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Objectivos

Geral:

Específicos:
Introdução
Mesmo no século XXI, os termos canal radicular e dor são considerados sinônimos.
Todo clínico que realiza tratamento endodôntico já teve que lidar com essa sensação
desagradável, e a habilidade do clínico é com frequência julgada primariamente por seu
sucesso ou fracasso no controle da dor. Alcançar o controle da dor com sucesso,de
maneira previsível e efi ciente, requer um conhecimento básico do sistema de dor
trigeminal e dos mecanismos pelos quais as drogas e as terapias disponíveis fornecem o
alívio para esta dor. Este capítulo apresenta informações sobre as descobertas científi
cas básicas relativas à dor aguda e faz uma revisão das melhores evidências disponíveis
para o tratamento bem-sucedido da dor de origem periapical.
Ele inclui também uma breve visão do campo da farmacogenômica da dor, que promete
a possibilidade de predizer os efeitos de uma droga analgésica dependendo da
constituição genética do paciente. Uma revisão verdadeiramente completa do tópico
sobre controle da dor em endodontia irá, também, incluir o diagnóstico da dor
odontogênica (Caps. 1 e 2), o diagnóstico da dor não odontogênica (Cap. 3), uma
discussão sobre os mediadores da inflamação pulpar e periapical (Caps. 12 a 14), uma
revisão da farmacologia dos anestésicos locais (Cap. 20) e modificações no
comportamento do paciente (Cap. 26).

O SISTEMA DE DOR TRIGEMINAL


Quando ativadas por um estímulo sufi ciente para causar lesão tecidual ou liberação de
mediadores infl amatórios, as terminações nervosas na polpa e nos tecidos periapicais começam
a enviar impulsos nervosos para o sistema nervoso central (SNC) que eventualmente são
percebidos como dor.

A via anatômica para essa transmissão de informação tem sido razoavelmente bem estabelecida,
e é tentador visualizar a percepção da dor de origem orofacial como uma simples resposta
proporcional à intensidade do estímulo.. Depois que um estímulo nocivo é detectado na
periferia, existe uma ampla oportunidade para um grande número de modifi cações endógenas e
possivelmente exógenas dessa mensagem, antes da sua percepção final.

O clínico lida com todos os três níveis do sistema de dor no diagnóstico e no tratamento da
odontalgia, e um profissional com um entendimento básico de cada nível será capaz de
reconhecer as oportunidades terapêuticas e aplicar métodos efetivos de controle da dor.

Detecção: O Primeiro Passo na Percepção da dor


Vários tipos de neurônios periféricos são encontrados no sistema trigeminal, incluindo fibras
Aα, Aβ e Aγ de grande diâmetro e altamente mielinizadas, associadas a funções motoras,
proprioceptivas, de toque, de pressão e de estiramento do fuso muscular. Mas são as fibras Aδ
menores, menos mielinizadas, e as ainda menores e amielínicas fi bras C que conduzem as
informações que comumente são percebidas como dor. Estas duas classes de fibras nervosas
sensíveis à dor, ou nociceptores, são encontradas na polpa dentária, mas há cerca de três a oito
vezes mais fibras C amielínicas do que fibras Aδ.22,23,113,227 Deve-se notar que esse sistema
de classificação se baseia unicamente no tamanho e na mielinização dos neurônios e não indica
necessariamente a função. Por exemplo, outra classe de fibras pulpares C é a dos eferentes pós-
ganglionares simpáticos encontrados em associação a vasos sanguíneos, onde eles regulam o
fluxo sanguíneo pulpar2,127,191,192e podem influenciar também a atividade de nociceptores
periféricos. Uma vez que a maioria das fibras sensitivas pulpares é composta por fibras
nociceptivas, seus ramos terminais são terminações nervosas livres, e a estimulação fisiológica
através de qualquer modalidade (p. ex., temperatura, fluidos hiperosmóticos) resulta na
percepção de dor pura, que pode ser bastante difícil de ser localizada pelos pacientes.
Sob condições experimentais, a estimulação elétrica pode resultar em uma sensação pré-
dolorosa que também é difícil de localizar. Uma vez que a inflamação tenha se estendido para o
ligamento periodontal, que é bem dotado de receptores discriminadores de toque Aβ, a
localização da dor é mais previsível com um leve estímulo mecânico, como o teste de
percussão.

Na polpa e nos tecidos periapicais normais, não inflamados, um estímulo nocivo causa
despolarização dos nociceptores sufi ciente para gerar potenciais de ação através da abertura dos
canais de sódio regulados por voltagem (Nav). Dos nove subtipos de canais de sódio regulados
por voltagem conhecidos (Nav1,1 a Nav1,9), acredita-se que cinco existam no sistema
trigeminal. Esses canais provavelmente têm um papel fundamental na sensibilidade alterada dos
nociceptores pulpares e periapicais durante a infl amação, quando mesmo um estímulo não
nocivo pode levar à percepção da dor.

Após a geração de um potencial de ação, não só a informação é enviada para o sistema nervoso
central (SNC), mas, de maneira antidrômica (na direção reversa do impulso), neuropetídeos
próinflamatórios como a substância P (SP), peptídeo relacionado com gene da calcitonina
(CGRP), neurocininas e o clássico neurotransmissor glutamato são liberados pelos terminais
aferentes nos tecidos pulpar e periapical inflamados.

Sensibilização Periférica
Depois de repetidos estímulos nocivos, tanto os nociceptores das fibras A quanto os
nociceptores polimodais das fi bras C passam por um processo de sensibilização que é
manifestado por três mudanças óbvias dos padrões de resposta. Em primeiro lugar, os limiares
de descarga podem baixar, tanto que estímulos anteriormente não dolorosos podem desencadear
descargas, contribuindo para a sensação de dor (alodinia). Segundo, descargas posteriores
podem ocorrer, tanto que estímulos dolorosos podem ocasionar um aumento ainda maior na
intensidade da dor percebida (hiperalgesia). E, em terceirolugar, podem ocorrer descargas
espontâneas, contribuindo para o desenvolvimento de dores espontâneas.

Essas mudanças são frequentemente vistas em pacientes com dor endodôntica e podem ser
explicadas em parte pelos efeitos dos mediadores químicos liberados nos tecidos pulpar e
periapical inflamados. Tais mediadores incluem substâncias produzidas pelos tecidos lesados,
agentes de origem vascular e peptídeos liberados pelas próprias fi bras nervosas (Tabela 19-1).

Outros mecanismos de sensibilização periférica são listados no

Mediadores Inflamatórios
Entre os mais característicos mediadores inflamatórios estão as prostaglandinas (PGs),
derivadas do ácido araquidônico, através da ação da enzima ciclo-oxigenase (COX). Sabe-se
que a enzima COX humana existe em pelo menos duas formas, COX-1 e COX-2. A COX-1 é
expressa constitutivamente e produz PGs que são envolvidas na manutenção das funções
normais básicas, como a citoproteção gástrica, a regulação do fl uxo sanguíneo nos rins e a
formação do tromboxano A2.
A formação do tromboxano A2 pode, em última análise, levar à agregação plaquetária;
consequentemente, a inibição do tromboxano A2 deveria reduzir a agregação plaquetária. A
COX-é indutível, sintetizada nos tecidos infl amados (incluindo a polpa dentária)170 e é
importante na produção das PGs pró-inflamatórias, bem como da prostaciclina vasodilatadora
(PGI2). Embora elas não produzam dor se aplicadas sozinhas, as PGs são conhecidas por
sensibilizar os nociceptores periféricos, o que aumenta as propriedades algógenas (produtoras
de dor) da serotonina e da bradicinina.

O mecanismo exato pelo qual as PGs aumentam a excitabilidade neuronal não está esclarecido,
mas crescem as evidências sugestivas de que elas ativam os receptores para PG EP2 e EP3 no
sistema trigeminal184 e exercem seus efeitos regulando a atividade de alguns canais iônicos,234
incluindo canais de sódio sensíveis à voltagem. Por exemplo, a aplicação da prostaglandina E2
(PGE2) ao gânglio neuronal da raiz dorsal mais do que dobra a resposta de certos canais de
sódio encontrados predominantemente nos nociceptores – canais que se creem relativamente
resistentes à lidocaína.8,79 Quando administrado a ratos antes de uma agressão, o ibuprofeno,
um inibidor não seletivo da COX, tem demonstrado bloquear o aumento da expressão do
Nav1,7 e do Nav1,8.84,85 Consequentemente, se as concentrações de PGs nos tecidos pulpar e
periapical infl amados podem ser reduzidas com drogas anti-infl amatórias não esteroides
(AINEs) ou corticosteroides, a dor pós-operatória pode ser aliviada e, além disso, uma anestesia
local mais profunda pode até ser conseguida em pacientes com hiperalgesia pulpar.95,106,160 É
interessante notar que os próprios neurônios sensitivos são fontes de PGs; durante a inflamação,
os níveis de PGE2 aparentemente aumentam no gânglio da raiz dorsal e na medula espinal,
sugerindo que os AINEs também apresentam uma ação central (discutida adiante neste
capítulo).148,239 Bradicinina (BC) é um mediador pró-infl amatório derivado das proteínas
plasmáticas circulantes e também causa a ativação direta dos neurônios nociceptivos, resultando
em dor. Níveis aumentados da BC têm sido demonstrados na polpa dentária infl amada,135 e a
presença de fatores de crescimento associados à inflamação (p. ex., fator de crescimento neural)
tem sido relatada como causa de um aumento na expressão do ácido ribonucleico mensageiro
(RNAm), codificando receptores B1 e B2 em culturas primárias de gânglio trigeminal de
ratos,218 assim como outros receptores, como TRPV1 e TRPA1.41,112

O receptor transitório potencial subtipo V1 (TRPV1) é o “receptor para capsaicina”; ele tem um
papel-chave na mediação da dor infl amatória. O receptor TRPA1 é expresso em neurônios
sensíveis à capsaicina41 e com TRPV1.200 A bradicinina provavelmente aumenta a
excitabilidade dos neurônios nociceptivos através da sua ação no TRPV1e no TRPA1.

Citocinas são um grupo diversificado de proteínas reguladoras sintetizadas e secretadas por uma
variedade de tipos celulares, como leucócitos, neurônios e glia. Acredita-se que,
particularmente, o fator de necrose tumoral α (TNF-α) e as interleucinas IL-1β, IL-6 e IL-8
desempenham um papel nas mudanças neuroplásticas que ocorrem nos nociceptores que
inervam os tecidos infl amados, levando à hiperalgesia. A aplicação do TNF-α sensibiliza
rapidamente o TRPV1,124 contribuindo para a ativação da classe de nociceptores sensíveis à
capsaicina.

Acredita-se que tudo o que foi descrito acima exista na polpa infl amada (para revisão, ver
Fouad64) e que atue, pelo menos em parte, causando um aumento na liberação de prostanoides.
Mudanças nos Fenótipos Neuronais
Os neurônios sensitivos que inervam os tecidos periféricos inflamados passam por notáveis
mudanças fenotípicas, incluindo mudanças nos mecanismos de transdução e na plasticidade da
organização do nociceptor.

Na polpa dental, é provável que as fi bras C predominem na resposta infl amatória, pois a
qualidade da dor descrita pelos pacientes com doença pulpar infl amatória (p. ex., dor profunda,
pulsátil) é similar à relatada pelos pacientes que sofreram ativação experimental

das fibras C.5,169,174 Como descrito previamente, certas combinações de mediadores


inflamatórios causam tanto a ativação quanto a sensibilização dessas fibras.

É interessante notar que, quando os tecidos pulpar e periapical sofrem alterações infl amatórias,
as fi bras C que inervam esses tecidos apresentam quantidades aumentadas de certos
neuropeptídeos pró-infl amatórios, como SP e CGRP.19,24,26 Tem sido também demonstrado
que as terminações das fibras C nos tecidos pulpares inflamados passam por um processo
chamado de brotamento, no qual as terminações próximas aos tecidos infl amados crescem para
formar novas terminações,22-24 possivelmente levando a uma maior participação na detecção e
na modulação da resposta tecidual à agressão.

Outra consideração na resposta neural à inflamação é a possibilidade de uma mudança na


distribuição e na atividade dos canais de sódio regulados por voltagem. Em particular, ratos que
não têm o gene para o Nav1,7 demonstram, particularmente, redução de comportamentos
dolorosos quando tratados previamente com uma variedade de agentes pró-inflamatórios.
Também envolvidos na alteração da característica do disparo dos nociceptores que inervam os
tecidos inflamados estão os canais de sódio resistentes à tetrodontoxina (TTX), a biotoxina
encontrada no Tetraodon pufferfi sh (um tipo de baiacu). Os dois principais canais de sódio
TTX-R são Nav1,8 e Nav1,9 e demonstrou-se que ambos foram encontrados em quantidades
duas a quatro vezes maiores do que o habitual em polpas dentais inflamadas de pacientes com
diagnóstico de pulpite irreversível.235,237 Foi demonstrado que, quando expostos à PGE2, os
neurônios isolados das células ganglionares da raiz dorsal aumentam os canais de sódio
resistentes à TTX atuais em poucos minutos,79 indicando um aumento na ativação dos canais
existentes em lugar de uma nova síntese proteica. É de se ressaltar que esses canais de sódio são
relativamente resistentes à lidocaína,199 o que pode explicar a difi culdade em obter uma
anestesia profunda em tecidos infl amados (Cap. 20).95

Sinais e Sintomas de Dor Pulpar e Periodontite Periapical Aguda


Como mencionado, os sinais típicos da percepção da dor oriunda de uma inflamação aguda são
alodinia, hiperalgesia e dor espontânea.

Os mecanismos periféricos desses sintomas incluem:

• A diminuição no limiar de gatilho da dor,

• Um aumento do nível de resposta a estímulos nocivos

• Desenvolvimento de descargas espontâneas dos nociceptores.


Todas essas três características podem ser vistas em pacientes com dor devido à infl amação de
origem pulpar Por essa perspectiva, não seria de se esperar correlação entre histologia pulpar e
sintomas do paciente. Ou seja, a dor infl amatória é o resultado de moléculas interagindo com
nociceptores, um evento que não pode ser detectado por métodos histológicos convencionais.

A alodinia térmica é o termo que melhor descreve a dor na qual a queixa principal do paciente
é “Eu tenho dor quando tomo bebidas geladas”. A alodinia mecânica é envolvida quando a
queixa principal é “Agora dói quando eu mordo em cima deste dente”. Esses estímulos, não
nocivos anteriormente, agora causam a sensação de dor. A hiperalgesia é manifestada em
pacientes com dor endodôntica quando estímulos nocivos (p. ex., gases refrigerantes ou neve de
dióxido de carbono utilizados nos testes frios) produzem muito mais dor do que deveriam em
dentes com tecidos pulpares normais. A dor espontânea é caracterizada por episódios de dor que
parecem não ser provocados.

Todas essas mudanças podem ser parcialmente explicadas pela sensibilização das terminações
nervosas periféricas na polpa e nos tecidos periapicais.

Drogas Analgésicas com Potencial de Ação Periférico


O controle da dor pode ser efetuado por mecanismos endógenos na periferia. Por exemplo,
células do sistema imune nos tecidos periféricos inflamados podem liberar opioides que atuam
nos receptores encontrados nos neurônios sensitivos.213 Várias classes de drogas também
apresentam o potencial para reduzir a produção de agentes que causam dor tanto de forma direta
como pela sensibilização de nociceptores periféricos. Essas drogas incluem anti-infl amatórios
não esteroides (AINEs).

O Corno Dorsal Medular


Após a ativação dos nociceptores periféricos, os impulsos nervosos, na forma de potenciais de
ação, carregam informações sobre intensidade (codifi cada pela frequência de disparo),
qualidade (codifi cada pelo tipo de neurônio ativado) e características temporais (codifi cadas
por início, duração e término da despolarização) do estímulo periférico para o SNC. No sistema
de dor trigeminal, esses potenciais de ação chegam ao complexo nuclear do trato espinal
trigeminal localizado na medula.94,141,204 Três subnúcleos distintos podem ser encontrados
nesse complexo. Denominados por suas posições anatômicas, são eles os subnuclei oralis,
interpolaris e caudalis.

Embora os subnúcleos mais frontais (oralis e interpolaris) recebam alguns estímulos


nociceptivos dos tecidos orais,39 a maior parte desses estímulos é recebida no nível do
subnúcleo caudal.57,146,206 Devido à sua semelhança organizacional com o corno dorsal da
medula espinal (que recebe os estímulos nociceptivos do sistema somatossensorial), o
subnúcleo caudalis tem sido chamado de corno dorsal medular.

Componentes do Corno Dorsal Medular


O corno dorsal medular retransmite informações para os centros mais elevados do cérebro e
serve como local de grande processamento dos sinais oriundos das fibras nervosas sensitivas
aferentes periféricas. A informação saída dessa região pode ser aumentada (hiperalgesia),
diminuída (analgesia) ou mal interpretada (dor referida). Entender os componentes funcionais
envolvidos nesse processamento não só ajuda a explicar alguns desses fenômenos clínicos, mas
também proporciona a avaliação do potencial de modalidades terapêuticas propostas atualmente
sob investigação.

Os componentes funcionais incluem:

• terminações centrais dos nociceptores primários (fibras aferentes Aδ e C),

• neurônios de projeção secundários,

• interneurônios,

• terminações dos neurônios descendentes e

• células da glia.

As fibras aferentes primárias (que possuem seus corpos celulares no gânglio trigeminal)
transmitem os sinais para os neurônios de projeção através da liberação de transmissores, como
o aminoácido excitatório, o glutamato e o neuropeptídeo substância P. Os receptores para esses
neurotransmissores são encontrados nas membranas pós-sinápticas e incluem os receptores de
glutamato, classes NMDA e AMPA, e os receptores de substância P, classe neurocinina-1
(NC1).

Os corpos celulares dos neurônios de segunda ordem (de projeção) no sistema de dor trigeminal
são encontrados no corno dorsal medular; seus processos atravessam a linha média e se
projetam frontalmente para o tálamo através do trato trigêmino-talâmico (Fig. 19-2). Do tálamo,
os neurônios de terceira ordem transferem a informação para o córtex cerebral pelo trato
talamocortical. Uma vez que os sinais tenham atingido o córtex, o estímulo pode ser percebido
como dor.

Sensibilização Central
A sensibilização central pode ser definida como uma resposta aumentada dos neurônios
nociceptivos centrais aos estímulos periféricos que ocorre em adição à sensibilização periférica
dos nociceptores aferentes primários.

Acredita-se que a sensibilização central seja a principal causa de hiperalgesia e alodinia.


Ensaios clínicos recentes apontam para a sensibilização central em pacientes que relatam dor
devido a uma pulpite irreversível. Em um levantamento de quase 1.000 pacientes, 57% dos
pacientes com pulpite irreversível relataram alodinia mecânica (dor devido à percussão).182
Isso parece se dever, pelo menos em parte, à sensibilização central, pois tanto o dente ipsilateral
(com pulpite) como o contralateral (normal) demonstraram alodinia mecânica a um transdutor
de força.
Portanto, a sensibilização central contribui para a dor endodôntica, e a aplicação clínica de
transdutores de força de mordida pode proporcionar um novo método para o diagnóstico dos
mecanismos de dor.

Percepção: Do Tálamo ao Córtex


O passo anatômico final na via da dor trigeminal reside nos neurônios que deixam o tálamo e se
estendem até o córtex cerebral. O paciente, na verdade, percebe um estímulo como doloroso no
nível cortical. É interessante notar (mas provavelmente sem nenhuma surpresa para o clínico
com experiência) que uma desproporcionalmente grande porção do córtex sensorial nos seres
humanos é dedicada aos estímulos das regiões orofaciais.186

Tem-se tornado cada vez mais óbvio que os processos de percepção mais elevados (i.e.,
corticais) apresentam um grande efeito na verdadeira sensação de dor que o paciente sente (para
revisão, ver Yaksh250). Memórias de experiências passadas de dor fornecem uma base sobre a
qual as novas experiências similares são julgadas servindo para moldar a resposta a um dado
estímulo. No campo da odontologia, o nível de ansiedade do paciente, no momento do
tratamento, afeta não só a resposta do paciente à dor sentida durante o tratamento,52,241 mas
também a tendência de o paciente recordar a experiência como dolorosa ou desprazerosa mesmo
até 18 meses após o tratamento. O clínico deveria fazer o possível para controlar o nível de
ansiedade do paciente antes do tratamento endodôntico (Cap. 26). Um método pré-tratamento
simples consiste em fornecer aos pacientes informações positivas por escrito relativas ao
controle da dor durante seutratamento endodôntico. Num ensaio clínico controlado com
placebo, 437 pacientes endodônticos receberam um de cinco parágrafos informativos para ler
antes do tratamento. Um dos parágrafos continha informações positivas a respeito da dor
durante o tratamento. Os pacientes completaram, após o tratamento, questionários que
avaliaram sua ansiedade dentária e seus temores em relação aos dentes.

Previsão da dor endodóntica pós-operatória


Embora o tratamento endodôntico atual possa ser virtualmente indolor durante o procedimento,
certos pacientes ainda podem sentir

alguma dor após a consulta. Estudos iniciais que investigaram a dor endodôntica pós-operatória
relataram a incidência de 15% a 25% de dor moderada a intensa.30,97,179 Em um estudo
clínico prospectivo, 57% dos pacientes relataram ausência de dor após desbridamento e preparo
do sistema de canais radiculares, embora 21% tenham apresentado dor leve, 15%, dor moderada
e 7%, dor intensa. Mesmo que alguns pacientes experimentem dor moderada a intensa após o
tratamento endodôntico, poucos sofrerão o que é, atualmente, referido como flare-up, ou uma
complicação pós-operatória que requer uma consulta de emergência com uma intervenção não
planejada para controlar os sintomas do paciente.231 Pacientes com fl are-up usualmente se
queixam de dor intensa, aumento de volume ou uma sensação de pressão na mandíbula ou na
maxila um a dois dias após o tratamento.
A incidência de flare-up varia de acordo com estudos e acontece em 2% a 20% dos pacientes,
com a maior prevalência geralmente relatada nos estudos mais antigos, que usavam técnicas
clássicas de limpeza e preparo.

Numerosos estudos têm avaliado os fatores relacionados com a dor endodôntica pós-operatória
e o flare-up, com o objetivo de melhor predizer quando tais complicações ocorrerão com maior
probabilidade.

Analgésicos não Narcóticos


O controle da dor endodôntica é multifatorial e é direcionado para aredução dos componentes
periféricos e centrais da hiperalgesia por meio da combinação de procedimentos endodônticos

e farmacoterapia. A principal classe de drogas para o controle da dor endodôntica é a dos


analgésicos não narcóticos, que incluem os AINEs e o acetaminofeno (paracetamol).

* Os AINEs mostraram-se bastante eficazes no controle da dor de origem inflamatória e, pela

propriedade de sua ligação às proteínas plasmáticas, exibem realmenteum acesso mais efi caz ao
tecido infl amado por meio dessas proteínas. Embora se considere, classicamente, que essas
drogas produzem analgesia através de mecanismos periféricos, atualmente acredita-se que o
SNC seja um local de ação adicional.

Alguns pesquisadores propuseram que uma variante de divisão de COX1, a COX3, é expressa

predominantemente no SNC e constitui o principal local de ação do paracetamol.28,128,202


Entretanto, estudos recentes indicam que os efeitos antipiréticos e analgésicos do paracetamol
não envolvem a inibição de COX3,102 sendo exercidos mais provavelmente por efeitos de um
metabólito ativo sobre receptores canabinoides do SNC.

Vários AINEs estão disponíveis para o controle de dor e inflamação. Infelizmente, poucos
estudos (particularmente sobre dor endodôntica) comparam diretamente um AINE ao outro para
analgesia e efeitos colaterais, particularmente com relação à dor endodôntica. A falta de estudos
comparativos completos com modelos

Rx, Prescrição reforçada .

* De acordo com a instrução da nova bula para o cetorolaco, a droga em

comprimido só deveria ser usada como substituição do cetorolaco injetável

e por não mais do que cinco dias.

Limitações e Interações Medicamentosas


Os clínicos devem instruir-se não só sobre a efi cácia dos analgésicos não narcóticos, mas
também sobre suas limitações e interações com outras drogas.25 Por exemplo, os AINEs
possuem um pico analgésico que limita o nível máximo de analgesia e induz efeitos colaterais,
incluindo aqueles que afetam o sistema GI (3% a 11% de incidência) e o SNC (incidência de
1% a 9% de tontura e dor de cabeça).

Os AINEs são contraindicados para pacientes com: úlceras e hipersensibilidade à

aspirina.

Eles também estão associados a severas complicações GI, e o risco de efeitos adversos cresce
com o aumento da dose acumulada durante a vida, utilizando estas drogas. Tem sido relatado
que os AINEs interagem com um número de outras drogas. A combinação de paracetamol com
opioides é umaalternativa para pacientes impossibilitados de tomar AINEs.

Acetaminofeno (Paracetamol)
O paracetamol é uma das drogas mais comumente usadas. É também uma das drogas mais
encontradas em produtos combinados para o alívio da dor e dos sintomas de resfriados ou
gripes. Ele é consideradoseguro quando tomado em doses normais, mas a doses mais altas o

paracetamol causa toxicidade hepática e se tornou a causa mais comum de insufi ciência
hepática aguda.134 A maior parte do paracetamol é conjugada no fígado para formar
metabólitos inativos. Uma pequena parte é metabolizada pelo sistema do citocromo P450 para

formar N-acetil-p-benzoquinona imina (NAPQI), que é muito tóxica, mas é usualmente


convertida em compostos não tóxicos por sua ligação com a glutadiona. Doses elevadas de
paracetamol saturam a via principal do metabolismo, resultando em mais paracetamol a ser

convertido em NAPQI. A lesão hepática ocorre quando a glutationa se esgota e a NAPQI se


acumula. Adultos sadios não deveriam tomar mais do que 4 g (4.000 mg) de paracetamol em
um período de 24 horas.

As medicações opioides para dor podem conter até 650 a 750 mg de paracetamol por
comprimido. Ao prescrever essa combinação, deve-se tomar o cuidado de manter a dose
máxima de paracetamol abaixo de 4.000 mg. Na tentativa de resolver isso, os fabricantes tem
produzido combinações de doses altas de opioides/doses baixas de paracetamol, como 10 mg de
hidrocodona* e 325 mg de paracetamol.

Analgésicos Opioides
Os opioides são analgésicos potentes frequentemente usados em odontologia em combinação
com paracetamol, aspirina ou ibuprofeno. A maioria dos opioides clinicamente disponíveis ativa
os receptores mμ opioides, localizados em vários sítios importantes do cérebro . A ativação
destes receptores inibe a transmissão dos sinais nociceptivos do núcleo trigeminal para as
regiões mais elevadas do cérebro, e estudos recentes indicam que os opioides também ativam
receptores opioides periféricos localizados na polpa dentária.60 A injeção intraligamentar de
morfi na tem mostrado redução signifi cativa da dor em pacientes endodônticos e em outros
estados de dor infl amatória.
Aparentemente existem diferenças dependentes do gênero na resposta aos agonistas opioides
kappa; as mulheres possuem uma resposta analgésica maior à pentazocina* do que os homens.
Embora os opioides sejam efetivos como analgésicos para dor moderada a intensa, o seu uso é
geralmente limitado pelos seus efeitos adversos, os quais podem incluir náusea, êmese,
vertigem, sonolência e potencial depressão respiratória e constipação. O uso crônico está
associado à tolerância e à dependência. Por sua dose ser limitada pelos seus efeitos colaterais, os
opioides são, quase sempre, utilizados em combinações medicamentosas para dor dentária. Uma
formulação combinada é preferida, pois permite o uso de uma baixa dose de opioide, reduzindo,
consequentemente, os efeitos colaterais.

A codeína é geralmente considerada o protótipo do opioide para as combinações disponíveis por


via oral. A maioria dos estudos relata que a dose de 60 mg de codeína (a quantidade em dois
comprimidos de paracetamol com codeína no 3) produz uma analgesia signifi cativamente
maior que o placebo, embora frequentemente produza menos analgesia do que 650 mg de ácido
acetilsalicílico ou 600 mg de paracetamol.

Em geral, pacientes em uso de apenas 30 mg de codeína descrevem relativamente a mesma


analgesia que aqueles em uso de placebo. A Tabela 19-8 apresenta a dose de outros
equivalentes a 60mg de codeína.

Administração Intracanal
Vários estudos têm avaliado a administração intracanal de esteroides. Em 50 pacientes
consecutivos com indicação de tratamento endodôntico não cirúrgico de dentes vitais, um
investigador colocou, alternadamente, solução de dexametasona e solução salina (placebo)
como medicação intracanal após a limpeza e a modelagem dos canais.

Os níveis de dor pré-tratamento foram coletados, e depois em 24, 48 e 72 horas após o


tratamento. Os resultados indicaram uma redução significativa da dor em 24 horas, porém
nenhuma diferença signifi cativa com 48 e 72 horas. Em um experimento clínico similar duplo-
cego, a colocação intracanal de uma solução de esteroide a 2,5% ou salina (placebo) ao término
da instrumentação resultou em uma redução significativa da incidência de dor pós-operatória
nos dentes em que a polpa estava vital.27 Entretanto, quando a polpa era necrótica, não foi vista
nenhuma diferença signifi cativa entre o esteroide e o placebo na redução do desconforto pós-
operatório.

Um outro estudo não encontrou diferença signifi cativa na incidência de flare-ups quando
formocresol, Ledermix (pasta antibiótica com corticosteroide) ou hidróxido de cálcio foram
usados como medicamento intracanal em uma sequência estrita, independentemente da presença
ou não de sintomas ou sinais radiográfi cos de periodontite apical. Entretanto, um experimento
clínico recente de larga escala, com 223 pacientes, relatou a diminuição signifi cativa da dor
pós-tratamento em pacientes após a administração intracanal de Ledermix quando comparada
tanto com hidróxido de cálcio quanto com ausência de medicação.54 Os esteroides de uso
intracanal parecem ter efeitos significativos na redução da dor pós-operatória.
Administração Sistêmica
Alguns estudos têm avaliado a efetividade da administração sistêmica de corticosteroides para
dor pós-tratamento e flare-ups. Em um estudo duplo-cego, randomizado, empregando placebo
como controle, foi injetada dexametasona (4 mg/mL) ou solução salina intramuscular ao fim de
uma consulta endodôntica única (sessão única) ou na primeiraconsulta de um procedimento de
múltiplas visitas.151 Os resultados indicaram que o esteroide reduziu signifi cativamente a
incidência e a intensidade da dor com quatro horas, quando comparado com o placebo. A dor
foi reduzida com 24 horas, porém isso não foi estatisticamente significativo, e nenhuma
diferença na incidência ou na intensidade foi encontrada com 48 horas.

Antibióticos
Devido ao fato de as bactérias estarem envolvidas nos casos endodônticos com periodontite
apical, a incidência de infecção pós-tratamento ou flare-up é uma preocupação para os clínicos
que fazem tratamento endodôntico.

Prescrever um antibiótico para prevenir esses tipos de ocorrência poderia ter sentido, mas o uso
de antibiótico é controvertido por várias razões.

1° a prescrição desnecessária de antibióticos, especialmente quando estas drogas não estão


indicadas, tem levado a um aumento da resistência bacteriana e sensibilização do Paciente.

2° os antibióticos têm sido prescritos incorretamente para pacientes com dor intensa que têm
dente vital (i.e., quando as bactérias provavelmente não são um fator causal da dor apical).

3° quando se acredita que as bactérias estejam presentes, os dados de experimentos clínicos


controlados pouco sustentam, ou não sustentam, a hipótese de que os antibióticos reduzem a
dor.

Uma série de estudos clínicos avaliou a eficácia da administração sistêmica profilática de


antibióticos para prevenir os flare-ups endodônticos pós-tratamento. Trabalhando com a
premissa de que a incidência de flare-ups infecciosos pós-tratamento endodôntico é de 15%,
Morse etal. Prescreveram, aleatoriamente, uma dose profi ática ou de penicilina* ou
eritromicina† para os pacientes submetidos ao tratamento endodôntico de dentes com
diagnóstico de polpa necrótica e periodontite periapical crônica (não foi utilizado placebo).

Os resultados mostraram que a incidência global de fl are-ups foi de 2,2%, sem diferenças entre
a penicilina e a eritromicina. Resultados similares foram obtidos em um estudo similar no qual
acadêmicos de odontologia (em vez de dentistas particulares) realizaram o tratamento
endodôntico.

Os resultados encontraram uma incidência de 2,6% de flare-ups, sem diferenças estatisticamente


signifi cativas entre a penicilina e a eritromicina. Entretanto, nem o estudo original nem o de
controle foram experimentos clínicos randomizados e controlados por placebo. Essa observação
parece ser altamente significativa para as recomendações clínicas, pois de modo geral os
estudos controlados randomizados falharam em detectar qualquer benefício analgésico dos
antibióticos, enquanto os estudos abertos ou com controles históricos relatam com frequência
efeitos profundos.

Para se determinar se o momento da administração de um antibiótico alterou a ocorrência de


flare-ups e de dor não associada a flare-ups, os pesquisadores analisaram os componentes de
dois estudos prospectivos separados de pacientes submetidos a tratamento endodôntico para
dentes com polpas necróticas e periodontite periapical crônica.
Conclusão

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