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Opinião Pública e Comportamento Político

Aula 4

Prof. Wellington Nunes

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Contextualizando

Há várias teorias cujo objetivo é explicar o comportamento eleitoral, mas três


delas se destacam como interpretações clássicas: a Teoria Sociológica, a Psicológica
ou Psicossociológica e a da Escolha Racional. O objetivo de cada uma delas é explicar
o processo pelo qual o eleitor decide seu voto. Cada uma, no entanto, faz isso de
maneira diferente. O objetivo geral desta aula é apresentar cada uma dessas três
interpretações clássicas e de que forma elas explicam o comportamento dos eleitores.

Tema 1 – Interpretação Sociológica do Voto

Os estudos sociológicos sobre o comportamento eleitoral iniciam-se na década


de 1930 na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, tentando identificar
padrões na distribuição dos votos, a partir dos resultados das eleições. No caso do
Brasil, a preocupação da Ciência Política com o comportamento dos eleitores inicia-se
em meados dos anos de 1950, e o estudo clássico da perspectiva sociológica é o livro
de Gláucio Soares (1973), intitulado Sociedade e política no Brasil. “A hipótese geral
desse tipo de análise é a de que posição social define o voto” (Cervi, 2012, p. 97).

Dessa forma, o comportamento eleitoral não é explicado a partir dos indivíduos,


mas das condições sociais nas quais as instituições, as práticas, as ideologias e os
objetivos políticos se formam e atuam. Dessa perspectiva, portanto, o contexto de
atuação dos indivíduos adquire importância fundamental e é mensurado a partir de
variáveis socioeconômicas, demográficas e ocupacionais. O objetivo geral desse tipo
de estudo é mostrar que existe relação entre esse tipo de variável e o comportamento
dos eleitores (Borba, 2005, p. 155-156).

A interpretação geral é a de que o conjunto de demandas definido pela origem


social do eleitor produz o comportamento político que será utilizado por ele ao longo da
vida. Assim, o conjunto de demandas dos estratos mais altos de determinada sociedade
acabaria por identificar os indivíduos a ela pertencentes com as propostas veiculadas
por partidos e políticos situados à direita do espectro ideológico. O mesmo ocorreria

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com os estratos médios da população e os partidos de centro e com os estratos mais
baixos e os partidos de esquerda. O quadro 2 resume essas relações:

Quadro 2: Síntese da distribuição sociológica dos votos

Direita Centro Esquerda


Alta
Média
Baixa

Fonte: Cervi (2012, p. 98).

Da perspectiva sociológica, portanto, o comportamento eleitoral é explicado


menos pelas características individuais dos eleitores do que pela natureza e pela
densidade da interação deles com os contextos sociais nos quais estão inseridos.
Estudos orientados por essa perspectiva têm demonstrado que alguns fatores, como
mobilidade social e expansão das oportunidades de participação, provocam mudanças
tanto no comportamento político mais geral quanto na direção do voto. (ibidem, p. 99-
100).

Tema 2 – Os Casos Normais e os Desviantes

A interpretação teórica apresentada no Tema 1 refere-se ao comportamento


eleitoral agregado, isto é, ao tipo de comportamento predominante. Como em qualquer
outra teoria, é possível observar na realidade concreta casos que escapem ao quadro
interpretativo construído, ou seja, casos desviantes. Na perspectiva sociológica, estes
podem ocorrer em função de dois fatores: alienação e imitação (Cervi, 2012, p. 98).

No primeiro caso, indivíduos de determinado grupo social e, portanto,


identificados com um conjunto específico de demandas acabam definindo seu voto em
função da manipulação de grupos políticos identificados com outros grupos sociais.
Nesse sentido, um conjunto de moradores de uma região periférica, por exemplo, em
função da manipulação exercida por grupos políticos, decide votar não no candidato

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identificado com o conjunto de demandas da região na qual reside, mas no
representante de moradores de regiões mais abastadas. Já no caso da imitação, não
há manipulação por parte de grupos políticos adversários. O eleitor, no entanto, decide
seguir o comportamento de integrantes de grupos sociais distintos daquele ao qual
pertence. O exemplo clássico é o do trabalhador que, em vez de votar no candidato
que representa os interesses da sua classe, por imitação, escolhe o candidato do dono
da empresa (ibidem, p. 98-99).

Consequentemente, a Teoria Sociológica trabalha com a existência de dois tipos


de eleições: as normais e as desviantes. No primeiro caso, em função da existência de
relações mais densas entre os diversos grupos sociais e suas respectivas organizações
representativas, a maior parte dos eleitores adota o comportamento esperado: escolhe
candidatos identificados com o conjunto de demandas do grupo social ao qual pertence;
nesse caso, há menos espaço para a interferência de fatores momentâneos no
resultado da eleição. Já no segundo, em decorrência de relações mais fluidas entre
grupos sociais e seus representantes, o comportamento dos eleitores apresenta-se
mais dependente de fatores momentâneos, oferecendo espaço para escolhas
baseadas na alienação e na imitação (ibidem, p. 102-103).

Assim, tanto a coerência do voto quanto a volatilidade eleitoral variam em função


da densidade das identidades partidárias. Em contextos sociais nos quais predominam
maiores lealdades entre representantes e representados, há menos espaço para
variações no voto e, consequentemente, no resultado das eleições. Já em contextos
nos quais essas lealdades são menos intensas, aumentam-se as chances de a decisão
do voto ocorrer em decorrência de temas específicos e momentâneos, aumentando a
frequência de resultados eleitorais inesperados (ibidem, p. 103).

Tema 3 – Interpretação Psicossociológica do Voto

A Teoria Psicossocial também surge nos Estados Unidos, mas ligada à


Universidade de Michigan, e o trabalho que inaugura essa perspectiva é o The
american voter (1964). A principal inovação dessa tradição capitaneada por Angus

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Campbell e Philip Converse é de ordem metodológica: diferentemente da corrente
sociológica, baseada em resultados eleitorais, o grupo de Michigan passa a explicar o
comportamento eleitoral a partir da análise das intenções de voto, captadas a partir da
aplicação de surveys. Além disso, essa técnica de pesquisa, desenvolvida pelo próprio
grupo de Michigan, capta tendências individuais de voto, e não de agregados sociais
(Cervi, 2012, p. 104).

Sem negar a importância de se ter em conta os contextos sociais nos quais se


inserem os indivíduos, a Teoria Psicossocial julga essa perspectiva (Sociológica)
insuficiente – sendo necessário considerar também atributos individuais e preferências
políticas para compreender o comportamento dos eleitores. Em termos mais
específicos, seriam as motivações e percepções individuais que explicariam as
escolhas partidárias e o voto dos eleitores. A partir daí, o elo entre a origem social e o
voto seria o mapa psicológico dos eleitores. Esse mapa psicológico, por sua vez, é
produzido a partir dos processos de socialização pelos quais passam os indivíduos,
gerando valores e atitudes em relação ao mundo político 1 – como engajamento ou
afastamento de práticas políticas (ibidem, p. 105-106).

Os surveys serviriam, portanto, para captar as percepções, os valores e as


atitudes dos indivíduos em relação à política. Em termos práticos, a partir do
levantamento das opiniões individuais, seria possível prever a preferência dos eleitores
por determinado partido ou candidato e, consequentemente, o destino dos seus
respectivos votos e os resultados das eleições (Borba, 2005, p. 156).

1 A partir desses processos de socialização, a abordagem psicossociológica estabelece quatro tipos


ideais de posicionamento dos eleitores no mundo político: i) os engajados (aqueles mais atuantes na
esfera política); os anômicos (sem posição definida no mundo político); iii) os impotentes (para os quais
não há função prática na política); e iv) os rebeldes (aqueles que pretendem destruir o sistema político
existente e substituí-lo) (ibidem, p. 107).

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Tema 4 – A Teoria da Escolha Racional

A perspectiva Racional acerca do comportamento político ou eleitoral, por sua


vez, é baseada no clássico Uma teoria econômica da democracia, publicado
originalmente em 1957 pelo economista Anthony Downs. Antes de abordarmos a
questão do comportamento dos eleitores, no entanto, faz-se necessário expor, ainda
que sumariamente, alguns pontos da Teoria Downsiana.

Inicialmente, é preciso ter em conta que, em teorias econômicas, toma-se como


pressuposto que decisões são tomadas por “mentes racionais”. Isso significa que, se
um observador conhece os propósitos de quem toma a decisão, “ele pode prever quais
passos serão dados para atingi-los”: i) calculando o caminho mais razoável para atingir
os objetivos definidos e ii) presumindo que esse será o caminho escolhido em função
da racionalidade de quem toma a decisão. Portanto, da perspectiva adotada pelo autor,
“o termo racional nunca é aplicado aos fins de um agente, mas somente aos seus
meios” e refere-se à maneira mais eficiente de alcançar determinado objetivo (Downs,
1999, p. 26-27).

Após uma definição cuidadosa do significado e dos limites do conceito de


racionalidade, Downs se propõe a aplicar o comportamento racional dos atores a
contextos econômicos e políticos. Dessa forma, assim como firmas e funcionários
procuram maximizar, respectivamente, lucros e salários, políticos, por sua vez, buscam
maximizar apoio político. Em termos mais específicos, em regimes democráticos, a
função política das eleições é escolher um governo. Os partidos políticos por sua vez
buscam maximizar apoio político por meio do voto para: i) manter-se no poder, no caso
dos partidos que estão no governo, ou ii) alcançá-lo, nos casos daqueles partidos que
estão fora dele (ibidem, p. 33-35).

No entanto, há mais um pressuposto importante para compreender o modelo


proposto por Downs: “o axioma do interesse pessoal”. Este deriva de uma concepção
de natureza humana que nos torna mais sensíveis ao que nos afeta diretamente do que
indiretamente. Assim, temos mais apreço pelo nosso próprio bem-estar e segurança e

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do que os dos alheios. Isso nos leva, em situações de disputa, a preferir sacrificar o
interesse de outrem ao nosso próprio (Calhoun, 1954 apud Downs, 1999, p. 48-49).
Essa visão de natureza humana é utilizada por Downs em seu modelo. Dessa forma,
quando o autor fala em comportamento racional dos atores, está falando de
comportamento dirigido racionalmente para atingir fins egoístas (ibidem, p. 49).

Em contexto político, dessa perspectiva, membros de partidos não buscam o


poder para poder formular políticas públicas, mas para usufruir das recompensas de
ocupar um cargo público. Assim, “partidos formulam políticas a fim de ganhar eleições,
e não ganham eleições para formular políticas”. Da mesma forma, “cada cidadão vota
no partido que ele acredita que lhe proporcionará mais benefícios do que qualquer
outro”. Isso porque, diante de alternativas mutuamente exclusivas, o indivíduo racional
escolhe aquela que lhe proporciona maior “fluxo de utilidade” (ibidem, p. 50 e 57).

Tema 5 – Comportamento Eleitoral Racional

O conteúdo exposto no tema anterior tem implicações substantivas na forma de


interpretar o comportamento dos eleitores. Isso porque, da perspectiva da Teoria da
Escolha Racional, a decisão do voto não deriva da posição social do indivíduo (Teoria
Sociológica) ou de processos de socialização e construção de valores (Teoria
Psicossociológica), mas do comportamento racional dos atores, isto é, do
comportamento orientado racionalmente para atingir fins egoístas. Dessa perspectiva,
portanto, a participação do cidadão em pleitos eleitorais baseia-se em cálculos sobre
os fluxos de utilidade que podem ser obtidos nesse processo.

Esses fluxos de utilidade são definidos a partir de cálculos acerca dos custos e
dos benefícios envolvidos no ato de votar. A primeira equação a ser solucionada refere-
se à participação ou não do eleitor em determinado pleito eleitoral. Quando o eleitor
entende que os custos envolvidos em sua participação são menores do que os
benefícios que ele poderá receber, ele vota; quando não são, ele decide se abster.
Dessa perspectiva, portanto, a decisão do cidadão de participar ou não das eleições
não está relacionada ao exercício da cidadania ou a um compromisso cívico

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interiorizado, mas deriva da aplicação do axioma da racionalidade dos atores ao
contexto político-eleitoral (Downs, 1999).

Tendo decidido ser útil participar, o passo seguinte passa a ser escolher o
candidato. Sendo o eleitor um ator racional, ele escolhe aquele candidato ou partido
que acredita que lhe proporcionará “maior renda utilidade do que qualquer outro durante
o próximo período eleitoral”. Para tanto, o eleitor compara a renda utilidade obtido por
ele enquanto o partido atual esteve no governo com aquela que ele imagina que teria
recebido se um partido de oposição estivesse no lugar: se sua renda utilidade for maior
com o partido que está no governo, ele vota a favor dele, caso contrário, vota contra,
isto é, em um partido de oposição (ibidem, p. 60-63).

Como se percebe, da perspectiva da Teoria da Escolha Racional, o


comportamento dos eleitores deriva sempre da racionalidade dos atores – que buscam
sempre a maximização de seus interesses egoístas. Dessa forma, partidos políticos e
ideologia, por exemplo, são vistos como atalhos informacionais, isto é, artifícios
utilizados pelos eleitores para diminuir os custos envolvidos no processo de obtenção
e processamento de informações em contexto eleitoral. Por outro lado, partidos
políticos, que também são compostos por atores racionais, utilizam-se de conteúdo
programático ou de ideologia partidária para reduzir os custos envolvidos em angariar
apoio político ou em tomar decisões – já que esses mecanismos diminuem
consideravelmente os custos para obter e processar informações. Em outros termos,
decisões ideológicas são muito mais baratas do que aquelas baseadas em informação
(Cervi, 2012, p. 126-128).

Na prática

Em conjunto, as três interpretações clássicas do comportamento eleitoral servem


para demonstrar a diversidade de fatores envolvidos no processo de escolha dos
eleitores. Assim, dependendo da conjuntura política, fatores de ordem sociológica,
psicossociológica ou racional podem ter sua influência modificada – passando a
importar mais ou menos em determinado pleito.

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Síntese

As três interpretações clássicas aqui apresentadas não dão conta, sozinhas, da


diversidade de fatores envolvidos no comportamento eleitoral, mas abordam aspectos
importantíssimos no processo de escolha dos eleitores. Dessa forma, a origem social,
o processo de socialização e construção de valores e o comportamento racional
orientado a fins egoístas podem adquirir mais ou menos importância na decisão do voto
– dependendo do contexto no qual o eleitor está inserido.

Referências

BORBA, J. Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral: alguns apontamentos


teóricos sobre o caso brasileiro. Opinião Pública, v. 11, n. 1, p. 147-168, 2005.

CERVI, E. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Editora InterSaberes,


2012.

DOWNS, A. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999.

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