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Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens

5 CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

5.1 Classificação e tipos de barragens

As barragens podem ser classificadas de acordo com a sua utilização, com o seu funcionamento
hidráulico e com os materiais que compõem a sua estrutura.

Na classificação de acordo com a utilização, as barragens designam-se por:

 Barragens de armazenamento – criam albufeiras destinadas a fazer regularização de


escoamentos.
 Barragens de derivação – destinam-se a elevar o nível da água para cotas que permitam a
sua derivação para canais de irrigação ou outros sistemas de adução.
 Barragens de retenção – destinam-se a retardar a progressão de cheias ou a reter
sedimentos.

 Barragens de contenção de rejeito – situadas em zonas de mineração ou industriais,


destinam-se ao armazenamento de rejeito de exploração mineira ou produtos tóxicos, para
evitar contaminação dos rios à jusante.

Na classificação de acordo com o seu funcionamento hidráulico, as barragens dividem-se em


galgáveis e não galgáveis. As barragens galgáveis permitem descargas de água por cima do
coroamento e têm, por isso, de ser construídas usando materiais não erodíveis pela água, por
exemplo, betão, alvenaria e madeira (fig. 5.1). As barragens não galgáveis não permitem
descargas de água por cima do seu coroamento, pois o galgamento pode provocar erosões sérias,
podendo levar ao colapso da barragem. Neste tipo de barragens, para garantir a passagem da
água, por vezes considera-se uma barragem composta consistindo duma parte central galgável
em betão ladeada por diques laterais em terra (fig. 5.2); noutras vezes considera-se uma estrutura
descarregadora separada do corpo da barragem (fig. 5.3).

Figura 5.1 – Exemplo de uma barragem galgável (barragem de Lichinga - Moçambique)

Conceitos gerais sobre barragens 5-1


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Figura 5.2 – Exemplo de uma barragem não galgável com uma parte central
galgável (barragem dos Pequenos Libombos – Moçambique)

Figura 5.3 – Exemplo de uma barragem não galgável com uma estrutura
descarregadora separada (barragem Mohale – Lesoto)

Na classificação de acordo com os materiais (a mais habitual e mais útil em termos de projecto)
as barragens dividem-se em:

 Barragens de betão (incluindo as barragens de alvenaria e as barragens compactadas com


cilindro, BCC), que se subdividem conforme o seu funcionamento estrutural em
barragens gravidade, barragens arco ou abóbada e barragens de contraforte.
 Barragens de aterro (terra ou enrocamento), que se subdividem em barragens
homogéneas e barragens zonadas.

A Comissão Internacional de Grandes Barragens (ICOLD) define do seguinte modo os vários


tipos de barragens:

a) Barragem de aterro – é qualquer barragem construída de materiais naturais escavados,


colocados sem adição de ligantes. A barragem pode ser homogénea quando é composta
por um único material, impermeável; ou zonada quando compreende, na secção
transversal, volumes especiais de material impermeável, terra, cascalho e enrocamento.

Conceitos gerais sobre barragens 5-2


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b) Barragem de terra – é uma barragem de aterro composta principalmente de terra


compactada (mais de 50%), podendo ser homogénea ou zonada (fig. 5.4).

Figura 5.4 – Principais variantes das barragens de terra

c) Barragem de enrocamento – é uma barragem de aterro cuja estabilidade é assegurada por


grandes volumes de enrocamento (mais de 50%). A barragem tem de conter um núcleo
impermeável, habitualmente de argila, acompanhado de filtros e drenos. A
impermeabilização é, por vezes, feita no paramento de montante a qual pode ser de betão
convencional, betão betuminoso ou outro material impermeável (fig. 5.5).

Figura 5.5 – Principais variantes das barragens de enrocamento

d) Barragem gravidade – é uma barragem de betão ou alvenaria de pedra cuja estabilidade é


assegurada fundamentalmente pelo seu próprio (fig. 5.6).

Conceitos gerais sobre barragens 5-3


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Figura 5.6 – perfis característicos de barragens gravidade

e) Barragem arco ou abóbada – é uma barragem de betão apresentando uma curvatura no


plano horizontal (arco) ou dupla curvatura, uma no plano horizontal e outra no plano
vertical (abóbada) e que transmite a maior parte da carga a que está sujeita aos encontros
e não à fundação (fig. 5.7). É de referir que a curvatura é dirigida para montante (lado da
albufeira).

Figura 5.7 – Perfil e planta de uma barragem abóbada

f) Barragem de contrafortes – é uma barragem de betão em que o paramento de montante,


impermeável, é suportado do lado de jusante por uma série de apoios que são os
contrafortes (fig. 5.8).

Conceitos gerais sobre barragens 5-4


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Figura 5.8 – Perfis e plantas característicos de barragens de contrafortes

A opção por uma barragem de aterro ou por uma barragem de betão não é rigidamente definida,
resultando da solução que se revelar mais económica dentro das exigências de segurança e
qualidade técnica. Pode-se referir no entanto, em termos gerais as vantagens de cada tipo de
barragem e as exigências correspondentes.

As barragens de aterro têm uma série de méritos que têm contribuído para serem o tipo
largamente dominante:
 São adequadas quer para vales apertados quer para vales muito abertos.
 Adaptam-se a condições muito variadas de fundações.
 Utilizam materiais naturais, minimizando a necessidade de importar e transportar grandes
quantidades de ligantes e de agregados.
 Com um projecto adequado, podem incluir na mesma secção diversos tipos de materiais
naturais.
 O Processo de construção é altamente mecanizado e efectivamente contínuo.

As desvantagens das barragens de aterro são poucas:


 Estão sujeitas a grandes erosões e mesmo à destruição se forem galgadas, exigindo uma
estrutura separada para o descarregador de cheias.
 São vulneráveis à percolação que pode originar fenómenos de “piping” e erosão na
barragem e na fundação.

Por sua vez, os principais méritos das barragens de betão são os seguintes:
 Podem ser utilizadas tanto em vales apertados como em vales abertos desde que se
disponha duma fundação em rocha sã a pequena profundidade.

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 Podem ser galgadas, o que lhes permite a colocação de descarregadores por cima do
coroamento (garantindo o necessário controlo da erosão a jusante).
 Podem alojar descargas de fundo e outros equipamentos auxiliares em câmaras e galerias
alojadas no próprio corpo da barragem.

As principais desvantagens das barragens de betão em relação às barragens de aterro são:


 A exigência de melhores condições de fundação (rocha sã).
 A exigência de cimento e materiais naturais processados (agregados) em grande
quantidade.
 A construção em betão é relativamente descontínua, exigindo trabalhadores
especializados para cofragens, betonagens, etc.
 O custo unitário do metro cúbico colocado em obra é muito mais elevado para o betão em
massa do que o aterro compactado.

Este último aspecto é parcialmente compensado pelo facto dos volumes de betão numa barragem
de betão serem muito inferiores aos volumes de aterro numa barragem de terra ou de
enrocamento. É por isso que, num vale relativamente estreito e com rocha sã próxima da
superfície, uma solução de barragem de betão pode ser mais económica que uma barragem em
aterro, atendendo também ao facto de uma poder ser galgável e a outra não.

4.2 Órgãos hidráulicos e outras componentes das barragens

Para poderem cumprir as suas funções de regularização de escoamentos, descargas para diversos
fins e simultaneamente serem estruturas que se mantêm seguras durante a passagem de cheias, as
barragens têm de dispor, para alem do corpo da barragem propriamente dito (em aterro ou em
betão), de uma série de outros órgãos, nomeadamente:
 Descarregador de cheias.
 Descargas de fundo e meio-fundo.
 Circuito hidráulico para turbinas.
 Drenagem interna.
 Impermeabilização das fundações.
 Galerias e poços de inspecção.

O descarregador de cheias tem por função passar para jusante, de forma segura, os caudais de
cheia afluentes quando a albufeira está já ao nível de pleno armazenamento, evitando que a
barragem sofra danos quer devido a galgamento (no caso de barragens de aterro) quer devido a
erosões no leito do rio imediatamente a jusante e que possam minar a estrutura da barragem (no

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caso de barragens de betão). O descarregador de cheias é composto normalmente por uma


estrutura de entrada (ou descarregador propriamente dito), um canal que conduz a água para
jusante da barragem e uma bacia de ressalto ou outra estrutura de dissipação de energia que
permita fazer o retorno da água ao rio sem provocar grandes erosões.

O descarregador pode dispor ou não de comportas. Normalmente, os descarregadores das


grandes barragens têm comportas; os das pequenas barragens, sobretudo as situadas em locais
muito isolados e sujeitas a cheias súbitas, não utilizam comportas.

Por vezes, para alem do descarregador principal, a barragem possui em descarregador de


emergência – um “dique fusível” em aterro, sobretudo aproveitando a existência de portelas,
construído de maneia a ruir quando a água atinge determinado nível, criando uma descarga
adicional.

As barragens de betão têm habitualmente o descarregador de cheias sobre o coroamento, criando


uma secção galgável, enquanto as barragens de aterro têm uma estrutura separada para o
descarregador, normalmente localizado num dos encontros.

Frequentemente, a função de regularização dos escoamentos é cumprida através de descargas da


barragem para o rio fazendo-se a jusante a captação dos caudais necessários. Para tal a barragem
deve dispor de descargas de fundo ou de meio-fundo, compostas por condutas controladas por
válvulas de regulação do caudal.

As descargas de fundo também são muitas vezes instaladas como medida adicional de segurança
para permitir um mais rápido esvaziamento da albufeira.

As condutas e as respetivas comportas ou válvulas de controlo são facilmente incorporadas nas


barragens de betão; nas barragens de aterro, a prática normal consiste em instalar uma torre de
comando, separada da barragem, que controla a entrada da água para a conduta ou culvert de
descarga.

Quando os caudais a descarregar pelas descargas de fundo são elevados, há que providenciar
formas de dissipar a energia do escoamento de maneira a que este não provoque erosões no leito
e margens do rio.

Quando a barragem tem uma central hidroelétrica associada, ela deve dispor do correspondente
circuito hidráulico englobando comportas de controlo da entrada de água, condutas forçadas e
depois a central propriamente dita, com as turbinas e o canal de fuga (fig. 5.9). A central pode
estar fisicamente ligada ao corpo da barragem ou estar distante dela.

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Figura 5.9 – Circuito hidráulico da central hidroeléctrica de Cahora Bassa, Moçambique (planta e perfil)

Quer a fundação duma barragem seja em rocha quer em solo arenoso, o problema da
impermeabilização da fundação coloca-se frequentemente, seja por causa da permeabilidade
natural do material (areia, silte), seja porque a camada superficial da rocha está muito alterada,
seja porque a rocha apresenta fendilhação profunda.

Numa barragem de aterro é normal utilizar-se uma vala corta-águas (“cut-off trench”) que é uma
vala escavada por baixo do núcleo impermeável da barragem e preenchida com material
“impermeável”, por exemplo argila, com uma profundidade geralmente não muito grande (fig.
5.10-a). Se o estrato impermeável localizar-se a profundidades maiores, então há necessidade de
fazer uma cortina de injecção de calda de cimento ou duma mistura de argila e cimento, a partir
do núcleo impermeável da barragem ou da vala corta- águas (fig.5.10-b).

a) b)
Figura 5.10 – Impermeabilização da fundação em barragem de aterro

Nas barragens de betão, a impermeabilização da fundação rochosa faz-se através de cortinas de


injecções localizadas próximo do paramento de montante.

Em fundações permeáveis um processo que é utilizado para reduzir a percolação através da


fundação é a utilização dum tapete argiloso a partir do pé de montante da barragem e
estendendo-se para montante (fundo da futura albufeira). O tapete impede a infiltração da água

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da albufeira próximo da barragem e assim, aumentando o caminho de percolação, reduz o caudal


percolado.

A percolação, embora controlada ou reduzida, existe sempre quer no corpo da barragem quer na
fundação. Por isso, todas as barragens modernas incluem dispositivos de drenagem interna cujo
objectivo principal é o alívio das pressões da água. Assim, na fundação faz-se uma série de furos
de drenagem a jusante da cortina de impermeabilização, desta forma reduzindo
significativamente as subpressões. No corpo das barragens de betão instalam-se drenos verticais,
fazendo-se a recolha da água numa galeria donde se encaminha para a saída a jusante. Nas
barragens de aterro, cria-se normalmente uma zona muito permeável do lado de jusante do
núcleo impermeável, zona essa que se liga a um tapete horizontal de drenagem que vai ter ao pé
de jusante da barragem.

Para alem do seu papel no sistema de drenagem interna, galerias e poços são projectados para
permitir uma inspecção da barragem, particularmente no caso das barragem de betão. As
galerias, poços e quais quer câmaras das comportas ou válvulas podem também ser utilizadas
para a instalação de instrumentação de observação da barragem. Nas galerias ligam-se também
piezómetros para medir a subpressão na fundação assim como os dispositivos necessários para
fazer um reforço da cortina de injecções se revelar necessário.

5.3 Desvio provisório do rio durante a construção

O desvio provisório do rio durante a construção da barragem torna-se necessário nas fases da
construção que tem de ser feitas a seco. O problema é habitualmente complexo e obriga a um
delicado compromisso entre o risco que se considera aceitável e a economia da solução de desvio
– quanto menor é o risco que se pretende correr da obra ser inundada por uma cheia durante a
construção, maior é o custo do desvio provisório.

O caudal de dimensionamento do desvio provisório é função do risco que se considera aceitável


e do tempo estimado da construção, a partir da relação entre risco, duração da construção e
período de retorno.

( , ) = 1− 1− (5.1)

Assim, por exemplo, se está previsto que uma barragem leve 5 anos a ser construída e se se
pretende que o risco de inundação não exceda 10%, utilizando a fórmula 5.1, resulta que o
período de retorno a considerar para o caudal do dimensionamento seria de 48 anos.

Podem-se considerar três soluções básicas para o desvio provisório:

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1. Se se tratar duma barragem de betão e a época seca for suficientemente longa, pode-se
avançar com construção dos blocos durante a época seca deixando alguns a nível mais
baixo para serem galgados enquanto nos restantes se pode trabalhar a seco. Os blocos
mais baixos são elevados em outra época seca quando o resto da barragem já está
concluído.
2. Fazer um túnel de desvio para onde o rio é encaminhado e proteger a área de trabalho
com ensecadeiras a montante e a jusante. O túnel pode posteriormente ser incorporado
nos órgãos hidráulicos, por exemplo descargas de fundo (caso de Massingir) ou não o ser
(caso de Cahora-Bassa).
3. Dividir a secção transversal em duas ou três partes, canalizando o rio para uma delas e
prosseguindo o trabalho na(s) outra(s) com a protecção de ensecadeiras. Quando a obra
na parte protegida já está avançada ou concluída, faz-se passar o rio por ali deixando a
seco a parte da secção anteriormente ocupada pelo rio.

5.4 Avaliação do local para a construção de uma barragem

Em condições ideais, o local para a construção de uma barragem devia preencher os seguintes
critérios:

a) Situar-se numa secção estreita do vale. A razão é obviamente o tornar possível uma
barragem de custo mais baixo. Há, no entanto, que tornar atenção ao facto de que vales
muito estreitos podem dificultar a colocação de órgãos hidráulicos e complicar o
problema da dissipação de energia.
b) Estar a jusante de um vale aberto para que a albufeira criada pela barragem tenha uma
capacidade de armazenamento.
c) Ter boas condições de fundação (rocha sã a pequena profundidade, inexistência de falhas
importantes, solos compactos e pouco permeáveis).
d) A geologia do vale a montante, onde se vai localizar a albufeira, mostrar não haver
problemas de rochas cársicas, solos permeáveis ou possibilidade de deslizamentos nas
encostas.
e) Possibilitar a extracção dos materiais de construção necessários (solos e agregados).
f) Ter acessos fáceis.

Como é evidente, estas condições raramente são preenchidas na totalidade pelo que é necessário
procurar uma solução de compromisso.

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A selecção do local para a construção de uma barragem não deve ser feita sem se considerarem 2
ou 3 locais alternativos, pesando cuidadosamente as vantagens e inconvenientes de cada um
deles (fig. 5.11).

Figura 5.11 – Locais alternativos para a construção de uma barragem

A escolha de um local deve atender também a outros factores dependentes das finalidades da
barragem e das especificidades da região, como por exemplo:
 Possibilidade de aproveitamento duma queda para a produção de energia eléctrica.
 Áreas de interesse económico, social ou cultural e infraestruturas que possam ser
inundadas pela albufeira (aldeias que têm de ser deslocadas, estradas e caminhos-de-ferro
que ficam submersos, etc.).

Assim, a escolha do referido local para a barragem implica investigações preliminares que, de
acordo com a importância da barragem, podem levar anos a realizar e custar muito dinheiro. É,
por isso, importante desenvolver os estudos preliminares em estágios de aprofundamento
sucessivo de forma a eliminar rapidamente as piores alternativas de locais e concentrar as
investigações em 1 ou 2 locais mais promissores. Caso contrário, os estudos preliminares,
nomeadamente os de topografia e de geologia, podem vir a assumir uma percentagem
exageradamente alta do custo da obra.

Uma primeira análise de possíveis locais para a barragem pode ser feita sobre fotografias aéreas
utilizando um esteoroscópio.

Para a delimitação da albufeira e determinação das curvas de áreas inundadas e dos volumes
armazenados, é preciso dispor de cartas à escala 1:25.000 ou 1:50.000 com curvas de nível
espaçadas de 1 ou 2 metros. Se se tratar de uma pequena barragem, com uma altura de poucos
metros, será preciso uma carta a uma escala maior e com curvas de nível com intervalos
menores. Eventualmente, tratando-se de uma pequena albufeira, poderá fazer-se o seu
levantamento topográfico.

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Para o local da barragem propriamente dito, são necessárias cartas a uma escala bastante grande
(1:5.000 ou 1:2.500 ou mesmo 1:1.000) com curvas de nível espaçadas de 0,5 a 1 metros, para se
poderem estimar quantidades de materiais a empregar, volumes de escavação e de aterro e a
localização das diversas componentes da barragem. Normalmente será necessário fazer um
levantamento topográfico específico para produzir as cartas necessárias.

Do ponto de vista da geologia, é importante compilar a informação já existente sobre a região


tendo em vista formular as primeiras ideias com respeito a:
 Segurança da barragem nas suas fundações.
 Impermeabilidade da albufeira.
 Disponibilidade de materiais de construção.

A informação regional permitirá conhecer a existência ou não de formações calcárias (perigosas


por serem solúveis em contacto com a água), sistemas de falhas, etc., conhecimento que pode ser
apoiado em análises químicas da água.

Posteriormente, é necessário ir obtendo um conhecimento da geologia do local da barragem cada


vez mais detalhado. Em princípio, é aconselhável ter um bom conhecimento da fundação até
uma profundidade igual à altura da barragem.

A exploração deve ser feita por diversas vias:

 Reconhecimento superficial – a abertura de trincheiras com a maior profundidade


possível permite detectar falhas, planos de sedimentação, tipo de rochas, grau de
alteração, etc.; é útil como complemento de sondagens e extracção de carotes em rochas e
solos.
 Exploração geofísica (métodos sísmico e eléctrico) – constitui um processo rápido e
barato para determinar um conjunto de propriedades como descontinuidades na fundação,
profundidade de aluvião, espessura da rocha alterada, etc. Deve ser usada em conjunto
com outras formas de reconhecimento superficial e sub-superficial.
 Sondagens (com recuperação de material) e galerias escavadas em rocha. São
normalmente de custo elevado pelo que a sua definição deve ser feita por um geólogo de
fundações com muita experiência.

Vale a pena referir que o custo elevado da exploração geológica normalmente limita o estudo aos
mínimos considerados seguros. Por isso, durante a construção da barragem, é importante
aproveitar a fase de escavação das fundações para complementar os conhecimentos existentes
sobre a geologia do local e, se necessário, fazer as adaptações adequadas no projecto.

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Em conexão com o estudo geológico, há que considerar também a actividade sísmica, quer se
trate de sismicidade natural quer de sismicidade induzida pelo albufeira. A sismicidade natural
deve ser investigada com base em registo de sismógrafos (quando existem) bem como a partir de
informações da imprensa e da população. A existência de falhas, sobretudo se existir alguma
falha activa, é de grande importância. Quanto à sismicidade induzida, embora não haja evidência
conclusiva, parece ser possível que, em determinadas circunstâncias, o enchimento de grandes
albufeiras e posteriores grandes variações de volumes armazenados origina sismos (devido aos
ajustamentos que ocorrem na crusta terrestre). Os casos mais importantes registados foram os
das barragens de koyna, na India, que sofreu grandes estragos com um sismo de magnitude 6.4
(escala de Mercalli) quando não se tinha memória de qualquer sismo anteriormente à barragem;
Hoover, nos Estados Unidos da América, que passou a sofrer frequentes sismos, o maior dos
quais de magnitude 5; e Kariba, na fronteira entre Zâmbia e Zimbabwe, que já sofreu um sismo
de magnitude 5,8. Note-se que se trata de albufeiras de muito grandes capacidades de
armazenamento: 2.800; 42.000 e 170.000 M m3 (milhões de metros cúbicos) respetivamente.

5.5 Selecção do tipo de barragem

O melhor tipo de barragem para um dado local é definido em função de condicionantes técnicas
e do custo. Em certas situações, as condicionantes técnicas impõem um determinado tipo de
barragem; noutras, diversos tipos são tecnicamente possíveis e a decisão é tomada em função dos
custos das soluções alternativas.

Quatro aspectos são de fundamental importância para a selecção do tipo de barragem:

a) O gradiente hidráulico – a fig. 5.12 ilustra as diferenças que se podem verificar no gradiente
hidráulico para os diversos tipos de barragem.

Conceitos gerais sobre barragens 5-13


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Figura 5.12 – Gradientes hidráulicos dos vários tipos de barragens

Nas barragens de aterro verifica-se percolação não apenas através da fundação mas também
através do próprio corpo da barragem o que não se verifica nas barragens de betão que podem ser
consideradas impermeáveis. No caso de barragens de terra homogéneas o gradiente hidráulico
pode ser bastante baixo, por exemplo de 0,2 ou 0,3; as barragens gravidade podem ter um
gradiente de cerca de 1; as barragens de aterro zonadas podem ter valores da ordem de 2 ao
passo que as barragens de contrafortes, abóbada e enrocamento com impermeabilização a
montante podem ter valores 5 e 20. O gradiente hidráulico constitui assim uma condicionante
para as fundações visto que, fundações menos resistentes e mais permeáveis dificilmente
suportarão as pressões internas associadas a gradientes hidráulicos elevados.

b) As tensões na fundação – os diversos tipos de barragens transmitem pressões à fundação que


diferem bastante. A título ilustrativo referem-se as seguintes ordens de grandeza de pressões
transmitidas por barragens com cerca de 100 m de altura:

Tipo de barragem Pressão (Mpa)

Aterro 0.2

Gravidade 3- 4

Contrafortes 5.5 -7.5

Abóbada 7.5 – 10

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O material da fundação condiciona, portanto, fortemente o tipo de barragem visto que as


barragens de betão exigem fundações rochosas (as únicas que suportam pressões superiores a 1
Mpa).

c) A deformabilidade da fundação – de uma maneira geral, as barragens de betão e sobretudo


as barragens abóbada e de contrafortes adaptam-se mal a deformações excessivas ou
diferencias da fundação ao passo que uma barragem de aterro bem projectada é bastante
flexível e permite ajustamentos à deformação da fundação.
d) O volume de escavação na fundação – se para se atingir o “bedrock” para fundar uma
barragem de betão é necessário um grande volume de escavação que tem depois de ser
enchido com betão, então, trata-se duma alternativa pouco económica.

A fig. 5.13 apresenta algumas situações em que a topografia e a geologia apontam


preferencialmente para determinados tipos de barragem.

Figura 5.13 – Exemplos ilustrativos de selecção de tipo de barragem

Conceitos gerais sobre barragens 5-15


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Haverá outros factores a considerar na selecção do tipo de barragem como, por exemplo:
 Possibilidade de desvio do rio.
 Rapidez da construção.
 Possibilidade de inundação durante a construção.
 Carência de pessoal especializado, por exemplo, equipas para cofragens especiais ou para
betões de alta resistência).
 Questões ambientais.

5.6 Forças actuantes numa barragem

A integridade e a segurança duma barragem têm de ser mantidas em todas situações que
provavelmente possam ocorrer ao longo da sua vida desde o início da sua construção. É preciso
assegurar a estabilidade da barragem e da fundação e a sua impermeabilidade.

Apesar da aparente simplicidade das suas formas, as barragens têm um comportamento estrutural
muito complexo, visto tratarem-se de estruturas assimétricas, com materiais heterogéneos e com
interacção com a fundação. Por outro lado, as acções efectivas nas barragens estão
frequentemente próximas das acções de projecto o que não acontece com muitas outras
estruturas.

Nem todas as forças actuam nos vários tipos de barragem da mesma forma, por isso neste
capítulo apenas se fará uma caracterização geral das acções.

É vantajoso dividir as acções actuantes em três grupos: primarias, secundárias e excepcionais. A


fig. 5.14 ilustra as várias forças actuantes, exemplificando-se com uma barragem gravidade.

Figura 5.14 – Forças actuantes numa barragem

Conceitos gerais sobre barragens 5-16


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a) Acções primárias são as de maior importância para todas as barragens, independentemente


do tipo, incluindo:
P1 – Resultante da pressão hidrostática. Note-se que poderá haver uma componente vertical
caso o paramento de montante não seja vertical assim como uma pressão do lado de jusante
correspondente ao nível da água que aí se verifica.
P2 – Peso próprio.
P3 – Subpressão resultante da percolação na fundação. O diagrama será triangular se não
houver uma linha de drenos. Nas barragens de aterro, a percolação através do corpo da
barragem origina pressões nos poros.

b) Acções secundárias são de menor importância ou consideram-se apenas para certos tipos de
barragens; incluem:
P5 – Pressão sobre o paramento de montante resultante do sedimento submerso.
P6 – Força resultante de ondas (pouco importante)
Tensões térmicas resultantes de variações lineares e diferenciais de temperatura (apenas em
barragens de betão).

c) Acções excepcionais são as que têm uma probabilidade de ocorrência muito baixa; podem
ser P4 e P7. A ocorrência de sismo traduz-se por movimentos da fundação (acelerações) que
são transmitidas ao corpo da barragem e ao volume de água armazenada, podendo gerar
importantes tensões.

Importa ter desde já em conta que nas barragens de betão as acções acima referidas podem-se
considerar como acções externas, para uma análise simplificada, enquanto nas barragens de
aterro elas têm de ser consideradas como forças internas distribuídas.

Fontes bibliográficas

 Carmo Vaz, A., Apontamentos da Cadeira de Obras Hidráulicas – Universidade Eduardo


Mondlane (UEM), Maputo, 1993
 Martins, José R. S.; Barragens e Estruturas Hidráulicas;
www.phd.poli.usp.br/LeArq.aspx?id_arq=11766 (consultado a 04-Nov.-2015)

Conceitos gerais sobre barragens 5-17

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