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Cap.

IV: Barragens de betão

4.1 Tipos de barragens de betão

As barragens de betão são habitualmente divididas em três tipos principais:


• Barragens arco e barragens abóbada.
• Barragens gravidade.
• Barragens de contrafortes.

Esta divisão é baseada nas formas dessas barragens, formas essas por sua vez estritamente
ligadas ao comportamento estrutural de cada uma delas.

As barragens arco e barragens abóbadas são caracterizadas por serem curvas em planta, com o
centro da curvatura do lado de jusante. A sua espessura é normalmente pequena. Elas utilizam o
efeito arco para descarregarem grande parte da pressão hidrostática a que estão sujeitas
lateralmente para os encontros e não apenas para a fundação. Exigem vales apertados e uma
fundação em rocha sã muito resistente.

As barragens gravidade são barragens maciças, de grande espessura e secção aproximadamente


triangular. Estas garantem a estabilidade através do peso próprio. O seu eixo é normalmente
linear e as suas cargas são transmitidas à fundação. Podem ser utilizadas em vales abertos e são
menos exigentes do que as barragens arco/abóbada quanto às características de resistência da
fundação.

As barragens de contrafortes são compostas por um paramento (de montante) que é apoiado
num grande número de pilares-paredes ou contrafortes. O paramento de montante pode ser
constituído por uma laje de betão armado ou pela sucessiva junção das cabeças dos contrafortes
que, para o efeito, são alargadas e assume formas especiais. Podem ser usadas em vales abertos
com fundação em rocha sã.

Dos três tipos de barragens, as barragens gravidade são cada vez mais utilizadas em virtude de
exigirem condições topográficas e geológicas menos restritivas podendo, por isso, ser usadas em
locais onde as soluções de barragens abóbada ou barragens de contraforte podem estar excluídas
à partida.

Numa comparação das barragens abóbada e de contrafortes com as barragens gravidade, podem
apontar-se para as primeiras as seguintes vantagens:

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• Economia de betão – uma barragem gravidade tem um volume de betão 2,5 a 3 vezes
superior ao da barragem abóbada e 1,5 a 2 vezes o de uma barragens de contrafortes, com
a mesma altura.
• As forças resultantes da subpressão são pouco significativas devido à pequena espessura
da abóbada e do paramento das barragens de contrafortes.
• Os problemas de controlo da temperatura do betão durante a construção são mais
facilmente resolvidos.

Elas têm, no entanto, algumas importantes desvantagens em relação às barragens gravidade:


• As barragens abóbada exigem vales apertados.
• A fundação tem de ser em rocha sã com grande resistência e pequena deformabilidade.
• O betão tem de ser de alta qualidade em virtude de estar sujeito a tensões lelevadas.
• O planeamento e a execução da obra são de maior complexidade do que no caso de
barragens gravidade.
• A mão-de-obra tem de ser bastante qualificada, sobretudo para as áreas de cofragens e
colocação do betão.
• Nas barragens de abóbada, a pequena largura do vale pode levantar problemas à
colocação dos órgãos hidráulicos e à dissipação da energia das descargas.
• São mais sensíveis às variações de temperatura.
• As investigações geológicas geotécnicas e o projecto são mais complexos do que nos
casos das barragens gravidade.

4.2 Barragens arco e abóbada

As barragens arco e abóbada são barragens em betão simples, utilizando betão armado apenas
em algumas zonas localizadas onde há concentração de tensões, por exemplo, à volta das
aberturas para condutas dos órgãos hidráulicos.

Quando elas são curvas apenas em planta, designam-se por barragens arco. Chamam-se por
barragens abóbada às que têm também curvatura no plano vertical, isto é, barragens de dupla
curvatura.

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As primeiras barragens arco foram construídas no Império Bizantino, cerca de 550 D.C. As
primeiras barragens arco na Europa de que há referências precisas são as de Almansa (Espanha)
e Ponte Alto (Itália).

A barragem de Almansa terá sido provavelmente construída cerca de 1384 enquanto a barragem
de Ponte Alto foi iniciada em 1537 e posteriormente alteada por várias vezes durante os três
séculos seguintes. A primeira barragem abóbada de que se tem referência é a de Bear Velley
(EUA) construída em 1884. Finalmente vale a pena referir que a primeira barragem arco
construída na África do Sul foi feita em 1898, com 38 m de altura e espessura de 11 m na base e
2.15 m no coroamento.

A figura 1 apresenta a planta, alçados de montante e jusante e uma secção-tipo de uma barragem
abóbada típica, a barragem de Ikehara (Japão) com 11 m de altura e uma relação corda-altura do
valer de cerca de 4.

Devido à sua inerente complexidade, não se utiliza a solução da barragem abóbada para
pequenas barragens a não ser como estrutura temporárias (ensecadeiras) em que por vezes se
utilizam barragens arco. Por essa razão, será aqui feito um tratamento bastante superficial do
tema.

4.3 Comportamento estrutural das barragens abóbada

As barragens abobadas podem ser consideradas como estruturas bidimensionais devido a sua
pequena espessura. São no entanto estruturas em que a folha media a curva enquanto em outras

Figura 1; - Barragem de Ikahaio (Japão): planta alçados e corte.

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Bidimensionais como placas e lajes, a folha media é plana. As placas tem cargas apenas no seu
próprio plano pelo que ficam sujeitas a um estado plano te tensão. As lajes estão sujeitas a cargas
perpendiculares ao seu plano, trabalhando essencialmente a flexão. As cascas são superfícies
curvas que sujeitam cargas perpendiculares a superfície e com forma tal que trabalham
predominantemente à compressão.

As barragens abobadas podem ser assimiladas as cascas porque a solicitação mais importante
que nelas se verifica a pressão hidrostática da água - actua perpendicularmente à superfície.

Duma forma simplificada, assumir-se que a barragem abobada é constituída por uma malha de
arcos e consolas em que os arcos descarregam lateralmente para os encontros e as consolas
descarregam para a fundação; Figura 2.

Figura 2; - esquematização da barragem abobada como uma malha de arcos e consolas.

O efeito de arco que, mediante a adopção duma certa geometria, perucita que a estrutura fique
sujeita apenas a compressão é tanto mais pronunciado quanto mais apertados for o vale. Assim
costuma limitar-se a utilização de barragens abobadas a secções em que a relação entre a corda e
altura da secção não exceda cerca de 4 – 6. A barragem de Viont na Italia, actualmente
inoperacional devido ao grande desastre que ali ocorreu em outubro de 1963, é um caso estremo
com meia relação corda – altura inferior a 1, ver figura 3.

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Figura 3 – Barragem de Vaiont (Italia), c / h = o.7

A introdução da curvatura nas consolas corresponde a tentativa de compensar com o peso


próprio as tenções de tracção devido a pressão hidrostática da água. Na zona mais próxima da
fundação, o comportamento estrutural dominante é o da consola e não o do arco o faz com que a
pressão hidrostática produza tracção do lado de montante. Por isso dá-se a consola um balanco
para montante para que o peso próprio, com excentricidade, origine compressão no lado do
montante. Nas zonas afastadas da fundação, o comportamento estrutural dominante é o do arco
pelo que não é necessário prolongar o balanço da consola para montante. No entanto nos arcos
próximos do coroamento e na sua zona central surgem momentos flectores devido a pressão
hidrostática, originando tracções do lado de jusante. Para se compensar essas tracções, introduz-
se um balanco da consola para jusante “ na parte superior da consola. A figura” 4 ilustra estes
efeitos de compensação introduzidos pela curvatura da consola.

Figura 4; - compensação das tensões de tracção através da curvatura da consola.

5
As formas especiais das barragens abobada, permitem que grande parte da barragem trabalhe
com elevadas tensões de compressão (4 – 8 Mpa) e conduzem a forma bastante esbeltas.

O método de cálculo mais utilizado até fins da década de 60 foi o método do “ trial load”. A
estrutura era decomposta numa malha de arcos e consolas pelos quais se distribuíam
tentativamente as cargas principais (pressão hidrostática e peso próprio). Cada arco e cada
consola era analisado separadamente, calculando-se os respectivos esforços internos e
deslocamentos. O processo é repetido com nova tentativa de distribuição de cargas entre os arcos
e as consolas ate os deslocamentos nos pontos comuns aos arcos e consolas assumam valores
idênticos quer quando calculados com arco quer com as consolas.

Actualmente o método de cálculo universalmente utilizado é o método dos elementos finitos,


normalmente utilizando elementos de casca. Não é possível fazer aqui uma apresentação do
método dos elementos finitos, remetendo-se o assunto para a bibliogafia apresentada no fim
destas notas.

4.4 Tratamento de fundações em barragens abóbada

As fundações das barragens abóboda tem de ser em rocha sã, com grande resistência (por causa
das elevadas tensões que lhe são transmitidas) e pequena deformabilidade (para evitar
redistribuições de tensões que podem ser perigosas). Para além disso, é importante que não haja
falhas em direcções próximas, na direcção do impulso transmitido pela barragem, pois isso pode
revelar-se perigosas para a estabilidade do conjunto barragem-fundação, figura 5.

Figura 5; - Situações de potencial instabilidade da fundação.

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A detenção de anomalias como falhas é por isso extremamente importante podendo utilizar-se
para tal os métodos geofísicos.

Todo o material de alteração deve ser removido fazendo-se uma limpeza da zona de
contacto da barragem com a fundação numa profundidade de 5 a 10 metros. Todo o material de
enchimento de falhas e fissuras deve ser removido e o espaço preenchido com betão ou
argamassa de cimento.

Frequentemente utiliza-se um soco de fundação – maciço de apoio da barragem que permite que
permite uma regular transmissão regular de tensões a fundação evitando que surjam problemas
devido a qualquer fraqueza local da fundação.

A não ser em casos de rochas muito sã, o tratamento de fundação deve incluir uma cortina de
injecções de impermeabilização. Esta cortina tem normalmente uma profundidade de 15 a 20
metros. Esta cortina pode servir também uma segunda finalidade que é a da consolidação da
fundação.

Imediatamente a seguir a cortina de impermeabilização inclui-se uma serie de furos de drenagem


para o alívio das subpressões e recolha das águas que tendem a atravessar a cortina de
impermeabilização.

4.5 Barragens gravidade

As barragens gravidade que actualmente se constroem são continuação das barragens de


alvenaria, iniciadas pelos Romanos nos alvores da nossa era. A forma triangular, derivada da
experiencia, inclui uma base com dimensão varias vezes superior a altura e ambos os taludes
inclinados.

A partir dos fins do seculo XIX, a forma da barragem começou a ser mais delgada em virtude
que da utilização do betão quer da realização de estudos teóricas das tensões na barragens e na
fundação.

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As modernas barragens gravidade são dimensionadas de forma a evitar o aparecimento de
tracções e, consequentemente, a necessidade de armaduras, expecto em algumas zonas muito
localizados onde se verificam concentrações de tensões (galerias e outras aberturas no corpo da
barragem)!

Por vezes, procura-se que a barragem gravidade tenha, em planta, um alinhamento curvo (como
nas barragens abobada) na expectativa de que o “efeito de arco” introduza um factor de
segurança adicional. No entanto, estudos teóricos e medições em barragens construídas tem
evidenciado que esse “efeito arco” ѐ praticamente inexistente.

A forma triangular da secção transversal (figura 6) também evolui o paramento de montante ѐ


vertical ou tem pequena inclinação ao passo que o paramento de jusante ѐ bastante inclinado por
razoes de estabilidade.

Figura 6 – Barragem de Gries, Suíça, 57m de altura.

4.6 Comportamento estrutural da barragem gravidade

Na barragem gravidade, a principal solicitação (pressão hidrostático) ѐ transmitida para baixo ἁ


fundação e não lateralmente como no caso das barragens abobada. Basicamente, ѐ o peso próprio
da barragem que garante a sua estabilidade sem relação ἁ rotação e ao deslizamento que
tenderiam a ser provocados pela pressão hidrostática.

A secção transversal vai normalmente variando com lentidão em função da profundidade a que a
fundação se encontra. Como as deformações na direcção do eixo da barragem se encontram

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praticamente impedidas pelos encontros, o estudo das tensões e deformações pode fazer-se
considerando que cada “ fatia” vertical da barragem, perpendicular ao eixo, se encontra sujeita a
um estado plano de deformação.

O cálculo das tensões e deformações, aceitando a hipótese de se tratar dum estado plano de
deformações, pode fazer-se sem grandes dificuldades pelo método dos elementos finitos desde
que se disponha dum programa de computador para o efeito.

Em pequenas barragens pode-se no entanto, efectuar um cálculo simplificado que adiante se


descreva.

4.6.1 Solicitações numa barragem gravidade

As solicitações que devem ser consideradas no estudo duma barragem gravidade são as
seguintes:

a) Horizontais

- pressão hidrostática da agua a montante e a jusante (F1,F2)

- pressão do sedimento depositado (F3)

- forcas de inercia da agua e da barragem devido aos sismos (F4,F5)

b) Verticais

- peso próprio da barragem (F6)

- peso próprio da agua sobre os paramentos inclinados (F7,F8)

- subpressão (F8)

- forca de inercia da barragem devido aos sismos (F10)

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Como a probabilidade de ocorrência simultânea, de todas estas solicitações ѐ relativamente
baixa, consideram-se três combinações de solicitações:

a) Combinação de solicitações normal

• Nível de água a montante – NPA

• Nível de água a jusante – TWL (“tail water level”, nível que corresponde ao caudal
no rio a jusante)

• Peso próprio da barragem e da água

• Subpressão reduzida (drenos a funcionar)Pressão dos sedimentos

b) Combinação de solicitações excepcional

• Nível de água a montante – NMC

• Nível de água a jusante – mínimo

• Peso próprio da barragem e da água

• Subpressão reduzida

• Pressão dos sedimentos

c) Combinação de solicitações extrema

• Nível de água a montante – NPA

• Nível de água a jusante – TWL

• Peso próprio da barragem e da água

• Subpressão total (drenos inoperativos)

• Pressão dos sedimentos

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• Acção sísmica

Como ѐ obvio, os factores de segurança para a combinação normal serão os mais elevados e
para a combinação extrema serão os mais baixos.

A figura 7 ilustra as solicitações a considerar para a barragem gravidade.

Figura 7- Solicitações numa barragem gravidade.

A resultante da pressão dos sedimentos é calculada através de em que

são as densidades de sedimentos submerso e da água e h s é a altura correspondente ao

volume morto. Esta formula é conservativa porque ignora a consolidacao dos sedmentos.

Quando não existem drenos na fundacao, a subpressao é traduzida por um diagrama


trapezoidal que tem de lado de montante o valor de (igual a pressao hidrostatica do

fundo) e do lado de jusante o valor de , sendo h m e hj as alturas da agua a montante e a

jusante. Quando há drenos e estao operativos, o dograma é modificado (figura – 7), aceitando-se
que o valor do diagrama na linha dos drenos é
. Habitualmente toma-se .

As áreas não sujeitas a sismicidade acentuada, toma-se a possibilidade de ocorrerem


sismos com aceleração horizontal igual a 0.1g e aceleração vertical igual a 0.005 “g” a
aceleração da gravidade.

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A aceleração horizontal, considerada no sentido de montante, provoca um aumento da pressão
hidrostática da água e o surgimento de uma forca de inercia (devido a massa da barragem)
dirigida para jusante. A aceleração vertical, considerada para baixo, provoca o surgimento de
uma forca de inercia devido a massa da barragem, dirigida para cima.

Os sentidos considerados para as acelerações – horizontal, para montante; vertical, para baixo –
correspondem a situação mais desfavorável, aumentando as forcas desestabilizadoras da
barragem.

Ter-se-á então:

F5 = 0.1*F6

F10 = 0.005*F6

Nota-se que se está a introduzir uma simplificação bastante grosseira ao propor um equivalente
estático dum fenómeno dinâmico.
Para calcular a resultante do diagrama de pressões adicionais na agua, F 4 s considera-se que este
diagrama é definido por;

Em que, ;

C – função de e da inclinação do paramento de montante.

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0 10 20 30 40 50 60 70

CM 0.73 0.67 0.60 0.53 0.45 0.38 0.30 0.21

Figura
Quando o paramento de montante não tem inclinação constante, figura 8, o valor que se toma

para a determinação de C M é obtido da seguinte forma:

- Se , considera-se

- se , considera-se

Figura 8; - Paramento de montante com inclinação não constante.

Por integração numérica, obtém-se a resultante do diagrama das pressões:

Situando-se a uma distância 0.6*h a contar da superfície da água. Assim, por exemplo para
obtém-se , ou seja, cerca de 8% da resultante da pressão hidrostática.

4.6.2. Cálculo simplificado de tensões

Como se referiu anteriormente, o cálculo de tensões e deformações pode ser feito pelo método
dos elementos finitos desde que se disponha do correspondente programa de computador.

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Para pequenas barragens pode, no entanto, optar-se por um cálculo simplificado de tensões
através do chamado método de gravidade (“gravity method”).

As tensões a calcular são:

− Tensões normais num plano horizontal,

− Tensões normais num plano vertical,

− Tensões tangenciais,

Figura 9 – Tensões num elemento plano

Sendo conhecidas as tensões normais e tangenciais num ponto qualquer da barragem, é fácil
calcular as tensões principais. O método de gravidade assimila a secção transversal da barragem,
considerando uma faixa de 1 metro de largura, a uma viga em consoa encastrada na fundação,
utilizando as fórmulas derivadas da Teoria da Elasticidade para calcular as tensões.

a) Cálculo das tensões normais

Estas tensões são calculadas numa secção horizontal admitindo que a secção está sujeita à flexão
composta, com esforço axial de compressão N, e momento , sendo e a excentricidade

do esforço axial em relação ao eixo neutro da secção (rectangular).

O esforço axial, o momento flector e a excentricidade são calculados considerando as forcas que
se situam para um dos lados da secção, normalmente as que estão acima da secção.

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Tratando-se duma secção rectangular de largura unitária (1m) e altura h z, tem-se e

. O diagrama das tensões é um diagrama trapezoidal cujos valores extremos, a

montante e a jusante, são:

Figura 10 – convenção de esforços positivos

Relembra-se na figura 10 a convenção adoptada para os esforços positivos. Assim, numa


barragem gravidade, ter-se-á N negativo e, próximo da base, M negativo: na base da barragem
surgirão, portanto, tensões de compressão mais elevadas do lado de jusante.

No contacto da barragem com a fundação, parte das tensões transmitidas são absorvidas pela
água que percola de montante para jusante (subpressão). Sempre que a tensão de montante seja
inferior ao valor da subpressão nesse ponto, irá surgir uma fissura no contacto barragem-
fundação visto a tensão admissível do betão à tracção ser praticamente zero.

b) Cálculo das tensões tangenciais

No método de gravidade, o cálculo das tensões tangenciais em cada ponto é feito

de forma similar ao que se faz para as vigas sujeitas a esforço transverso. O diagrama das tensões
será então uma parábola de 2º grau:

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No caso das vigas, normalmente as forcas que actuam dobre facetas z (perpendiculares ao eixo
dos zz) não têm componente tangencial, logo as tensões faces superior e inferior da viga são

nulas.
Consequentemente, nas facetas y o diagrama de tensões tangenciais anula-se nas

extremidades.

No caso das barragens gravidade, as faces superiores e inferior da viga correspondem aos
paramentos de montante e jusante que são normalmente inclinados, fazendo ângulos e

com a vertical. Surgem portanto tensões tangenciais nas faces y e z de montante e jusante, visto
que a pressão hidrostática é normal ao paramento.

- Face de montante
Projectando as forças na direcção vertical:

Da mesma maneira, obtendo-se na face de jusante

Admitindo então que a forma do diagrama de tensões tangenciais numa secção horizontal (faceta
y) corresponde a uma parábola do 2º grau, , os coeficientes a, b, c podem ser

calculados impondo as seguintes condições:

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c) Cálculo das tensões normais

Após se ter calculado e , é fácil calcular nos paramentos de montante e jusante.

Projectando as forças na direcção horizontal

Da mesma forma, no paramento de jusante

Num cálculo simplificado, pode admitir-se que varia linearmente de montante para jusante

entre os valores de e .

d) Cálculo das tensões principais ,

Depois de se conhecer em qualquer ponto da barragem as tensões , e , é fácil determinar

nesse ponto as tensões principais e , utilizando as expressões derivadas do circulo de Mohr.

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O ângulo da faceta principal de tensão com o plano horizontal é dado por

e) Cálculo das tensões

Estas tensões normais, actuando perpendicularmente ao plano da secção transversal, surgem


devido ao efeito de Poisson numa situação de estado plano de deformação,

Como para o betão, as tensões são muito inferiores às tensões principais no plano da

secção transversal.

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4.7 Critérios de dimensionamento

São três os critérios de dimensionamento que permitem verificar a estabilidade duma barragem
gravidade:
− Segurança em relação ao derrube por rotação;
− Segurança em relação ao deslizamento;
− Segurança em relação a tensões excessivas.

Qualquer destes critérios deve ser verificado para cada uma das combinações de solicitações:
normal, excepcional, extrema.

A verificação deve fazer-se:


− No plano horizontal de contacto da barragem com a fundação;
− Em qualquer plano horizontal da barragem onde se verifique uma descontinuidade no
perfil; caso não haja descontinuidades, considerar um plano a meia altura da barragem.

Em geral, o critério mais crítico costuma ser o relativo ao deslizamento, sobretudo em rochas
com importantes planos de falhas e fissuras.

a) Segurança em relação ao derrube por rotação


O derrube por rotação é considerado em relação ao eixo X’ definido pela intersecção do plano
horizontal que está a ser analisado com o paramento de jusante da secção transversal da
barragem.
Das forças que actuam sobre o corpo solido em estudo, acima e abaixo do plano horizontal
(incluindo a subpressão), umas originam momentos positivos (estabilizadores) enquanto outros
dão origem a momentos negativos (derrubadores), actuando no sentido dos ponteiros do relógio.

Define-se o factor de segurança em relação ao derrubamento por rotação, fr, como sendo

As principais forças que contribuem para os momentos derrubadores são a pressão hidrostática e
a subpressão; para os momentos estabilizadores contribui principalmente o peso próprio.

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Para a combinação de solicitações NORMAL, fr ≥ 1,5; para as combinações de solicitações fr ≥
1,25.
O derrube dum perfil gravidade por rotação não é uma situação realista. O que acontece é que a
medida que o momento derrubador vai crescendo aumentam rapidamente as tensões de
compressão no pé de jusante; se surgirem tracções a montante, aparecerão fissuras horizontais
que progridem para jusante. Este critério acaba, por isso por ter uma validade limitada.

b) Segurança em relação ao deslizamento (horizontal)


No interior da barragem, esta segurança é garantida pela mobilização das tensões tangenciais. Os
planos horizontais críticos são os correspondentes às juntas de construção horizontais, juntas
essas que têm de merecer muita atenção construindo-as com dentes ou com uma pequena
inclinação para montante.

No contacto barragem-fundação, a ligação entre o betão e a rocha e a tensão tangencial resultante


são os factores críticos.

No tocante à fundação, podem surgir problemas de deslizamento se houver planos de folha quase
horizontais próximos da superfície.

A resistência ao deslizamento, ou seja, a tensão tangencial que pode ser mobilizada é expressa
em função de dois parâmetros: a coesão c e o ângulo de atrito interno . Relembre-se que

A tabela seguinte apresenta valores característicos de coesão e para betão, contacto betão-

rocha e rocha de fundação.

Tabela 1
Valores de coesão e

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A segurança em relação ao deslizamento é definida por factor de segurança. Há diversas
propostas para este factor de segurança: factor de deslizamento, factor de resistência por atrito,
factor de equilíbrio limite. Os dois últimos são bastante próximos.

O factor de resistência por atrito (“shear friction factor”), sff, é definido como a razão entre a
força resistente ao deslizamento e a força horizontal resultante.

Note-se que em há que subtrair a subpressão.

Os valores mínimos de sff são normalmente os seguintes:

Combinação de solicitações
NORMAL EXCEP. EXTR.
Barragem 3. 2. >1.
Contacto c/ fundação 4. 3. 1.3

c) Segurança em relação a tensões excessivas


Viu-se já como se determinam as tensões principais em qualquer ponto da barragem bem como
no contacto barragem-fundação. Não são admissíveis tensões de tracção, na fase de projecto.
Caso estas se verifiquem em barragens já construídas, admite-se o desenvolvimento duma fissura
e determina-se a segurança em relação ao deslizamento e à tensão excessiva considerando a parte
da secção não fissurada.
No tocante às tensões de compressão, elas não podem exceder a tensão característica de rotura do
betão ou da rocha dividida por um factor de segurança, ft. Os valores mínimos de ft são os
seguintes:

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Combinação de solicitações
NORMAL EXCEP. EXTR.
Barragem 3.0 2.0 1.0
Contacto c/ fundação 4.0 2.7 1.3

As tensões características de rotura do betão são fixadas pelo projectista e verificadas


experimentalmente em laboratório durante a construção; as da rocha são determinadas em
laboratório durante as investigações geológicas nas fases de anteprojecto e projecto. Para os
betões utilizados na construção de barragens gravidade, as tensões de rotura variam de 20 a
30MN/m2. As tensões de rotura das rochas dependem do tipo de rocha e do seu grau de
alteração. Para rochas pouco alteradas, pode atingir valores muito elevados para rochas duras
como basaltos, granitos, quartzitos, na ordem de 200MN/m2 mas para outros tipos de rochas os
valores serão semelhantes aos do betão.

4.8 Barragens gravidades em fundações permeáveis (solos)

Pode considerar-se a construção de barragens gravidades em fundações permeáveis (solos) mas


tal impõe limitações e cuidados. Assim, o USBR recomenda que a alternativa barragens
gravidade só seja considerada para uma fundação em solo se a altura da barragem não exceder
9m e a queda bruta (NPA –TWL) não seja superior a 6m.

O projecto nestas condições obriga a resolver problemas de assentamentos, erosões e percolação.

Os problemas de erosão interna (“piping”) e percolação estão inter-relacionados, com a erosão a


resultar normalmente de percolação excessiva e subpressões elevadas a jusante.

Diversas medidas podem ser utilizadas para controlar a percolação e a subpressão, evitando o
surgimento de problemas de erosão, conforme a figura 12.

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Figura 12

• Laje de betão a montante com um “cutoff” na extremidade. Esta laje fica ligada ao corpo da
barragem por uma ligação flexível tornada impermeável através dum dispositivo de
estanquidade. O “cutoff” pode ser em betão, argila, argamassa de cimento ou com estacas-
prancha.
A utilidade do conjunto laje – “cutoff” é o aumento do comprimento de percolação desta
forma reduzindo o caudal percolado e as subpressões a jusante.
• Tapete impermeabilizante de argila a montante da laje de betão, igualmente para aumentar o
caminho de percolação.
• Com a mesma finalidade, uma laje de betão a jusante. Esta laje fica separada do corpo da
barragem por uma junta dotada dum dispositivo de estanquidade e por isso não é considerada
nas análises de estabilidade,
• Drenos para alivio das subpressões.
• Dente a montante, para aumentar a estabilidade em relação ao deslizamento.
• Enrocamento de protecção a jusante com a dupla finalidade de evitar erosões na passagem da
água descarregada e de permitir a saída da água percolada sem arrastamento de finos (para tal
deve funcionar como um filtro).

O dimensionamento duma barragem gravidade nestas condições pode fazer-se com base no
método simplificado de lane (“weighted – creep method”). Esse método calcula o gradiente
hidráulico e compara-o com valores máximos admissíveis. Os passos de cálculo são os seguintes:

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a) Calcula-se o comprimento ponderado de percolação l p

Quando a água é obrigada a percolar na direcção vertical, o método admite que a


permeabilidade vertical é inferior a permeabilidade horizontal e isso é tomado em conta
dando um maior peso a lv do que lh .
Os comprimentos l v e l h são medidos a parir do contacto da barragem com a fundação, v.
figura 12.

b) Calcula-se a razão l p/hu em que h u é a queda bruta. Esta razão é o inverso do gradiente
hidráulico. Se a barragem dispuser de drenos e filtros convenientes, o valor de l p /h u é
aumentado 10%.
c) Compara-se o valor de lp /hu obtido com o mínimo admissível dado na tabela seguinte.

Valore mínimos de lp / h u
Argila Areia Cascalho
Silte
Mole Média Dura Mto fina Fina Media Grossa Fino Médio Grosso

9.0 6.0 5.5 25.5 25.0 21.0 18.0 15.0 12.0 10.5 9.0

Os maiores valores de l p /h u são exigidos a fundações em silte e areia fina por causa da facilidade
de arrastamento de partículas finas pela água percolada. À medida que o material da fundação se
torna mais grosseiro, o valor de lp /hu exigido vai diminuindo. A fundação em argila apresenta
valores exigíveis de l p/hu mais baixos devido à sua baixa permeabilidade e coesão entre as
partículas.

A extensão das lajes de betão a montante e jusante, “cutoff”, tapete impermeabilizante, é então
determinada de forna a que l p/hu seja superior ao exigido.

No que respeita à análise de estabilidade, os critérios de dimensionamento são os já


anteriormente apresentados, tendo no entanto em atenção que as tensões que podem ser
absorvidas pela fundação são muito mais pequenas que no caso duma rocha sã.

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Quanto ao diagrama de subpressões, admite-se que ele varia linearmente (desde o valor de
montante ao valor de jusante) ao longo de todo o caminho ponderado de percolação, ou seja,
tomando um gradiente hidráulico constante .

4.9 Aspectos a considerar no projecto e construção de barragens gravidade

a) A fundação em rocha deve ser injectada. A cortina de injecções tem uma altura próxima da
altura da barragem. A cortina não é apenas indispensável por causa da camada de alteração e
fissuras na rocha mas também ajuda a compactar e reforçar a rocha na zona de contacto com
a barragem.
b) Drenos de alívio das subpressões, feitos a partir duma galeria de inspecção que se situa perto
da base da barragem. Os drenos da fundação são furos de 75-100mm de diâmetro, espaçados
de 3 a 5 metros e logo a jusante da cortina de injecções. No interior da barragem, deixam-se
furos de diâmetro não inferior a 150mm espaçados de cerca de 3 metros e próximos do
paramento de montante. Os drenos devem ser construídos de forma a poderem ser limpos ou
reabertos no caso de ficarem colmatados. A água recolhida é conduzida para jusante.

A figura 13 (de MOFFAT 1984) dá uma estimativa da eficiência da drenagem em função da


posição dos drenos e da relação entre o espaçamento e o diâmetro dos drenos.

Figura 13

Yd – distancia ao paramento de montante;

Sd - espaçamento entre os drenos;

rd – diâmetro dos drenos;

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- pressão da água a montante.

c) Galeria de inspecção próxima da base da barragem, para colectar a água drenada, permitindo
também a colocação de instrumentos de medição (observação da barragem). Sugere-se como
dimensões mínimas 2,0 * 1,2m.

d) Juntas de contracção transversal espaçadas de 15m por causa das características térmicas do
betão. Estas juntas permitem pequenos movimentos diferenciais dos monólitos. O projecto
deve prever dentes de encaixe e estanquidades em PVC, figura 14.

Figura 14.

e) Juntas de construção – para evitar fissuras no betão na fase de arrefecimento após a


betonagem e presa, cada betonagem tem de ser limitada em altura a camadas quase
horizontais com 1,5 – 2,0m de altura. Para melhorar a resistência ao deslizamento, a
superfície é com degraus ou com pequena inclinação para montante.
f) A folga mínima deve ser pelo menos de 1 metro.
g) A largura do coroamento não deve ser inferior a 1,5m.

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