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Referência Bibliográfica:

VITORELLI, Edilson. Ações coletivas passivas: por que elas não existem nem deveriam
existir? Revista de Processo. Vol. 278/2018, p. 297 – 335. Abril/2018, DTR\2018\10624.
Informações do autor:
Edilson Vitorelli é Pós-Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia e pelo
Max Planck Institute Luxembourg for International, European and Regulatory Procedural
Law. Doutor pela Universidade Federal do Paraná. Mestre pela Universidade Federal de
Minas Gerais. Visiting Scholar na Stanford Law School e Visiting Researcher na Harvard
Law School. Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Escola Superior do
Ministério Público da União. Procurador da República.

AÇÕES COLETIVAS PASSIVAS: POR QUE ELAS NÃO EXISTEM NEM

DEVERIAM EXISTIR?

O autor inicia o artigo analisando o atual CPC e algumas ações possessórias


que se notabilizaram recentemente pela violência na execução:
“O Código de Processo Civil de 2015 trouxe como inovação o regulamento,
ainda que lacônico, dos litígios possessórios coletivos. A primeira providência da
norma, já no art. 178, III, é reconhecer o interesse público nesse tipo de debate e
determinar a intimação obrigatória do Ministério Público para intervir no processo, sob
pena de nulidade. De fato, eventos como a malsinada reintegração de posse do
conhecido bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos/SP, realizada em 2012, com
relatos de considerável violência, denotam a importância de que instituições
vocacionadas à proteção dos direitos humanos, como o Ministério Público,
acompanhem de perto esse tipo de situação”.
No Direito norte-americano a Rule 23 (Federal Rules of Civil Procedure)
silencia quanto à possibilidade de ações coletivas passivas, sofrendo naturalmente
grande dsconfisnça por parte da jurisprudência e da doutrina. Autor pondera que a
doutrina brasileira apenas foca a atenção sobre tal norma, não considerando a doutrina e
a jurisprudência dos EUA quanto a tais ações.
a Rule 23 dispõe sobre três tipos de ações coletivas que, em tese, poderiam ser
ativas ou passivas, indistintamente: as situações em que a multiplicidade de decisões em
processos individuais poderia exigir da parte contrária comportamentos contraditórios
em relação aos diferentes membros do grupo (b)(1)(A) ou prejudicar o exercício do
direito pelas pessoas que não fazem parte do processo (b)(1)(B); aquelas em que a parte
contrária se recusa a agir de modo uniforme em relação a todos os integrantes da classe,
previsão derivada da necessidade de mecanismos processuais para coibir a segregação
racial, na década de 1960 (b)(2); e as situações em que as questões comuns, de fato ou
de direito, que derivam dos pleitos dos integrantes da classe predominam sobre as
individuais e a ação coletiva é o meio mais eficaz para a decisão da controvérsia (b)(3)
No Brasil, a existência das ações passivas coletivas passou a ser reconhecida
como existente, porém recebeu alguns temperos quanto à eficácia sentencial, no sentido
de que somente sentenças em benefício ao grupo considerado poderia receber eficácia
erga omnes.
O autor considera que as ações coletivas passivas são um verdadeiro nos
Estados Unidos. Até porque criar obrigações no polo passivo para alguém que sequer
participou de um processo é algo difícil de defender.
Ademais, a representação adequada de uma entidade a representar toda uma
coletividade que potencialmente poderá vir a ser prejudicada pela procedência de
pedido ou mesmo outras decisões judiciais por si só já levanta sérios questionamentos e
desconfianças justificáveis.
No Brasil, há um certo entusiasmo com a existência dessas ações, talvez
produto de certa ingenuidade. Nos EUA, não há uma única decisão da Suprema Corte
sobre tais ações. Questões graves de como se revolveria opt in ou opt out não tem,
portanto, respostas em solo norte-americano.
Os exemplos que a doutrina brasileira oferece de ações passivas coletivas em
verdade não possuem natureza de ação processual propriamente, mas em verdade são
institutos processuais ligados à defesa, embora sejam considerados ações, como é o caso
dos embargos de executante.
Ora, afirma o autor: “O legitimado coletivo ativo no polo passivo, em defesa de
um título ativo, não é uma ação coletiva passiva”. Com razão. Parte da doutrina chega a
falar em ação coletiva passiva derivada (Didier e Zaneti Jr). “Esse posicionamento,
todavia, parece equivocado, porque confunde posições processuais com posições
materiais”, refere o autor.
Outros exemplo também não se adéquam como o caso do direito coletivo do
trabalho, ações declaratórias de inconstitucionalidade, pois não há prejudicados ou
beneficiados na declaração de constitucionalidade da norma.
Ademais, a citação dos réus por meio editalício não confere a ação judicial que
assim se proceda de ação coletiva, algo que existe no direito brasileiro há séculos. Essa
concepção parece confundir a figura do litisconsórcio com a ação coletiva. Observe-se
que, mesmo na formulação mais recente, o STJ não cogita tratar a ação possessória
multitudinária como ação coletiva passiva. Isso porque não há relação de representação
dos citados pessoalmente em relação aos citados por edital. Todos são réus,
individualmente. Uns não atuam em nome dos outros. O que muda é apenas a forma de
citação53. Se existe preocupação com o modo e, sobretudo, com a qualidade do
contraditório que poderá será exercido por essas pessoas54, tal preocupação perpassa
todas as situações em que haja citação por edital, não apenas o litígio possessório. Não
se pode imaginar que a posse seja um direito mais relevante ou distinto de todos demais,
que admitem, igualmente, citação por edital, no âmbito do processo civil individual.
O Superior Tribunal de Justiça, quando de fato enfrentou a matéria, não
reconheceu a existência das ações coletivas passivas, conforme ementa abaixo:
Processo civil. Recurso especial. Ação coletiva ajuizada por sindicato na
defesa de direitos individuais homogêneos de integrantes da categoria
profissional. Apresentação, pelo réu, de pedido de declaração incidental, em
face do sindicato-autor.
Objetivo de atribuir eficácia de coisa julgada à decisão quanto à extensão dos
efeitos de cláusula de quitação contida em transação assinada com os
trabalhadores.
Inadmissibilidade da medida, em ações coletivas.
– Nas ações coletivas, a lei atribui a algumas entidades poderes para
representar ativamente um grupo definido ou indefinido de pessoas, na tutela
de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. A disciplina quanto à
coisa julgada, em cada uma dessas hipóteses, modifica-se.
– A atribuição de legitimidade ativa não implica, automaticamente,
legitimidade passiva dessas entidades para figurarem, como rés, em ações
coletivas, salvo hipóteses excepcionais.
– Todos os projetos de Códigos de Processo Civil Coletivo regulam hipóteses
de ações coletivas passivas, conferindo legitimidade a associações para
representação da coletividade, como rés. Nas hipóteses de direitos individuais
homogêneos, contudo, não há consenso.
– Pelo panorama legislativo atual, a disciplina da coisa julgada nas ações
coletivas é incompatível com o pedido de declaração incidental formulado pelo
réu, em face do sindicato-autor. A pretensão a que se declare a extensão dos
efeitos de cláusula contratual, com eficácia de coisa julgada, implicaria, por
via transversa, burlar a norma do art. 103, III, do CDC (LGL\1990\40).
Recurso improvido.
(REsp 1051302/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado
em 23.03.2010, DJe 28.04.2010)
Por fim, conclui o autor:
“Conclusão: já que não existem ações coletivas passivas, seria bom que elas
existissem? O presente artigo teve como objetivo demonstrar que não existem ações
coletivas passivas no Brasil. Quando se estuda, com mais profundidade, o modelo norte-
americano, que serve de inspiração para os pensadores nacionais, percebem-se dois
aspectos salientes: primeiro, que as ações coletivas passivas são raras e vistas com
desconfiança nos Estados Unidos. Talvez, melhor dizendo, a desconfiança seja um
aspecto mais periférico. Elas são, em regra, ignoradas. Em segundo lugar, uma ação
coletiva passiva demandaria, pelo menos, as seguintes características: 1) existência de
relação entre representantes, presentes no processo, na condição de substitutos
processuais, e representados, na condição de substituídos, ausentes do processo; 2)
formação de coisa julgada em desfavor dos ausentes, impedindo o questionamento da
decisão, em outros autos; 3) possibilidade de execução do julgado contra os
substituídos, com afetação de seu patrimônio pessoal; 4) controle rigoroso da qualidade
da atividade exercida pelo legitimado coletivo, ou seja, da representatividade
adequada”.

Citações literais do texto:


P Cópia literal do texto: P
áginas alavras-
chave
5 A aplicação desse conceito é suficiente para afastar R
4 diversos exemplos usualmente elação
apontados como representativos de ações coletivas material
passivas. Não é adequado chamar de
ação coletiva passiva a situação em que a coletividade,
por intermédio de seu representante, figura no polo passivo da
relação processual, mas não da relação material.
5 Parte da doutrina se refere a essa hipótese como “ação
5 coletiva passiva derivada”, uma vez que ela surgiria a partir de
uma demanda coletiva ativa, que seria a original. A ação coletiva
passiva derivada seria a mera inversão dos polos da ação coletiva
original. Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. aceitam essa
denominação, dirigindo críticas ao projeto de Código de
Processos Coletivos de Gidi por não a contemplar29. Esse
posicionamento, todavia, parece equivocado, porque confunde
posições processuais com posições materiais. O conceito de ação
coletiva passiva foi desenvolvido, nos Estados
Unidos, para tutelar posições materiais litigiosas, e não
posições processuais30. Criar uma subconceituação para colocar
sob a mesma denominação hipóteses distintas – aquelas em que a
sociedade é demandada para se lhe impor um comportamento, e
aquelas em que o legitimado coletivo é demandado no contexto
do desfazimento de um título executivo ativo, constituído
anteriormente – gera confusão na compreensão do instituto, em
sua formulação original. Produz-se um conceito “à brasileira”,
sem correspondência com o original que o inspira. Seria,
seguramente, muito estranho o debate em que um estudioso
brasileiro procurasse explicar a um norte-americano que o
sistema pátrio considera esse tipo de demanda uma defendant
class action.
6 Ninguém discute porque isso não é uma ação coletiva
6 passiva, é a mera tentativa de desconstituição de um título
formado anteriormente, em favor do autor. Essencialmente, essas
são atitudes defensivas, ainda que exercitadas sob a forma de
ação. Não se pretende impor à sociedade um comportamento.
Ação coletiva passiva, reitere-se, tal como tratada no direito
norte-americano, é a imposição de comportamento à sociedade,
por intermédio da participação, no processo, de um
representante adequado, não das pessoas que serão efetivamente
atingidas pela decisão. E isso não se aceita tranquilamente.
Desenvolver essas duas hipóteses opostas como
subcategorias do mesmo conceito, ação coletiva passiva, gera
confusões, não esclarecimento, e induz o leitor a crer que, se uma
delas é aceita com naturalidade, a outra também deveria ser.
Nos últimos tempos, a lei não tem sido um grande
6obstáculo para a criatividade dos juristas. O giro linguístico
9-70 parece ter ocorrido, no Brasil, como um pião que rodopia G
infinitamente no vácuo. Qualquer intepretação parece possível, iro
por mais dissociada que esteja do texto legal. Essa é uma linguístico
característica a se repudiar.
Apesar do esforço argumentativo doutrinário, é preciso,
ainda, ressaltar um aspecto altamente problemático para o
acolhimento das ações coletivas passivas no País: a vedação
legal. Uma coisa é cogitar, de lege ferenda, se seria boa a adoção
do sistema norte-americano no Brasil fomentando a coletivização
também no polo passivo59. Outra, bastante diferente, é dizer que
ele já existe, de lege lata.

Comentários pessoais:

O autor apresenta análise pertinente sobre a quimera denominada ação coletiva


passiva, às vezes defendida com tal afinco no direito brasileiro, que levanta até algumas
suspeitas sobre eventual ingenuidade de alguns autores.

Nome: Francisco Saldanha Lauenstein.

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