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S ER CON VIVER T RA N S FOR MAR

Como lidar com a ansiedade


Acolher as angústias e entender que a responsabilidade
por ficar bem não é só nossa trazem menos culpa e mais liberdade

Conte comigo Viajar sozinho Tecnologia para pessoas


A existência se torna mais Os aprendizados de conhecer Ela precisa ser usada
rica com a ajuda do outro o mundo na própria companhia para o nosso bem-viver
ANDRESSA MORAES
é artista e descobriu
na aquarela e
no desenho a
representação do seu
universo emocional.
andressamoraes.com
@andressamoraes_art
DEDICO A | PERTENCE A:

@VIDASIMPLES
CARTA A O LEITOR

Oi, ansiedade
quando fiquei grávida dos meus isso foi se agigantando tanto den- quando me escondi, quando não
filhos gêmeos, há 11 anos, primei- tro de mim que meu médico me compartilhei. Dividir os medos, as
ro fui tomada por uma felicidade passou um fitoterápico para me angústias, entendi, é de uma sa-
absurda. Eu me sentia como se es- acalmar. Bem eu, sempre tão sere- bedoria tão grande... As crianças
tivesse no topo de uma montanha, na... Eu sentia vergonha de dividir cresceram. Todos sobrevivemos.
a qual havia subido passo a passo meus sentimentos. Ter um filho E hoje vejo meu filho Lucas com a
e, finalmente, chegado aonde eu era o sonho. E agora eu estava com mesma ansiedade, por motivos di-
tanto queria estar. Foi algo mara- medo. Parecia que as duas infor- ferentes. Eles sempre são diversos.
vilhoso e eu não me cabia de tanto mações não combinavam. Medo e A ansiedade dele é sobre o início
arrebatamento. Mas, com o passar felicidade. Mas foi também nesse de uma nova etapa, a sexta série.
das semanas, conforme aquele momento que entendi que a ansie- “Mãe, como será?”. Não sei, mas a
grande sim que a vida tinha me dade não tinha uma ocasião espe- gente vai viver isso junto. Porque
dado foi se transformando em ro- cífica para fazer morada. Ela pode junto fica mais fácil. É esse olhar
tina, toda aquela felicidade foi se se fazer presente em diferentes tão delicado, o do compartilhar,
convertendo em um sentimento situações: boas ou não, pessoais, que o jornalista Diogo Antonio
medroso. Era a ansiedade batendo profissionais. Seria ela ruim? Uma Rodriguez divide nesta reporta-
à porta. Minha cabeça não parava inimiga? Descobri também que gem. Não é apenas sobre fugir ou
de martelar perguntas: será que não. Ela tinha tomado mais espaço barrar a ansiedade, mas sobre se
eu vou dar conta? Será que vai dar do que deveria porque eu deixei. apresentar a ela, e deixar que en-
tudo certo? Será que eles vão nas- E minha permissão para que ela tre ocupando o espaço que deve.
cer bem? Com o passar dos meses, me habitasse daquela forma veio Nem mais, nem menos. Até já.

FOTO LUCIO TELLES


Ana Holanda,
Diretora de redação

PUBLISHER | CEO Luciana Pianaro ATENDIMENTO AO LEITOR Joyce Oliveira

CONSELHEIRO Eugenio Mussak REVISÃO Alexandre Carvalho

(desde 2002) DIRETORA DE REDAÇÃO Ana Holanda CIRCULAÇÃO Danieli Lopes

ISSN 977167876000, ano 18, edição 216 EDITOR DE ARTE Tiago Gouvêa ADMINISTRATIVO Mara Nobre
É uma publicação mensal da Vida Simples Conteúdo
e Negócios Ltda (CNPJ: 30.487.265/0001-27) EDITORA Débora Zanelato ESTAGIÁRIA Laise Jardim
Rua Pais Leme, 215, conj. 315, Pinheiros, São Paulo/SP CEP: 05424-150
www.vidasimples.co EDITOR ONLINE Matheus Coneglian ARRUMADEIRA Ana Marcia

REPÓRTER Nara Siqueira IMPRESSÃO E ACABAMENTO


MISTO Oceano Indústria Gráfica e Editora
ACERVO Hacmoni Sodré
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MARKETING Viviane Macedo
ASSINATURAS E VENDA AVULSA
PROJETOS CORPORATIVOS Isis Almeida falecom@vidasimples.co
Whatsapp: 11 94498.1479

4
SER CONVIVER TRANSFORMAR • 2020 NÚMERO 216

pág. 24
Um mosteiro em
São Paulo abre suas
portas para o cultivo
de práticas coletivas
FOTO ALEX HOKYO SILVA

NESTA EDIÇÃO TODO MÊS COLUNAS

16 C A PA 34 P E N S A R 04 C A RTA 50 P ENSANDO BEM 54 V IAGENS


Como lidar com Conte com os outros A O L E I TO R Eugenio Mussak TRANSFORMADORAS
a ansiedade Juliana Reis
40 E N T R E V I STA 06 M E N S A G E N S 52 O UTROS OLHARES
 O R I ZO N T E S
24 H Fábio Gandour
08 C A L E I D O S C Ó P I O
Cris Guerra 55 CAMINHO
Um mosteiro urbano DAS VIRTUDES
46 E X P E R I Ê N C I A 53 C ONVERSA
56 E N T R E N Ó S Gustavo Tanaka
30 A P R E N D E R O que aprendi EM FAMÍLIA
APRENDENDO ao viajar sozinha 57 P O E S I A PA R A Lua Barros
É possível uma O DIA A DIA
escola para todos?
M EN SAGENS

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Feliz 2020 loga – então, para mim, a Vida Sim- de descoberta sobre o próprio eu.
Escrevo para parabenizá-los por ples é um instrumento de trabalho. E sobre os animais que colocamos
essa revista tão maravilhosa. Que E, claro, sempre indico para clientes no prato: passei por essas festas,
vocês todos tenham muita saúde também. Obrigada pelo trabalho pela primeira vez, sem o consu-
e boas energias para continuarem incrível! - Gabriela Vidal mo deles… Gratidão! - Eliane Jardim
com esse lindo trabalho. Um exce-
lente e simples 2020 para todos nós! Como ser feliz no trabalho Sobre se reinventar
- Kely Cristina Genebra Maravilhosa essa capa! Ser feliz no Excelente tema de capa da última
trabalho foi minha maior questão edição, sobre trabalho. Troquei de
Minha inspiração nas minhas reflexões do ano passado trabalho com a chegada da mater-
Vocês são inspiração para os meus e início de 2020, pautadas na minha nidade, como tantas centenas de
posts! Sempre relaciono os conte- coragem de mudar. Viver com auten- mulheres em busca da felicidade.
údos com meu serviço como psicó- ticidade é um maravilhoso exercício - Carla Gavilan

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Coragem para não agradar vida simples por aí
A matéria da Margot Cardoso sobre Poste uma foto usando a hashtag #revistavidasimples no Instagram. Selecionaremos nossas
a coragem de não agradar, na última favoritas para publicar aqui no mural
edição, é aquele tipo de texto que
te abraça e acolhe. É impressio-
nante como esse tema me cativa!
- Luiza Osti

Um abraço no coração
Ao ler a matéria de capa, entrei em
uma reflexão profunda sobre mi-
nha situação atual no meu emprego.
Muito do que estava escrito veio ao
encontro do que eu tenho feito para
@agatha_alvess @conversasqueficam
entender o meu lugar no trabalho
e em como posso modificar, deixar
tudo mais confortável, mudando a
maneira de enxergar a situação. No
começo não foi tarefa fácil, mas tive
auxílio da minha terapeuta. Com-
preendi que, se eu não mudasse,
não sentiria paz e ficaria em uma
agonia eterna. Entendi muito so-
bre mim como profissional e tam-
bém que o desconforto poderia ser
@dantonellotto @denise_scaioni
revertido. Não estou no emprego
ideal, mas valorizo tudo o que ele
me proporcionou até aqui, princi-
palmente a oportunidade de obser-
var e ressignificar o desconforto. O
texto foi um abraço no coração.
- Agatha Alves

Sempre perto de mim


Amo cada edição. Hoje, lendo a
última, com meu cafezinho na mão,
pude refletir sobre meus sonhos e @j.u.z.e.r.b.i.n.a.t.t.i @natureintwolanguages
desejos. E o melhor é que, de fato,
tenho um longo e novo caminho a
seguir e ser imensamente feliz com
fale com a gente
minhas opções daqui para frente.
Com muita calma, sabedoria e foco. ATENDIMENTO AO LEITOR PUBLI E OUTROS PROJETOS
Grande beijo - Ale Tesser Para perguntas, críticas, sugestões e atendimento E-mail: comercial@vidasimples.co
ao assinante. E-mail: falecom@vidasimples.co Whatsaspp: (11) 94498-1479 • Telefone: (11) 3032-5998
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na matéria da edição 215, a grafia
correta é Fazenda Futuro.

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C A L E I D O S C Ó P I O

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O céu do Rio de Janeiro A POESIA
DA CIDADE
pode impressionar
com o carregado
intenso de estrelas

Entre São Paulo e Rio de Janeiro,


Betina Samaia reconstrói
imagens que nos revelam
uma nova metrópole

numa cidade, montanhas; nou-


tra, montanhas-russas. Ambas,
em movimento constante, com áre-
as de pousos, decolagens, altos e
baixos. “São Paulo e Rio de Janeiro
despertam em mim sensações de
extremos, de ambiguidade. Traba-
lho e lazer, natureza e metrópole,
luxo e miséria, risco e prazer”, con-
ta a fotógrafa paulistana Betina Sa-
maia, que vive entre a ponte aérea
Rio-SP em busca de uma organiza-
ção dentro do caos desses lugares.
E ela encontra. Ao reconstruir su-
as imagens e sobrepor momentos,
as duas capitais se tornam fictícias
em três dimensões: altura, largura
e profundidade. “Mas também alto,
baixo e dentro”, complementa. No
Rio, ela vê correntes de luzes ver-
melhas em movimento, “um anún-
cio de erupção iminente, enquanto
uma asa-delta pousa lentamente”.
Em São Paulo, enxerga um parque
de diversões com automóveis desli-
zando por pistas em loop. “Anoitece
e, ao olhar para baixo, há vertigem
e um precipício entre as avenidas
largas”, diz Betina. Sua série foto-
gráfica, A Coreografia do Caos, re-
vela a grandiosidade dessas paisa-
gens. “Amplio a imensidão. E ela, por
sua vez, nos amplia, num movimen-
to sem fim.” – IZABEL DUVA RAPOPORT

BETINA SAMAIA
betinasamaia.com.br

9
CAL EI DOSCÓPIO

SUTILEZAS
DO VESTIR
Cores, tecidos naturais e
consumo consciente
conectam a marca Jezebel
com o fazer orgânico

o hábito de usar uma roupa


feita à mão por pessoas conhe-
cidas vai longe no tempo. Ao ver
uma peça do Atelier Jezebel, es-
sa memória vem à tona. E confor-
ta o coração. “Tudo é feito a qua-
tro mãos, da criação das peças à
gestão, atendimento, embalagem
e postagem”, conta Sara Sampaio,
sócia de Ana Paula Felipe. A mar-
ca também valoriza a atemporali-
dade e a produção justa. “Não en-
xergamos a roupa como algo para
poucos meses”, diz. Assim, a pro-
posta é ressignificar a moda com
peças que traduzem a nossa cone-
xão com o slow, com as pessoas e
com o belo que mora na gente.- IDR

ATELIER JEZEBEL
@atelierjezebel

UMA ÁRVORE POR VIDA


de um lado, a dor e a saudade da morte. Do outro, a riqueza do ciclo
da vida que se renova com a germinação de uma semente alimentada
pelas cinzas de quem se foi. Essa é uma experiência singular que aconte-
ce nas despedidas do BioParque do Brasil, em Belo Horizonte. Após a cre-
mação do corpo, a família e os amigos plantam a semente de uma árvore
nativa com as cinzas em urnas ecológicas, monitoradas por até dois anos
no lugar. Depois, o replantio é feito no bosque, em uma cerimônia. Uma
FOTOS DIVULGAÇÃO

forma singela de celebrar a vida que se foi com o surgimento de outra. - IDR

BIOPARQUE DO BRASIL
bioparquebrasil.com.br

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FESTA COM AFETO E SUSTENTABILIDADE
Para a Festa de Brincar, as comemorações são um momento de
valorizar a infância, as relações afetivas e também a natureza

o primeiro aniversário da filha afetividade é a nossa principal es- bém valorizar o ambiente onde a
de Jöyce Soares e Pedro Azeve- sência”, diz Jöyce, que vê nas festi- festa está sendo feita, seja em ca-
do foi também o primeiro evento nhas essa possibilidade de reen- sa, no parque ou espaço para festas.
da Festa de Brincar – a empresa de contro com o encantamento. Hoje a Até objetos pessoais ajudam a com-
festas infantis que eles criaram jun- Festa de Brincar atende em oito ci- por o cenário. “Assim, clientes e mi-
tos em 2013. Nesse dia, perceberam dades do Brasil e cria composições niclientes podem participar do ato
que os ritos de passagem feitos em que contam sobre o aniversariante, de criar.” E depois brincar da manei-
casa, como antigamente, fazem os buscando, também, cuidar da natu- ra mais livre e genuína que há. - IDR
adultos de hoje lembrarem-se da es- reza. “Usamos balões biodegradá-
sência lúdica e tão singela que mo- veis e o mínimo de plástico e des- FESTA DE BRINCAR
ra nas coisas simples da vida. “Essa cartáveis possível.” A ideia é tam- @festadebrincar
FOTO DAYANE MOURÃO

Cara de festa em casa, a proposta da Festa de Brincar é levar afeto e encantamento em composições que nos aproximem
das festinhas de antigamente, valorizando a essência da infância e do brincar. E também gerando conexão com a natureza

11
CAL EI DOSCÓPIO

SABOR
LOCAL
Projeto duLocal reduz a
distância entre campo e mesa
e valoriza as cozinheiras de
Paraisópolis, em São Paulo
todas as manhãs, mulheres
empreendedoras da comunida-
de de Paraisópolis, em São Paulo,
preparam nas suas casas refeições
que serão entregues, quentinhas,
no almoço. O cardápio, elabora-
do pela chef Rafita Soldan, do res-
taurante Maní, é 100% vegetal e
muda de acordo com a disponibi-
lidade dos produtores orgânicos
locais. Com isso, a duLocal quer
transformar o campo, a comuni-
dade e a mesa. “Nosso cliente é o
grande motor desse círculo virtu-
oso”, diz o fundador, Felipe Gasko.
As refeições chegam em caixinhas
de papel reciclável e talher de ma-
[2]
deira reflorestada, tudo compos-
tável. Mais do que comida, é sobre
valorizar a terra, a natureza e as

ARTE PARA OS OUVIDOS


pessoas. - IDR

FOTOS 1.ARTHUR BOCCIA/DIVULGAÇÃO; 2.VICTORIA NEGREIROS/DIVULGAÇÃO


Novo aplicativo do Masp expande a experiência do visitante para
aproximá-lo ainda mais das obras de arte do museu
para enriquecer sua visita ao Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand (Masp), vale baixar o Masp Áudios, um aplica-
tivo que descreve cada obra de arte do local – basta apontar o ce-
lular para ela. E não são apenas explicações técnicas e formais. São
leituras abrangentes e plurais, que contextualizam a obra, o artis-
ta e o período artístico ao qual pertencem. Também é possível ou-
vir impressões de algumas exposições temporárias. Ao final, ficará
registrado o roteiro com as artes pelas quais passou. - IDR

DULOCAL MASP
@dulocal masp.org.br

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LOJA
LIXO ZERO
Na loja O Bosque, em Curitiba,
cada produto ou detalhe é
pensado para poupar a natureza

a filosofia do desperdício ze-


ro reúne cinco princípios fun-
damentais, nesta ordem: recusar
o que não precisamos; reduzir o
que precisamos; reutilizar o que
consumimos; reciclar o que não
podemos recusar; e compostar
o restante. Um ciclo que, embora
lentamente, vem ganhando cada
vez mais espaço no Brasil, inclusi-
ve no comércio. Em Curitiba, uma
loja acaba de ser inaugurada com
esse conceito: O Bosque, localiza-
da dentro de um hostel de mesmo
nome. Nas prateleiras, é possível
encontrar artefatos de comunida-
des indígenas, cerâmicas, produ-
tos elaborados com resíduos têx-
teis, ilustrações, joias e cosméti-
cos naturais, entre outros itens
sem plástico. Além disso, o zelo
pelo meio ambiente também es-
tá na prática e no estilo de vida de
quem trabalha lá: o lugar não pro-
duz lixo. “Não usamos máquina de
impressão de recibo, por exem-
plo, e nem embalagens. As etique-
tas são retornáveis e reaproveitá-
veis”, explica Eduarda Guimarães
de Almeida, idealizadora do proje-
FOTOS GLEICE BUENO/DIVULGAÇÃO

to, que até para fazer imagens dos


produtos utiliza o que já há de lin-
do no bosque ao redor. - IDR

O BOSQUE Cerâmica, artesanato indígena, produtos naturais. A loja O Bosque faz uma curadoria
@obosqueloja de produtos conectados com a sustentabilidade e a valorização da nossa terra.

13
CAL EI DOSCÓPIO

CIÊNCIA DA
NATUREZA
Na Serra da Mantiqueira, uma
iniciativa independente busca
preencher as lacunas sobre o
conhecimento de aves no Brasil

pessoas, biodiversidade, ciên-


cia e conservação. É no encon-
tro desses elementos que atua o
Observatório de Aves da Manti-
queira, uma organização indepen-
dente e sem fins lucrativos. “Que-
remos aproximar as pessoas da ci-
ência e da diversidade de espécies
que compartilham essas terras,
águas e ar com a gente”, diz a di-
retora Luiza Figueira. O grupo re-
aliza não só a pesquisa e o monito-
ramento das aves (e a relação com
modificações ambientais e climá-
ticas), mas também a divulgação
científica na Serra da Mantiquei-
ra, para que as pessoas apoiem a
proteção da biodiversidade. - IDR

OBSERVATÓRIO DE AVES
oama.eco.br

AS RAINHAS DO RÁDIO
dalva, minha avó e eu é o nome do livro que estreia a série Elas por Ela
- As Rainhas do Rádio, escrito pela cantora Mona Vilardo. De produção
independente, a obra conta a história de Dalva de Oliveira e suas canções
a partir da memória de uma neta com a sua avó Lúcia. “Um misto de fic-
ção e realidade sobre a relação que tive com uma avó de mentira, mas que
foi a mais presente em minha vida”, diz Mona, sobre a vizinha que cuida-
va dela quando menina. O segundo livro deverá contar a história de outra
FOTOS DIVULGAÇÃO

grande mulher dos rádios: a Linda Batista. - IDR

DALVA, MINHA AVÓ E EU


@monavilardo

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SER | CA PA

Saiba lidar com a ansiedade


Vivemos tempos ansiosos e desafiadores. E podemos olhar para
essas questões com menos culpa e mais tolerância com quem somos
TEXTO DIOGO ANTONIO RODRIGUEZ ILUSTRAÇÃO ANDRESSA MORAES • @ANDRESSAMORAES_ART

a saúde mental se tornou o assunto do ano tes (19,9%) já teve algum diagnóstico relacio-
em 2019. Não tenho números para provar, nado à ansiedade. E estou nessa estatística:
mas nunca vi tantos textos, vídeos, reporta- fui diagnosticado com ansiedade generaliza-
gens, podcasts e colunas falando sobre esse da e depressão. Nasci e moro em São Paulo.
assunto. Repentinamente, uma questão antes Até aqui, nada de novo. Não estou dizendo
relegada ao silêncio foi jogada no centro das algo que já não tenha sido abordado por pes-
atenções. Milhões de pessoas tomaram cons- soas famosas como Drauzio Varella, autor de
ciência da famosa “epidemia” de ansiedade, uma série de reportagens sobre o assunto no
de depressão e de outros transtornos. Fantástico, da TV Globo, e Amanda Ramalho,
Faço parte desse coro: há alguns meses es- criadora e apresentadora do ótimo podcast
crevo sobre saúde mental semanalmente no Esquizofrenoias. A sociedade está em alerta,
site de Vida Simples. Isso porque notei a pre- percebendo que há algo de errado com a ma-
sença de um padrão na cobertura e no tom neira pela qual abordamos a saúde mental.
geral quando o assunto é saúde mental: há
muito assunto, mas pouca informação. Como MAS O QUE PODERIA HAVER DE ERRADO?
alguém que faz parte das estatísticas mun- Hoje, temos tratamentos à disposição, remé-
diais da tal “epidemia”, senti a necessidade dios, terapias. Estrelas da televisão e da mú-
de abrir um canal de conversa para mostrar sica assumem que estão com depressão. Mi-
o que há por trás dessa emergência mundial. lhares de reportagens falam sobre o assunto,
Se o planeta está passando por maus boca- aplicativos nos ensinam a respirar, relaxar...
dos mentais, o Brasil se encontra numa posi- Nas livrarias, inúmeros títulos explicam como
ção particularmente frágil. De acordo com a ter uma vida menos tensa. Sob esse olhar, po-
Organização Mundial da Saúde, somos o país deríamos dizer que estamos vivendo uma
mais ansioso do mundo: 9,3% da população era de ouro na conscientização da sociedade
tem algum tipo de transtorno desse tipo. Na a respeito dos transtornos de saúde mental.
cidade de São Paulo, um quinto dos habitan- De fato, os termos usados para falar des-

16
A ansiedade por vezes parece aprisionar nossa vida e nos fazer sentir culpados por não lidarmos facilmente com o problema
SER | CA PA

ses problemas são relativamente recentes. lêncio a respeito. Conforme avancei no


O jornalista Scott Stossel fala no livro Meus tratamento, fui me aperfeiçoando em per-
Tempos de Ansiedade (Companhia das Le- ceber meus companheiros de neuroses.
tras) que foi a partir dos anos 1950 que a Especialmente quando comecei a me abrir
palavra “ansiedade” começou a aparecer com familiares e amigos, tive acesso a um
nos diagnósticos psicológicos. Isso não mundo de angústias, dúvidas e sofrimento
quer dizer, no entanto, que ela fosse uma velado. Hesitei um pouco para ser 100%
completa desconhecida da humanidade. aberto porque sabia dos estigmas relativos
Desde a Grécia Antiga ela já é vista como à saúde mental. Ser diagnosticado com um
um problema médico. Hipócrates (460 desses distúrbios ainda é visto como um
a.C.–370 a.C.), precursor da medicina mo- sinal de fraqueza psíquica, física e moral.
derna, recomendava até tratamentos. Afinal, sucumbir àquilo que chamamos de
O tempo passou e apenas no século 20 é vida só pode significar despreparo ou re-
que ela ganhou o status que tem hoje, de cusa a encarar “as coisas como elas são”.
distúrbio passível de diagnóstico e, cla- A abertura me fez bem de maneira geral.
ro, de tratamento. Novos termos foram Mas, ainda assim, não foi capaz de mini-
usados para se referir a tipos específicos mizar o isolamento. Tenho a impressão de
de ansiedade, como síndrome do estres- que as pessoas têm um certo medo de falar
se pós-traumático, síndrome do pânico e
transtorno de ansiedade generalizada.
Arrisco dizer que nunca tivemos tantas
informações a respeito do tema. Cientistas
Quando comecei a me abrir com familiares
estão mapeando o cérebro para entender e amigos, tive acesso a um mundo de angústias,
o que faz disparar os centros que nos colo-
cam em alerta e dão aquela sensação de pe-
dúvidas e sofrimento velado. Ter um diagnóstico
rigo iminente sentida durante uma crise de assim parece sinal de fraqueza
ansiedade. Em tese, não há nada de errado
em sentir isso por si só. Afinal, tanto em nós
como em diversos animais, esse circuito com os ansiosos, os deprimidos, os diag-
neurológico pela sobrevivência é ativado. nosticados em geral. Talvez por receio de
que faremos algo imprevisível; talvez seja
ANSIEDADE NÃO É NOVIDADE medo de ver em nós um espelho.
Se a ansiedade é algo, digamos, natural, se Por isso, resolvi ser mais aberto e direto
a conhecemos há milênios, por que será do que antes. Decidi que seria necessário
que temos a impressão de que vivemos usar minhas habilidades como jornalista
uma epidemia? Os dados parecem corro- para mostrar à sociedade o que está acon-
borar essa impressão. Já falei do Brasil; no tecendo por detrás de todo esse sofrimen-
mundo, a situação não é diferente: segun- to. “Eu tenho depressão” foi o título da
do a OMS, os ansiosos correspondem a um minha coluna no site de Vida Simples. Não
quarto da população mundial (25%). No restaria dúvida a ninguém a meu respeito.
total, são 1,75 bilhão de pessoas ansiosas.
Há quatro anos, quando meu diagnósti- ESSE FOI UM MOMENTO DE VIRADA
co se tornou oficial, eu parecia ser a única Em primeiro lugar, porque estava exposto
pessoa do mundo que precisava de medi- ao mundo que eu sou uma pessoa diagnos-
cação por não controlar os sentimentos. ticada com transtornos de saúde mental.
Percebia que muita gente provavelmente Meus amigos, colegas, ex-chefes, clientes,
experimentava muitos dos mesmos pro- conhecidos e desconhecidos agora sabiam
blemas que eu, mas havia um incrível si- de tudo. Fiquei bastante ansioso quan-

18
Desconstruir a ideia de que tudo o que sentimos é de única responsabilidade nossa pode nutrir mais autocompaixão
SER | CA PA

do o texto foi ao ar por que era a primeira Nos grupos que acompanho, vejo diversos
vez em que eu me expunha tão abertamen- relatos de pessoas que, no começo, sentem
te. Mas ter problemas de saúde mental de- alguns dos benefícios das medicações, mas
veria ser encarado como algo normal. Se logo pioram. Ou gente que luta por meses,
não temos vergonha de falar que quebra- às vezes anos, para encontrar uma medica-
mos uma perna, que estamos com febre, ção que surta algum tipo de efeito positivo.
porque eu deveria me envergonhar? Essa foi a motivação de Johann Hari para
Dezenas de pessoas entraram em conta- escrever o livro. O resultado é que ele des-
to para compartilhar suas dores, dúvidas cobriu que existe muito mais por trás des-
e experiências. Consegui quebrar uma ses tipos de transtornos do que sabemos.
parede de silêncio que antes era invisível. No caso da depressão, por exemplo, exis-
Descobri que existem centenas de comuni- tem nove fatores capazes de causar a do-
dades de apoio mútuo voltadas a pessoas ença. E apenas dois deles são puramente
com ansiedade, depressão e outros trans- biológicos. Estou usando depressão como
tornos na internet, 100% mantidas e ad- equivalente à ansiedade porque hoje as
ministradas por voluntários, por exemplo. pesquisas mostram que esses dois fenô-
Por isso, comecei a perceber que o núme- menos estão intimamente ligados, embo-
ro de perguntas a respeito da saúde men- ra sejam ainda diagnósticos distintos.
tal é infinito. E que talvez os psicólogos e
psiquiatras não estejam sendo capazes de
explicar às pessoas o que há de errado com
elas – e o que é possível de fato fazer. Essa
Se não temos vergonha de falar que quebramos
foi uma constatação importante porque me uma perna, que estamos com febre, por que eu
fez notar que há uma narrativa consolida-
da na sociedade a respeito da saúde men-
deveria me envergonhar de dizer que
tal. E ela explica o porquê de tanto medo, tenho ansiedade ou depressão?
tanto silêncio, tanto isolamento.
Lendo Lost Connections, livro-reportagem
do jornalista britânico Johann Hari, come-
cei a ligar os pontos. Em uma palestra no O QUE ISSO QUER DIZER, ENTÃO?
TED, Hari conta que o projeto surgiu quan- Hari chegou a uma conclusão importante.
do ele se fez a pergunta: “Por que cada vez E ela mudou minha maneira de enxergar
mais gente sente dificuldade para simples- a mim mesmo e ao mundo. A maioria dos
mente sobreviver a um dia?”. Diagnostica- fatores que causam depressão e ansieda-
do com ansiedade generalizada e depres- de estão ligados à maneira como vivemos.
são, Hari conta quando seu médico tentou Entender isso, explica o jornalista, abre as
explicar o que havia de errado: “Um dese- portas para um novo conjunto de soluções
quilíbrio químico no seu cérebro”. para tratar nossas mentes. Que fatores são
Com uma receita em mãos, Hari começou esses? A solidão é um deles, por exemplo.
a tomar remédios – assim como eu e mi- Ela aumenta as chances de uma pessoa
lhões fazem todos os dias. No começo, as desenvolver depressão. Estar em um em-
pílulas foram uma bênção. Ao longo dos prego no qual você sente que não controla
anos, no entanto, as sensações ruins conti- nada e não produz nada de significativo é
nuavam e ele não conseguia entender por um segundo fator. A falta de contato com
quê. Estava fazendo tudo o que o médico a natureza, acredite, é outro. Vejam, quem
disse. Por que não melhorava? Preciso di- está dizendo isso são as pesquisas científi-
zer que essa história é muito comum, em- cas em diversos lugares do mundo, como
bora isso seja pouco discutido. Lost Connections mostra. Estamos vi-

20
Quebrar o silêncio e falar sobre nossas questões com mais naturalidade podem fazer germinar mais acolhimento
SER | CA PA

vendo em um mundo em que nossas neces- Connections. Escrevo este texto cercado
sidades psicológicas não são atendidas. E é por telas, aparelhos que apitam, carrega-
importante perceber isso porque podemos dos com conteúdos infinitos. Sou freelan-
passar a olhar a questão de outra forma. cer, não tenho certeza de quanto dinheiro
Ainda tem muita gente acreditando que terei no fim do mês. Desde a crise finan-
basta “força de vontade” para lidar com ceira de 2008, o mundo vive uma incerte-
pensamentos obsessivos e com rumina- za econômica grave. Esse cenário também
ções mentais. “Sai dessa”, dizem. “Para de afeta o Brasil. A emergência climática se
pensar nisso”, é outro conselho comum. agrava rapidamente. Na política e na socie-
De maneira geral, temos colocado a res- dade, a polarização parece ser a regra de
ponsabilidade pelos males nas costas dos (não) convivência. Não temos certeza de
indivíduos. Portanto, as soluções que de- nosso futuro, estamos mais isolados, pres-
senhamos também dependem apenas de- sionados para sobreviver em condições in-
les para resolver o problema. Mas pensar certas, em empregos precários.
que apenas com antidepressivos e frases Faz sentido que as taxas de depressão e
motivacionais vamos ajudar as pessoas a ansiedade tenham feição de epidemia. Ape-
ser menos ansiosas é um grande engano. sar da comparação da saúde mental com
Afinal, como Hari mostra, o indivíduo é doenças contagiosas ser um tanto perigo-
apenas uma fração do problema. É preci-
so levar em conta um cenário mais amplo.
Médicos cambojanos, por exemplo, têm
uma definição muito diferente do que é
Também vivemos em um mundo onde
um antidepressivo. Quando um agricultor nossas necessidades psicológicas não
de arroz perdeu a perna por ter pisado em
uma mina terrestre, ele entrou em depres-
são atendidas. Levar em conta o entorno também
são, apesar de ter recebido uma prótese ajuda a entender o que está dentro de nós
que permitia sua locomoção.
O agricultor sentia muita dor e chorava o
dia todo. Não conseguia mais fazer seu tra- sa, elas têm algo potencialmente positivo
balho e mal saía da cama. Se morasse no em comum. Para acabar com epidemias,
Brasil ou nos Estados Unidos, seria levado não adianta apenas ministrar remédios. É
a um psiquiatra e sairia com uma receita preciso um esforço coletivo, envolvendo
para tomar antidepressivos. No Camboja, governos, entidades privadas, a sociedade
no entanto, o “remédio” foi diferente. De- civil, os indivíduos. Se vamos chamar a an-
pois de conversar com o paciente e com siedade de epidemia, que então pensemos
sua comunidade, os médicos decidiram pe- em resolvê-la usando as mesma ferramen-
dir a ajuda dos vizinhos para comprar uma tas. Você, amiga ou amigo ansioso, não está
vaca para o homem acidentado. A lógica só e não deveria estar. Convoco a todos e
era a de que ele não precisaria enfrentar o todas para tratar desse problema. O anti-
trauma dos campos de arroz, onde perde- depressivo ideal não é uma pílula que se
ra uma perna, e poderia se dedicar a outra toma no café da manhã. É a força de uma
atividade. Em duas semanas, os sintomas comunidade que faz questão de abraçar
da depressão desapareceram e ele seguiu aqueles que se veem numa situação difícil.
com sua vida. A vaca era o antidepressivo.
Refletindo a respeito das revelações de
Hari, percebi que me sentia menos sozi-
DIOGO ANTONIO RODRIGUEZ é jornalista. Desde
nho. Comecei a olhar para o meu entorno o ano passado, escreve sobre saúde mental como
e fui compreendendo o diagnóstico de Lost colunista no site de Vida Simples.

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Se pudermos passar por esse caminho com mais apoio e entendimento, floresceremos para um novo jeito de ver a vida
CO N VIVER | HORIZONT E S

Um mosteiro
urbano
Em meio ao caos da metrópole nasce
um espaço de convivência e aprendizados
para um viver com mais presença
TEXTO DÉBORA ZANELATO E MARIE ANGE BORDAS
FOTOS A
 LEX HOKYO SILVA
MARIO KYŌSO CASSETTARI
PAULA SHISEN VIECELLI

FOTOS DIVULGAÇÃO

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FOTOS DIVULGAÇÃO

25
CO N VIVER | HORIZONT E S

O mosteiro se torna um espaço cuidado por muitas mãos e mantido por meio de doações, cerimônias
de casamento, bênçãos e a produção de alimentos orgânicos. Um jeito de aproximar a casa de quem a frequenta

26
não é no alto de uma silenciosa cas espirituais de forma coletiva, e
montanha, mas na barulhenta São não no isolamento. “Nós somos o
Paulo, que a Sala Therigatha abre mosteiro. Um edifício desocupado
as portas de seu Mosteiro Urbano não significa nada. Ele só ganha
Zen como um convite a viver com significado quando torna-se abri-
mais compartilhamento, presença go”, diz a Monja Sensei Wahô. Nos
e harmonia. Uma pausa no meio retiros, fazer as refeições juntos,
da rotina acelerada para sentir o meditar coletivamente e também
sabor do chá, para colocar atenção sair para fazer a limpeza da cida-
no inspirar e expirar, para praticar de são formas de sentir que não
o Zazen, que é o sentar-se em me- existimos sem o outro. E, em cada
ditação, prática principal da Escola atividade, encontro ou cerimônia
Budista Soto Zen Japonesa. A ideia realizada, o chamado é para que
do mosteiro, que escolheu se ins- possamos doar a nossa presença
talar no bairro da Pompeia, na ca- verdadeira, que é o que temos de
pital paulista, é que cada um pos- mais precioso, desenvolvendo a
sa ser seu próprio “eu mosteiro”. capacidade de estar consciente
Um local que busca ressignificar sobre nós e sobre estar em comu-
a relação com a cidade, propondo nidade. Porque nunca estamos so-
um “estar no mundo” mais atento zinhos; somos inteiros enquanto
e atencioso, fortalecendo as práti- há o encontro e a partilha.

27
CO N VIVER | HORIZONT E S

28
Nos retiros, tenta-se minimizar a fala e as vozes. Os praticantes têm de oito a dez períodos de meditação, e juntos
também fazem as refeições, caminham pela cidade e limpam as ruas. Mesmo sem excesso de fala, a partilha é constante

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30
É possível uma
escola para todos?
VIDA SIMPLES E CAMINO EDUCATION APRESENTAM

A P R E N D E R A P R E N D E N D O

Para que a inclusão e o respeito à diversidade estejam presen-


tes na escola, é preciso que ela realmente se dedique a ser um
espaço aberto a todos, com um modelo e pessoas empenhados
em respeitar as individualidades e, mais do que isso, dedicados
a apostar nos potenciais de cada um. Talvez nós devamos fazer
isso no nosso dia a dia também
TEXTO WELLINGTON SOARES

muitas vezes ouvi dos meus pais e prova de admissão para o ginasial
avós frases como “a escola pública (nem todos podiam seguir para a
antigamente era melhor do que a etapa hoje equivalente do sexto ao
particular”. Bem, não é difícil des- nono ano). Mais do que isso, relem-
mentir essa afirmação: há uma por- brava como teve dificuldades para
ção de textos que trazem dados para passar e, depois de aprovada, aca-
esclarecer o que está por trás dessa bou desistindo. Até eu entrar no
ideia de que houve um tempo de Ensino Médio, ela possuía Ensino
ouro da educação (um deles é este Fundamental incompleto.
aqui: bit.ly/EducaçãoNaDitadura). A trajetória dela é exemplo do
Mas nem são precisos esses dados mais grave problema enfrentado
para ter uma noção disso. No meu pela educação no mundo – e nos
caso, basta olhar para a história de países em desenvolvimento, como
minha família. Quando minha mãe o Brasil. Ainda hoje, parece impos-
me falava sobre as qualidades da sível sonhar com uma escola cons-
escola do passado, contava sobre a truída para atender a todos, de fato.

A SÉRIE APRENDER APRENDENDO é uma parceria entre a revista Vida Simples e a Ca-
mino Education. A proposta é apresentar novos olhares e caminhos sobre como buscar
conhecimento para entendermos melhor a gente mesma, o mundo ao redor e aquilo que
nos interessa, dentro ou fora dos espaços formais.

31
T RAN S FORMA R | A PRE N D E R AP RE N D E N D O

Dizemos que a educação brasileira excluídos porque não parecia ha-


é ruim, mas dependendo de sua cor ver valor na educação formal para
de pele, origem étnica, gênero ou eles (como meus avôs, nascidos em
orientação sexual, ou outras carac- fazendas e no sertão). Negros com-
terísticas físicas e mentais, talvez punham grande parte dessa popula-
nem a uma educação de baixa qua- ção e também de outros segmentos
lidade você tenha acesso. mais pobres que precisavam prio-
rizar o trabalho. A violência contra
QUEM FICA DE FORA? LGBTs e o racismo são problemas da
Quando eu estava no Ensino Médio, sociedade que também levam à eva-
Dona Sonia, minha mãe, decidiu são. Por fim, todos que não se encai-
retomar os estudos. As turmas de xavam no modelo bancário de edu-
Educação de Jovens e Adultos (EJA) cação (como minha mãe), em que
concentram, hoje, quem foi excluído o conteúdo era despejado de forma
pelo sistema escolar. Desde aqueles indiferenciada sobre os alunos, que
que não se adaptaram ao modelo de acabavam reprovando, perdendo o
ensino a LGBTs, interesse e escapando da escola.
migrantes e mu-
Dependendo da cor da lheres proibidas O QUE SIGNIFICA A INCLUSÃO
de frequentar a Pense na seguinte situação: uma
sua pele, origem étnica, escola. Um dos pessoa, que se locomove com a ca-
gênero, orientação sexual maiores públicos deira de rodas, precisa ir a algum lu-
ou outra característica da EJA é o das pes- gar no segundo andar de um prédio.
soas com defici- Ao chegar lá, descobre que o único
física e mental, talvez ência. Aliás, pelo acesso ao local é por escadas. Essa
nem educação de baixa menos durante a situação, tão comum, mostra como
primeira metade a sociedade não leva em conta as
qualidade você tenha do século 20, esse diferenças e como há barreiras por
grupo foi total- todo o canto. Se houvesse elevador
mente excluído. Como regra, eram ou rampas, tudo estaria resolvido. A
mantidas em casa, o mais escon- ideia de inclusão está justamente aí:
didas possível. Em muitos lugares, é preciso retirar as barreiras que le-
ainda é assim. Já ouvi relatos assus- vam à exclusão, na escola e fora dela.
tadores de crianças mantidas em ca- Primeiro, é preciso ter em mente a
tiveiro, sem registro de nascimento, diferença entre igualdade e equida-
em condições sub-humanas, por te- de. O primeiro estabelece que todos
rem alguma deficiência. são iguais – faz sentido ao pensar-
E há outras formas de exclusão que mos, por exemplo, na aplicação da
atuaram e ainda atuam sobre dife- lei ou no valor do voto –, mas não
rentes grupos: garotas levadas ao leva as diferenças em considera-
casamento e às tarefas domésticas ção. Já a equidade é a defesa dessas
e moradores de zonas rurais foram diferenças e, mais do que isso, dá

A CAMINO EDUCATION tem seu trabalho focado nos valores humanos. Une experiências e pers-
pectivas de educadores, administradores, empreendedores e acadêmicos para criar um ecossiste-
ma global em que estudantes, professores, escolas, famílias, comunidades e organizações podem
unir forças, criar caminhos educacionais inovadores. www.caminoeducation.com

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ideia de que é preciso considerá-las convicção de que precisamos cons-
sempre. Nas políticas públicas e de truir uma sociedade que respeite
empresas, isso se concretiza na cria- a todos e garanta o direito de viver
ção de estratégias para compensar uma vida feliz, independente de ori-
as desvantagens acumuladas, como gem cultural e social, de caracterís-
políticas de diversidade e cotas. ticas físicas e psicológicas. Projetos
Mas há outros elementos também como o Escola sem Partido se opõem
importantes. Um deles é estabelecer a isso, assim como os gritos contra
uma cultura de altas expectativas. o ensino da igualdade de gênero
Isso significa que todos podem atin- e contra o respeito à diversidade.
gir conquistas gigantescas. Todos Também são contrárias à inclusão
podem aprender e sonhar em ser a defesa de escolas especiais – que
médicos, engenheiros, astronautas segregam pessoas com deficiência
da Nasa ou presidentes do Univer- – e políticas econômicas que tiram
so – se esse cargo um dia existir. O recursos financeiros da educação.
trabalho dos educadores é estimu- Me emociona muito ver minha mãe
lar essa confiança e apoiar, quando em sala de aula na
necessário, para que tudo isso se re- Educação Infantil:
alize. Foi o grande ponto de mudan- ouvindo, respei- Todos podem sonhar
ça para minha mãe, que voltou aos tando e estimulan-
estudos, concluiu o Ensino Médio e do todos os seus
em ser médicos,
começou a procurar por um curso alunos a acreditar engenheiros,
superior que a satisfizesse. em seu potencial astronautas. O trabalho
Por fim, também é preciso que o e construir sonhos
olhar esteja sempre voltado às po- para o futuro, dos educadores é
tencialidades de cada pessoa, e não mesmo em uma estimular a confiança
às suas dificuldades. Um caso clás- dura realidade do
sico são as reuniões de pais, que professor de esco- para que isso se realize
destacam as notas baixas e os com- la pública (e que,
portamentos negativos, mas nunca olha só, acabou se tornando o sonho
valorizam o que é que as crianças e a concretização da vida dela).
fazem bem. Olhar para os pontos for- Este é o último texto desta série,
tes pode dar pistas de como desen- mas espero que não seja o fim do
volver outros aspectos. Para minha seu interesse sobre o tema. Que
mãe, observar o que ela mais gosta- você continue identificando situa-
va – pode parecer enviesado, mas ela ções que poderiam ser vividas mais
sempre foi a melhor mãe do mundo, plenamente quando a educação
carinhosa e paciente com as crianças cumpre seu papel. E que transforme
– revelou um caminho na pedagogia. isso em uma causa para a sua vida.
Deixei o mais importante para o Caso queira compartilhar suas re-
final. A questão é que todas essas flexões comigo, pode escrever para
ações só importam se tivermos a wellrsoares@gmail.com. Até mais!

WELLINGTON SOARES é jornalista formado pela Universidade de São Paulo. Trabalhou


por seis anos na produção de conteúdos para professores da Educação Básica. Atualmen-
te, descobriu-se professor e dá aulas, mas segue escrevendo e ajudando organizações do
terceiro setor a produzir conteúdos sobre Educação.

33
CO N VIVER | PENSA R

Conte com os outros


São as pessoas que ajudam a tornar a nossa existência mais rica e menos vazia.
Abrir-se para o outro, afinal, é também trazer mais sentido para dentro de nós
TEXTO SIBELE OLIVEIRA

a cozinha de casa exalava a mistura de aro- nha, por achar que a responsabilidade é mi-
mas do almoço de um dia de verão. Na parede nha. Ou talvez seja uma tentativa de descobrir
ao redor da pia, algumas formigas carrega- que tenho um superpoder, como na infância
vam um torrão de arroz muito maior do que eu acreditava existir. Mas não é assim que as
elas. Estavam separadas pela mesma distân- coisas funcionam. Quando penso melhor, pro-
cia e se movimentavam sincronizadas, como curo ou aceito ajuda. E tudo termina bem.
se antes tivessem ensaiado. Como não havia É na hora das dificuldades que a palavra
formigueiros por perto, eu sabia que iriam africana ubuntu, que significa “Sou o que sou
para longe. Mas não pareciam estar fazendo pelo que nós somos” (em uma de suas tradu-
um grande esforço, já que em nenhum mo- ções), revela com maior nitidez a sabedoria
mento desaceleraram ou descansaram. nela embutida. Para a arquiteta Ana Bivar, que
Eu era criança quando vi essa cena pela também é analista de redes sociais e voluntá-
primeira vez e até hoje me lembro do meu ria na ONG Teto, unir forças é algo potente o
espanto. Para mim, tamanha força era um bastante para transformar o mundo num lu-
superpoder das formigas. Mais tarde entendi gar mais igualitário e humano. E ela trabalha
que aquela façanha só tinha sido possível por- duro para tirar esse sonho do pensamento e
que elas estavam juntas, dividindo um peso torná-lo real. Alguns de seus fins de semana
que seria brutal se fosse transportado por não têm nada de lazer, mas Ana se levanta da
apenas uma. O segredo delas era contar umas cama animada como se estivesse se prepa-
com as outras. Algo simples e poderoso, que rando para um programa imperdível. Então
desde tempos remotos leva seres vivos, como ela se une a um grupo de voluntários e todos
formigas e homens, a realizar grandes feitos. colocam a mão na massa para construir mo-
Por vezes, minha memória teima em apagar radias em comunidades do Rio de Janeiro, do
esse segredo. Sempre que me deparo com um nascer ao pôr do sol. “Desfazemos barracos
desafio daqueles que parecem impossíveis, o em condições precárias e o terreno fica limpo
meu primeiro impulso é resolver tudo sozi- para construirmos a casa do zero. Os mo-

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FOTO ISTOCK

Podemos fazer coisas grandiosas e incríveis sozinhos. Mas existem muitos momentos na vida
em que não somos autossuficientes e que a caminhada, solitária, traz um enorme vazio
CO N VIVER | PENSA R

radores depositam essa confiança na gente raro. Segundo Bauman, “comunidade é nos
e, para mim, esse é um dos momentos mais dias de hoje outro nome do paraíso perdi-
incríveis. A partir do instante que a pessoa do – mas a que esperamos ansiosamente
vê que tem outras dispostas a lutar com ela retornar, e assim buscamos febrilmente os
para que a sua vida seja mais digna, isso caminhos que podem levar-nos até lá.”
dá esperança e força para continuar”, diz. Mesmo que o nosso endereço não fique
As residências ficam prontas em dois dias. dentro desse paraíso, precisamos limpar
Num desses fins de semana, Ana foi incum- a desconfiança do olhar para encontrar
bida de acompanhar dois estudantes que quem se importe com a gente de verdade.
estavam fazendo uma reportagem em uma “Nas grandes cidades, é como se as pesso-
dessas obras. De repente, um menino de as não se conhecessem. Ficam isoladas nas
4 anos entrou no terreno. Ele se esqueceu suas zonas de medo. Temos tanto medo
do joguinho que tinha nas mãos e obser- que cada vez mais a nossa zona de paz é
vou as paredes da casa já levantadas. Com dentro de nós mesmos ou de nossas casas.
o rosto iluminado por um sorriso, resumiu Mas sempre vamos precisar uns dos outros
a felicidade numa frase: “A minha casa ago- porque não existe vida sem o coletivo. Ele
ra tem JA-NE-LA”. É nesses momentos que nos dá um lugar na nossa história”, diz a
Ana tem certeza de que está colocando um psicoterapeuta Dorli Kamkhagi.
tijolo na construção de um mundo melhor.

TODOS POR TODOS


Quem não sente o coração aquecer quando
Estamos isolados em nossas zonas de medo,
presencia o clima de cooperação que existe interagindo pouco com quem está perto.
em algumas comunidades e cidades peque-
nas do interior? Nesses lugares, a qualquer
Mas sempre vamos precisar uns dos outros
hora se pode pedir uma xícara de açúcar ou porque não existe vida sem o coletivo
um punhado de farinha para completar os
ingredientes de um bolo. É natural lavar a
louça para a vizinha, cuidar dos filhos dela
ou ter uma cópia da chave para um caso de NINGUÉM VAI LONGE SOZINHO
emergência. No livro Comunidade: a Busca Imagine a sensação de estar num barco
por Segurança no Mundo Atual (Zahar), o sem ajuda para remar contra as fortes cor-
sociólogo Zygmund Bauman escreveu que rentezas comuns em longas travessias. O
todos nós almejamos morar num recanto filme húngaro Aqueles que Ficaram retrata
cálido, confortável e aconchegante, como essa angústia. Ele conta a história de dois
um teto sob o qual nos abrigamos da chu- desconhecidos que sobreviveram à Segun-
va pesada ou uma lareira diante da qual da Guerra Mundial. Sozinhos e cansados,
esquentamos as mãos num dia gelado. adotam um ao outro como pai e filha e
Onde sempre podemos contar com a boa usam o amor que nasce nessa nova família
vontade dos outros. E acrescentou: “Sem- como remédio para curar seus traumas. De
pre haverá alguém para nos dar a mão em forma simples e delicada, a narrativa mos-
momentos de tristeza. Quando passarmos tra que, apesar das dores e medos vividos,
por momentos difíceis e por necessidades quem deixa a porta do coração aberta pode
sérias, as pessoas não pedirão fiança antes ter boas surpresas.
de decidirem se nos ajudarão; não pergun- O mesmo acontece conosco. Ouvir o te-
tarão como e quando retribuiremos, mas lefone tocar, receber uma mensagem afe-
sim do que precisamos”. O problema é que tuosa no celular, um convite para dar uma
esse ambiente acolhedor tem se tornado volta ou uma oferta de ajuda nos torna

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Abrir-se para o outro e para a colaboração pode ser desafiador porque não estamos acostumados
a confiar, a acreditar no outro e na capacidade de desenvolver relações sem competição ou inveja
CO N VIVER | PENSA R

mais fortes para atravessar as tempestades diamante numa mina. Ainda assim, vale
da vida. Isso não significa que não temos dar um voto de confiança a elas. “Em certo
recursos internos suficientes para passar sentido, os relacionamentos benéficos são
pelos obstáculos que surgem na frente. como vitaminas emocionais, sustentando-
Também não quer dizer que somos incapa- -nos nos momentos difíceis e garantindo-
zes de ter sucesso em uma empreitada so- -nos nutrição diária”, completa o escritor.
litária ou que precisamos passar o tempo Dá trabalho saber se um conhecido recente
todo cercados de pessoas porque depende- nos trará esse alimento emocional ou dor
mos delas para tudo. Mas, quando nos sen- de cabeça. “A gente precisa conviver, expe-
timos cuidados, tudo fica mais leve. Mais rienciar as situações. Estar junto não signi-
do que isso. Ter um contato próximo com fica abrir tudo. É importante termos a nos-
quem nos ama faz a gente crescer. “É uma sa caixinha de segredos, as nossas reservas
troca de cores, emoção e afeto que traz emocionais, culturais e financeiras. Desen-
muita riqueza. E tudo isso vai dando um volver as relações recentes com cuidado”,
novo significado para nossas percepções”, pontua Dorli. E estar preparado para o que
afirma a psicoterapeuta. É claro que nos vier. “É necessário arriscar um pouco. Se a
relacionamentos profundos precisamos gente cair, se levanta. Se machucar, pode se
reduzir o nosso espaço para caber o outro. curar”, encoraja a psicoterapeuta.
Mas isso é compensado pelo prazer de um
abraço apertado quando estamos tristes.
Além do medo, a competitividade que nos
é ensinada desde cedo cria um muro que
É claro que estar junto não significa abrir tudo. Mas
nos separa das outras pessoas. Muita gente fechar-se demais pode impedir valiosos encontros.
se sente incomodada em dividir o mérito
de suas conquistas, ouvir críticas ou acei-
Podemos ir mais longe quando temos por perto
tar que suas ideias nem sempre são as me- gente com os mesmos propósitos que nós
lhores. Por isso, passam a vida buscando
a autossuficiência. Precisamos aprender
com as formigas sobre a beleza e a impor- Dar o tempo necessário para conhecer o
tância do trabalho em equipe. Assim se outro é a maneira mais segura de não em-
produzem coisas incríveis e se amplia o barcar em relacionamentos que fatalmente
alcance de mensagens necessárias. irão ruir. Por outro lado, fechar-se demais
pode impedir grandes encontros. “Quando
CORAGEM DE CONFIAR a gente se permite, ganha afeto e oportuni-
São as pessoas que bordam a nossa exis- dades. Sentimos que estamos fazendo par-
tência com momentos especiais. Sem elas, te de algo maior. A gente precisa das pes-
nossa vida vira um filme vazio. “Grande soas porque caminhar junto é mais fácil”,
parte do que faz a vida valer a pena se re- conclui Dorli. Esse é o exercício que Ana
sume à nossa sensação de bem-estar – ou pratica ao ajudar a construir casas. “Con-
felicidade e satisfação. E os relacionamen- fiar no outro é compreender que só com o
tos de boa qualidade constituem uma das trabalho dele a gente consegue chegar aon-
fontes mais ricas desses sentimentos”, ob- de quer. E que estamos ali pelo mesmo pro-
serva o psicólogo Daniel Goleman, autor do pósito.” É assim que se cria a comunidade
livro Inteligência Social: a Ciência Revolu- chamada por Bauman de paraíso.
cionária das Relações Humanas (Objetiva).
Às vezes, descobrir se as pessoas estão
nas nossas vidas para o bem, principalmen- SIBELE OLIVEIRA se vê como uma formiguinha em
te as recém-chegadas, é como procurar um busca de outras pelo caminho para ter uma vida leve

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Quando podemos criar relações sólidas e consistentes, percebemos que colaborar é, também, preencher-se
de mais humanidade. É no encontro com o outro que a vida também ganha mais sentido
T RAN S FORMA R | ENTRE V I S TA

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Humanamente tecnológicos
Fábio Gandour, um dos maiores pesquisadores brasileiros na área
de tecnologia, acredita que ela só faz sentido se estiver a serviço
das pessoas. E alerta que estamos invertendo essa lógica
TEXTO ANA HOLANDA

ele é conhecido por falar sobre comprou um terreno no interior UNB, em Brasília. Os cursos, em
inovação e tecnologia. É que esse de São Paulo. Hoje, divide seu todas as faculdades, eram dados
foi seu tema de estudo nas últi- tempo entre inventar engenhocas em bloco. Você pegava uma maté-
mas três décadas. Por 28 anos, para o sítio e falar para empresá- ria e se dedicava só a ela em um
Fábio Gandour ocupou o cargo rios sobre inovação. Dois mundos período. E podia também fazer ma-
de cientista-chefe do laboratório que parecem tão distantes, mas térias de outras faculdades. Então
de pesquisa da IBM. Sua palavra que, numa conversa atenta com fiz medicina, mas estudei história
definia o investimento em tecno- Fábio, percebe-se que não. Enten- em quadrinhos, psicologia, e o que
logia de grandes e pequenas em- der como um cirurgião pediátrico gostava mesmo era de matemá-
presas. Mas, há quase três anos, se tornou cientista-chefe de uma tica. Nos seis anos de medicina,
ele resolveu mudar tudo: saiu da gigante da tecnologia é compre- fui até cálculo cinco. Me tornei
IBM e voltou seus olhos para a ter- ender a evolução e o papel da pró- conhecido na faculdade de mate-
ra. “Decidi que ia me desconectar, pria tecnologia. E, especialmente, mática e me perguntaram por que
que queria voltar às origens por- como fazer para que, no meio de eu não tirava a licenciatura. Mas
que sou um caipira de São José do tudo isso, a gente não se perca. eu não queria porque os números,
Rio Preto”, diz. Fábio conta que os exercícios de lógica, para mim,
cresceu perto da terra, plantando COMO UM MÉDICO FOI PARAR eram diversão. Eu queria mesmo
mudas, criando bichos. “Minha vó NUMA DAS MAIORES EMPRESAS era ser médico. Mas a verdade é
sabia se ia chover olhando para DE TECNOLOGIA? que saí da faculdade de medicina
as formigas. Cheguei à conclusão Para te explicar isso, preciso vol- com uma boa formação em mate-
de que devia resgatar um pouco tar lá atrás... Fiz faculdade de mática. E isso, mais para frente,
essa origem”, diz. Nessa busca, medicina, na década de 1970, na mudou minha trajetória.

41
T RAN S FORMA R | ENTRE V I S TA

“Qualquer pessoa, do mais alto executivo à


mais humilde professora do sertão do Brasil,
cada um, à sua maneira e de acordo com a sua
realidade, tem uma necessidade tecnológica”

VOCÊ ACHA QUE A MATEMÁTICA VOCÊ SEGUIU, SILENCIOSAMENTE, Comentou que estava chegando
ABRIU NOVAS POSSIBILIDADES COM SEUS ESTUDOS? algo novo chamado microinfor-
DE PENSAMENTO? Sim. Eu queria entender as proba- mática, que ia popularizar o mun-
Total, mas eu também virei um bilidades de um casal ter um filho do dos computadores. Ele tinha
chato. Porque a matemática te com uma determinada doença voltado da Inglaterra e ia dar um
empurra na direção de medições. congênita. Então peguei dezenas curso novo, programação do chip
Então meço tudo. Toda teoria nas- de trabalhos e fui interpretando, Intel 8080. Isso é o primeiro chip
ce em cima de medições. É como montando modelos matemáticos que ocupou microcomputadores.
desenhar um pensamento. na sala de casa. Isso é chamado de E então fui fazer o tal curso. Saía
grafo. Eu comprei papel e caneti- de branco do hospital e ia para
AS PESSOAS TINHAM DIFICULDA- nha colorida, desenhava linhas uma sala de aula no meio de um
DE, NA MEDICINA, DE ENTENDER que se cruzavam e ia colando. O monte de engenheiros para apren-
SUA MANEIRA DE PENSAR? grafo começou a se espalhar pelas der sobre microcomputadores.
As pessoas nunca me entenderam paredes, teto... Até que um amigo,
naquela época. Eu passei a não fa- engenheiro da Telebrás, foi em E COMO VOCÊ SEGUIU NISSO?
lar mais sobre meus estudos, por- casa, olhou e entendeu o que era Eu estava com 28 anos, já era che-
que via probabilidade e modelos – raramente alguém entendia. Ele fe de cirurgia de um hospital em
matemáticos em tudo, principal- comentou que aquilo era um tra- Brasília, mas estava cansado de
mente no que me especializei, as balho fantástico, mas que, se eu ter meu trabalho como médico
deformidades congênitas. E o que continuasse com papel e caneti- e ver a saúde do paciente serem
as pessoas não entendem, rejei- nha, ia demorar muito tempo. Eu colocados em risco por conta da
tam. Ou criticam. precisava era de um computador. burocracia, porque, por exemplo,

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Fábio Gandour nasceu no interior
de São Paulo. Foi criado junto da terra
e foi ali, na raiz, que percebeu que
entender a lógica das coisas é essencial
para o nosso desenvolvimento

o hospital não aprovava a com- como eu saí da medicina e fui pa- vê um treco altamente tecnológico
pra de um fio cirúrgico mais fino rar na computação? É a primeira e bacana e fala “eu quero isso na
e seguro. Aquilo me incomodava. vez que conto essa história... minha empresa”. Lá ele se informa
Decidi que iria trilhar um novo ca- que a tecnologia que faz isso é da
minho profissional. E fui atrás do O QUE TUDO ISSO LHE ENSINOU IBM. Ele volta ao Brasil e procura
PhD em ciências da computação, SOBRE A TECNOLOGIA? a IBM. O vendedor, obviamente,
em (universidade) Stanford, nos Me ensinou que a tecnologia só fala que vai ser ótimo implemen-
Estados Unidos. Fui e, ao voltar ao faz sentido quando está a serviço tá-la na empresa dele. E como nós
Brasil, a IBM me contratou. das pessoas. Qualquer pessoa, do vamos fazer isso? Uma vez que
mais alto executivo à mais humilde era algo novo, caía no meu colo.
PARA TRABALHAR EM QUÊ? professora do sertão. Cada um tem Então, o que eu fazia era analisar
Com informática em saúde, por- uma necessidade tecnológica. E a a tecnologia e a empresa do clien-
que a IBM soube que tinha um tecnologia só faz sentido quando te, o momento em que estava e o
médico brasileiro que fez um PhD você consegue funcionar a serviço que precisava naquela circunstân-
em ciências da computação. Era dessas pessoas. Essa foi a bandeira cia. E, às vezes, chegava à conclu-
um departamento novo na em- que eu sempre carreguei. são de que a tecnologia que o cara
presa. Isso foi em 12 de fevereiro viu e queria tanto pôr na empresa
de 1990. E fiquei até 2017, como E COMO ISSO SE APLICARIA, DE dele não fazia o menor sentido. Fiz
cientista-chefe do laboratório de FATO, NA PRÁTICA? isso dezenas de vezes, oferecendo
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pesquisa que ajudei a criar, em Desta maneira: o alto executivo outras soluções que fizessem mais
2010 – e digo isso com uma pon- vai levar as crianças para a Disney sentido. E as pessoas começaram
tinha de orgulho e vaidade. Viu nas férias, por exemplo. Chega lá, a me valorizar por isso.

43
T RAN S FORMA R | ENTRE V I S TA

“A tecnologia exerce fascínio nas pessoas.


É como se fosse o canto da sereia. E você não
pode impedir esse fascínio porque ele alimenta
a ilusão. E não se tira a ilusão de um ser humano”

E A PROFESSORA DO SERTÃO? não se pode impedir esse fascínio melhor, competitiva, que terá
É preciso chegar lá e ver o que ela porque ele alimenta a ilusão. E você sucesso. Numa versão anterior, o
precisa. Cada pessoa tem uma ne- pode tirar tudo de um ser humano, campo que mais manifestava esse
cessidade. E as realidades diferen- menos a ilusão. Ele tem que ter fascínio era a roupa.
tes têm que ser vistas e atendidas, alguma ilusão. Neste mundo high
com honestidade. Porque às vezes tech você pode não concordar com E QUAL A CONSEQUÊNCIA DISSO?
você tem de chegar para essa pes- isso, mas a ilusão vai continuar O pessoal do transhumanismo,
soa e dizer que aquilo que você tem existindo. Não tem jeito. E qual é a uma corrente filosófica, acredita
para propor não vai facilitar a vida ilusão? Nesse caso, é o consumo da que o homem vai se fundir às má-
dela, vai custar muito caro e não é tecnologia. Mas eu acredito muito quinas. E a gente não está muito
a melhor solução. É estar sempre a que podemos levar esse binômio, longe disso. Hoje, eu uso um apa-
serviço das pessoas. pessoas e tecnologia, a um final relho auditivo. Eu não iria achar
feliz e satisfatório. de todo mal se ele estivesse fundi-
E O QUE TUDO ISSO LHE ENSINOU do ao meu corpo. Pode ser que no
SOBRE AS PESSOAS? AS PESSOAS ACHAM QUE PRE- futuro tenha que usar prótese no
Aprendi que a tecnologia exerce CISAM DE COISAS QUE, NA REA- quadril... E assim eu vou me mis-
um fascínio nelas. É como se fosse o LIDADE, NÃO PRECISAM? turando com a máquina.
canto da sereia. Quando vou em um Elas precisam de coisas que
shopping, paro na principal vitrine alimentem o seu fascínio, não ONDE HABITA A NOSSA HUMANI-
de acesso a novas tecnologias. É uma necessidade. É a necessidade DADE NESSE PROCESSO TODO?
maluco. As pessoas ficam vidradas, criada pela ilusão de que aquela De novo, enquanto a tecnologia es-
principalmente nos celulares. Mas tecnologia vai torná-la mais bonita, tiver a serviço das pessoas, e não

44
De cirurgião pediátrico a pesquisador-
-chefe da área de inovação da IBM,
Fábio é inquieto por entender
a tecnologia e as pessoas - e
como uma está a serviço da outra

o contrário. Vou dar um exemplo... nologia. Comprei um pluviômetro, treco funciona. E, na vida, estamos
Seu Antônio trabalha comigo, no bem simples. Expliquei que aque- pulando essa etapa, a da lógica das
pedacinho de terra que tenho no le aparelho iria ajudá-lo a medir coisas. Estamos saltando etapas
interior de São Paulo. E eu sempre o quanto choveu, e como usá-lo e importantes no correto processo
acho que investir em gente é o me- instalá-lo. Eu o eduquei para usar de absorção tecnológica. Isso faz
lhor investimento que você pode uma tecnologia, mesmo que sim- com que a gente não absorva e
fazer. É um investimento, que tem ples. Você não tem ideia do poder prejudica nosso aprendizado – e
como retorno reconhecimento, que esse cara adquiriu na região. até nossa capacidade de reflexão.
amizade, afeição, e às vezes até di- Ele passou a ser a pessoa que sabe
nheiro. Seu Antônio é um homem tudo sobre a chuva, se forma 40 ou HOJE, ENTÃO, SOMOS NÓS QUE
rural, jovem, de 40 e poucos anos. 100 milímetros. Ele tem essa in- ESTAMOS A SERVIÇO DA TECNO-
E o único investimento que fize- formação, esse poder no grupo de LOGIA, E NÃO O CONTRÁRIO?
ram nele foi tirar o trabalho dele agricultores. Ficou empoderado. Exato. E nesse ponto perdemos a
e dar dinheiro em troca. Eu estou O próximo passo será trazer um nossa humanidade. Eu não sei se
criando uma relação diferente com novo conceito: em quanto tempo seu Antônio vai conseguir usar a
ele. Dei a ele um celular para a gen- choveu aquela quantidade. Estou alta tecnologia, espero que sim.
te se comunicar. Expliquei como colocando a tecnologia a serviço Estou indo por etapas, respeitan-
funcionava o WhatsApp. Por men- das pessoas. Onde pretendo che- do quem ele é, com seu tempo de
sagem, eu pergunto para ele “seu gar? Num pluviômetro eletrônico absorção, para que entenda a lógi-
FOTO DIVULGAÇÃO

Antônio, choveu?”. E ele responde conectado à internet. Mas tem que ca, para que não perca a dimensão
que choveu um pouco ou muito. O começar com o simples para que de que é ele quem está no coman-
que eu fiz? Fui atrás de uma tec- ele aprenda a lógica, como esse do. Não é a máquina.

45
SER | EXPERIÊNCIA

46
O que aprendi ao viajar sozinha
Muitas vezes precisamos ir longe para enxergar o que
nos aprisiona de perto. Conhecer o mundo e novas
pessoas nos ajuda a conquistar a liberdade
TEXTO FERNANDA LAGOEIRO ILUSTRAÇÃO TIAGO GOUVÊA • @TGOUVEA

“você é muito louca de sair an- Decidi, então, que iria realizar pensar longe. Imaginava os lugares
dando por aí sozinha!”, ouvi de meu sonho de fazer um mochilão… que estão esperando pela gente,
uma menina que conheci jogando sozinha, pela primeira vez. Tinha quantas pessoas fariam parte da
conversa fora, numa praça no cen- esse sonho desde que li Na Natu- nossa caminhada, e quantas coisas
tro de Bruxelas, três horas depois reza Selvagem (Companhia das Le- (e histórias) estão aí fora, passan-
de chegar à cidade pela primeira tras), de Jon Krakauer. Ganhei o li- do, todos os dias, enquanto a gente
vez. Mas Bélgica, França, Holanda vro de um professor, que dizia que não se dá conta e segue no piloto
e Alemanha foram, por 15 dias, o eu tinha a mesma alma de aven- automático das tarefas diárias.
porto seguro que me acolheu no tureiro do protagonista. Logo eu, Os flashes viviam na minha ca-
meio da tempestade que fazia den- toda perdida. Que volta e meia me beça. Salvador. Tóquio. Nova York.
tro de mim. E foi o impulso de ir esquecia de pagar os boletos. Que Budapeste. Lugares que eu nunca
que fez o sol nascer de novo. Eu es- manchava as roupas na máquina conheci, sempre vivos no meu ima-
tava prestes a fazer 25 anos e havia de lavar. Que tropeçava na rua em ginário. O mundo inteiro me espe-
vivenciado decepções no trabalho, qualquer oportunidade. rando. Mas a rotina me despertava.
relacionamentos desgastantes e a Olhava pela janela do escritório Campinas. Textos. E-mails. Even-
pressão de não saber o que fazer. na empresa em que trabalhava, tos. Lançamentos digitais. Faltava
Tudo parecia estar dando errado. em Campinas. A vista do décimo algo e eu sentia esse vazio…
Em meio a uma crise existencial, só andar, apesar de não me mostrar Então, enquanto conversava com
tive uma certeza: era hora de mu- mais do que prédios e uma aveni- uma amiga que mora na Holanda,
dar. De viver um ciclo novo. da movimentada, sempre me fazia fui tomada pelo impulso: por

47
SER | EXPERIÊNCIA

Quando cheguei à estação central, em


Bruxelas, a primeira coisa que pensei foi “o
que é que estou fazendo aqui?”. Era um lugar
sujo, feio, com muitas pessoas me encarando

que não ir, afinal de contas? Por de hospedagem, passaporte, vaci- pessoas estranhas que me enca-
que não começar a minha fase nova nas, seguros, roupas. E as necessi- ravam o tempo todo. Senti medo.
agindo, de fato, como uma pseu- dades mais desesperadoras, como Bem, mas já estava ali, então só me
doadulta de 25 anos e planejando não me importar com o alto valor restava encarar. E o que veio de-
algo legal para mim? Num ímpeto, do euro, e me certificar de que te- pois me surpreendeu. Fiz amigos
comprei as passagens. Meu roteiro ria dinheiro suficiente. Enquanto especiais no hostel e tive dias mui-
incluiu Bruxelas (Bélgica), Maastri- isso, trabalhava 12 horas por dia, to felizes, alegres e animados.
cht e Amsterdã (Holanda), Düssel- equilibrando noites de sono, a an- Quando fui para Düsseldorf, per-
dorf (Alemanha) e Paris (França). siedade e os itens da lista. Até que cebi um povo diferente, mais fe-
Uma escolha totalmente aleatória, o grande dia chegou – nunca havia chado. Ali, senti saudade do Brasil,
com cidades que estavam no mes- me sentido tão ansiosa quanto na- da minha família, quis chorar. Ao
mo caminho. O que eu desejava era quele dia. Já no aeroporto, olhei mesmo tempo, foram dias intensos
me desafiar, conhecer pessoas, lu- minha mãe “pela última vez” (gos- comigo mesma. E descobri que so-
gares não tão turísticos, praticar o to de ser dramática). A Fernanda lidão é diferente de solitude. Não
inglês e, sobretudo, me libertar. que ela iria encontrar na volta já há nada que pague a sensação de
não seria mais a mesma. se sentir bem e em paz em ser sua
ATÉ A VIAGEM CHEGAR... Meu primeiro destino foi Bruxe- própria companhia.
Eu, que adoro listar coisas, fiz um las. Cheguei à estação central e a Paris é, de fato, uma das cidades
check list de tudo o que precisaria primeira coisa que eu pensei foi “o mais bonitas do mundo. Ali, expe-
fazer ou conseguir até a data do que é que eu estou fazendo aqui?”. rimentei pratos deliciosos, vi uma
embarque, dali a seis meses. Havia A estação era muito pior do que eu arquitetura impecável, mas perce-
uma parte prática, como reserva podia imaginar. Lugar sujo, com bi uma desigualdade social que me

48
Ao longo das duas semanas de viagem,
conheci cidades lindas, como Amsterdã,
aprendi a me virar sozinha e ganhei
a liberdade que tanto desejava

fez entender que, não importa em sobrado. Fui assediada algumas ristas para uma viagem mais segu-
que lugar você esteja, infelizmen- vezes e senti medo. Me perdi e, ra, além de aplicativos que também
te algumas coisas não mudam – e com a ajuda de pessoas, cheguei ao ajudam. Depois da experiência,
os excluídos sofrem. Holanda foi meu destino. E quer saber? Viagem eu tive de voltar para minha vida
uma surpresa boa. Fiz novos ami- sem perrengue não é viagem. Tive de redatora em Campinas. Mas a
gos por lá, de diferentes países. longas e profundas conversas com Fernanda não é mais a mesma. O
Conheci lugares incríveis, seguros, estranhos, fiz amizades, vivi amo- corpo que a habita não é mais o
acessíveis (todo mundo falava in- res de verão revigorantes. Explorei mesmo. É um corpo independente,
glês). Era tudo o que eu precisava lugares, imergi em culturas. Sabe seguro, confiante, maduro, capaz
para fechar a minha mala com boas a tal da liberdade que fui buscar? de resolver problemas. Voltei, mas
lembranças e a sensação de dever Encontrei. Ela está dentro de mim, a viagem segue morando em mim.
cumprido. Para lembrar, de fato, o e se libertou em um balanço a 100 Aprendi que sempre haverá al-
motivo pelo qual eu estava ali, e o metros de altura em Amsterdã. guém para te acolher no caminho.
motivo pelo qual eu estava onde Para mim, era o mais próximo que Seja um completo desconhecido,
deveria e precisava estar. poderia chamar de felicidade. um futuro conhecido ou, simples-
Sei que muitas mulheres não se mente, você mesma.
LEMBRANÇAS DESSA JORNADA sentem confiantes em viajar so-
É claro que enfrentei outros tantos zinhas, mas cada vez mais encon-
FOTO ARQUIVO PESSOAL

desafios nessa viagem. Meu cartão tramos formas de nos sentir em


FERNANDA LAGOEIRO é jornalista,
pré-pago travou e fiquei sem po- segurança, e podemos planejar o embaixadora brasileira da ONG de
der usá-lo; daí, tive de economizar roteiro levando isso em conta; há empoderamento feminino G(irls)20, e vê nas
o restante de dinheiro que havia vários canais que orientam as tu- histórias um manifesto: das coisas simples

49
p e n s a n d o b e m

Sobre consequências
A verdadeira maturidade vem quando se assume a responsabilidade
pelo resultado de suas escolhas, atos e omissões _POR EUGENIO MUSSAK

alguns dias na praia são sempre um bom Foi quando ele, que é muito branquinho,
programa. Relaxam, alegram, enchem os disse algo diferente:
olhos de beleza. Os pés na areia parecem – Quando a pele fica vermelha é porque o
estabelecer uma conexão do corpo com Sol ficou grudado na gente, né, pai?
o planeta, criando uma linha direta com E o pai ficou pensando que, sim, é isso. A
alguma fonte infindável de energia. Se a pele vermelha significa que o Sol não foi
praia é Jurerê, ao norte de Florianópolis, embora. Ficou grudado nela, de alguma
ainda há a certeza de que o paraíso existe. forma. Por meio de seu efeito, nesse caso,
Foi lá que tive uma conversa interessante deletério. Minha amiga dermatologista, a
com um garoto de apenas 4 anos, que, por doutora Isabela, certa vez me explicou que,
acaso, é meu filho e meu grande amigo. O se a pele bronzeia, é porque não foi bem
tema era prosaico e necessário: a impor- protegida, e se fica vermelha é porque já
tância do filtro solar, que as crianças resis- houve lesão. “O Sol ficou grudado na pele.”
tem em aplicar como se deve. Na noite daquele dia ensolarado, não
– Temos que nos proteger do Sol. pude deixar de me lembrar dos conceitos
– Mas você disse que o Sol é bom... filosóficos da causalidade. Esse é um as-
– Sim, mas ele também pode ser malvado. sunto que começou a ser explorado por
– Como o Bento, que faz carinho e às ve- Aristóteles e ainda fornece combustível
zes arranha? para discussões acaloradas.
– Exato! – Bento é nosso gato, que se com- Causalidade nada mais é do que a relação
porta exatamente como o Erik descreveu. entre dois eventos, a causa e o efeito, sen-
Eu não faria uma comparação melhor. do que o segundo deriva do primeiro. Tão
A conversa fluiu leve, enquanto desenhá- óbvio e tão ignorado por tantas pessoas.
vamos o Sol em uma folha de papel. Ele já Fazem parte do estudo das causalidades as
sabe que o Sol ilumina. Que, ao aparecer, o suas variantes, como o efeito dominó, bor-
dia começa e, ao se pôr, chega a noite. boleta, os ciclos viciosos ou virtuosos, o fe-
– Agora ficou dia no Japão, né, pai? – ele edback, e outros. Entre esses outros, a ideia
adora o “né, pai?”. de que a causalidade pode ocorrer “segundo
– Sim – digo, acostumado com as surpre- o ser” ou “segundo o vir a ser”.
sas do diálogo com a criaturinha fantástica. Na causalidade “segundo o ser”, o efeito
E então voltamos ao filtro solar, à impor- desaparece quando cessa a causa. No “vir
tância de aplicar várias vezes, ao uso do a ser”, ele persiste. Nesse caso, o efeito so-
boné, da camiseta... brevive à causa e se transforma em con-

50
Se nada é por acaso, tudo é
consequência. E negar as causas é
desrespeitar a ordem natural da vida

sequência, que às vezes é tão grande, pela de assumir responsabilidade pelas conse-
intensidade ou pela duração, que parece quências de suas escolhas, atos ou omis-
desproporcional à causa. sões. Conheço jovens de 13 anos que são
Foi o que o Erik quis dizer, com sua mara- assim e homens de 40 que não.
vilhosa e singela percepção infantil. Quan- Já no campo da gestão, o conceito da es-
do o Sol se põe, desaparecem, ao mesmo tratégia trata principalmente disso. Lucro
tempo, a causa e seu efeito mais evidente: ou falência são consequências da gestão.
a luz. Já quando não cuidamos da pele ex- O mesmo vale para a saúde, para as car-
posta na praia, o efeito do Sol permanece reiras, a vida financeira, os casamentos,
mesmo após sua partida. E não é um efeito para ter e criar filhos, para as amizades. Vi-
bom. É uma consequência negativa. vemos em uma espiral de relações causais
A consequência, para mim, é uma espécie que pode nos elevar ou derrubar. É preciso
de força que não pode ser ignorada. Aliás, assumir as responsabilidades.
em minha humilde opinião, as três maio- Quando alguém diz que “nada é por aca-
res forças existentes são: a gravidade, a na- so”, alguns interpretam como ordens mís-
tureza e a consequência. Vejamos. ticas. Eu vejo que, se nada é por acaso, tudo
Newton explicou a força da gravidade, que é consequência. Negar as causas das con-
nos prende ao planeta. Darwin descreveu a sequências é desrespeitar a ordem natural
força da natureza, que inclui tudo o que se da vida. Acolhê-las, e manter com elas uma
refere à vida e à morte. Mas há a terceira, relação harmoniosa, de análise, aprendi-
a força da consequência, muitas vezes não zado, recuperação e responsabilidade, é o
percebida, tantas outras desrespeitada, e que, verdadeiramente, nos faz grandes.
quase sempre implacável. E Aristóteles vi-
veu muito antes de Newton e Darwin...
Este não é um assunto menor. É tratado EUGENIO MUSSAK
pela filosofia e pela ciência, e, com frequên- já escreveu aqui
cia, é lembrado pela psicologia e pela ges- sobre muitos dos
tão. A psicologia nos explica que a verdadei- seus atos e suas
ra maturidade não é definida por quantos consequências.
anos a pessoa tem, mas por sua capacidade @eugeniomussak

51
o u t r o s o l h a r e s

Não há controle
Pode ser um alívio descobrir que a vida não depende
só de nossos meticulosos planos e desejos _POR CRIS GUERRA

a irmã do meu pai era incapaz de matar gora. A vida de autônoma é uma batalha
um mosquito. Tinha pavor de incomodar por dia, como arrumar um emprego hoje
quem quer que fosse. Até o controle remo- e ter de encontrar outro amanhã. Mas a
to ela deixava quietinho em cima da TV e, sensação de estabilidade da carteira assi-
acredite, levantava-se do sofá a cada vez nada costuma engessar, até escorrer por
que ia fazer uso do aparelhinho – que rapi- entre os dedos em um telefonema do RH.
damente devolvia ao seu lugar como quem Foi um alívio descobrir que a vida não
pede desculpas pelo incômodo. Sua eti- está sob o meu controle e que algumas
queta a impedia de deter algo ou alguém coisas simplesmente não dependem de
que não fosse ela mesma. mim. Viver é verbo perigoso e deliciosa-
Discreta, minha tia fazia o diabo para mente incontrolável: só nos resta atuar
permanecer invisível. Um acidente vas- sobre nossa forma de reagir a cada fato.
cular cerebral tratou de provar que até o Para os que insistem em não aprender,
autocontrole tem um quê de utopia. A do- a vida repete a lição com igual teimosia.
ença foi coerente com seu estilo de vida: Como na história do casal que uma amiga
foram mais de 30 anos desde a primeira conheceu. Comemoravam emocionados
crise até a sua partida. Minha tia foi dei- a gravidez viabilizada por uma barriga de
xando o mundo suavemente, para que aos aluguel. “Nosso filho não terá problemas
poucos nos habituássemos à sua falta. degenerativos”, disseram, orgulhosos. A
Minha ilusão de poder controlar as coi- encomenda do embrião foi meticulosa. O
sas se manifestava em meus armários dinheiro é bom nessas coisas e tudo parece
rigorosamente organizados. Era a minha estar correndo de acordo com o previsto,
forma de tentar domar os fatos. Quando exceto por um detalhe: eles teriam pedido
meu pai disse que na vida era preciso ter um menino. Vem aí a pequena Lua, com a
um salário fixo, cavei um emprego ainda missão de ser o Sol de suas vidas.
na faculdade e segui trocando de empre-
gador, crescendo nos limites do possível.
Era como estar numa gaiola aberta, ape- CRIS GUERRA
gada ao prato de alpiste. O maior perigo acaba de lançar seu sexto
era a falsa sensação de segurança. título, Escrever uma Árvore,
Aos 40, aprendi que o incerto pode ser Plantar um Livro, e roda o
estímulo para ir mais longe. A rotina tem país levando novos olhares
lá o seu valor, mas o frio na barriga revi- sobre a vida. @eucrisguerra

52
c o n v e r s a e m fa m í l i a

A expectativa
Aprender a não esperar que os filhos realizem nossas necessidades
infantis permite que eles sigam o próprio caminho _POR LUA BARROS

fomos ensinados que prazer vem com Isso durou 6 meses. Até que a pressão para
merecer ou com sofrer. O prazer fica para se apresentar, para massagear nossos egos
depois, porque antes temos que batalhar, de pais de primeira viagem ficou insus-
percorrer um caminho longo e tortuoso. E tentável. João desistiu dos instrumentos e
esse conceito adulto de prazer é colocado nunca mais se interessou por música. Até
para as crianças de um jeito quase cruel. hoje – ele com 11 anos – esse é um campo
Quando nossos filhos dizem que gostam que causa incômodos.
de fazer algo, transformamos aquilo em Diante da frustração por não ver mais o
uma missão. Se gostam de pintar, lá vamos interesse dele, poderíamos ter ameaçado,
nós comprar as melhores canetinhas, a tin- doado os instrumentos. Afinal, como assim
ta que não é tóxica, o papel ideal, para que você não gosta mais de música? E todo o
eles explorem aquela atividade. Se gostam meu investimento? E minhas expectativas?
de nadar, na semana seguinte estão na na- É importante aprender a não esperar das
tação. Se o prazer é a dança, balé. Se é mú- nossas crianças. Não contar com elas para
sica, piano. Nosso cérebro se adianta no a realização das nossas necessidades infan-
processo e lá estamos nós fazendo planos tis. Precisamos tirar nossas expectativas da
anuais para que aquela criança melhore frente quando estamos diante dos prazeres
seu desempenho. Queremos que eles per- do outro, mesmo que esse outro seja nosso
formem, se apresentem, participem de filho. Se for da natureza deles, a música, o
competições. Queremos que sejam me- balé, a natação, a arte ou qualquer outra
lhores e, claro, sejam felizes fazendo algo atividade que eles exerçam, vão chegar e
que gostam. Mas gostar é pouco. Não nos vão ficar em suas vidas. E, como tudo que
satisfaz. Não conseguimos simplesmente a gente gosta e que nos dá prazer, vamos
apreciar esse gostar deles. encontrar caminhos para fazer mais e me-
Lembro quando João, meu filho mais ve- lhor. Naturalmente.
lho, tinha 2 anos e amava música. Amava
mesmo. O artista preferido era Eric Clap-
ton e ele brincava que fazia parte da ban- LUA BARROS
da do músico. Tanto eu quanto o pai nos é educadora parental e
apressamos em comprar uma minibateria, mãe de quatro filhos, mas
guitarrinhas e pequenos violões para João. também consegue ser outras
Não podia chegar ninguém em casa que a coisas quando sobra tempo.
gente logo pedia: filho, toca aquela música! @luabarrosf

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v i a g e n s t r a n s f o r m a d o r a s

Viagem de criança
Para um viajante mirim, não há perrengue. Só aventura, jeito
diferente de fazer as coisas e histórias para contar _POR JULIANA REIS

numa curva da BR-101, segurei firme o As borboletas seguiam aparecendo sem-


volante. Notei meus dedos cobertos de pó pre que lá em casa desciam as malas dos
amarelo. Com urgência, lambi um a um armários. Ou quando a gente avistava a
eliminando as salgadas evidências de um primeira nesga de mar numa fresta entre
segredo meu: quando viajo, me abasteço as montanhas e sabia que agora a praia es-
com guloseimas de lojas de posto. Tipo tava perto. Não era dessa ansiedade ruim
salgadinhos de queijo com cheiro de chulé. dos adultos, mas daquela que vem quando
Criancice, eu sei. É que me fascina a liber- a gente entra em carrinho de montanha-
dade de expressão e as emoções honestas -russa e, mesmo sofrendo, acha bom.
da criança viajante. Tal como na véspera da E se despertar de madrugada durante o
expedição até as minhas origens pela Fer- trajeto até a Bahia foi sufoco para os adul-
rovia da Zona da Mata (MG), quando senti tos, para mim foi só mais um feito para
cambalhotas na barriga e soube pelos tios contar. Para nós, crianças, não há perren-
que o nome era ansiedade. Ou borboletas gue; só aventura e jeito diferente de fazer
no estômago. Primeira vez num trem, né? as coisas. Quando não tinha viagem, o jei-
Senti o mesmo quando cruzamos o Para- to era ir para a floresta encantada, vulgo
ná até o Parque Nacional das Sete Quedas, bosque-no-fim-da-rua. A mochila ia com
onde um amontoado de água se apertava lanche e walkman. E também virava valise
num desfiladeiro estreito e rugia forman- secreta com almanaque, lupa e mais...
do as cachoeiras mais volumosas do… Entrei oficialmente na maioridade após
mundo! Em cima das pontes trombamos atravessar os Andes com a cabeça no teto
com um monte de gente manhosa e al- solar do ônibus. Então sintonizei a ansie-
moçamos num restaurante que tinha na dade dos adultos e suas formalidades. Mas
parede a pintura de um guri chorão. Lá elas somem rapidinho quando chega a
pelas tantas, soube que logo as cachoeiras hora do embarque.
seriam engolidas por um lago gigante, o
da Hidrelétrica de Itaipu. E que dias antes
uma ponte havia arrebentado ali com um JULIANA REIS
punhado de gente em cima. Nossa viagem é uma viajante em
era um adeus. Emburrei também. E pensei busca de histórias, pessoas,
que os adultos não dão bola para as coisas lugares e experiências
importantes até elas acabarem – aí viajam que a modifiquem.
todos até elas causando o maior rebuliço. @viagenstransformadoras

54
c a m i n h o d a s v i r t u d e s

A virtude da paz
Só é possível terminar a guerra quando entendemos
que a paz não é um resultado, mas uma escolha _POR GUSTAVO TANAKA

a paz costumava ser um conceito abstrato começou a mudar a ordem das coisas.
para mim. Um termo sobre o qual eu não Passei a gostar mais de quem era, e reduzi
tinha muita clareza, mas que desejava viver. as críticas que fazia a mim mesmo.
E é engraçado pensar que eu almejava algo A partir desse entendimento, percebi
que nem sabia o que era. Talvez a maioria uma mudança em mim. Comecei a
dos seres humanos viva assim. Desejando reclamar menos. Parei de contestar o que
algo que não sabe muito bem o que é. acontece, aceitando o que a vida me traz.
Eu sempre quis ter paz porque vivia E, curiosamente, tudo ficou mais tranquilo.
num conflito eterno. Uma batalha sem É que a paz não foi um resultado ou
perspectiva de terminar. Eu tinha uma vida consequência. Foi uma escolha. Eu escolhi
boa, sem grandes traumas e dificuldades, viver em paz. Uma guerra não termina
criado num lar de amor e cercado de quando existe um vencedor. Ela termina
pessoas que gostavam de mim. Mas eu vivia quando existe um acordo. Quando as duas
em guerra. O conflito estava dentro de mim. partes decidem parar de brigar. Ou mesmo
Eu acreditava que a paz era um resultado. uma das partes, como naquele ditado
Uma consequência de algo extraordinário. “quando um não quer, dois não brigam”.
De algum grande feito que fosse acabar Há uma batalha acontecendo dentro
com os conflitos. E, por isso, sempre de cada um de nós. E a paz somente se
coloquei a paz no futuro. Será que eu estabelece no momento em que decidimos
somente poderia sentir paz quando parar de brigar. Como todas as virtudes,
encontrasse a realização máxima? Será a paz deve ser praticada e desenvolvida.
que somente encontraria paz quando O mundo está em guerra porque os seres
todos os problemas do mundo estivessem humanos estão em guerra. O externo é
resolvidos? É possível sentir paz se outras reflexo do interno. Qual é a guerra que
pessoas sofrem? Esses eram alguns dos existe em você?
meus questionamentos.
Alguns anos atrás, tomei uma decisão que
mudou o curso da minha vida. Decidi parar
GUSTAVO TANAKA
de brigar comigo mesmo. Decidi parar de
sonha viver
lutar contra o que sinto. Decidi parar de
um mundo
ignorar minha intuição, parar de duvidar
de paz.
de mim mesmo e me permitir expressar
@gutanaka
o que sinto e falar o que acredito. Isso

55
EN T RE NÓS

Precisamos desenvolver a humildade


dias atrás, tive uma conversa um pouco sempre deveria pedir ao filho que olhasse
mais dura com meu filho, que tem 4 anos. firme em meus olhos e não o deixasse ficar
Na volta para casa, irritada, coloquei-o cabisbaixo. Que não precisava ser na frente
numa cadeira, chamei seu pai e a Ivonete, de todos. Que eu tinha de tomar cuidado
a babá, e comecei a passar aquele sermão para não repreender cada pequeno com-
na frente de todos. Ele ouviu sem questio- portamento transgressor, pois aquilo po-
nar, sentadinho, com aquele olhar tímido, deria refletir na sua identidade futura – ser
olhando para baixo. Meu coração se partia, bonzinho demais para agradar. Lições que
mas era necessária a dura. ela mesma aprendeu por coisas que hoje se
A Ivonete trabalha comigo há 17 anos. arrepende de ter feito. Só quem é mãe sabe
Começou me ajudando quando eu ainda o quanto é difícil ouvir uma opinião sobre a
tinha um escritório em casa, e precisava educação do seu filho, mesmo sendo de al-
me desdobrar para dar conta de todas as guém próximo. Muitas vezes nos perdemos
atividades de um pequeno empreendedor. em meio ao nosso ego de querer sempre
Ajudava-me com as compras, a comidinha estar certos. Falta-nos humildade em reco-
feita em casa, a manutenção da casa-escri- nhecer as falhas. Mães também erram.
tório, a entrega dos correios. Aprendemos Humildade, que tem sua origem em “hú-
muita coisa juntas, pois eu acabara de sair mus”, terra, muitas vezes é confundida
da casa dos meus pais e ela iniciava sua com aquele que tem menos condições.
vida profissional. Temos idades parecidas, Não! Humilde é a pessoa aberta para a
mas ela foi mãe dez anos antes de mim. E, vida, para a transformação, para o cres-
naturalmente, assumiu a função da babá, cimento, para o acolhimento da ajuda de
por ser de extrema confiança e afetuosa, e outros, virtude fundamental para a nossa
por já ter um filho. convivência. Precisamos desenvolver nos-
Devido à nossa proximidade e confiança sa humildade, observando nossas reações
uma na outra, ouço muito o que ela me fala às contradições pelas quais passamos, aos
sobre a educação de uma criança. No mes- nãos que recebemos, às opiniões, que mui-
mo dia do sermão, ela se sentou ao meu tas vezes só querem nos alertar para algo
lado e comentou que, apesar da dura ter melhor. Tendo paciência, mas, principal-
sido necessária, eu podia ter feito de for- mente, acolhendo o que querem nos dizer.
ma mais amorosa. Primeiramente, que eu Obrigada, “Ivo”, pelos ensinamentos!
FOTO DANIELA PICORAL • @DANIELAPICORAL

LUCIANA PIANARO
Publisher e CEO da Vida Simples.
@lucianapianaro

56
P O E S I A PA R A O D I A A DI A

Como lidar com


a ansiedade
Ansiedade.
Estar onde o corpo não está.
Tentar levar o corpo para esse não lugar.
Sofrer.
Misturar os tempos traz consequências.
Respire.
Futuro correndo pela nossa cabeça.
Hoje.
Respire.
Respire dentro do hoje.
Escute o que os seus pés dizem.
Ainda é hoje.
Até o fim do dia ainda é hoje.
Não podemos abandonar esse lugar.
Respire.
Fique.
Procure ajuda.
Fale, às vezes falar é respirar.
Faça de tudo para ficar aqui.
Dentro do Hoje.
Mente e corpo.
Peito mais leve.
Respire.

ZACK MAGIEZI, POETA

@zackmagiezi

57
NOSSO PROPÓSITO

“INSPIRAR AS PESSOAS NA BUSCA POR ALGO QUE FAÇA SENTIDO


PARA SI, PROMOVENDO UM BEM MAIOR PARA O MUNDO”

NOSSOS VALORES

AMPLIAR A CONSCIÊNCIA CUIDAR DO NOSSO EVOLUIR SEMPRE, MESMO


PODE NOS LEVAR ALÉM BEM-ESTAR É FUNDAMENTAL QUE A PEQUENOS PASSOS

TER PEQUENAS ATITUDES SABER OUVIR, AGRADECER ABRIR ESPAÇO PARA O OUTRO.
COLABORA NA SOLUÇÃO E SORRIR PODE MODIFICAR O DIA JUNTOS SOMOS MAIS FORTES

DESCOMPLICAR E DESENVOLVER A COMPAIXÃO POR VOCÊ, TRANSFORMAR SONHOS


SIMPLIFICAR É LIBERTADOR PELO OUTRO E PELO MUNDO EM AÇÃO FAZ UM BEM DANADO

VIVER A SUA ESSÊNCIA PARA


ENCONTRAR A PLENITUDE

S A I B A M A I S E M : V I D A S I M P L E S . C O / Q U E M -S O M O S /
NA PRÓXIMA EDIÇÃO

SER CONVIVER TRANSFORMAR


APRENDER A SE PERDOAR É PERMITIR OS ENSINAMENTOS DE UMA COMO SER MAIS ECOLÓGICO
QUE A VIDA SIGA EM FRENTE AVÓ POR MEIO DO CROCHÊ E SUSTENTÁVEL NO DIA A DIA

QUEM SOMOS E O QUE FAZEMOS


R E V IS

OS
EVENT
TA

FAZEMOS CONTEÚDO HUMANIZADO,


AS
DIG

CI
ÊN
ITA

TEMOS UMA COMUNIDADE ENGAJADA,


RI
L

PE

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LIC URA
EX

DESENVOLVEMOS SOLUÇÕES PARA EMPRESAS EN DOR OS


ET
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R OJ CIAIS
E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO PARA ME E O P PE
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O
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O BEM-ESTAR EMOCIONAL.
N

PO
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A U D IO
V IS U A NTENT
ED CO
TE

L BRAND
ENTÃO, SE VOCÊ ESTÁ EM BUSCA DE UM
CONTEÚDO PARA SUA EMPRESA QUE TENHA
IÇOS

UMA LINGUAGEM MAIS PRÓXIMA, NÓS PODEMOS


SA
ED

/ CA
RV

FAZER ISSO PARA VOCÊ. SE VOCÊ QUER OLA PLES


UC

ESC M DE
SE

S I
VIDA DE SEN

DESENVOLVER UM EVENTO COM PESSOAS V


SO COM OLV
ÃO
(E CIO PE IM
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QUE ESTÃO REALMENTE PENSANDO NOVAS | P MOC ÊNC NTO
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MANEIRAS DE VIVER E ESTAR NO MUNDO,
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NÓS PODEMOS FAZER ESSA CURADORIA.


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ALIMENTAÇÃO

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FA L E C O M @ V I D A S I M P L E S . C O
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