponto de partida para os estudos indo-
europeus:
"O sânscrito, sem levar em conta a sua antigüidade, possui uma estrutura
maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais
extraordinariamente refinado que ambos. Mantém, todavia, com estas duas línguas
tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais como nas formas gramaticais, que não
é possível tratar-se de produto do acaso. É tão forte esta afinidade que qualquer
filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de acreditar que
os três provieram de uma fonte comum, que talvez não mais exista. Razão idêntica,
embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem
que o sânscrito; poderíamos ajuntar a esta família o velho persa, se tivéssemos lugar
aqui para debater as antigüidades persas".(Robins, Pequena História da Lingüística,
p. 107)
Esse acontecimento assinala o início da Lingüística Comparativa e Histórica.
Alguns estudos anteriores ao de Jones já registravam a semelhança entre o sânscrito, o
persa e algumas línguas antigas e modernas da Europa, mas sempre de modo isolado e
fragmentário, nenhum com a acuidade do lingüista-magistrado.
Friedrich von Schlegel, em 1808, publicou uma obra intitulada Über die
Sprache und Weisheit der Indier (Sobre a língua e sabedoria das Índias), na qual
despertou a atenção do mundo erudito para o fato de que o estudo das "estruturas
internas" (isto é, da morfologia) das línguas poderia prestar valiosos esclarecimentos
sobre o relacionamento lingüístico genético. Procurou, reconstruindo a história
lingüística de cada uma, recuperar as mais antigas formas das palavras indo-européias.
Difundiu a idéia, hoje superada, de que as línguas européias descendiam do sânscrito.
Franz Bopp (1791-1867) publicou em 1816 um trabalho que comparava as
conjugações do sânscrito com as do grego, do latim, do persa e da língua alemã e,
entre 1833 e 1852, uma gramática comparada das línguas sânscrita, avéstica, armênia,
grega, latina, lituana, eslava antiga (eclesiástica), gótica e alemã. É considerado o
fundador da gramática comparada.
Em 1818 o dinamarquês Ramus Rask (1787-1832) publicou um estudo sobre a
origem da língua islandesa, comparando o antigo nórdico com várias línguas, entre
elas o gótico e o galês.
O alemão J. Grimm (1785-1863), mais conhecido por seus contos infantis,
estabeleceu correspondências entre os sons de uma língua com os de outra, instituindo
assim regras de mudanças de letras, que explicam a passagem de uma língua para
outra, hoje conhecidas como Leis de Grimm, publicadas pela primeira vez na sua
Deutsche Grammatik, em 1822.
47
Bopp, Rask e Grimm são considerados os fundadores da lingüística histórica
científica.
Uma vez reconhecidas as afinidades existentes entre as línguas, adotou-se o
termo "família de línguas" para representar um conjunto de línguas aparentadas. Dois
filólogos, o alemão Julius Klaproth e o inglês Thomas Young cunharam, mais ou
menos na mesma época, no início do século XIX, dois termos: "Línguas Jaféticas"
(Klaproth) e "Línguas Indo-Européias" (Young).
Algumas explicações antigas sobre as origens das línguas baseavam-se em
interpretação literal da tradição bíblica contida no Gênesis, sobre a dispersão dos três
filhos de Noé, Cam, Sem e Jafé, após o desembarque da Arca no monte Ararat.
As línguas africanas, então, foram denominadas de camíticas (egípcio, cushita,
etíope, etc.), as do Levante (árabe, hebreu, acadiano, etc.) semíticas, enquanto aquelas
situadas nas terras mais ao norte se tornaram as línguas jaféticas; portanto coube ao
terceiro filho de Noé, Jafet, nominar todas as línguas européias. Destas três
denominações, a única que ainda sobrevive é a das línguas semíticas.
Ao contrário dessas, a denominação criada por Young de línguas indo-
européias hoje está amplamente difundida e aceita, embora não seja inteiramente
correta, já que na Europa se falam línguas de outras famílias: o húngaro e o finlandês,
da família fino-úgrica; e na Índia, são falados idiomas não indo-europeus, como as
línguas dravídicas, por exemplo.
Os lingüistas alemães, encabeçados pelo próprio Klaproth, preferem o termo
indo-germânico em lugar de indo-europeu, o que é ainda menos conveniente e mais
provinciano.
A figura que exerceu maior importância no campo da lingüística, na metade do
século passado, foi talvez August Schleicher (1821-1868). Publicou numerosos
trabalhos, em sua vida relativamente curta, dos quais o mais conhecido é o
Compêndio de Gramática Comparada das Línguas Indo-Germânicas (1861).
Schleicher procurou resgatar as formas mais primitivas das palavras indo-
européias, com a reconstrução histórica, por meio do estudo dos traços comuns de
palavras cognatas (isto é, parentes) de cada língua. Por exemplo, podemos comparar a
palavra inglesa birch (bétula), com a alemã birke, a lituana berzas, o eslavo antigo
breza e o sânscrito bhurja. As semelhanças constatadas parecem indicar a existência
de uma palavra na língua original dos indo-europeus primitivos, a partir da qual estas
derivaram. Segundo as regras que governam as mudanças fonéticas, estabelecidas
pelos lingüistas, podemos reconstruir a palavra *bergh, sendo que o asterisco indica
que a palavra não é atestada em qualquer fonte escrita, mas produto de reconstrução
lingüística.
A língua arcaica ou original dos indo-europeus é denominada de Proto-Indo-
Europeu, ou de Ursprache, termo inventado pelos sábios alemães. Schleicher se
arriscou até a escrever uma fábula, A Ovelha e os Cavalos, no proto-indo-europeu que
reconstruiu. Lembremo-nos, porém, de que esta é língua inferida, isto é, não atestada,
por isto Schleicher foi duramente criticado por esta aventura.
Outro legado importante de Schleicher foi seu modelo de desenvolvimento das
línguas indo-européias. Empregou o modelo da árvore genealógica (ou genética) para
descrever a diferenciação destas línguas.
A Stammbaumtheorie, como é conhecida esta teoria, foi muito influente e
ainda hoje é considerada, com certos aperfeiçoamentos, como a que melhor explica tal
desenvolvimento. Está, porém, sujeita a objeções. Em dado ponto do tempo, as
línguas não se separam com tanta nitidez como os ramos de árvore.
48
O processo de separação começa pelo estabelecimento de diferenças sub-
dialetais, prosseguindo com a ampliação das divergências entre os dialetos, até que a
presunção da existência de duas ou mais línguas distintas é comprovada. Este é
processo moroso e gradativo; além disso, o ponto em que se atinge determinado
estágio só pode ser definido arbitrariamente. Ademais, como a contigüidade
geográfica permite os contatos lingüísticos, pode existir influência mútua e
permanente entre vários dialetos e mesmo entre diferentes línguas.
Johannes Schmidt (1843-1901), discípulo de Schleicher, levando em conta
esse fato, reconheceu que certos conjuntos de traços eram compartilhados apenas por
diferentes grupos de línguas dentro da família indo-européia, o que contradizia as
divisões da Stammbaumtheorie. Elaborou então a chamada Wellentheorie (teoria das
vagas, ondas), procurando mais aperfeiçoar a teoria de Schleicher do que substituí-la.
Segundo essa teoria, em dada área geográfica se sucedem ondas de inovações ou
mudanças lingüísticas, que vão de um dialeto a outro, ou mesmo de uma língua para
outra, desde que mantenham contatos entre si.
O modelo de Schleicher é o mais adequado para representar a história
lingüística nos casos em que a expansão territorial de uma língua implica em uma
quase completa separação dos grupos que a falam, como por exemplo no caso dos
colonizadores holandeses na África do Sul, ou em certas comunidades de fala
espanhola da América Latina. Já o de Schmidt é mais adequado para explicar casos
de línguas em contato entre si, contíguas geograficamente.
É interessante observar que a teoria de Schleicher, conforme ele próprio
reconhecia, está em consonância com as idéias darwinianas, predominantes na
segunda metade do século passado, sobre a evolução e a resistência dos mais aptos.
Na batalha das línguas pela sobrevivência, na sua difusão pelo mundo, saíram
vitoriosas as indo-européias, por sua aptidão intrínseca.
Uma das mais intrigantes questões acerca dos indo-europeus é onde se situava
o seu habitat original, o Urheimat dos sábios alemães. Na segunda metade do século
passado, notadamente com Adolphe Pictet, o estudo de palavras aparentadas de nomes
de árvores, de animais (como o boi, a vaca, o cavalo, a cabra) entre as línguas indo-
européias dá origem à tese de que o seu habitat original era mais fundado no
pastoralismo do que na agricultura.
Esses argumentos originam a proposição de uma série de pátrias possíveis para
os indo-europeus, com predileção para o norte da Europa e a Ásia Central. O povo
indo-europeu primitivo é conhecido como o Urvolk, designação dada pelos adeptos da
escola alemã.
Em 1890, Otto Schrader propôs a hipótese, ainda hoje amplamente aceita, de
que o berço original dos indo-europeus eram as estepes da Rússia meridional, dos
Cárpatos à Ásia Central. Estas regiões eram consideradas as mais apropriadas para o
pastoralismo nômade, praticado ao menos depois da época cita.
No final do século XIX também nasceram as noções sobre a pretensa
superioridade racial dos Indo-Europeus, geralmente associadas com a visão de
Arianos de pele branca, de estatura elevada e olhos azuis. O seu local de origem era
invariavelmente associado com a Alemanha, Escandinávia ou a Lituânia. Com
popularidade crescente, esta teoria influenciou certos meios até o final da Segunda
Guerra Mundial.
Gustav Kossina, no seu artigo de 1902 "Resposta Arqueológica à Questão
Indo-Européia", associou pela primeira vez estilos de potes cerâmicos com
populações pré-históricas; propôs para o Urheimat dos indo-europeus a região ao
norte da Alemanha, e ao sul da Escandinávia, entre os rios Elba e Oder. Estabeleceu
49
correspondência entre os indo-europeus e um tipo de potes cerâmicos, conhecido
como cerâmica cordada. Esse tipo de cerâmica é assim denominado por receber
impressões, com o auxílio de corda de fibra, no barro ainda mole. Um povo,
denominado "Ária", daí se teria expandido para o sul e para o leste, chegando ao norte
da Índia há cerca de 4500 anos, conquistando a civilização de Mohenjo Daro,
conforme citado no mais antigo texto sagrado hindu, o Rig Veda.
Talvez o mais conhecido estudioso do assunto no presente século seja Vere
Gordon Childe, australiano, filólogo de formação, mas arqueólogo de profissão. Foi
professor de Arqueologia Pré-Histórica na Universidade de Edimburgo,
posteriormente assumiu a cátedra de Arqueologia Européia e a direção do Instituto de
Arqueologia da Universidade de Londres. Faleceu em 1957, vítima de um acidente de
automóvel, na sua Austrália natal. Publicou vários trabalhos, no primeiro dos quais -
"Sobre a Origem da Cerâmica Minoana" (1915), procurava mostrar que esta cerâmica
característica da Grécia da segunda idade do bronze (c. 1900 A.C.) poderia indicar a
chegada a este país dos primeiros locutores do grego.
Em 1925 publica uma grande síntese sobre a pré-história européia , "A Aurora
da Civilização Européia". Logo em seguida estuda as quatro localizações, então em
pauta, propostas para o habitat original dos primitivos indo-europeus (o Urvolk da
escola alemã), em um trabalho intitulado "Os Arianos" (1926).
Childe, posteriormente, se arrependeu amargamente de haver escrito as idéias
expostas no último parágrafo deste livro:
" Além disso, que os primeiros arianos foram os nórdicos tem a sua própria
importância. São as qualidades físicas desta raça que lhe permitiam, graças a sua
força física superior, conquistar e anexar os mais evoluídos povos e impor assim a
sua língua, mesmo em regiões onde este tipo físico havia quase desaparecido. O
panegírico dos germanistas repousa sobre esta verdade: a superioridade física dos
nórdicos os tornava aptos a serem os veículos de uma língua superior".
Esta pretensa primazia racial foi avidamente abraçada pelos nazistas, servindo
para dar fundamentação pseudocientífica à superioridade dos povos nórdicos sobre as
outras raças. Originou a antropologia racial alemã, a Rassenkunde, de triste memória.
É melancólico exemplo de como teorias científicas podem ser distorcidas para atender
às pretensões megalômanas de certos indivíduos, propiciando pseudo-argumentos
para a perseguição e extermínio de minorias étnicas. Além disso, a simples lembrança
desses argumentos, após a Segunda Guerra, tornava tabu a discussão do problema
indo-europeu, o qual só recentemente vem recebendo a importância devida.
Em trabalho publicado em 1950, "As Migrações Pré-históricas na Europa",
opta pela localização da pátria original nas estepes da Rússia meridional, de onde a
cultura da cerâmica cordada e das achas de combate se expandiu, indo-europeizando
as antigas culturas aí porventura existentes. Nos anos seguintes diversas sínteses se
seguiram, baseadas em provas arqueológicas, entre as quais a de Pedro Bosch-
Gimpera, Giacopo Devoto e Hugh Hencken.
A solução arqueológica mais recente, e sem dúvida uma das mais influentes, é
devida a Marija Gimbutas, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Desde
1970 vem publicando uma série de artigos procurando provar que as estepes da Rússia
meridional, as terras ao norte do Mar Negro, são o habitat original dos indo-europeus
primitivos. É a mesma opção de Childe, mas Gimbutas dispõe de abundante material
arqueológico recente para fundamentar as suas argumentações.
Denomina esta cultura de cultura Kurgan. Kurgan é a palavra russa que
denomina túmulo de terra baixo, comum naquela região, empregado para
sepultamentos em câmaras de pedra ou terra, com presença freqüente do ocre. Por esta
50
razão também é conhecida como cultura do Tumulus. Os arqueólogos denominam de
cultura a um conjunto de artefatos, com determinadas características, que poderia ser
atribuído a certo povo ou tribo.
Ao povo Kurgan é atribuída a disseminação do cavalo doméstico, bem como
introdução dos veículos com rodas, nos Balcãs e na Europa Central. São acreditados
como sociedade guerreira, altamente móvel, devido aos seus carros de rodas,
responsáveis por uma série de "invasões Kurgan", que, supõe-se, foram a origem da
enorme expansão geográfica dos indo-europeus.
Daí, talvez, surgiu a associação dos indo-europeus com a imagem de hordas
invasoras de ferozes guerreiros, "bárbaros" montados em cavalos, com os seus carros
de guerra, furiosamente devastando, arrasando e conquistando territórios ocupados
por pacíficos habitantes. É uma imagem tremendamente dramática, mas foi útil
durante muito tempo como explicação da vasta latitude territorial lograda pelos indo-
europeus.
A atribuição da cerâmica cordada, já identificada como indo-européia desde
Kossina, à cultura Kurgan parece indiscutível para Gimbutas. Até bem pouco tempo, a
posição de Gimbutas era a de maior aceitação nos meios eruditos, bem como em obras
tão conceituadas como a Enciclopédia Britânica ou o Grande Dicionário
Enciclopédico Larousse.
Recentemente, esse empolgante assunto foi retomado e objeto de apaixonadas
discussões, com novas e importantes hipóteses sendo argüidas. A mais importante,
para os nossos propósitos, é a emitida por Colin Renfrew. Renfrew estudou ciências
naturais e arqueologia em Cambridge; posteriormente realizou escavações na Grécia,
notadamente nas Cícladas, bem como na Grã-Bretanha. É Professor de Arqueologia
na Universidade de Cambridge e também dirige o Instituto MacDonald para Pesquisas
Arqueológicas. Em 1991 recebeu o título de Lord Renfrew of Kaimsthorn.
Passaremos, em seqüência, a discutir algumas destas novas posições.

4.3 Origens das línguas

Qual foi a língua original e de que forma esta se difundiu, originando as


línguas faladas no presente pelos vários povos, são questões que sempre intrigaram a
humanidade.
O historiador grego Heródoto narra que o faraó Psamético, do século sétimo
antes da nossa era, desejava saber qual foi a raça primordial e, consequentemente, a
língua original da humanidade. Para isto ordenou que dois bebês recém-nascidos
fossem mantidos isolados, em estrito silêncio, sem que nunca tivessem ouvido
pronunciar qualquer palavra. O seu primeiro balbucio registrado foi bekos, palavra
esta que os escribas reais descobriram ser palavra para pão em frígio, língua da
Anatólia. Assim concluíram que o frígio fora a primeira língua da humanidade.
As especulações sobre a origem das línguas acabaram tornando-se tão
absurdas e vazias que, em 1866, a Sociedade Lingüística de Paris baniu tais questões
de suas discussões. Qual a língua original da humanidade nos parece, no momento,
uma questão cuja resposta está além do nosso alcance, se é que algum dia possa ser
respondida. Mergulhando no passado, podemos tentar reconstruir, a partir das línguas
atuais, as suas matrizes e o seu processo de difusão.
É óbvio que a difusão das línguas está ligada à expansão da raça humana,
desde o seu habitat original. Os mais antigos hominóides hoje conhecidos, do gênero
Australopithecus, surgiram na África, há uns quatro ou cinco milhões de anos. As
51
suas espécies mais conhecidas são o Australopithecus ramidus (4,4 milhões de anos
de idade); o Australopithecus anamensis (4,2 a 3,9 milhões de anos) e o
Australopithecus afarensis, popularizado pela descoberta do esqueleto denominado de
“Lucy”, em Hadar, na Etiópia, com 3,9 a 3.0 milhões de anos. Também na África
emergiu nosso antepassado comum, o Homo erectus, que se dispersou pela Ásia e
pela Europa, onde foram encontrados os seus remanescentes fósseis. Alguns fósseis
de H.erectus encontrados na África, no Kenya, diferem significativamente dos outros.
Por esse motivo, alguns cientistas acreditam se tratar de uma nova espécie,
denominada de Homo ergaster, homem trabalhador, capaz de fabricar instrumentos
de pedra.
A nossa própria espécie, Homo sapiens, se originou do Homo erectus, tendo
evoluído para a nossa forma atual, Homo sapiens sapiens, há mais de 100.000 anos.
Quando e onde o H.sapiens derivou do H.erectus é hoje questão de intenso debate.
Alguns mantêm que este processo se realizou exclusivamente na África, enquanto
outros afirmam que a transição do H.erectus para o H.sapiens se realizou em área
mais ampla, na Ásia e talvez na Europa. Seguindo os primeiros, podemos imaginar a
emergência do H.sapiens sapiens há mais de 100.000 anos na África, e a sua gradual
dispersão pelo velho mundo.
Há cerca de 40.000 anos, a raça humana moderna tinha colonizado o Levante
(isto é, os países do Mediterrâneo oriental), o sul da Ásia, a Europa, a Ásia central e
oriental, a Nova Guiné e a Austrália. Acredita-se que no máximo há 37.000 anos, mas
certamente não depois de 16.000 anos, emigrantes asiáticos cruzaram o Estreito de
Bering, iniciando o povoamento do novo mundo.
Nesse ponto vale a pena notar que escavações realizadas no Brasil, no
município piauiense de São Raimundo Nonato, pela arqueóloga Niède Guidon, vêm
revelando restos de assentamentos humanos com pelo menos 41.500 anos, o que
certamente irá forçar uma revisão das datas admitidas para a colonização do novo
mundo.
Outro ponto importante que cumpre salientar são as diferenças anatômicas
entre o homem moderno e os seus antepassados fósseis. Essas diferenças importantes
no aparelho fonador não permitiriam aos nossos antepassados enunciar todas as
vogais e consoantes das línguas modernas; portanto, se falavam alguma língua
primitiva, esta certamente não soaria aos nossos ouvidos como moderna. É o trato
vocal supra-laringeal que permite ao homem a sua capacidade de emitir sons, ou seja,
de falar. É a forma não usual do trato vocal que torna os homens os únicos mamíferos
incapazes de beber e respirar ao mesmo tempo.
Os australopithecus, notadamente os australopithecus africanus, tinham o
mesmo trato vocal supra-laringeal que os nossos macacos modernos; todavia os
especialistas admitem que os australopithecus poderiam estabelecer comunicação
vocal, se outros pré-requisitos estivessem presentes. Deveriam ter as habilidades
motoras e a automatização necessária para produzir as manobras articulatórias
coordenadas, que são exigidas para a produção dos fonemas, além de terem tido as
habilidades neurais necessárias para perceberem as diferenças de qualidade de som
que os caracterizam.
É interessante observar que pássaros, como o papagaio ou o mainá, imitam
sons produzidos pelo homem, sem possuírem o trato vocal supralaringeal, a
habilidade cognitiva e a sintaxe, que também são fatores necessários na linguagem.
O trato vocal supra-laringeal do homem de Neandertal diferia muito daquele
do homem moderno. Toda a vocalização desses homens possivelmente teria tido uma
qualidade continuamente nasal, e provavelmente não conseguiriam produzir sons não
52
nasais. Quando o homem teria desenvolvido as características modernas do seu
aparelho fonador é questão que ainda permanece aberta. Um dos antepassados
próximos na linhagem do Homo sapiens sapiens é o identificado com o crânio Es-
Skhul V. Foi encontrado próximo do Monte Carmelo em Israel, e data de
aproximadamente 40-50000 anos atrás. O seu trato vocal é virtualmente idêntico ao
do adulto moderno, o que mostra que nessa data o homem já tinha características
fonadoras modernas, e a atual motricidade bucofonatória.
O problema do trato vocal do Homo erectus ainda está sendo estudado, pois a
parte inferior dos crânios remanescentes destes encontra-se, em geral, muito
danificada, dificultando o seu estudo. Além disso, os vários espécimens diferem
consideravelmente, alguns apresentando determinadas características, outros não.
A linguagem articulada é a maior invenção humana, se realmente for
invenção. Noam Chomsky, do Massachusetts Institut of Technology pensa que não é.
Acredita que a linguagem é tão inata para um bebê como voar é para um filhote de
passarinho, e que crianças não somente aprendem a linguagem, como a desenvolvem
em resposta a um estímulo.
Como teria sido a primeira língua? E as primeiras palavras? Várias teorias
foram aventadas, entre elas as que se arrolam aqui:
* A teoria "au-au": as primeiras
palavras podem ter sido formadas por onomatopéias, como em au-au para o cachorro,
piu-piu para o passarinho, e assim por diante.
* A teoria "pô-pô": interjeições
emocionais como "pô", "bah", "ai" podem ter sido as primeiras palavras.
* A teoria "ô-e-ô": quando muitas
pessoas coordenaram os seus esforços para puxar corda, para rolar pedra, podem ter
recorrido a cantos rituais que eventualmente adquiriram significado.
* A teoria ¨lá-lá-lá": alguns sons
podem ter se originado como brincadeiras, como no canto de crianças.
* Gestos orais: os primeiros
falantes pode ter usado seus lábios para apontar, criando mudanças nas vogais que
distinguiriam perto de longe. Isto explicaria as mudanças ouvidas em palavras como
this, that; voici, voilà.
* Gritos de alerta: como "cuidado",
"corra", "aqui" ou "socorro".
Acredita-se que o desenvolvimento do cérebro permitiu aos hominóides
primitivos o surgimento da fala. Estruturas neurais capacitaram-nos a relacionar
significados a gestos e sons, produzindo linguagem primitiva que não tinha sintaxe,
isto é, a ordenação de palavras, que define a linguagem humana. A linguagem
primitiva estaria repleta de palavras substantivas, mas carente de elementos
gramaticais.
Como teria evoluído muito antes do aparecimento da sintaxe, traços dela
talvez possam ser encontrados na gesticulação dos macacos, aos quais se ensinou os
elementos da linguagem dos gestos. As crianças-feras, que foram mantidas isoladas
nos anos cruciais antes que a sintaxe normalmente se desenvolva, também podem
fornecer pistas de como seria essa linguagem primitiva. As "crianças-lobos",
encontradas na Índia nos princípios do século, podiam aprender muitas coisas, mas
nunca superaram a habilidade verbal da criança normal de dois anos.
O salto da linguagem primitiva para a linguagem com sintaxe permanece a
questão mais intrincada. Argumentou-se que um único evento genético bastaria para
tornar a linguagem primitiva em linguagem de sintaxe. Note-se que todos os pré-
53
requisitos para transformar a linguagem (cérebro maior, trato vocal aperfeiçoado,
novas ligações neurais) envolvem mudanças na anatomia do cérebro. Chomsky
acredita que este evento deve ter ocorrido abruptamente, em termos evolucionários,
porque a sintaxe exige padrão inato extremamente intrincado. Ele pensa que esse
padrão inato explicaria por que a criança pode aprender qualquer língua, sem cometer
os erros gramaticais que seriam esperados, se nenhuma estrutura pré-programada
existisse.
Outra adaptação importante foi a aquisição da habilidade para descodificar
vocalizações. O nosso cérebro, ao que parece, está adaptado para processar
modulações vocais.
Quem primeiro associou a evolução das línguas com a biologia foi Charles
Darwin. No seu livro "A Descendência do Homem", escrito em 1871, afirmou : " A
formação das diferentes línguas e das diferentes espécies, e as provas de que ambas
devem ter-se desenvolvido mediante processo gradual, são curiosamente paralelas."

4.4 Processos de difusão lingüística

Devemos admitir que os nossos antepassados falavam uma ou várias línguas,


mesmo que não tenhamos idéia clara de como elas poderiam ser. Nos últimos dois
séculos, os eruditos vem agrupando línguas em famílias, cujo número chegou a cerca
de duzentos.
Algumas famílias, conhecidas como isoladas, contêm um único membro. O
exemplo mais conhecido é o do Basco, língua ainda falada nos Pirineus espanhóis e
franceses. É bem possível que a língua basca, graças ao seu isolamento, apresente
remanescentes das línguas faladas nos tempos das cavernas, A palavra, em basco,
para "faca" é um composto que se traduz como "a-pedra-que-corta", e "teto" significa
literalmente "teto-da-caverna".
Várias outras famílias já obtiveram aceitação entre os especialistas, entre as
quais os indo-europeus; a família afro-asiática (também conhecida como hamito-
semítica), que compreende as línguas semíticas e muitas línguas do norte da África; e
a família urálica (ou fino-úgrica), que compreende o finlandês e húngaro.
Até recentemente, na análise da evolução das línguas, o costume era associar
uma cultura, como por exemplo a da cerâmica cordada, com determinado povo ou
grupo língüistico. Renfrew introduz, nesse ponto, importante e inédito passo
metodológico. Argumenta que a análise deve privilegiar os processos de mudança
cultural. Dentro desse novo enfoque, devemos perguntar que processos sociais,
econômicos e demográficos podem ser correlacionados com as mudanças na
linguagem? Após obtermos a resposta para esta pergunta, devemos questionar como
tais mudanças se refletiriam nos registros arqueológicos.
É importante registrar que o novo enfoque constitui mudança de paradigma
nas disciplinas em estudo. É maneira nova de se encarar o assunto, que abre
proveitosos rumos nas investigações sobre a evolução das línguas, mas as
contribuições que esta nova visão conceptual pode trazer não se limitam apenas a esta
matéria. Pode, como veremos, colaborar para o esclarecimento de pontos obscuros na
história da matemática. Além disso, se adapta surpreendentemente bem à hipótese de
Van der Waerden-Seidenberg .
Antes de prosseguirmos, é conveniente mostrar alguns modelos de como as
mudanças nas linguagens podem ocorrer.
54
O primeiro é o processo de colonização inicial, pelo qual se processa o
povoamento de território inicialmente desabitado. A língua dos colonizadores se torna
a língua do território. É o que deve ter acontecido, por exemplo, com a chegada dos
primeiros homens à Europa setentrional após a retração da calota polar.
O segundo é o processo de divergência, que ocorre quando grupos que
inicialmente falavam a mesma língua se separam e perdem o contato.
Progressivamente diferenças marcantes se manifestam no vocabulário e nas formas de
expressão. É o modelo da árvore genealógica, a Stammbaumtheorie de Schleicher.
Um exemplo disto é o que ocorreu na Polinésia, onde a ocupação inicial começou
aproximadamente em 1300 A.C.. Em razão das distâncias entre as ilhas e da raridade
dos contatos, as conseqüências do processo de divergência lingüística na Polinésia são
particularmente puras, como se pode constatar nas línguas polinésicas modernas.
Pesquisas arqueológicas constatam que o Hawai não era habitado antes do ano 500 da
nossa era, e a Nova-Zelândia, não antes do ano 1000.
O terceiro processo, da convergência, é fruto da interação. As línguas de
territórios vizinhos cada vez mais adotam os seus traços comuns. É o modelo das
ondas, a Wellentheorie de Schmidt. Quando um indivíduo fala duas (ou mais)
línguas, ou quando seus pais falam línguas diferentes, o processo de convergência se
acelera. Até o ponto em que as línguas se amalgamam, produzindo língua híbrida. .
O quarto processo é o da substituição lingüística. Em muitas partes do mundo
a língua inicialmente falada pela população indígena foi substituída, total ou
parcialmente, por línguas faladas por pessoas vinda de fora. Se não fosse por esse
fator fortemente complicador, a história lingüística mundial poderia ser descrita pela
distribuição inicial do Homo sapiens sapiens, seguida por lento, progressivo e
reciprocante trabalho de divergência e convergência.
É esse último modelo que Renfrew acredita desempenhar papel crucial na
explicação das origens das línguas indo-européias, em especial as faladas na Europa.
Como a Europa parece ter sido ocupada continuamente, desde os longes da Idade da
Pedra, o modelo da colonização inicial não parece adequado para fornecer a resposta.
Do mesmo modo, a simples divergência não consegue explicar o complexo inter-
relacionamento constatado entre as línguas européias. O processo de convergência,
defendido por Trubetskoy, tem sido amplamente rejeitado. Quase por eliminação,
resta apenas o processo de substituição lingüística.
Há diversas maneiras segundo as quais uma língua pode substituir outra em
determinada região.
Quando o grupo invasor é bem organizado e possui tecnologia militar
superior, é capaz de subjugar pela força das armas o sistema vigente e o dominar.
Nesse caso a nova elite dominante pode impor a sua própria linguagem. Daí a
denominação deste modelo: da elite-dominante. As ondas de invasões-Kurgan,
preconizadas por Childe-Gimbutas, constituem exemplo do modelo em pauta, desde
que as condições iniciais realmente estivessem preenchidas, isto é, ter tecnologia
militar superior e alto grau de organização. Ocorre que não se tem certeza de que isto
realmente aconteceu. Não podemos precisar, com convicção, se esses imigrantes eram
os terríveis cavaleiros bem organizados que espalhavam terror sobre os territórios
conquistados, como é a imagem que se tem deles. Na verdade, isto não passa de
hipótese.
Outra maneira é o colapso do sistema existente. Muitas sociedades primitivas
eram instáveis. Quando ocorria forte crescimento demográfico, acompanhado por uma
série de condições adversas, como mau tempo, catástrofes naturais, degradação da
elite dirigente, perda de colheitas, baixa da fertilidade dos solos, etc., o sistema era
55
incapaz de suportar a pressão, tornando-se vulnerável. Isto criava condições propícias
para que povos além das fronteiras invadissem o seu território, inculcando nova
linguagem. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a queda do Império Romano.
Quando uma sociedade altamente centralizada sofre colapso, povos antes mantidos
sob controle para além das suas fronteiras se aproveitam do vácuo de poder para
invadir as suas terras. Nesse caso, linguagens "bárbaras" podem suplantar as do centro
imperial.
Outro modo: quando ponderável comércio de longa distância se desenvolve
em sociedade igualitária, uma língua comercial, ou língua franca, muitas vezes
manifesta-se. É o caso das linguagens "pidgin", versões simplificadas de língua falada
fora do seu território original. Quando uma língua pidgin começa a ser falada como
língua-mãe por alguns dos seus habitantes, ela passa a ser denominada de "crioula",
o que é um tipo de substituição hoje considerado importante no desenvolvimento
lingüístico.
Por último, devemos considerar os processos demográficos e econômicos. Em
dada região, a população existente deve ter, geralmente, economia de subsistência
bem estabelecida, normalmente baseada na coleta e na caça. Se um grupo de recém-
chegados deseja estabelecer-se por meios pacíficos, deve ser portador de tecnologia
que lhe permita explorar um nicho ecológico diferente, ou então ser capaz de
competir com sucesso nele. Só nesses casos se poderá expandir suficientemente para
que a sua língua sobrepuje a anterior.
Analisando o caso da pré-história da Europa, à luz desses modelos de
substituição lingüística, verificamos que apenas um se enquadra nas condições então
existentes. Os modelos da elite-dominante e colapso do sistema requerem grau de
organização social e tecnológica que não existia na Europa antes da Idade do Bronze.
Do mesmo modo não é provável que qualquer sistema comercial fosse
suficientemente intenso para o desenvolvimento de uma língua franca antes da
emergência da Idade do Bronze. Resta apenas o modelo demográfico e de
subsistência.
Este é o ponto crucial do nosso raciocínio. Se passarmos em revista a pré-
história da Europa, apenas um evento de magnitude, radical o bastante e de amplo
alcance, se apresenta como candidato, além de se enquadrar manifestamente na
categoria de subsistência: a introdução da agricultura.

4.5 O modelo de Renfrew

Podemos classificar este evento como um dos mais importantes, senão o mais
importante, da história da humanidade. Pela primeira vez o homem passa de predador
a produtor. De passivo, se contentando com coleta e caça, passa a ativo, produzindo a
sua própria alimentação (frutas, grãos, carne). Ocasiona reviravolta na economia e nos
destinos do homem que até hoje não foi devidamente aquilatada.
A partir de 10000 A.C. a temperatura na Europa começa a esquentar e as
geleiras a recuar lentamente. Entre 8300 e 6800, a temperatura no verão já atingia de 8
a 12 C. De 6800 a 5000, a temperatura se elevou rapidamente, atingindo 17C em
5000 A.C.. As condições climáticas propícias para a agricultura principiavam a surgir.
No sétimo milênio A.C., nova economia agrícola começa a se espalhar pela
Europa, baseada no cultivo do trigo e da cevada e no pastoreio da cabras e ovelhas.
Essas espécies não são nativas da Europa, foram importadas. Se rastrearmos de volta
tais espécies através da Europa, o local mais próximo, onde protótipos das mesmas
56
podiam ser encontrados em estado selvagem, é a Anatólia central, parte da atual
Turquia. A domesticação dessas espécies parece ter ocorrido ao mesmo tempo, em
diversas regiões adjacentes do Oriente Médio, mas, para os nossos propósitos, nos
concentraremos na Anatólia, de onde provavelmente elas alcançaram a Europa.
Como pode ter sido esta propagação geográfica em termos demográficos? O
geneticista italiano Luca L. Cavalli-Sforza e seu colaborador, o arqueólogo americano
Albert Ammerman, ofereceram resposta elegante em forma de modelo, a que
denominaram "onda de avanço".
Cavalli-Sforza é professor da Universidade de Stanford desde 1971. Nasceu
em Genova em 1922, recebeu seu diploma em medicina pela Universidade de Pavia,
em 1944. Estudou genética bacteriana na Itália, tendo se voltado para a genética das
populações humanas em 1952. Estudou, desde então, a consangüinidade humana, o
acervo genético e os meios de predizê-lo mediante observações demográficas; as
relações recíprocas entre as evoluções biológica e cultural; os significados culturais
entre nomes e sobrenomes; a reconstrução da evolução humana. Realizou trabalhos de
campo entre os pigmeus da África; aplicou técnicas moleculares visando preservar o
acervo genético de populações aborígines.
O seu modelo pressupõe que a concepção de economia agrícola era conduzida
por movimentos locais dos agricultores e da sua prole. Uma vez que a agricultura
atingisse determinada região, a sua densidade populacional cresceria rapidamente.
Notaram que a exploração agrícola poderia aumentar cerca de 50 vezes a densidade
populacional média, inicialmente de uma pessoa por 10 quilômetros quadrados, que
era provavelmente típica para as primitivas economias caçadoras-coletoras.
Imaginaram que haveria intervalo de 25 anos entre uma geração e a seguinte;
que cada novo agricultor se movimentaria 18 quilômetros, em qualquer direção, da
casa de seus pais para estabelecer a sua própria lavoura. Segundo um modelo de
crescimento logístico, uma população inicialmente com 0,1 habitante por quilômetro
quadrado, que se multiplicasse à taxa inicial de 3,9% ao ano, duplicaria em cada 18
anos. A taxa de crescimento então decresceria lentamente, até se anular, quando a
população atingisse a saturação, ou seja, 5 habitantes por quilômetro quadrado,
densidade média dos povos cultivadores.
Com base nessas hipóteses, arquitetaram um modelo, o qual mostra que a
agricultura se propagaria como onda através da Europa, progredindo na velocidade
média de um quilômetro por ano. Nesta razão, a agricultura levaria cerca de 1500
anos para atingir o norte da Europa, a partir da Anatólia, o que concorda bastante bem
com os dados arqueológicos disponíveis.
É óbvio que um único modelo não seria capaz de descrever integralmente um
processo tão complexo como o da introdução da agricultura na Europa. Variações na
topografia e no clima, entre outras condições, implicariam que as previsões do modelo
difeririam significativamente da realidade.
Podemos imaginar outro modelo: se os moradores locais caçadores-coletores
adotassem a agricultura dos seus vizinhos, ela se teria difundido mais lentamente, sem
substituição lingüística, porque os agricultores seriam os nativos com a sua nova
economia, ao invés dos recém-chegados, falando nova língua.
O que realmente deve ter acontecido foi uma mistura desses dois modelos. Os
recém-chegados podem ter introduzido a agricultura na Grécia, daí para os Balcãs,
Europa central e sul da Itália. Em outras regiões, a agricultura pode ter sido adotada
pelas populações locais, o que explicaria a persistência anômala de diversas línguas
não indo-européias, como o basco. Outras línguas desse caráter seriam o etrusco,
57
falado ainda nos tempos romanos; o ibérico, língua primitiva da Espanha; o picto,
língua pré-céltica da Escócia.
A hipótese tradicional, defendida por Childe-Gimbutas, afirma que a primeira
onda de invasões dos guerreiros-Kurgan, em torno de 3500 A.C., trouxe a estes das
estepes da Rússia para a Grécia, de onde se espalharam para o norte e para o sul. Esta
nova visão, que tem Renfrew por paladino, mostra os primeiros indo-europeus não
como guerreiros invasores oriundos das estepes, mas como camponeses agricultores
provindos da Anatólia, que no curso da sua vida inteira se moveram talvez apenas
alguns quilômetros. Tal teoria implica, igualmente, recuar em vários milênios a data
da chegada destes à Europa. Teria ocorrido por volta de 6500 A.C., e não em torno de
3500 A.C., como assumido no modelo tradicional.
Isto comporta maior continuidade na pré-história européia do que se tinha
previamente acreditado. Não ocorreu, portanto, descontinuidade repentina, algo como
"a chegada dos indo-europeus", como previamente se acreditava. Nem houve
descontinuidade na Idade do Ferro, como muitas vezes se pensou ter acontecido com
a chegada dos Celtas no norte da Europa. A língua celta teria evoluído na Europa
ocidental a partir de raízes indo-européias. O povo que construiu Stonehenge e outros
monumentos megalíticos da Europa seria formado de indo-europeus, que falavam
alguma forma de indo-europeu, antepassado do celta posterior, até o residual de hoje.
Isto concorda com a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, a qual
necessita que uma data mais recuada seja atribuída à sociedade neolítica, criadora do
fluxo original de idéias matemáticas, tendo em vista, entre outras considerações, as
datações megalíticas. Além disso, tende a confirmar a hipótese da correlação dessa
sociedade com os indo-europeus.
Segundo tal ponto de vista, a pré-história da Europa seria moldada por uma
série de transformações e adaptações evolucionárias sobre substrato proto-indo-
europeu comum, acrescido de poucas sobrevivências não indo-européias. Não teriam
ocorrido coisas como uma série de imigrações de fora, mas um conjunto de interações
complexas dentro de uma Europa que já era economicamente agrícola e indo-européia
na linguagem. Embora esse raciocínio, até agora, se tenha concentrado sobre o
continente europeu, a hipótese de que a disseminação das línguas esteja
correlacionada com a difusão da agricultura acarreta implicações fora dele.
A Anatólia não foi a única região, onde a domesticação das espécies selvagens
ocorreu, como mostra o registro arqueológico. A região onde se originou a agricultura
tem três lóbulos, um dos quais é a Anatólia; outro é o Levante, faixa de mais ou
menos 50 a 100 quilômetros de largura na costa do mediterrâneo, região do que se
chama hoje Israel, Jordânia, Síria e Líbano; o terceiro, o Zagros, região do Iraque e
do Irã. Cada um desses três lóbulos pode ter dado origem a uma grande família de
línguas, por difusão. O lóbulo anatólico, que contém Çatal Hüyük, pode ter sido o
berço das línguas indo-européias, o Urheimat dos indo-europeus.
No que concerne ao Levante, uma onda de avanço que aí se originasse, devido
às características topográficas do terreno, se movimentaria para o sul na península
arábica e para o oeste, tendo como destino o norte da África. As evidências de que a
agricultura atingiu o Saara, no norte da África, não muito depois de sua chegada na
Europa, se vêm acumulando. A sua chegada pode ter sido acompanhada por processo
de difusão demográfica similar ao que ocorreu na Europa.
Quanto ao aspecto lingüístico, que pode ter sucedido? Em vastas regiões do
norte da África, o grupo lingüistico dominante é o afro-asiático, que inclui o egípcio
antigo, as línguas berberes e o grupo semítico, os quais tradicionalmente são
considerados como originários da Arábia. É possível, porém, que essas línguas
58
possam ser rastreadas até uma raiz proto-afro-asiática, proveniente do lóbulo
levantino da agricultura, que contém a cidade de Jericó.
Quanto ao terceiro lóbulo, que contém o sítio de Ali Kosh, a agricultura
poderia ter partido deste para o sul do Irã e para o Paquistão. Em tais condições, pode
ter sido a fonte do grupo de línguas da Índia e do Paquistão que depois foi substituído
por línguas do grupo indo-europeu.
Recentemente o lingüista David MacAlpin, da Universidade de Londres,
mostrou que o elamita, língua falada no antigo reino da Elam (agora parte do
Khuzistão, no sudoeste do Irã), é aparentado das linguagens dravídicas da Índia. O
elamita foi, logo depois do sumeriano, uma das primeiras línguas registradas por
escrito, porém, até hoje, permanece na sua maior parte incompreendido e indecifrado.
É possível que a onda de avanço do sudeste tenha carregado os antecedentes do
dravídico e do elamita através da Índia e do Paquistão.
Há pouco tempo estabeleceu-se relação entre o dravídico e a língua falada pela
civilização de Mohenjo-Daro, que foi conquistada por invasores indo-europeus, os
arianos do Rig-Veda. O proto-dravídico pode ter sido deslocado, portanto, pelas
línguas indo-européias agora faladas na Índia.
Ao nosso ver, o modelo da Renfrew apresenta vantagens sobre o tradicional. A
substituição e evolução das línguas, nesse modelo, se efetuou principalmente por
processos pacíficos, não violentos, o que implica não ocorrerem descontinuidades
significativas ao longo da pré-história dos povos envolvidos. As versões violentas, de
hostes guerreiras invasoras, que conquistam e devastam imensos territórios,
dificilmente explicam a estabilidade com que as línguas indo-européias se
desenvolveram e a enorme expansão geográfica que atingiram.
É óbvio que as mudanças introduzidas por meios pacíficos tendem a ser mais
facilmente aceitas que as dos processos violentos, e também mais duradouras. Além
disso, tornam o processo histórico mais contínuo, eliminando a necessidade de
explicações do tipo "invasões de hordas bárbaras". É evidente que tais eventos
ocorreram ao longo da história, que tiveram as suas conseqüências, mas elas
normalmente ou não foram duradouras ou não foram tão abrangentes. Esse modelo
de onda de avanço ampliado tem como conseqüência que os antecedentes das línguas
dos grupos indo-européu, afro-asiático e dravídico estavam agrupadas no Oriente
Médio, em torno de 10000 anos atrás.
O presente quadro, pintado por Renfrew, embora ainda altamente hipotético e
encarado com reservas por algumas autoridades no meio erudito, vem recebendo
notáveis confirmações adicionais nos últimos anos, principalmente em face de
recentes trabalhos nos campos da lingüística e da genética das populações humanas.

4.6 Confirmações do modelo de Renfrew

4.6.1 Contribuições lingüísticas

Recentemente, dois eminentes lingüistas russos, Thomas V. Gamkrelidze e


V.V. Ivanov, emitiram nova hipótese, que acarreta modificações substanciais na
reconstrução até então aceita do protótipo das línguas indo-européias.
59
Gamkrelidze dirige o Instituto de Estudos Orientais, em Tbsili, e é professor
de lingüística na Universidade Estatal de Tbsili. Ivanov é professor de lingüística e
chefe do departamento de línguas eslavas no Instituto de Estudos Eslávicos e
Balcânicos, em Moscou.
O estudo de línguas mortas, que nunca foram escritas, somente pode ser feito
comparando-se as suas descendentes e procurando reconstruir a sua antecedente mais
próxima, em penoso trabalho de trás para frente, seguindo as leis que governam as
mudanças fonéticas. Fonética, estudo dos sons das palavras, é de importância
primordial, pois os sons das palavras, ao longo do tempo, são mais estáveis que seus
significados. A articulação das consoantes não se faz do mesmo modo que a das
vogais, com a passagem livre da corrente da ar através da cavidade bucal. Na sua
pronúncia, a corrente espiratória encontra sempre algum obstáculo, em alguma parte
da boca: ou obstáculo total, que a interrompe momentaneamente (oclusivas), ou
obstáculo parcial, que a comprime sem, contudo, interceptá-la (constritivas).
Os lingüistas clássicos fundamentaram a sua reconstrução do proto-indo-
europeu na chamada "Lei de Grimm" (Lautverschiebung, mudança de som). Esta lei
postula que, em um dado conjunto de consoantes, umas tendem a deslocar as outras,
ao longo do tempo, de forma regular e previsível. Foi enunciada por Jacob Grimm, em
1822, o qual é mundialmente conhecido por sua coleção de contos de fada, escritos
em parceria com seu irmão Wilhelm.
Essa lei explica por que certas consoantes duras, como por exemplo em
alemão, persistiram, apesar da tendência universal de serem substituídas por outras
mais macias. O conjunto de consoantes macias, sonoras (acompanhadas pela vibração
momentânea das cordas vocais) : "b","d","g" , propostas pelos lingüistas clássicos
como características na sua reconstrução do proto-indo-europeu, originaram
aparentemente o conjunto de consoantes duras: "p","t","k".
Segundo a Lei de Grimm, isto ocorreu pela "des-sonorização" dessas
consoantes (a consoante "p", por exemplo, não é acompanhada por vibração das
cordas vocais). Por isto a palavra sânscrita "dhar" era vista como forma arcaica do
inglês "draw", que por sua vez era mais arcaica que o alemão "tragen" (todas estas
palavras significam "puxar"). Isto implicava que línguas como o sânscrito e o grego
eram muito mais próximas do proto-indo-europeu original do que línguas como as
germânicas, ou mesmo o armênio ou o hitita.
De acordo com a teoria clássica, as consoantes oclusivas”, as que são
pronunciadas pela interrupção do fluxo sonoro que excita a glote, ou as cordas vocais,
são divididas em três categorias (ver quadro). A consoante labial "b" aparece na
primeira coluna como consoante sonora, sendo que o parêntese indica a sua suposta
supressão. Esta consoante é relacionada com duas outras consoantes oclusivas: "d"
(ocluída pela parte dianteira da língua contra o palato) e a "g" ocluída pela parte
traseira da língua contra o palato).
No modelo de Gamkrelidze e Ivanov, essas consoantes são substituídas por
outras, que são pronunciadas com oclusão glotalizada: fechamento da garganta na
região das cordas vocais, que não permite a saída do fluxo respiratório. Nele é a
oclusiva labial não-sonora "p" que aparece suprimida, seguida pelo "t" e "k". Do
mesmo modo que o "p" é não-sonoro e o "b" é sonoro, assim, respectivamente, o "t" é
para o "d" e o "k" é para o "g".

MODELO CLÁSSICO

SONORA SONORA-ASPIRADA NÃO-SONORA


60
(b) bh p
d dh t
g gh k

MODELO DE GAMKRELIDZE-IVANOV

GLOTALIZADA SONORA-ASPIRADA NÃO-SONORA


(p’) b/bh p/ph
t’ d/dh t/th
k’ g/gh k/kh

A oclusão glotalizada ocorre em muitas famílias lingüísticas, notadamente as


de origens norte caucasianas e sul caucasianas (kartvelianas). Essa oclusão, que
endurece as consoantes, tende a desaparecer em muitas línguas do mundo.
Essa revisão no sistema de consoantes do proto-indo-europeu ocasiona
reviravolta na trajetória da evolução das línguas indo-européias. Nesta reconstrução
línguas como as germânicas, o armênio e o hitita são muito mais próximas do proto-
indo-europeu primitivo que o sânscrito, o que revoluciona a concepção clássica, onde
se acreditava que o sânscrito era que mais fielmente tinha preservado o sistema de
sons original. O vocabulário reconstruído do proto-indo-europeu, reestudado segundo
essas novas regras, sugere que o seu berço natal deve se situar algures na região da
Anatólia oriental e do sul do Cáucaso (na Geórgia).
Além disso, a reconstrução de numerosas palavras como as que designam
animais domésticos, tais como cães, vacas e ovelhas, tão bem como as da lavoura, tais
como trigo e cevada, indicam que a cultura deste povo era fundamentalmente
agrícola. Também são importantes as palavras para roda e cavalo, pois os registros
arqueológicos parecem indicar que o veículo com rodas e a domesticação do cavalo
tiveram a sua origem naquela região.
Essas conclusões confirmam, de um modo surpreendente, o modelo de
Renfrew, especialmente por provirem de fonte inopinada. Renfrew reconhece duas
escolas opostas entre os estudiosos da evolução das línguas, classificando-as,
jocosamente, como a dos "divisores" ("splitters") e dos "amontoadores" ("lumpers").
Os "divisores" tendem a enfatizar as diferenças que parecem fazer as línguas
não se relacionarem e a dividir a classificação em unidades independentes menores.
Os divisores, no seu esforço para evitar correlações espúrias, afirmam que nenhum
grupo de línguas pode ser classificado como família até que uma série de
similaridades e afinidades possa ser mostrada. Insistem em que essas similaridades
podem ser empregadas na reconstrução de protolínguas, das quais as línguas da
família se originaram.
Já os "amontoadores" aceitam critérios outros, além dos lingüísticos
tradicionais, que lhes permitiriam "amontoar" muitas línguas juntas em umas poucas
famílias. Alguns desses também reconstruem protolínguas, embora outros considerem
tal passo supérfluo.
Os "amontoadores" iniciaram a sua visão unificadora em 1963, quando o
lingüista americano H. Greenberg, da Universidade de Stanford, propôs classificar as
línguas da África em apenas quatro macrofamílias: a afro-asiática, a niger-
kordofaniana, a khoisan e a nilo-sahariana.
Greenberg preferiu o método de análise multilateral, que consiste em examinar
um número de palavras em muitas línguas simultaneamente, em vez de comparar
palavras em apenas duas, como nos métodos tradicionais. Recentemente empregou
61
esse método para classificar as línguas das Américas em apenas três grupos : o
esquimó-aleuta, o na-dene e o ameríndio.
Os dois primeiros, o esquimó-aleuta no Ártico e o na-dene no sudoeste dos
Estados Unidos e no Canadá, vêm sendo aceitos já há algum tempo, a novidade
consiste em agrupar todas as outras línguas da América sobre o título de ameríndio.
Esse grupo contém cerca de onze subfamílias, distribuídas através da Américas do
Norte, Central e do Sul. Para fundamentar o ameríndio, Greenberg identificou cerca
de 300 etimologias, ou grupos de palavras, as quais acredita que evoluíram da mesma
palavra antecedente comum. Cada membro desses grupos é denominado cognato. Há
pouco tempo, o lingüista Merritt Ruhlen elevou este número para cerca de 500
etimologias.
No início da década de 70, os lingüistas russos Vladislav M. Illich-Svitych e
Aharon B. Dogopolsky argumentaram que o indo-europeu, o afro-asiático, o
dravídico, o altaico e o urálico poderiam ser classificados em conjunto em uma única
macrofamília (ou superfamília), que denominaram de nostrático, do latim "nostras",
"nosso compatriota". O nostrático seria proveniente do Proto-Nostrático, falado no
Oriente Médio há uns 15000 anos.
Isto também vem reforçar o modelo de Renfrew, que coloca as origens do
indo-europeu na mesma região geográfica, embora o objeto da hipótese do Nostrático
trate de segmento temporal anterior àquele por ele estudado. O nostrático tem muitas
palavras para plantas, mas nenhuma para variedades cultivadas ou para técnicas de
cultivo. Do mesmo modo, tem palavras para animais, mas não diferencia entre
animais selvagens e domésticos. Isto leva a pensar que era falado antes da emergência
da agricultura e da domesticação dos animais. O povo que o falava seria, portanto,
caçador-coletor. Greenberg também definiu uma macrofamília semelhante ao
nostrático, a eurasiática, que difere dele pela exclusão do dravídico e do afro-asiático
e pela inclusão do esquimó-aleuta e do chukchi-kamchatkana .
Illych-Svitych faleceu em um acidente de tráfego, aos 31 anos, mas
Dolgopolsky, que emigrou para Israel na década de 70, continua trabalhando na
Universidade de Haifa em dicionário de raízes nostráticas. Já reuniu cerca de 1600
delas. Deve-se registrar que testemunhos arqueológicos e genéticos harmonizam-se
significativamente bem com algumas das conclusões dessas escolas "amontoadoras",
o que mostra que é campo fértil que importa seja desenvolvido.
Pode parecer estranho ao leitor de formação matemática a extensão invulgar
com que temas tais como lingüística, megalitos, genética e arqueologia vêm sendo
tratados em livro sobre as origens da matemática; porém somos de opinião que o
estudo de questões da pré-história somente pode ser feito com proveito dentro de um
enfoque holístico, multidisciplinar. Essa complementariedade de informações é que
vai gerar uma visão de conjunto que nos permita entender a cultura dos povos
neolíticos.
Nesse processo, cabe observar, a hipótese de Van der Waerden tem papel que
ainda não foi suficientemente aquilatado, talvez por ser relativamente pouco
conhecida. O rastreamento do intercâmbio de informações científicas entre as
diversas civilizações da antigüidade pode fornecer valiosas pistas sobre a cultura
neolítica. Esse processo, que nos permitimos denominar de arqueologia das ciências,
é campo profícuo que merece receber especial atenção nos próximos anos.

4.6.2 Contribuições da genética

62
"Genes não têm efeito direto nas línguas, mas a língua que nós aprendemos
depende de onde nós nascemos e de quem nós nascemos, nossa família e nosso meio
social. Se um grupo se separa, ambas, a herança genética e a língua, irão divergir,
assim, a história dos genes e das línguas é essencialmente a mesma", afirma o
geneticista Cavalli-Sforza.
Nos último 50 anos vários geneticistas, entre os quais se destaca Cavalli-
Sforza, vêm mapeando a distribuição de centenas de genes nas diferentes populações
do mundo. Na reconstrução da distribuição das populações humanas pelo mundo, o
conceito de árvore de família é crucial, pois permite identificar as populações de
antepassados e as suas descendentes, colocando esta seqüência de eventos em ordem
cronológica. Se outros fatores são iguais, quanto mais distante no tempo ocorreu a
separação de duas populações, maior deve ser a diferença genética entre elas, ou seja,
a distância genética.
Esse estudo é muito complicado nas sociedades metropolitanas, pela grande
miscigenação entre os genes dos habitantes; porém o estudo das populações
aborígines pode fornecer pistas valiosas. Distância entre grupos aborígines não pode
ser deduzida a partir da presença ou ausência de um único traço herdado, ou do gene
que o expressa, porque cada grupo carrega praticamente todos os genes existentes. O
que varia é a freqüência com a qual os genes aparecem.
Bom exemplo de distância genética é fornecido pelo fator Rh, antígeno
sangüíneo humano que se apresenta em duas formas, positivo e negativo. É
transmitido geneticamente; tem sido amplamente estudado, por razões de saúde
pública. Os médicos devem identificar as mulheres grávidas com fator Rh negativo e
cujo feto é Rh positivo, para lhe administrar tratamento imunológico logo após o
parto, pois corre risco de vida. Os genes Rh negativos são freqüentes na Europa,
infreqüentes na África e Ásia Ocidental, virtualmente ausentes na Ásia Oriental e
entre as populações aborígines da América e da Austrália.
Cerca de 16 % dos ingleses são Rh negativos, contra 25 % dos Bascos. Esta
diferença percentual de 9 % expressa, de certo modo, a distância genética entre eles.
Já a distância entre os ingleses e os asiáticos orientais é de 16 pontos: distância maior,
implica separação mais antiga. Os Bascos, a propósito, acusam maior freqüência para
o gene do Rh negativo que qualquer outra população no mundo, o que vem a
corroborar a hipótese de que eles sejam um dos mais antigos, senão o mais antigo
povo da Europa, hipótese igualmente confirmada por considerações lingüísticas.
Devem ter conservado parte significativa da sua herança genética original, apesar do
contato freqüente com imigrantes tardios.
Os geneticistas empregam para o cálculo da distância genética fórmulas mais
complicadas que a simples subtração indicada. Um exemplo do cálculo de distância
genética pode ser encontrado no Anexo I, cuja leitura recomendamos para o leitor
interessado, e que tenha formação matemática um pouco mais avançada.
Cavalli-Sforza e os seus colegas Paolo Menozzi e Alberto Parma, em um
projeto de 12 anos, estudaram mais de 100 traços hereditários diferentes, em cerca de
3000 amostras tomadas de 1800 populações. Muitas amostras incluíram centenas ou
mesmo milhares de indivíduos. Tal conjunto de informações, que foi denominada
conjunto clássico, foi deduzido indiretamente a partir das proteínas que os genes
expressam. Mais recentemente, novo conjunto de informações pode ser obtido, a
partir de dados moleculares estudados diretamente na seqüência codificada do DNA
nos núcleos das células. Os dois conjuntos de dados, o molecular e o clássico,
concordam de maneira admirável.
63
Nos últimos anos, novo processo do estudo das distâncias genéticas foi
desenvolvido, principalmente pelo falecido Allan C. Wilson e colegas da
Universidade da Califórnia, em Berkeley. É baseado no relativamente pequeno
número de genes codificado no DNA das mitocôndrias, organelas celulares que
metabolizam energia. Os genes mitocondriais diferem dos do núcleo de maneira
fundamental. Os genes nucleares originam-se de iguais contribuições dos genes do pai
e da mãe, mas os genes do mitocôndria são passados para a prole quase
exclusivamente pela mãe. Têm também taxa de mutação mais alta que a dos genes
nucleares e, nesse processo, a distância genética é calculada não a partir da freqüência
desses genes, mais sim a partir da freqüência das suas mutações. Desta forma, o
relógio mitocondrial é baseado no número de mutações que se acumularam, ao invés
de ser fundamentado nas mudanças das freqüências dos genes.
Uma das conclusões mais controvertidas é que podemos rastrear os genes
mitocondriais do todos os homens hoje existentes até os de uma única mulher, que
deve ter vivido na África, há cerca de 150-200000 anos. Essa hipótese recebeu
memorável divulgação pela imprensa, sendo a mulher cognominada de "Eva", a
antepassada bíblica de toda a humanidade.
O que realmente impressiona é que a distribuição dos genes concorda
surpreendentemente bem com a das linguagens. Em certos casos, uma língua ou
família de línguas podem servir para identificar uma população genética. Exemplo
notável é o das línguas Bantu, família que compreende cerca de 400 línguas no centro
e sul da África, afins entre si e correspondem fielmente às fronteiras e filiações
genéticas tribais.
O motivo disso foi descoberto por Joseph Greenberg, na década de 1950, com
base em argumentos lingüísticos. Concluiu que as línguas Bantu são descendentes de
língua ou de família de dialetos intimamente relacionados, falados por um grupo de
agricultores da Nigéria oriental e de Camarões, há pelo menos 3000 anos, quando
começaram a se dispersar pela África central e do sul.
Essas línguas divergiram ao longo do tempo, mas não tanto que sua origem
fosse obscurecida. Como esta explicação se aplica também aos genes dessas
populações, o cognome Bantu - originalmente uma categoria lingüística - hoje designa
grupo de populações com as mesmas raízes genéticas e lingüísticas. O estudo dos
dados genéticos dessas populações confirmou as suspeitas de Greenberg.
A análise efetuada por Cavalli-Sforza de como os genes variam de um local da
Europa para o seu local vizinho, sugeriu um modelo de como a Europa foi colonizada.
O modelo se superpõe ao de Renfrew, ratificando a hipótese de que agricultores
neolíticos trouxeram os seus genes, cultura e línguas indo-européias do Oriente Médio
para a Europa, em um processo de lenta expansão. O mapa da distribuição geográfica
das freqüências dos genes na Europa mostra que esta se dá ao longo de um gradiente a
partir do sudeste para o noroeste.
Robert R. Sokal, da Universidade de Nova Iorque, encontrou recentemente
significativa evidência estatística de que boa parte desse gradiente está correlacionada
com a dispersão da agricultura a partir da Anatólia. O estatístico Guido Barbujani, da
Universidade de Pádua, que efetuou, há pouco tempo, análise análoga para as outras
famílias lingüísticas, cuja distribuição pode ser explicada pela dispersão da agricultura
a partir do Levante (tais como a afro-asiática, a elamo-dravídica e a altaica antiga),
encontrou correspondência similar. Muito trabalho resta a ser feito segundo estas
linhas de pesquisa.
De qualquer modo, existe clara convergência entre as evidências
arqueológicas, as evidências genéticas e as evidências lingüísticas. Fica a ser
64
realizada, talvez na próxima década, a grande síntese unificadora, capaz de esclarecer
não somente a diversidade das línguas, mas também aquela dos genes e das culturas.
É nossa esperança que essa síntese esclareça pontos sobre um dos aspectos das
origens das culturas, a origem das correntes matemáticas da antigüidade, para o que, é
o nosso ponto de vista, a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg pode contribuir
significativamente, dada a sua fecundidade.

4.7 As línguas indo-européias

Cumpre registrar a notável estabilidade das palavras para designar números, os


nomes dos números. Raríssimas mudanças ou adaptações sofrem no uso comum,
sendo, portanto, ideais para o estudo comparativo entre várias línguas.
Notemos que as línguas indo-européias estão agrupadas em duas famílias: a
Kentum e a Satem. Um dos mais importantes critérios para a classificação das
línguas indo-européias se baseia no fato de que algumas delas amaciaram a consoante
dura k , transformando-a em uma sibilante s ou sh. Esta divisão se manifesta nas
palavras para cem: latim: centum (k) e sânscrito satam (sh). Podemos subdividir as
línguas indo-européias nos seguintes subgrupos: anatólio, helênico, itálico, ilírico,
eslavo, báltico, germânico, céltico, armênio, indo-iraniano e tocariano.
Apresentaremos, a seguir, a série lingüística dos nomes dos números, a qual
mostra a notável afinidade existente entre as várias línguas indo-européias.

Línguas Kentum

Grego Itálico Céltico Germânico Tocariano


Latim Irlandês Gótico
1 heis, mia, hén unus, -a, -um oin ains sas, sam
2 dýo duo, -ae, -a da twa wu, we
3 treis, tria três, tria tri preis, pria tre, tri
4 téttares, -a quattuor cethir fidwor stwar
5 pénte quinque coic fimf pan
6 héx sex se saíhs sak
7 heptá septem secht sibun spät
8 okto octo ocht ahtaú okät
9 ennea novem noi niun nu
10 déka decem deich taíhun sak

Línguas Satem

Indo Eslavo Báltico


Sânscrito Eslavo Eclesiástico Lituano Indo-Europeu Básico
Antigo
1 ekab, eka jedinu, -a, -o vienas *oi-nos, oi-qos
*sems,*sem,*semi
2 dvi, dve dva, dve du, dvi *duuo, *duo
65
3 trayah, tisrah trije trys *trejes, *trie
4 catvarah, catasrah cetyre keturi *quetuor (es)
5 panca petj penki *penque
6 sas sestj sesi *sueks, *seks
7 sapta sedmj septyni *septem
8 asta, astau osmj astuoni *oktou
9 nava devetj devyni *neun, *eneuen
10 dasa desejt desimt *dekm, *dekmt

No quadro a seguir podemos apreciar a mesma série numérica em algumas


línguas não indo-européias. Comparando-o com os anteriores, podemos verificar a
inexistência de semelhanças entre estas línguas, sendo as palavras destas últimas
bastante diferentes das antecedentes.

Basco Etrusco Sumeriano Chinês


1 bat thu as (ges) i
2 bi zal min erh
3 hiru ci es san
4 lau huth limmu szu
5 bost mach la wu
6 sei sa as liu
7 cazpi cezp imin ch'i
8 zortzi semph ussu pa
9 bederatzi nurph ilimmu chiu
10 amar sar u shih

A semelhança entre o basco sei, o latim sex e o céltico se é acidental, mas o


basco milla (mil) é empréstimo verdadeiro do latim mille. No Anexo II, podemos
apreciar verdadeiro museu lingüístico, que nos permite comparar os nomes dos
números não somente nas principais línguas indo-européias, mas também em outras
línguas não pertencentes a essa família.
Alertamos o leitor para se preocupar apenas com os sons das palavras para
número, não com sua transliteração, pois esta varia de autor para autor, conforme o
alfabeto fonético que empregue, ou os sinais diacríticos que utilize. Por motivos
gráficos, fomos obrigados a omitir a maioria dos sinais diacríticos, o que não irá
ocasionar maiores transtornos para o leitor, pois não é nosso objetivo nos
aprofundarmos em estudos lingüísticos.
E quanto aos nomes de número em português ? Qual seria sua origem ? E a
sua evolução ? Encontramos as etimologias desses nomes no Dicionário de
Etimologias da Língua Portuguesa, do saudoso R.F. Mansur Guérios, as quais foram
agrupadas no quadro a seguir. Ressalvamos, novamente, que transcrições do indo-
europeu podem divergir de autor para autor, em parte pelas razões já assinaladas, mas
mormente porque os entendidos ainda discordam em alguns pontos.

Um Do latim, ûnu latim arcaico oinos < proto indo-europeu *oino,


literalmente "aqui este", (conforme sânscrito ena-, "ele").
Português arcaico uu, u, hu.
66
Dois Do latim dúos > *doos, e com diferenciação dous; mais tarde
dois por dissimilação da labial u na palatal i. Do proto-indo-
europeu *du(w)-ó, provavelmente "esse" (Trombetti).
Três Do latim três, do proto-indo-europeu *teru, provavelmente
"aquele lá" (Trombetti).
Quatro Forma semiculta, do latim *quattro, em vez de *quatt(u)or. A
forma popular seria *catro (comparar com cal, cando, etc., do
latim quale, quando,etc.). O latim quattuor do indo-europeu
*kwé-toru, *kwé-twer, isto é, "um (mais) três" (Trombetti).
Para o primeiro elemento comparar com o sânscrito é-ka-s,
"um", e para o segundo comparar com o latim tre-s, "três".
Cinco Do português arcaico cinque [tsínke, sínke], do latim vulgar
cinque [tsínqwe], com a terminação -o por influência do -o de
quatro. A forma cinque, latim, anteriormente pronunciada
[kinkwe], é o resultado da dissimilação de quinque (u...u).
Segundo Gaston Paris , o latim cinque é deduzido de
cinquaginta, "cinqüenta", pois a dissimilação partiu de
quinquaginta, cuja primeira sílaba é átona, ao passo de que em
quinque a sílaba inicial é tônica, não possibilitando, portanto, a
dissimilação .Do proto-indo-europeu *penkwe, "mão", isto é,
"os cinco dedos da mão"(Trombetti), é aparentado ao
germânico *fing-ra, "dedo" (Friedmann), e cognato do latim
pug-nus, "punho", do grego pug-mé, "punho".
Seis Do latim sex [seks], com vocalização da velar. Do proto indo-
europeu *sweks, por sua vez abreviatura da reduplicação
*(ek)s-w-eks, "três e três" (Trombetti). Não se acha
independente no indo-europeu *ekes, "três".
Sete Do latim septe[m], com assimilação do p ao t, *sette,
documentado no sobrenome Sette. Do proto indo-europeu
*septom, por sua vez (talvez) derivado de *se-p-tom, "cinco e
dois" (Trombetti).
Oito Do latim octo, com vocalização da velar. No português arcaico
também outo. Do proto-indo-europeu *okto(u), talvez
derivado de *okito(u), isto é, "(dez menos) estes (dois)".
Nove Do latim noue[m], por sua vez do proto-indo-europeu *én-
wen, *én-wen, isto é "este (um) faltante (para dez)"
(Trombetti). Para o primeiro elemento, conforme o latim en,
"eis, eis aqui", e para o segundo, o grego eûnis, "privado,
órfão".
Dez Do português arcaico *deze e este do latim dece[m]. Do
proto-indo-europeu *de-k[i]om, "duas mãos" (Trombetti).

Observemos que as mais antigas palavras indo-européias para número


originaram-se, presumivelmente, de mão, dedos da mão, duas mãos. Isso fá-las
remontar ao mais primitivo estágio de contagem com os dedos da mão, talvez quando
os indo-europeus primevos superaram o estágio de contarem apenas mediante
correspondências um a um entre dois conjuntos, sentindo a necessidade de criarem
palavras para os números que as correspondências representavam, para possibilitar a
sua comunicação verbal.
67
O quadro a seguir resume as presumíveis origens dos nomes dos números no
proto-indo-europeu, conforme Guérios-Trombetti:

Um "aqui este"
Dois "esse"
Três "aquele lá"
Quatro "um (mais) três"
Cinco "mão", "cinco dedos da mão"
Seis "três e três"
Sete " cinco e dois"
Oito "(dez menos) estes (dois)"
Nove "este (um) faltante para dez"
Dez "duas mãos'

Os nomes para um, dois e três indicam noção de posição, a saber : este, esse,
aquele, e provavelmente são algumas das mais antigas palavras indo-européias, no
mínimo remontando aos tempos em que esses povos começavam a contar. As palavras
para quatro, seis e sete são compostas, indicando operações (somas) com os números
anteriores. Cinco e dez indicam possivelmente uma e duas mãos, mostrando o
emprego das mãos e dedos para a contagem, se a reconstrução for correta. Nas
palavras para oito e nove podemos identificar um princípio subtrativo: "(dez menos)
estes (dois)", "este (um) faltante para dez" (dez menos um; falta um para dez).
As línguas indo-européias constituem o mais importante agrupamento
lingüístico hoje falado no globo. Cerca de 3/4 da humanidade (4.225 milhões) se
comunica em apenas 20 línguas, das quais 11 são indo-européias, cujos falantes
representam 60 % desse total. Aproximadamente metade da população do globo
(cerca de 2.728 milhões) se comunica nas vintes línguas indo-européias mais faladas.
No Anexo III podemos apreciar as principais línguas indo-européias do presente e do
passado, bem como a sua localização geográfica.
Das línguas indo-européias duas merecem especial atenção: o hitita e o
tocariano. Na revisão feita por Gamkrelidze, como vimos, estas línguas, as línguas
germânicas e as anatólicas estão mais próximas do proto-indo-europeu original do que
anteriormente se suspeitava. Além disso, o hitita é a língua indo-européia mais antiga
atestada, e o tocariano é a mais oriental de todas elas.
Os lingüistas reconhecem certas similaridades compartilhadas entre tocariano,
céltico, hitita, itálico (e as línguas germânicas, de acordo com Gamkrelidze) como
herdadas do proto-indo-europeu, em período muito arcaico. O hitita, o tocariano, o
céltico, o latim , o grego e as línguas germânicas são línguas do grupo centum.
Alguns emigrantes, vindos provavelmente do leste, da região proposta para
berço dos indo-europeus por Renfrew-Gamkrelidze, invadiram a Anatólia ao redor de
2000 A.C. e estabeleceram o reino Hitita, que dominou toda a Anatólia por volta de
1400 A.C. A sua língua oficial foi a primeira língua indo-européia a ser registrada por
escrito.
Bedrich Hrozny (1879-1952), lingüista tcheco da Universidade de Viena e
mais tarde da Universidade Charles de Praga, decifrou em 1915 as inscrições hititas
escritas em cuneiforme, dos tabletes encontrados nos arquivos de Hattusas, capital do
reino hitita, moderna Bogazköy, situada a cerca de 200 quilômetros a leste de Ankara.
Cerca de 25000 tabletes foram ali escavados entre 1906 e 1912, pelo explorador Hugo
Winckler. Esses arquivos continham textos em oito línguas, a saber, o babilônio e o
assírio (às vezes chamadas de acádico), o hitita cuneiforme, decifrado por Hrozny, o
68
sumeriano, a língua erudita da mesopotâmia, que continuava a ser estudada na época
(cerca de 1200 A.C.).
Além dessas havia o hurrita ou hurriano, que não era língua indo-européia nem
semítica, falada no reino de Mittani, no norte da Siria e do Iraque atuais. A série
numérica em hurriano é: 2-sin, 3-kik, 4-tumni, 6-sinta, 9-nis, 10-eman,
caracteristicamente não-indo-européia.
O hitita hieroglífico, gravado em monumentos de pedra e em selos, foi
posteriormente identificado como o indo-europeu luvita (ou luviano), estreitamente
ligado ao hitita e provavelmente falado na Anatólia oriental. É, talvez, antepassado do
lício, língua falada nesta região na antigüidade clássica.
Outra língua indo-européia encontrada é o palaíta ou palaico, que com o hitita
e o luvita constituem o grupo anatólico das línguas indo-européias (a que se agregam
o lício e o lídio, próximo do hitita).
A última língua, o hático ou hattili, não indo-européia, é a que mais surpresa
causou. Os seus falantes a intitulavam "língua de Hatti" e provavelmente é aparentada
ao grupo das línguas caucasianas. Dos Hatti os hititas tomaram de emprestadas não
somente muitas palavras, mas também muito da sua religião e cultura. Até o nome
Hitita deriva de Hatti, pois os que conhecemos como hititas chamavam a si mesmo de
nes e sua língua de nesili. É, com certeza, verdadeira confusão moderna, que mostra
quão pouco clara é a nossa perspectiva da antigüidade. Esses Hatti são considerados
por alguns especialistas como autóctones da região, e os hititas como invasores..
Essa é questão que provoca ardentes debates e, conforme já comentamos
anteriormente, como o conhecimento da arqueologia da Anatólia é qualitativamente
inferior ao de outras regiões, deve permanecer aberta até que novas informações
permitam esclarecê-la. O que sabemos é que a Anatólia, nessa época era cadinho de
povos indo e não-indo-europeus. Os lingüistas concordam, porém, que o ramo
anatólico fornece alguns dos mais extremados exemplos de arcaísmo entre as línguas
indo-européias. Retém formas gramaticais e construções que desapareceram muito
cedo em outras línguas. É pena que praticamente nada se conheça sobre a matemática
hitita, pois o seu estudo se poderia mostrar revelador.
A descoberta do tocariano pode ser considerada como épica entre as aventuras
da ciência moderna. Somente nos fins do século XIX é que os aventureiros e
exploradores começaram a descobrir o que ainda é uma da mais ignotas regiões da
terra, a que se estende do leste do Irã e do Turcomênistão, passando por Samarcanda,
pelos montes do Altai e do Pamir, chegando à moderna província de Sinkiang, na
China.
Nessa região, ao norte do Tibet e ao sul da Mongólia, encontramos um cordão
de oásis que foram suficientemente férteis para manterem uma civilização urbana,
ilhada por estepes áridas povoadas unicamente por nômades. Nesses oásis, ou em sua
proximidade, jazem cidades esquecidas, semi-enterradas pelas areias, onde papel,
madeira, tecidos velhos de séculos, se conservam extraordinariamente bem, graças à
secura do deserto, como no Egito. Eles orlavam o deserto de Taclamakan, no antigo
Turquestão Oriental, hoje a moderna província de Sinkiang. Faziam parte da antiga
rota da seda para a China.
No princípio deste século, pequeno grupo de sábios se aventurou nessas
paragens, entre eles Aurel Stein foi um dos mais eminentes. De origem húngara,
realizou parte de seus estudos em Budapest, trabalhando em seguida para o Museu
Britânico. Em 1886 foi nomeado responsável pelo Colégio Oriental de Lahore, onde
estabeleceu sua base para uma série de expedições que o tornaram célebre e que
foram responsáveis por lhe dar o título de cavalheiro mais tarde.
69
O seu maior feito ocorreu nas chamadas Grutas dos Mil Budas (Ch'ien-fo-
tung), na vila-oásis de Tonghua. Essas grutas serviam de abrigo para uma colônia de
religiosos, fundada aparentemente pelos budistas em c. 366. Na época de sua primeira
visita, em 1907, era uma vila próspera em que havia pequena comunidade budista,
com um punhado de sacerdotes e monges que mantinham as Grutas. Em 1900, um
sacerdote taoísta de nome Wang-Tao-Shih, ao retocar uma fissura de afresco pintado
em uma das paredes de uma gruta, descobriu uma câmara secreta, que em tempos
tinha sido murada, que continha uma biblioteca inteira. Intimidado com a amplitude
da sua descoberta, tratou logo de emparedá-la novamente. Stein o convenceu a reabri-
la, adquirindo certo número de documentos, entre os quais textos budistas do século
V, parcialmente redigidos em chinês, manuscritos tibetanos e trabalhos diversos em
várias línguas e escritas, a maioria dos séculos VII e VIII da nossa era.
Entre os documentos recuperados de especial importância é o Sutra de
Diamante, versão chinesa do texto budista Vajracchedika. É o mais antigo livro
impresso conhecido no mundo, sendo que a sua data está contida no colofão: 11 de
maio de 868. Foi impresso com blocos de madeira, formando um rolo de papel com
aproximadamente cinco metros por 30 centímetros de largura e hoje é um dos
tesouros do Museu Britânico.
Outra parte dos textos foi adquirida por P.Pelliot para a Biblioteca Nacional,
em Paris, e quase todo o restante foi transferido para Pequim. Documentos escritos
que empregam quase sempre um alfabeto do norte da Índia, do tipo Brahmi,
chamaram a atenção, pois eram redigidos em duas línguas aparentadas até então
desconhecidas.
Do mesmo modo que ocorreu com o hitita, a comunidade científica escolheu
designar estas línguas com o nome provavelmente impróprio de "tocarianas", visto
que, segundo o autor clássico Estrabão, os tocarianos eram um povo que havia
vencido um soberano grego da Bactriana (Irã oriental) no segundo século da nossa
era. Datando dos séculos VII e VIII da era cristã, os textos, muitas vezes bilingües, o
que facilitou sua decifração, foram escritos sobre folhas de palmeira e papel da China
e retratavam uma correspondência monástica e registros contábeis. Passes de
caravanas, escritos a tinta sobre tabletes de madeira, também foram encontrados.
A sua decifração gerou surpresa: eram línguas indo-européias do grupo
centum, as mais orientais até hoje localizadas. A primeira das duas, conhecida como
tocariano A, aparecia em manuscritos descobertos em Karashahr e Tourfan: é
comumente conhecida como tourfaniano. A segunda, o tocariano B, é conhecida
principalmente por textos encontrados em Koucha, daí o nome da koutcheano. Os
números, em tourfaniano e koutcheano são os seguintes: 1: sas, se ; 2: wu, wi ; 3: tre,
trai ; 4: stwar,stwer ; 5: pan, pis ; 6: sak,skas; 7: spat, sukt ; 8: okat,okt; 9: nu,nu;
10: sak, sak; 100: kant,kante.
Quem eram os tocarianos é motivo de acirrada controvérsia, principalmente
nos dias de hoje. Os locutores dessas línguas tinham contatos com os chineses e a
escrita dos documentos data da dinastia T'ang. Do século IV da nossa era em diante os
Anais chineses mencionam raids de nômades, os Xiongnu, sobre as fronteiras
ocidentais. Estes povos mais tarde vieram a ser conhecidos com o nome de hunos.
Aparentemente, os tocarianos tiveram importância na disseminação do
budismo na China, sendo também importantes intermediários comerciais entre o
ocidente e oriente. Nesse ponto de vista, não há razão para que desenvolvessem
atividades belicosas com a China, portanto essa associação com os hunos é pouco
crível. Posteriormente, foram associados com os Yü-chi (sec. II/III D.C.), embora não
haja razão para que se acredite que eles eram falantes do tocariano.
70
Como vimos, os mais antigos documentos dos tocarianos datam do século
VI/VII da nossa era; porém o tocariano, o céltico, o hitita e o itálico têm em comum
fatores arcaicos herdados do proto-indo-europeu, em período muito antigo.
Necessitamos, portanto, de procurar os antecessores dos tocarianos em período entre,
talvez, 2500 A.C. e 200 D.C.
Bosch-Gimpera, seguindo Menghin, vê nos tocarianos os introdutores na
China da cerâmica pintada da cultura de Yang-Shao, nos princípios do II milênio
A.C., cuja origem, afirma, dever-se-ia procurar nos países ucranianos e danubianos,
isto é, nos indo-europeus. Recentemente foram encontrados na província de Sinkiang
115 corpos mumificados, datados pelo carbono-14 de c. 2000 A.C. São pessoas de
tipo físico ocidental: pele branca, e não amarela, cabelos loiros em vez de pretos,
olhos arredondados em vez de puxados. São, fisicamente, parecidos com gente que
viveu bem longe da China, nas estepes da Rússia ou da Ucrânia. Têm características
indo-européias bem nítidas. É a época da cultura Yang-Shao, a mais remota de que se
tem conhecimento. Não é possível afirmar com certeza que falavam tocariano, mas
constituem evidência das ligações dos indo-europeus com a China, em tão remota
época. Estão sendo estudados, em conjunto com os chineses, pelo Instituto de Estudos
Orientais da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. De qualquer modo, é
possível que os tocarianos tenham desempenhado importante papel, ainda não
aquilatado, na transmissão de conhecimentos do ocidente para o oriente e vice-versa,
como veremos.
A última língua a que nos reportaremos é a falada pelos antigos gregos. A
mais remota evidência dela é encontrada nos mais de 3.000 tabletes de argila
descobertos em Knossos, em Creta e em Micenas e Pilos, na Grécia continental. A
maioria desses tabletes, que geralmente contêm registros contábeis de economias
palacianas das civilizações micênica e minóica antiga, são redigidas em escrita
silábica conhecida como linear B. Datam de cerca do século XII antes da nossa era,
sendo escritos em forma primitiva de grego, freqüentemente denominada de micênico.
Essa civilização foi descoberta por Heinrich Schlieman, ao escavar Micenas
em 1874, conhecida como sendo a lendária pátria de Agamenon. Nas suas escavações
na Porta dos Leões encontrou o célebre Círculo de Sepulturas, datado de c.1600 A.C.,
que continha vários artefatos e os restos de 19 indivíduos, entre os quais a bela
"Máscara de Agamenon", hoje depositados no Museu Nacional de Atenas. O passo
seguinte foi dado pelo arqueólogo inglês Sir Artur Evans, que escavou o conhecido
palácio de Knossos na ilha de Creta, encontrando nos seus arquivos nada menos que
três escritas.
Rapidamente se reconheceu que uma das escritas, conhecida como
hieroglífica cretense, composta de signos ou pictogramas, tinha aparecido logo após
2000 A.C., e que a partir de 1600 A.C. em diante foi substituída por outra, a linear A.
Depois de 1450 A.C., foram ao que parece deslocadas pela terceira escrita, a linear B.
Esta escrita, silábica, foi decifrada pelo arquiteto inglês Michael Ventris, com a
colaboração de John Chadwick, revelando, para surpresa geral, o mais antigo dialeto
grego que se conhece. A linear A continua resistindo aos esforços dos decifradores.
Renfrew supõe que a agricultura tenha sido introduzida na Europa através da
Grécia, oriunda da Anatólia, pelos indo-europeus, que coexistiram com um ou mais
povos não indo-europeus naquela região. Esta é questão nebulosa, onde ainda não
existe um consenso.
A civilização micênica desenvolveu vigorosa atividade comercial, cuja
extensão foi possivelmente além do Mediterrâneo. Em julho de 1953, quando tentava
fotografar para um turista visitante de Stonehenge alguns grafites do século XVII,
71
R.J.C. Atkinsons viu no visor da câmara os contornos de uma adaga e de um machado
gravados no monumento. Passada a surpresa inicial, investigação mais detalhada
descobriu vários grupos de adagas e de machados inscritos em outras pedras do
monumento. O machado é de desenho familiar na região, mas a adaga só encontra
similar entre as escavadas nas ruínas de Micenas ! Isto mostra a existência de
conexões entre os micênios e o povo construtor dos megalitos, ainda não
suficientemente avaliadas. Os micênios usavam o estanho procedente das Ilhas
Britânicas para a sua indústria do bronze.

Com o colapso da civilização micênica em torno do século XII A.C., por


razões não inteiramente esclarecidas, o grego escrito desaparece até a introdução do
alfabeto entre 825 e 750 A.C. Dessa data em diante surgem inscrições e compilações
de grandes poemas épicos gregos transmitidos oralmente, como a Ilíada e a Odisséia,
de Homero, a Teogonia, de Hesíodo, de permeio com outras obras. Entre os séculos
XII e IX-VIII A.C. a história grega passa por um período de trevas, pouco conhecido.

Para encerrar, lembramos que a Tróia de Homero se localizava na extremidade


noroeste da Anatólia, entre dois rios costeiros, o Escamandro e o Simois, sobre
elevação natural, a uma distância razoável do mar. Foi fundada por volta de 3500-
3200 A.C., embora o nível estratigráfico associado com a Tróia da Ilíada (Tróia VII
A), tem a sua destruição datada de c. 1250 A.C..

72
CAPÍTULO V

A MATEMÁTICA BABILÔNICA

"Todo o conhecimento humano é


incerto, inexato e parcial".
Bertrand
Russel

5.1 Preliminares

Quando nos referirmos à matemática babilônica, na realidade queremos dizer


o tipo de matemática praticada na antiga Mesopotâmia, a região entre os rios Eufrates
e Tigres, que corresponde aproximadamente ao Iraque moderno. Portanto, estaremos
usando o termo "babilônio" em um sentido mais amplo do que o costumeiro nos
relatos da história do Oriente Médio, nos quais esse termo se aplica ao estado em
torno da cidade da Babilônia. Queremos, desse modo, referir-nos à matemática
praticada pelos povos que habitaram aquela região.
Por volta dos meados do quarto milênio A.C., um povo obscuro, de que não se
conhece nem a etnia nem a ascendência lingüística, conhecido modernamente como
os "Sumérios", invadiu a parte sul da Mesopotâmia e conquistou essa região aos seus
habitantes primitivos. A partir dos últimos séculos do quarto milênio os sumérios
foram, durante aproximadamente 1500 anos, o grupo cultural dominante no Oriente
Médio; produziram uma literatura muito rica, e deixaram como herança complexo e
vasto sistema jurídico, comercial, administrativo e religioso. Durante muito tempo,
mesmo após os sumérios propriamente ditos terem cessado de existir, a sua língua foi
empregada como língua erudita no Oriente Médio, como ocorreu com o latim no
Ocidente.
Pouco antes de 3000 A.C. os Sumérios começaram a usar uma escrita, que
posteriormente se desenvolveu na que conhecemos como cuneiforme. Não se sabe se
realmente foram responsáveis pela invenção da escrita, mas assim são conhecidos.
Pouco depois, os elamitas e os egípcios desenvolveram suas escritas.
A primitiva escrita suméria, espécie de escrita figurativa, com os
inconvenientes da pictografia, apresenta semelhanças de significado desconhecido
com a primitiva escrita linear dos elamitas e a hieroglífica dos egípcios. Um
pictógrafo é uma gravura mais ou menos realista do objeto que se supõe que
represente; um ideograma, pelo contrário, é sinal abstrato.
Os primeiros exemplos dessa escrita sumeriana primitiva foram descobertos na
cidade-estado de Uruk, por uma equipe de arqueólogos alemães dirigida por Julius
Jordan, em 1929 e 1930. Os textos, cerca de 1000, foram primeiro analisados por
Adam Falkenstein e os seus alunos. Hoje, com descobertas adicionais, o número de
escritos atinge aproximadamente 4000.
Dispunham de repertório considerável de caracteres: está estimado em não
menos de 1500 sinais, dos quais muitos representam ideogramas abstratos.
Empregavam como suporte da escrita tabletes de argila, endurecidos pela exposição
ao sol. Quando submetidos à ação do fogo, como por ocasião de incêndios em seus
73
arquivos, enrijeciam-se ainda mais. É material dos mais duradouros, mesmo quando
exposto às intempéries e à corrosão do tempo. É possível que também usassem
superfícies mais deterioráveis, como madeira e algumas formas de papiro, o que não
pode ser confirmado, por não terem resistido à ação do tempo.
É importante observar que, ao que parece, foi a necessidade de registro dos
primeiros algarismos que posteriormente originou a escrita; portanto os algarismos
são historicamente anteriores às letras.
Como já mencionamos, o comércio nessa época se efetuava mediante a troca
de bens, em espécie, operação conhecida modernamente sob o nome de escambo.
Vamos supor que um criador de ovelhas desejava enviar, mediante intermediário, 223
ovelhas para um comprador que mora em um local distante. Que certeza teria o
remetente de que a remessa seria entregue integralmente ao seu destinatário, ou seja,
de que o intermediário não desviaria nenhuma ovelha no meio do caminho? A
tentação acomete mesmo os portadores mais confiáveis. Devemos recordar que na
época não existia o correio, fax, telefone, empresas transportadoras, telex ou qualquer
meio de comunicação moderno, nem a escrita existia. Qual a solução que o leitor
daria a esta importante questão da vida prática, empregando apenas os recursos então
existentes?
Enquanto o leitor imagina uma solução, falaremos um pouco sobre o trabalho
da pesquisadora francesa Denise Schmandt-Besserat, professora da Universidade do
Texas, em Austin, pioneira no assunto. Denise estava intrigada com pequenos objetos
de argila de diversas formas, cones, esferas, discos, ovóides, triângulos, etc.,
amplamente encontrados em escavações no Oriente Médio. Foram encontrados em
sítios tão ocidentais como Beldibi, no sudoeste da Turquia, ou tão orientais como
Chanhu Daro, no que hoje é o Paquistão. A abrangência geográfica dessas descobertas
era notável, pois os objetos foram encontrados em locais como Meggido, Ur, Susa,
Jericó ou Jarmo. Igualmente notável era a idade deles: variava desde o nono milênio
até o segundo milênio antes da nossa era.
A esses objetos vamos denominar provisoriamente de "tokens", palavra
tomada de empréstimo ao inglês, seguindo a terminologia por ela empregada. Eram
classificados nas coleções dos museus como brinquedos de criança, peças de jogo,
amuletos ou mesmo como objetos de finalidade incerta. Denise conjeturou que esses
tokens podiam ter sido usados como contadores (calculi), para a manutenção de
registros contábeis numéricos. Cada forma particular de um token assumia significado
especial: uns poucos pareciam representar valores numéricos, outros, objetos
específicos ou determinadas mercadorias.
Não foi necessário teorizar acerca de alguns dos significados: um número de
ideogramas dos tabletes de Uruk reproduziam, quase exatamente, em duas dimensões,
a forma de muitos dos tokens. Por exemplo, símbolos numéricos arbitrários de Uruk
para numerais, tais como a impressão de pequeno cone para o número um, impressão
circular pequena para o 10, a de cone grande para o 60, cone grande perfurado para
600 (60x10), impressão circular maior para 3600 (60x60) e impressão circular maior
perfurada para 36000 (60x60x10), correspondiam aos tokens: cone pequeno, esfera
pequena, cone grande, cone grande perfurado, esfera e esfera perfurada. Os sumérios
operavam, como vemos, com a base 60, sendo provavelmente os seus descobridores.
Ideogramas de Uruk, que representavam mercadorias, também foram
associados com os seus tokens respectivos: cruz dentro de círculo, que era o
ideograma para ovelha, correspondia ao token de disco gravado com cruz; o
ideograma para roupa, círculo com quatro linhas paralelas traçadas, correspondia a
74
disco inscrito com quatro linhas paralelas. Qual a razão da existência desses tokens e
de seus ideogramas respectivos?
Retornemos ao problema proposto anteriormente. O criador sumeriano, para
representar a sua remessa de 223 ovelhas, reunia 10 tokens: três cones grandes,
quatro esferas pequenas e três cones pequenos. Obtinha, com isso: 3x60 + 4x10 + 3x1
= 223, que é o número de ovelhas que deseja remeter. Acrescentava a esses, se o
desejasse, o token que significava ovelha, disco com cruz gravada. Modelava então
em torno do seu polegar uma esfera de argila oca, com mais ou menos 7 centímetros
de diâmetro, ou seja, pouco maior que uma bola de tênis. Introduzia pela abertura
deixada pelo dedo os tokens que tinha agrupado, que representavam as 223 ovelhas,
selando então a abertura com argila. A essa bola de argila Denise denomina de
"bulla", bula, verdadeiro envelope de argila.
Restava, ainda, um problema. Como se certificar de que o portador não
trocaria a bulla original por outra, falsificada, no transcorrer do percurso? Na Suméria
e no Elam, os homens de certa condição social possuíam cada um o seu próprio sinete,
uma espécie de pequeno cilindro de pedra, mais ou menos preciosa, com imagem
simbólica esculpida.
Este sinete, cuja invenção se situa por volta de 3500 A.C., representa a própria
pessoa do seu detentor; sua impressão, obtida rolando-se o cilindro em torno do seu
eixo sobre a superfície da argila úmida, servia para autenticar qualquer operação ou
transação. jurídica ou econômica, em que o seu proprietário participasse. A sua
impressão corresponderia, hoje, à assinatura do interessado; portanto bastava rolar o
sinete sobre a superfície úmida da bulla, deixá-la secar ao sol, entregá-la ao portador
que deveria restituí-la intacta ao destinatário. Este, quebrando-a, conferia o valor dos
tokens, verificando assim a integridade da remessa.
Posteriormente, os sumérios passaram a imprimir, comprimindo os tokens
sobre a superfície úmida da bulla, a forma deles. Esse procedimento tornava
desnecessário quebrar a bulla para verificar o seu conteúdo.
Logo perceberam a inutilidade de se colocarem os próprio tokens dentro dela,
pois as suas impressões na superfície da bulla eram suficientes para que o destinatário
verificasse a integridade da transação, bastando constatar se não estava danificada.
Esse procedimento tinha a vantagem adicional de não se quebrar a bulla, danificando
as impressões dos tokens e do sinete, a qual então podia ser arquivada como registro
autenticado da transação.
Por volta de 3250 A.C. as bullae (bulla, bullae - bula, bulas) deixaram de ser
ocas, achatando-se e originando os tabletes de argila. Os primeiros tabletes eram
espessos, como pequenos pães, e gradualmente se foram afinando, até atingirem a sua
espessura definitiva. As impressões dos tokens transformaram-se então em
ideogramas, o que propiciou a escrita.
Os mais antigos exemplos de escrita da Mesopotâmia não parecem resultado
de pura invenção. Pelo contrário, parecem nova aplicação de sistema de registro
numérico indígena da Ásia Ocidental, que se originou há uns 11000 anos.
As escavações efetuadas pela Delegação Arqueológica Francesa no Irã
(D.A.F.I.), dirigidas por A. Lebrun, realizadas em Susa, capital do antigo Elã,
permitem restituir e datar a série de evoluções sofridas por esses envelopes de argila,
como descrevemos, até a sua transformação em tabletes escritos. O registro
arqueológico sumério dessa evolução não é completo, de modo que o testemunho
elamita é o melhor disponível.
Esses textos de Uruk, denominados de "protoliteratos", incluíam precursores do
posterior sistema sumero-babilônico de números sexagesimais (contagem em 10 e 60)
75
e do nosso próprio sistema decimal (contagem somente em 10). Incluíam também um
sistema, apenas recentemente identificado, de medidas de capacidade, empregado em
todas as contas que tratavam com cevada, que era o mais importante grão alimentar
desse período antigo, empregado como moeda.
De especial interesse esclarecedor é a metrologia empregada nesses textos
protoliteratos, que originou o esquema de medidas posteriormente empregado pelos
babilônios. Elucidativos sobre o assunto foram os estudos de Jöran Friberg, professor
da Chalmers University, de Göteborg, na Suécia.
O nosso sistema usual é o sistema métrico, construído para condizer com o
sistema decimal, de base 10, concebido logo após a Revolução Francesa. Mesmo o
sistema métrico incorpora outros sistemas não-decimais usuais: ano de 12 meses, dia
de 24 horas, hora de 60 minutos, minuto de 60 segundos, círculo com 360 graus, 1
grau com 60 minutos e 1 minuto com 60 segundos. Reparemos que mesmo nos dias
de hoje continuamos a empregar a base 60 em algumas unidades.
Outro sistema usual é o inglês, cuja seqüência de unidades de medida é a
seguinte:
-medidas de comprimento: mile, furlong, chain, rod, yard, foot, inch;
-medidas de capacidade seca: barrel, bushel, peck, quart, pint;
-medidas de peso: ton, hundred-wheight, pound, ounce.
A origem do emprego da base 60 nos sistemas usuais modernos pode ser
rastreada até a astronomia grega; se procurarmos mais longe, até o emprego de
números sexagesimais pelos babilônios. A sobrevivência do uso dessas unidades
sexagesimais nos sistemas usuais deve-se, em parte, à deficiências do próprio sistema
decimal. O sistema decimal tem como ponto fraco o fato de a base 10 ser
relativamente pequena, com poucos divisores. Isso significa que embora o sistema
decimal seja "anatômico", não é adequado para padrões de medida, o que acarretou o
aparecimento de outras bases de cálculo.
A adoção de um sistema com base 60 tornou possível aos predecessores dos
sumérios protoliteratos construírem elegante família de sistemas de medida
interrelacionados, com unidades de medida naturalmente ocorrentes, de uso e de
cálculo expeditos.
Em 1855, Sir Henry Rawlinson, um dos pioneiros da decifração do
cuneiforme, publicou um sumário dos números cuneiformes inscritos em tablete de
argila encontrado na antiga cidade mesopotâmica de Larsa. Nessa obra mostrou que
os babilônios trabalhavam com notação quase posicional, notação numérica na qual o
símbolo para 1 é o mesmo para as potências de 60. Posteriormente, concluiu que eles
não dispunham de nenhum símbolo particular para representar o zero, deixando
habitualmente um espaço branco.
O primeiro exemplo de tabela de medidas, discutido em publicação erudita, foi
o de um tablete encontrado em Larsa, mencionado por George Smith, proeminente
estudioso do cuneiforme, em 1872. Infelizmente, o seu significado integral só foi
compreendido muito mais tarde. No lado esquerdo do tablete está uma seqüência de
medidas lineares, arranjadas sistematicamente. Quando outro fragmento do mesmo
tablete foi encontrado, verificou-se que continha outra tabela similar à primeira, com
múltiplos de um nindam (igual a 12 cúbitos) em notação sexagesimal.
A unidade mais conhecida de medida linear era o kush, traduzido
habitualmente por cúbito, que valia cerca de meio metro. As regras de conversão para
as unidades do sistema linear eram as seguintes: 6 she é igual a 1 shu-si; 30 shu-si é
igual a 1 kush; 12 kush é igual a um nindam; 60 nindam é igual a 1 ush; 30 ush é igual
a 1 kas-gid (ou beru). Podemos condensar a informação contida nessa seqüência de
76
regras de conversão do seguinte modo: os fatores de conversão para o sistema
babilônio linear são: 6, 30, 12, 60, 30. Cada um desses fatores também é fator
numérico (divisor) do sistema de numeração sexagesimal. Como comparação, a
seqüência de fatores para o sistema anglo-saxão para a conversão de polegada (inch)
em milha (mile) envolve a seqüência : 12; 3; 5 1/2; 4; 10; 8. Não importando quais
sejam as origens desse sistema usual, é claro que não está adaptado de modo algum ao
nosso sistema decimal.
Somente muito mais tarde estudos demonstraram que os textos matemáticos
babilônios que tratavam do cálculo de volumes empregavam o cúbito como unidade
básica para medidas verticais, enquanto o nindam era a unidade usada para medidas
horizontais.
Constatamos, portanto, que a análise dimensional não era o seu forte: para medir
uma mesma dimensão, a linear, empregavam duas unidades diferentes, conforme
fosse a orientação da medida. Desse modo a menor unidade de volume, o shar, era o
volume determinado pelo sólido com base de um nindam quadrado e altura de um
cúbito. Embora pareça estranho, era sistema muito prático, dispensando em muitos
casos o trabalho com frações de unidade de volume.
Friberg recentemente identificou um terceiro tipo de número, empregado
quando se trabalhava com grãos, ao qual denominou números de capacidade. Um
texto matemático-metrológico proto-elamita, publicado por Scheil em 1935, permitiu
que Friberg reconstruísse a seqüência de fatores de conversão proto-elamitas para
medidas de capacidade: 6; 10; 3; 10; 6; 5; 2; 3; 2; 2. A seqüência correspondente para
os proto-sumérios era 10; 3; 10; 6; 5. Se omitirmos o primeiro e os quatro últimos
fatores da seqüência proto-elamita, as séries são iguais. Os dois sistemas diferiam um
do outro somente na maneira de representar frações de uma pequena unidade de
capacidade (medida que correspondia ao litro do sistema métrico).
O seu trabalho de 1978 também continha outra surpresa: os proto-elamitas
(mas não os proto-sumérios) usavam os sistema sexagesimal apenas quando estavam
contando pessoas ou objetos inanimados, tais como pão ou vasos de argila; porém
quando contavam animais empregavam um sistema decimal; portanto, existiam
espécies de números que deviam ser empregados conforme a natureza do que se ia
contar, mesmo empregando-se bases diferentes para cada contagem.
Resumimos, no quadro a seguir, os estudos de Friberg sobre a natureza e o
emprego desses números:

TEXTOS NUMÉRICOS
Conteúdo: Proto-Elamitas Proto-Sumérios
-Enumeração de pessoas -contagem por números -contagem por números
sexagesimais sexagesimais
-Cálculos de grãos gastos -números sexagesimais -números sexagesimais
em rações para pessoas -números de capacidade -números de capacidade
-Cálculos de grãos gastos -números de capacidade -números de capacidade
em rações para animais -números decimais -números sexagesimais
-Contagem de grupos de -números decimais -números sexagesimais
animais
-Textos de pão e cerveja -números de capacidade -números de capacidade
-números sexagesimais -números sexagesimais
-Contas de pão ou jarros de -números sexagesimais -números sexagesimais
argila
77
-Contas de grande -números de capacidade -números de capacidade
quantidades de grão,
enviadas ou despachadas de
armazéns, em um caso
durante uma "semana" de
cinco dias
-Cálculos de área -números de área
-números sexagesimais
-Texto de semente-grão -números de área
(caso único) -números de capacidade

Note-se que o uso de determinados números ou sistemas de medidas dependia


da natureza dos objetos tratados nos problemas. Outro fato interessante revelado é que
os proto-sumérios também empregavam um sistema bi-sexagesimal de numeração,
com símbolos especiais para 2x60 e 20x60. Aqueles para 1, 10 e 60 eram os habituais.
Os fatores de conversão das unidades de medida, divisores de 60, são também
divisores de 2x60, tornando assim ambos os sistemas igualmente práticos. Ao que
parece, somente o sexagesimal puro sobreviveu.
O trabalho de Friberg mostrou a existência de uma continuidade nas
representações de medidas desde no mínimo o quarto milênio A.C. até o período
babilônio antigo, uns 2000 anos depois. Podemos conjeturar, portanto, que um sistema
de padrões de medida se tenha desenvolvido muito antes do quarto milênio A.C.,
datando talvez dos primórdios do estabelecimento da agricultura. O trabalho de
Schmandt-Besserat mostrou, como já vimos, que a representação de números têm
tradição de mais de 10000 anos, e atinge o próprio neolítico, período que praticamente
coincide com a implantação da agricultura naquelas regiões. Isso reforça a tese de
que o estabelecimento da agricultura deve ter impulsionado o desenvolvimento da
matemática naquele período crucial.
O sistema sumeriano de representação de números, com símbolos para 1, 10,
60, 1x60, 10x602 ... foi empregado durante muito tempo, até praticamente o princípio
do segundo milênio antes da nossa era. Era sistema, na realidade, ainda não
posicional, embora se possa identificar nele o embrião do sistema posicional, não
necessitando, portanto, de um símbolo especial para zero. Com a evolução desse
sistema, os povos da Mesopotâmia passaram a empregar um sistema posicional,
exceto pela inexistência de símbolo para o zero. O babilônico posicional contava
apenas com dois símbolos, para 1 e para 10. Com esses dois símbolos e o recurso da
notação posicional (potências de 60) representavam qualquer número, como veremos.
Além disso, devemos notar que esse sistema, se o considerarmos com todo o
rigor, não era sistema sexagesimal puro, pois para contar números até 60 empregava o
sistema decimal. Na nossa notação posicional decimal, escrevemos os números assim:

1257 = 1 . 103 + 2 . 102 + 5 . 101 + 7 . 100 = (1,2,5,7) = (,,,)

O nosso sistema emprega o princípio multiplicativo, onde a potência da base


pela qual cada dígito é multiplicado se determina somente pela posição do dígito no
numeral. Em cada uma das "casas decimais"  podemos escrever um dos algarismos
indo-arábicos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 . Necessitamos, portanto de dez sinais gráficos
(símbolos) diferentes no sistema decimal. Os números sexagesimais eram escritos:

1, 12, 27 = 1 . 602 + 12 . 601 + 27 . 600 = 4347 = (1,12,27) = (,,)


78
Em cada uma das "casas sexagesimais"  podemos escrever um número (de 0
a 59). Esse modo de escrever os números babilônicos - ...,a,b,c;d,... - onde a,b.c,d,..
são números decimais, foi introduzido por O. Neugebauer. Nesta notação a parte
inteira é separada da fracionária por um ponto e vírgula, o qual denota a vírgula
sexagesimal (como a vírgula decimal no nosso sistema), p.ex.: 12,20;21 - que
representa o número:
1 7
12  60 + 20 + 21  = 740
60 20

Se estivéssemos na presença de sistema sexagesimal puro, necessitaríamos de


60 sinais gráficos diferentes, para representar cada um desses números contidos em
cada casa sexagesimal. Como esse sistema, devido ao elevado número de sinais que
necessitariam ser decorados, seria muito pouco prático, empregavam um sistema
misto, onde os números em cada casa sexagesimal eram escritos por um sistema de
agrupamento simples de base 10, obtidos com a combinação de apenas os dois
símbolos mencionados (1 e 10).

Somente no período selêucida (após 300 A.C.) é que utilizaram símbolo para o
zero, mesmo assim só quando figurasse em posições intermediárias e apenas em
textos astronômicos, nunca matemáticos. Mesmo na fase derradeira da matemática

Fig. 5.1 - Numerais Babilônicos.

babilônica, não se encontra exemplo de emprego de sinal para o zero no final dos
números.

5.2 Textos matemáticos babilônios

Entre 1889 e 1900 uma expedição americana escavou Nippur, um dos mais
importantes sítios arqueológicos da Mesopotâmia. Por volta de 1906, Herman V.
Hilprecht, da Universidade da Pensilvânia, publicou um volume em que incluía
reproduções de importantes textos matemáticos e metrológicos babilônio antigos, que
continham um único texto-problema em sumério. Desde então um número
significativo de textos foram descobertos.
O número total de tabletes que alcançaram os museus é estimado por
Neugebauer em no mínimo 500000, sendo este número apenas pequena fração do que
permanece enterrado nas cidades babilônicas. Destes, apenas uns 400 tabletes ou
fragmentos de conteúdo matemático foram copiados, transcritos, traduzidos e
explicados em trabalhos abrangentes e definitivos.
79
Podemos classificar os textos matemáticos em dois grandes grupos: os textos
tabelas (tábuas) e os textos problemas. A primeira classe é constituída principalmente
de tabelas, como por exemplo as tábuas de multiplicação, de recíprocos, etc.
O número de textos problemas conhecidos é de aproximadamente uma centena
de tabletes, comparado com mais do que o dobro de textos tabelas. Os mais antigos
tabletes são uns poucos textos não matemáticos protoliteratos, do final do quarto
milênio A.C. As mais antigas tábuas matemáticas são cerca de meio milênio mais
novas.
A relação entre os textos existentes e os publicados é pequena. A publicação
dos textos exige esforço considerável. Deve-se primeiro selecionar os textos
concernentes ao campo específico de estudo, em questão, no caso a matemática.
Trabalho nada fácil. Somente uma minúscula fração das coleções existentes está
catalogada; em muitos casos, os catálogos existentes, mesmo rudimentares, não são
acessíveis ao público ou aos estudiosos. Neugebauer acha que nem um décimo de
todos os tabletes existentes nos museus apareça em alguma espécie de catálogo.
Insiste em que a "escavação" do material acumulado nas coleções é mais importante
que a acumulação de novos milhares de tabletes, em cima dos nunca investigados
milhares prévios.
Os professores sumérios lecionavam o que poderíamos denominar de
matemática aplicada elementar, trabalhando com problemas pouco abstratos, que
envolviam números e medidas muito grandes ou muito pequenas, com algoritmos
para multiplicação ou divisão e cálculo de áreas baseados em áreas quadradas.
A dominação dos sumérios na Mesopotâmia foi interrompida por breve
interlúdio semita, principiando com Sargão de Akkad (c.2350-2300 A.C.). A
existência de atividade matemática no período de Sargão e de seus sucessores é
confirmada por um número de tabletes com exercícios geométricos simples. Por volta
de 2250 A.C. começa o períodos de dominação gútia, que durou aproximadamente
125 anos.
É importante observarmos que os textos matemáticos sobre os quais se efetuou
o estudo da matemática babilônica podem ser atribuídos a dois períodos
aproximadamente limitados e amplamente separados. A grande maioria dos textos
matemáticos são "babilônios antigos", isto é, contemporâneos da dinastia de
Hamurabi, pertencentes ao período de c.1800 a c.1600 A.C. O segundo e muito
menor grupo é o "selêucida", que data dos três últimos séculos antes da nossa era.
Chegou-se a essas conclusões com base em considerações lingüísticas e paleográficas
confiáveis.
Os mais de 1300 anos que separam os dois grupos influíram na grafia dos
sinais e na linguagem, de forma que torna fácil identificar a que período o texto
pertence. Não existem textos astronômicos do período babilônio antigo; apenas se
encontraram textos matemáticos. Já no período selêucida, os textos matemáticos são
escassos, imperando os astronômicos, mas são suficientes para mostrar que o
conhecimento da matemática babilônica antiga não foi perdido durante o intervalo de
1300 anos para o qual não se dispõe de textos.
Os textos selêucidas não parecem demonstrar conhecimento matemático maior
do que o já disponível no período babilônio antigo. O único progresso essencial que
foi feito consiste no uso do sinal para o zero, como já citamos, embora fosse
empregado apenas em textos astronômicos. Os textos babilônios antigos demonstram
nível da abstração e grau de desenvolvimento matemático surpreendentes,
principalmente na área da álgebra. Enquanto os egípcios dessa época eram apenas
capazes de resolverem equações lineares simples, os babilônios da época de Hamurabi
80
já dominavam a técnica de resolução de equações quadráticas, se aventurando mesmo
a problemas com equações cúbicas e biquadráticas.
Um dos maiores problemas do estudo da matemática babilônica é explicar
como atingiram esse grau de maturidade, pois os textos precedentes existentes são
elementares, não há textos que mostrem a evolução de seu conhecimento matemático
até esse ponto. Vejamos o que diz O.Neugebauer sobre o assunto : "Para os textos
babilônios antigos nenhuma pré-história pode ser dada. Não conhecemos
absolutamente nada sobre um desenvolvimento anterior, presumivelmente sumeriano.
Tudo o que será descrito...está inteiramente desenvolvido nos mais antigos textos
conhecidos." Continuando, emite uma opinião:
"É costume postular um longo desenvolvimento o qual é supostamente
necessário para alcançar um alto nível de discernimento matemático. Eu não
conheço sobre qual experiência se baseia este julgamento. Todos os períodos
historicamente bem conhecidos de grandes descobertas matemáticas alcançaram o
seu ápice depois de um século ou dois de rápido progresso seguidos por muitos
séculos de relativa estagnação. Parece-me igualmente possível que a matemática
babilônica atingisse o seu alto nível em um crescimento rápido similar, baseada,
naturalmente, no desenvolvimento precedente do sistema posicional sexagesimal
cujas formas rudimentares são já atestadas em um sem número de textos econômicos
das mais antigas fases da documentação escrita." (The Exact Sciences in Antiquity,
p.29/30)
É explicação insatisfatória, emitida com reservas. Só a existência prévia do
sistema sexagesimal posicional não explica o grau de abstração alcançado em tão
curto espaço de tempo; além disso, a inexistência de textos intermediários que
mostrem a evolução do conhecimento, mesmo nesse período, dificulta a aceitação
dessa hipótese. Existiria outra explicação ?
À luz da hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, podemos aventar uma
explicação alternativa. O explosivo desenvolvimento poderia ter se dado por
influência de outra cultura, que transmitisse novas idéias ao corpo de conhecimento
então existente. Teríamos então de procurar um contato cultural por volta de 2000
A.C. Segundo a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, os indo-europeus
constituíam o vetor de transmissão dos conhecimentos matemáticos da fonte neolítica
original. Por volta dessa data, um povo provavelmente indo-europeu teve um contato,
que poderíamos classificar como ponderável, com os babilônios: os gútios. Eram um
povo obscuro, sem escrita, geralmente classificado como "bárbaros".
Um trabalho recente de W. B. Henning (citado por Renfrew, L'Énigme Indo-
Européene, p.247) associa os gútios com os proto-tocarianos, que teriam alcançado a
China. Como observa Gamkrelidze (The Early History..., p.84), se a visão de Henning
estiver correta, então os gútios seriam os primeiros indo-europeus a aparecerem em
registros históricos. As afinidades léxicas com o grupo ítalo-céltico, bem como o fato
de que o tocariano divergiu do proto-indo-europeu em uma data bastante antiga,
assim estariam explicados. A proximidade dos gútios com os hititas também seria
dado complementar.
Menghin (citado por Bosch-Gimpera, Les Indo-Européens, p.235) vê nos
(proto) tocarianos os introdutores na China da cerâmica pintada da cultura de Yang-
Shao, nos princípios do II milênio antes da nossa era. Já vimos que recentemente
foram encontradas múmias, que datam aproximadamente dessa época, que provam a
existência de indo-europeus na China nesse período. Isso explicaria por que os
babilônios teriam conhecimento de triplas pitágoricas (e do teorema de Pitágoras)
muito profundo, como veremos a seguir, no período babilônio antigo, sem que se
81
conheça texto sumério precedente sobre o assunto. As triplas pitagóricas, bem como o
teorema de Pitágoras, como já foi frisado, desempenham papel fundamental na
transmissão dos conhecimentos da fonte neolítica, pelos indo-europeus.
Se os gútios foram realmente o vetor da transmissão dessa corrente
matemática para a China, isso pode ter ocorrido desde os fins do terceiro milênio A.C.
É aproximadamente essa a data assinalada pela tradição chinesa para os primeiros
empregos do teorema de Pitágoras na China. Cheng-Yih Chen (A Comparative Study
of Early Chinese and Greek Works, p.43) cita que a tradição chinesa reivindica que o
teorema de Pitágoras foi usado para projetar controles de inundações do rio Amarelo,
aproximadamente no século XXI A.C., por Ta Yü, engenheiro hidráulico que mais
tarde se tornou soberano, estabelecendo o reino de Hsia. Como esta é uma asserção
transmitida pela tradição, não existem outras evidências que a apoiem; porém o seu
emprego no século XI A.C. está firmemente estabelecido, como veremos quando
tratarmos da matemática na China.
Os gútios eram encarados como bárbaros invasores, provenientes das
montanhas. O período da dominação gútia é muito pouco conhecido. É considerado,
geralmente, tempo sombrio, quando se incendiaram cidades, se assolaram campos e se
cortaram rotas, porém é erro considerá-lo em sua totalidade como uma anarquia.
Cidades, como Lagash, tiveram nesses dias a sua época de ouro. Um dos seus
governantes desse período, Gudea, é talvez a figura mais conhecida da antiga
Suméria. O reinado de Gudea é encarado como a idade de ouro da arte suméria.
Existem, evidentemente, pontos obscuros nesta conjectura, mas ela fornece
uma explicação alternativa, mostrando como dados histórico-matemáticos, se
encarados pela ótica da hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, podem
complementar teorias formuladas apenas em outras bases, como a lingüística.
A seção seguinte envolve um mínimo de conhecimento matemático, que não
podemos evitar. Contamos com a paciência e a coragem do leitor.

5.3 O tablete Plimpton 322

82
Fig. 5.2 - O Tablete Plimpton 322.

É talvez o texto cuneiforme mais conhecido, de grande interesse histórico.


Recebeu este nome por ser o 322o tablete da coleção Plimpton, da Universidade de
Columbia, em Nova Iorque. Pertence ao período babilônio antigo, ou seja, foi
confeccionado entre 1800 e 1600 A.C. Foi traduzido e publicado por Neugebauer e
Sachs, no seu livro "Textos Matemáticos Cuneiformes", e discutido por Peter Huber,
Derek de Solla Price e E.M. Bruins. Acompanharemos a descrição e interpretação
dele dada por Neugebauer (The Exact Sciences in Antiquity, p.36 e ss.).
O texto hoje existente é a parte direita de um tablete grande, e a presença de
cola moderna ao longo da fratura em seu lado esquerdo mostra que a outra parte se
perdeu depois que o tablete foi escavado. Esta parte pode estar perdida nos porões de
algum museu, ou em alguma obscura coleção particular. Sua busca e identificação
constituiria uma das mais excitantes aventuras que a História da Matemática poderia
proporcionar.
Foram preservadas quatro colunas, que deveriam ser lidas e numeradas da
esquerda para a direita., como era habitual. Cada coluna tem cabeçalho. A última
coluna (a quarta) contém apenas os números de 1a 15, e o cabeçalho desta é "seu
nome", o que mostra que esta coluna simplesmente enumera as linhas do texto. As
colunas 2 e 3 têm por cabeçalho termos que podem ser traduzidos por "número
resolvente da largura" (= y) e "número resolvente da diagonal" ( de um retângulo).
"Número resolvente"é tradução insatisfatória para um termo técnico que era
empregado em conexão com raízes quadradas e operações similares, que não tem
equivalente exato no vocabulário matemático moderno. O significado das palavras no
cabeçalho da primeira coluna é obscuro, embora apareça a palavra "diagonal".
A tabela a seguir transcreve as colunas do tablete. Os números entre colchetes
foram restaurados por Neugebauer a partir da interpretação do texto, pois parte deles
ficou antes da linha de fratura e uma lasca se desprendeu da parte superior esquerda.

I II (=y) III (=z) IV

[1, 59, 0,]15 1, 59 2, 49 1


[1, 56, 56,] 58, 14, 50, 6, 15 56, 7 3, 12, 1 2
[1, 55, 7,] 41, 15, 33, 45 1, 16, 41 1, 50, 49 3
[1,] 5 [3, 1] 0, 29, 32, 52, 16 3, 31, 49 5, 9, 1 4
[1,] 48 , 54,1, 40 1, 5 1, 37 5
[1,] 47, 6, 41, 40 5,19 8,1 6
[1,] 43, 11, 56, 28, 26, 40 38,11 59,1 7
83
[1,] 41, 33, 59, 3, 45 13,19 20, 49 8
[1,] 38, 33, 36, 36 9,1 12, 49 9
1, 35, 10, 2, 28, 27, 24, 26, 40 1, 22, 41 2, 16,1 10
1, 33, 45 45 1,15 11
1, 29, 21, 54, 2,15 27, 59 48, 49 12
[1,] 27, 0, 3, 45 7, 12, 1 4, 49 13
1, 25, 48, 51, 35, 6, 40 29,31 53, 49 14
[1,] 23, 13, 46, 40 56 53 15

Os números estão escritos no sistema babilônico sexagesimal, portanto


baseados em potências de 60. O número 1,50,49 na terceira linha deve ser lido, na
base 10:

1, 50, 49 = 1. 602 + 50. 601 + 49. 600 = 6649

O texto contém alguns poucos erros, que foram corrigidos por Neugebauer.
Em II,9 está escrito 9,1 ao invés de 8,1, o que é apenas erro de transcrição do escriba.
Em II,13 aparece 7,12,1 ao invés de 2,41, pois o escriba assinalou o quadrado de 2,41,
que é 7,12,41, em vez do próprio 2,41. Em III,15 figura 53, ao invés de 1,46, que é o
dobro de 53. Em III,2, finalmente, figura um erro inexplicado, onde 3,12,1 deveria ser
substituído por 1,20,25. R.J. Gillings dá uma explicação para esse erro, atribuindo-o
como o resultado da composição de dois erros (ver Nota 1).
Quais seriam as relações existentes entre estes números? Fazendo os números
da coluna II iguais a y, os da coluna III iguais a z, podemos calcular através do
teorema de Pitágoras :
x2 = z2 − y2

para encontrar assim o terceiro lado do triângulo x..


Encontraríamos as seguintes triplas pitagóricas, escritas em base 10:

IV x y z
1 120 119 169
2 3456 3367 4825
3 4800 4601 6649
4 13500 12709 18541
5 72 65 97
6 360 319 481
7 2700 2291 3541
8 960 799 1249
9 600 481 769
10 6480 4961 8161
11 60 45 75
12 2400 1679 2929
13 240 161 289
14 2700 1771 3229
15 90 56 106

Algumas dessas triplas são tão grandes que obtê-las empiricamente seria tarefa
quase impossível. Talvez os valores de x estivessem tabulados na parte perdida do
84
tablete. É importante notarmos que todas essas triplas, exceto aquelas nas linhas 11 e
15, são triplas pitagóricas primitivas. Envolvem números muito grandes para que
tenham sido descobertas ao acaso; é evidente que possuíam algum método para
construí-las.
A interpretação dos números da coluna I é a seguinte: se calcularmos (z/x)2
obteremos os valores dessa coluna. Desse modo, o tablete Plimpton 322 é uma tabela
de valores de (z/x)2, y e z.
Como a parte esquerda do tablete está danificada existe uma dúvida quanto à
reconstituição por Neugebauer do primeiro número da coluna I ( [1,] ).
 z
2
(x 2 + y2 )  y
2

Como   = = 1 +   e observando na primeira linha que x


 y x2  x
y
= 2,0 e y = 1,59 teremos : = 0; 59 , 30 o que interpretaremos como
x
59 . 60 −1 + 30. 60 −2 .
2 2
 y  y
Podemos escrever:   = 0;59,0,15 e 1 +   = 1;59,0,15 que é o valor
 x  x
2 2
 y  z
que nela figura. Portanto, é difícil decidir entre   e   para os valores da
 x  x
primeira coluna. De qualquer modo, todos os comentadores concordam que a parte
bem preservada era precedida pelo menos por três colunas: os valores de x, de y/x e
z/x .
Sabemos que as triplas pitagóricas podem ser obtidas por meio de:

x = 2 pq ; y = q 2 − p 2 ; z =q 2 + p 2 .

z (q + p ) 1  1 1
2 2

Podemos escrever z/x como: = =  q. + p.  , expressão que


x 2pq 2 p q
envolve apenas os recíprocos de p e q.
Os babilônios calculavam a divisão como a multiplicação do dividendo pelo
recíproco do divisor. Possuíam uma tabela padronizada de recíprocos, com a qual
operavam. Empregavam números cujos recíprocos conduziam a frações sexagesimais
finitas (nunca "dízimas" periódicas!). Chamaremos estes números de números
regulares, adotando a denominação de Neugebauer.
Podemos encontrar números p e q que correspondem às triplas pitagóricas
encontradas no Plimpton 322, os quais estão listados na tabela a seguir:

x y z q p IV

120 119 169 12 5 1


3456 3367 4825 64 27 2
4800 4601 6649 75 32 3
13500 12709 18541 125 54 4
72 65 97 9 4 5
360 319 481 20 9 6
2700 2291 3541 54 25 7
960 799 1249 32 15 8
600 481 769 25 12 9
85
6480 4961 8161 81 40 10
60 45 75 2 1 11 (*)
2400 1679 2929 48 25 12
240 161 289 15 8 13
2700 1771 3229 50 27 14
90 56 106 9 5 15

(*) (60,45,75) = (4,3,5) . 15 ; p e q de (4,3,5) são 1 e 2.

Aparentemente, apenas os valores da linha 11 fogem ao esquema de


construção geral. Encontramos então fato verdadeiramente notável: os números p
e q não são apenas números regulares, como esperávamos, mas eles são os mesmos
números regulares contidos na tabela dos recíprocos! A única exceção aparente, nota
Neugebauer, era q = 2,5 = 125 , porém este número era empregado como "exemplo
tipo" de cálculo de recíprocos para além tabela padrão. Isso reforça significativamente
o argumento de que os babilônios conheciam as fórmulas genéricas para a construção
de triplas pitagóricas.
Van der Waerden levanta outra hipótese sobre como eles poderiam ter obtido
essas triplas. Sejam y/x = v e z/x = w , possíveis colunas do tablete, além dos valores
de x. Calculavam, primeiro, a tripla (1,v,w) satisfazendo a 1 + v 2 = w 2 , como já
mostramos. Depois multiplicavam por um número adequado x de modo que se
obtivessem triplas inteiras (x,y,z).
Note-se que 1 + v 2 = w 2 pode ser escrito

w 2 − v 2 = ( w + v )( w − v ) = d. d −1 = 1 , donde temos
w+v=d e w - v = d -1

Os babilônios podiam tomar d e d −1 diretamente de uma tabela de


recíprocos; então encontrar w e v era questão de resolver um sistema de equações de
duas incógnitas de primeiro grau. De posse de w e v construíam a tripla (1,v,w), a sua
multiplicação por um x conveniente conduzia à tripla inteira (x,y,z), como já
descrevemos. Voltaremos a analisar a importância desse tablete em capítulo posterior.

NOTA AO CAPÍTULO 3

Nota 1: R..J. Gillings (The Australian Journal of Science, 16, 1953, p.54-56)

explica esse erro como conseqüência de dois erros: calculando z 2 = ( p + q ) − 2pq ;


2

(p =1,4 e q =27) o escriba substitui -2pq por +2pq (errou o sinal) e escreveu

86
somente 2.27.1,0 = 54,0 ao invés de 2.27.1,4 = 57,36. Assim ele encontrou não z =
2,18,1 - 57,36 = 1,20,25 mas 2,18,1 + 54,0 = 3,12,1.

87
88
CAPÍTULO VI

MATEMÁTICA CHINESA

A verdade jamais é pura e raramente é simples.

Oscar Wilde

6.1 A mais antiga demonstração do teorema de Pitágoras

A mais antiga demonstração do teorema de Pitágoras é devida ao matemático


chinês Shang Kao. A sua obra matemática está contida na primeira seção do volume I
do Chou-Pei Suan-Ching (Clássicos Matemáticos dos Gnomons Chou).
Sobre a vida pessoal de Shang Kao quase nada se sabe. Como o seu trabalho
foi preservado na forma de diálogo com Chou Kung, o duque de Chou, foi
provavelmente contemporâneo do duque, no século XI A.C.. Chou Kung chama
Shang Kao pelo título de "Ta-fu", que provavelmente era a denominação de erudito
graduado na corte de Chou. O diálogo, composto de um total de 258 símbolos, está
escrito em forma muito arcaica. Não existem evidências que indiquem alterações ou
recensões no texto original de 258 palavras de Shang Kao, que possam indicar
mudanças na datação desse trabalho; portanto, a menos que surjam novas evidências
em contrário, a data para a obra de Shang Kao permanece como aquela do período de
Chou Kung, o XI século antes da nossa era.
O aspecto mais notável do trabalho de Shang é que ele fornece a mais antiga
demonstração do teorema de Pitágoras (e talvez de qualquer outro teorema) de que se
tem notícia. Denominava o seu método de demonstração de "chi-chü", o que
literalmente quer dizer "empilhamento de retângulos". Essa forma de demonstração é
modernamente denominada de prova por dissecação. O teorema, que denominava de
"kou-kou", é hoje conhecido com o nome de teorema de Pitágoras. Sumaria, em uma
expressão analítica, a relação entre os lados de um triângulo, considerados horizontal
e verticalmente, e sua hipotenusa.
Reproduziremos a sua demonstração, acompanhando a tradução e a
reconstrução de Cheng-Yih Chang:
a) Assim, vamos cortar um retângulo [diagonalmente]. [Se nós]
supusermos que a largura ('kou") é 3 [unidades] de extensão e [que] a
base é de 4 [unidades], então a hipotenusa ("ching") seria de 5
[unidades] de comprimento.
b) Agora, depois de desenharmos um quadrado no exterior [da
hipotenusa], circunscreva-o por meio-retângulos para formar uma folha
quadrada.
89
Fig. 6.1 : Diagramas para a demonstração do teorema "kou-kou", de acordo com as prescrições indicadas por Shang-Kao.

c) Então a relação 3-4-5 [para a largura, base e hipotenusa] pode ser


estabelecida, desde que a diferença total entre [o quadrado]e os dois
retângulos é uma área de 25. Este [método de prova] é chamado
"chi-chü" ( literalmente, empilhando retângulos).

Na Fig. 6.1 reconstruímos o diagrama para a demonstração do teorema, de


acordo com as prescrições indicadas. Traçando a hipotenusa CB, dividimos o
retângulo ABCD em dois meio-retângulos. Desenhando um quadrado no exterior de
CB, obtemos BEFC. Uma forma quadrada AHIG é obtida se circunscrevermos o
quadrado BEFC por meios-retângulos do tipo anterior. Desse modo reconstruímos o
diagrama empregado por Shang-Kao para provar o teorema "kou-kou". Esse diagrama
não consta do texto de Shang, na forma como o conhecemos.

Seguindo os detalhes indicados em c), examinemos a diferença entre a área do


quadrado AHIG, i.e., (AH)2 , e as áreas dos dois retângulos dados em termos dos
quatro meios-retângulos ABC, BHE, EIF, FGC, ou seja, 2 (AB) (AC). Obteremos:

( BC) 2 = ( AH) 2 − 2( AB)( AC)

Como AH = AB + BH e BH = AC , obtemos:

( BC) 2 = ( AB) 2 + ( AC) 2 .

Isto nada mais é que o teorema conhecido pelos ocidentais como teorema de
Pitágoras, mas que, se o critério de precedência fosse o único adotado pela ciência
para nominar as suas descobertas, deveria ser conhecido como "teorema de Shang
Kao" ou "teorema kou-kou".

90
Fig. 6.2 . O diagrama "hsian-t'u" , como foi reconstruído por Chao Shuang, para
a demonstração do teorema"kou-kou"no seu comentário ao Chou-Pei Suan
Ching.

Os números indicados no texto (3-4-5) são dados apenas como exemplo típico.
A demonstração do teorema recai apenas nos procedimentos prescritos na passagem
c). Isso é comprovado pelo fato de que os termos técnicos para base, largura e
hipotenusa são dados no texto, e que a introdução dos números é precedida por "i wei"
- "suponhamos", que mostra que os números são introduzidos como exemplos desses
termos técnicos.

O primeiro comentarista do Chou-Pei Suan-Ching, Chao Shuang (também


conhecido como Chün-Ch’ing), no século III da nossa era, já havia percebido que a
prova de dissecção (chi-chü) era na realidade uma demonstração do teorema ¨kou-
kou¨. Forneceu, igualmente, uma demonstração alternativa, variação da prova de
Shang-Kao. O seu diagrama para tal (Fig. 6.2), conhecido como o ¨hsüan-tu¨
(diagrama da hipotenusa), tornou-se amplamente conhecido. Esse mesmo diagrama
figura na obra de Bhaskara, na Índia, no século XII da nossa era.

6.2 Os ¨Nove capítulos sobre a arte matemática¨

O Chiu-Chang Suan-Shu, ou os "Nove capítulos sobre a arte matemática", é,


talvez, o mais extenso e abrangente tratado antigo da matemática chinesa. Nem a sua
data nem o seu autor são conhecidos com exatidão.
Segundo o comentarista Liu-Hui, que viveu no século terceiro da era cristã, no
prefácio do seu trabalho escrito em 263 D.C., este tratado foi composto de
remanescentes de escritos antigos, que foram compilados, parcialmente revisados e
aumentados, por Chang T'sang (c.202-162 A.C.), sendo novamente revisados e
editados por Ching Ch'ou, ou Ch'ang (c.75-79 A.C.).
No ano de 213 A.C. todos os livros foram queimados e todos os estudiosos
foram enterrados por ordem do poderoso e despótico imperador Shih Hoang-ti, que
morreu em 210 A.C.; não poupou nem mesmo os aparentemente inócuos livros de
matemática ou de astronomia.
Logo após a sua morte, o seu império se esfacelou, os livros antigos foram
procurados e a tradição cultural se soergueu. Nessa ocasião, segundo Liu Hui, Chang
T'sang encontrou alguns escritos antigos, nos quais baseou o Chiu-Chang Suan-Shu.
O trabalho foi revisado algum tempo depois por Ching Ch'ou (ou Ch'ang). Segundo
91
algumas fontes, o trabalho original no qual Chang se baseou foi o Chiu-shang ou Chiu
Shu (Nove Matemáticas), editado por ordem de Chou Kung, da antiga dinastia Chou
(c. 1200 A.C.). Não existe, todavia, cópia dessa trabalho, ou mesmo certeza que de
esse trabalho existiu.
Quanto do conteúdo dos “Nove capítulos é devido a Chang ou a Ching, ou
quanto foi aproveitado de fontes antigas não é conhecido. Veremos, apesar disso, que
parte desse conteúdo pode ser relacionado com fontes muito mais antigas. O seu
conteúdo pode ser resumido como segue:

Capítulo 1 : Operações com frações m/n


Medições de áreas
Capítulo 2 : Troca de bens e moedas
Equações indeterminadas
Capítulo 3 : Partições em uma dada proporção
Problemas comerciais
Capítulo 4 : Problemas sobre campos retangulares
Raízes quadradas e cúbicas
Capítulo 5 : Número de trabalhadores
Cálculo de volumes
Capítulo 6 : Vários problemas elementares
Capítulo 7 : Problemas sobre excesso e deficiência
Capítulo 8 : Sistemas de equações lineares de várias incógnitas
Capítulo 9 : Problemas concernentes a triângulos retângulos.

Examinaremos apenas o Capítulo 9, que trata de problemas que envolvem


triângulos retângulos, acompanhando a discussão deles apresentada por Van der
Waerden (Geometry and Algebra in Ancient Civilizations, p. 49 e ss.). Contém
dezesseis problemas sobre triângulos retângulos, para os quais é admitida como
conhecida a relação x 2 + y 2 = z 2 . Além destes, contém oito problemas que envolvem
linhas paralelas em um triângulo, totalizando, portanto, 24 problemas. Podemos
classificar os problemas sobre triângulos retângulos nos seguintes tipos:

Tipo 1 : dados x e y, achar z. Problemas 1 e 5.


Tipo 2 : dados y e z, achar x. Problemas 2,3 e 4.
Tipo 3 : dados x e z-y. Problemas 6,7,8,9 e 10.
Tipo 4 : dados x-y e z. Problema 11.
Tipo 5 : dados z-x e z-y. Problema 12.
Tipo 6 : dados x e z+y. Problema 13.
Tipo 7 : dados x e y+z = 7/3 x . Problema 14.
Tipo 8 : dados x e y, achar o lado Problema 15.
do quadrado inscrito.
Tipo 9 : dados x e y, achar o raio Problema 16.
do círculo inscrito.

Todos os problemas são enunciados com o uso de números inteiros, como nos
problemas egípcios e babilônios, mas, ao contrário destes, as soluções são
apresentadas mediante regras gerais e não simples enumeração dos passos seguidos
para se obter o resultado (receita de bolo). Cabe notar que todas as soluções
apresentadas são corretas.
92
O lado menor do triângulo é denominado kou, que significa literalmente
"gancho, anzol", o maior de ku, que significa "coxa". A hipotenusa é denominada
hsien, que significa "corda de arco ". As unidades de comprimento são :

1 chang = 10 ch'ih
1chi'ih = 10 ts'un

O ch'ih do período Han tinha cerca de 23 cm, o que nos permite traduzi-lo por
"pé", enquanto o ts'un , com 2,3 cm, pode ser traduzido por "polegada".
Os problemas-tipo eram resolvidos como se segue.

Tipo 1: dados x e y, encontrar z.

O problema número 1 do Capítulo 9 era o seguinte:


O lado menor do triângulo é 3 ch'ih, o maior 4 ch'ih, qual é a hipotenusa ?
Resposta : 5.
A solução é apresentada na forma de regra geral:
Multiplique o lado menor e o maior cada qual por si mesmo, some, extraia a
raiz quadrada. Esta é a hipotenusa.
Esse procedimento é equivalente a

z = x2 + y2 .

É interessante notar o emprego da tripla pitagórica 3,4,5 para a obtenção de


raízes racionais. Outro problema desse tipo era o número 5.

Tipo 2: dados y e z, achar x.

Este tipo é representado pelos problemas 2, 3 e 4, cada um com uma


interpretação geométrica diferente. A regra para sua solução é equivalente a:

x = z2 − y2 .

Tipo 3: dados x = a e z - y = d, encontrar y e z.

1
5 5

13 12

Fig 6.3. O junco no açude

Um exemplo típico é o número 6:


Um açude é 1 chang (= 10 ch'ih) quadrado (isto é, sua secção reta é um
quadrado de 10 ch'ih de lado). No seu centro cresce um junco e se estende 1 ch'ih
93
fora da água. Se o junco é puxado para o lado do açude, ele alcança o lado
precisamente.
Qual é a profundidade da água e o comprimento do junco?
Resposta: a profundidade da água é de 12 chí'ih e o comprimento do junco 13
chíh.
Na Fig. 6.3 temos um triângulo retângulo, no qual o lado menor mede x = a =
5 ch'ih, e a diferença z - y = d = 1 dos outros lados é dada.
Como se sabe, pelo teorema de Pitágoras, que z 2 − y 2 = a 2 = 25 = 52 , desde
que z - y = d = 1 seja conhecido, teremos, por divisão:
a2
( z + y)( z − y) = z − y
2
;2
( z + y).d = a  ( z + y) = d 2

Como conhecemos z + y e z- y podemos obter:

(a 2
− d2)
y=
2d
z= y+ d

O texto indica uma regra geral equivalente às fórmulas acima.


Na solução desse problema encontramos a tripla pitagórica (5,12,13), que é
uma das mais simples triplas, a qual também foi empregada pelos construtores de
megalitos na Grã-Bretanha e também é encontrada nos Sulvasutras; pode ser obtida
pela regra atribuída a Pitágoras para a construção de tais triplas.

Tipo 4: dados x-y=d e z = c, achar z e y.

O problema 11 pertence a esse tipo. É resolvido através da regra equivalente


às fórmulas corretas:
1 2  d 
2
d d
x=s+ , y=s- , s=  c − 2  
2 2 2  2 
Obtemos estas fórmulas fazendo:
( x − y) =  s + 2  −  s − 2  = d e como y 2 = c 2 − x 2 , temos
d d

2 2
 d  d
 s −  = c 2 −  s +  de onde obtemos o valor de s.
 2  2

Tipo 5: dados z -x = a e z -y = b , achar x,y e z.

O problema 12, conhecido como o problema da porta e de sua diagonal, é


desse tipo
Há uma porta cuja altura e largura são desconhecidas (Fig 6.4) e há uma
vara de comprimento desconhecido. É dito somente que a vara é 4 ch'íh maior que a
largura da porta, e 3 ch'ih maior que sua altura, sendo igual à sua diagonal. Quais
são altura, largura e diagonal da porta?
Resposta: largura 6 ch'ih.

94
10 8

6
Fig. 6.4. A porta e sua diagonal

Dados: altura: 8 ch'ih


diagonal: 1 chang ( = 10 ch'ih)
Regra: multiplicar os acréscimos horizontal e vertical, duplicar, extrair a raiz
quadrada. Somando ao resultado o acréscimo vertical dá a largura da porta.
Somando o acréscimo horizontal dá a diagonal da porta.
A solução é equivalente ao emprego das fórmulas corretas:
x = b + 2 ab
z=a+x
Este problema pode ser reduzido ao sistema de três equações, duas lineares e
uma quadrática:
x2 + y2 = z2
z−x = a
z−y = b

Isolando x e y das últimas equações e substituindo na primeira obtemos:

( z − a) 2 + ( z − b) 2 = z 2

desenvolvendo e igualando o segundo membro a zero chegamos a:

z 2 − 2z( a + b) + a 2 + b 2 = 0 .

Para resolver essa equação, somamos 2ab aos dois membros dela,
completando os quadrados e obtendo:

 z − ( a + b) 2 = 2ab .
Extraindo a raiz quadrada dos dois membros vem: z = a + b + 2 ab , que é a
solução indicada.

Tipo 6: dados x = a e y + z = b, achar y.

O problema 13 pertence a este tipo.


Um bambu de 10 ch'ih de altura está quebrado. Sua parte superior está
tocando o chão a cerca de 3 ch'ih da raiz. Qual é a altura da quebra ?

95
y z

x=3
Fig. 6.5. O bambu quebrado.

A regra para a solução é equivalente à

1 a2 
y = b −  .
2 b
.
Este tipo é muito parecido com o tipo 3, onde se conhece:
z 2 − y 2 e z − y , encontrando - se y + z por divisão .
Neste tipo conhece-se z 2 − y 2 = x 2 = a 2 e z + y = 10 = b , sendo z - y
encontrado por divisão. Ambos os problemas requerem o conhecimento da identidade
z 2 − y 2 = ( z − y)( z + y) .

Tipo 7: o problema 14 é o único problema deste tipo. São dados x e uma relação linear
y+z = 7/3 x.

Duas pessoas estão paradas juntas (Fig.6.5).

A proporção de caminhar de A é 7, e a proporção de caminhar de B é 3 ( isto


quer dizer que a razão das velocidades com que caminham é a:b = 7:3).

B caminha para leste. A caminha para sul 10 pu, então caminha


diagonalmente (aproximadamente) para nordeste encontrando B. Que distâncias A e
B caminham ?

Resposta: B caminha 10 1/2 pu e A caminha diagonalmente 14 1/2 pu.

x = 10 1/2 x’ = 21

y = 10 z = 14 1/2
y’ = 20 z’ = 29

96
Fig 6.6. Pessoas caminhando.

Para facilitar o entendimento, desenhamos dois triângulos (10, 10 1/2, 14 1/2)


e (20, 21, 29). O texto chinês não apresenta figuras, mas explica a solução assim:
Método: multiplicar 7 por ele mesmo; também multiplicar 3 por ele mesmo.
Somar (os produtos) e tomar a metade. Isto é a proporção de A caminhar
diagonalmente (z' = 29).
Subtrair da proporção ( de A caminhar diagonalmente) o produto de 3 por ele
mesmo. A diferença é a proporção de caminhar sul (y ' = 29 - 9 = 20).
Seja o produto de 3 e 7 a proporção de B caminhar (para) leste (x' = 21).
Coloque os 10 pu caminhados sul, e multiplique pela proporção da A
caminhar diagonalmente ( resulta yz' = 10 . 29 = 290).
Novamente coloque os 10 pu e multiplique pela proporção de B caminhar
leste (resulta yx' = 10.21 = 210). Seja cada (resultado) um dividendo. Dividindo os
dividendos pela proporção de caminhar sul (y' = 20) dá em cada caso o número de
pu caminhados.
No enunciado do problema, bem como em sua solução, ocorre um termo
matemático chinês que foi traduzido como "proporção" de caminhar. A expressão "a
proporção de caminhar de A é 7, e a proporção de caminhar de B é 3" quer dizer que
as distâncias percorridas por A e B estão na proporção de 7 para 3.
Empregando as notações estabelecidas na figura, isto quer dizer que (z+y):x =
7:3, ou seja, z+y = 7/3 x , e que y = 10. O método empregado na solução deste
problema é notável. Inicialmente se procura encontrar uma tripla pitagórica (x', y', z')
que satisfaça à condição z+y = 7/3 x. O autor denomina de x' a "proporção de B
caminhar leste", de y' a "proporção de A caminhar sul"e de z' a "proporção de A
caminhar diagonalmente". O autor sabia que teria de fazer x,y,z proporcional a x',y',z'
para obter a resposta. Esta última tripla foi calculada começando-se com dois números
a = 7 e b = 3, como se segue:

7 . 7 = 49 a . a = a2
3.3=9 b . b = b2

z' = ( a 2 + b 2 ) (a + b 2 )
1 1 1 2
z' = ( 49 + 9) z' =
2 2 2

y' = ( a 2 − b 2 )
1
y’ =29 - 9 =20 y’ = z’ - b2
2
x’ = 7 . 3 = 21 x’ = 21 = a .b x’= a.b

Podemos escrever (z'+y')(z'−y') = ( x') 2 , onde ( z'+ y') = a 2 , (z'−y') = b 2 e


(z'+y')(z'−y') = a 2 b 2 = ( x') 2 , que conduzem às fórmulas:

97
x' = a. b

( a − b2 )
1 2
y' =
2
z' = ( a + b 2 )
1 2
2
que permitem calcular as triplas pitagóricas onde x é ímpar, sendo perfeitamente
gerais e equivalentes às atribuídas a Pitágoras, que são um caso particular destas,
como iremos ver posteriormente.
A "proporção de A caminhar leste" é obtida calculando-se: y ' = z ' − b 2 , que é

equivalente a y' = ( a 2 − b 2 ) , pois como z ' + y ' = a 2 tem-se z ' = a 2 − y ' , que
1
2
substituindo-se em y ' = z ' − b 2 resulta a fórmula dada. Obtidos x',y'e z' , o passo
seguinte é multiplicar estes números por y/y' = 10/20, de maneira que se satisfaça a y
= 10, encontrando a resposta (10 1/2, 10, 14 1/2).

Tipo 8: dado um triângulo retângulo com lados ortogonais x e y, encontrar o lado s do


quadrado inscrito.

xy
Solução : s =
( x + y)

s
y
s
x
Fig. 6.7 Quadrado inscrito em um retângulo

Tipo 9: dado um triângulo retângulo com lados ortogonais x e y , encontrar o diâmetro


do círculo inscrito.

y z

x
Fig. 6.8 Círculo inscrito em um triângulo

z = x + y2
Solução: 2xy
2r =
( x + y + z)
98
A partir do centro do círculo desenhar três linhas unindo-os com os vértices do
1 1 1
triângulo. Obteremos então três triângulos parciais, de áreas rx , ry , rz.
2 2 2
Logo:
1 1 1 1
xy = rx + ry + rz
2 2 2 2
xy = r( x + y + z), 2r =
2xy
( x + y + z)

6.3 Comentários

Nos 16 problemas do Capítulo 9 dos "Nove capítulos sobre a arte


matemática", encontramos as seguintes triplas pitagóricas:

3 4 5
5 12 13
8 15 17
7 24 25
20 21 29

Elas podem ter sido obtidas pelo emprego das fórmulas para cálculo de triplas
pitagóricas discutidas no problema número 14.
Podemos fazer, por exemplo:

a=3 b=1 obtendo (3,4,5)


a=5 b=1 (5,12,13)
a=5 b=3 (8,15,17)
a=7 b=1 (7,24,25)
a=7 b=3 (20,21,29)

a menos da ordem dos elementos na tripla.


Aliás, o problema 14 é muito elucidativo: para a sua solução primeiro
construi-se a tripla primitiva (20,21,29), para depois obter-se (por proporção) a
resposta correta (10, 10 1/2, 14 1/2), que equivale à primeira multiplicada por 1/2.
Isso mostra que se empregavam triplas pitagóricas para a construção de soluções
racionais (e inteiras) de problemas: a primeira tentativa fornecia soluções inteiras, que
depois eram corrigidas para as condições dadas no problema. Essa seqüência de
problemas ilustra o emprego de triplas pitagóricas na construção de problemas com
soluções racionais e inteiras, costume esse que pode ter se originado de tradição muito
mais antiga, como iremos ver.
Fato importante que deve ser registrado é que o método de obtenção de triplas
pitagóricas, empregado pelos chineses, é equivalente ao método para a obtenção de
tais triplas atribuído a Pitágoras, sendo este último um caso particular do primeiro,
como veremos.
Além dos problemas citados, o Capítulo 9 possui mais oito problemas, todos
da mesma espécie, cuja solução envolve o cálculo do comprimento de uma linha
desenhada em um triângulo paralela a um lado.
99
Quem escreveu esta obra deve ter sido um matemático (ou matemáticos ?)
muito hábil, conhecedor do teorema de Pitágoras, de como calcular o raio de um
círculo inscrito em um triângulo, engenhoso no emprego da proporcionalidade de
lados em triângulos semelhantes, sabedor de como resolver um conjunto de equações,
sendo uma quadrática e duas lineares.

100
CAPÍTULO VII

COMPARAÇÃO ENTRE A MATEMÁTICA

BABILÔNICA E A CHINESA

"A ciência será sempre uma busca, jamais um


descobrimento real. É uma viagem, nunca uma
chegada".
Karl Popper

7.1 Um texto de problemas babilônio

Os textos babilônios existentes pertencem a dois grupos, o babilônio antigo e o


selêucida, limitados e amplamente separados no tempo. Mais de mil anos separam os
dois grupos, porém não existe solução de continuidade na tradição matemática, pois o
conteúdo dos textos pouco se alterou de um período para o outro.
Nada é conhecido sobre a pré-história dos textos babilônios antigos, nem
existem provas de que estes derivam de fonte possivelmente sumeriana. Os textos
babilônios antigos mostram evolução muito rápida, quase explosiva, praticamente
independente da influência sumeriana, exceto pelo uso da base sexagesimal,.
Se deixarmos de lado a possibilidade de os babilônios terem atingido o alto
grau de maturidade demonstrado por estes textos sem prévio e longo período de
desenvolvimento, é muito razoável admitir terem estes textos absorvido a influência
de fonte externa de saber matemático. Esta hipótese se torna mais convincente, se
fizermos análise comparativa com o que aconteceu em outras civilizações.
Os textos matemáticos babilônios podem ser divididos em dois grandes
grupos: textos-tabelas e textos-problemas.
Iremos examinar o texto BM 34568, isto é, o texto classificado sob o número
34568 da coleção do Museu Britânico, publicado e traduzido por O.Neugebauer no
terceiro volume de "Textos matemáticos cuneiformes". Acompanharemos a sua
explicação, dada por Van der Waerden. Contém 19 problemas sobre "comprimento,
largura e diagonal", que são similares aos do livro chinês "Nove capítulos".
Estes problemas podem ser classificados por tipos, quatro dos quais são
idênticos aos tipos 1,2,3 e 6 do Capítulo 9 dos "Nove capítulos". A equação
x 2 + y 2 = z 2 supõe-se conhecida em todas as soluções.

Tipo 1: dados x e y, encontrar z.

O problema 1 tem o seguinte enunciado:


4 é o comprimento, 3 a largura. Qual é a diagonal ? A magnitude é
desconhecida.
Os babilônios empregavam como incógnitas o comprimento, a largura e
mesmo a área (x2) ou o volume (x3), não hesitando em adicionar comprimentos com
áreas ou volumes: x 3 + x 2 + x , por exemplo. O texto fornece duas soluções,
ambas particulares, válidas para o triângulo (3,4,5). "Some metade de seu
101
1
comprimento com a sua largura", lê-se na primeira solução, ou seja: z = x + y . Esta
2
solução só fornece resultado correto quando x = 3 e y = 4, mas para outros valores
não está correta. A segunda solução também fornece resultados incorretos no caso
1
geral: z = y + x embora para x = 3 e y = 4 esteja correta. O resultado fornecido por
3
este texto é pior que o fornecido pelo texto chinês, que dá a solução correta:
z = x 2 + y 2 . Supõe-se que o escriba que escreveu este texto o copiou de outro mais
antigo, que estava danificado, sem a solução correta.

Tipo 2: dados y e z, encontrar x.

No problema 2 a solução é corretamente dada como x = z 2 − y 2 , para o caso


particular de y = 4 e z = 5.
Os problemas 1 e 2 dos textos babilônios são idênticos aos problemas 1 e 3 do
texto chinês. O texto babilônico fornece soluções apenas para o caso particular
(3,4,5), enquanto o chinês começa formulando soluções para este caso e depois
fornece as regras gerais empregando apenas palavras, sem números.

Tipo 3: dados x = a e z - y = d, encontrar y e z.

O problema 12 enuncia:

"Um junco está apoiado contra um muro. Se o seu topo desliza (para baixo) 3
(unidades), a sua extremidade inferior afasta-se 9 (unidades). Qual é o comprimento
do junco, qual é a altura do muro?"

z
y

x
Fig. 7.1 Junco apoiado no muro

Neste caso x = 9 e z - y = 3. A solução é dada por:


1 (9 + 3 )
2 2

z=
2 3
y = z2 − x 2
O emprego do teorema de Pitágoras com a subseqüente extração da raiz
quadrada para a determinação de y é desnecessária, pois basta fazer y = z - d = 15 - 3
= 12.
102
A solução chinesa é essencialmente a mesma, mas não é extraída a raiz
quadrada.
No problema 8 do Capítulo 9 dos “Nove capítulos lemos o seguinte: "A altura
de um muro é 1 chang ( = 10 ch'ih). Uma (viga de) madeira está apoiada contra o
muro de modo que o seu topo está precisamente no (topo) do muro. Se a madeira é
puxada 1 ch'ih para longe do muro, a madeira alcança o chão. Qual é o comprimento
da madeira?"
"Resposta : 5 chang, 5 ch'ih ( = 55 chíh).
Método: multiplique a altura do muro, 10 chíh, por ela mesma, e divida pelo
número de ch'ih que é puxada para longe, e divida ao meio a soma. ( O resultado ) é
o comprimento da madeira."
São dados: x = a = 10, z - y = d = 1, sendo z calculado de acordo com a
1  a2 
fórmula z =  + d ,
2 d 

z
10

y 1
Fig. 7.2 A viga contra o muro

que é equivalente à regra babilônica:


1 a2 + d2
z= .
2 d
O texto BM 34568 pertence ao período selêucida, que começou logo após o
esfacelamento do império de Alexandre, com a ascensão ao trono babilônio do rei
grego Seleukos I, em 311 A.C..
A figura geométrica (Fig. 7.2 ) associada com este problema 12 é muito
parecida com a do problema 9 do texto babilônio antigo BM 85196.
Lê-se no enunciado deste problema:
"Um patû ( viga ? ) de comprimento 0;30 ( está apoiado contra um muro ). A
parte superior deslizou para baixo uma distância de 0;6. De quanto o extremo
inferior se moveu?"
Temos: z = 0;30 , y = 0;30 - 0;6 = 0;24 e, em concordância com o texto,
x = z − y 2 = 0;18 .
2

Este problema pertence ao tipo 2, mas a figura é a mesma do problema 9 do


texto selêucida BM 34568. Já ressaltamos a existência de uma tradição contínua entre
os dois conjuntos de textos, separados por mais de mil anos.
É óbvio que os problemas estão claramente relacionados, o que constitui prova
de tradição contínua de ensino mediante conjuntos de problemas escolhidos. Mostra
igualmente que os problemas do texto selêucida BM 34568 originaram-se de textos
muito mais antigos, que se transmitiram através de gerações de escribas.
103
Uma única tradição foi preservada entre 1700 e 100 A.C., e, é importante
notar, os textos não mostram nenhuma influência grega, apesar de escritos em pleno
período helenístico.
O problema 4 do texto selêucida é do tipo:

Tipo 6: dados x = a e y + z = b, encontrar y e z.

O texto discute o caso particular a = 3 e b = 9, e dá a solução correta:

1 (b − a )
2 2

y= = 4, z = b - y = 5
2 b

Nos problemas 6 e 8, x e y são dados e a área A do retângulo é calculada como


A = x.y, corretamente.
Os problemas 9 a 18 pertencem aos seguintes tipos novos:

Tipo 10: dados x + y = s, e x.y = A, achar x e y. (Problema 9).

Tipo 11: dados x - y = d, e x.y = A, achar x e y. (Problema 15).

Nesses problemas pedem-se encontrar dois números tais que a sua soma ou
sua diferença é dada, bem como o seu produto. São problemas clássicos da álgebra
babilônica, e são resolvidos pelo método das somas ou diferenças.
O método também foi empregado por Diofante e consistia em se empregar
mudança de variável.
1 1
Quando a soma s era dada fazia-se x = s + t , y = s − t , reduzindo o
2 2
problema a uma única incógnita t.
1 1
Quando a diferença d era dada, colocava-se x = t + d , y = t - d , o que
2 2
novamente reduzia o problema a uma incógnita.
Os chineses também empregavam soluções deste tipo (ver o problema tipo 4
do Capítulo 9).

Tipo 13: dados x + y + z = s e x.y = A, encontrar z. (Problemas 14,17,18).

O texto resolve o problema com o emprego de cálculos equivalentes à fórmula


correta

1 (s − 2 A )
2

z= .
2 s

O que é verdadeiramente notável é que a solução deste problema é apresentada


sob a forma de regra geral, formulada em palavras sem números, muito parecida com
as dadas nos “Nove capítulos. Este é o único caso, neste texto babilônico, onde isto
ocorre. A regra é enunciada assim;
"Multiplique (a soma de) comprimento, largura e diagonal por ela mesma.
Multiplique a área por 2. Subtraia este produto do (quadrado da soma do
104
comprimento, largura e) diagonal ( = s2 ). Por que fator você deveria multiplicar (a
soma do) comprimento, largura e diagonal? A diagonal é este fator."

7.2 Comparação entre a álgebra chinesa e a babilônica

Existem muitas similaridades entre a álgebra babilônica e a chinesa. A solução


de equações quadráticas desempenhava papel importante em ambas: conjuntos de
equações lineares eram resolvidos eliminando-se uma incógnita depois a outra.
Ambas conheciam métodos numéricos para a extração de raízes quadradas e cúbicas.
O método chinês de cálculo de triplas pitagóricas é equivalente ao método babilônio.
Existe uma patente similaridade entre o estudo de problemas que envolvem triângulos
retângulos em ambos os países. As similaridades entre os textos são muito aparentes,
levando-nos a inquirir se eles não tiveram fonte comum. Para isto devemos ter
argumentos que nos permitam descartar a hipótese de que a álgebra babilônica seja a
origem da chinesa. Diversas razões podem ser apresentadas para mostrar que a
álgebra chinesa não se originou da babilônica.
De modo geral, a álgebra chinesa demonstra nível superior, os textos
apresentam métodos de solução como regras gerais, o que, exceto em poucos casos,
não ocorre nos textos babilônicos. Os “Nove capítulos incluíam o algoritmo
euclidiano, não encontrado em textos babilônicos. Um método matricial sistemático
para a solução de equações lineares era conhecido dos chineses, mas não dos
babilônios. Os textos chineses são mais ricos em noções e métodos geométricos.
No texto astronômico Chou-Pei Suan-Ching (Clássicos matemáticos dos gnomos
Chou), encontramos demonstração do teorema de Pitágoras, o teorema "kou-kou", que
data do décimo primeiro século A.C. Talvez seja esta a demonstração, no sentido
moderno, mais antiga de que se tem conhecimento. Shang Kao, autor dessa
demonstração, em termos de antigüidade, seria mais merecedor de emprestar o seu
nome a este teorema que Pitágoras. Teorema de Shang Kao, ou teorema "kou-kou",
talvez fossem nomes mais justos para o teorema hoje conhecido como de Pitágoras,
embora de sabor decididamente oriental.
Encontramos nos “Nove capítulos problemas sobre quadrados e círculos
inscritos em triângulos, problemas sobre pessoas que vêem uma árvore fora das
muralhas da cidade, problemas que envolvem proporcionalidade de lados em
triângulos similares, sem similares nos textos babilônios.
Além disso, é muito mais fácil para um escriba encarregado de traduzir textos
de uma língua para outra traduzir termos como "somar, subtrair, multiplicar, dividir",
mas traduzir noções geométricas, sem termos equivalentes na outra língua, é muito
mais difícil; portanto, para tradutores e copistas, é muito mais fácil traduzir problemas
algébricos que problemas geométricos; logo é muito mais provável estes últimos
serem descartados, quando ocorrem problemas difíceis de tradução. O processo
inverso, de adição de problemas geométricos por um copista parece altamente
improvável.
O argumento decisivo contra a hipótese da origem babiloniana da álgebra
chinesa, na opinião de Van der Waerden, diz respeito ao sistema de numeração que
estes empregavam. Os chineses, desde os mais antigos textos conhecidos,
empregavam o sistema de numeração de base dez, decimal, e usavam frações mistas
m/n. Tanto para os números inteiros como para frações, os babilônios empregavam o
sistema sexagesimal, herança dos sumérios.
105
Quando os chineses desejavam dividir um número operavam como nós
operamos, 14 dividido por 6 dava 2 e 2/6. Os babilônios operavam de modo
completamente diferente: para dividir 14 por 6, primeiro procuravam na tabela de
recíprocos o recíproco de 6: 0;10 , que então era multiplicado por 14 para se obter o
resultado desejado.
Se um escriba desejasse traduzir texto de fonte original, que empregava base
decimal, para uma língua que utilizasse a base sexagesimal, a conversão de frações da
forma m/n era relativamente fácil de ser efetuada. O processo inverso, de passar
frações sexagesimais para decimais é muito mais moroso e difícil.
Não é razoável, portanto, sustentar que a álgebra chinesa descenda da
babilônica. Uma origem sumeriana também deve ser eliminada, pois os sumérios
também empregavam a base sexagesimal e nenhum texto conhecido demonstra o grau
de habilidade matemática que estas álgebras expõem. A única possibilidade
remanescente é uma origem comum, pré-babilônica, para ambas as álgebras.
Ponto interessante é que esta origem comum parece ter empregado a base dez,
cujo emprego foi continuado pelos chineses, pois a base sessenta aparenta ser uma
criação original sumeriana, que influenciou os babilônios, os quais, embora
absorvendo conhecimentos dessa fonte comum, mantiveram a sua base tradicional.

106
CAPÍTULO VIII

AS MATEMÁTICAS EGÍPCIA, GREGA E HINDU

"Para enxergar claro, basta mudar a


direção do olhar".
Antoine Saint-Exupéry

8.1 A matemática egípcia

A tradição geométrica deve também ter influenciado os egípcios, por meio dos
"estiradores de corda" (harpedonaptai), que eram, de acordo com Demócrito, peritos
em "construção de linhas com provas". Cordas estiradas também eram empregadas
pelos construtores de altar hindus. Os Sulvasutras contêm provas e são textos escritos,
mas se baseiam em tradição oral muito mais antiga, como veremos. Quem eram esses
"estiradores de corda " é ainda motivo de muita controvérsia. Eram agrimensores,
arquitetos, astrônomos ou algo mais?
A cerimônia do "estiramento de corda", que era um termo técnico egípcio,
realizava-se para estabelecer a orientação dos templos egípcios com alinhamentos
astronômicos. Nela objetos astronômicos eram usados para estabelecer linhas de
referência. Os egípcios atribuíam profundo significado religioso a essas orientações.
Existem baixos relevos que mostram essas cerimônias, até com data da quinta
dinastia (2560-2420 A.C.), o que mostra quão antiga pode ser essa tradição. A
operação de estiramento de corda é mencionada em uma inscrição em couro, no
Museu de Berlim, que atesta o seu uso já no tempo de Amenemat I (c. 2300 A.C.).
Esses estiradores de corda podiam também colaborar na construção de grandes
edifícios ou de qualquer outro projeto arquitetônico; podiam até redeterminar
divisórias de terras apagadas pelas enchentes. Se atuavam em todos esses campos
ainda é objeto de discussão.
Reputados historiadores da matemática, como Struik, Heath e mesmo Van der
Waerden negavam que os egípcios tivessem conhecimento do teorema de Pitágoras ou
das triplas pitagóricas, pois não figuram em nenhum documento escrito sobrevivente.
Posteriormente, Van der Waerden reconsiderou essa opinião, passando a acreditar que
a tradição oral dos estiradores de corda o conhecesse. O fato é que os egípcios tinham
plenas condições de operar com o teorema, pois sabiam como resolver sistemas como
y = ax , x 2 + y 2 = b , onde aparecia a tripla (8,6,10), que é o dobro da bem
conhecida tripla (3,4,5), como figura no Papiro Berlim 6619, embora no texto não
haja menção a um triângulo.
É também citada a ocorrência em fragmentos do Papiro de Kahun (c.1800
A.C.) das seguintes somas de quadrados:
6 2 + 8 2 = 10 2
12 2 + 16 2 = 20 2
2 2
 1  1
1  + 2 =  2 
2
 2  2
107
Esses valores aparecem em contextos relacionados com equações quadráticas,
mostrando que os egípcios eram capazes de operar com o teorema de Pitágoras,
embora este não seja empregado explicitamente em nenhum texto conhecido. É
possível que o seu conhecimento se tenha transmitido apenas oralmente, ou que os
textos em que ele figura não tenham sido preservados ou descobertos. O intercâmbio
cultural entre egípcios e babilônios, atestado historicamente, também nos faz supor
que os egípcios tivessem acesso a tão importante resultado.
Embora para eras mais recuadas não exista evidência irrefutável do
conhecimento do teorema de Pitágoras entre os egípcios, podemos mostrar a
existência desse em épocas mais recentes. Os problemas de 24 a 31 do Papiro do
Cairo empregam este teorema na sua solução, e são muito similares a problemas
chineses e babilônios correlatos. R.A. Parker, tradutor deste Papiro, afirma:
"Em outro lugar eu mostrei que o conteúdo de um papiro demótico do período
romano tratando de demônios celestiais pode definitivamente ser atribuído à
Babilônia, tendo a transmissão de tal literatura acontecido durante o reinado persa
do Egito, nos séculos VI ou V A.C. É muito possível, realmente, que alguma
quantidade de literatura matemática babilônica tenha vindo ao Egito ao mesmo
tempo, e os problemas de 24 a 31, com o seu uso do teorema de Pitágoras, conhecido
séculos antes na Babilônia, parece ser a confirmação direta de tal transmissão."(Van
der Waerden:167).
Na realidade, o nosso conhecimento da matemática egípcia se baseia apenas
em um punhado de fontes, a saber: os Papiros de Rhind, de Moscou, de Berlim, de
Kahun, de Reisner, do Cairo, o rolo de couro do Museu Britânico, as pranchas de
madeira de Akhmin e alguns poucos outros fragmentos de menor importância.
O Papiro de Rhind, nossa mais importante fonte sobre a matemática egípcia,
foi descoberto na metade do século passado, ao que parece nas ruínas de pequeno
edifício, perto do templo mortuário de Ramsés II em Tebas. Foi adquirido em Luxor,
juntamente com outras antigüidades egípcias, pelo advogado escocês Alexander
Henry Rhind, que, por razões de saúde, foi obrigado a passar o inverno no Egito
durante as temporadas de 1855-6 e 1856-7. Rhind faleceu quando retornava para casa
de outra visita ao Egito, em 1863, e o papiro Rhind, bem como outro documento
matemático conhecido como o rolo de couro, foram adquiridos do seu testamenteiro
em 1865 pelo Museu Britânico.
O Papiro Rhind, no seu estado original, formava um rolo constituído de
quatorze folhas de papiro, cada qual com cerca de 40 cm de comprimento e 32 cm de
altura, coladas nas extremidades. O comprimento total sobrevivente é de 513 cm. O
Papiro foi encontrado em dois pedaços, alguns fragmentos da região da ruptura foram
identificados na coleção egípcia da Sociedade Histórica de Nova Iorque, em 1922.
Tinham sido adquiridos em Luxor pelo comerciante americano Edwin Smith, em
1862-3, e foram presenteados pela sua filha à Sociedade Histórica, após a morte do
seu pai. Estão atualmente no Museu de Brooklyn.
O Papiro está escrito em caracteres hieráticos, em preto e vermelho, e se lê da
direita para a esquerda. Foi copiado pelo escriba Ahmose (A'h-mosè) durante o
período dos Hicsos, ou reis Pastores (cerca de 1650 A.C.), de escritos cerca de 200
anos mais antigos. Contém cerca de 87 problemas matemáticos. Estes são precedidos
por uma tabela de divisão de 2 pelos números ímpares de 3 a 101, as respostas sendo
expressas como soma de frações unitárias (os egípcios só operavam com esse tipo de
fração, cujo numerador era a unidade, 1).
Na sua introdução o escriba anotou:
108
"Cálculos Acurados. A entrada no conhecimento de todas as coisas existentes
e todos os segredos obscuros. Este livro foi copiado no ano 33, no quarto mês da
estação das inundações, debaixo da majestade do rei do Alto e Baixo Egito A-user-
Rê, dotado com vida, na semelhança de escritos dos antigos feitos no tempo do rei do
Alto e Baixo Egito, Ne-ma-'et-Rê. É o escriba A'h-mosè quem copia este escrito."
(Trad. Chace, apud Gillings:Mathematics:45).
Um problema do Papiro Rhind que merece a nossa atenção é o de número 50,
que implica encontrar a área de círculo de diâmetro 9. O seu enunciado é o seguinte:
"Exemplo de um campo redondo de diâmetro 9 khet. Qual é a sua área? Tire
1/9 do diâmetro, 1; o resto é 8. Multiplique 8 vezes 8; perfaz 64. Então ele contém 64
setat de terra." (Bunt: The Historical...:36).
O escriba encontra a área do círculo subtraindo do diâmetro um nono deste e
elevando ao quadrado o resultado. Faz uso, portanto, da fórmula:
2 2
 1  8 
A =  d − d =  d .
 9  9 
Isto implica em que a área do círculo é igualada a de um quadrado cujo lado
vale 8/9 do diâmetro do círculo. É um exemplo notável do problema conhecido entre
os gregos como quadratura do círculo. Mostra que deve ter deve ter havido uma
tradição geométrica entre os "estiradores de corda", da qual os gregos provavelmente
devem ter tido conhecimento, ou que proviesse da sua fonte original neolítica, ou por
contato direto.
A regra citada é ilustrada no Papiro por figura na qual um quadrado está
dividido em nove quadrados iguais, onde as diagonais dos quatro quadrados dos
cantos estão desenhadas. A área de cada um destes quadrados é 1 9 d 2 . A área do
círculo é aproximadamente igual à área de sete destes quadrados: 7 . 1 9 d 2 , o que é
igual a 63 81d 2 . Se tomarmos 64 81 d 2 ao invés de 63 81d 2 não estaremos errando
2
8 
muito, com a vantagem de que 64 81 d é um quadrado perfeito:  d . Dessa
2
9 
maneira, o algoritmo egípcio é equivalente à aproximação  = 256/81 = 3,1605...,
bastante boa para a época.
Assim, o escriba pode ter chegado a essa regra de forma quase-dedutiva. De
qualquer modo expressa a preocupação de se encontrar um quadrado igual a um
círculo, problema que mereceu especial atenção dos gregos e que, talvez, tenha feito
parte da tradição neolítica. Proclus observa: "..., eu acredito, os antigos também
procuraram a quadratura do círculo. Pois se encontramos um paralelogramo igual a
qualquer figura retilinear, vale a pena investigar se se pode provar que figuras
retilineares são iguais a figuras limitadas por arcos circulares."(Knorr:The
Ancient...:25).
A nossa segunda fonte em importância é o Papiro de Moscou (ou de
Golenishev), comprado no Egito em 1893. Tem 5,48 m de comprimento, mas apenas
7 cm de largura. Foi escrito, com menos cuidado que a obra de Ahmose, por um
escriba desconhecido da décima segunda dinastia (c.!890 A.C.). Contém 25 exemplos,
quase todos da vida prática, e não difere muito dos do Papiro Rhind, exceto dois que
têm significado especial.
Veremos, em seguida, a discussão do problema 14 do Papiro de Moscou como
apresentada por Boyer (História da Matemática:14-15). Associada a este problema há
uma figura que parece trapézio, mas os cálculos com ela relacionados mostram que o
que se quer representar é tronco de pirâmide. Acima e abaixo da figura estão sinais
109
para dois e quatro, respectivamente, e no interior estão símbolos hieráticos para seis e
cinqüenta e seis.
As instruções ao lado tornam claro que o problema pergunta qual o volume de
um tronco de pirâmide quadrada com altura de seis unidades, se as arestas das bases
superior e inferior medem duas e quatro unidades, respectivamente. O escriba indica
que se deve tomar os quadrados dos números dois e quatro e adicionar à soma desses
quadrados o produto de dois por quatro, o resultado sendo 28. Esse é então
multiplicado por um terço de seis; e o escriba conclui com as palavras: "Veja. é 56;
você achou-a corretamente". Isto é, o volume do tronco foi calculado de acordo com a
fórmula moderna:

v= (
h 2
3
a + ab + b 2 ) ,

onde h é a altura, a e b são os lados das bases quadradas. Essa fórmula não aparece
escrita em lugar algum, mas em substância era conhecida pelos egípcios. Se, como se
faz no documento de Edfer, se toma b = 0, a fórmula se reduz à fórmula familiar, um
terço da área da base vezes a altura, para o volume da pirâmide.
Como os egípcios chegaram a esses resultados não se sabe. Uma origem
empírica para a regra sobre o volume da pirâmide parece possível, mas não para a do
tronco. Para esse uma base teórica é mais provável; sugeriu-se que os egípcios tenham
procedido nesse caso como nos do triângulo isósceles e do trapézio: podem ter
decomposto o tronco em paralelepípedos, prismas e pirâmides. Substituindo as
pirâmides e prismas por blocos retangulares iguais, um arranjo plausível dos blocos
conduz à fórmula egípcia, argumenta Boyer. O admirável é que encontramos o cálculo
do volume de um tronco de pirâmide, empregando a mesma fórmula correta dos
egípcios, no texto chinês os “Nove capítulos!
Tanto o Papiro Rhind como o de Moscou são textos-problemas da mesma
espécie que os textos chineses ou babilônicos. A mesma regra para o cálculo do
volume de um tronco de pirâmide ocorrer tanto em papiro egípcio como em texto
chinês é forte argumento para uma origem em comum.
Uma questão nos acomete: seria possível que a origem desta fórmula fosse um
texto babilônio? Acontece que a matemática e a astronomia babilônica são bem
conhecidas por centenas de textos cuneiformes. Nesses textos não se encontrou a
fórmula correta para o cálculo de volumes de troncos de pirâmides e cones, mas a
regra para pirâmides era conhecida dos egípcios e dos chineses, e a do cone dos
chineses. Desse modo, parece que temos que considerar alguma fonte pré-babilônica.
Em um Papiro do Cairo, escrito no terceiro século A.C. e publicado por
R.A.Parker, para calcular a área de um círculo o escriba inscreve nele um triângulo ou
quadrado, cuja área sabe encontrar com facilidade, e calcula as áreas dos segmentos
de círculo restantes pela fórmula incorreta:
1
F = ( s + a) a .
2
Nesta fórmula s é corda do segmento, a é a sua flecha, e F é a sua área.
Em 1086 D.C. o cientista chinês Shen Kua escreveu um livro denominado
Mêngh Chhi Than (Ensaios do Tanque dos Sonhos), onde tratava sobre quase toda a
ciência conhecida no seu tempo, e onde se pode encontrar muito material algébrico e
geométrico. No seu capítulo 18, onde Shen Kua explica um método para o cálculo do
arco que limita um segmento de círculo, figura a fórmula para o cálculo da área do
segmento de círculo,
110
F=
1
2
(sa + a 2 ) ,
que é equivalente à indicada anteriormente, utilizada no Papiro do Cairo.
O texto babilônico antigo BM 85194, escrito logo após o fim da dinastia de
Hamurabi, trata de problemas que envolvem segmentos de círculo. Embora esta
fórmula não figure explicitamente (pois o cálculo da área do segmento apresentado é
ininteligível), a articulação dos problemas, os desenhos e o método de solução estão
intimamente correlacionados com os do Papiro do Cairo. Em todos os casos o objeto
de investigação é o segmento de círculo, e uma das principais ferramentas é o teorema
de Pitágoras.
Essa mesma fórmula ocorre na "Métrica", de Heron de Alexandria (séc. I
D.C.), que a atribui aos "antigos", reconhecendo-a como inexata e procurando
aperfeiçoá-la.
"Como princípio geral, se alguém encontra a mesma correta regra geral de
cálculo em várias civilizações, sempre tem que levar em conta a possibilidade de
invenção independente, mas se a regra é incorreta, a invenção independente é quase
impossível. Então nós somos forçados a supor que a fórmula chinesa e sua
equivalente, usada no Papiro do Cairo e mencionada por Heron, derivam de uma
origem comum [pré-babilônica]. " (Van der Waerden:40).

8.2 A matemática grega

8.2.1 Pitágoras

Como vimos, hoje podemos afirmar, com base sólida, que o teorema de
Pitágoras era conhecido, tanto pelos babilônios como pelos chineses, muito antes do
seu nascimento, e provavelmente também pelos construtores megalíticos, pelos
egípcios e pelos hindus.
Seidenberg apontou a existência de notáveis similaridades entre a necessidade
de reprodução de altares da mesma forma e magnitude na Índia e na Grécia que, por
motivos rituais, envolviam punições divinas se a construção não fosse exata. Na
Grécia, isto conduziu ao famoso "problema de Delos", da duplicação do cubo;
enquanto que na Índia o importante não era o volume do altar, mas a sua área. Nos
dois casos o passo fundamental para a solução do problema era: construir um
quadrado igual em área a um retângulo.
Para resolver este problema, exatamente a mesma solução era empregada na
Grécia e na Índia, solução baseada no teorema de Pitágoras. Cabe notar que as idéias
acerca da importância religiosa das construções geométricas eram muito similares em
ambos os países.
Como sabemos, a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg afirma que uma
única fonte no Neolítico influenciou as correntes principais da matemática da
antigüidade, e que esta tradição se dividiu em duas outras grandes tradições: uma
geométrica ou construtiva, que influenciou os hindus e os gregos (bem como
provavelmente os construtores megalíticos e os egípcios), outra algébrica ou
computacional, que se transmitiu por babilônios e chineses. Também aponta os indo-
europeus como o povo responsável por esta fonte comum.
111
Onde, então, Pitágoras poderia ter tido acesso ao conhecimento do teorema
que hoje leva o seu nome? Que Pitágoras visitou o Egito é consenso entre os autores
antigos. As biografias mais recentes, como as de Diógenes Laertius (séc. III D.C.), de
Porfírio (234-c.305 D.C.) e de Jâmblico (c.250-c.325 D.C.) insistem na veracidade
dessa visita. O mesmo atesta Isócrates (436-338 A.C.), que nasceu poucas gerações
após Pitágoras, e por essa razão o seu testemunho se deve basear na tradição oral
próxima.
Quanto à visita à Babilônia, sabe-se que Cambises invadiu o Egito em 525
A.C., e que nessa ocasião deportou Pitágoras para a Babilônia, como prisioneiro,
segundo Jâmblico. O relato de Porfírio sobre a estada na Babilônia tem por base uma
informação de Aristoxeno (contemporâneo de Aristóteles-séc. IV A.C.). A visita à
Babilônia não é tão certa quanto ao Egito, não havendo unanimidade entre os
entendidos. Por outro lado, era comum os gregos clássicos viajarem até o Egito e a
Pérsia, logo não seria nada surpreendente se Pitágoras realmente tivesse empreendido
essas viagens. É possível que nessa ocasião tomasse conhecimento do teorema que
hoje leva o seu nome.
Já a propalada viagem até a Índia parece muito menos verossímil, nem os seus
biógrafos a citam. Com isto procuramos estabelecer o pano de fundo para discutirmos
a tradicional atribuição a Pitágoras do Teorema que hoje porta o seu nome.
Nos Elementos de Euclides, o teorema de Pitágoras aparece como a
proposição 1,47. Em seu comentário à essa proposição, Proclus ( 412-485 D.C.), que
tinha acesso à História da Matemática escrita por Eudemo de Rodes (séc. IV A.C.),
escreve: "se nós ouvirmos aqueles que desejam narrar a história antiga, podemos
encontrar alguns deles referindo-se a este teorema como de Pitágoras, e dizendo que
ele sacrificou um boi em honra desta descoberta", continuando cautelosamente: "mas
por minha parte, enquanto eu admiro aqueles que primeiro observaram a verdade
deste teorema..." .Como podemos notar, a atribuição da descoberta do teorema a
Pitágoras, por Proclus, é feita com todas as ressalvas possíveis, o que nos faz crer que
não se apoiava na autoridade de Eudemus.
Plutarco (nasceu c. 42 D.C.), Athenaeus ( c. 200 D.C.) e Diógenes Laertius,
todos citam os versos de Apolodoro,"o calculador": "quando Pitágoras descobriu
aquela famosa proposição, em honra (strength) da qual ofereceu um esplêndido
sacrifício de bois" ( Heath: History,p.133).
A data de Apolodoro é desconhecida, porém é possível que seja anterior a
Cícero (106-46 A.C.), que cita a história da mesma forma, sem especificar a que
descoberta geométrica se refere, porém acrescentando que não acreditava no
sacrifício, pois o ritual pitagórico proibia oferendas em que sangue era derramado.
Plutarco questiona se o sacrifício foi feito por ocasião da descoberta do
teorema ou da solução do problema de "aplicação de uma área" (espécie de solução
geométrica de equações do segundo grau), mas não há nada que sugira que ele tinha
qualquer hesitação em atribuir ambas as descobertas a Pitágoras.
Como vemos, as evidências históricas da atribuição da descoberta deste
teorema a Pitágoras são bastante magras, quase todas fundamentando-se na tradição
de Apolodoro; porém a tradição em atribuir a descoberta ou demonstração deste
teorema a Pitágoras é bastante persistente, o que nos leva a concluir que o sábio
alguma coisa tem que a isso o relacione. .
Note-se que a demonstração atribuída à Pitágoras é desconhecida, pois a
escola pitagórica proibia a divulgação dos resultados obtidos pelos seus membros,
além de instituir o costume de atribuir todas as suas descobertas ao seu fundador.
112
Quanto ao sacrifício do boi, já Cícero desconfiava da veracidade da lenda.
Diversos autores confirmam que os discípulos de Pitágoras, seguindo os ensinamentos
do mestre, evitavam sacrifícios sangrentos. "Pitágoras proibia o sacrifício de vítimas
aos deuses, e consentia somente que se venerasse o altar puro de sangue" (Diógenes
Laertius: 233). Pitágoras acreditava na teoria da metempsicose (transmigração das
almas), segundo a qual as almas dos homens poderiam, após a morte, habitar os
animais. Era, portanto, coisa abominável matá-los ou comê-los (Diodoro: Barnes:87).
Uma observação notável: a outro filósofo grego também é atribuído um
sacrifício de bois. "Pamphilo diz que Tales, que aprendeu geometria dos egípcios, foi
o primeiro a inscrever em um [semi] círculo um triângulo (o qual seria) retângulo, e
que ele sacrificou um boi (em honra da descoberta)"(Diógenes Laertius;
Heath:History:131). Pamphilo viveu no reinado de Nero (54-68 D.C.), sendo portanto
uma autoridade tardia. Já se argumentou que Diógenes Laertius provavelmente
misturou as histórias, confundido os sacrifícios citados por Apolodoro e Pamphilo,
bem como as diferentes proposições geométricas.
Jâmblico e Porfírio contam que Pitágoras se encontrou com Tales, já avançado
em idade, o qual lhe transmitiu alguns ensinamentos e lhe recomendou que fosse ao
Egito, como ele próprio fizera na juventude, para aprender com os sacerdotes. Em
qualquer caso, a história toda tem alguns fatores em comum que não podem ser
negligenciados: "alguém", ao descobrir determinada proposição geométrica,
sacrificou um boi ou diversos.
A proposição geométrica em pauta também tem algumas coisas em comum:
no caso de Tales, triângulo inscrito em [semi] círculo é triângulo retângulo, no de
Pitágoras, num triângulo retângulo a soma do quadrado da hipotenusa é igual à soma
dos quadrados dos catetos. Em ambos os casos, trata-se de triângulo retângulo que,
em última análise, se reduz a uma instância do número três. Há, portanto, indícios que
nos levam a supor que exista fundo lendário comum que diz algo como: "alguém”, ao
descobrir a famosa proposição, que está relacionada com triângulo retângulo ou
instância do número três, sacrificou um ou vários bois”.
O número três, dentro da concepção do mundo dos indo-europeus,
desempenhava papel fundamental, como veremos posteriormente. Já mencionamos a
importância desempenhada pelas triplas pitagóricas e pelo próprio teorema de
Pitágoras, dentro da tradição matemática arquitetada por Van der Waerden, a qual
seria a origem das principais correntes matemáticas da antigüidade.
Nesse ponto de vista, como já desconfiava Cícero, o sacrifício sangrento não
foi efetuado por Pitágoras, nem mesmo por Tales, mas pertence ao fundo lendário
comum, que, se aceitarmos a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, está ligado
aos povos indo-europeus. Não seria a primeira vez que atributos mitológico-lendários
seriam vinculados a pessoas históricas. Já sabemos que essa descoberta deve ter sido
feita antes de Hamurabi, pois nesse tempo já estava incorporada a manuais
matemáticos, tipo problemas-texto, babilônicos. Sabemos também que quem fez essa
descoberta era matemático e provavelmente sacerdote capacitado a efetuar sacrifícios.
Com base nesses argumentos, seria bem possível que a mitologia indo-
européia se preocupasse com algo que envolvesse o número três e sacrifício de gado.
Buscando nessa direção, pelo menos um exemplo concreto pudemos localizar. Diz
respeito a incursões em busca de gado. Correspondências léxicas permitem reconstruir
expressões proto-indo européias para "incursões em busca de gado" e sacrifício de
cem bois" (a palavra grega hekatómbe, refere-se ao sacrifício de cem bois).
Um extenso estudo do papel do gado na sociedade e crenças dos indo-
iranianos, permitiu a Bruce Lincoln sugerir a importância fundamental do gado na
113
economia e religião indo-européia antiga. De evidências mitológicas primeiramente
obtidas de fontes iranianas e indianas, mas também dos gregos, dos romanos, dos
germanos, dos celtas e hititas, Lincoln reconstituiu um mito indo-europeu da primeira
incursão atrás de gado.
Esse diz respeito a uma figura heróica *Trito (terceiro,três) (védico Trita
Aptya, avesta Thraetona Athwya, grego Herakles, norueguês Hymir, hitita Hupasiya)
que perde o seu gado para um monstro de três cabeças, normalmente serpente, o qual,
pelo menos na tradição indo-iraniana, está associado com populações locais não indo-
européias. Em outro encontro, *Trito, com o auxílio do deus guerreiro derrota o
monstro de três cabeças e recobra o seu gado. Esse mito envolvia o sacrifício de um
homem e um boi, de cujas partes o mundo foi criado.
Podemos tentar estabelecer um paralelo entre a derrota do monstro de três
cabeças e a descoberta da proposição que envolve um triângulo (instância do número
três). A descoberta equivaleria a uma derrota do desconhecimento (o monstro de três
cabeças ?). Em homenagem a isso, seria feito o sacrifício ritual de um homem e um
boi. O sacrifício humano não era comum entre os antigos indo-europeus, embora
evidências dele possam ser encontradas entre os celtas, os germanos e os minóicos.
Entre os gregos parece não ter sido praticado, principalmente nos tempos de
Pitágoras. Mas o do boi sim.
O interessante é que instâncias do número três aparecem tanto no nome do
herói *Trito (terceiro) como no do vilão: o monstro de três cabeças. Podemos
localizar este episódio dentro da linha de tradição oral de construções geométricas
com aplicações rituais, enquadrando-se na estrutura que Van der Waerden arquitetou
para a transmissão de conhecimentos a partir da fonte neolítica comum.
Em resumo, o conhecimento desse teorema é muito anterior a Pitágoras,
remontando no mínimo aos babilônios da dinastia de Hamurabi, aos chineses dos fins
do segundo milênio A.C. e provavelmente aos construtores megalíticos da Europa. É
provável que Pitágoras tomasse conhecimento dele, talvez, em uma das suas viagens,
porém que não efetuou sacrifício sangrento de bois em sua homenagem parece
insofismável. Este episódio, como vimos, pode ter sido transposto de algum mito de
fundo indo-europeu, ou talvez recordação de sacerdote-matemático notável do
neolítico, que o descobriu.
De qualquer maneira, toda essa argumentação vem reforçar a hipótese de Van
der Waerden-Seidenberg sobre a origem comum das principais correntes matemáticas
da antigüidade, na qual o teorema de Pitágoras e as triplas Pitagóricas
desempenhavam papel primordial. Também sua atribuição aos indo-europeus parece
reforçada com essa interpretação do episódio.

8.2.2 Origem comum

O comentário de Proclus preservou um método de computação de triplas


atribuído ao próprio Pitágoras. Principia com um número ímpar "a" e faz:
x=a

( a − 1)
1 2
y=
2
z = ( a 2 + 1)
1
2

114
Este método se origina de que z - y = 1 e z + y = a 2 , deste modo a equação
(z + y)(z − y) = x 2 é satisfeita. Assim todas as triplas onde z - y = 1 podem ser obtidas
com este método. É um caso particular do método chinês.
Proclus também menciona um método atribuído a Platão, o qual começa com
número par, sendo as triplas escritas como:
x = 2c
y = c2 − 1
z = c2 + 1
Neste caso temos z - y = 2 e z + y = 2 c 2 . Podemos obter todas as triplas que
atendam a z - y = 2 com este método.
Os dois métodos são complementares, juntos fornecem todas as triplas
pitagóricas.
Existe ainda o método de Diofante, que já estudamos, e é equivalente ao
método chinês para o cálculo de triplas pitagóricas. Vale a pena observar que o
método de Diofante (c. 250 D.C.) para o cálculo de triplas é o mesmo método
empregado pelo matemático hindu Brahmagupta (c.625 D.C.) para construir
triângulos retângulos com lados racionais. Acredita-se que neste ponto Brahmagupta
não foi influenciado por Diofante; provavelmente deve ter tido acesso a uma tradição
antiga, talvez a mesma que Diofante acessou.
O algoritmo euclidiano é processo que se emprega para encontrar o máximo
divisor comum de dois números inteiros positivos, e é assim denominado porque é
encontrado no início do Livro VII dos Elementos de Euclides.
Porém, no Capítulo I da obra chinesa "Os Nove capítulos", quando aparece a
regra para simplificar frações da forma m/n, encontramos uma descrição deste
algoritmo. Tanto os chineses como os gregos procediam do mesmo modo: reduziam o
par de números (m,n) por subtrações alternadas até que se tornassem iguais, então
dividiam m e n pelo divisor comum resultante.
Os gregos dispunham de sistema de contagem decimal, e operavam com
frações do mesmo modo que os chineses. Tanto os gregos como os chineses usavam o
ábaco, e ordenavam grandes números de acordo com as potências de 10000. A
explicação destas similaridades parece apontar para uma origem comum entre estas
duas correntes, a chinesa e a grega.

8.2.3 Problemas célebres da antigüidade grega

Os três problemas célebres da antigüidade grega eram: a quadratura do


círculo, a trisecção do ângulo e a duplicação do cubo. Deveriam ter a solução exata e
serem resolvidos apenas com o auxílio da régua e do compasso. Somente mais de
2200 anos depois é que seria provado que são impossíveis de ser resolvidos apenas
com régua e compasso. A restrição de se empregar só régua e compasso
provavelmente ecoa uma tradição mais antiga, onde as construções se processavam
apenas mediante o emprego de estacas e cordas.
Dos problemas, os da quadratura do círculo e da duplicação do cubo
provavelmente estão associados com tradição muito mais arcaica que o terceiro. Já
nos debruçamos sobre o primeiro desses.
Encontramos no diálogo "Platonikos"de Eratóstenes uma história sobre o
problema da duplicação do cubo. De acordo com essa história, como é recontada por
Theon de Smirna em seu livro "Exposições de matérias matemáticas úteis para a
leitura de Platão", os delianos pediram ao oráculo para serem libertados de uma
115
praga. O deus Apolo respondeu pelo oráculo que eles deveriam duplicar o altar cúbico
existente, sem alterarem a sua forma. Os delianos enviaram então uma delegação a
Platão (429-348 A.C.), que os remeteu aos matemáticos Eudoxo e Helikon de
Kyzikos.
Existe outra versão, citada por Eutócio no seu comentário acerca da obra de
Arquimedes "Sobre a esfera e o cilindro" (Heath:History:244-245). Nesta, um poeta
trágico antigo narrava que o rei Minos não estava satisfeito com uma tumba erigida
para Glauco, queria duplicar o seu tamanho mas conservando a sua forma.
Como o rei Minos pertence à Grécia minóica, isso poderia significar tradição
muito mais antiga. O problema é que essa versão é citada na forma de carta de
Eratóstenes a Ptolomeu, que se sabe ser falsa, mas que, por outro lado, contém
trabalhos genuínos de Eratóstenes. Como essa citação do rei Minos não é confirmada
ou negada por qualquer outra fonte, permanece a dúvida. Em todo o caso, alguns
autores acham que essa versão provavelmente se originou de fontes fidedignas,
lembrando que a tradição também afirma que Hipócrates de Chios (c.430 A.C.)
trabalhou no problema.
Duplicar simplesmente a aresta do altar cúbico significa multiplicar o seu
volume por oito, e não por dois; portanto o problema da duplicação do cubo, ou
problema deliano, consiste nisto: dada a aresta de um cubo, construir, só com régua e
compasso, um segundo cubo com o dobro do volume do primeiro.
É notável encontrar, tanto na Grécia como na Índia, exigências rituais, onde a
forma e volume ou área de um altar eram combinadas com a idéia de sofrimentos
enviados pelos deuses, que poderiam ser evitados pela execução de construções
geométricas exatas. Isso é coerente com a tradição de construções geométricas com
celebrações rituais.
Vimos que os babilônios empregavam como incógnitas elementos geométricos
como "comprimento, largura, espessura (ou altura)"; um quadrado (potência do
segundo grau) era considerado como uma área e não hesitavam em somar grandezas
de dimensões diferentes, ao arrepio da análise dimensional: "Comprimento, largura.
Multipliquei comprimento e largura, assim obtendo a área. Depois somei a área com
o excesso do comprimento sobre a largura: (resultou) 183". (Problema-texto
babilônio antigo AO 8862).
Os gregos faziam uma distinção clara entre números e quantidades
geométricas (segmentos, áreas e volumes), nunca adicionando, por exemplo,
segmentos com áreas. Números, no entender dos gregos, eram apenas os inteiros e os
racionais da forma m/n; não admitiam a existência dos números irracionais.
Se compararmos os textos babilônios com os gregos (Euclides, Diofante) e os
árabes (Al-Kwarizmi, Omar Khayyam), podemos distinguir três tipos de álgebras:
1.- Álgebra mista: do tipo babilônico, na qual segmentos e áreas podem
ser adicionados e igualados a números.
2.- Álgebra numérica: na qual somente números racionais da forma
m/n são admitidos como coeficientes e soluções de equações (como na Arithmetika de
Diofante).
3.- Álgebra geométrica: como a de Omar Khayyam, na qual linhas,
áreas e volumes não podem ser misturados. É a álgebra grega por excelência, cujos
fundamentos estão estabelecidos pelos Elementos de Euclides, principalmente o livro
II.
Nesse último tipo de álgebra, o produto de dois segmentos a e b é um
retângulo R contido pelos dois segmentos, a.b = R. Este produto é um objeto
geométrico, não a multiplicação de dois números. Provavelmente essa álgebra
116
geométrica grega surgiu como o resultado de uma síntese entre tradições geométricas
antigas e a álgebra babilônica. Como vimos, diversos autores confirmam que
matemáticos gregos estudaram no Egito e na Babilônia, onde provavelmente
aprenderam os seu métodos algébricos.
Por que, então, transformaram estes métodos algébricos em geométricos,
como encontramos em Euclides? Uma resposta é a descoberta dos irracionais pelos
pitagóricos. Se o lado de um quadrado é considerado unitário, a sua diagonal deve
satisfazer a x 2 = 2 , equação esta que não admite raízes da forma m/n. É importante
observar que o cálculo da diagonal do quadrado é uma aplicação do teorema de
Pitágoras, que equivale a calcular a hipotenusa de um triângulo retângulo isóceles
cujo lado é 1, o que mostra que a descoberta da irracionalidade pode ser conseqüência
da aplicação deste teorema. No domínio da geometria, a equação x 2 = C , onde C é
uma área poligonal, sempre é possível de ser resolvida, pois sempre podemos
construir um quadrado de área igual a de um polígono dado.
Os gregos provavelmente combinaram duas tradições, ambas originárias do
neolítico: uma tradição de ensino por meio de problemas com soluções numéricas
(com influência babilônica), na qual papel importante era desempenhado pelas triplas
pitagóricas (e o teorema de Pitágoras), outra de construções geométricas com provas,
que presumivelmente alcançou a Grécia pelo Egito. Temos, portanto, três rotas de
transmissão prováveis: através da Babilônia, do Egito, ou através de Micenas ou Creta
(recordemos a história do rei Minos).

8.3 A matemática hindu

8.3.1 Triplas pitagóricas na Índia

Os Sulvasutras são antigos manuais hindus, nos quais encontramos instruções


detalhadas para a construção de altares, cuja forma e tamanho são dados. A palavra
Sulvasutra pode ter o seu significado interpretado como "Manual da corda" e,
realmente, os instrumentos prescritos para as construções são a estaca e a corda.
Foram colecionados entre 500 e 200 A.C., mas o seu conteúdo é muito mais antigo,
remontando talvez ao segundo milênio antes da nossa era. Algumas das construções
geométricas dos Sulvasutras já eram mencionadas no Satapatha Brâhmana, tratado
mais antigo, que se acredita ter sido composto entre 1000 e 800 A.C..
Os sutras eram, na literatura da Índia, tratados onde se reúnem, sob a forma de
breves aforismos, as regras do rito, da moral, da vida cotidiana. Existem várias escolas
de sutras, entre as quais as de Baudháyana, Apastamba e Katyáyana.
G. Bühler, em 1879, publicou uma tradução dos Dharma-Sutras da escola de
Apastamba. Estes sutras constituem a vigésima-oitava e a vigésima-nona das trinta
seções dos Kalpasutras (de Apastamba), das quais a trigésima é o Sulvasutra.
O Sulvasutra de Baudháyana contém uma passagem sobre o teorema de
Pitágoras e, logo em seguida, outra sobre triplas pitagóricas: A corda estirada na
diagonal de um oblongo [retângulo] produz ambas (áreas) as quais as cordas
formando os lados mais longo e mais curto do oblongo produzem separadamente.
[Isto é, o quadrado da diagonal é igual à soma dos quadrados dos dois lados]... Isto é
visto naqueles oblongos os lados dos quais são três e quatro, doze e cinco, quinze e
oito, sete e vinte e quatro, doze e trinta e cinco, quinze e trinta e seis.
É interessante observar que para os hindus o teorema de Pitágoras é mais um
teorema sobre retângulos que sobre triângulos. Lembremos que o tablete Plimpton
117
322 fala em "largura" e "diagonal". Também Shang Kao trabalhava com retângulos,
como vimos. Heron emprega o teorema de Pitágoras para o cálculo da diagonal de um
retângulo, antes de usá-lo para o triângulo. Alguns autores, como Cantor, não
acreditam que estas coincidências sejam acidentais. É mais um argumento para
fortalecer a hipótese da origem comum para essas correntes matemáticas.
Podemos classificar as triplas pitagóricas citadas na segunda passagem assim:

z-y=1 z-y=2 z-y=3

3,4,5 8,15,17 15,36,39

5,12,13 12,35,37

7,24,25

Podemos constatar facilmente que as triplas das duas primeiras colunas podem
ser obtidas com o auxílio das regras atribuídas a Pitágoras e a Platão. A tripla da
terceira coluna é três vezes a tripla (5,12,13). Em todas essas triplas z-y é pequeno, o
que torna o cálculo das triplas por meio de ( z + y)( z − y) = x 2 bastante fácil. Já triplas
como (20,21,29), onde z - y = 8, que não é tão pequeno, não são mencionadas.
Poderíamos perguntar se Baudhayana ou um dos seus antecessores não
poderia ter descoberto essas triplas empiricamente, medindo lados de triângulos. Por
diversas razões, isto não é provável.

Primeiro, existem mais de 1000 triângulos com lados inteiros x e y e x + y 


48. Encontrar uma tripla como (12,35,37) empiricamente significaria medir uma
quantidade considerável desses triângulos.

Segundo, o autor do Baudhayana Sulvasutra conhecia a equação z 2 − y 2 = x 2 ,


pois a usava nas suas construções de altar. Para ele seria muito fácil reescrevê-la:

z 2 − y 2 = ( z + y)( z − y) = x 2

e resolvê-la para valores pequenos de z - y mediante escolha adequada de x..


Terceiro, muito antes de Baudhayana já os babilônios computavam triplas
pitagóricas com essa fórmula, como já vimos; portanto métodos para o cálculo de
triplas pitagóricas eram empregados na Babilônia, na China, na Grécia e na Índia. O
teorema de Pitágoras também era empregado nos quatro países. Além disso, os
métodos segundo os quais as triplas eram computadas também estão intimamente
correlacionados

118
Fig. 8.1 Forma do altar básico

. O teorema de Pitágoras tem o seu emprego firmemente estabelecido entre os


engenheiros, físicos ou construtores práticos. Em compensação, estes não têm
nenhuma utilidade prática para as triplas pitagóricas.
¨Assim, se encontramos triplas pitagóricas associadas com o teorema de
Pitágoras em quatro civilizações antigas, podemos concluir que uma origem comum
da teoria inteira é altamente provável.¨ (Van der Waerden: 10). O simples fato de
encontrarmos um teorema grande e importante, como o de Pitágoras, que não é de
modo algum fácil ou evidente, em quatro grandes culturas antigas, sugere que a
melhor coisa que se tem de fazer é adotar a hipótese da dependência.

8.3.2 Geometria e ritual na Índia

O Sulvasutra descreve a construção de altares de várias formas, cada forma


dependia do ritual em particular. Havia altares quadrados, circulares e de muitas
outras formas; um, em particular, era composto de retângulos e se parecia com um
falcão, sendo conhecido como o altar em forma de falcão.

Fig. 8.2 Disposição dos Tijolos no Altar - Falcão

119
"Ele quem deseja os céus deve construir o altar-falcão; pois o falcão é quem
melhor voa entre os pássaros; assim ele (o sacrificante) próprio tendo se tornado um
falcão voa para o mundo celestial.", diz o Sulvasutra, justificando assim a forma do
altar.
Por que a forma era importante? Podemos aventar uma justificativa. "Ele quem
deseja os céus deve construir o altar-falcão". Por que? Por ação ritual, temos a
seguinte equação:

Falcão = Altar
Sacrificante = Altar

e dessa maneira temos Sacrificante = Falcão; assim ele pode voar para os céus. É
óbvio, neste ponto de vista, que se o falcão não for bem feito, não poderá voar, e o
sacrificante não irá atingir os céus. Daí a justificativa da importância da forma.
Eram, na sua maioria, compostos de cinco camadas de tijolos, que juntas
atingiam a altura do joelho. Em alguns casos dez ou quinze camadas eram prescritas,
e a altura aumentava proporcionalmente. Muitos, embora não todos, tinham uma
superfície nivelada e de acordo com a forma e a área desta eram nominados. O altar
em forma de falcão básico tinha área de 7 1/2 purushas quadradas. A palavra
"purusha" significa "homem" e era uma medida linear, equivalente a altura de um
homem com seus braços levantados para cima (c. 2,28 m) e, também, medida de área
(c. 5,2 m2).
Cada um das cinco camadas do altar védico era constituída de 200 tijolos de
várias formas. As camadas ímpares, um, três e cinco tinham o mesmo arranjo; as
pares, dois e quatro, tinham o seu. Além disso, era requerido que, exceto no contorno
do altar, a extremidade de cada tijolo não coincidisse com a do que estava embaixo.
O corpo do altar em figura de falcão geralmente era formado por quadrado de
2x2 (quatro purushas quadradas), as asas e a cauda eram formadas cada uma por
quadrado de um purusha. Para que essa forma ficasse mais parecida com um falcão,
as asas eram aumentadas de um quinto de purusha cada, e a cauda de um décimo de
purusha. Essas deveriam ser as dimensões e a forma do altar-falcão quando fosse
construído pela primeira vez.
Na segunda vez que este altar fosse construído, a sua área deveria ser
aumentada de um purusha quadrado, ou seja, ficaria com 8 1/2 purushas quadrados;
na terceira vez, outro purusha quadrado é adicionado e assim por diante, até que o
altar atingisse 101 1/2. É claro que o sacrificante está subindo uma escada,
ascendendo na hierarquia, o seu nível hierárquico determina a área ou por ela é
determinado.
Na construção de altares maiores, de 8 1/2, 9 1/2, ...., a mesma forma do altar
básico (7 1/2) deve ser mantida; para isto o problema de encontrar um quadrado de
área igual a dois quadrados dados está explicitamente envolvido, bem como o de
converter um retângulo em um quadrado. Na sua solução empregavam o teorema de
Pitágoras.
Portanto o problema básico enfrentado nos Sulvasutras era: dado um altar em
forma de falcão, com área de 7 1/2 purushas quadradas, construir um altar com
exatamente a mesma forma, tendo uma área de 8 1/2 purushas. Na sua solução
aparece o problema de construir um quadrado de área igual a de um retângulo.
Segundo Van der Waerden (p.12), este problema é resolvido pelos mesmos
dois passos que Euclides emprega nos seus Elementos Em primeiro lugar, o retângulo
120
é transformado numa diferença entre dois quadrados, e em seguida esta diferença é
igualada a um quadrado por meio do teorema de Pitágoras.
Como esta construção era conhecida pelo autor do Sataphata Brâhmana, que
viveu antes de 600 A.C., não pode ter sido influenciada pela geometria grega.
Enquanto para os gregos variava o volume, para os hindus era a área que sofria
variação; porém, em ambas as civilizações, a forma do altar deveria manter se
constante.
Os primórdios do sistema de sacrifício Védico podem ser rastreados pelo
menos até o tempo do Rig-Veda (2000-1500 A.C.). O Rig-Veda menciona não
somente o vedi, o terreno sacrificial, mas também a disposição tripartite do agni, o
altar de fogo. A descrição da disposição dos três fogos, conforme narra o Sulvasutra,
envolve a construção de linhas retas, de triângulos (de formas prescritas), de círculos e
quadrados.
O Sataphata Brâhmana indica que o aumento de área do altar, com a
manutenção da forma prescrita, deveria ser feito por meio de construções exatas:
"Ele ( o sacrificante) assim expande (a asa) de tanto quanto ele a
contrai, e assim, na verdade, ele nem excede (o seu tamanho próprio) ou (ele
nem) o faz muito pequeno."
"Aqueles que privam o agni (altar) de suas verdadeiras proporções
sofrerão o pior para sacrificar" ( Van der Waerden:13).
A idéia de que sofrimentos enviados pelos deuses poderiam ser evitados, se
uma construção exata fosse efetuada, também ocorre nos textos gregos, como tivemos
oportunidade de constatar.
Seidenberg acredita igualmente que os hindus, em alguns casos, também
dobravam o volume de seus altares para combater ou evitar pragas. Como vimos, o
altar básico era constituído de cinco camadas de tijolos, mas, em algumas ocasiões,
dez ou quinze eram requeridas. Construir um altar com dez camadas significa dobrar
o volume do de cinco. O problema é que os textos não mencionam o uso do altar de
dez camadas para isso; portanto esta tese ainda não está comprovada.

8.3.3 A circulatura do quadrado

Fig 8.3 Diagrama Para a Circulatura do Quadrado.


121
Nos Sulvasutras aparecem tanto o problema da quadratura do círculo como o
da circulatura do quadrado. Ambos tomam forma ritual: construir altar circular com a
mesma área de altar quadrado dado (e vice-versa). A solução indicada é a seguinte:
"Em um quadrado ABCD, seja M a intersecção das diagonais. Desenhe o círculo com
M como o centro e MA como o raio; seja ME um raio perpendicular a AD que corta
AD em G. Seja GN = 1/3 GE. Então MN é o raio de um círculo com área igual ao
quadrado ABCD." Esta construção implica em tomar-se

2
 2 − 1
2
 6 
 1 +  = 4 ou =  = 3,088...
 3   2+ 2

Os Sulvasutras consideravam uma área quadrada de 7 1/2 purushas como


básica, para então procurarem construir um altar circular de área equivalente. Como
não partiam de altar circular para então construírem um quadrado, o problema da
quadratura do círculo é considerado ou acréscimo tardio ou interpolação no texto dos
Sulvasutras, embora não se conheça a data em que isto possa ter acontecido.
Na matemática hindu reencontramos a tradição dos problemas gregos da
duplicação do cubo e da quadratura do círculo. Estão, porém, vinculados a tradição
mais antiga que a grega, donde concluímos que esta não pode ser transcrição da
grega; portanto uma origem comum para as duas parece provável, como afirma a
hipótese de Van der Waerden - Seidenberg.

122
CAPÍTULO IX

CONCLUSÕES

"Há quem passe pelo bosque e só


veja lenha para fogueira. "

Léon Tolstoi

9.1 O papel das triplas pitagóricas

Como já foi comentado, as triplas pitagóricas parecem ter desempenhado


papel fundamental dentro da tradição neolítica. Qual seria o fundamento da atração
que parecem ter exercido? Hoje não passam de meras curiosidades dentro da teoria
dos números. Os engenheiros, os físicos ou qualquer artesão prático não têm
necessidade delas, nas suas atividades diárias, tanto em nossos dias como
antigamente. O teorema de Pitágoras, pelo contrário, superabunda de aplicações
práticas.
Van der Waerden propõe uma explicação: acredita que elas eram empregadas
para a construção de problemas matemáticos com soluções racionais. Admite ter
existido uma tradição de ensino da matemática por meio de bem escolhidas
seqüências de problemas com soluções, que se originou no Neolítico e se espalhou
pelo mundo. Concordamos com essa hipótese e tradição, que se nos afigura um fato,
mas a preocupação com triplas de números (triplas pitagóricas), triângulos retângulos
(teorema de Pitágoras) nos parece muito anterior a essa tradição no ensino da
matemática. Parece estar no âmago das tradições do povo responsável por essas
descobertas. Triplas de números ou triângulos retângulos, em última análise, não
deixam de ser instâncias do número três. O povo criador dessa tradição parece ter tido
uma especial deferência pelo número três e suas instâncias.
Admitindo como correta a hipótese de Van der Waerden sobre a identidade
desse povo, isto é, os indo-europeus, procuramos, dentro das suas tradições, algo que
indicasse uma especial consideração pelo número três. Para nossa surpresa, a
tripartição permeia as tradições indo-européias. A sua sociedade era tripartida:
compreendia as castas, isto é, as funções sociais dos sacerdotes, dos guerreiros e dos
pastores-agricultores. Como exemplos, entre muitos outros, podemos citar: em Roma,
flâmines, mílites e quírites; na Grécia, sacerdotes e magistrados, guerreiros e
trabalhadores-artesãos; na Índia, brâmanes, ksatriyas, e vaysia; na Gália, druidas,
équites, e plebes.
Esta divisão social também encontra paralelos ou raízes na sua mitologia e
religião. Na Roma antiga, os principais deuses, flâmines maiores, eram Júpiter, Marte
e Quirinus; na Índia, Mitra-Varuna, Indra e os gêmeos Nasatya.
Os trabalhos de Georges Dumézil, desde a década de 20, estabeleceram os
aspectos da trifuncionalidade dentro do pensamento indo-europeu de maneira hoje
considerada pelos especialistas como incontestável. Este pensamento trifuncional foi
encontrado, desde 1938 até os nossos dias, em extraordinário número de domínios
tradicionais: não apenas mitológicos e religiosos, mas também institucionais,
123
jurídicos, literários, protocientíficos (medicina, etnologia, etc.). Aos poucos se foi
verificando que a trifuncionalidade era uma concepção do mundo, verdadeira
Weltanschauung, um sistema analítico que constitui tentativa de interpretação do
conjunto total de conhecimentos humanos, comparável talvez ao sistema do Yin e
Yang chinês.
Assim, instâncias do número três constituem uma das bases do pensamento
indo-europeu. Não seria surpresa se também dentro da matemática dedicassem
especial atenção a triplas de números, a figuras geométricas com três lados, etc.,
procurando, como é o seu objetivo, relações entre esses elementos. Uma relação
importante, como é o caso das triplas pitagóricas ou do teorema de Pitágoras,
mereceria especial respeito e veneração por parte dos indo-europeus.
Isto explicaria o notável papel desempenhado pelas triplas e pelo teorema de
Pitágoras dentro da tradição imaginada por Van der Waerden. Reforça, igualmente, a
sua tese de que os indo-europeus são os responsáveis por essa tradição.

9.2 Conteúdo da tradição oral neolítica

Jerold Mathews, da Universidade de Iowa, em seu trabalho "A Neolithic Oral


Tradition for the Van der Waerden-Seidenberg Origin of Mathematics", de 1985,
procura apresentar o que poderia ter sido o conteúdo da geometria dessa tradição.
Tenta evitar, no seu trabalho o emprego de simbolismo algébrico, observando
que este não seria apropriado em uma tradição oral. Uma tradição oral empregaria
palavras como hipotenusa, diagonal, perna (lado) menor, lado,...., ou simplesmente
apontaria para a linha em exame em um diagrama ou modelo. Fatos como a diferença
entre dois quadrados z 2 − y 2 = ( z − y)( z + y) seriam explicados por diagramas
geométricos.
O núcleo que reconstituiu da tradição oral corresponde a praticamente todo o
Livro II dos Elementos de Euclides, juntamente com uma ou duas proposições do
Livro I. O trabalho de Euclides, nestes livros, ao que parece, teria sido de axiomatizar
toda uma tradição oral antiga, dando-lhe tratamento formal. A tabela seguinte indica
as correspondências entre as proposições que Mathews atribule à tradição oral,
indicadas como o núcleo antigo, e as dos Elementos de Euclides:

Núcleo Antigo Euclides


1 I.1 EII.1
2 I.2 EI.43
3 I.3 EI.43
4 II.1A EII.4, EII.7
5 II.1B EII.6
6 II.2 EII.8
7 II.3 EII.9, EII.10
8 II.4 EII.6, EII.14
9 III.1 EI.47

Às oito proposições assinaladas Mathews acrescentou o teorema de Pitágoras


(Euclides Livro I - Proposição 47 = EI.47 : é a proposição III.1 do núcleo antigo de
Mathews).
124
Para testar se esse núcleo escolhido era consistente, verificou a sua aplicação
nos 24 problemas do Capítulo 9 do Chiu Chang (Os Nove capítulos). Notou que os
problemas estão agrupados e, dentro de cada grupo, tendem a se tornar mais
complexos, algumas vezes combinando num problema particularidades de vários
problemas. A extrema brevidade do texto provavelmente era devida ao costume de
ensinamento oral por matemáticos qualificados. A tabela seguinte apresenta a
aplicação das proposições do núcleo antigo nas soluções destes problemas:

Núcleo Antigo Categoria


1 III.1 Puramente geométrico/aritmético
2 III.1 Puramente geométrico/aritmético
3 III.1 Puramente geométrico/aritmético
4 III.1 Serrar tábua de uma tora
5 III.1 Problema da vinha
6 III.1 & II.1A Junco no açude
7 III.1 & II1.B Junco no açude
8 III.1 & II1.B Viga apoiada no muro
9 III.1 & II1.B Cortando uma tora
10 III.1 & II1.B Problema da porta
11 III.1 & II.3 Problema da porta
12 III.1 & II.3 Problema da porta
13 III.1 & II.4 Bambu quebrado
14 III.1 & II.4 Velocidades
15 III.1 & I.1 Problema de inscrição
16 III.1 & I.1 Problema de inscrição
17 I.2 Problema de cidade
18 I.2 Problema de cidade
19 I.2 Problema de cidade
20 I.3 & II.4 Problema de cidade
21 III.1 & I.3 & II.4 Problema de cidade & velocidades
22 I.2 Problema de objeto remoto
23 I.3 Problema de objeto remoto
24 I.2 Problema de objeto remoto

Conclui que o núcleo proposto se adapta bastante bem aos problemas chineses
e aos Elementos de Euclides. A adequação desse núcleo ao corpo babilônico não foi
estudada no trabalho citado.

9.3 A escola suméria

Neste ponto, faremos um parêntese na nossa narrativa, para falarmos um


pouco do ensino, especialmente da matemática. Nada sabemos, com certeza, sobre o
ensino desta disciplina (bem como de qualquer outra) na pré-história, além de
conjecturas e analogias. Já vimos que, nessa época deve ter existido uma tradição de
125
ensino da matemática mediante uma seqüência de exercícios-padrões, escolhidos de
modo que apresentassem soluções racionais.
Os sumérios são conhecidos como os pioneiros da escrita. Como seria a
aprendizagem no seu tempo, onde surgiria a primeira escola com ensino por escrito?
Já por volta de 3000 A.C. alguns escribas pensavam em termos de aprendizagem, pois
em Erech, além de centenas de placas com registros administrativos, encontraram-se
outras com listas de palavras para fins de estudo e prática. Na antiga Shurupak foram
desenterrados vários "compêndios" escolares, datados de cerca de 2500 A.C., os quais
contêm listas de deuses, animais, artefatos, etc.
Todavia, nenhuma dessas placas da época mais remota menciona diretamente
o sistema escolar sumério, nem sua organização ou métodos de ensino. Para esse tipo
de informação, torna-se necessário ir à primeira metade do segundo milênio A.C.
Desse período posterior, foram descobertas centenas de tabletes de "exercícios",
cobertos com as primeiras garatujas até os elegantes sinais do estudante avançado.
Denominava-se a escola suméria de "edubba", a "casa das tábuas". No seu
interior floresciam sábios e eruditos versados em todas as formas de conhecimento
correntes, tanto de ordem teológica como matemática, botânica, zoológica,
mineralógica, geográfica, gramatical ou lingüística. Do mesmo modo que muitos
professores universitários hoje, a maioria desses antigos eruditos dependiam dos seus
salários de professores para sobreviverem, e consagravam o seu ócio à investigação e
ao trabalho escrito.
A escola suméria que, provavelmente, começou como uma dependência do
templo, evoluiu, tornando-se instituição secular. Os professores eram pagos, tanto
quanto se sabe, com gratificações recebidas dos estudantes. A educação não era
universal nem obrigatória. A maioria dos estudantes provinha de famílias abastadas,
os pobres dificilmente tinham condições de arcar com as despesas e o desperdício de
tempo que a educação prolongada exigia.
O baluarte da escola suméria era o "ummia", o "professor", o "perito", que
também era conhecido como o "pai da escola". Os alunos eram os "filhos da escola".
O professor assistente era o "irmão grande", encarregado de escrever novas tábuas
para os alunos copiarem e de ouvi-los recitar de cor o que tinham estudado. Existiam
monitores responsáveis pelo controle da freqüência e da disciplina, muito
sugestivamente denominados de "encarregados do chicote". Outros membros da
instituição eram o "encarregado do sumério" e o "encarregado do desenho".
O curriculum da escola suméria compreendia duas seções: a primeira, que
pode ser definida como escolar e semicientífica, e a segunda, que pode ser
considerada como literária e criadora.
O principal objetivo da escola era ensinar a escrever a língua suméria. Para
isto inventaram um sistema em que as palavras eram divididas em classes, ou grupos
de palavras e expressões relacionadas, formando listas, que os estudantes eram
obrigados a decorar e copiar até conseguirem reproduzi-las sem hesitação. Essas listas
compiladas mostram um conjunto de conhecimentos de várias ciências, como
botânica, zoologia, mineralogia, etc., que só agora começa a ser devidamente
apreciado.
Elaboravam dicionários, como o sumério-acádico (semita), talvez o mais velho
dicionário de que se tem conhecimento. Os professores sumérios preparavam
igualmente diversas tábuas matemáticas, bem como tabletes com numerosos
problemas, normalmente acompanhados da sua solução.
O ensino na escola suméria, embora não fosse progressivo, era até certo ponto
orientado pedagogicamente. O neófito principiava com exercícios silábicos bastante
126
elementares, seguindo-se o estudo e prática de uma lista de sinais (de cerca de
novecentas entradas !), que fornecia sinais simples e a sua pronúncia. Após isto
vinham listas com centenas de palavras que, por uma razão qualquer, deviam ser
escritas não com um mas por um grupo de dois ou mais sinais. Em seguida vinham as
compilações, com milhares de palavras, ordenadas segundo o significado.
Existiam listas de animais (selvagens e domésticos), pássaros e peixes, plantas,
pedras, estrelas, objetos (de madeira, cana, pele, metal, etc.), vários tipos de cerâmica,
vestuários, alimentos, bebidas. Outras continham expressões jurídicas, profissões
(mais de oitocentas !), topônimos, relações de parentesco, etc. Só depois que o
estudante estivesse familiarizado com a escrita dos vocábulos compostos é que
começava a copiar e decorar pequenas frases, provérbios e fábulas, bem como
coleções de contratos-modelos, muito úteis na sua vida prática de escriba.
Paralelamente a esse treino lingüístico o estudante recebia noções de
matemática, sob a forma do estudo e cópia de tabelas metrológicas, com a
equivalência das medidas de capacidade, comprimento e peso, assim como tabelas de
multiplicação e de recíprocos, para fins de cálculo. Posteriormente o estudante devia
resolver problemas práticos, que envolviam cálculo de salários, abertura de canais e
trabalhos de construção. Era um currículum orientado para as necessidades habituais
da sua profissão.
Que os sumérios eram plenamente cônscios do papel da escola, podemos
constatar na adivinhação seguinte, exumada em Ur por Cyril Gadd, do Museu
Britânico:
( Qual é a coisa que é ?)
Uma casa que como o céu tem um arado.
Que como uma chaleira de cobre está coberta de tecido,
Que como o ganso se apoia numa base,
Ele cujos olhos não estão abertos entra nela,
Ele cujos olhos estão (totalmente) abertos sai dela ?

As três primeiras linhas são obscuras, mas as duas últimas nos fornecem
sucintamente a finalidade da escola: transformar o homem inculto e ignorante num
homem de estudo e saber.
Pela manhã, quando na sua chegada à aula, o aluno estudava o tablete que
preparara na véspera. A seguir, o "grande irmão" (o professor assistente) preparava
nova placa, que o estudante devia copiar e estudar. A seguir o "grande irmão" e o "pai
da escola" provavelmente examinavam as cópias para verificar se estavam corretas.
O ensaio denominado "Os Tempos da Escola", composto por volta de 2000
A.C., nos fornece vívida descrição da vida escolar naqueles tempos. Mostra que a
natureza humana e a vida de estudante pouco mudaram no transcorrer destes quatro
mil anos, constituindo um dos mais humanos documentos descobertos no Oriente
Médio. Começa com o professor-autor perguntando ao aluno o que tem feito na
escola:
Recitei a minha tábua, almocei, preparei a minha nova tábua, escrevi-
a, terminei-a; depois apresentaram-me as tábuas de recitação; e à tarde
trouxeram-me as minhas tábuas de exercícios. No fim da aula, fui para a casa
e encontrei o meu pai. Expliquei (?) as minhas tábuas de exercícios ao meu
pai, recitei-lhe a minha tábua e ele ficou deliciado, pois enchi-o de alegria.
O autor faz agora o estudante dirigir-se aos criados (evidentemente tratava-se
de uma casa abastada):
127
Tenho sede, dá-me água para beber; tenho fome, dá-me pão para comer;
lava-me os pés, faz-me a cama que quero ir-me deitar. Acorda-me de manhã
bem cedo para não chegar tarde senão o professor bater-me-á com a cana.
O que ainda é a rotina diária da vida de estudante. Continua:
Quando me levantei de manhãzinha, encarei a minha mãe e disse-lhe:
"Dê-me o meu almoço, quero ir para a escola ! " A minha mãe deu-me dois
pãezinhos e fui para a escola. Na escola o vigilante encarregado de verificar
a pontualidade disse: "Por que chegaste atrasado?" Temeroso e com o
coração a bater, apresentei-me ao professor e fiz-lhe uma vênia respeitosa.
Mesmo assim não foi um bom dia para o nosso estudante, como se recorda
nostalgicamente:
O meu professor leu a minha tábua, disse:
"Falta aqui qualquer coisa, bateu-me com a cana.
(seguem-se duas linhas inintelígiveis)
O vigilante encarregado da limpeza disse:
"Andaste na rua e não arranjaste (?) as tuas roupas (?)",
bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado da assembléia (?) disse:
"Por que falaste sem autorização", bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado do bom comportamento disse:
"Por que te levantaste sem autorização", bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado do portão disse:
"Por que saíste sem autorização", bateu-me com a cana.
O vigilante encarregado do (idioma) sumérico disse:
"Por que não falaste sumério", bateu-me com a cana.
O meu professor (ummia) disse:
"A tua ortografia não é satisfatória", bateu-me com a cana.
A única diferença com os tempos modernos talvez seja a ausência da cana. É
óbvio que passou a detestar a escola:
( E assim ) eu ( comecei) a odiar a arte do escriba ( e comecei a)
negligenciar a arte do escriba. O meu professor não sentiu nenhum prazer
comigo; deixou de me preparar nos assuntos (essenciais ) à arte (de ser) um
"jovem escriba" ou à arte de ser um "grande irmão".
O aluno, desesperado, diz ao pai:
Dá-lhe algum salário suplementar (e) que ele fique mais bondoso (?);
deixa-o ficar ( durante algum tempo) livre da aritmética (?); ( quando)
verifica os trabalhos dos estudantes, que me corrija ( também a mim, isto é,
que não continue sem me ligar importância).
Deste ponto em diante é o próprio autor que descreve os acontecimentos,
como se deles tivesse participado:
Àquilo que o aluno disse o pai prestou atenção. Convidou o professor
e, quando este entrou na casa, fizeram-no sentar na "cadeira grande". O
estudante rodeou-o de atenções e serviu-o, e tudo o que sabia da arte do
escriba expôs ao pai. Então, o pai, de coração jubiloso, disse ao professor da
escola: "O meu rapaz abriu a mão e tu fizeste com que o saber lá entrasse;
mostraste-lhe todos os aspectos delicados da arte de escriba; fizeste-lhe ver as
soluções dos problemas de matemática e de aritmética, ensinaste-o a
aprofundar (?) a escrita cuneiforme (?).
O autor passa a palavra ao pai, que fala para a criadagem:
128
Deitem-lhe óleo "irda", tragam-no para a mesa. Façam com que o
óleo corra como água sobre o seu ventre e costas; quero que o vistam com
uma roupa, lhe dêem algum salário extra, lhe ponham um anel no dedo.
Cumpridas as tarefas, o professor diz ao estudante:
Jovem, (porque) não desprezaste minhas palavras completarás a arte
de escriba desde o princípio até o fim. Porque me deste tudo sem poupar, me
pagaste um salário maior do que mereço (e) me honraste, que Nidaba, a
rainha dos anjos da guarda, seja teu anjo da guarda; que o teu estilete afiado
escreva bem; que os teus exercícios não tenham erros, (...)
É um estudo da natureza humana, com quatro mil anos de idade. É difícil
decidir apenas a partir deste ensaio se os pedagogos eram sádicos ou os alunos
desordeiros e grosseirões. É mais provável que, pelo menos em parte, o último caso
seja verdadeiro, pois temos exemplos do comportamento nada exemplar dos alunos
em outros ensaios.

9.4 Conclusões

Iremos, agora, sintetizar algumas das evidências apresentadas nos capítulos


anteriores.
Inicialmente, estudamos os métodos para a construção de triplas pitagóricas,
constatando que o método grego e o chinês eram equivalentes.
No capítulo destinado à matemática babilônica, vimos que essa civilização
conhecia como calcular triplas pitagóricas, isto já no início do segundo milênio antes
da nossa era. Operavam com triplas como (6480, 4961,8161) ou mesmo (13500,
12709, 18541), absolutamente impossíveis de serem encontradas por processos
empíricos, como verificamos no estudo do tablete Plimpton 322.
Posteriormente analisamos a matemática chinesa, mostrando sua habilidade na
resolução de problemas sobre triângulos retângulos, quase todos envolvendo em sua
solução triplas pitagóricas, de modo que proporcionassem soluções racionais.
Logo em seguida comparamos a matemática chinesa e a babilônica, para
mostrar os seus pontos de semelhança, o que nos permite inferir uma origem comum.
Estudamos, na seqüência, a matemática egípcia, grega e hindu. Examinamos
as semelhanças entre a matemáticas grega e hindu, ambas influenciadas por geometria
ritual antepassada. Quanto à matemática egípcia, embora ainda haja algumas questões
abertas, provavelmente também remontaria à corrente antepassada comum.
Vimos que métodos para o cômputo de triplas pitagóricas eram conhecidos,
em datas muito remotas, na Babilônia, na Grécia, na Índia e na China. O teorema de
Pitágoras também era conhecido nessas quatro civilizações. Os métodos para o
cálculo das triplas também eram fortemente correlacionados: provavelmente todos
começaram com
x = ab

y = (a 2 − b 2 )
1
2
z = (a 2 + b 2 )
1
2

equações estas que se originaram da identidade

129
(z − y)(z + y) = z 2 − y2 = x 2 .
Com o conhecimento do teorema de Pitágoras é possível calcular triplas
pitagóricas, porém elas podem ser calculadas sem se conhecer esse teorema. Os
nossos engenheiros, físicos e artesãos têm muitas oportunidades de empregar o
teorema de Pitágoras nas suas profissões. Já o mesmo não pode ser dito das triplas
pitagóricas. Encontrar, portanto, triplas pitagóricas associadas ao teorema de
Pitágoras em quatro civilizações antigas é algo verdadeiramente extraordinário, o
que nos permite concluir que uma origem comum é altamente provável.
Um ponto de vista enganoso, embora extraordinariamente difundido, é que os
vários povos da terra percorreram o seu caminho até onde estão agora completamente
sem cultura e lá, sem comunicação mesmo com os vizinhos, construíram a cultura que
atualmente possuem.
Em ciência, as descobertas simultâneas e independentes são extremamente
raras. Na matemática, a descoberta das geometrias não-euclidianas por Gauss, Bolyai
e Lobatchevski e a invenção do calculo por Newton e Leibniz, constituem exemplos
praticamente únicos. Além disso, todos eles dispunham de meios de comunicação e de
informação inexistentes na antigüidade, conheciam o trabalho dos seus precursores, e
habitavam uma região geográfica bastante restrita.
Quando um teorema realmente importante, como o teorema de Pitágoras, que
não é óbvio, evidente ou fácil, é conhecido em diversos países, amplamente
distanciados geograficamente, o melhor que podemos fazer é adotar a hipótese da
dependência. Se admitirmos isso como hipótese de trabalho, então os "elos perdidos"
começam a se tornar aparentes. As similaridades começam a se evidenciar e
principiamos a perceber as imbricações entre as civilizações.
Ao que parece, uma fonte comum desta tradição se situava algures na pré-
história, na sua acepção indicada, isto é, antes da invenção da escrita, no neolítico. Tal
fonte comum, transmitida oralmente, assentava em teoria matemática consistente, em
que o teorema de Pitágoras desempenhava papel fundamental.
Podemos, também, identificar duas correntes principais de transmissão dessa
fonte. A primeira era caracterizada por conjuntos de problemas com solução. É
identificada nos textos-problemas chineses e babilônios, bem como nos papiros
egípcios do Médio Império. A segunda corrente, provavelmente transmitida apenas
oralmente, pode ser constatada em construções geométricas, com aplicações rituais.
Encontramos traços dessa tradição nos hindus, nos gregos, nos estiradores de corda
egípcios e, talvez, nos construtores megalíticos.
Na primeira corrente, as triplas pitagóricas aparecem com um destaque
inusitado. Qual seria a razão disto ? Vimos que a corrente está representada nos textos
babilônicos e chineses, e que os textos chineses são os que parecem refletir melhor
essa tradição. O Capítulo 9 dos “Nove capítulos consiste em uma seqüência de
problemas sobre triângulos retângulos, todos com solução. Nesses problemas são
dados dois números e pede-se um terceiro, por exemplo um lado e a soma de dois
outros. Algumas vezes a solução pode ser encontrada com operações elementares,
outras vezes a extração da raiz quadrada é necessária. Em todos os problemas os
números são escolhidos de modo que a extração da raiz quadrada fornecesse número
racional. Para que os seus triângulos tivessem lados racionais, o autor tinha de saber
como obter triplas pitagóricas.
Portanto deve ter existido no neolítico uma tradição de ensino de problemas
de matemática por meio de seqüências de exercícios-padrões bem escolhidos, com
soluções racionais, que se espalhou pela Babilônia, pela Grécia, pelo Egito e China.
130
Essa tradição é, assim, a mais antiga manifestação de didática do ensino da
matemática de que se tem conhecimento, por ter-se originado antes mesmo da escrita,
transmitida que foi por via oral.
O que é particularmente impressionante é que até hoje o ensino da matemática
se processa mediante conjuntos de problemas escolhidos para terem soluções
racionais, o que mostra que, desde a pré-história, os professores de matemática se
preocupam com os aspectos psicológicos de ensino da matemática, evitando
problemas que conduzam a cálculos enfadonhos e que desestimulem os alunos a
aprendê-la. .
A nossa exposição pode parecer estranha e pouco ao gosto do matemático
profissional. Este com certeza censurará o grande número de "talvez", "é provável",
"pode ser" e outras expressões igualmente dúbias que permeiam o texto. Está
acostumado a andar em terreno firme, a construir argumentações de bases sólidas;
porém, quando se trata da pré-história, não existe outra maneira de proceder,
porquanto, na ausência de evidências escritas, só podemos esperar comprovações
indiretas ou parciais, nunca documentais. Para nos aventurarmos na pré-história
precisamos primeiro aprender a caminhar sobre pisos movediços e pantanosos.
O nosso relato é apenas parcial, existem na História da Matemática outros
pontos que evidenciam contatos entre as civilizações, como por exemplo os
algoritmos para o cálculo de raízes quadradas ou cúbicas, a construção de quadrados
mágicos, a solução das equações (e sistemas) lineares, a solução de equações
quadráticas, etc., porém a sua história não é tão conhecida como a do teorema de
Pitágoras e das triplas pitagóricas.
Muito trabalho resta. A importância da agricultura no desenvolvimento da
matemática neolítica ainda não foi suficientemente avaliada. Além disso,
comprovações provenientes de outras ciências (botânica, medicina, etc.) podem vir a
auxiliar na confirmação do núcleo desta hipótese, pois, com certeza, esta fonte
neolítica original não influenciou unicamente a matemática. Para encerrarmos, cabe
recordar que a Hipótese de Van der Waerden-Seidenberg ainda é hipótese de trabalho;
necessita, portanto, de confirmações posteriores; porém esse conjunto de evidências
vem-se mostrando cada vez mais coerente, bem como novas comprovações se vêm
agregando paulatinamente, o que nos permite acalentar a expectativa de que esta
conjectura, arquitetada por Van der Waerden, brevemente deixe de ser simplesmente
hipótese.

131
132
ANEXO I

Exemplo do cálculo da distância genética

A freqüência dos genes relativos aos grupos sangüíneos A,B e O foi levantada
em vários povo do mundo. Se nós distinguirmos entre quatro alelos A1 , A2 , B, O, as
seguintes freqüências relativas foram listadas (Cavalli-Sforza, L.L.;Edwards, A.W.F.:
Phylogenetic Analysis. Models and Estimation Procedures. Amer. J. Hum. Genet. 19,
233-257 (1967); apud Bastchlet, p. 509) :

Alelo Esquimó Bantu Inglês Coreano


f1i f2i f3i f4i

A1 0,2914 0,1034 0,2090 0,2208


A2 0,0000 0,0866 0,0696 0,0000
B 0,0316 0,1200 0,0696 0,2069
O 0,6770 0,6900 0,6602 0,5723

total 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000

O problema consiste em definir o que é distância genética, a fim de podermos


indicar o grau de afinidade entre estes povos. Um método, que emprega álgebra
vetorial, foi proposto por Cavalli-Sforza e Edwards, em 1967. Primeiramente,
consideramos cada população um vetor unitário (versor), isto é, o vetor cujo módulo é
igual a 1. Para isto, tomaremos a raiz quadrada de cada freqüência, ou seja :

x ki = f ki

Como
4

f
i=1
ki =1

Temos, para cada uma das quatro populações


4

x
i =1
2
ki =1

o que acarreta que cada um dos vetores seguintes é vetor unitário (  ak  = 1 ) :

133
 x 11   x 21   x 31   x 41 
       
x 12 x 22 x 32 x 42
a 1 =   a 2 =   a 3 =   a 4 =  
x 13 x 23 x 33 x 43
       
 x 14   x 24   x 34   x 44 
Esquimó Bantu Ingleses Coreanos

Cada uma destas matrizes-colunas representa ponto ou vetor num espaço


quadridimensional. Estes vetores, neste espaço, estão situados numa hiper-esfera de
raio unitário.
É plausível estabelecer correspondência entre o ângulo formado por estes
vetores e a distância genética entre as populações. Se nós representarmos por  o
ângulo formado entre os vetores a1 (esquimó) e a2 (bantu) , então, como

a1 . a2 =  a1   a2  . cos 

podemos obter : cos  = a1 . a2 , pois  ak  = 1.

Calculando os valores numéricos obtemos:

 0,5398  0,3216  0,4572  0,4699


       
 0, 0000  0, 2943  0,2638  0,0000
a1 =  a2 =  a3 =  a4 = 
0,1778 0,3464 0,2474 0,4549
       
 0,8228  0,8307  0,8125  0,7565

Esquimó Bantu Inglês Coreano

cos  = 0,5398).(0,3216) + (0,0000).(0,2943) + (0,1778).(0,3464) + (0,8228).(0,8307)


= 0,9187, de onde se obtém  = 23,2. No artigo original os valores dos ângulos são
divididos por 90 para se obter valores decimais adimensionais, desse modo 23,2
corresponderia a 0,2578 .
As distâncias assim obtidas estão discriminadas na seguinte tabela:

Esquimó Bantu Inglês Coreano


Esquimó 0 23,2 16,4 16,8
Bantu 23,2 0 9,8 20,4
Inglês 16,4 9,8 0 19,6
Coreano 16,8. 20,4 19,6 0

Como podemos observar, a maior distância genética entre diferentes


populações estudadas ocorre entre os esquimós e os bantus, a menor entre os ingleses
e os bantus.

134
ANEXO II

LÍNGUAS CENTUM

Grego Itálico Céltico Germânico Tocariano


Latim Irlandês Gótico
1 heis, mia, hén unus, -a, -um oin ains sas, sam
2 dýo duo, -ae, -a da twa wu, we
3 treis, tria três, tria tri preis, pria tre, tri
4 téttares, -a quattuor cethir fidwor stwar
5 pénte quinque coic fimf pan
6 héx sex se saíhs sak
7 heptá septem secht sibun spät
8 okto octo ocht ahtaú okät
9 ennea novem noi niun nu
10 déka decem deich taíhun sak
20 eikosi vi-ginti fiche twai-tigjus wiki
30 triá-kontá tri-ginta tricha preis-tigjus tary-ak
40 tettará-kontá quadra-ginta cethorcha fidwor-tigjus stawar-ak
50 penté-kontá quinqua-ginta coica fimf-tigjus pñ-ak
60 hexé-kontá sexa-ginta sesca saihs-tigjus säksäk
70 hebdomé-kontá septua-ginta sechtmogo sibunt-ehund säpt-uk
80 ogdoe-kontá octo-ginta ochtmoga ahtaút-ehund okt-uk
90 emené-kontá nona-ginta nocha niunt-ehund ñm-uk
100 hekatón centum cet taihund-ehund känt
200 dia-kósioi, -ai du-centi, -ae da-cet twa-hunda we-känt
300 tria-kósioi tre-centi tri-cet prija-hunda tri-känt
500 penta-kósioi quin-genti coic-cet fimf-hunda päñ-känt
800 okta-kósioi octin-genti ocht-cet ahtaú-hunda okät-känt
1000 chillioi, -ai, -a mille mile pusundi wälts
2000 dis-chillioi duo-milia we-wälts
3000 tris-chillioi tri-millia tre-wälts
10000 myrioi, -ai, -a decem-milia tmam

135
LÍNGUAS SATEM

Indo Eslavo Báltico


Sânscrito Eslavo Lituano Indo-Europeu
Eclesiástico Básico
Antigo
1 ekab, eka jedinu, -a, -o vienas oi-nos, oi-qos
sems, sem, semi
2 dvi, dve dva, dve du, dvi duuo, duo
3 trayah, tisrah trije trys trejes, trie
4 catvarah, catasrah cetyre keturi quetuor (es)
5 panca petj penki penque
6 sas sestj sesi sueks, seks
7 sapta sedmj septyni septem
8 asta, astau osmj astuoni oktou
9 nava devetj devyni neun, eneuen
10 dasa desejt desimt dekm, dekmt
20 vim-satih dva-deseti dvi-deszimt
30 trim-sat tri--deseti trys-deszimt
40 catvarim-sat cetyri-deseti ketures-deszimt
50 panca-sat petj-desetj penkes-deszimt
60 sas-tih sestj-desejt seses-deszimt
70 sapta-tih sestj-desejt septynes-deszimt
80 asi-tih osmj-desejt astuones-deszimt
90 nava-tih devetj-desejt devynes-deszimt
100 satam suto simtas kmton
200 dvi-satam dve-ste du-simtu
300 tri-satam tri-sta trys-simtai
500 panca-satam petj-sutj penkj-simtai
800 astau-satam osmj-sutj astuoni-simtai
1000 sahasram tysesta tukstantys sm-gheslo-m

LÍNGUAS ROMÂNICAS

136
Italiano Francês Espanhol Rumeno

1 uno, una un, une uno, una uno


2 due deux dos doi, dua
3 tre trois três trei
4 quattro quatre cuatro patru
5 cinque cinq cinco cinci
6 sei six seis sase
7 sette sept siete sapte
8 otto huit ocho opt
9 nove neuf nueve noua
10 dieci dix diez zece (<diece)
11 un-dici on-ze on-ce un spre zece
12 do-dici dou-ze do-ce doi spre zece
13 tre-dici trei-ze tre-ce trei spre zece
14 quattor- quator-ze cator-ce patru spre
dici zece
15 quin-dici quin-ze quin-ce cinci spre
zece
16 se-dici sei-ze diez-y-seis sase spre zece
17 dicia-sette dix-sept diez-y-siete sapte spre
zece
18 dici-otto diz-huit diez-y- opt spre zece
nueve
19 dicia-nove diz-neuf diea-y- noua spre
nueve zece
20 venti vingt veinte douazeci
30 trenta trente treinta trei-zeci
40 quaranta quarante cuar-enta patru-zeci
50 cinquanta cinquante cincu-enta cinci-zeci
60 sessanta soixante ses-enta sase-zeci
70 settanta soixante-dix set-enta sapte-zeci
80 ottanta quatre-vingts och-enta opt-zeci
90 novanta quatre-vingt-dix nov-enta noua-zeci
100 cento cent ciento o suta
1000 mille mil mil o mie
2000 due mila deux mils dos mil doua mii

Obs. : adaptado de Menninger, Number Words and Number Simbols.

LÍNGUAS CÉLTICAS

137
Irlandês Galês Córnico Bretão

1 oin un un eun
2 da dau dow diou
3 tri tri tri tri
4 cethir petwar peswar pevar
5 colc pimp pymp pemp
6 se chwe whe chouech
7 secht seith seyth seiz
8 ocht wyht eath eiz
9 noi naw naw nao
10 deich dec, deg dek dek
11 oin deec un ar dec ednack unneck
12 da deec dour ar dec dewthek daou-zek
13 tri deec tri ar dec trethek tri-zek
14 cethir deec petwar ar dec puzwarthak pevar-zek
15 coic deec hymthek pymthek pem-zek
16 se-deec un ar bymthek whettak choue-zek
17 secht-deec dou ar bymthek seitag seit-zek
18 ocht-deec deu naw eatag tri-(ch)ouech
19 noi-deec pedwar ar nawnzack naou-zek
bymthek
20 fiche ugeint ugans ugent
30 deich ar fiche dec ar ugeint dek warn ugans tregont
40 da fiche de-ugeint deu ugens daou ugent
50 deich ar da fiche dec ar de-ugeint hanter-cans hanter-kant
60 tri fiche tri ugeint try ugens tri ugent
70 deich ar tri fiche dec ar tri-ug dek warn try ugens dek ha tri ugent
80 ceithri fiche pedwar-ugeint peswar ugens pevar ugent
90 deich ar ceithri dec ar pedwar-u dekwarn peswar dek ha pevar
fiche ugens ugent
100 cet cant cans kant
1000 mile mil myl mil

138
LINGÜAS GERMÂNICAS

GERMÂNICAS OCIDENTAIS GERMÂNICAS GERMÂNIC


SETENTRION AS
AIS ORIENTAIS

Anglo-Saxão Saxão Antigo Nórdico Antigo Gótico


1 an en einn ains
2 twegen,twa twene, two,twe tveir, tvan twa
3 pri, preo thria, thriu prir, priu preis, pria
4 feower fiuwar, fior fjorer fidwor
5 fif fif fimm fimf
6 six sehs sex sahls
7 seofon sibun siau sibun
8 eahta ahto atta ahtaú
9 nigon nigun nio niun
10 tyn tehan tio talhun
11 endleofan ellevan ellefo ain-lif
12 twelf twelif tolf twa-taíhun
13 pri-tene tri-tehan prettan preis-taíhun
19 nigon-tyne nigen-tehan nitian niun-taíhun
20 twen-tig twen-tig tuttugu twai-tigjus
30 pri-tig thri-tig pri-tiger preo-tigjus
40 feower-tig fiwar-tig fjorer-tiger fidwor-tigjus
50 fif-tig fif-tig fim-tig fimf-tigjus
60 six-tig sehs-tig sex-tiger sahls-tigjus
70 hund-seofontig ant-sibunda siau-tiger sibund-ehund
80 hund-eahtatig ant-ahtoda atta-tig ahtaút-ehund
90 hund-nigontig ant-nigonda nio-tig niunt-ehund
100 hun-teontig hunderod tio-tig taihunt
110 hund-endleofantig ellefo-hundrap
200 tu hund twe hund twa hunda
1000 pusund thusundig pusund(rap) pusundi

Obs. : adaptado de Menninger, Number Words and Number Symbols

139
LÍNGUAS GERMÂNICAS MODERNAS

Germânico Ocidental Germânico


Setentrional

Inglês Holandês Islandês Dinamarquê Sueco


s
1 one en einn en en, ett
2 two twee tveir to tva
3 three drie prir tre tre
4 four vier fjorir fire fyra
5 five vijf fimm fem fem
6 six zes sex seks sex
7 seven zeven sjö syv sju
8 eight acht atta otte atta
9 nine negon niu ni nio
10 ten tien tiu ti tio
11 eleven elf ellefu elleve elva
12 twelve twaalf tolf tolve tolv
13 thir-teen der-tien prettan tret-tan tret-ton
19 nine-teen negen-tien nitjan ni-tan nit-ton
20 twen-ty twin-tig tuttugu tyve tjugo
30 thir-ty der-tig pra-tiu tredive tret-tio
40 for-ty veer-tig fjörn-tiu fyrretype fyr-tio
50 fif-ty vijf-tig fim-tiu halvtrês fem-tio
60 six-ty zes-tig sex-tiu três sex-tio
70 seven-ty zeven-tig sjö-tiu halvfjers sjut-tio
80 eigh-ty tach-tig atta-tiu firs at-tio
90 nine-ty negen-tig niu-tiu halvfems nit-tio
100 hundred honderd hundrad hundrede hundra
1000 thousand duizend pusund tusind tusen

140
ALEMÃO E GÓTICO

ALTO ALEMÃO GÓTICO

Novo Médio Antigo


1 eins eins ein ains
2 zwei zwene, zwei zwene, zwei twa
3 drei dri, driu dri, drio, driu preis, pria
4 vier vier fior fidwor
5 fünf fünf fimf, finf fünf
6 sechs sehs sehs sahls
7 sieben siben sibun sibun
8 acht ahte ahto ahtaú
9 neun niun niun niun
10 zehn zeben zehan (zehen) taíhun
11 elf eilf, einlif einlif ain-lif
12 zwölf zwelf zwelif twa-taíhun
20 zwan-zig zweinzic(-zec) zwein-zug twai-tigjus
30 drei-zig dri-zic driz-zug preo-tigjus
40 vier-zig vier-zic fior-zug fidwor-tigjus
50 fúnf-zig fünf-zic finf-zug fimf-tigjus
60 sech-zig sehs-zic sehs-zug sahls-tigjus
70 sieben-zig siben-zic sibun-zo(-zug) sibund-ehund
80 acht-zig ahte-zic ahto-zug ahtaút-ehund
90 neun-zig niun-zic niun-zug niunt-ehund
10 hundert hundert zehan-zo taihunt
0
20 zwei-hundert zwei hunt twa hunda
0
10 tausend tusent dusund,thusunt pusundi
00

Obs. : o Gótico foi incluido para comparação.

141
LÍNGUAS ESLAVAS

Eslavo Ocidental Eslavo Oriental


Tcheco Russo
1 jeden, -na, -no odin, -na, nó
2 dva, dvé dva, dvé
3 tri tri
4 ctyri cetyre
5 pet pjatj
6 sest sestj
7 sedm setj
8 osm vósmj
9 devet devjatj
10 deset desatj
11 jede-náct odin-na-dzatj
12 dva-náct dve-na-dzajt
13 tri-náct tri-na-dzatj
19 devate-náct devjat-na-dzatj
20 dva-cet dvá-dzatj
30 tria-cet tri-dzatj
40 ctyri-cet sorok
50 pa-desát pjatj-desjatj
60 se-desát sestj-desjatj
70 sedm-desát semj-desjatj
80 osm-desát vósejm-desjatj
90 deva-desát devjanósto
100 sto sto
200 dve-ste dve-sti
300 tri-sta tri-sta
400 ctyri-sta cetyre-sta
500 pet set pjatj-sót
600 sest set sestj-sót
1000 tisic tysjaca
2000 dva tisice dva tysjaci
5000 pet tisic pjatj tysjac

142
LÍNGUAS INDO-ARIANAS

Assamês Bengali Gujarati Hindi Maratha


1 ek ek ek ek ek
2 dui dui be do don
3 tini tin tran tin tin
4 tchari tchhar tchhar tchar tchar
5 patch pantch pantchh pamtch pantch
6 tchhay tchhoy tchhah tchhah saha
7 sat sat sat sat sat
8 ath at ath ath ath
9 na noy nav nau nau
10 dah das das das daha
100 cha sa(cha), so(cho) so sau
1000 (ek) hadjar hadjar, hazar hadjar hazar, sahasra

Nepali Oriya Páli Romani (*) Védico(**)


1 ek eka eka yekh eka
2 dui dui dvi dui dva
3 tin tini ti trin tri
4 tchar tchari tchatu chtar tchatur
5 pantch pantcha pantcha pandj pandja
6 tchha tchha-a tchha chov sas
7 sat sata satta efta sapta
8 ath atha atta okhto asta
9 nau na-a nava yena nava
10 das dasa dasa dech dasa
100 (ek) sai (eka) sata chel satam
1000 (ek) hadjar hazar, dasa-sata bari sahasra

(*) Nome atual da língua dos ciganos.


(**) Língua dos Vedas, também conhecido como sânscrito védico, que alguns autores
consideram uma etapa anterior do sânscrito.

143
LÍNGUAS IRANIANAS

Curdo Pachto Persa Sogdiano Taliche (*)


1 yek yau yek yw i
2 du dwa do dwy di
3 se dre se dhry se
4 çar tsalor tchahar ctwar (*tchtwar) co (tcho)
5 penc pindzu pandj pnc (*pantch) penj
6 ses chpagh chich wghsw (*ughuchu) sas
7 heft owu haft wt (*avd) haft
8 hest atu hacht st (*acht) hast
9 neh nuh noh nw (*nau) nav
10 deh las dah dhs (*dhas) da
100 sed sul sad sa
1000 hezar zur hazo

(*) Notável é a semelhança fonética do português onze e doze com o taliche: yonza
e donza.

LÍNGUAS DIVERSAS

Armênio Letão Tocariano Tocariano


A B
1 mek viens sas se
2 yerku divi wu wi
3 yerek tris tre trai
4 tchors cetri stwar stwer
5 hing pieci pan pis
6 vets sesi säk skas
7 yot septini spät sukt
8 ut astoni okät okt
9 inne devini ñu ñu
10 tas desmit säk sak
100 simts känt kante
100 tukstotis
0

1.- O Armênio constitui um ramo próprio do indo-europeu.


2.- O Letão é uma língua Báltica.
3.- O Tocariano (A e B) constitui também um ramo próprio do indo-europeu.

144
LÍNGUAS NÃO INDO-EUROPÉIAS

Basco Etrusco Sumeriano Chinês


1 bat thu as (ges) i
2 bi zal min erh
3 hiru ci es san
4 lau huth limmu szu
5 bost mach la wu
6 sei sa as liu
7 cazpi cezp imin ch'i
8 zortzi semph ussu pa
9 bederatzi nurph ilimmu chiu
10 amar sar u shih
20 oguey 20 zathrum nis erh-shih
30 oguey-t- 20 + 10 ci-al-ch usu san-shih
amar
40 ber-oguey 2 x 20 huth-al-ch nin szu-shih
50 ber-oguey- 2 x 20 + 10 muv-al-ch ninu wu-shih
t-amar
60 hirur- 3 x 20 se-al-ch ges liu-shih
oguey
70 hirur- 3 x 20 + 10 czep-al-ch ch'i-shih
oguey -t-
amar
80 laur-oguey 4 x 20 semph-al- pa-shih
ch
90 laur-oguey 4 x 20 + 10 nurph-al- kiu-shih
-t-amar ch
100 eun (2) pai
1000 milla (1) ch'ien

(1) O limite de contagem para os Bascos era evidentemente 100, pois a palavra para
mil, milla, é um empréstimo do latim, tomado dos romanos.

(2) Como no caso dos bascos, as palavras etruscas são completamente estranhas e não
mostram similaridade com qualquer língua familiar.

145
LÍNGUAS ORIENTAIS

Japonês Coreano

Puro Sino-Japonês Puro Sino-Coreano


1 hito-tsu ichi hana il
2 futa-tsu ni tul i
3 mi-tsu san sed sam
4 yo-tsu shi ned sa
5 itsu, i-tsu go tassöd o
6 mu-tsu roko yösöd ryuk
7 nana-tsu shichi nilkop tchil
8 ya-tsu hachi yöltöp phal
9 kokono-tsu ku ahop ku
10 to (-so-) ju yöl sip
20 hata-chi ni-ju sümul i-sip
30 mi-so-ji san-ju sörhün sam-sip
40 yo-so-ji shi-ju mahün sa-sip
50 i-so-ji go-ju sün o-sip
60 mu-so-ji roku-ju yesün ryuk-sip
70 nana-so-ji shichi-ju nirhün tchil-sip
80 ya-so-ji hachi-ju yötun phal-sip
90 kokono-so-ji ku-ju ahün ku-sip
100 momo, (ho) hyaku päk päk-sip
1000 chi sen tchön

146
LÍNGUAS FINO-ÚGRICAS E TURCO

Línguas Fino-Úgricas Turco

FINLANDÊS HÚNGARO TURCO


1 yksi egy bir
2 kaksi kettö iki
3 kolme három üc
4 neljä négy dört
5 viisi öt bes
6 kuusi hat alti
7 seitsemän hét yedi
8 kahdeksan nyolc sekiz
9 yhdeksan kilenc dokuz
10 kymmenen tiz on
20 kaksi-kymmentä búsz yirmi
30 kolme-kymmentä harminc otuz
40 neljä-kymmentä négy-ven kirk
50 viisi-kymmentä öt-ven elli
60 kuusi-kymmentä hat-ven altmis
70 seitsemän-kymmentä hét-ven yetmis
80 kahdeksan-kymmentä nyolc-van seksen
90 yhdeksan-kymmentä kilenc-ven doksasn
100 sata szaz yüz
1000 tuhat ezer bin

147
ANEXO III

PRINCIPAIS LÍNGUAS INDO-EUROPÉIAS

( de Oeste para Leste ; Ant. = da antigüidade; IM = da Idade Média


Desap. = recentemente desaparecida ; Pr. = viva até o presente) (1)

Grupo Subdivisões Localizações Históricas

Céltico Ant. gaulês / gálata Gália Cisalpina e Transalpina,


vale do Danúbio, Boêmia ,
Galácia Anatólica, Meseta
Espanhola.
celtíbero Meseta Espanhola
lusitano e dial. aparentados Oeste da Península Ibérica
lepôntico Alpes Lombardos
Desap. manquês (gaélico) Ilha de Man
Pr. galês (britónico) País de Gales
bretão Bretanha Ocidental
córnico Cornualha Britânica
irlandês (gaélico ) Irlanda
ersa Escócia
Ligúrico Ant. (mal conhecido) Alpes Meridionais da França e
da Itália
Itálico Ant. véneto Região véneta
úmbrio Úmbria
dialetos saabelianos (osco, Itália central e meridional
sabino,...)
élimo Sicília ocidental
latim Lácio
Depois Desap. dálmata Litoral iugoslavo
línguas Pres. dialetos italianos
latinas dialetos sardos
dialetos corsos
dialetos occitânicos França meridional ( provençal,
na IM )
dialetos franceses ( = langue frança setentrional
d'oil )
dialetos espanhóis
catalão Catalunha, Rossilhão, Baleares)
português
reto-romano = ladino Grisões (Suiça )
dialetos romanos Grécia, Iugoslávia,Romenia
Germânico Ant. gótico línguas das tribos germânicas
148
IM norso = nórdico Islândia
Pr. dinamarquês Dinamarca, Groenlândia
sueco Suécia, Finlândia
dialetos dinamarqueses
islandês
dialetos alemães
flamengo
inglês
Ilírico Ant. línguas pouco conhecidas Iugoslávia, Albânia,
dos povos da Ilíria Épiro
Albanês Pr. guegue Albânia do Norte, Sérbia
(saído do
anterior)
Báltico IM prussiano antigo Prússia Oriental
Pr. lético = letão Letônia
lituano Lituânia
Eslavo IM eslavônico Balcãs
Pr. dialetos lequitas (polaco, Polônia, Lusácia
wende)
dialetos checos Boêmia, Morávia
dialetos eslovacos Eslováquia
esloveno Eslovênia (Iugoslávia Oc.)
servo-croata Sérvia, Croácia, Montenegro,
Bósnia, Herzegóvina
dialetos búlgaros Bulgária
(macedônio)
russo Rússia
ucraniano Ucrânia, Rutênia
Trácio- Ant. línguas mal conhecidas dos
Frígio
trácios Bulgária e regiões vizinhas
dácios Romênia Ocidental
frígios Anatólia Central
Armênio Pr. armênio Armênia
Helênico Ant. micênio Grécia, Creta
jônio (ático), eólio, dório Grécia, Egeu, costa ocidental da
Anatólia
Pr. grego moderno Grécia, Chipre
Anatoliano Ant. hitita Anatólia centro-oriental
palaíta Anatólia do centro-norte
luvita Anatólia meridional
"hitita hieroglífico" Anatólia do sudeste, Síria do
noroeste
lídio Lídia
lício Lícia
Iraniano Ant. persa antigo Irã aquemênida
avéstico(língua de Zoroastro) noroeste do Irã
149
línguas mal conhecidas dos Rússia meridional, Ucrânia,
Citas, Sármatas, Alanos, etc.) Turquestão ocidental...
línguas dos povos iranianos
periféricos:
medo,carmaniano, bactriano,
etc.
pelvi Irã sassânida
sogdiano Irã oriental, Turquestão,
Afganistão...
kotanês
corasmiano
Pr. osseto ( saído do Alano) Ossécia (Cáucaso)
dialetos curdos Zagros
inúmeros dialetos do Irã, Irã , Afganistão, Tadjiquistão
Afganistão, Pamir, entre os
quais o beluchi afegão
Indo- Ant. persa védico língua dos Veda ( noroeste da
ariano Índia)
Ant.IM sânscrito (língua erudita) Índia do norte
prácrito (línguas vulgares) Índia do norte
Pr. dialetos do Caxemir, do
Penjab
marati região de Bombaim
gujerati Gujerate
nepalês Nepal
dialetos hindi, entre os quais Índia do norte
o:
hindustani Delhi, Índia do norte
urdu Paquistão
hindi moderno forma literária do hindustani
bengali Bengala, Bangla-Desh
biari Bihar
oriá, etc. Orixa
cigano saído do noroeste da Índia
Tocariano Ant.IM dois dialetos, ditos A e B atestados por documentos
escritos do séc. VII do
Turquestão Oriental

(1)Adaptado de LÉVEQUE, Pierre. As Primeiras Civilizações-Vol. III- Os Indo-


europeus e os Semitas.Lisboa: Edições 70. 1990. 158p.

150
151
ANEXO IV

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