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CONSELHO DIRETOR
Impresso no Brasil
Capa:
Arnaldo Machado de Camargo Filho
EQUIPE TÉCNICA
Editores:
Lúcio Reiner, Manoel Montenegro da Cruz,
Maria Rizza Baptista Dutra, Maria Rosa Magalhães.
Supervisor Gráfico:
Elmano Rodrigues Pinheiro.
Supervisor de Revisão:
José Reis.
Controladores de Textp:
Antônio Carlos Ayres Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes,
Clarice Santos, Lais Serra Bátor, Maria dei Puy Diez de Uré Helinger,
Maria Helena Miranda, Monica Fernandes Guimarães, Patrícia Maria Silva de Assis,
Thelma Rosane Pereira de Souza, Wilma G. Rosas Saltarelli.
148 p.
Richard Hooker
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
PREFÁCIO 11
AGRADECIMENTOS * 13
INTRODUÇÃO 17
1. A teoria política e a filosofia da história. O declínio da ciência política e sua
restauração.
2. A destruição da ciência política através d o positivismo. Premissas positivis-
tas. A subordinação da pertinência ao método. A natureza d o positivismo.
Manifestações d o positivismo. Acumulação de fatos irrelevantes. Interpreta-
ção errônea de fatos pertinentes. O m o v i m e n t o da metodologia. A objeti-
vidade através da exclusão dos julgamentos de valor.
3. A posição transitiva de M a x Weber. A ciência isenta de valores de Weber.
O demonismo dos valores. As contradições da posição de Weber. A reapre-
sentação dos valores. O tabu das metafísicas clássica e cristã. O positivismo
desencantado.
4. A restauração da ciência^política. Obstáculos e êxito.
I — REPRESENTAÇÃO E EXISTÊNCIA 33
1. O procedimento aristotélico. Os símbolos da realidade e os conceitos da
ciência.
2. A representação n o sentido elementar.
3. A insuficiência d o conceito elementar da representação.
4. A representação n o sentido existencial. A sociedade capaz de atuar. A distin-
ção entre representante e agente.
5. A representação e a articulação social. A Magna Carta. Notificações ao
Parlamento. O caso Ferrers. A fórmula dialética de L i n c o l n .
6. A teoria ocidental da representação. A consolidação dos reinos n o século
X V . A teoria de Fortescue. A erupção e a prorrupção. O corpo mysticum. A
intendo populi.
7. As fundações migratórias. O m i t o de Tróia. Paulus Diaconus.
8. A desintegração. Maurice H a u r i o u . A idée directrice. O poder e o d i r e i t o . O
representante constitucional e o existencial.
9. Sumário. A definição de existência. Das instituições representativas. O
provincianismo da teoria contemporânea da representação.
2 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
I I — REPRESENTAÇÃO E V E R D A D E 49
1. A simbolizaçào social e a verdade teórica.
2. A sociedade como representante da ordem cósmica. A verdade e a mentira.
A Inscrição de Behistun. A ordem mongol de Deus. O monadismo da ver-
dade imperial.
3. O desafio à verdade imperial. O tempo crucial da história humana de Jas-
pers. As sociedades fechadas e abertas de Bergson.
4. O princípio antropológico de Platão. Como princípio para a interpretação
da sociedade. Como instrumento de crítica política. O padrão da verdadei-
ra ordem da alma.
5. O significado da teoria. A teoria aristotélica do homem maduro. A teoria
como explicação de experiências. A base experiencial da teoria.
6. A autoridade da verdade teórica. A abertura da alma. A psique como o cen-
tro da transcendência. O princípio teológico. Platão e os tipos de teologia.
7. A representação trágica. Os Suplicantes de Esquilo. O significado da tra-
ma. A atuação persuasiva do Governo. A decisão em favor de Dike. O so-
frimento representativo.
8. Da tragédia à filosofia.
9. Sumário. A representação no sentido transcendental. A teoria como a ciên-
cia da ordem. O critério da verdade na ciência.
IV — G N O S T I C I S M O — A NATUREZA DA M O D E R N I D A D E 85
1. A vitória do Cristianismo. Desdivinização da esfera política e redivinização.
SUMÁRIO 3
dades de que faz parte. Cabe à razão ordenar as coisas e as ações para u m t i m , e
q u a n d o reunidos os indivíduos racionais, isto é, as pessoas, eles têm conhecimento
d o f i m o u b e m c o m u m a atingir, determinando eles mesmos os meios adequados.
C o m os seres destituídos de razão isto não se dá, e se vivem gregariamente — c o m o
ocorre, p o r exemplo, c o m as formigas, as abelhas e os castores — são m o v i d o s pelo
instinto e sujeitos a leis naturais que atuam p o r u m processo de determinação ne-
cessária.
Só p o r analogia metafórica o sociólogo francês Espinas p o d i a dar ao conhecido
l i v r o que escreveu, a respeito, o título Les sociétés animales. Sociedade, n o sentido
próprio, supõe racionalidade e liberdade, donde lhe decorre também a nota da
historicidade. Não se pode confundir a história natural dos animais c o m a história
d o h o m e m e das civilizações. A organização de u m a colméia é sempre a mesma, e m
todas as épocas e e m qualquer parte d o m u n d o . Q u e contraste c o m a m u l t i p l i c i d a -
de de formas humanas de convivência e c o m a diversificação dos regimes políticos
desde a t r i b o p r i m i t i v a até ao Estado nacional de nossos dias!
A sucessão de tais formas, em meio aos episódios também os mais variados da
vida e m sociedade, faz a história. Esta emerge da o r d e m dos acontecimentos que se
vão sucedendo n o decurso d o tempo e, p o r sua vez, serve de lastro para a o r d e m
instituída pelos homens n u m a correlação com os costumes, as tradições, o legado
de cultura recebido e transmitido.
O h o m e m é, p o r isso mesmo, naturalmente tradicionalista. Vive e se aperfeiçoa
graças à educação que lhe é dada e ao acervo de bens acumulados pelos seus ances-.
trais. Sem herança, sem tradição, não há progresso, isto é, sem a entrega de u m p a -
trimônio de cultura de u m a geração a outra. O r i g i n a r i a m e n t e a palavra traditio
significa exatamente essa transmissão o u entrega, sem a qual as sociedades se i m o -
bilizariam o u retrocederiam à barbárie. Por onde vemos que a tradição, longe de
ser conservadorismo estático, é a própria movimentação d a dinâmica social, l i g a n -
d o o presente ao passado e ao f u t u r o . Se nos colocarmos, p o r exemplo, n o terreno
das ciências, c o m o será possível conceber aí o progresso sem a tradição, o u seja,
sem aprendermos c o m a experiência dos q u e nos precederam e sem toirfarmos co-
nhecimento das suas descobertas e invenções? Se u m cientista fizesse tábua rasa
destas aquisições e pretendesse começar t u d o de novo, estaria regressando à idade
d o h o m e m das cavernas.
O r a , as ideologias difundidas, sobretudo a p a r t i r d o século X V I I I , representam
u m a r u p t u r a c o m a tradição. Eis p o r que, n o dizer de Voegelin, não são apenas
uma revolta contra Deus, mas também u m a rebelião contra o h o m e m . A o contrário
da filosofia, que tem p o r objeto o ser, isto é, a realidade, a ideologia leva o h o m e m
para u m m u n d o de quimeras, substituindo-se à história e substituindo a realidade
pela idéia enquanto m e r o p r o d u t o da mente, sem aquela "adequação" c o m a coisa,
segundo a definição clássica da verdade.
As ideologias revolucionárias de nossa época criaram novos mitos — os mitos
da H u m a n i d a d e , d o Povo, d a Raça, d a Classe (ou d o Proletariado), d a Liberdade,
d a Igualdade, d o Paraíso na Terra — , mas mitos que não simbolizam entidades
concretas como eram os das antigas religiões, e sim abstrações que, aplicadas à p o -
lítica real na vida dos povos, acabam p o r se dissolver na Reolpolitik, na política d o
poder, n a força totalitária.
A f i r m a r a historicidade não é cair n o erro d o historicismo, pelo q u a l o h o m e m
é submetido aos impulsos de u m a pretensa consciência coletiva, n e m tampouco
i r i r i f r na grosseira superstição desse progressismo q u e faz dos homens cata-ventos
movidos pelos ventos d a história e considera sempre o m o d e r n o superior ao antigo.
APRESENTAÇÃO 1
I
A teoria política sem base histórica será uma concepção desencarnada, inspira-
• dora de formas de governo e de Estado desajustadas das condições reais dos povos.
E o que temos vistofreqüentemente,daí resultando o conflito entre o "país legal" e
o "país real", entre a constituição jurídico-formal e a constituição social e histórica,
entre o Estado e a Nação.
Note-se finalmente que além e acima da ordem dos fatos — no domínio da
história — e imprimindo-lhe um sentido, está a ordem dos princípios e dos valores,
no plano da ética e do direito natural. A política é uma ciência prudencial, a pru-
dência ordena para os fins humanos e esta ordenação só é válida e eficaz quando
leva em conta a situação concreta do homem como ser histórico.
1. Cf. a respeitoJEAN DE PANGE, Le Roi três Chrétien, Arthème Fayard, Paris, 1949. Sobre os três aspectos da
representação, ver J . P. GALVÃO DE SOUSA, Da Representação Política, Edição Saraiva, São Paulo, 1971.
O primeiro aspecto - referente ao sistema representativo — è o que mais tem sido focalizado pelos tratadistas, em consi-
derações sobre suas variantes no parlamentarismo ou no presidencialismo, sobre o regime de partidos, sobre eleições
diretas e indiretas, etc. Um labirinto de questões, em meio ao qual se perdeu o fio de Ariadne e não se encontra mais a
saída. O liberalismo reduziu a sociedade política a uma soma de indivíduos, preparando o caminho para o totalitaris-
mo, que dela faz a massa manipulada pelo Estado. A sociedade há de ser representada não segundo visões ideológicas,
mas como ela éna realidade, composta de famílias e corpos intermediários. Do contrário, nunca haverá representação
8 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
4. O autor e o livro
Eric Voegelin é, sem dúvida, u m dos mais penetrantes pensadores de nossa época.
Graduado pela Universidade de Viena em 1922, familiarizou-se c o m a vida univer-
sitária na Alemanha, na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. C o m o muitos
de seus compatriotas, teve de deixar o Velho M u n d o , em circunstâncias aflitivas e
entre trágicas perturbações, p r o c u r a n d o refúgio na América, onde encontraria
condições para consagrar-se à vocação de u m scholar, atraído pelas questões mais
altas da filosofia política e da filosofia da história.
U m e o u t r o desses dois tipos de conhecimento conjugam-se na sua obra, que
ficará assinalando u m marco na trajetória d o pensamento político. É o que se pode
notar desde logo, às primeiras linhas da introdução p o r ele escrita para o seu livro
The New Science of Politics, agora traduzido entre nós: " A existência do h o m e m n a
sociedade política é a existência histórica; e a teoria política, desde que penetre n o
terreno dos princípios, deve ser. ao mesmo tempo, u m a teoria da história".
Descortinando horizontes novqs para o perfeito entendimento do assunto ver-
sado, Voegelin ultrapassa a tentativa de Haller, q u a n d o este teórico do Estado
suíço escreveu sobre a restauração da ciência política. C u m p r e lembrar, neste sen-
tido, sua notável obra Order and History, u m m o n u m e n t o d o nosso século, na ex-
pressão de Gerhart Niemeyer, recenseando-a e m The Review of Politics, e a propósito
da q u a l Crane B r i n t o n não hesitou e m colocar Voegelin n o p l a n o de Toynbee,
Spengler, Sorokin e C o l l i n g w o o d .
N o p r i m e i r o volume daquele tão alentado estudo — volume tendo p o r objeto
Israel e a Revelação, remontando à Mesopotàmia e ao Egito, em mais de q u i n h e n -
4. Houve no gnosticismo uma confluência de elementos heterogêneos:filosofia helenística, hermetismo e correntes mági-
co-astrológicas orientais, crenças religiosas da índia, da Pérsia e do Egito. Mas a descoberta no Egito, perto de Nag
Hammadi, em 1946, de uma biblioteca copta, permitiu melhor compreensão do que tenha sido a gnose: não simples re-
sultado do sincrelismo oriental, mas produto nutrido de um pensamento especificamente judaico, calcado no Antigo
Testamento, com vocabulário grego efórmulas egípcias ou persas. Entre as várias seitas e doutrinas gnósticos há alguns
pontos comuns: o emanatismo (para explicar a origem dos seres), o dualismo do princípio do bem e do princípio do mal
ipara decifrar o problema do mal) e a idéia de redenção, negando-se a união hipostática e a humanidade de Jesus
Cristo.
5. O modernismo foi condenado por São Pio X na memorável Encíclica Pascendi dominici gregis de 8 de setembro
de 1907, à qual deve ser acrescentada a Carta do mesmo Pontífice sobre Le Sillon (25 de agosto de 1910). Quanto
ao progressismo, ele teve grande impulso na Renascença e "tornou-se uma teoria bem definida no século XVIII, prin-
cipalmente com as obras de Condorcet e de Lessing, para se depositar comofermento ativo nos sistemasfilosóficose cien-
tíficos que, no século XIX, haviam de ser elaborados por Hegel, Marx, Comte e Spencer. "Eo quefaz verj. VAN DEN
10 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
Dessa ordem as sociedades modernas têm sido afastadas pela deformação ideo-
lógica da realidade do homem, não só no domínio político, mas também no cientí-
fico. Voegelin refere-se especialmente aos liberais e socialistas, a Marx e Freud, às
variedades de nacionalismo, progressismo e positivismo, às metodologias neo-
kantianas, para concluir: " A ideologia é a existência em rebelião contra Deus e o
homem" . 7
Em face de tal rebelião, marcada com o signo da gnose, ele apela para a filoso-
fia enquanto "amor ao ser através do amor ao Ser divino", fonte da ordem . No 8
que lembra Santo Agostinho ao dizer que, sendo a sabedoria o próprio Deus, ver-
dadeiro filósofo é o que ama a Deus . 9
302) sob o título The Formation of the Marxian Revolutionary Idea, VOEGELIN estuda a posição gnóstica
de Marx, herdada de Hegel, e que o leva a afirmar a "autoconsciência humana" (das mensehliche Selbstewusst-
sein) como a suprema divindade (KARL MARX, Über die Differenzen der demokritischen und epikureischen
Naturphilosophie, Gesamtausgabe, I, 1).
3. Loc. cit.
9. De Ctvitate Dei, VIII, I. Não nos devemos esquecer de que etímologicamente "filósofo" quer dizer "amigo da
PREFÁCIO
Jerome G. K e r w i n ,
Presidente da Fundação Charles R. Walgreen
para o Estudo das Instituições Norte-Americanas
AGRADECIMENTOS
grande terremoto da crise ocidental. Estas são apenas as grandes épocas e as gran-
des restaurações; os períodos milenares q u e as separam caracterizam-se p o r épo-
cas menores e restaurações secundárias; c o m relação ao período m o d e r n o , em
particular, deve ser lembrada a grande tentativa de B o d i n na crise d o século X V I .
A restauração da ciência política deve ser entendida como u m a volta à cons-
ciência dos princípios, mas nâo necessariamente o r e t o r n o ao conteúdo específico
de u m a tentativa anterior. Não se pode restaurar hoje a ciência política através
de u m a volta ao platonismo, ao augustinismo o u ao hegelianismo. Evidentemente,
m u i t o se pode aprender dos filósofos anteriores n o q u e concerne à extensão dos
problemas e a seu tratamento teórico; mas a própria historicidade da existência
humana, o u seja, o desdobramento d o que é típico e m instâncias significativas e
concretas, impede q u e u m a reformulação válida dos princípios se faça através da
v o l t a a uma- instância concreta anterior. Portanto, a ciência política não pode
ser restaurada em sua dignidade como ciência teórica, e m sentido estrito, p o r
meio de u m renascimento literário das conquistas filosóficas d o passado; os p r i n -
cípios devem ser retomados através de u m trabalho de teorização q u e tenha o r i -
gem na situação histórica concreta d o seu próprio tempo e leve e m conta a a m p l i -
tude global d o conhecimento empírico desse tempo.
F o r m u l a d o nesses termos, o empreendimento parece gigantesco sob todos os
pontos de vista; e pode parecer fadado ao fracasso devido à fabulosa quantidade
d o material que a história e as ciências empíricas da sociedade põem à nossa dis-
posição atualmente. N o entanto, esta impressão é, na verdade, enganosa. Sem
subestimar de m o d o a l g u m as dificuldades, o empreendimento começa a t o r n a r -
se factível e m nossa época e m v i r t u d e d o trabalho preparatório realizado n o úl-
timo meio século. Já há duas gerações as ciências humanas e sociais estão envol-
vidas e m u m processo de renovada teorização. O novo desenvolvimento, inicial-
mente lento, c o b r o u força após a p r i m e i r a guerra m u n d i a l e hoje t o m o u velocida-
de alucinante. A empresa se a p r o x i m a agora da factibilidade porque, e m grande
medida, é o p r o d u t o da teorização convergente de materiais pertinentes apresen-
tados e m estudos monográficos. O título destas exposições sobre a representa-
ção, A Nova Ciência da Política, indica a intenção de confrontar o leitor c o m u m
desenvolvimento da ciência política até a q u i praticamente desconhecido d o pú-
b l i c o em geral e também de mostrar q u e a exploração monográfica dos problemas
alcançou u m p o n t o tal que a aplicação dos seus resultados a u m p r o b l e m a teórico
básico em política pode ser tentada.
REPRESENTAÇÃO E EXISTÊNCIA
que tem nomes impressos), operações aritméticas e matemáricas das quais resulta
a designação de outros seres humanos como representantes, o comportamento
dos representantes que resulta e m atos formais reconhecidos c o m tal através de ele-
mentos exteriores, etc. U m a vez que, neste nível, os conceitos não são problemá-
ticos em termos de auto-interpretação interna da sociedade, este aspecto d o nosso
tema pode ser considerado elementar e o tipo descritivo de representação desenvol-
v i d o neste nível será, p o r t a n t o , considerado o t i p o elementar.
A pertinência desse enfoque elementar é aceita e m princípio. A extensão real
de seu valor cognitivo, n o entanto, só p o d e ser medida colocando-se o t i p o n o c o n -
texto teórico mais a m p l o antes mencionado. O tipo elementar, c o m o dissemos,
i l u m i n a apenas u m a área de instituições que ocorrem n u m contexto existencial,
o q u a l deve ser aceito c o m o dado, sem outras indagações. Portanto, devem-se
fazer algumas perguntas c o m respeito à o u t r a área, que até a q u i permaneceu na
obscuridade.
mente " h a b i t a n t e s " o u "cidadãos d o r e i n o " . O símbolo " p o v o " não é utilizado
5
4 Notificação de um colloquium" de comerciantes (1303), in Stubbs, Select Charters {8? ed.) p. 500.
5 Notificação do Arcebispo e do Clero ao Parlamento (1295), in Stubbs, op. cit., p. 485.
6 Notificação ao Parlamento de Lincoln (1301), in Stubbs, op. cit., p. 499.
REPRESENTAÇÃO E EXISTÊNCIA 41
7 Fortescue, The Governance of England, ed. Plummer (Oxford, 1885), caps. I e lí.
8 Fortescue, De laudibus legum Anglie, ed S. B. Chrimes (Cambridge, 1942), cap. X I I I .
REPRESENTAÇÃO E E X I S T Ê N C I A 43
8
As FORMULAÇÕS teóricas que acabamos de examinar pertencem aos períodos da
da fundação e da posterior consolidação das sociedades políticas ocidentais n a I d a -
de Média. O problema da articulação representativa voltou a despertar u m grande
interesse quando as sociedades passaram a mover-se n o rumo perigoso da desinte-
gração. A debilidade da Terceira República foi o clima n o qual Maurice Hauriou
desenvolveu sua teoria da representação. Farei u m breve sumário da teoria, tal
como formulada p o r Hauriou no seu livro Précis de droit constitutionnel . 16
15. Para um exame amplo do problema, ver Alfred Dove, Der Wiederintritt des naíionalen Prinüòs in die
Weltgeschichte (1890), em Ausgewãhlte Schriften (1898).
16 Maurice Hauriou, Prérís de droit constitutionnel (2* ed., 1929).
46 A N O V A CIÊNCIA DA POLÍTICA
1
N U M A PRIMEIRA aproximação, a análise utilizou o método aristotélico de examinar
os símbolos da linguagem tal como o c o r r e m na realidade política, na esperança
de que o processo de esclarecimento levasse a conceitos criticamente sustentáveis. A
sociedade era u m cosmion, u m conjunto global de significados, i l u m i n a d o i n t e r i o r -
mente p o r sua própria auto-interpretação; e, c o m o esse pequeno m u n d o de signi-
ficados era precisamente o objeto a ser explorado pela ciência política, o método
de começar pelos símbolos da realidade pareceria ao menos assegurar a apreensão
do objeto.
N o entanto,, assegurar-se do objeto não é mais que o p r i m e i r o passo da inves-
tigação e, antes que se possa aventurar pelo c a m i n h o , é necessário determinar se
tal caminho realmente existe e para onde leva. F o r a m aceitas diversas premissas que
não p o d e m permanecer sem discussão. Tomou-se c o m o p o n t o pacífico que se pode
falar d a realidade social e d o pensador teórico que a explore; de esclarecimento
crítico e de contextos teóricos; de símbolos teóricos que não parecem ser símbolos
da realidade; e de conceitos que se referem à realidade enquanto, ao mesmo tempo,
seu significado é derivado d a realidade, através d o misterioso esclarecimento críti-
co. Evidentemente, impõe-se toda u m a série de questões. O teórico é u m a pessoa
fora da realidade social, o u , na verdade, parte dela? E se efetivamente ele o for, e m
que sentido p o d e essa realidade ser seu objeto? E q u e faz ele exatamente ao escla-
recer os símbolos qüe o c o r r e m na realidade? Se não faz mais que apresentar dis-
tinções, eliminar equívocos, extrair o verdadeiro cerne de proposições demasiado
abrangentes, t o r n a r logicamente consistentes os símbolos e as proposições, etc,
então qualquer pessoa que participe da auto-interpretação da sociedade não será
também u m teórico, pelo menos e m termos tentativos? E a teoria, em sentido
técnico, não seria apenas u m a auto-interpretação feita c o m mais reflexão? O u será
q u e o teórico possui padrões próprios de interpretação, pelos quais aferiria a a u t o -
interpretação da sociedade? E, nesse caso, o esclarecimento significa que vez p o r
o u t r a o teórico efetua u m a interpretação qualitativamente superior dos símbolos
da realidade? E, nessa hipótese, não surgirá daí u m c o n f l i t o entre as duas interpre-
tações?
1 L.W. King e R.C. Thompson, The Sculptures and Inscripiions of Darias lhe Great on lhe Rock of Behistun
ILonàres, 1907), jf L X I I I , p. 72.
2 Ibid., § L I V , p. 65.
S Ibid., § L V I I I , p. 68.
52 A N O V A CIÊNCIA DA POLÍTICA
4. O original persa e uma tradução francesa dessa carta encontram-se em Paul Pelliot, Les Mongols et la
papauté ("Revue de POrient Chrérien", 3» série, vol. I I I (1923). A passagem entre parênteses foi retirada
de uma versão latina da mesma carta, publicada em Crônica Fratris Salimbene, ed. O. Holder-Egger,
MGH, SS, X X X I I , 208. O s documentos mongóis ainda existentes foram coligidos e editados em Eric
Voegelin, The Mongol Orders qf Submission to Eurõpean Poxvers, 1245-1255 ("Byzamion", Vol. X I , 1941).
5. D o edito de Kuyuk Khan, em Vincent de Beauvais, Speculum historiale (s. 1., 1474), Livro X X X I , caps.
51,52; Voegelin, op. cit., p. 389.
REPRESENTAÇÃO E V E R D A D E 53
O império d o Senhor Genghis K h a n tem existência de jure ainda que não es-
teja concretizado de Jacto. Todas as sociedades humanas fazem parte do império
m o n g o l e m v i r t u d e d a O r d e m de Deus, mesmo que elas não tenham sido ainda
conquistadas. A expansão prática do império segue, p o r t a n t o , u m estrito proces-
so jurídico. As sociedades cuja hora de integrar-se de fato ao Império é chegada
devem ser notificadas p o r embaixadores da O r d e m de Deus e instadas a oferece-
r e m sua submissão. Se recusarem o u se, talvez, assassinarem o embaixador, serão
consideradas c o m o rebeldes e contra eles serão tomadas sanções militares. O
império m o n g o l , assim, de acordo c o m a sua própria o r d e m jurídica, nunca se
engajou e m guerras, mas apenas e m expedições punitivas contra súditos rebela-
dos d o Império . 6
I
n o mesmo sentido e m que u m Khan m o n g o l era o representante d a verdade con-
tida na O r d e m de Deus; e a consciência dessa representação leva às mesmas cons-
truções políticas e jurídicas encontradas nos outros exemplos de representação
i m p e r i a l «da verdade. Sua o r d e m está e m h a r m o n i a c o m a verdade histórica; seu
objetivo é o estabelecimento do r e i n o da liberdade e d a paz; seus oponentes opõem-
se à verdade histórica e serão, p o r f i m , derrotados; ninguém pode empreender
u m a guerra legítima contra a União Soviétíca porque passa a ser u m representante
d a inverdade histórica, o u , usando a l i n g u a g e m contemporânea, u m agressor;
e as vítimas não são conquistadas, mas libertadas de seus opressores e, e m c o n -
seqüência, da inverdade de sua existência.
geral do p r o b l e m a terá que ser vista apenas à luz destas breves indicações, pois
temos que nos dedicar à f o r m a especial que essa irrupção t o m o u n o Ocidente.
Apenas n o Ocidente, devido a circunstâncias históricas específicas que não se fize-
r a m presentes e m outras civilizações, esse m o v i m e n t o c u l m i n o u n o estabeleci-
mento da filosofia, n o sentido grego d o conceito, e da teoria política em p a r t i -
cular.
7. Karl Jaspers, Ursprung und Ziel der Geschichte (Zurique, 1949), pp. 18 e seguintes.
8. Henri Bergson, Les deux sources de la morale et de la religion (Paris, 1932), pãssim, esp. pp 287 e
9. Platão, Republic, 368 c-d.
REPRESENTAÇÃO E V E R D A D E 55
tão. A sociedade política real tem de ser u m cosmion ordenado, mas não a expensas
d o h o m e m ; ela deve ser não só u m microcosmo, mas também u m " m a c r o a n t h r o -
pos". As referências a esse princípio platônico serão feitas pelo n o m e de princí-
p i o antropológico.
Dois aspectos d o princípio devem ser distinguidos. Sob o p r i m e i r o deles, ora-
ta-se de u m princípio geral para a interpretação da sociedade; sob o segundo,
é u m instrumento de crítica social.
C o m o princípio geral significa que toda sociedade reflete e m sua o r d e m o
ripo h u m a n o de que se compõe. Ter-se-ia de dizer, p o r exemplo, que os impé-
rios cosmológicos consistem de u m t i p o de h o m e m que vivência a verdade da
sua existência como a h a r m o n i a c o m o cosmos. Evidentemente, trata-se de u m
princípio heurístico da m a i o r importância; q u a n d o u m teórico busca compreender
u m a sociedade política, u m a das suas primeiras tarefas, se não a p r i m e i r a , será
sempre a de determinar o t i p o h u m a n o que se expressa na o r d e m dessa sociedade
concreta. Platão usou seu princípio sob o p r i m e i r o aspecto ao descrever a so-
ciedade ateniense, na q u a l vivia, c o m o sofista e explicou as peculiaridades d a o r -
dem ateniense relacionando-as c o m o t i p o h u m a n o sofista, socialmente predo-
m i n a n t e ; u t i l i z o u - o ainda nesse sentido ao desenvolver a sua Cidade da Idéia
10
ele traduz para o latim o filósofo grego, chamando-o amator sapienüae . A ver- 16
5
ESTE É o PONTO crucial d o q u a l depende o significado da teoria. U m a teoria não
é apenas a emissão de u m a opinião qualquer a respeito da existência h u m a n a
e m sociedade; é u m a tentativa de f o r m u l a r o sentido da existência, explicando
o conteúdo de u m gênero definido de experiências. Os argumentos usados não
são arbitrários, e sim derivam sua validade do c o n j u n t o de experiências ao q u a l
a teoria deve permanentemente referir-se para possibilitar o controle empírico.
Aristóteles f o i o p r i m e i r o pensador a reconhecer esta condição das teorizações a
respeito d o h o m e m . C r i o u u m termo para designar o h o m e m cujo caráter é for-
m a d o pelo agregado das experiências e m questão, chamando-o spoudaios, o
h o m e m m a d u r o . O spoudaios é o h o m e m que realizou ao grau máximo as p o -
1 7
15. Platão, Phaedrus 278d-e; cf. com o complexo dos fragmentos de Heráclito B 35, B 40, B 50, B 108.
16. Santo Agostinho, Civilas Dei viii, 1.
17. Aristóteles, Nicomachean Ethics, 1113a, 29-35.
18. Ibid. 1176a, p. 17 e seguintes.
REPRESENTAÇÃO E V E R D A D E 57
P O R BREVES e incompletas que sejam estas indicações, devem ser suficientes para
evocar o t i p o de experiências que compõem a base da teoria n o sentido platônico-
Sobre a evolução «Io significado (Ia psique, ver Werner Jaeger, The Theology ofthe Early Greek Philoso-
pàers (Oxford, 1947), especialmente o cap. V; e Bruno Snell, Die Entdeckung des Geistes: Studien zur Ents-
lehung des europãischen Denkens bei den Griechen (Hamburgo, 1948).
21. Platão, Laws, 716c.
22. Elegy andIambus ("Loeb Classical Library"), Vol I, Sólon 16.
REPRESENTAÇÃO E V E R D A D E 59
bra p o r detrás das idéias de Platão, aprofundou-se mais nas experiências que' levam
à medida invisível. Reconheceu sua validade suprema: " A h a r m o n i a invisível é
melhor ( o u maior, o u mais poderosa) que a visível" . 25
A decisão não é fácil. Pela l e i , o namos de seu país, as donzelas não têm n e n h u m
I d i r e i t o c o n t r a os egípcios q u e q u e r e m desposá-las; mas os suplicantes r a p i d a m e n -
te l e m b r a m o r e i q u e existe u m a justiça m a i s elevada, Dike, q u e o casamento é u m a
ofensa p a r a eles e q u e Zeus é seu Deus. P o r u m l a d o , o r e i é i n s t a d o a t o m a r D i k e
c o m o sua aliada ao d e c i d i r o caso, p o r o u t r o l a d o , deve considerar os interesses d a
I c i d a d e d e A r g o s . Se ele engajar sua c i d a d e n a g u e r r a , será acusado d e h o n r a r os f o -
rasteiros às custas de seu p r ó p r i o p o v o ; se a b a n d o n a r os suplicantes, seus filhos e
sua casa terào de p a g a r p o n t o p o r p o n t o essa violação de D i k e . O r e i reflete grave-
m e n t e : " H á necessidade d e u m c o n s e l h o p r o f u n d o e salvador, c o m o o de u m m e r -
g u l h a d o r q u e b a i x a às profundezas, c o m o l h o s atentos e sem g r a n d e p e r t u r b a -
r ã o ' . S o m o s l e m b r a d o s d o " c o n h e c i m e n t o p r o f u n d o " de Heráclito, a c o n c e p -
1 3 6
literatura que revive a grande decisão a favor da Dike. A i n d a que a platéia não se-
j a composta de heróis, os espectadores devem, pelo menos, estar dispostos a ver a
ação trágica c o m o paradigmática; a busca heróica da alma e a aceitação das conse-
qüências devem conter, aos olhos da platéia, u m a mensagem válida; o destino do
herói deve fazer tremer o espectador, c o m o se se tratasse d o seu próprio destino.
O sentido da tragédia c o m o culto d o estado consiste n o sofrimento representati-
vo 4 0
40. Sobre o sofrimento representativo por meio do mergulho na profundidade, ver especialmente Es-
quilo, Prometheus 1026 e seguintes.
41. Sobre as implicações políticas da obra Tróades, ver Altred Weber, Das Tragische und die Geschichte
(Hamburgo, 1943), pp. 385 e seguintes.
REPRESENTAÇÃO E V E R D A D E 63
através d o a m o r d o seu eu noético; o vínculo social entre desiguais será fraco. Por
essa razão, Aristóteles f o r m u l o u sua tese de que é impossível a amizade entre
Deus e o h o m e m , dada a desigualdade radical existente entre eles . 3
2
N O V A M E N T E a análise será efetuada de acordo c o m o p r o c e d i m e n t o aristotélico.
Começará pela auto-interpretação da sociedade — n o entendimento, porém, de
que a auto-interpretação inclui agora as interpretações dos teóricos e dos santos.
I
As CLASSIFICAÇÕES surgiram incidentalmente à luta pela representação e estavam
carregadas das tensões provocadas pela autoconsciência e pelos choques. A
análise de tais tensões p o d e ser iniciada c o m p r o v e i t o pela reflexão a respeito
de u m a curiosidade d o Civitas Dei. D o p o n t o de vista de sua função política, a obra
8. Encontra-se uma reconstituirão parcial do trabalho de Varro, com base no relato de Santo Agos-
tinho, e m R. Agahd, De Varronis rerum dtvinarum tibris I..XIV, XV, XVI(Leípzig, 1896).
9. Santo Agostinho, Civitas Dei (ed. Dombart) vi. 5.
10. Itndb.
11. Ibidw. 27.
12. ibid iv. 5. Sobre o uso do termo "teologia natural" por Santo Agostinho, ver Werner Jaeger, The
Thtology of tke Early Greek Pkilosophers (Oxford, 1947), pp. 2 e seguintes.
1 3 . Op. cü. vi. 6.
I-t. Ver a este respeito Jaeger, op. cit., p. 3, nn. 8-10. A classificação de Antístenes, juntamente com
suas citações em Minúcio Felix, Lactàncio e Clemente de Alexandria encontram-se em Eduard Zeller,
Du PüIasopHeder Griechen, 11/1 (5* ed.; Leipzig, 1922), 329, n. I.
A L U T A P E L A R E P R E S . N O IMP. R O M A N O 69
tolerância de Símaco não era tão impressionante caso se considerasse que, n a prá-
tica, implicava a participação compulsória dos senadores cristãos nos sacrifícios a
Vitória . O argumento decisivo, n o entanto, estava c o n t i d o n a sentença q u e f o r -
21
rar apenas o altar de Cristo e que " a voz d o nosso imperador deve ser o eco de
C r i s t o " . Implicitamente, o bispo ameaça o imperador*com a excomunhão caso
25
17. Santo Ambrósio, Epistolae xvii e xviii. O Relatio Symmachi urbis praefect está apenso ã carta X V I I de
Santo Ambrósio (Migne, Pl. XVI).
18. Relatio Symmachi 3-4.
19. Ibid. 6 e 10.
20. Santo Ambrósio, Epistolae xviii. 4 e seguintes.
21. Ibid. xvii. 9.
22. Ibid. 1.
23. Ibid. xviii. 30.
24. Ibid. xvii. 2.
25. Ibid. xviii. 10.
26. /Wd.xvh. 14.
27. Sobre a luta pela teocracia neste sentido, ver Berkhof, op. cit., cap. V I I I : " U m die Theokratie".
A L U T A P E L A R E P R E S . N O IMP. R O M A N O 71
4
U M A VEZ esclarecido esse p o n t o curioso, surge imediatamente o u t r o . O s p r o t a -
gonistas cristãos da luta não estavam interessados e m salvar as almas dos pagãos;
estavam envolvidos e m u m a luta política a respeito d o culto público do Império.
E verdade que o apelo de Santo Ambrósio dirigia-se ao cristão que estava n o t r o -
no, e não pode haver dúvidas sobre a sinceridade das suas intenções, bastando
para isso l e m b r a r o choque entre o santo e Teodósio, e m 390, p o r ocasião d o
massacre d a Tessalônica. N o entanto, q u a n d o o cristão é o i m p e r a d o r , sua con-
duta cristã colocará os pagãos na mesma posição e m que estavam os cristãos
sob os imperadores pagãos. Ê curioso q u e tanto Santo Ambrósio quanto Santo
Agostinho, q u e se engajaram ardorosamente na luta pela representação existen-
cial d o Cristianismo, se mostrassem quase totalmente cegos à natureza d o p r o -
blema. Parecia que a única coisa e m j o g o era a verdade d o Cristianismo contra
a inverdade d o paganismo. Isso não significa que eles não se tivessem apercebido
da questão existencial envolvida; ao contrário, o Civitas Dei é especialmente fas-
cinante p o r q u e Santo Agostinho, e m b o r a obviamente não entendesse o p r o -
blema existencial d o paganismo, tinha a sensação de que algo escapava à sua c o m -
preensão. Sua atitude diante d a teologia civil de V a r r o lembrava a de u m inte-
lectual esclarecido diante d o Cristianismo — ele simplesmente não p o d i a c o m -
preender c o m o u m a pessoa inteligente fosse capaz de sustentar seriamente aquela
posição. Santo Agostinho c o n t o r n o u a dificuldade adotando a premissa de que
V a r r o , o filósofo estóico, não poderia ter acreditado nas divindades romanas,
mas sim, sob a roupagem de u m relato respeitoso, desejava expô-las ao ridícu-
m e i r o , a cidade t e m que existir, para depois passar a instituir seus cultos. " A s s i m ,
como o p i n t o r precede a p i n t u r a , e o arquiteto a construção, assim também as
cidades precedem as instituições c i t a d i n a s " . A concepção de V a r r o segundo
33
está inclinado a pôr e m dúvida nem a existência dos deuses imortais nem a ado-
ração de que são objeto, q u e m quer q u e lhe diga o contrário. E m matéria r e l i -
giosa, ele seguirá os pontífices que o precederam e não os filósofos gregos. Os
auspícios de Rômulo e os ritos de N u m a deram fundamento ao Estado, cuja gran-
deza jamais teria sido alcançada sem a proteção dos imortais, conseguida através
dos r i t u a i s . Ele aceita os deuses c o m base na autoridade dos ancestrais, mas
41
picos dos ensinamentos gregos, mas esses ensinamentos só têm sentido na medida
em que possam ser utilizados proveitosamente c o m relação aos problemas da
o r d e m romana. Evidentemente, o lugar de m a i o r destaque será dado ao h o m e m
que consegue somar os "ensinamentos de f o r a " aos costumes ancestrais; mas, se
for preciso escolher entre os dois modos de vida, a vita civilis d o estadista se é
preferível à vita quieta d o sábio . 45
42. Ibid. 6.
48. Cícero. De republica ii. 3.
44. Ibid. í. 70: ii. 2.
45. Ibid. iii 5-6.
74 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
o imperium Romanum* . 1
a súbita mudança de orientação. Se o poderoso Deus dos cristãos não fosse p o r eles
adorado, poderia vingar-se e aumentar os problemas dos governantes q u e i m p e -
diam a adoração. Era novamente a aplicação d o velho princípio r o m a n o do-ut-
dfa . C o m o compensação pela liberdade a d q u i r i d a , o edito ordenava que os cris-
63
gra fosse verdadeira q u a n t o aos homens, dizia ele, nada acontece e m prejuízo de
Deus quando servimos sua divindade nas múltiplas manifestações de seu reino.
A o contrário, mais honramos e satisfazemos o Altíssimo quando reverenciamos
muitos dos q u e pertencem a e l e , enquanto que a escolha de u m único Deus e a de-
69
revolta política^ Aquele que deseja destruir o culto nacional almeja a destruição
das culturas nacionais . U m a vez que todos esses cultos encontraram lugar n o I m -
73
Celsum que isso não só era possível, mas certamente aconteceria . Pode-se dizer 75
69. Ibid.
70. Ibid. U.
71. Ibid. 2.
72. Ibid. v. 25.
73. Ibid. 26.
74. Ibid., viii. 72.
75. Ibid.
76. Sobre o monoteísmo metafísico e sua função na teologia política do Império Romano, ver Erik
Peterson, Der Monotheismus ais politisckes: Ein Beitrag zur Geschickte der politiscken Theologie im Imperium Roma-
num (Leipzig, 1935). Nossa análise segue de perto a de Peterson.
77. Aristóteles, Melaphysics, 1076a.
A L U T A P E L A R E P R E S . N O IMP. R O M A N O 81
78. De mundo deve ser atribuído ao século I d.C. Não importa, para nossos-propósitos, se corresponde
ou não ao período de vida de Fílon, uma vez que só nos interessa aqui seu conteúdo típico.
79. De mundo. 6.
80. Sobre as intenções políticas de Fílon, ver Peterson, op. cit., p. 27; Erwin R. Goodenough, The Politics
tf Philojudaeus (New Haven, 1938); e, do mesmo autor, An Introduction to Philo Judaeus (New Haven,
1940), cap. iii.
81. Fílon, De specialibus legibus, i. 13. 18. 31; De decalogo, 61.
82. Peterson, op. at., pp. 23 e seguintes. E m De Abrahamo 98, os judeus são descritos como a "nação
mais querida de Deus , dotada com os dons do sacerdócio e da profecia " e m nome de toda a raça hu-
mana"; em De spec. leg., 167, as orações dos judeus se fazem em representação de toda humanidade; em
De spec. leg., 97, o sumo sacerdote judeu ora e agradece não apenas em nome da humanidade, mas no
de toda criação.
83. Fílon, De fuga et inventione 10. Sobre a mudança do significado de taxis, do conceito platônico ao da
ordem constitucional, ver Peterson, op. cit., pp. 28-29.
84- Fílon, De confusione linguarum, 170.
85. Sobre a absorção da especulação de Fílon a respeito da monarquia divina pela literatura apologética
cristã, ver Peterson, op. cit., pp. 34-42.
86. Sobre Eusébio, ver Peterson, op. aí., pp. 71-76, eBerkhot, op. at., pp. 100-101.
87. Eusébio, Demonstratio evangélica, iii 7. 30-35.
82 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
ralística; com sua monarquia, a paz desceu sobre a terra, dando cumprimento às
profecias de Miquéias, 4:4, e dos Salmos, 71:7. Em resumo, as profecias escatoló-
gicas relativas à paz do Senhor foram politizadas por Eusébio, ao relacioná-las com
a pax romana que coincidia historicamente com a manifestação do Logos . Por fim, 88
Eusébio considerou que o trabalho iniciado por Augusto fora completado por
Constantino. No Discurso Tricênio, Constantino foi louvado porque em sua monar-
quia imperial imitara a monarquia divina; o único basüeus da terra representa o
único Deus, o único Rei dos Céus, o único Nomos e Logos . Trata-se efetivamente de
89
debate sobre a cristologia, estimulado pela heresia de Ário. Era necessário encon-
trar os símbolos que interpretassem o Deus único como três pessoas em uma; e,
com o amplo entendimento do trinitarismo, construções semelhantes à de Eusébio
perderiam a razão de ser. Por motivos compreensíveis, os imperadores e os teólo-
gos da corte pendiam mais para o lado de Àrio; o debate sobre a trindade estava
afetando seriamente a ideologia monoteísta na qual se baseava a concepção do im-
perador como o representante do Deus único. Quando a resistência de Atanásio,
apoiada pelos ocidentais, levou à vitória o simbolismo trinitário, tiveram de cessar
as especulações sobre monarquias paralelas no céu e na terra. A linguagem da
monarquia divina não desapareceu, mas adquiriu um novo sentido. Gregório de
Nazianzo, por exemplo, dizia que os cristãos acreditavam na monarquia divina, a
qual se tornaria uma fonte de discórdia; os cristãos acreditavam na triunidade — e
tal triunidade divina não tem analogias na criação. A individualidade do monarca
imperial não podia representar a divindade triuna . Um incidente durante o reino
91
gestão séria; a história conta que, com <> desenrolar dos acontecimentos, a segunda
e a terceira pessoas da trindade imperial i iveram seus narizes cortados.
A outra idéia brilhante de Eusébio, a de reconhecer na pax romana o cumpri-
mento das profecias escatológicas (idéia que evoca fortemente a inclinação de Cíce-
ro a-considerar que Roma realizava a ordem perfeita apregoada pelos filósofos),
despedaçou-se soo as pressões de uma época conturbada. No entanto, o comentá-
rio de Santo Agostinho à profecia do Salmo 45:10 pode servir como uma afirmação
específica da contraposição ortodoxa. O texto é o seguinte: "Ele repi imiu as guer-
88. Ibid., vii. 2. 22; viii. S. 13-15; Peterson, op. cit., pp. 75.77.
89. Eusébio, Laus Constantini 1-10; Peterson, op. cit.;p. 78; Berkhof, op. ar., p. 102.
90. Orígenes, Contra Celsum, viii. 12-16.
91. Peterson, op. cit., pp. 96 e seguintes.
92. Karl Krumbacher, Geschichte der byzantinischen Litteratur (2* ed.; Munique, 1897), p. 954; E. W. Brooks,
The Successors of Heraclius to 717 (CMH, II, IS), p. 405; Berkhof, op. cit., p. 144. Tanto quanto eu saiba,
0 único outro exemplo de aplicação da trindade do governo imperial é o Ver sus Paschales, de Ausonius,
em 368 d.C. ou logo após. Neste poema de Páscoa, a trindade é representada na terra por Valentiniano
1 e seus co-imperadores Valente e Graciano (Ausonius, "Loeb Classical Library" — I, 34 e seguintes).
A LUTA PELA REPRES. NO IMP. ROMANO 83
ras e m toda a extensão d a t e r r a " . Santo Agostinho c o m e n t a : " V e m o s que isto ainda
não se c u m p r i u ; até hoje temos guerras. E n t r e as nações há as guerras de d o m i n a -
ção. E também há guerras entre seitas, entre j u d e u s , pagãos, cristãos e hereges, e
estas guerras vêm m e s m o a u m e n t a n d o ; u m dos lados luta pela verdade, o outro
pela falsidade. D e n e n h u m m o d o se c u m p r e a abolição das guerras e m toda a e x -
tensão d a terra; m a s temos esperança de que talvez a i n d a se c u m p r a " .9 3
ÍJ^f ** *- "J?"^?
3
1
Cristianismo escatológico para o Cristianismo apocalíptico ver Alois D e m f
d o
D
3. Acerca da tensão nos primeiros tempos do Cristianismo, da acolhida dada à Revelação e de seu papel
subseqüente na escatologia revolucionária do Ocidente, ver Jakob Taubes, Abendlandische Eschatologie
(Berna, 1947), particularmente as pp 69 e seguintes.
4. Santo Agostinho, Civitas Dei, XX. 7, 8 e 9.
5. Daniel, 2:44.
6. Virgílio. Aeneid, 278-79.
7. Acerca das numerosas fontes, ver Ernst Troeltsch, Die Soziaüehren der christlicken Marchem und Gruppen
Tübingen, 1912), p. 112.
GNOSTICISMO — A NATUREZA DA MODERNIDADE 87
2
A S S I M , a sociedade cristã ocidental foi articulada nas ordens espiritual e tempo-
ral, tendo o p a p a e o imperador c o m o representantes supremos tanto n o sentido
existencial quanto transcendental. A partir dessa sociedade, c o m seu sistema c o n s a -
grado de símbolos, surgem os problemas especificamente m o d e r n o s d a repre-
sentação, c o m a ressurgência da escatologia d o reino. O m o v i m e n t o tinha u m a
longa pré-história social e intelectual, m a s o desejo de redivinizar a sociedade
produziu u m simbolismo próprio, b e m definido, somente p o r volta d o fim do
século X I I . A presente análise iniciar-se-á c o m a p r i m e i r a expressão clara e a b r a n -
gente da idéia, n a pessoa e o b r a de J o a q u i m de F l o r a .
J o a q u i m r o m p e u c o m a concepção agostiniana d a sociedade cristã a o aplicar
o símbolo da T r i n d a d e a o curso d a história. E m sua especulação, a história d a
h u m a n i d a d e teve três períodos, correspondentes às três pessoas da T r i n d a d e . O
p r i m e i r o foi a e r a d o P a i ; c o m o surgimento d e C r i s t o teve início a e r a d o F i l h o .
Mas esta não será a última, devendo a ela seguir-se a e r a d o Espírito. A s três eras
foram caracterizadas c o m o incrementos inteligíveis de realização espiritual. N a
p r i m e i r a era desdobrou-se a vida d o leigo; a segunda suscitou a vida de c o n t e m -
plação ativa d o sacerdote; a terceira traria a v i d a espiritual perfeita d o monge.
Ademais, as eras possuíam estruturas internas comparáveis e duração passível de
ser calculada. D a comparação entre as estruturas, concluía-se que cada e r a tinha
início c o m u m a trindade de figuras proeminentes, isto é, dois precursores segui-
dos pelo líder d a própria e r a ; e, dos cálculos sobre a duração, inferia-se q u e a
era d o F i l h o terminaria no ano 1260. O líder d a p r i m e i r a e r a foi A b r a ã o ; o d a
segunda, C r i s t o ; e predizia J o a q u i m que, p o r volta de 1260, apareceria o Dux e
Babylone, o líder d a terceira e r a . 8
H , , "°
A r esp e de
J° q . ver Herbert Grundmann,
n
a u,m
Studien über Joachim von Floris (Leipzie, 1927)-
«ÜX^A ^>'
x S
P
;P
Buonaiuti, Giooxchno da Fiore (Roma, 1931); do mesmo au-
e
(
s e
í
u i n t e s E r n e s t o
ZL n I°l ^ ? .
a
U
f ^ V ^ f «toorevangelia, dejoaquim (Roma, 1930); e os capítulos sobreJoa-
r r M U
9. Acerca de outras transformações das idéias de Joaquim, ver Apêndice I, " M o d e m Transfigurations
ofjoachism", em Lõwith, op. cit.
GNOSTICISMO — A NATUREZA DA MODERNIDADE 89
10. Moeller van den Bruck, Das Dritte Reich (Hamburgo, 1923). Ver também o capítulo referente a "Das
Dritte Reich und die Jungen Võlker" na obra de Moeller DiepoMscken Krãfte (Breslau, 1933). O símbolo
ganhou aceitação lentamente. A segunda edição de Dritte Reich só foi publicada em 1930, cinco anos
após a morte do autor por suicídio; ver a "Introduction" de Mary Agnes Hamilton à edição inglesa
intitulada Germany's ThirdEmpire (Londres, 1934).
11. Codex Jusdnianus i. XVII. 1. 10. Citamos a formalização legal da idéia. Acerca dos maüzes de signi-
ficado com relação à fundação e organização de Constantinopla em 330, ver Andrew Alfôldi, The Con-
version of Constanüne and Pagan Rome, tradução de Harold Mattingly (Oxford, 1948), Capítulo IX: "The
Old Rome and The New". A tensão entre as duas Romãs pode ser deduzida do cânone 3 do Concilio
de Constantinopla em 581: " O Bispo de Constantinopla segue-se na ordem de precedência ao Bispo
de Roma, pois Constantinopla é a nova Roma" (Henrv Bettenson, Documents of the Ckristian Church
(Nova York, 1947), p. 115).
12. Acerca da Terceira Roma, ver Hildegard Schaeder, Moskau - Das Dritte Rom: Studien Geschichte der
poMschen Theorien in der slaviscken Welt (Hamburgo, 1929); Joseph Olsr, Gfí ultimi Rurikidi e le base ideo-
Icgiche delta sovranità dello stato Russo ("Orientalia Christiana", Vol. XII; Roma, 1946); Hugo Rahner,
lom Ersten bis zum Dritten Rom (Innsbruck, 1950); Paul Miliukov, Outlines of Russian Culture, Parte I:
«efigion and the Church (Filadélfia, 1945), pp. 15 e seguintes.
90 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
turcos, Maximiliano I I foi mais além, oferecendo reconhecer Iva I V como impe-
rador do Oriente Grego em troca de seu a p o i o . Mais uma vez, o governante russo
16
não se interessou nem mesmo p o r u m a coroa imperial, porque, nessa época, Ivã
j á estava a braços com a construção do Império Russo através da liquidação d a
nobreza feudal e sua substituição pela opnchrúna, a nova nobreza baseada na pres-
tação de serviços . A o longo dessa sanguinolenta operação, Ivã, o Terrível, deixou
17
19 Sobre essa apreciação de Dostoievski, ver Dmitri Merezhkovski, Die religiõse Revolution (Introdução
°
a 6
*°'
D o
?
e v s k l
Schriften; Munique, 1920), e, de Bernhard Schultze, Russiscke Denker (Vie-
P h t u c h e
essência na política — tanto para Platão quanto para Aristóteles a polis tinha u m
eidos. Mas a realização dessa essência é presidida p e l o r i t m o de crescimento e de-
cadência; a corporificação e descorporificação rítmica da essência na realidade
política constitui o mistério da existência, e não u m eidos adicional. Assim, a ver-
dade soteriológica do Cristianismo r o m p e c o m o r i t m o d a existência: acolá dos
êxitos e insucessos temporais encontra-se o destino sobrenatural d o h o m e m , a per-
feição através da graça n o além. O h o m e m e a humanidade agora têm sua realiza-
ção, mas ela está além da natureza. Mais u m a vez, nesse caso, não há u m eidos da
história, p o r q u e a sobrenatureza escatológica não é u m a natureza n o sentido filo-
sófico e imanente. Portanto, o p r o b l e m a d o eidos na história só se põe q u a n d o a
realização transcendental cristã é imanentizada. C o n t u d o , tal hipótese imanentista
d o eschaton é u m a falácia teórica. As coisas não são coisas, n e m possuem essência,
em virtude de u m a declaração arbitrária. O curso d a história c o m o u m t o d o não é
objeto da experiência; a história não possui u m eidos, e isso p o r q u e seu curso se es-
tende ao futuro desconhecido. Assim, o significado da história é uma ilusão; eesse
eidos ilusório é criado ao se tratar u m símbolo de fé c o m o se fosse u m a proposição
relativa a u m objeto da experiência imanente.
O caráter falacioso d o eidos da história f o i exposto acima c o m o u m a questão
de princípio, mas a análise deve ser levada adiante, descendo a certos pormenores.
O simbolismo cristão d o destino sobrenatural tem, p o r si próprio, u m a estrutura
21. Para um relato da concepção agostiniana da história, ver Lõwith, op. cit.
22. Acerca do eidos da história, ver Hans Urs von Balthasar, Theologieder Geschichte (Einsiedeln 1950)
e Lõwith, op. cit., passim. ' '
G N O S T I C I S M O — A N A T U R E Z A DA M O D E R N I D A D E 93
A ANÁLISE pode ser retomada agora ao nível dos princípios. A tentativa de construir
u m eidos da história conduzirá à imanentização falaciosa d o eschaton cristão. N o e n -
tanto, a compreensão da tentativa c o m o falaciosa suscita questões desconcertantes
c o m respeito ao tipo de h o m e m que se deixa p o r ela enganar. A falácia parece bas-
tante óbvia. É possível presumir que os pensadores que empreenderam a tentativa
não eram suficientemente inteligentes para discerni-la? O u a discerniram, mas não
deixaram de propagá-la p o r alguma obscura e malévola razão? A simples f o r m u l a -
ção dessas perguntas indica que a resposta é negativa. Sem dúvida, não se p o d e
explicar sete séculos de história intelectual e m termos de ignorância o u desonesti-
dade. Por isso, cumpre presumir q u e alguma força agia n a alma desses homens,
impedindo-os de ver a falácia.
23. A respeito da distinção entre os dois componentes (que foi introduzida por Troeitsch) e do debate
teológico dai resultante, ver Hans Urs von Balthasar, Prometkeus (Heidelberg, 1947), pp. 12 e seguintes.
94 A N O V A CIÊNCIA DA POLÍTICA
24. Nossas reflexões acerca da incerteza da fé devem ser entendidas como uma psicologia da experiên-
cia. Com respeito à teologia da definição de fé em Heb. 11:1, que está subentendida em nossa análise,
ver S. Tomás de Aquino, Summa theologica, H-ü Q. 4, Art. 1.
G N O S T I C I S M O — A N A T U R E Z A DA M O D E R N I D A D E 95
25. A exploração da gnose está avançando com tanta rapidez que somente u m estudo das principais
obras da última geração proporciona a compreensão de suas dimensões. De especial importância são:
Eugène de Faye, Gnostiques et gnosticisme (2 edição, Paris, 1925); Hans Jonas, Gnosis und spãtanaker Geist
?
(Gõtingen, 1934); Simone Pétrement, Le Duatisme chez Platon, les Gnostiques et les Manichéens (Paris, 1947);
e Hans Sõderberg, La Religion des Cathares (Uppsala, 1949).
26. C o m respeito a uma sugestão de caráter geral acerca da variedade de fenômenos gnósticos n o m u n -
do moderno, ver Balthasar, Prometheus, p. 6.
96 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
27. Acerca do super-homem de Feuerbach e Marx, ver Henri de Lubac, Le Drame de 1'humanisme Athée
(3* edição. Paris, 1945), pp. 15 e seguintes; Lõwith, op. cit., especialmente a citação na página 36 relativa
aos "novos homens"; e Eric Voegelin, "The Formation of the Marxian Revolutionary Idea", Review of
Politics, Vol. XII (1950).
28. O "homem com Deus" [godded num) é um termo de Henry Nicholas (ver Rufus M. Jones, Studies in
Mystical Religion; Londres, 1936; pp. 434).
29. Acerca da gnose nos primeiros tempos do Cristianismo," ver Rudolf Bultmann, Das urchristentum im
Rahmen der Antiken Religionen (Zurique, 1949).
G N O S T I C I S M O — A N A T U R E Z A DA M O D E R N I D A D E
97
5
ESSA ANÁLISE dos componentes da especulação gnóstica m o d e r n a não se pretende
exaustiva, mas f o i desenvolvida até o p o n t o e m q u e se atingiu o objetivo mais ime-
diato de elucidir as experiências que determinam a articulação política da sociedade
ocidental sob'o simbolismo d o Terceiro Reino. Dela emerge a imagem de u m a so-
ciedade, identificável e inteligível como u m a unidade p o r sua evolução c o m o repre-
sentante de u m tipo historicamente único de verdade gnóstica. Seguindo o método
aristotélico, a análise iniciou-se pela auto-interpretação da sociedade p o r meio dos
símbolos propostos p o r J o a q u i m n o século X I I . Agora que seu significado f o i es-
clarecido pela compreensão teórica, pode-se a t r i b u i r u m a data que marque o
começo desse curso civilizacional. U m a data apropriada para o início f o r m a l seria
a ativação d o antigo gnosticismo através de Escoto Eriúgena n o século I X , p o r q u e
sua obra, b e m como a de Dionísio Areopagita, p o r ele traduzida, exerceram i n -
fluência contínua sobre as seitas gnósticas clandestinas, antes que elas viessem à
superfície nos séculos X I I e X I I I .
Essa é uma trajetória de m i l anos, suficientemente longa para suscitar reflexões
acerca de seu declínio e extinção. Essas reflexões sobre a sociedade ocidental como
u m curso civilizacional, passível de ser visto c o m o u m t o d o p o r q u e se move i n t e l i -
givelmente r u m o a u m fim, d e r a m o r i g e m a u m a das mais espinhosas questões q u e
afligem o estudioso d a política ocidental. Por u m lado, como é sabido, n o século
X V I I I inicia-se u m f l u x o i n i n t e r r u p t o de obras literárias acerca d o declínio d a civi-
lização ocidental; e, quaisquer que sejam as dúvidas que possamos ter c o m respeito
30. Acerca do Império Apolíneo como um Terceiro Reino, ver Karl Burdach, Reformotion, Renaissance.
HumammusW edição Berlim e Leipzig, 1926), pp. 133 e seguintes; e, do mesmo autor, Rienzo und die
geutige Wandlung seiner ZeU (Berlim, 1913-28), Vol. I I / I : Vom Mittelalter zur Reformotion, p. 542.
31. Condorcet, Esquisse (1795), pp. 310-18.
98 A N O V A CIÊNCIA DA POLÍTICA
33. Acerca das p assagens de Nietzsche a respeito do "assassinato de Deus", da pré-história dessa idéia
e do debate literário por ela impirado, ver Lubac, op. cit., pp. 40 e seguintes. A mais abrangente exposi
\ào da idéia na obra de Nietzsche é encontrada em Karl Jas pers, Nietuche: Einfiihrung in dITT Verstiindnis
uine.s Plilosophierem (Berlim e Leipzig, 1936).
V
A REVOLUÇÃO GNÓSTICA- O CASO PURÍTANO
* * *
sua sapiência à multidão que, por si só, jamais teria atinado com essa conexão; ao
mesmo tempo, mostram aquilo que deve ser atacada a fim de livrar o mundo do
mal. Após tal preparação, terá chegado o momento de recomendar uma nova for-
ma de governo como o "remédio soberano para todos os males". Isto porque as
pessoas que estão "possuídas de aversão e descontentamento para com as coisas
presentes' são suficientemente loucas para "imaginar que qualquer coisa (cuja vir-
tude lhes haja sido recomendada) os ajudaria; e mais crêem no que menos tenham
tentado".
Se u m movimento baseia-se na autoridade de uma fonte literária, como era o
caso do movimento puritano, é necessário ainda que os líderes moldem "as pró-
prias noções e conceitos mentais dos homens de tal forma" que os seguidores auto-
maticamente associem passagens e termos das escrituras com sua doutrina, por
mais errônea que seja a associação, e, com igual automatismo, ignorem o conteúdo
da Escritura que se revele incompatível com a doutrina. Vem depois o passo defini-
tivo na consolidação de uma postura gnóstica, qual seja, "persuadir os homens cré-
dulos e inclinados a tais erros gratificantes de que sobre eles recai a luz especial
do Espírito Santo, a qual lhes permite discernir nas palavras aquilo que os outros,
embora as leiam, não enxergam". Eles sentir-se-áo eleitos e essa experiência gera
" u m a grande separação entre tais homens e o resto do mundo", de tal modo que
a humanidade passa ser dividida entre os "irmãos" e os "mundanos",
Com a consolidação da experiência gnóstica, a matéria-prima social fica em
condições de receber a representação existencial de u m líder. Isto porque, ainda
segundo Hooker, tais pessoas preferirão a companhia de outras envolvidas no mo-
vimento à de ^indivíduos a ele estranhos; aceitarão voluntariamente os conselhos
e a orientação dada pelos doutrinadores; negligenciarão seus próprios interesses
para devotar todo seu tempo ao serviço da causa; e fornecerão farta ajuda material
aos líderes do movimento. As mulheres desempenham função especialmente im-
portante na formação de tais sociedades, porque têm juízo fraco; são emocional-
mente mais acessíveis; estão taticamente bem situadas para influenciar maridos,
filhos, criados e amigos; são mais inclinadas do que os homens a servir de certa
forma como espiãs, prestando informações sobre os vínculos afetivos dentro de
seus círculos; e, finalmente, são mais liberais no que tange à ajuda financeira.
Uma vez criado um meio social deste tipo, será difícil, senão impossível, rom-
pê-lo através da persuasão. " S e algum indivíduo de opinião contrária abre a boca
para persuadi-los, eles se comportam como surdos, não ponderam as razões que
lhes são oferecidas, a tudo respondem repetindo as palavras de João: 'Nós somos
de Deus; aquele que conhece Deus nos ouve'. Quanto aos demais, vocês pertencem
ao mundo, e falam da pompa e da vaidade do mundo; e o mundo, feito de gente
como vocês, lhes dá ouvido". Eles são impermeáveis aos argumentos e têm respos-
tas bem treinadas. Caso se lhes sugira que são incapazes de julgar tais matérias,
responderão: "Deus escolheu os simples". Caso se lhes mostre convincentemente
que estão dizendo coisas sem sentido, dirão: "Até mesmo os apóstolos de Cristo
foram considerados loucos". Caso se lhes acene com um mínimo de disciplina,
estender-se-ão sobre a "crueldade dos homens sanguinários" e se apresentarão
como " a inocência perseguida por dizer a verdade". E m suma, não há argumento
que possa abalar a rigidez psicológica de sua atitude . 1
1. Richard Hooker, Works, ed. Keble (7* ed., Oxford, 1888). O resumo se refere a ibid., l\ 145-55.
104 A N O V A CIÊNCIA DA POLÍTICA
por assim receber tal conhecimento, ele, porém, só devia a Deus, autor d a mais
sagrada fonte, o L i v r o d a V i d a , e d a admirável perícia d a inteligência" . 2
5. Ibid., i n , 585.
6. O texto latino consta de ibid., I, exix.
A REVOLUÇÃO GNÓSTICA — O CASO PURITANO 107
nicável entre os "sábios". O "vulgo" tem de aceitar, num fundamentalismo sim-
plista, a verdade tal como simbolizada nas Escrituras; os homens do povo devem
abster-se de teorizar, tarefa para a qual estão despreparados experiencial e intelec-
tualmente, pois se o fizessem simplesmente destruiriam Deus. Tendo em conta o
"assassinato de Deus" perpetrado na sociedade ocidental quando o "vulgo" pro»
gressivista imiscuiu-se no significado da existência humana na sociedade e na his-
tória, temos de convir que Averróis tinha alguma razão.
No entanto, a estrutura de uma civilização não está à disposição de seus mem-
bros individuais. A solução islâmica de confinar o debate filosófico a círculos eso-
téricos, virtualmente desconhecidos pelo público em geral, não podia ser transfe-
rida para a situação de Hooker. A história ocidental tomara rumo diferente e o
debate entre os componentes do "vulgo" já estava em curso. Em conseqüência,
Hooker foi levado a contemplar a segunda possibilidade, qual seja, a de que o
debate, impossível de encerrar-se por um acordo obtido através da persuasão, fosse
sustado pela autoridade governamental. Seus oponentes puritanos não eram par-
ticipantes de um debate teórico; eram revolucionários gnósticos, engajados numa
luta pela representação existencial que resultaria na subversão da ordem social in-
glesa, no controle das universidades pelos puritanos e na substituição da lei comum
pela lei das Escrituras. Daí justificar-se o fato de Hooker haver considerado a se-
gunda solução. Ele compreendia perfeitamente o que hoje é tão pouco compreen-
dido, ou seja, que a propaganda gnóstica representa uma ação política — e não
uma busca da verdade no sentido teórico. Com sua aguda sensibilidade, ele até
mesmo diagnosticou o componente niilista do gnosticismo na crença puritana de
que sua disciplina, sendo "o comando de Deus Todo Poderoso, deve ser cumprida,
ainda que o mundo, ao fazê-lo, vire de cabeça para baixo; aí reside o maior peri-
go" . Na cultura política de seu tempo, não se punha em dúvida que o governo, e
7
não os cidadãos, representa a ordem de uma sociedade. "Como se, uma vez esta-
belecido o consentimento público com respeito a alguma coisa, o julgamento de
cada homem comparado a esse consentimento não fosse privado, por mais que o
indivíduo tenha uma vocação pública. Por isso, a paz e a tranqüilidade só são pos-
síveis se a voz de toda a sociedade ou do corpo político falar mais alto do que a de
cada cidadão que participe de tal sociedade" . Isso significa, concretamente, que
8
um governo tem o dever de preservar a ordem, bem como a verdade que ele repre-
senta; quando surge um líder gnóstico proclamando que Deus ou o progresso, a
raça ou a dialética determinou que ele se tornasse o soberano existencial, o gover-
no não deve trair a confiança nele depositada. Não ficam excluídos desta regra os
governos que funcionam com base numa constituição democrática e no respeito
aos direitos individuais. Jackson, Juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos, ao
pronunciar a opinião contrária no caso Terminiello, afirmou que a Constituição
não é um pacto de suicídio. Um governo democrático nâo se deve transformar em
cúmplice de sua própria derrubada, permitindo que movimentos gnósticos cresçam
prodigiosamente à sombra de uma interpretação errônea dos direitos civis; e, se
por inadvertência um movimento desse gênero houver atingido o ponto de crítico
de captura da representação existencial através da famosa "legalidade" das eleições
populares, um governo democrático não se deve curvar à "vontade do povo", e
sim sufocar o perigo pela força e, se necessário, romper a letra da constituição a
fim de preservar seu espírito.
7. Ibid.,p. 182.
8. Ibid., p . 171,
1
08 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
A T É aqui tivemos a visão de Hooker; cabe agora ouvir a outra parte. O primeiro
ponto a ser considerado é a experiência peculiar dos revolucionários gnósticos.
Em contraposição ao tratamento habitual do puritanismo como um movimento
cristão, cumpre estabelecer o fato de que nenhum trecho do Novo Testamento
permite extrair conselhos em prol de uma ação política revolucionária. Até mesmo
a Revelação de S. João, embora animada da expectativa escatológica do reino que
livrará os santos da opressão neste mundo, não coloca o estabelecimento desse
reino nas mãos de um exército puritano. Não obstante, o revolucionário gnósti-
co interpreta a chegada do reino como um evento que exige sua cooperação arma-
da. No capítulo 20 da Revelação, um anjo desce dos céus e lança Satã num poço
sem tundo por mWanos: na Revolução Puritana, os gnósticos arrogam para si pró-
prios essa função angelical. Algumas passagens de um panfleto de 1 6 4 1 , intitula-
do " U m Vislumbre da Glória de Sion", servirão para indicar o estado de espírito
da revolução gnóstica.
O autor do panfleto é movido por expectativas escatológicas . Babilônia está 9
prestes a cair, a nova Jerusalém cedo chegará. " A queda da Babilônia é a ascen-
são de Sion. A destruição de Babilônia é a salvação de Jerusalém." Conquanto
Deus seja a causa última da feliz mudança que se aproxima, também os homens
deveriam praticar ações meritórias a fim de acelerar a vinda. "Bem-aventurado
aquele que lança os pirralhos de Babilônia contra as pedras. Abençoado aquele que
contribui para derrubar a Babilônia." E quem serão os homens que acelerarão a
vinda de Sion atirando as crianças de Babilônia contra as pedras? São os " h o -
mens do povo". "Deus tenciona empregar os homens do povo na grande tarefa
de proclamar o reino de Seu filho." Os homens comuns estão em posição privile-
giada para auxiliar o advento do Reino de Cristo, pois a voz de Cristo "vem pri-
meiramente da multidão, dos homens comuns. A voz se faz ouvir inicialmente por
meio deles, antes que outros a expressem. Deus usa a gente comum e a multidão
para proclamar que Deus Nosso Senhor Onipotente reina". Cristo não veio para
as classes superiores, mas para os pobres. Os nobres, os sábios, os ricos e sobre-
tudo os sacerdotes estão possuídos pelo espírito do Anticristo, daí porque a voz de
Cristo" deve começar a ser ouvida da boca da multidão, que é tão desprezível",
da "plebe vulgar". No passado, " o povo de Deus foi, e é, feito de gente despre-
zada". Os Santos são chamados de facciosos, cismáticos e puritanos, de sediciosos
e perturbadores do estado. No entanto, eles serão libertados desse estigma, e os
governantes se convencerão, no fundo do coração, de que "os habitantes de Jerusa-
lém, isto é, os Santos de Deus reunidos numa igreja, são os melhores cidadãos."
E essa convicção dos governantes será reforçada por mudanças drásticas nas rela-
ções sociais. O autor cita Isaías 4 9 : 2 3 : " O s reis serão teus provedores; prostrados
diante de ti, a face contra a terra, lamberão a poeira de teus pés." O s Santos, por
outro lado, serão glorificados no novo reino, "todos vestidos de branco, que signi-
fica a retidão dos Santos".
Além das mudanças de vestuário para os Santos e do lamber de poeira pelos
governantes, haverá alterações significativas na estrutura das instituições legais e
Loercy,
v ed.eST*
A.S.P. Woodhouse?(Londres,
íwlSí^ (1
, ' / 1938),
41)
, ± pp. 233-41. y '
ffÍb U a H a n S C r d Knol, s
r e d u z i d o na obra Puritanism and Li-
A REVOLUÇÃO GNÓSTICA — O CASO PURITANO 109
sobre as nações e reinos do mundo". Por se tratar de um reino espiritual, ele não
pode ser criado "pelo poder e a autoridade humanas". O próprio Espírito Santo
convocará e reunirá o povo, "e o organizará em diversas famílias, igrejas e corpora-
ções"; apenas quando esses núcleos espirituais tiverem alcançado número sufi-
ciente, eles "governarão o mundo" através de assembléias "daqueles servidores
de Cristo e representantes das igrejas que venham a escolher como delegados".
A coisa toda parece relativamente inofensiva e harmoniosa; o pior que pode acon-
tecer será um certo desapontamento caso o Espítrito Santo demore a acionar o
novo mundo.
Na realidade, porém, o caso não é tão inofensivo. Os Santos apresentam suas
Perguntas ao Lorde Chefe do Exército e do Conselho Geral de Guerra. Nessas con-
dições, a fórmula de que Deus concederá aos Santos "poder e autoridade sobre
as nações e reinos do mundo" adquire uma conotação perturbadora. Cabe in-
dagar: quais as nações e reinos do mundo a serem governados pelos Santos? As
nações e os reinos do velho mundo? Nesse caso, contudo, ainda não se teria esta-
belecido o novo mundo. E, quando chegados a esse novo mundo, a quem pode-
riam os Santos governar, senão a eles próprios? Ou poderão restar algumas na-
ções pecaminosas do velho mundo, que os Santos maltratarão à vontade a fim de
dar algum sabor à recém-conquistada posição de mando? E m suma, o futuro
se parece muito com o que os gnósticos posteriores chamam de ditadura do pro-
letariado.
Essa suspeita é confirmada por outros pormenores. As Perguntas fazem a dis-
tinção entre os "servidores de Cristo" e os "magistrados cristãos". O governo do
espírito acabará com todos os governos mundanos, inclusive o governo da Ingla-
terra pelos magistrados cristãos. Tal distinção é a melhor prova de que nas revolu-
ções de índole puritana realmente dois tipos de verdade lutam pela representa-
ção existencial. As Perguntas empregam o termo cristianismo para ambos os tipos de
verdade, mas eles são tão radicalmente diferentes que representam, respectiva-
mente, o mundo das trevas e o mundo da luz. A vitória puritana pode preservar a
estrutura do mundo, inclusive as instituições parlamentares inglesas, mas o espíri-
to que as anima ter-se-á modificado radicalmente. E essa modificação radical ex-
pressar-se-á politicamente na alteração radical dos governantes. Os postulantes
perguntam de forma persuasiva: "Considere se não será uma honra muito maior
para os parlamentos, magistrados, etc, governar como servidores de Cristo e re-
presentantes das igrejas do que como funcionários de um reino mundano e repre-
sentantes de um povo meramente natural e mundano"? Não basta ser um repre-
sentante cristão do povo inglês no Parlamento, pois o povo, como tal, pertence
à ordem natural do velho mundo; o membro do Parlamento deve representar os
Santos e as comunidades do novo reino que são informados pelo próprio Espíri-
to Santo. Por conseguinte, o antigo grupo de governantes políticos deve ser elimi-
nado, pois "que direito têm os homens meramente naturais e mundanos de deter
o governo, que carece de uma justificativa santificada para as menores graças tan-
gíveis"? E, de forma ainda mais nítida: "Como pode o reino ser dos Santos, quan-
do são infiéis os eleitores e os eleitos para governar?" A atitude é inflexível. Se es-
peramos novos céus e uma nova terra, "como poderá ser legal remendar o velho
governo mundano?" O único curso correto de ação será aquele que resulte em
suprimir para sempre os inimigos da religiosidade".
E desnecessário empreender uma interpretação elaborada dessas palavras. Bas-
tam algumas modernizações de linguagem para revelar o significado de tais suges-
tões. A ordem histórica do povo é rompida pela irrupção de um movimento que não
A REVOLUÇÃO GNÓSTICA — O C A S O P U R I T A N O 111
(2) Esse ditame da razão, porém, não seria mais do que u m teorema sem força
obrigatória a menos que fosse entendido como constituindo a palavra de Deus.
Seu comando promulgado na alma do homem; somente na medida em que o dita-
me da razão é visto como uma ordem divina será ele uma lei da natureza .
(3) Finalmente, essa lei da natureza não governa efetivamente a existência h u -
apíruto x T l l " t ^ 6 ^ ° a k e s h o t t
ed.; Oxford, sem indicação de ano),
12. Ibid., cap. X I V .
1S. Ibid., cap. X V , pp. 104 e seguintes; cap. X X X I , p. 2SS.
A REVOLUÇÃO GNÓSTICA — O CASO PURITANO 113
mana antes que os homens, nos quais ela vive como uma predisposição à paz, te-
nham seguido seu preceito organizando-se sob um representante público, o sobe-
rano. Somente quando eles houverem acordado submeter-se a um soberano co-
mum, a lei da natureza efetivamente transformar-se-á em lei da sociedade na exis-
tência histórica . " A lei da natureza e a lei civil, conseqüentemente, estão contidas
14
como a forma de organização clerical , derivarão sua autoridade não de uma re-
20
velação, mas de sua promulgação pelo soberano como a lei do país. Não haverá
liberdade de debate acerca da verdade da existência humana na sociedade; a ex-
pressão pública de opiniões e doutrinas deve estar sob controle e supervisão per-
manente do governo. "Pois as ações dos homens derivam de suas opiniões; e no
governo eficiente das opiniões reside o governo eficiente das ações humanas, com
vistas à paz e à concórdia". Por isso, o soberano tem de decidir quem será autori-
zado a falar em público perante uma audiência, sobre que assunto e com que ten-
dência; além do mais, será necessária a censura aos livros . Quanto ao resto, have-
21
rá liberdade para as atividades pacíficas e culturais dos cidadãos, uma vez que esse é
o propósito pelo qual os homens se congregam numa sociedade civil . 22
exemplo, atingiu sua pureza especifica através dos filósofos místicos, mas sua exis-
tência, incorporada a um mito cosmológico compacto é testemunhada em inscri-
ções egípcias do ano 3000 a.C.; e uma vez que, mesmo em data tão remota, a idéia
apareceu no curso de especulações críticas e polêmicas acerca da hierarquia e fun-
ção dos deuses, deve ter existido, já então, a tensão entre a verdade tal como enten-
dida pelo pensador especulativo e a verdade do mito recebido . Por outro lado, 14
24. William F. Albright, From the Stone Age to Christianity: Monotheism and the Historical Process (Baltimore,
1946), pp. 132 e seguintes; Herman Junker, Pyrarmdenzeit: Das Wesen der aitãgyptischen Religion (Zuri-
que, 1949), pp. 18 e seguintes.
116 A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA
por sua idéia de abolir as tensões d a história pela divulgação de u m a nova ver-
dade, H o b b e s revela suas próprias intenções gnósticas; a tentativa de congelar a
de princípio; nesse caso, dever-se-ia antes falar de uma inclinação para permane-
cer consciente da casualidade da existência, malgrado o fato de que tal casualidade
não é admitida como um problema no mundo de fantasia gnóstico; a fantasia
tampouco prejudica a responsabilidade cívica ou a disposição de lutar bravamente
em caso de emergência. A atitude para com a realidade permanece enérgica e ativa,
mas se torna impossível pôr em foco a realidade e a ação sobre o real: a imagem é
toldada pelo sonho gnóstico. O resultado é um estado penumapatológico da men-
te, muito complexo, que Hooker esboçou ao traçar o retrato do puritano.
No entanto, o estudo do fenômeno em suas variedades contemporâneas tor-
nou-se muito mais difícil do que ao tempo de Hooker. No século XVI, o mundo de
fantasia e o mundo real ainda eram mantidos terminologicamente separados atra-
vés do simbolismo cristão dos dois mundos. A enfermidade, em sua variedade es-
pecial, podia ser facilmente diagnosticada porque o próprio paciente tinha a supre-
ma consáéncia de que o novo mundo não era aquele no qual ele realmente vivia.
Com a imanentização radical, o mundo de sonho mesclou-se terminologicamente
com o mundo real; a obsessão de substituir o mundo da realidade pelo mundo
transfigurado de fantasia transformou-se na obsessão do mundo único, em que os
sonhadores adotam o vocabulário da realidade ao mesmo tempo em que alteram
sem significado, como se o sonho fosse realidade.
Uma ilustração mostrará a natureza da dificuldade. Nas éticas clássica e cristã,
a primeira das virtudes morais é a sophia ou prudentia, porque, sem uma compreen-
são adequada da estrutura da realidade, incluindo a conditio humana, torna-se pra-
ticamente impossível a ação moral com a coordenação racional dos meios e dos
fins. No mundo de sonho gnóstico, por outro lado, o não-reconhecimento da
realidade constitui o primeiro princípio. Em conseqüência, tipos de ação que se-
riam considerados moralmente insanos no mundo real, pelos efeitos reais que
deles resultam, serão consideradas morais no mundo de fantasia, porque visam
um efeito inteiramente diverso. O hiato entre o efeito desejado e o efeito real será
imputado não à imoralidade gnóstica de ignorar a estrutura da realidade, mas à
imoralidade de alguma outra pessoa ou sociedade que não se comporta como
deveria comportar-se de acordo com a concepção fantasiosa da relação de causa
e efeito. A interpretação da insanidade moral como moralidade, e das virtudes
da sophia e da prudentia como imoralidade, leva a uma confusão difícil de des-
fazer. A tarefa é dificultada pela presteza dos sonhadores em estigmatizar como
imoral a tentativa de obter um esclarecimento crítico. Na verdade, praticamen-
te todos os grandes pensadores políticos que reconheceram a estrutura da rea-
lidade — de Maquiavel aos nossos dias — foram caracterizados como imorais pelos
intelectuais gnósticos, para não falar da brincadeira de salão dos liberais que cri-
ticam Platão e Aristóteles como fascistas. Por conseguinte, a dificuldade teórica é
agravada por problemas pessoais. E nâo há dúvida de que o contínuo bombardeio
de vituperação gnóstica contra a ciência política no sentido crítico afetou seriamen-
te a qualidade do debate público acerca dos problemas políticos contemporâneos.
A identificação de sonho e realidade como uma questão de princípio produz
efeitos práticos que podem parecer estranhos, mas nunca surpreendentes. Proíbe-
se a exploração crítica da relação de causa e efeito na história; conseqüentemente,
torna-se impossível a coordenação racional dos meios e fins na política. As socieda-
des gnósticos e seus líderes reconhecem os perigos a sua existência quando eles
surgem mas tais perigos nâo são enfrentados por meio das ações apropriadas no
mundo da realidade. São, isto sim, enfrentados mediante operações mágicas no
mundo da fantasia, tais como desaprovação, condenação moral, declarações de
124 A N O V A CIÊNCIA DA POLÍTICA
" O poder de qualquer religião sobrenatural para construir essa tradição desa-
pareceu; a acumulação da pesquisa científica desde Descartes f o i fatal para sua
autoridade. Portanto, é difícil imaginar sobre que bases p o d e ser reconstruída a
tradição civilizada exceto sobre a idéia em que a Revolução Russa se fundamentou.
Ela corresponde, abstração feita d o elemento sobrenatural, ao mesmo clima n o
qual o Cristianismo se t o r n o u a religião oficial d o O c i d e n t e " . 3
" N a verdade, e m certo sentido é válido dizer que o princípio russo t e m maior
alcance d o que o cristão, u m a vez q u e busca a salvação das massas através da reali-
zação nesta vida, dando p o r isso novo ordenamento ao m u n d o real que conhe-
cemos .
Poucas passagens p o d e r i a m revelar mais claramente a situação d o intelectual
liberal de nosso tempo. A filosofia e o Cristianismo estão além de seu r a i o de expe-
riência. A ciência, além de constituir u m instrumento para d o m i n a r a natureza, é
algo que o faz suficientemente sofisticado a p o n t o de não acreditar e m Deus. O céu
será construído na terra. A auto-salvação, a tragédia d o gnosticismo que Nietzsche
sofreu c o m intensidade máxima até que sua alma se q u e b r o u , é uma realização d a
vida que chega a cada h o m e m c o m a sensação de que ele está c o n t r i b u i n d o para a
sociedade de acordo c o m sua capacidade, compensada pelo salário ao f i m do mês.
Não há qualquer p r o b l e m a relativo à existência na sociedade exceto a satisfação
imanente das massas. A análise política indica quem será o vencedor, de m o d o que
o intelectual possa, n o m o m e n t o o p o r t u n o , conseguir u m emprego c o m o teólogo
da corte n o império comunista. E as pessoas espertas poderão acompanhá-lo e m
suas hábeis manobras para conservar-se na crista da o n d a do f u t u r o . A situação é
hoje bastante conhecida e dispensa maiores comentários. Ê o caso dos paracletos
menores e m que o espírito se agita; que sentem o dever de desempenhar u m papel
público e de servir como professores para a humanidade; que de boa fé substituem
seu conhecimento crítico p o r suas convicções; e, c o m a consciência inteiramente
tranqüila, expressam opiniões acerca de problemas que estão fora de seu alcance.
Além disso, não se deve negar a consistência e honestidade imanentes dessa transi-
ção d o liberalismo para o c o m u n i s m o ; se o liberalismo for entendido c o m o a sal-
vação imanente d o h o m e m e da sociedade, o comunismo é certamente sua expres-
são mais radical. Trata-se de u m a evolução que j á fora prenunciada pela fé de J o h n
Stuart M i l l n o advento último d o comunismo para a humanidade.
E m linguagem mais técnica, o problema p o d e ser f o r m u l a d o da seguinte for-
ma. As três variedades possíveis de imanentização — teleológica, axiológica e a t i -
vista —y não constituem apenas três tipos coordenados, mas se relacionam umas às
outras dinamicamente. E m cada onda d o m o v i m e n t o gnóstico, as variedades p r o -
2. Harold J . Laski, Faith, Reasson and CivilizaHon: An Essay in Histórica! Analysis (Nova York: Viking Press
1944), p. 184.
3. Ibid., p. 51.
4. Ibid.,p. 143.
O FIM DA M O D E R N I D A D E 127
gressista e utópica tenderão a formar a ala direita, deixando boa parte da perfeição
final à evolução gradual e à acomodação d a tensão entre as conquistas reais e o
ideal; a variedade ativista tenderá a f o r m a r a ala esquerda, agindo violentamente na
busca d a realização completa d o reino perfeito. A distribuição dos crentes entre a
direita e a esquerda será e m parte determinada p o r equações pessoais, c o m o en-
tusiasmo, temperamento e consistência; todavia, para outras pessoas, talvez a
maioria, a distribuição será determinada p o r sua relação c o m o meio civilizacional
em q u e ocorre a revolução gnóstica. Pois não se deve esquecer jamais q u e a socie-
dade ocidental não é inteiramente m o d e r n a , e sim q u e a m o d e r n i d a d e é u m tumor
dentro dela, e m oposição à tradição clássica e cristã. Se só existisse o gnosticismo
na sociedade ocidental, o m o v i m e n t o e m direção à esquerda seria irresistível p o r
pertencer à lógica da imanentização, já tendo-se consumado há m u i t o tempo. N o
entanto, o fato é q u e as grandes revoluções ocidentais d o passado, após sua lógica
guinada para a esquerda, r e t o r n a r a m a u m a o r d e m pública que refletia o equilí-
b r i o das forças sociais n o m o m e n t o , j u n t a m e n t e c o m seus interesses econômicos e
tradições civilizacionais. O receio o u a esperança, dependendo d o caso, de que as
revoluções " p a r c i a i s " d o passado serão seguidas pela revolução " r a d i c a l " e pelo
estabelecimento d o r e i n o final baseia-se n a premissa de q u e as tradições d a socie-
dade ocidental estão agora suficientemente arruinadas e que as famosas massas
estão prontas para dar o bote fatal . 5
5. Os conceitos de revolução "parcial" e "radical" foram desenvolvidas por Karl Marx na obra Kritik
der Hegelscken Rechtsphilosopkie, Einleitung (1843), Vol. I: Gesomtausgabe, p. 617.
128 A N O V A C I Ê N C I A DA P O L Í T I C A
tamente concebível que u m império hegemônico russo não comunista tivesse hoje
as mesmas dimensões d o império soviético, constituindo perigo ainda m a i o r pela
possibilidade de estar mais solidamente consolidado. E m q u a r t o lugar, o império
soviético, conquanto seja u m a potência formidável, não poê em perigo a Europa
Ocidental ao nível da força material. Estatísticas elementares m o s t r a m q u e a forca
de trabalho, os recursos naturais e o potencial industrial da Europa Ocidental são
comparáveis a qualquer força que o império soviético possa r e u n i r — sem contar
c o m nosso próprio poder nos bastidores. O perigo nasce estritamente d o particu-
larismo nacional e da paralisante confusão m o r a l e intelectual.
Assim, o problema d o perigo comunista recai sobre o p r o b l e m a d a paralisia
ocidental e da política autodestrutiva gerada pelo sonho gnóstico..As passagens
citadas acima m o s c a m a fonte d a dificuldade. O risco de derrapar da direita para
a esquerda é inerente à natureza d o sonho; na medida e m que o c o m u n i s m o é u m
tipo mais radical e consistente de imanentização d o que o progressivismo o u o u t o -
pismo social, t e m a seu favor a logique du coeur. As sociedades ocidentais gnósticas
encontram-se n u m estado de paralisia intelectual e emocional p o r q u e não é possí-
vel empreender qualquer crítica fundamental d o gnosticismo esquerdista sem a r -
rancar o gnosticismo de d i r e i t a de seu curso. N o entanto, as grandes revoluções
experienciais e intelectuais são lentas e exigem a passagem pelo menos de u m a ge-
ração. Não se p o d e i r além da formulação das condições d o p r o b l e m a . Haverá u m
perigo comunista latente, nas mais favoráveis condições externas, enquanto f o r e m
estigmatizados como "reacionários" o reconhecimento da estrutura da realidade, o
cultivo das virtudes da sophia e da prudentia, a disciplina d o intelecto e o desenvol-
vimento da cultura teórica e da vida d o espírito; enquanto o desrespeito pela estru-
tura da realidade, a ignorância dos fatos, a construção falaciosa e a falsificação da
história, o opinar irresponsável c o m base em convicções sinceras, o analfabetismo
filosófico, o embotamento espiritual e a sofisticação agnóstica f o r e m consideradas
virtudes d o h o m e m , cuja posse abre as portas ao êxito público. E m suma, enquanto
civilização for reação, e insanidade m o r a l f o r progresso.
1
A FUNÇÃO d o gnosticismo c o m o teologia civil da sociedade ocidental, sua destrui-
ção da verdade da alma e sua negligência para c o m os problemas d a existência fo-
r a m apresentadas em suficiente p o r m e n o r p a r a q u e fique nítida a importância fatal
do problema. A análise pode retornar agora ao grande pensador que descobriu sua
natureza e buscou resolvê-lo p o r meio da teoria da representação. N o século X V I I ,
a existência da sociedade nacional inglesa corria o risco de ser destruída pelos r e -
volucionários gnósticos, c o m o hoje, e m escala m a i o r , existe o perigo de q u e a so-
ciedade ocictental 'seja inteiramente destruída. Hobbes buscou enfrentar o perigo
concebendo u m a teologia ciyiíque fazia da o r d e m da sociedade existente a verdade
que ela representava—ao lado da qual nenhuma outra verdade poderia ser susten-
tada. Tratava-se de uma idéia eminentemente sensata na medida e m que se concen-
trava nos dados da existência, que fora tão completamente negligenciada pelos
gnósticos. Entretanto, o valor prático da idéia baseava-se na premissa de q u e a ver-
dade transcendente que os homens buscavam representar em suas sociedades, após
O FIM DA M O D E R N I D A D E 129
única vez e n u m único m o m e n t o , mas assegurar, para sempre, a realização dos de-
sejos f u t u r o s " . " P o r isso, e m p r i m e i r o lugar, coloco como inclinação geral de toda
8
tomar várias formas, das quais a mais i m p o r t a n t e para a análise da política era,
segundo Hobbes, o orgulho de ter inspirações divinas o u , e m geral, de estar de
posse da verdade indubitável. T a l o r g u l h o e m excesso é l o u c u r a . "Se a l g u m h o -
13
8. Ibid.
9. Ibid., p. 64.
10. Ibid., Cap. X I I I , p. 81.
11. Thomas Hobbes, The Elements of Law, Natural and Politics, ed. Ferdinand Tõnnies (Cambridge, 1928),
Parte I, Cap. IX, Seção 21.
12. Thomas Hobbes, Leviathan, Cap. V I I I , p. 46.
13. Ibid., pp. 46-47.
14. Ibid., pp. 47-48.
15. Itnd., p. 47»
16. Thomas Hobbes, De homine, Cap. X I , Art. 6; De eive, Cap. I, Art. 7. Acerca do problema do medo da
morte como o summum malum, ver Leo Strauss, The PoliticalPhilosophy qf Hobbes (Oxford, 1934).
17. Thomas Hobbes, Leviathan, Cap. X V I I , p. 112.
O F I M DA M O D E R N I D A D E 131
deve esmagar o amor sui que não pode ser aliviado pelo amor Dei . 22
23. John of Salisbury, Policraticus: Sive De nugis curialium, et vestigüs philosophorum libri octò, editado por
Clement C. J . Webb (Oxford, 1909). As passagens seguintes foram extraídas da obra The Statesman's
Book of John of Salisbury, traduzida para o inglês, com uma Introdução de John Dickison (Nova York, 1927).
O homem, ignorante de seu próprio status e da obediência que deve a Deus, "aspira a um tipo fictício de
liberdade, imaginando em vão que pode viver sem medo e pode fazer impunemente o que lhe aprouver,
e não obstante, de alguma forma, chegar diretamente a Deus" (VIII, 17). " E m b o r a nem todos os ho-
mens detenham o poder do príncipe ou do rei, é raro.ou inexistente o homem inteiramente intocado
pela tirania. N a linguagem comum, tirano é aquele que oprime todo um povo pelo governo baseado
na força; e, no entanto, é não apenas para com todo um povo que um homem pode comportar-se como
um tirano, pois pode fazê-lo ainda que ocupe a mais modesta posição. Porque, ainda que não sobre
a totalidade do povo, cada homem exercerá seu domínio até onde chegar o poder que detém" (VII, 17).
Até mesmo a metáfora da corrida de Hobbes pode ser encontrada em John: " E assim todos participa-
rão da corrida e, quando atingida a linha de chegada, receberá o prêmio aquele dentre eles que se re-
velar mais rápido na corrida da ambição, ultrapassando Pedro ou qualquer dos discípulos de Cristo".
( V I I , 19).
O FIM DA MODERNIDADE 133