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Língua Portuguesa e Literatura

SUMÁRIO

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E A CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA LÍNGUA


PORTUGUESA E LITERATURA ................................................................................................... 4
A Constituição Da Profissionalidade Docente e Da Disciplina Língua Portuguesa E Literatura
......................................................................................................................................................... 4
A ORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS E AS LINHAS DE PENSAMENTO PEDAGÓGICO NO
CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS VIGENTES .... 13
Linhas do pensamento pedagógico no contexto do desenvolvimento das políticas
educacionais vigentes ..................................................................................................................16
Pensadores relacionados a outras perspectivas teóricas .........................................................17
Pensadores relacionados a outras perspectivas teóricas .........................................................18
DIRETRIZES OFICIAIS PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA ... 20
Metodologia do ensino da Língua Portuguesa e Literatura .......................................................29
A avaliação ....................................................................................................................................34
O que é ser leitor?.........................................................................................................................38
O papel da escola na formação de leitores ................................................................................41
O papel do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores .....................................43
CONCEPÇÕES DE LEITURA ..................................................................................................... 47
O ensino da leitura ........................................................................................................................49
A LEITURA LITERÁRIA NO ESPAÇO ESCOLAR .................................................................... 56
A literatura e a sua função ...........................................................................................................56
O leitor de literatura.......................................................................................................................60
O ensino da literatura na escola: para além do que dizem os documentos ............................64
Da biblioteca escolar a outros espaços de leitura literária ........................................................72
O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio: estratégias metodológicas .............77
O PROCESSO DA ESCRITA NA ESCOLA ............................................................................... 83
O processo da escrita na escola .................................................................................................83
O texto e o envolvimento do aluno-escritor ................................................................................85
Aprendizagem e desenvolvimento da linguagem escrita e autoria ..........................................87
Modelos de ensino na pedagogia da língua escrita: pontos de referência em discussão .....92
Atos de ensino para quem se põe como aprendiz do ensinar ................................................103
Práticas discursivas no trabalho com textos na escola: as relações de interação no ensino e
na aprendizagem.........................................................................................................................104

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O texto como conteúdo de ensino .............................................................................................105


Voltando ao ponto inicial: locutor e interlocutor, partes integrantes do enunciado ...............109
ANÁLISE LINGUÍSTICA E ENSINO DE GRAMÁTICA ........................................................... 112
Análise linguística .......................................................................................................................112
O ENSINO DA GRAMÁTICA ..................................................................................................... 123
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 127

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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E A CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA


LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

Vamos, refletimos sobre alguns aspectos da história da formação docente e


da constituição da disciplina de Língua Portuguesa e suas implicações no processo
de ensino e de aprendizagem. Apresentamos, em síntese, as linhas de pensamento
pedagógico no contexto do desenvolvimento das políticas educacionais em curso e
as orientações dos documentos oficiais que norteiam a prática pedagógica na
definição do objeto de estudo, dos objetivos da disciplina e da orientação
metodológica e da avaliação. Tendo isso em vista, os objetivos desta unidade são:
• Refletir sobre fatores que intervêm no processo de formação do professor de
Língua Portuguesa e Literatura.
• Compreender as relações entre a organização dos espaços escolares e o
desenvolvimento de práticas sociais de linguagem.
• Pensar o processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa e
Literatura considerando os documentos oficiais de referência e as teorias e os
estudos científico-pedagógicos em circulação.
• Refletir sobre possibilidades de elaboração didática dos conhecimentos
científicos referentes aos processos de ensino e de aprendizagem da linguagem
verbal.

A Constituição Da Profissionalidade Docente e Da Disciplina Língua


Portuguesa E Literatura

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Vivemos, ao final dos anos de 1970 e início da década de 1980, um forte


movimento de democratização da sociedade, em que a luta dos educadores trouxe
contribuições significativas para a educação e para o modo de se compreender a
escola e o trabalho pedagógico. Essa luta colocou “em evidência as relações de
determinação existentes entre a educação e a sociedade e a estreita vinculação entre
a forma de organização da sociedade, os objetivos da educação e a forma como a
escola se organiza”, escreve a pesquisadora em educação, Professora Helena Costa
de Lopes Freitas, em seu trabalho Formação de professores no Brasil: 10 anos de
embate entre projetos de formação (FREITAS, 2002, p. 138).
Os anos de 1980 marcaram, por sua vez, a ruptura com o pensamento
mecanicista, que predominava até então, e novas concepções sobre a formação do
educador passaram a ser consideradas, ancoradas em perspectiva sócio-histórica
(FREITAS, 2002).

Pensamento mecanicista
No pensamento mecanicista, herdado dos
filósofos da Revolução Científica do século XVII, como
Descartes, Bacon e Newton, “[…] o valor do novo
homem que surge se encontra não mais na família ou
linhagem, mas no prestígio resultante do seu esforço
e capacidade de trabalho [...] e a ciência deixa de ser um saber contemplativo, formal
e finalista para que, indissoluvelmente ligada à técnica, possa servir à nova classe
[ao novo modo de produção – o capitalismo]”. A natureza e o próprio homem são
comparados a uma máquina. As considerações a respeito do valor, da perfeição, do
sentido e do fim são excluídas da ciência. (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 148).

Discutiam-se, naquela época, as relações entre escola e sociedade, mais


especificamente sobre como as formas de organização da sociedade tinham
implicações na organização dos espaços escolares e no processo educacional
desenvolvido.
Há uma nova tradução da obra de Vygotsky feita por Paulo Bezerra (2001), a
partir da edição em russo (VIGOTSKI, L.V. A construção do pensamento e da

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linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001), no entanto para a produção deste livro
nos utilizamos da versão anterior, a de 1989.

Ontogênese

Ontogênese refere-se ao desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação


até a maturidade para a reprodução (FERREIRA, 1988).
A perspectiva sócio-histórica ancora-se, dentre outras, na teoria de Vygotsky
que aponta novos paradigmas para a compreensão do desenvolvimento humano.
Essa teoria, fundamentada no materialismo histórico-dialético, contrapõe-se aos
reducionismos das concepções empirista, tecnicista e idealista, indicando
perspectivas de superá-los. Vygotsky, em sua teoria social do desenvolvimento
humano, compreende o sujeito como constituído e construído nas relações sociais,
via linguagem. Ele afirma também que, na ontogênese, deve ser considerada não só
a linha natural, biológica, mas também a linha cultural, social, histórica. Segundo
Vygotsky, o indivíduo, na condição de ser biológico e de ser sócio-histórico humano,
por meio das relações sociais, pela mediação semiótica, constitui suas formas de
ação e sua consciência (FREITAS, 1994).
Paulo Freire (1921-1997) desenvolveu o conceito de “educação bancária” em
seu livro Pedagogia do oprimido, publicado pela primeira vez no Brasil em 1970. Ele
referia-se ao modelo tradicional de prática pedagógica em que o professor é tido
como aquele que supostamente tudo sabe e o aluno nada sabe. Os conteúdos
escolares são transmitidos passivamente aos alunos, ou seja, o professor deposita
na cabeça “vazia” de seus alunos o conteúdo que eles não possuem, como alguém
que deposita dinheiro em um banco.
Essas concepções em que o professor não mais é visto como mero
transmissor de conteúdo enfatizam, então, “[...] a necessidade de um profissional de
caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com
desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as
condições da escola, da educação e da sociedade” (FREITAS, 2002, p. 139),
corroborando a importância dos processos de formação de professores nessa
perspectiva.

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A publicação do livro Pedagogia do oprimido (2005), do grande educador


brasileiro Paulo Freire, escrito nos anos de 1967 e 1968, quando de seu exílio no
Chile, constitui também esse momento histórico de construção de novos olhares
sobre a formação do professor. Freire discute uma nova concepção de educação, a
partir da compreensão da realidade social e econômica dos educandos, e denuncia
a educação bancária, caracterizada pelo aluno que chega à escola e recebe do
professor o conteúdo como se fosse uma mercadoria.
As transformações concretas no campo da escola também se deram “[…] no
sentido de buscar superar as dicotomias entre professores e especialistas,
pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, pois a escola avançava para
a democratização das relações de poder em seu interior e para a construção de
novos projetos coletivos”; construindo, assim, “a concepção de profissional de
educação que tem na docência e no trabalho pedagógico a sua particularidade e
especificidade” (FREITAS, 2002, p. 139, grifos da autora).
Com relação à formação do professor de Língua Portuguesa e Literatura, para
os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, a Lei no. 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional) reafirma a obrigatoriedade da
formação em nível superior, razão pela qual se organizam, dentre outros programas
de formação, os cursos na modalidade de EaD, dada a impossibilidade de oferta de
cursos presenciais em todos os municípios brasileiros.
No que diz respeito ao ensino da Língua Portuguesa, até os anos 1970 os
estudos e pesquisas se faziam na área de conhecimento denominada Didática, que
se subdividia em Didática Geral e Didática Especial, que, por sua vez, desmembrava-
se em Didática do Português. A proposta dessa disciplina apontava para um ensino
normativo, prescritivo, “um conjunto de normas, recursos e procedimentos que
deveriam informar e orientar a prática dos professores”, de forma a poderem
prescrever com mais eficácia as normas da língua, diz a professora, doutora e livre
docente em Educação Magda Becker Soares (1997, p. X).
Os cursos de pedagogia formavam o professor para a sala de aula,
orientadores educacionais, supervisores e administradores escolares; esses últimos
nomeados de especialistas em educação. Hoje, nos cursos de formação, essa
divisão não existe mais. Os cursos de pedagogia formam profissionais para atuar na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

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Considerada uma das maiores pesquisadoras do ensino da Língua


Portuguesa de nosso país, é Professora Titular Emérita da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Centro de
Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE – da referida Faculdade. Ela é autora de
várias obras de referência para o ensino da Língua Portuguesa. Destacamos aquelas
que são consideradas clássicas: Linguagem e escola: uma perspectiva social, da
Editora Ática; Letramento: um tema em três gêneros, da Editora Autêntica; e
Alfabetização e Letramento, da Editora Contexto.
Lei no. 9394/1996: “Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
Ensino Fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal”.
Assim como nos cursos de formação regular, Curso Normal e Curso de Letras,
a disciplina de Língua Portuguesa foi tendo seu nome alterado também no Ensino
Fundamental e Médio ao longo do tempo. Na década de 1960, época do antigo curso
ginasial, era denominada Português, subdividida em Estudos de Língua e Estudos
de Literatura, ministrados inclusive por professores diferentes. Na década de 1970,
passou a chamar-se Comunicação e Expressão, e dela não fazia parte a literatura,
que passou a integrar o currículo do segundo grau, como estudo de história literária
e de autores e obras visando aos concursos vestibulares.
Nos currículos atuais temos, no Ensino Fundamental, a disciplina de Língua
Portuguesa, e a Literatura faz parte dela. Porém, persiste a tendência de se
considerarem distintas a língua e a literatura e de o texto literário ser utilizado em
sala de aula apenas como pretexto para aulas de leitura, interpretação e estudos
gramaticais. Ainda há forte tendência em considerar a gramática normativa e

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prescritiva como conteúdo central das aulas de língua e compreender o ensino da


literatura, quando objetivado, como o estudo para a caracterização de obras e
autores.
No Ensino Médio, no entanto, embora continue fazendo parte da disciplina de
Língua Portuguesa, a “[...] literatura possui alguma autonomia de disciplina”, como
afirmam Ramos e Corso (2010, p. 29). Estudar a língua é também estudar literatura
e vice-versa, pois o objeto do ensino de Língua Portuguesa e Literatura é a linguagem
verbal (a palavra, o texto, a linguagem em uso) nas suas múltiplas formas de
manifestação, incluindo a literária, nas diferentes esferas sociais.
O processo de democratização da sociedade trouxe também a
democratização do acesso à escola. O número de alunos dobrou no ensino primário
e triplicou no ensino secundário (SOARES, 1997, p. IX apud BATISTA, 1997, p. IX).
A Lei nº. 5692/1971 (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDB)
estendeu o ensino obrigatório de quatro para oito anos e ampliou o Ensino Médio,
criando os cursos médios profissionalizantes. Até o advento da Lei nº. 5692/1971,
denominava-se ensino primário o correspondente aos primeiros quatro anos do
ensino formal; ensino ginasial ou secundário, os quatro anos seguintes, do primeiro
ao quarto ano ginasial, considerado ensino secundário. Atualmente, o ensino
obrigatório é de nove anos, ampliado pela Lei 9394/1996 (nova LDB), que substituiu,
entre outras, a Lei nº. 5692/1971.
A escola, que até então servia quase que exclusivamente às camadas
economicamente mais privilegiadas da sociedade, não consegue atender de forma
adequada a esse novo contingente de alunos que a ela chega, pois, os professores
não foram preparados para esse trabalho. Começasse a falar da crise da educação
e do fracasso escolar. E os indicadores desse fracasso revelam-se principalmente
no ensino de Português, pelo alto índice de repetência nos primeiros anos e a
constatação de graves problemas de expressão escrita nas avaliações a que são
submetidos os alunos concluintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nos
exames vestibulares e em concursos, nas provas de Língua Portuguesa. Esse
primeiro fenômeno, intitulado crise e fracasso no ensino de Português, impulsionou
a produção intelectual dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, multiplicando-se
os estudos, as pesquisas e reflexões sobre a falência desse ensino, que denunciam
as deficiências das crianças e jovens na leitura e produção de textos escritos.

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Soares (1997) aponta ainda um segundo fenômeno que influenciou a


produção intelectual sobre o ensino do Português: a reforma universitária do final dos
anos de 1960 extinguiu a disciplina Didática Especial do Português, substituindo-a
por Prática de Ensino de Português, passando a ser esta última uma área de
conhecimento específico e independente, cuja produção intelectual começou a ser
definida por seus próprios princípios e pressupostos. A esse fenômeno, a referida
autora acrescenta um terceiro, a chegada dos conhecimentos construídos no campo
da Linguística, disciplina introduzida nos cursos de Letras nos anos de 1960, cujos
efeitos no ensino da Língua Portuguesa começaram a se fazer sentir somente nos
anos de 1980.
A partir de então, inúmeras têm sido as publicações direcionadas a questões
do ensino da Língua Portuguesa e Literatura e com essas obras e outras que
julgamos representativas deste momento atual é que vimos dialogando, no intuito de
trazer à reflexão propostas e alternativas metodológicas sobre o que se ensina
quando se ensina Língua Portuguesa e Literatura.
Na década de 1990, as políticas educacionais tomam rumos um pouco
diferentes daqueles em que se enfatizavam as relações de determinação entre a
organização da sociedade e a da escola. Os debates não mais se fazem sobre as
relações da escola com a sociedade, mas sim sobre os conteúdos escolares do ponto
de vista das competências e habilidades a serem desenvolvidas na escola. Aos
ideais dos educadores da década de 1980, de uma formação humana multilateral,
sobrepõem-se políticas públicas neoliberais em que a qualidade da instrução e do
conteúdo é condição para a melhoria do processo de acumulação do capital.
Essas políticas traduzem-se, por exemplo, na criação de sistemas de
avaliação, tais como SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica;
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio; Provão – Exame Nacional de Cursos de
Graduação; ANRESC – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, Prova Brasil,
Provinha Brasil; IDEB – Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico; FUNDEF –
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério, dentre outras medidas “que objetivam adequar o Brasil à nova ordem,
bases para a reforma educativa que tem na avaliação a chave-mestra que abre
caminho para todas as políticas: de formação, de financiamento, de descentralização
e de gestão de recursos” (FREITAS, 2002, p. 142).

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Se por um lado as concepções que subjazem às políticas públicas reduzem o


trabalho pedagógico a uma dimensão puramente racional, atribuindo valor excessivo
aos dados estatísticos; por outro, impõem ao professor reflexões sobre o sentido da
docência e sobre a importância de se manter em constante relação com a sociedade
em que se insere. Assim, os professores muitas vezes são responsabilizados pelos
baixos índices de desempenho de seus alunos e dos resultados gerais da instituição
escolar. Em decorrência, são impelidos a uma formação contínua com vistas à
melhoria da eficácia do ensino.
A formação do professor: perspectivas da linguística aplicada (2001);
Letramento e formação do professor: práticas discursivas, representações e
construção do saber (2005), publicados pela Mercado de Letras; e O ensino e a
formação do professor: alfabetização de jovens e adultos, pelas Artes Médicas Sul,
em 2000.
A formação profissional do professor do modo como vem se estruturando – e
se procurou sintetizar isso nos parágrafos anteriores – não tem conseguido fazer
frente à questão da atribuição injusta de valores de desprestígio social à profissão.
Como diz a professora Angela B. Kleiman.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (INEP/MEC) criou
em 21/05/2010, por meio de portaria, o Exame Nacional de Ingresso na Carreira
Docente. Esse exame estabelece padrões de referência para o ingresso de
professores na Educação Básica. Diz o texto à página 3: “Esses padrões ressaltam
a importância da valorização do professor como alguém que necessita de
conhecimentos e habilidades específicas para seu exercício profissional, os quais
não podem ser substituídos por mera boa vontade ou desejo de trabalhar com
crianças” (BRASIL, 2010).
[...] a representação que a imprensa faz das capacidades de ler e escrever
das professoras, geralmente baseada em fatos anedóticos, mostra suas falhas tanto
em relação a práticas cotidianas de leitura e escrita [...] quanto em relação a práticas
especializadas [...]. Além disso, ela é representada como não-leitora, não porque não
leia, mas porque não tem familiaridade com a apreciação da literatura legítima (em
oposição à literatura para as massas). (KLEIMAN, 2001, p. 43).

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Tal crítica fundamenta-se em concepção de língua cuja norma-padrão,


variedade linguística de prestígio social, é a única aceita e na qual a leitura que se
considera é, unicamente, a de textos literários.
A formação do profissional docente, quando compreendida como um
fenômeno social, reveste-se de muita complexidade, pois a profissão não depende
unicamente da vontade de cada ser e de suas experiências na área em que atua.
Em vista disso, podemos dizer que o depoimento que inicia este capítulo é uma
demonstração da atitude positiva da professora frente ao processo de formação e o
modo como ele interfere na constituição da profissionalidade docente. Diz a
professora: “[...]... antigamente se tinha essa visão [...] a faculdade me fez enxergar
além... [...] eu passei a enxergar outros [textos]”.
Assim, toda a complexidade de que se reveste a história do ensino da Língua
Portuguesa em nosso contexto educacional impõe, por conseguinte, que os
professores estejam em constante formação.
As palavras da professora, postas em epígrafe, mais uma vez corroboram o
que vimos apresentando. Quando a professora diz: “[...] eu trabalhava muito com
textos assim... qualquer texto para mim... quanto mais fáceis... Antigamente se tinha
essa visão, por exemplo, quando tu falaste da letra T [referindo-se a uma outra
professora], procurava textos que tinha um monte de T, aquela coisa... eram textos
de cartilha [...]”, este seu posicionamento em relação ao trabalho com textos, de
trabalhar com “qualquer texto”, e “quanto mais fáceis [melhores]”, expõe que a
professora desenvolvia um ensino em que os conteúdos valiam por si mesmos, um
ensino marcado pela ênfase dada a aspectos superficiais da linguagem, em que o
saber sobre a língua torna-se mais importante do que o domínio de seus usos. Os
textos quando objetos de ensino eram de livros didáticos, não importando se eram
ou não significativos aos alunos. Mas a situação narrada também aponta mudança.
O ingresso no curso superior possibilitou, então, a essa professora “enxergar além”,
comprovando a importância da formação continuada.

Reflexão

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•O que é ensinar Língua Portuguesa e


Literatura?
•Que conhecimentos são necessários ao
professor de Língua Portuguesa e Literatura? Que
capacidades lhe são requeridas?
•Que fatores intervêm nos modos de
organização escolar e na prática pedagógica dos
professores?
•O que dizem os documentos que orientam essa prática de ensino de Língua
Portuguesa e Literatura? De Língua Portuguesa e Literatura?
•Afinal, qual é a função do professor de Língua Portuguesa e Literatura?
Reflexões sobre essas questões sugeridas serão desenvolvidas nos capítulos
que seguem, pois, como dissemos, a profissionalidade docente reveste-se de toda a
complexidade que permeia a sociedade e, por ser um fenômeno social, requer que
se compreenda o contexto de atuação do professor.

A ORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS E AS LINHAS DE PENSAMENTO


PEDAGÓGICO NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS VIGENTES

Nossas escolas hoje mantêm a organização que apresentavam desde o início


de sua existência. Os alunos são agrupados, em geral, por faixa etária, distribuídos
em turmas ou séries que por um período de tempo, em média quatro horas, ocupam
as denominadas salas de aula, espaços físicos retangulares e com características
idênticas (principalmente nas escolas públicas), mesmo tratando-se de comunidades
culturais diversas. Os prédios escolares são construídos dentro de um mesmo
padrão: salas de administração e corredores que dão acesso às salas de aula, as
quais se distribuem uma após a outra.
Nas salas de aula, os alunos sentam-se em carteiras, enfileiradas uma atrás
da outra. O professor posiciona-se, em geral, à frente dos alunos, dirigindo-se a todos
ao mesmo tempo, e em algumas situações faz perguntas a alunos em particular e os
demais, quando desejam manifestar-se, levantam o braço – sinal de pedir licença
para fazer uso da palavra. São poucos os momentos em que se mudam os padrões

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de interação, o que faz com que a cultura escolar perpetue formas de comunicação
bastante diferentes daquelas usadas fora da escola. São modos de uso da língua
empregados apenas no ambiente escolar.
O desenvolvimento dos meios de comunicação e as mudanças por que passa
a sociedade tornam-na cada vez mais grafocêntrica, e o avanço dos recursos
tecnológicos de comunicação (web, internet) impõem novos modos de uso da
linguagem verbal, o que constitui desafio ao trabalho docente no sentido de
possibilitar que os alunos tenham acesso a esse conhecimento e possam assim
participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita.
Embora continuem persistindo modos de ensinar como aqueles que Paulo
Freire denominava de educação bancária, em que o professor se julga o único
conhecedor do assunto e o transmite/entrega aos alunos como se o saber fosse uma
mercadoria, há outros em que os professores ousam mudar tal condição, como
aqueles em cujas interações em sala de aula o professor se coloca como mediador,
no processo de aprendizagem, entre o conhecimento que os alunos já possuem e o
que precisa ser ensinado. Vygotsky fala da passagem necessária de conceitos
cotidianos a conceitos científicos, aqueles que a escola necessariamente tem de
ensinar, aumentando assim as experiências de linguagem dos alunos, promovendo
sempre mais a inclusão social e provocando aprendizagem e desenvolvimento.

Sugerimos, para enriquecer seus conhecimentos sobre formas de interação


em sala de aula, a leitura do seguinte livro: COX, Maria Inês Pagliarini; ASSIS-
PETERSON, Ana Antônia de (Orgs.). Cenas de sala de aula. Campinas: Mercado de
Letras, 2001.

Sociedade Grafocêntrica
Dizemos que uma sociedade é grafocêntrica quando nela a escrita
desempenha papel importante; as atividades nas instâncias sociais são centradas na
escrita, ou seja, a escrita faz parte das situações do cotidiano da maioria das
pessoas.

Conceitos cotidianos e conceitos científicos – essas expressões são


conceitos da teoria de Lev Vygotsky (1896-1934). Vygotsky concebe o

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desenvolvimento humano a partir das relações sociais que se estabelece no decorrer


da vida. Ele atribui papel preponderante às relações sociais. A corrente pedagógica
que se originou de seu pensamento é chamada de sócio-histórica ou sociocultural.
Segundo sua teoria, o processo de ensino e de aprendizagem constitui-se por meio
de interações que vão se dando nos diversos contextos sociais, razão pela qual a
sala de aula é lugar privilegiado para a sistematização do conhecimento e o professor
passa a ocupar o papel de mediador na construção do saber. São conceitos-chave
na teoria de Vygotsky: zona de desenvolvimento proximal e mediação. A zona de
desenvolvimento proximal “é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que
se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”
(VYGOTSKY, 1989). Infere-se deste conceito que há ensino quando a criança,
através da mediação do professor, atinge um nível de compreensão e habilidade que
não dominava completamente, apreendendo um novo conhecimento, ampliando
suas estruturas cognitivas. Por conseguinte, a intervenção pedagógica provoca
avanços que não ocorreriam espontaneamente. O outro conceito-chave, de
mediação, diz respeito a toda relação do indivíduo com o mundo que é feita por meio
de instrumentos técnicos – por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam
a natureza – e instrumentos simbólicos, como a linguagem – que traz consigo
conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito. Nesse processo de
mediação e, portanto, de aprendizagem, tem-se a formação de conceitos científicos.
Os conceitos cotidianos, ou espontâneos, são aqueles formados a partir de vivências,
da observação do mundo; já os conceitos científicos estão relacionados à instrução
intencional. Conceitos cotidianos e científicos influenciam-se reciprocamente. Com
relação ao aprendizado da escrita, por exemplo, ao adquirir esse conhecimento, o
aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento
psicológico.
Diferentes turmas de alunos terão diferentes modos de reagir a cada uma das
formas de interação, o que aumenta a importância de se compreender na formação
docente não apenas aspectos do domínio de conteúdos e habilidades específicas,
mas também a constituição das interlocuções na sala de aula, da organização
socioespacial do ambiente educativo.

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Linhas do pensamento pedagógico no contexto do desenvolvimento das


políticas educacionais vigentes

A década de 1960 foi marcada por uma educação de perspectiva tecnicista,


como já mencionamos. Posteriormente, foi influenciada por correntes teóricas de
cunho comportamentalista e comunicacional, época em que prevaleceu a concepção
de linguagem como instrumento de comunicação no ensino da Língua Portuguesa.
A partir da década de 1970, as discussões e análises da educação brasileira,
realizadas por intelectuais de campos do conhecimento como a Filosofia, a
Sociologia, a História e a Educação, passaram a incorporar aspectos políticos,
econômicos, sociais e pedagógicos, com orientação da teoria sociológica dialético-
marxista. No bojo dessas discussões, as ideias de Paulo Freire foram também de
grande importância para as mudanças ocorridas na educação brasileira e de outros
países. Além disso, reafirmando o que dissemos no capítulo anterior, outras
perspectivas teóricas têm sido consideradas no ensino. São elas: o construtivismo
piagetiano e a psicogênese da linguagem escrita, desenvolvida por Emília Ferreiro e
Ana Teberosky (1986); a teoria sócio-histórica de Vygotsky e o desenvolvimento da
escrita na criança, segundo estudos de Vygotsky, Luria e Leontiev (2001), dentre
outros autores; as metodologias de ensino da língua segundo a pedagogia de
Celestin Freinet (1997); e outros modos de ensinar, motivados também pelo conjunto
de iniciativas estaduais e municipais, tais como a Constituição Brasileira de 1988, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9394/96), os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e, em seguida, para o Ensino
Médio, documentos relacionados com estudos e pesquisas acadêmicas sobre
educação, alfabetização e ensino da Língua Portuguesa.
Tecidas essas considerações, e tendo em vista a importância dos pensadores
anteriormente mencionados, apresentamos uma pequena síntese, no quadro a
seguir, com informações relevantes acerca de cada um desses estudiosos citados
até aqui.

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Pensadores relacionados a outras perspectivas teóricas


Emilia Ferreiro, psicolinguista argentina, com base na teoria genética de
Piaget, desenvolveu pesquisas sobre como as crianças constroem o conhecimento
no processo de aquisição da escrita, estabelecendo um marco no desenvolvimento
de estudos sobre o processo de alfabetização, no Brasil. São obras importantes
desta autora: Alfabetização em processo (Cortez Editora e Editora Autores
Associados, 2. ed., 1986) e Psicogênese da língua escrita, em coautoria com Ana
Teberosky, publicado pela Artes Médicas, 1986.
Alexander Luria (1902-1977) realizou estudos especialmente sobre as
relações entre linguagem e desenvolvimento intelectual. Em suas pesquisas,
juntamente com Vygotsky e Leontiev, desenvolve a tese de que os processos
mentais são histórico-culturais em sua origem e demonstra haver alterações
fundamentais no modo de funcionamento psicológico dos sujeitos em decorrência de
processos de alfabetização e escolarização e de mudanças nas formas de trabalho.
Conheça algumas obras de Luria: LURIA, A. R. Desenvolvimento cognitivo: seus
fundamentos culturais e sociais. São Paulo: Ícone, 1990; LURIA, A. R. Curso de
psicologia geral, 4 v., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
Ana Teberosky, também argentina, doutora em psicologia e docente do
Departamento de Psicologia Evolutiva e de Educação da Universidade de Barcelona,
é reconhecida por suas pesquisas sobre alfabetização. Além de Psicogênese da
língua escrita, trabalho realizado em conjunto com Emília Ferreiro, tem publicadas,
dentre outras obras, Psicopedagogia da linguagem escrita (Trajetória/1989),
Aprendendo a escrever (Ática, 1994) e Além da alfabetização, em coautoria com
Tolchinsky, L. (Ática, 1995).
Lev Vygotsky (1896-1934), como já mencionamos, explicou pela perspectiva
do campo da psicologia a constituição histórico-social do desenvolvimento humano
no processo de apropriação da cultura mediante a comunicação com outras pessoas,
em que na mediação da linguagem os signos adquirem significado e sentido
(VYGOTSKY, 1984, p. 59-65). Conheça algumas obras de Vygotsky: VYGOTSKY,
L. V. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991; VIGOTSKI,
L. V. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001;
VYGOTSKY, L. V. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,

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1991; VYGOTSKY, L. V.; LÚRIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem,


desenvolvimento e aprendizagem. 9. ed. São Paulo: Ícone, 2001.

Pensadores relacionados a outras perspectivas teóricas

Alexei Leontiev (1903-1979) desenvolveu o conceito de atividade, pesquisou


os vínculos entre os processos da mente e a atividade humana concreta. Explicou
que na relação ativa do sujeito com o objeto, a atividade se concretiza por meio de
ações, operações e tarefas, suscitadas por necessidades e motivos. Para ele, uma
atividade distingue-se de outra pelo seu objeto e se realiza nas ações dirigidas a este
objeto. Desse modo, a atividade humana não pode existir a não ser em forma de
ações ou grupos de ações que lhes são correspondentes. A atividade laboral se
manifesta em ações laborais, a atividade didática em ações de aprendizagem, a
atividade de comunicação em ações de comunicação e assim por diante.
(LEONTIEV, 1983). Conheça alguns trabalhos de Leontiev: LEONTIEV, A. N. O
desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes, 1978; LEONTIEV, A. N.
Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VYGOTSKY,
L.V.; LÚRIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
9. ed. São Paulo: Ícone, 2001. Esta última é uma obra clássica dos três autores,
Vygotsky, Luria e Leontiev.
Celestin Freinet (1896 -1966) desenvolveu uma pedagogia que tem como
base a aprendizagem através da experiência real do aluno. As práticas de elaboração
de jornal escolar, troca de correspondências, trabalhos em grupo, aula-passeio já
eram defendidas por ele nos anos de 1920 (século passado). São obras deste autor
os três volumes: Método Natural I: a aprendizagem da língua; Método Natural II: A
aprendizagem do desenho; Método Natural III: A aprendizagem da escrita, todos
publicados pela Editorial Estampa, Lisboa, 1997.
Havemos de considerar, ainda, na história do desenvolvimento do processo
educacional brasileiro, que a crescente urbanização da população brasileira tem
trazido à escola número crescente de crianças de classes sociais desprivilegiadas e
com cultura e variedades linguísticas distintas daquelas praticadas até então no
ambiente escolar. Ademais, a ampliação da obrigatoriedade do ensino para nove
anos tem reforçado essa situação. Esses fatores, aliados à divulgação pela mídia

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dos resultados das avaliações nacionais de alunos e cursos, sem uma análise das
variáveis que interferem nesses dados, continuam perpetuando o fracasso da escola.
Assim como diferentes teorias filosófico-educacionais, as mudanças na
sociedade têm repercussão na esfera educativa. Isso, evidentemente, requer dos
professores posicionamentos e reflexões diante do que se está atualizando ou
mudando. Há sempre uma cobrança de trabalho de qualidade, por parte da
sociedade, e as políticas públicas, como já dissemos, ainda não chegaram em nível
de resgatar a valorização do profissional da educação. Os salários continuam aquém
do piso salarial de outras profissões e não tem havido estímulos à construção de
ambientes de trabalho que favoreçam o desenvolvimento de projetos pedagógicos
com continuidade, capazes de promover mudanças significativas na formação dos
alunos. Por outro lado, há larga produção de material bibliográfico, tanto para
professores como para alunos, e a maioria das escolas dispõe de internet, o que
possibilita acessar a vasta produção de bibliografia digital. O ambiente virtual oferece
ainda sites educativos, destinados exclusivamente a professores, portais
institucionais, os quais possibilitam a atualização constante.
Pensar no ensino de Língua Portuguesa e Literatura implica, portanto,
considerar todas as questões mencionadas, levando em conta, sobremaneira, o
avanço tecnológico que vem propiciando novos modos de sentir, de ver e de pensar
as realidades vivenciadas. A internet chegou às escolas e temos outro desafio:
incorporá-la como ferramenta imprescindível de acesso à informação e à produção
de conhecimento. Afinal, nesse meio encontram-se instrumentos básicos de
trabalho, de desenvolvimento social, de participação política, além de possibilitar o
domínio de competências capazes de proporcionar práticas de letramento contínuo,
entendidas como atividades estruturantes do “pensamento-linguagem” e da cultura
(SILVA, 2003, p. 13).
O contexto cultural, econômico, científico e educacional impõe, por
conseguinte, que a prática pedagógica incorpore, principalmente no que diz respeito
ao ensino de Língua Portuguesa e Literatura, outros conceitos, tais como os de
letramento e de gêneros do discurso. Como explicitado anteriormente, entendemos
por letramento “[...] o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever,
mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 1998, p. 47);
e por gêneros do discurso, os tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN,

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2003, p. 262), ou seja, os enunciados orais e escritos, concretos e únicos


proferidos pelos falantes de acordo com as condições específicas e as finalidades de
cada atividade humana. Esses conceitos reafirmam, então, a palavra em uso, em
sua condição concreta de existência.

DIRETRIZES OFICIAIS PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E


LITERATURA

Neste capítulo vamos tratar dos documentos que têm sido referência para o
ensino de Língua Portuguesa e Literatura em nossas escolas. Eles visam a orientar
gestores escolares e professores no planejamento das ações educacionais e
atividades de sala de aula.
O ensino público no Brasil, como já vimos, é regido por leis específicas. A lei
mais importante, atualmente, é a Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
denominada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que
estabelece da educação em todos os níveis. Ela institui os dois níveis de educação
que temos hoje: a educação básica, formada pela educação infantil e pelo Ensino
Fundamental e Médio; e a educação superior.
Para atender aos princípios e objetivos estabelecidos nesta lei, o artigo 9o da
LDB estabelece que a União, os Estados e os Municípios devem elaborar, em
cooperação, o Plano Nacional de Educação (PNE), para um período de 10 anos,
estabelecendo metas para a década em questão. O PNE em vigor foi elaborado em
2001, com prazo até 2010. Destacamos que duas metas do PNE foram alcançadas
nesse período: a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos e o aprimoramento
dos sistemas de informação e avaliação.
Para poder avaliar a qualidade do ensino no Brasil, foram criados a Prova
Brasil e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que são exames
complementares. Essas avaliações são diagnósticas e visam a orientar o ensino para
que se tenha educação de mais qualidade, por meio de possíveis mudanças das
políticas públicas e de paradigmas utilizados nas escolas de Ensino Fundamental e
Médio.
A Prova Brasil é aplicada a cada dois anos, para quase todas as crianças e
jovens matriculados na quarta e na oitava séries (quinto e nono ano). A primeira

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Língua Portuguesa e Literatura

aplicação ocorreu em 2005, depois em 2007, e a última foi em 2009. Ela visa a medir
as competências relacionadas à leitura e aos conhecimentos de matemática.
Por serem instrumentos de avaliação de amplitude nacional, tanto a Prova
Brasil quanto o Saeb exigem a construção de uma matriz de referência, para a
elaboração e avaliação dos testes que lhes confiram transparência e legitimidade,
informando aos envolvidos, professores e alunos, o que e como o ensino e a
aprendizagem serão avaliados. Essas matrizes têm por referência os Parâmetros
Curriculares Nacionais e, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), também foram consultados professores
regentes de classe de diferentes redes de ensino municipal, estadual e privado.
Hoje, portanto, são documentos de referência para o ensino da Língua
Portuguesa o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), a Prova Brasil, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e os documentos dos estados e
municípios, que são as Propostas Curriculares Estaduais e Municipais.
Dentre as Propostas Curriculares de interesse para esta disciplina de
Metodologia do Ensino de Português e Literatura, destacamos aquelas cujos estados
e municípios estão envolvidos no curso de EaD, Letras/ Português: Proposta
Curricular de Santa Catarina, Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná
e Proposta Curricular – CBC (Conteúdo Básico Comum) de Minas Gerais. Além das
propostas estaduais, alguns municípios e a federação elaboraram seu Plano
Municipal de Educação, e Pato Branco, no Paraná, é um deles.
No caso dos documentos que orientam o ensino de Língua Portuguesa e
Literatura no Ensino Fundamental e Médio, vamos destacar, de modo genérico, o
que estabelecem os documentos com relação a objetivos, conteúdos, metodologias
e formas de avaliação. Com relação aos objetivos de ensino, os Parâmetros
Curriculares Nacionais para os anos finais do Ensino Fundamental estabelecem o
seguinte:
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola
dever organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o
domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem,
levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do
locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade
ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar,

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a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as


dimensões pragmática, semântica e gramatical. (BRASIL, 1998, p. 49).
Esse objetivo mais amplo orienta, então, o estabelecimento dos objetivos
específicos quanto às diferentes modalidades da língua: oralidade, escuta e leitura,
produção oral e escrita de textos e análise linguística, todas considerando a
linguagem em uso, ou seja, os diferentes gêneros discursivos que circulam nos
diferentes campos da atividade humana.
Esses objetivos sustentam-se na concepção de linguagem como forma de
interação humana e a de aprendizagem na perspectiva vygotskyana. Assim,
Ao organizar o ensino, é fundamental que o professor tenha instrumentos para
descrever a competência discursiva de seus alunos, no que diz respeito a: escuta,
leitura e produção de textos, de tal forma que não planeje o trabalho em função de
um aluno ideal para o ciclo, muitas vezes padronizado pelos manuais didáticos, sob
pena de ensinar o que os alunos já sabem ou apresentar situações muito aquém de
suas possibilidades e, dessa forma, não contribuir para o avanço necessário. Nessa
perspectiva, pode-se dizer que a boa situação de aprendizagem é aquela que
apresenta conteúdos novos ou possibilidades de aprofundamento de conteúdos já
tematizados, estando ancorada em conteúdos já constituídos. Organizá-la requer
que o professor tenha clareza das finalidades colocadas para o ensino e dos
conhecimentos que precisam ser construídos para alcançá-las. (BRASIL, 1998, p.
48).
Vejamos o que diz a Proposta Curricular de Santa Catarina. A orientação
teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina tem por fundamento a psicologia
histórico-cultural de Vygotsky e a concepção de linguagem de Bakhtin. A linguagem
– sob o ponto de vista de suas múltiplas funções – é considerada uma prática social,
ou seja, é acontecimento social, uma forma de interação. (BAKHTIN, 1990). Da
mesma forma que os PCNs, essa proposta orienta-se com base na concepção
interacionista da linguagem, portanto, pela teoria do dialogismo – Bakhtin (1990).
As Diretrizes da Educação Básica do Paraná seguem a mesma orientação
teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina; vejamos: “O ensino-aprendizagem
de Língua Portuguesa visa aprimorar os conhecimentos linguísticos e discursivos dos
alunos, para que eles possam compreender os discursos que os cercam e terem
condições de interagir com esses discursos” (PARANÁ, 2009, p. 50).

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Os documentos, de modo geral, consideram a escola um espaço de promoção


do letramento do aluno. Nela, as práticas de uso da língua se dão por meio de
diferentes gêneros discursivos, com diferentes funções sociais.
A Proposta Curricular de Minas Gerais, nas suas diretrizes pedagógicas para
o Ensino Fundamental do 6o ao 9o ano, estrutura-se com base nos mesmos
fundamentos teóricos das propostas curriculares de Santa Catarina e do Paraná.
Desse conjunto de diretrizes, destacamos as razões para ensinarmos Língua
Portuguesa na escola expostas na Proposta Curricular de Minas Gerais:
[...] ensinamos linguagem, não para “descobrir” o verdadeiro significado das
palavras ou dos textos, nem para conhecer estruturas abstratas e regras de
gramática, mas para construir sentidos, sempre negociados e compartilhados, em
nossas interações. Nosso conceito de natureza e de sociedade, de realidade e de
verdade, nossas teorias científicas e valores, enfim, a memória coletiva de nossa
humanidade está depositada nos discursos que circulam na sociedade e nos textos
que os materializam. Textos feitos de gestos, de formas, de cores, de sons e,
sobretudo, de palavras de uma língua ou idioma particular. Assim, a primeira razão
e sentido para aprender e ensinar a disciplina está no fato de considerarmos a
linguagem como constitutiva de nossa identidade como seres humanos, e a língua
portuguesa como constitutiva de nossa identidade sociocultural. (MINAS GERAIS,
2006, p. 12).
A linguagem é compreendida, nas propostas curriculares desses Estados,
como prática social, como atividade discursiva por meio da qual os usuários se
constituem sujeitos do discurso, desenvolvendo habilidades sociocognitivas e
apropriando-se de conhecimentos e de culturas necessárias à sua inserção no meio
em que vivem. Consta na proposta de Minas Gerais:
Ao se constituir e se realizar no espaço eu-tu-nós, sempre concreto e
contextualizado, a linguagem nos constitui como sujeitos de discurso e nos posiciona,
do ponto de vista político, social, cultural, ético e estético, frente aos discursos que
circulam na sociedade. A língua não é um todo homogêneo, mas um conjunto
heterogêneo, múltiplo e mutável de variedades, com marcas de classes e posições
sociais, de gêneros e etnias, de ideologias, éticas e estéticas determinadas. Nesse
sentido, ensinar e aprender linguagem significa defrontar-se com as marcas
discursivas das diferentes identidades presentes nas variedades linguísticas.

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Língua Portuguesa e Literatura

Significa tornar essas variedades objeto de compreensão e apreciação, numa visão


despida de preconceitos e atenta ao jogo de poder que se manifesta na linguagem e
pela linguagem. Não podemos deixar de lembrar aqui as razões que devem nortear
nosso papel como mediadores das experiências dos alunos com a interlocução
literária. O sentido do ensino e da aprendizagem impõe a ampliação de horizontes,
de forma a reconhecer as dimensões estéticas e éticas da atividade humana de
linguagem, só ela é capaz de tornar desejada a leitura de poemas e narrativas
ficcionais. É essencial propiciar aos alunos a interlocução com o discurso literário
que, confessando-se como ficção, nos dá o poder de experimentar o inusitado, de
ver o cotidiano com os olhos da imaginação, proporcionando-nos compreensões
mais profundas de nós mesmos, dos outros e da vida. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).
Os objetivos de ensino expressos nos diferentes documentos de referência
definem como objeto do ensino da Língua Portuguesa aquele por nós já mencionado:
a linguagem em uso, ou seja, os textos orais e escritos que nós mesmos produzimos,
que são produzidos por outros na sociedade de modo geral, os que circulam em
nosso meio, aqueles dos quais fazemos uso para nos informar, para formar e
partilhar opiniões, para nos orientar, para lazer, para informar alguém, para emitir
opinião, para registrar nossas memórias, para expressar ideias e sentimentos, para
produzir cultura, enfim todas as formas de linguagem verbal que constituem nossa
humanidade.

Elegendo os diferentes textos, os quais materializam gêneros que são


produzidos nos diferentes campos da atividade humana, o conteúdo do ensino é a
própria linguagem verbal, os recursos que ela oferece para que se produzam esses
gêneros, a sua gramática, como ela se estrutura para tornar possível a interação
entre os falantes. Na língua têm-se, então, os estudos no eixo sintagmático, que
tratam da combinação das palavras para formar sentenças; os estudos no eixo
paradigmático, que tratam das palavras enquanto “unidades da língua que
apresentam certa autonomia formal” (MARGOTTI, 2008); os estudos gramaticais de
modo geral, conhecimentos e conceitos que possibilitam a descrição e a análise da
língua sob diferentes abordagens (formal, funcional); os estudos sobre texto,
textualidade e padrões de textualidade; os conhecimentos de sociolinguística, que

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possibilitam compreender as relações entre as formas da língua e os diferentes


grupos sociais que as utilizam; e conhecimentos sobre a linguagem literária.

Certamente todos esses estudos científicos são importantes para o professor,


que, ao deles se apropriar, será capaz de fazer a mediação entre os conhecimentos
que os alunos já possuem e aqueles de que ainda necessitam ter o domínio para
tornarem-se sempre mais capazes de ler e escrever de modo competente e
adequado nas mais variadas situações em que a língua é requerida socialmente.
Tais conhecimentos propiciarão ao professor avaliar o nível de conhecimento dos
alunos no que diz respeito às diferentes modalidades da língua (a escuta, a leitura e
a produção de textos orais e escritos), de tal forma que o processo de ensino ancore-
se em conteúdos já apreendidos e aprofunde-os ou avance na aprendizagem de
novos conteúdos, segundo os objetivos de ensino e aprendizagem para dada
situação.
Em se tratando do ensino da linguagem em uso, os conteúdos serão
trabalhados não em séries ordenadas por assuntos, mas sim, usando termos dos
PCNs, de forma espiralada e progressiva. Podemos, portanto, sintetizar os objetivos
do ensino de Língua Portuguesa e Literatura nos anos finais do Ensino Fundamental
com o que dizem os PCNs (BRASIL, 1998, p.22):
O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico
e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas
pela linguagem. Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe:
planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos
e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula
situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua
especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que
a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem
acontecem e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em
função de sua finalidade: o ensino.
Nessa perspectiva de ensino, na qual o professor é o interlocutor privilegiado
nas situações de uso da linguagem, os PCNs enfatizam que o aluno dos anos finais
do Ensino Fundamental é o jovem adolescente cujo processo de desenvolvimento
caracteriza-se, dentre outros fatores, pela ampliação das formas de raciocínio,

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organização e representação, de expressão de observações e opiniões. Do mesmo


modo, é característico o desenvolvimento da capacidade de investigação,
levantamento de hipóteses, abstração, análise e síntese na direção de raciocínio
cada vez mais formal, o que traz a possibilidade de constituição de conceitos mais
próximos dos científicos. É característico ainda dessa fase de desenvolvimento um
tipo de comportamento tomado de valores específicos dessa faixa de idade, os quais
atuam como forma de identidade em relação ao lugar que esses jovens adolescentes
ocupam na sociedade e nas relações que estabelecem com os adultos e seus pares.
Tais valores se evidenciam, principalmente, no tipo de linguagem em que há a
incorporação e criação de modismos, uso de vocabulário específico, formas de
expressão adotadas em função da atividade exercida – é o caso dos surfistas,
esqueitistas, funkeiros, etc. –, caracterizadas como falas típicas de determinados
grupos. Por essa razão, o trabalho com a linguagem, esta entendida como
constitutiva e constituidora do sujeito, impõe que a reflexão seja uma constante, a
fim de permitir o reconhecimento, pelo adolescente, da própria linguagem e de seu
lugar no mundo, bem como a percepção das outras formas de organização do
discurso, principalmente daquelas dos textos escritos.
A prática de reflexão sobre a língua – análise linguística –, atividade constante
em todo o processo de ensino e aprendizagem, visa, então, ao desenvolvimento da
capacidade de o aluno produzir e interpretar textos, na participação em práticas
sociais que se utilizam da leitura e da escrita, de modo ético, crítico, criativo e
democrático. Em se tratando de prática de análise linguística, no ensino dos anos
iniciais, por exemplo, priorizamos atividades epilinguísticas em que a reflexão se
volta para o uso, para o interior da própria atividade, como tomada de consciência da
própria produção e interpretação. Já nos anos finais, em que se espera que os alunos
tenham se apropriado de conhecimentos que lhes possibilitem produzir discursos
orais e escritos, para responder às demandas das esferas de comunicação mais
próximas de seu cotidiano, atividades metalinguísticas fazem-se necessárias para
que o domínio de conhecimentos sobre a linguagem possibilite a expansão dos níveis
de letramento escolar dos alunos. As atividades metalinguísticas são aquelas
voltadas à descrição, sistematização e categorização dos elementos de que se
compõe a língua.

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Língua Portuguesa e Literatura

Em relação ao Ensino Médio, a LDB/5692/71 indicava que a língua portuguesa


fosse ministrada em duas disciplinas assim nominadas: Língua Portuguesa e
Literatura, com ênfase na literatura brasileira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio PCNEM, apoiados na LDB/9394/2006, em vigor, concebem a
organização curricular deste nível de ensino dispostas em três grandes áreas:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. O ensino da Língua
Portuguesa e de Literatura insere-se, por conseguinte, na área de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2000, p. 17). A natureza social e interativa da
linguagem é enfatizada nos PCNEMs e não mais se compreende a literatura
separada da língua, pois ela é da mesma forma compreendida como representação
simbólica das experiências humanas manifestas nas diferentes formas de sentir,
pensar e agir na vida social.
A LDB 9394/1996, no artigo 35, estabelece as seguintes finalidades para o
Ensino Médio:
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração de três
anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento
de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática,
no ensino de cada disciplina. (BRASIL, 1996, não paginado).
Este nível de ensino requer, então, prática pedagógica diferenciada daquela
do Ensino Fundamental ao considerar também as competências que se espera
sejam desenvolvidas na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, tais como:
• Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as
diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
• Compreender e usar os sistemas simbólicos das
diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela
constituição de significados, expressão, comunicação e informação.

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Língua Portuguesa e Literatura

• Analisar, interpretar e aplicaros recursos


expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo
com as condições de produção e recepção.
• Compreender e usar a língua portuguesa como língua
materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da
própria identidade. (BRASIL, 2000, p. 8-10).
Em síntese, podemos dizer que no Ensino Médio, como indicam os
documentos mencionados, objetiva-se o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no Ensino Fundamental.
As propostas curriculares estaduais para o Ensino Médio seguem os princípios
dos PCNEMs, enfatizando, no entanto, o cuidado em se continuar trabalhando a
linguagem como construção de sentidos, negociados e compartilhados em nossas
interações verbais. A Proposta Curricular de Minas Gerais representa o que está
posto nas de Santa Catarina e do Paraná em outras palavras:
Nosso conceito de natureza e de sociedade, de realidade e de verdade,
nossas teorias científicas e valores, enfim, a memória coletiva de nossa humanidade
está depositada nos discursos que circulam na sociedade e nos textos que os
materializam. Textos feitos de gestos, de formas, de cores, de sons e, sobretudo, de
palavras de uma língua ou idioma particular. Assim, a primeira razão e sentido para
aprender e ensinar a disciplina está no fato de considerarmos a linguagem como
constitutiva de nossa identidade como seres humanos, e a língua portuguesa como
constitutiva de nossa identidade sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).
A leitura dos PCNs e das propostas curriculares de cada estado,
acompanhada de discussões pelos profissionais da educação, é fundamental para
que o exercício da docência se faça em consonância com os objetivos propostos
nesses documentos. Para organizar o ensino que se pretende desenvolver faz-se
necessário conhecer os documentos oficiais que são referência para esse ensino e
ter clareza dos objetivos pedagógicos a serem atingidos.
Os PCNs+, por exemplo, pressupondo que ao longo do Ensino Fundamental
tenham sido aprendidos conhecimentos básicos sobre o funcionamento da língua
portuguesa, estabelece que

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Língua Portuguesa e Literatura

[...] cabe ao ensino médio oferecer aos estudantes oportunidades de uma


compreensão mais aguçada dos mecanismos que regulam nossa língua, tendo como
ponto de apoio alguns dos produtos mais caros às culturas letradas: textos escritos,
especialmente os literários. As competências e habilidades propostas pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) permitem inferir
que o ensino de Língua Portuguesa, hoje, busca desenvolver no aluno seu potencial
crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua
capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa
cultura. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das
características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para
ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas
inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre amigos,
na escola, no mundo do trabalho. (BRASIL, 2002, p. 55).
A ação pedagógica em sala de aula pressupõe, por conseguinte, a mediação
do professor no sentido de trazer para a sala de aula textos que materializem os
diferentes discursos que circulam socialmente, considerando sempre suas condições
de produção e circulação, e estimular a produção oral e escrita observando os
mesmos critérios. Como salienta Kleiman (2005):
Quanto mais a escola se aproxima das práticas sociais em outras instituições,
[ou de outras práticas de linguagem utilizadas pelos alunos nos corredores da escola,
fora da sala] mais o aluno poderá trazer conhecimentos relevantes das práticas que
já conhece, e mais fáceis serão as adequações, adaptações e transferências que ele
virá a fazer para outras situações da vida real. (KLEIMAN, 2005, p. 23).
Quanto mais significativas forem as atividades de linguagem para os alunos,
melhores serão os resultados do processo de ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa e Literatura.

Metodologia do ensino da Língua Portuguesa e Literatura

Os documentos de referência para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura


nos anos inicias do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, ainda que apresentem
alguma divergência na fundamentação teórica de suas proposições, apontam para o
alcance de objetivo comum à educação oficial: a formação do cidadão capaz de dar

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Língua Portuguesa e Literatura

conta das demandas de uso da linguagem oral e escrita (leitura e escritura) do meio
social em que se insere, de forma crítica e criativa. Da mesma forma, os documentos
propõem que os conteúdos não sejam ensinados como um fim em si mesmos, porém
como “[...] meio para que os alunos desenvolvam capacidades que lhes propiciem
produzir e usufruir os bens culturais, materiais e econômicos” (BRASIL, 1997a, p.
73). Assim, estarão “[...] ampliando o domínio ativo do discurso nas diferentes
situações
Buscando sintetizar o que dizem os documentos de referência sobre o ensino
de Língua Portuguesa e Literatura e no intuito de orientar a ação docente, propomos
encaminhamentos por meio dos quais julgamos ser possível contribuir para que a
formação desse sujeito, pela e na interação com o outro, mediada pela linguagem,
possa exercer de forma crítica e criativa sua cidadania.
Assim, não faremos distinção entre metodologias para os anos finais do
Ensino Fundamental e o Ensino Médio, nem proporemos formas de avaliação
específicas para um ou outro ensino. Apenas procuraremos traçar certos princípios
que orientem a atividade da docência em Língua Portuguesa e Literatura, indicando
o que se considera adequado à consecução dos objetivos propostos, frente à
produção acadêmico científica, pedagógica e aos documentos oficiais em circulação
na nossa contemporaneidade.
As mudanças na área da educação a partir da década de 1990, ocasionadas,
dentre outros fatores, pelas teorias filosófico-educacionais e linguísticas que passam
a sustentar os documentos orientadores do ensino, conforme já referido em capítulo
precedente, vêm acompanhadas também de discussão, iniciada na Europa, mais
precisamente na França, sobre os conceitos de transposição didática
(CHEVALLARD, 1985; 1991) e de elaboração didática (HALTÈ, 1998).

As mudanças no ensino de língua fazem-se sentir principalmente em virtude


dos estudos de Bakhtin, que desenvolve a teoria dos gêneros do discurso, baseada
em concepção de língua como interação verbal. No ensino da Língua Portuguesa,
em nosso caso, tem-se alteração significativa, tanto no que se refere ao objeto de
ensino, como mencionado anteriormente, como às metodologias, passando-se do
ensino centrado na gramática para a inserção de atividades de oralidade, escuta e
leitura e de produção textual, oral e escrita e análise linguística.

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Os professores necessitam, portanto, apropriarem-se desses saberes


acadêmico-científicos para ensiná-los. Porém, ao convertê-los em objetos de ensino,
precisam modificá-los, ou seja, convertê-los em conteúdos curriculares. Essa
interface entre a produção acadêmico-científica sobre a língua e os conteúdos a
serem “didatizados” é o que se denomina transposição didática – o saber se
transforma em objeto de ensino “ensinável”, em condições de ser aprendido pelo
aluno (CHEVALLARD, 1985).
A esse conceito de transposição didática, Haltè (1998) contrapõe o conceito
de elaboração didática. Esse autor, tomando como exemplo o ensino de francês,
destaca a complexidade do objeto de ensino da língua, “que coloca em circulação
conhecimentos de categorias que se interpenetram, pois envolvem conhecimentos
científicos, práticas de referência, conhecimentos especializados e conhecimentos
gerais” (RODRIGUES, 2009, p. 135). Para Haltè (1998, p. 191 apud RODRIGUES,
2009, p. 135), “[...] a noção de transposição didática preconiza o aplicacionismo, a
partir de um processo descendente do conhecimento científico para o conhecimento
a ser ensinado, purificando os objetos de ensino e provocando uma perda de sentido
para os aprendizes”. Já a elaboração didática dos conhecimentos a serem ensinados
e aprendidos preconiza um ensino que o autor denomina implicacionista, operacional
e reflexivo; uma didática praxiológica, fundada na pluralidade de saberes de
referência e, por isso, na participação do professor e do aluno, pois é preciso
selecionar, interagir, operacionalizar e solidarizar, “[...] mais do que transpor
conhecimento científico para conhecimento a ser ensinado” (RODRIGUES, 2009, p.
137).
Nesse sentido, o ensino de língua e literatura, ancorado em perspectiva
histórico-interacionista, como indicam os currículos oficiais, encontra na elaboração
didática suporte teórico-metodológico para o seu acontecimento. Segundo Rodrigues
(2008, p. 172), “A opção teórico-metodológica é [...] sempre construí-la no decurso
da própria elaboração didática (HALTÈ, 1998), por meio das atividades de ensino
aprendizagem de leitura-estudo do texto, produção textual, de produção textual e de
análise linguística”. A autora apresenta proposta de elaboração didática, em seis
passos, que sintetizaremos a seguir:

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Síntese das etapas de um processo de ELABORAÇÃO DIDÁTICA, segundo


RODRIGUES, 2008.
“1º. Busca de conhecimento de referência sobre o gênero do discurso: o
objetivo é dar sustentação teórica ao professor. [Nesta etapa o professor procurará
obter o maior número possível de conhecimentos sobre o gênero ou os gêneros de
um determinado campo de atividade].
2º. Seleção de textos (verbais orais e escritos ou em outro material semiótico):
o objetivo é compor um pequeno banco de dados para o trabalho com leitura em sala
de aula. [Organizando esse banco de dados, o professor poderá trabalhar com textos
diferentes que representem a relativa estabilidade e a heterogeneidade do gênero
em estudo].
3º. Prática de leitura do texto como enunciado: objetivo é colocar o aluno na
posição de interlocutor do enunciado do gênero em foco. [A leitura, sempre que
possível, será feita observando-se o espaço material de produção e a recepção
desejável àquele gênero – para um texto de jornal, lê-se o texto no jornal em que se
insere ou online; um capítulo de livro, lê-se no livro em que foi publicado].
4º. Prática de leitura-estudo do texto e do gênero: essa prática analítica de
leitura (prática de análise linguística 1[a autora denomina prática de análise
linguística 1 a leitura-estudo do texto e do gênero para o levantamento das
características do gênero]) é feita a partir dos textos do banco de dados, ou seja, de
textos não redigidos pelo aluno.
5º. Prática de produção textual: nessa etapa, o objetivo é, na medida do
possível, colocar o aluno em uma situação de interação o mais próxima possível do
gênero em questão, isto é, o aluno é instado a assumir a autoria do gênero e a
construir o seu projeto discursivo, levando em conta as condições do gênero e o
interlocutor do seu enunciado.
6º. Prática de revisão e reescritura de textos: [nesta etapa é feita] a revisão,
via prática de análise linguística 2 [a autora denomina prática de análise linguística 2
o momento em que no processo de reescritura dos textos dos alunos são exploradas
as características do gênero já vistas nas atividades de leitura e de produção textual],
[que] toma como parâmetro a prática de análise linguística 1 e a atividade de
produção textual proposta”. (RODRIGUES, 2008, p. 172-173).

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Os princípios destacados para a opção por uma metodologia de ensino de


elaboração didática reforçam o pressuposto de que “é preciso planejamento da
atividade docente”. Um planejamento bem elaborado possibilita que o professor
antecipe situações capazes de propiciar ao aluno a aprendizagem e o
desenvolvimento do domínio de conhecimentos de linguagem e seus usos sociais,
evitando principalmente a perda de tempo e de rumo na condução do processo de
ensino e aprendizagem.
Roxane Rojo também vem se dedicando à formação de professores,
notadamente no que diz respeito à transposição da teoria de Bakhtin para as salas
de aula. Em seu texto Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula:
progressão curricular e projetos (2000), chama a atenção para questões importantes,
principalmente face aos princípios organizadores dos conteúdos de Língua
Portuguesa e dos critérios para a sequenciação desses conteúdos, e face às
organizações didáticas especiais, tais como projetos e módulos didáticos, como os
apresentados pelos PCNs e “dialogados” com outras propostas de ensino. A autora,
com relação aos conteúdos de Língua Portuguesa, apresenta como possibilidade a
sua organização sob a forma de dois eixos: o eixo do USO e o da REFLEXÃO sobre
a língua, e salienta:
[...] os conteúdos indicados para as práticas do eixo do uso da linguagem são
eminentemente enunciativos [...] o texto é visto como unidade de ensino e os gêneros
textuais como objetos de ensino. [...] os conteúdos [...] do eixo da reflexão sobre a
língua e a linguagem abrangem aspectos ligados à variação linguística; à
organização estrutural dos enunciados; aos processos de construção da significação;
ao léxico e às redes semânticas e aos modos de organização dos discursos (ROJO,
2000, p. 20 e 30).
Nessa perspectiva, os objetivos de ensino estão relacionados às
necessidades de aprendizagem. Segundo a autora, nas últimas décadas em nossas
escolas, as práticas de uso e de análise da linguagem têm sido substituídas “[...] pela
simples adoção de um livro didático, que passa a ditar os objetivos de ensino e a
configurar o projeto de ensino aprendizagem” (ROJO, 2000, p. 33). Rojo se põe a
favor da teoria do ensino-aprendizagem de base sócio-histórica vygotskiana e
ressalta a importância de o professor ter esse conhecimento para que possa

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identificar as possibilidades e as necessidades de aprendizagem de seus alunos.


Ademais, a autora pontua que,
[...] por meio da avaliação do desenvolvimento real de seus alunos, [o
professor determinará] quais serão as possibilidades de aprendizagem para cada
objeto de ensino; e [...] uma reflexão sobre as necessidades de aprendizagem, de
um ponto de vista histórico-cultural [...] o levará a eleger os objetos histórico-culturais
que deverão ser propostos para a aprendizagem no desenvolvimento potencial do
aluno, na criação de ZPDs – Zonas Potenciais de Desenvolvimento (ROJO, 2000, p.
33).
Essa relação entre aprendizado e desenvolvimento na perspectiva de
Vygotsky, como base para a concepção de ensino, atende aos objetivos que se
deseja alcançar com o ensino de Língua Portuguesa e Literatura na escola; condição
que aumenta nossa responsabilidade como educadores, pois temos como objetivo
último do ensino o desenvolvimento de capacidades que levem o aluno a usufruir e
a produzir bens culturais, sociais e econômicos.
Para o ensino da Língua Portuguesa e Literatura nessa perspectiva, os PCNs
dessa área propõem “organizações didáticas especiais” (BRASIL, 1998, p. 87), as
quais certamente preveem formas de tratar os conteúdos diferenciadas daquelas que
se costumava adotar em décadas passadas. Dentre as possibilidades para o trabalho
da docência, há em circulação diferentes perspectivas de encaminhamento
metodológico, tais como um ensino por meio de projeto, sequências didáticas,
elaboração didática, transposição didática, etc. Deparamo-nos, pois, com muitos
“modos de ensinar”, e sobre esse tema reservaremos um espaço de discussão
particular nas disciplinas de Estágio Supervisionado I e II.

A avaliação

[...] é recomendável que se amplie a noção de avaliação escolar, revendo a


pertinência de se avaliar exclusivamente um momento específico, como o da prova
bimestral, em função da necessidade de se avaliar todo o processo de aprendizagem
vivido pelos alunos ao longo de uma proposta de trabalho. (BRASIL, 2002, p. 83-84).
As concepções de língua e linguagem e de ensino e aprendizagem, com as
quais vimos trabalhando, requerem um novo posicionamento frente às formas de

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avaliação praticadas em nossas escolas. Se trabalhamos na perspectiva histórico-


cultural, ensinamos com base nos conhecimentos reais dos alunos, ou seja, em suas
necessidades e possibilidades de aprendizagem. A avaliação se institui no processo
do fazer pedagógico, portanto ensino e avaliação caminham juntos, são processos
formativos. Não cabe, no processo de ensino atual, uma avaliação apenas seletiva,
ela necessariamente tem de se dar em função do processo de ensino e
aprendizagem que se deseja desenvolver. Professor e alunos se avaliam e são
avaliados.
O professor realiza a avaliação formativa para saber quais são os saberes já
apropriados pelos estudantes e que atitudes já têm internalizadas para que possa
identificar as possibilidades de ensino e fazer a mediação entre aqueles e os novos
conhecimentos (atuar na zona de desenvolvimento proximal). Ele realiza, no dizer de
Antunes (2003, p. 158), “[...] uma busca dos indícios, dos sinais da trajetória que o
aluno percorreu, o que, por outro lado, serve de sinal [...] de como ele tem de fazer e
por onde tem que continuar”.
Não há um momento específico para a avaliação; todos os momentos são,
evidentemente, possíveis de serem avaliados. Uma concepção diferente de
avaliação faz dela uma oportunidade de reflexão do próprio aluno sobre suas
conquistas e dificuldades, as razões do sucesso e de seus fracassos. Antunes (2003)
propõe, por exemplo, a avaliação como exercício de aprendizagem. Assim, o aluno
aprende a revisar sua própria produção textual, quer oral ou escrita, ao tempo que
vai desenvolvendo também certa autonomia e confiança no uso da linguagem. Os
objetivos do ensino balizam os processos de avaliação.
Vale lembrarmos que os PCNs indicam a avaliação
[...] como instrumento que possibilite ao professor analisar criticamente sua
prática educativa; e, por outro lado, como instrumento que apresente ao aluno a
possibilidade de saber sobre seus avanços, dificuldades e possibilidades [...] deve
ser compreendida como constitutiva da prática educativa, dado que é a análise das
informações obtidas ao longo do processo de aprendizagem – o que os alunos
sabem e como – que possibilita ao professor a organização de sua ação de maneira
adequada e com melhor qualidade. (BRASIL, 2002, p. 93-94).
A avaliação é, portanto, dialógica, pois leva em conta quem ensina, aqueles
para quem se ensina, as relações intrínsecas que se estabelecem entre todos os

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participantes do processo, as condições de desenvolvimento do trabalho pedagógico


e a medida do alcance dos objetivos e de sua intencionalidade.
Na contramão das práticas tradicionais – em que se buscava encontrar os
“erros”, mais do que os “acertos” dos alunos –, o professor de Língua Portuguesa
deve valorizar os ganhos que o estudante obteve ao longo de seu processo de
aprendizagem, baseando-se nas matrizes de competências e habilidades, que
exigem um outro olhar sobre o ensino. (BRASIL, 2002, p. 83-84).
Nessa perspectiva, o professor que, ao receber uma produção escrita do
aluno, devolve-a com apenas um “visto” ou com marcações em vermelho ou com
expressões tipo “Muito bem”, “Razoável” ou outras semelhantes, não compreendeu
o sentido do ensino que desenvolveu. Como interlocutor privilegiado do aluno, em
suas aulas de português, dele é esperada uma resposta coerente, significativa, um
procedimento que diga ao aluno o que ele aprendeu ou o que precisa aprender e o
que precisa fazer para chegar ao alcance dos objetivos propostos para aquela
situação específica. Os PCNs (BRASIL, 2002) estabelecem critérios para o processo
de avaliação; tais critérios, no entanto, não podem ser tomados isoladamente. Eles
são considerados na elaboração dos projetos de trabalho segundo a intencionalidade
da proposta a ser desenvolvida e visam, sobremaneira, a orientar o processo de
avaliação no sentido da progressão do desenvolvimento dos alunos, para que se
tenha sempre mais um ensino de qualidade e alunos sempre mais competentes no
uso da língua oral e escrita.
Procuramos traçar um breve panorama sobre questões que envolvem a
formação do professor de Língua Portuguesa e o desenvolvimento da disciplina de
língua e literatura, mostrando que nessa construção toda nós somos parte, quer
como professores, quer como estudantes, nos diferentes níveis de ensino.
Procuramos expor possibilidades de um fazer pedagógico no qual alunos e
professores sejam interlocutores reais, considerando que não há mais espaço para
relações de faz de conta, pois a sociedade centrada na escrita exige dos cidadãos
domínio crescente desse sistema simbólico de mediação humana que é a linguagem.
Apresentamos os documentos que são recursos importantes de apoio ao
professor em suas aulas, pois eles tratam de objetivos, conteúdos, metodologias,
avaliação e indicam bibliografia atualizada sobre o fazer pedagógico.

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Língua Portuguesa e Literatura

Nos capítulos que seguem, serão abordadas questões sobre a leitura, o papel
da escola e do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores, a
especificidade da leitura literária no espaço escolar, o ensino da escrita na escola, a
análise linguística e o ensino da gramática.
Viremos outras páginas e escutemos novas vozes neste livro e fora dele: “[...]
Quando eu comecei na faculdade, eu tinha uma visão, trabalhava observando o livro
didático, era o meu limite. E a faculdade me fez enxergar além, assim oh!”.
Esperamos que a voz dessa professora encoraje-nos a alçar voos nessa trajetória
de formação.
A LEITURA NA ESCOLA

Discutiremos agora o papel da leitura na disciplina Metodologia do Ensino de


Língua Portuguesa e Literatura. No primeiro capítulo, apresentaremos uma breve
discussão a respeito do que entendemos ser “leitor”. No segundo capítulo,
refletiremos sobre o papel da escola na formação de leitores e, mais especificamente,
sobre o papel do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores. No terceiro
capítulo, abordaremos algumas concepções de leitura que existem nesse campo de
pesquisa com ênfase na concepção que adotamos para a discussão deste material
pedagógico e, ainda, discutiremos os objetivos para o trabalho com a leitura,
apontando alguns caminhos/ estratégias para desenvolver atividades de leitura em
sala de aula.
Os objetivos desta unidade são, portanto:
• Discutir sobre o que é ser leitor;
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Língua Portuguesa e Literatura

• Refletir sobre o papel da escola e do professor de Língua Portuguesa


na formação de leitores;
• Apresentar algumas concepções de leitura;
• Identificar os objetivos para o trabalho com a leitura;
• Apontar caminhos/estratégias para desenvolver atividades de leitura em
sala de aula.

O que é ser leitor?

Você já se perguntou o que é ser leitor?


Você é um(a) leitor(a)? Sempre foi? Quais são
suas memórias de leitura? Faça um exercício e
tente recuperar suas memórias de leitura:
recorde-se das histórias que leu, das capas e
suas cores, do cheiro dos livros...
É sempre interessante, independente da
série e da idade dos alunos com quem estamos
trabalhando nas aulas de Língua Portuguesa, retomar/recordar as suas memórias de
leitura, para poder partir do que eles já conhecem e do que precisam conhecer.
Será que nós e nossos alunos passamos a ser leitores apenas quando
conseguimos decifrar os sinais gráficos, ou já somos leitores das imagens, das cores,
dos cheiros, do mundo que nos rodeia?
Você se sentiu leitor apenas depois que passou a dominar o código escrito?
Parece que não. Se observarmos, a criança desde muito cedo lê o mundo que a
rodeia e somente mais tarde consegue atribuir sentido ao código escrito, portanto,
neste momento já tem o domínio da leitura de mundo que [...] precede sempre a
leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele [...] este
movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente.
Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele
fazemos. (FREIRE, 2003, p. 20).
O exercício de rememorar as leituras realizadas na infância foi concretizado
por vários escritores e compositores que trouxeram para as suas palavras inventadas
a sua infância reinventada. Caetano Veloso, na letra de sua composição Livros,

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(re)escreve sobre sua história de leitura e a importância que o livro, tanto seu
conteúdo escrito como sua materialidade, teve em sua vida:
Quase não tínhamos livros em casa / E a cidade não tinha livraria / Mas os
livros que em nossa vida entraram / São como a radiação de um corpo negro
/Apontando para a expansão do Universo / Porque a frase, o conceito, o enredo, o
verso / (E, sem dúvida, sobretudo o verso) / É o que pode lançar mundos no mundo.
(VELOSO, 1997).
As dificuldades de acesso ao objeto livro também aparecem no conto
“Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector. A menina (porventura podemos
imaginar Clarice) corre pelas ruas do Recife em busca do tão almejado livro:
Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, que lhe escorrega sistematicamente
das mãos pelo não empréstimo da amiga perversa. Quando a protagonista enfim se
apodera do livro, a leitura é protelada e temos toda uma descrição de afeto e gesto
de amorosidade na relação da menina com o livro: “Às vezes sentava-me na rede,
balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não
era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”
(LISPECTOR, 1996).
Encontramos na produção poética de Carlos Drummond de Andrade várias
incursões pelo seu mundo iniciático da leitura. Poderíamos dizer que ele vai deixando
escorregar de seus poemas uma memória de leitura. No poema “Iniciação literária”,
observa-se a relação entre a leitura ficcional de Júlio Verne em contraposição ao livro
Cultura dos campos, de Assis Brasil:
Como quem diz: Navios... sair pelo mundo voando na capa vermelha de Júlio
Verne. Mas por que me deram para livro escolar a Cultura dos Campos de Assis
Brasil? O mundo é só fosfatos – lotes de 25 hectares – soja – fumo – alfafa – batata
doce – mandioca – pastos de cria – pastos de engorda. Se algum dia eu for rei,
baixarei um decreto condenando este Assis a ler a sua obra. (ANDRADE, 1973, p.
126).
No poema “Assinantes” (ANDRADE, 1973, p. 127), somos apresentados a
dois meninos assinantes da Revista Tico-tico, o que lhes qualifica e lhes dá um grau
de importância na pequena cidade; em “Infância” (ANDRADE, 1999, p. 10-11), o
poeta contrapõe seu cotidiano familiar à leitura de Robinson Crusoé; em “Biblioteca

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verde”, o menino leitor descobre, nos 24 exemplares da Biblioteca Internacional de


Obras Célebres, a leitura pelos sentidos:
Chega cheirando a papel novo, mata de pinheiros toda verde [...] Antes de ler,
que bom passar a mão / No som da percalina, esse cristal / De fluida transparência:
verde, verde. / Amanhã começo a ler. Agora não. / Agora quero ver figuras. Todas
[...] Como te devoro, verde pastagem. (ANDRADE, 1973, p. 129-130).
Olfato, tato, audição, visão e gustação são sentidos que entram em ação na
leitura do menino poeta. Como expusemos anteriormente, todos nós carregamos
uma memória de leitura, por isso é fundamental que conheçamos a experiência de
vida dos nossos alunos, o conhecimento e a leitura de mundo que eles trazem para
a sala de aula, já que todo esse saber deverá ser levado em conta no trabalho de
leitura que será realizado.
Concordamos, por isso, com Antunes (2009, p. 201) quando afirma que “[...]
formar leitores, desenvolver competências em leitura e escrita é uma tarefa que a
escola tem que priorizar e não pode sequer protelar”. Entendemos, ainda, que não é
só na escola que nós formamos leitores, uma vez que nós formamos leitores “no
mundo”, na nossa casa, com a nossa família, com os nossos pares, como vimos
anteriormente. Assim, [...] essa prioridade da escola na formação do leitor não exclui,
evidentemente, a atuação da família, na ação diuturna dos pais, que devem assumir
a iniciação da criança nesse mundo gráfico (e, por vezes, mágico) das palavras. Não
exclui ainda a sociedade, os meios de comunicação – todos: jornais, revistas, TV,
páginas da internet – nem exclui (principalmente essas!) As políticas públicas
orientadas para a educação e a promoção da cultura letrada (ANTUNES, 2009, p.
202).
Como você pode observar, ao longo da nossa discussão defendemos a ideia
de que o leitor pode ser leitor do código escrito, pois, necessariamente, é leitor do
mundo. Vimos também que esse leitor se forma tanto na escola, como na sociedade.
É geralmente na escola, a partir de um ensino formal, que o leitor passa a dominar o
código escrito, e é também nesse ambiente que ele tem a oportunidade de tornar-se
proficiente na leitura dos diversos gêneros que circulam na sociedade. A escola tem
de priorizar o trabalho com a leitura. É sobre o papel da escola na formação de
leitores que trataremos a seguir.

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Língua Portuguesa e Literatura

Vale lembrarmos que nem todo leitor é leitor do código escrito, uma vez que
temos ainda no mundo um grande número de analfabetos. Conforme Bortoni-Ricardo
et al. (2010, p. 12), os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
2008, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam
que temos no Brasil uma taxa de 10% de analfabetos acima de 15 anos, o que
corresponde a 14,2 milhões da população que não sabe ler e escrever. Já com
relação ao analfabetismo funcional, aquele definido como grau de alfabetização
insuficiente para exercer funções básicas da sociedade moderna, há, segundo os
mesmos autores, dados fornecidos pelo Instituto Paulo Montenegro, divulgados em
2009, referentes à população com idade entre 15 e 64 anos, indicam outros números.
Os dados desse instituto apontam 7% da população brasileira, residente nas zonas
urbana e rural, como analfabeta, 21% alfabetizada rudimentar, 47% alfabetizada
básica, perfazendo um total de 75% da população considerada analfabeta funcional,
com apenas 25% da população considerada alfabetizada funcionalmente.

O papel da escola na formação de leitores

Passemos agora a refletir sobre o papel da escola na formação de leitores. O


que você acha que a escola tem feito para formar leitores? Você tem memórias de
leitura em sala de aula? Você lia apenas nas aulas de Língua Portuguesa ou em
outras disciplinas também?
Embora os professores das outras disciplinas trabalhem com textos e saibam
que o aluno-leitor “[...] tem de mobilizar conhecimentos estocados nas diversas áreas
e disciplinas para dialogar competentemente com o texto” (BORTONI-RICARDO et
al., 2010, p. 16), muitos deles acreditam que o trabalho com a leitura é tarefa
exclusiva do professor de Língua Portuguesa.
Por outro lado, muitas vezes nem mesmo o professor de Língua Portuguesa
atribui importância para as aulas de leitura. Ora porque é cobrado, tanto pela escola
quanto pelos pais dos alunos, para centralizar o ensino na gramática, ora porque
acredita que a leitura é um saber que o aluno já adquiriu na fase da alfabetização,
momento em que passou a dominar os sinais gráficos e, desse processo em diante,

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Língua Portuguesa e Literatura

tornou-se proficiente – não há, portanto, mais o que aprender. Esquece-se o


professor que “[...] a leitura é uma atividade de acesso ao conhecimento produzido,
ao prazer estético e, ainda, uma atividade de acesso às especificidades da escrita”
(ANTUNES, 2003, p. 70) e que o processo de seu ensino e aprendizagem é, portanto,
contínuo.
Além disso, existe outra questão levantada para o ensino da leitura que se
relaciona à experiência que o aluno traz para a sala de aula. Observamos, por
exemplo, que os alunos que têm na família pessoas que leem, ou seja, exemplos de
leitores e têm ainda acesso a materiais escritos, mais facilmente chegam à escola
com alguma bagagem de leitura. Uma vez inseridos em ambiente onde cedo
aprendem a ler imagens, imitam os pais/a família na invenção de histórias, aprendem
o código escrito e passam a atribuir significado para aquele conjunto de rabiscos na
página. Mais tarde, na escola, esses alunos vão se formando leitores cada vez mais
hábeis, pois já trazem um conhecimento prévio, não ficando somente na
dependência da escola a sua formação de leitor.
Já para aqueles alunos que não têm acesso a material escrito em casa, que
não têm exemplos de leitores na família, a formação do leitor fica restrita à escola.
Por isso,
[...] até o momento, aprender a ler, ou melhor, ser leitor, tem sido no Brasil
prerrogativa das classes mais favorecidas. Quer dizer, os meninos pobres são
levados a se convencerem de que “têm dificuldades de aprendizagem” e, portanto,
não nasceram para a leitura. Tentam por alguns anos; cansam-se e acabam
desistindo. Grande parte das pessoas acha isso natural; ou seja, ninguém considera
absurda a “coincidência” de apenas os pobres não aprenderem a ler (ANTUNES,
2009, p. 186, grifos da autora).
É importante ressaltarmos que, embora alguns alunos não tenham acesso a
material escrito ou exemplos de leitores em casa, estão, de qualquer forma, inseridos
em uma cultura letrada, mesmo em localidades mais afastadas. Numa sociedade
como a que vivemos, em todos os lugares há propagandas escritas, letreiros,
outdoors, rótulos de produtos alimentícios, de remédios, bulas, manuais, enfim, há
escrita por toda parte. Dessa forma, a escola deve considerar esse contato com a
cultura escrita, atentando para o conhecimento que os alunos trazem a ela, em
função de uma vivência maior ou menor com esse material escrito.

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O papel do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores

Como vimos anteriormente, tanto o professor de Língua Portuguesa como o


professor das outras disciplinas trabalham com textos em sala de aula. Vale
lembrarmos, no entanto, que enquanto o professor das outras disciplinas utiliza o
texto como pretexto para ensinar o conteúdo específico de suas aulas, o professor
de Língua Portuguesa tem, necessariamente, o texto como objeto do ensino da sua
disciplina. Sendo assim, iniciamos nossa conversa, neste momento, refletindo sobre
como se dá a seleção dos textos que circulam nas aulas de Língua Portuguesa.
Você acredita que esta tarefa cabe ao professor de Língua Portuguesa? Ou
aos autores do livro didático? Talvez seja interessante você, professor, fazer uma
primeira pergunta a si mesmo:
•Para que meus alunos leem o que leem?
•É para levantarem argumentos para uma produção textual, para buscarem
citações para um texto que irão escrever?
•É para ficarem informados, saberem mais sobre determinados assuntos?

•É para estudarem para uma disciplina da escola, da faculdade?


•É por prazer, por fruição?

A leitura em sala de aula deve servir para tudo isso. No entanto, como muitos
professores não selecionam os textos que entram na sala de aula, nem sempre
conseguem dar conta dos objetivos da ampla tarefa a que a leitura se ocupa. Se
pensarmos no livro didático, por exemplo, notaremos, como bem o pontua Geraldi
(1997, p.168-169), que
[...] toda a lição ou unidade destes livros, organizados em unidades e, em
geral, sem unidade, iniciam-se por um texto para leitura. Como tais leituras não
respondem a nenhum interesse mais imediato daqueles que sobre os textos se
debruçam, a relação interlocutiva a ocorrer deverá se legitimar fora dela própria.
Como resolver essa questão se, em algumas escolas, o livro didático é o único
livro a que os alunos têm acesso?

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Língua Portuguesa e Literatura

Primeiro temos de pensar na questão da escolha do livro didático. Ela deve


ser feita pelo professor que irá trabalhar com o livro, pois mesmo não conhecendo
ainda os alunos que receberá no ano seguinte, tendo em vista que a escolha do livro1
se dá no ano anterior, ele já sabe qual material se ajusta melhor ao seu trabalho com
leitura. Além disso, o professor já tem algum conhecimento sobre os alunos com os
quais irá trabalhar e as possibilidades de ensino e aprendizagem que se lhes
apresentam. Esse material deverá ainda se adequar à sua formação, à sua
concepção de linguagem, e consequentemente de leitura, aos objetivos das suas
aulas e às suas expectativas com relação aos alunos. Afinal, esse material também
“precisa se pautar nas capacidades de leitura que se supunha ter o aluno e nas
capacidades que se pretenda que ele venha a ter” (PIETRI, 2007, p. 36).
Passada a etapa da escolha do livro didático, o professor deverá ter em mente
que é si atribuída a tarefa de conduzir a disciplina. Assim, o livro didático é material
de apoio, de consulta, de complementação de suas aulas, de modo que, além de
utilizar o livro didático especificamente para as aulas de leitura, o professor
selecionará outros materiais que possam favorecer o ensino-aprendizagem da
leitura.
Como o mesmo assunto pode ser tratado por meio de diferentes gêneros do
discurso2, é importante propormos atividades de leitura de textos diversos. Se o livro
didático traz, por exemplo, um texto argumentativo sobre adolescência, podemos
acrescentar uma notícia de jornal, uma propaganda ou um conto que trate do mesmo
tema. E como são gêneros discursivos distintos, apresentarão diferentes marcas
discursivas, seja em função dos objetivos da interação, seja em função do suporte,
o que possibilitará atividades de leitura diversificadas e interessantes. Essas
atividades desencadearão outras atividades e, assim, sucessivamente. Ademais,
[...] não é possível considerar uma aula de leitura que se limite a apresentar
um único texto, isoladamente, sem referência a outros textos. Não é possível
considerar uma aula de leitura que se esgote no tempo de uma aula. Do mesmo
modo que a leitura de um texto não se restringe a um texto, uma aula de leitura não
se restringe a uma aula. (PIETRI, 2007, p. 86, grifos do autor).
Salientamos que não cabem ao livro/manual do professor as respostas para
as questões de interpretação dos textos com os quais se irá trabalhar. Há
normalmente outras respostas possíveis que o livro/manual do professor não

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contempla. As respostas dependem também do conhecimento prévio e de mundo,


determinado pelas diferentes experiências que os alunos vivenciaram e que,
portanto, provocarão sentidos diferentes para cada aluno. Isso, no entanto, não
significa que todas as respostas sejam aceitáveis. Há, de alguma forma, um limite
que é imposto pelo texto escrito. Em outras palavras, todo o texto deve ser entendido
como uma obra aberta, mas não escancarada.
Para que os alunos mergulhem no mundo das linguagens escritas, há algumas
ações que a escola pode realizar, conforme nos sugere Antunes (2009, p. 205):
• Estimular a cultura do livro.
• Possibilitar fartura de um bom e diversificado material de leitura.
• Permitir acesso fácil e bem orientado a esse material.
• Diversificar os objetivos de leitura.
• Promover com frequência atividades de ler e de analisar materiais
escritos.
• Formar o gosto estético na convivência com a literatura.
Ao longo deste capítulo, discutimos sobre o papel da escola na formação de
leitores e ainda sobre o papel do professor de Língua Portuguesa nessa formação.
No capítulo seguinte, apresentaremos algumas concepções de leitura que circulam
nesse campo de pesquisa, evidenciando a que adotamos aqui.
Antes de iniciarmos o próximo capítulo, gostaríamos de salientar alguns
resultados de uma pesquisa realizada em 2008, na época da publicação da segunda
edição de Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro – uma
organização social de interesse público que tem como objetivo principal o fomento à
leitura e à difusão do livro.

Embora entendamos que o leitor não se constitui somente pela leitura de


livros, a pesquisa apresentada aqui adota como critério de leitura o livro.
Essa pesquisa teve como objetivo principal diagnosticar e medir o
comportamento dos indivíduos como leitores que, segundo o documento,
apresentam níveis de leitura significativamente inferiores à média de países
industrializados e em desenvolvimento, e levantar junto aos entrevistados suas
opiniões relacionadas à leitura.

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A pesquisa nos interessa principalmente pelas reflexões que traz para o


trabalho da escola e do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores,
assunto foco deste capítulo. Ademais, os resultados da pesquisa reforçam “[...] o
papel extraordinariamente poderoso das escolas no desenvolvimento da leitura como
também sinaliza os caminhos para fomentar sua prática fora dela e pela vida afora
dos leitores” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 11).
A amostra da pesquisa constituiu-se de 5012 informantes distribuídos em
todas as unidades da federação. As entrevistas foram realizadas entre 29/11 e 14/12
de 2007. Os resultados gerais apontam que 16% do total de entrevistados são
considerados não alfabetizados; 48% declararam-se não leitores, pois não haviam
lido um livro nos três meses anteriores à pesquisa. Desses não leitores, 33% são
analfabetos e 37% têm até a 4a série, faixa em que as práticas de leitura ainda não
estão consolidadas.
A pesquisa informa ainda que a maior parcela de não leitores está entre os
adultos e que esse número diminui de acordo com a renda familiar e com a classe
social. Não foram encontrados não leitores na classe A e há apenas 1% de não
leitores na faixa em que a renda da família é superior a 10 salários mínimos.
Os índices apontam também para a importância da escola “na tarefa de
reverter o índice de não-leitores no Brasil, por meio de programas de alfabetização
de jovens e adultos, e pelo investimento em curto prazo e maior na valorização social
da leitura e do livro e no aperfeiçoamento do processo educacional” (INSTITUTO
PRÓ-LIVRO, 2008, p. 14).
A pesquisa evidencia ainda que a valorização da leitura cresce à medida que
avança a escolarização dos entrevistados, que se mostram mais espontaneamente
dispostos à leitura. Dentre os entrevistados, 61% gostam muito de ler, 30% gostam
um pouco e 9% não gostam.

Entre as dificuldades de leitura, há a indicação de que algumas habilidades


básicas não foram desenvolvidas e, portanto, houve fracasso no processo
educacional: 17% leem muito devagar, 7% não compreendem o que leem, 11% não
têm paciência para ler e 7% não têm concentração. Já as alegações para a ausência
de leitura variam entre falta de tempo (54%), outras preferências (34%), desinteresse
(19%), falta de dinheiro (18%) e falta de bibliotecas (15%).

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Os dados da pesquisa assinalam que entre os adultos a leitura decresce


muito, a não ser quando se trata dos entrevistados que fizeram ou fazem curso
universitário. Isso é o que faz os analistas da pesquisa suporem que “[...] a escola
não tem formado leitores para a vida inteira, talvez por práticas pouco sedutoras e
obrigatórias, das quais o não estudante procura se livrar assim que ultrapassa os
limites da escola” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 15).
No documento, aparecem sugestões para que a leitura se vincule
definitivamente à vida dos alunos e para que os materiais de leitura tornem-se cada
vez mais próximos desses alunos. Sugere-se, para tanto, “ultrapassar os muros da
escola, visitar de forma planejada, consequente e prazerosa ambientes onde se
criam jornais, revistas e livros, conversas com os atores de cada uma das cadeias
de criação e produção desses materiais, conhecer sites que enfocam a leitura, ir a
feiras [...]” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 15).
Enfim, a pesquisa do Instituto Pró-Livro evidencia que todos os dados
apresentados mostram que a escola tem de necessariamente assumir seu papel de
formadora de leitores, “intensificando sua ação em todas as direções que se
relacionam com o gosto pela leitura” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 14).

CONCEPÇÕES DE LEITURA

Você talvez esteja se perguntando de que concepção de leitura estamos


falando. Estamos falando de uma perspectiva sociointeracionista de leitura, que “[...]
compreende a leitura como interlocução entre sujeitos e, como tal, espaço de
construção e circulação de sentidos” (GERALDI, 1996, p. 96). Assim, os alunos
interagem com o texto, agem sobre o texto e são atingidos por ele, estabelecendo
relações com o texto e com a linguagem, a partir do exercício da leitura, que
previamente não existiam.
Além disso, sob essa perspectiva acredita-se que “[...] o texto sozinho (como
o locutor no diálogo) não é responsável pelas significações que faz emergir, o que
cria um primeiro problema para os textos que se querem transparentes [...]”
(GERALDI, 1996, p. 112); do contrário, os textos teriam de ser extremamente longos,

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e por isso a importância de experiências com outros textos, outras linguagens no


exercício da leitura.
Acredita-se ainda, diante dessa concepção, que
[...] o leitor não é totalmente livre na construção de significações, já que um
dos instrumentos com que opera nesta construção é precisamente o texto presente,
cujo processo de produção manuseia também as mesmas “regras” de interpretação
existentes numa “comunidade interpretativa”, de que o autor é parte. (GERALDI,
1996, p. 113).
Assim, embora consideremos a experiência prévia e de mundo dos nossos
alunos, sabemos que existe um limite para as possibilidades de interpretação textual,
limite imposto pelo próprio texto, pelos objetivos e intenções do autor, como já
dissemos anteriormente referindo-nos às respostas a questões de interpretação
textual.
Temos de levar em conta ainda que, nessa concepção, “[...] os sentidos do
texto resultam também dos elementos que compõem a ‘cena’ de sua produção e a
outra, não menos pertinente, de sua circulação” (ANTUNES, 2009, p. 203). Diante
disso, além de levar em consideração a questão da autoria na interação com o texto,
como já vimos, temos de considerar, nas nossas atividades de leitura, a questão da
sua circulação.
Defendemos aqui que o trabalho de leitura é um trabalho de interação, pois o
sujeito-leitor atribui sentido ao que lê, dá vida ao escrito a partir da sua leitura, dialoga
com o autor – rejeitando, confirmando, saboreando suas ideias, e sempre
reconstruindo o texto à medida que age sobre ele. Assim,
[...] o produto do trabalho de produção se oferece ao leitor, e nele se realiza a
cada leitura, num processo dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do bordado
tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos que agora tecem
trazem e traçam outra história. Não são mãos amarradas – se o fossem, a leitura
seria reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos; não são mãos livres
que produzem o seu bordado apenas com os fios que trazem nas veias de sua
história – se o fossem, a leitura seria um outro bordado que se sobrepõe ao bordado
que se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-o. Suas mãos carregadas de fios,
que retomam e tomam os fios que no que se disse pelas estratégias de dizer se
oferece para a tecedura do mesmo e outro bordado [...]. É o encontro destes fios que

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produz a cadeia de leituras construindo os sentidos de um texto. E como cadeia, os


elos de ligação são aqueles fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas pela
experiência de produção do outro (o autor) com que o leitor se encontra na relação
interlocutiva de leitura. A produção deste leitor, é marcada pela experiência do outro,
autor, tal como este, na produção do texto que se oferece à leitura, se marcou pelos
leitores que, sempre, qualquer texto demanda. Se assim não fosse, não seria
interlocução, encontro, mas passagem de palavras em paralelas, sem escuta, sem
contrapalavras: reconhecimento ou desconhecimento, sem compreensão.
(GERALDI, 1997, p. 166-167).
Vimos então, ao longo desta seção, que consideramos a concepção
sociointeracionista de leitura, aqui assumida, como a mais adequada para orientar o
processo de ensino e aprendizagem da leitura na escola. A seguir, destacaremos
aspectos mais específicos do ensino da leitura, tais como objetivos e
encaminhamentos para o trabalho em sala de aula.

O ensino da leitura

Partindo da concepção de leitura como forma de interação, vamos discutir os


objetivos para o trabalho com a leitura na escola e apontar alguns
caminhos/estratégias para desenvolver atividades em sala de aula.
Quando preparamos atividades de leitura, nossa primeira tarefa é selecionar
os textos. Como vimos anteriormente, muitas vezes delegamos essa tarefa aos
autores do livro didático, mas, conforme observamos também, ainda que tenhamos
adotado um livro didático, selecionaremos textos para complementar as atividades
propostas pelo livro com o qual iremos trabalhar. De um jeito ou de outro, temos de
partir, então, da seleção dos materiais para nossas aulas de leitura.

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Sabemos que há extensa diversidade de gêneros do discurso correspondente


à diversidade de práticas sociais existentes. Como afirma Bakhtin, “[...] a riqueza e a
diversidade dos gêneros do discurso são infinitas, porque são inesgotáveis as
possibilidades da atividade humana” (2003[1920-1924], p. 262). Assim sendo, temos
de privilegiar o trabalho com alguns desses gêneros. Os PCNs, por exemplo, indicam
uma seleção de gêneros feita a partir “[d]aqueles cujo domínio é fundamental à
efetiva participação social” (BRASIL, 1998, p. 53).
No documento referido, esses gêneros organizam-se em função de sua
circulação social em: gêneros literários (conto, novela, romance, crônica, poema,
texto dramático), de imprensa (notícia, editorial, artigo, reportagem, carta do leitor,
entrevista, charge e tira), de divulgação científica (verbete enciclopédico, relatório de
experiências, artigo), e de publicidade (propaganda). (BRASIL, 1998, p. 54).
Há gêneros que não estão contemplados nas discussões dos PCNs. É o caso
daqueles que circulam na internet, como chat, e-mail, blog, pois pertencem a
situações de interação social mais recentes. Eles constituem, evidentemente,
material privilegiado para as aulas de leitura, em função de sua presença nas práticas
sociais com as quais mais nos envolvemos atualmente.
Temos, então, diferentes gêneros à disposição para o trabalho com a leitura,
cada um deles gerando textos específicos. Devemos, portanto, levar em conta o
seguinte questionamento: de que forma faremos a seleção desses gêneros para
nossas aulas?
Nossa inserção na escola faz com que tenhamos compromisso com o seu
Projeto Político-Pedagógico e, por consequência, com a consecução dos objetivos
educacionais para a série ou séries com que iremos trabalhar.
Assim, teremos em mente que os gêneros a serem selecionados para o ensino
da leitura estarão relacionados ao projeto pedagógico. Projeto que é pensado para
uma turma específica, em função dos seus interesses e, como já salientamos
anteriormente, das capacidades (linguístico-cognitivas, sociointerativas, discursivas,
etc.) que queremos que nossos alunos desenvolvam naquele momento. O projeto do
qual as leituras farão parte terá uma unidade temática, na qual o assunto eleito será
abordado sob diferentes enfoques, tratado a partir dos gêneros do discurso e dos
textos selecionados como os mais adequados às necessidades de aprendizagem

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dos estudantes. Isso ajudará, por certo, a priorizar determinados textos e a definir
objetivos para as atividades de ensino de leitura.
Esses objetivos estarão também claros para os alunos. A cada atividade de
leitura o professor estabelecerá com que finalidade o texto selecionado será lido. Por
uma abordagem cognitivista, por exemplo, o aluno poderá apreender as estratégias
de leitura, ter consciência destas e valer-se desse conhecimento nas mais diferentes
circunstâncias que envolvam atos de leitura.
Antes de iniciar a leitura, é importante o professor, além de explicitar o objetivo
da atividade, procurar ativar os conhecimentos prévios dos alunos acerca do assunto
que será tratado. As atitudes responsivas ativas dos alunos são pistas sobre o seu
conhecimento, o que ajudará no estímulo para a leitura e ainda favorecerá o trabalho
do professor no direcionamento da atividade, já que este terá condições de atentar
para o que os leitores ainda não sabem. Bakhtin (2003[1920-1924]), discorrendo
sobre “O enunciado como unidade da comunicação discursiva”, do diálogo, diz que
no processo de interlocução os participantes ocupam sempre “posição ativa
responsiva”; ou seja:
[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do
discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele [falante] uma ativa posição
responsiva: concorda, discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o,
prepara-se para usá-lo, etc., essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo
de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início [...] toda
compreensão é prenhe de resposta [...] o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2003
[1920-1924], p. 271).
A compreensão é um processo ativo e responsivo; é, portanto, um processo
de relação entre locutor e interlocutor. Já está no horizonte do enunciado do locutor
a possível reação-resposta daquele a quem esse enunciado está sendo dirigido e lhe
orienta sentidos e estrutura (aspectos da língua).
Os PCNs sugerem, em vista disso, uma série de conceitos e procedimentos
subjacentes às práticas de linguagem. Afinal, para o trabalho com a leitura não basta
que tenhamos recursos materiais disponíveis, é preciso enfatizar o uso que fazemos
desses recursos. Consideramos esses conceitos e procedimentos bastante
relevantes e, por isso, reproduzimos a seguir, a partir dos PCNs (1998), aqueles que
se relacionam à leitura de textos escritos:

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• explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo do texto em


função das características do gênero, do suporte, do autor, etc.;
• seleção de procedimentos de leitura em função dos diferentes objetivos
e interesses do sujeito (estudo, formação pessoal, entretenimento, realização de
tarefa) e das características do gênero e suporte:
1) leitura integral: fazer a leitura sequenciada e extensiva de um texto;
2) leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de textos para leitura
posterior;
3) leitura tópica: identificar informações pontuais no texto, localizar
verbetes em um dicionário ou enciclopédia;
4) leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto dado, determinadas
inadequações em relação a um padrão estabelecido;
5) leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo comandos que
pressupõem uma ordenação necessária;
Ӳ emprego de estratégias não lineares durante o processamento de leitura:
1) formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto, antes ou durante a
leitura;
2) validar ou formular as hipóteses levantadas a partir das novas
informações obtidas durante o processo da leitura;
3) avançar ou retroceder durante a leitura em busca de informações
esclarecedoras;
4) construir sínteses parciais de partes do texto para poder prosseguir na
leitura;
5) inferir o sentido de palavras a partir do contexto;
6) consultar outras fontes em busca de informações complementares
(dicionários, enciclopédias, outro leitor);
• articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais,
inclusive as que dependem de pressuposições e inferências (semânticas,
pragmáticas) autorizadas pelo texto, para dar conta de ambiguidades, ironias e
expressões figuradas, opiniões e valores implícitos, bem como das intenções do
autor;
• estabelecimento de relações entre os diversos segmentos do próprio
texto, entre o texto e outros textos diretamente implicados pelo primeiro, a partir de

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informações adicionais oferecidas pelo professor ou consequentes da história de


leitura do sujeito;
• articulação dos enunciados estabelecendo a progressão temática, em
função das características das sequências predominantes (narrativa, descritiva,
expositiva, argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior do
gênero;
• estabelecimento da progressão temática em função das marcas de
segmentação textual, tais como: mudança de capítulo ou de parágrafo, títulos e
subtítulos, para textos em prosa; colocação em estrofes e versos, para textos em
versos;
• estabelecimento das relações necessárias entre o texto e outros textos
e recursos de natureza suplementar que o acompanham (gráficos, tabelas,
desenhos, fotos, boxes) no processo de compreensão e interpretação do texto;
• levantamento e análise de indicadores linguísticos e extralinguísticos
presentes no texto para identificar as várias vozes do discurso e o ponto de vista que
determina o tratamento dado ao conteúdo, com a finalidade de:
1) confrontá-lo com o de outros textos;
2) confrontá-lo com outras opiniões;
3) posicionar-se criticamente diante dele;
• reconhecimento dos diferentes recursos expressivos utilizados na
produção de um texto e seu papel no estabelecimento do próprio texto ou de seu
autor. (BRASIL, 1998, p. 55-57).

Desejamos que nossos alunos, a cada ano da escolarização, ampliem


gradativamente sua capacidade de leitura e que, ao final do Ensino Médio, tornem-
se leitores proficientes de determinados gêneros. E o que significa ser um leitor
proficiente? O leitor proficiente é aquele que sabe selecionar, entre a infinidade de
textos de variados gêneros à sua disposição; aquele que melhor lhe convém em
determinada situação. É aquele que consegue selecionar as estratégias mais
adequadas para tal leitura, pois sabe que não se lê um e-mail da mesma forma que
se lê um romance, por exemplo. É aquele que consegue estabelecer diálogo entre
as leituras que já fez (seja de texto escrito, de texto oral, de imagens, de mundo).
Esse leitor consegue fazer uso dos “dez direitos imprescritíveis” que lhe cabem:

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“O direito de não ler.


O direito de pular as páginas.
O direito de não terminar de ler o livro.
O direito de reler.
O direito de ler não importa o quê.
O direito ao “bovarysmo” (doença textualmente transmissível).
O direito de ler não importa onde.
O direito de “colher aqui e acolá”.
O direito de ler em voz alta.
O direito de se calar.” (PENNAC, 1992)

Encontramos nos PCNs algumas sugestões para que a escola favoreça o


trabalho com a leitura:
• A escola deve dispor de uma biblioteca em que sejam colocados à
disposição dos alunos, inclusive para empréstimo, textos de gêneros variados,
materiais de consulta nas diversas áreas do conhecimento, almanaques, revistas,
entre outros.
• É desejável que as salas de aula disponham de um acervo de livros e
de outros materiais de leitura. Mais do que a quantidade, nesse caso, o importante é
a variedade que permitirá a diversificação de situações de leitura por parte dos
alunos.
• O professor deve organizar momentos de leitura livre em que também
ele próprio leia, criando um circuito de leitura em que se fala sobre o que se leu,
trocam-se sugestões, aprende-se com a experiência do outro.
• O professor deve planejar atividades regulares de leitura, assegurando
que tenham a mesma importância dada às demais. Ler por si só já é um trabalho,
não é preciso que a cada texto lido se siga um conjunto de tarefas a serem realizadas.
• O professor deve permitir que também os alunos escolham suas
leituras. Fora da escola, os leitores escolhem o que leem. É preciso trabalhar o
componente livre da leitura, caso contrário, ao sair da escola, os livros ficarão para
trás.
• A escola deve organizar-se em torno de uma política de formação de
leitores, envolvendo toda a comunidade escolar. Mais do que a mobilização para
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aquisição e preservação do acervo, é fundamental um projeto coerente de todo o


trabalho escolar em torno da leitura. Todo professor, não apenas o de Língua
Portuguesa, é também professor de leitura. (BRASIL, 1998, p. 71-72).
Uma das sugestões apontadas pelos PCNs (1998, p. 72) ressalta a questão
da avaliação da atividade de leitura: “Ler por si só já é um trabalho, não é preciso
que a cada texto lido se siga um conjunto de tarefas a serem realizadas”. Assim, o
professor terá em mente que a atividade de leitura não deve ser realizada com intuito
único de avaliar o aluno, seja através de fichas, seja através de resumos, resenhas,
o que transformará a atividade que poderia ser prazerosa e eficiente no sentido de
formar leitores em uma tarefa desinteressante e desmotivadora. De acordo com
Kleiman (2008, p. 23), “[...] a insistência no controle diminui a semelhança entre a
leitura espontânea, do cotidiano, e a leitura escolar, ajudando na construção de
associações desta última com o dever e não com o prazer”.
Além disso, devemos levar em consideração que algumas tarefas avaliativas
cabem para determinados gêneros discursivos e não para outros. Os PCNs apontam,
por exemplo, que “produzir esquemas e resumos pode ajudar na apreensão de
tópicos mais importantes quando se trata de um texto de divulgação científica; no
entanto, aplicar tal procedimento a um texto literário é desastroso, pois apagaria o
essencial – o tratamento estilístico que o tema recebeu do autor” (BRASIL, 1998, p.
70).
Não podemos esquecer ainda, no encaminhamento das atividades de leitura,
as relações que esta estabelece com a escrita, pois
[...] grande parte do trabalho com leitura é “integrado” à produção em dois
sentidos: de um lado ela incide sobre “o que se tem a dizer”, pela compreensão
responsiva que possibilita, na contrapalavra do leitor à palavra do texto que se lê; de
outro lado, ela incide sobre “as estratégias do dizer” de vez que, em sendo um texto,
supõe um locutor/autor. (GERALDI, 1997, p. 165-166).
Assim, para escrever precisamos “ter o que dizer”; precisamos de argumentos
para convencer, precisamos de palavras para encantar, para emocionar, divertir,
informar, e para tanto, precisamos de exercícios de leitura.
Como fechamento desta unidade, sugerimos que você elabore uma proposta
prática de atividade de leitura. Para tanto, você escolherá uma turma de Ensino
Fundamental ou Médio, preferencialmente uma turma em que você lecione.

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Inicialmente, você selecionará um gênero que circula no contexto social do aluno,


um texto (texto-enunciado) com as configurações desse gênero a ser trabalhado e,
em seguida, elaborará um plano para desenvolver em suas aulas, elencando os
conteúdos a serem trabalhados, os objetivos a serem alcançados e os procedimentos
metodológicos a serem desenvolvidos. Depois execute o planejamento com sua
turma, discuta e avalie a sua realização com seus alunos, seus colegas de turma,
seus tutores e seus professores. Faça anotações e guarde-as para socializá-las no
transcorrer do Estágio Supervisionado.

A LEITURA LITERÁRIA NO ESPAÇO ESCOLAR

Apresentaremos para você reflexões sobre o papel da leitura literária na


formação leitora do indivíduo, em especial no espaço escolar, apresentando os
documentos de referência que norteiam a sua inserção na escola, bem como
trazendo discussões sobre as práticas pedagógicas recorrentes, ampliando as
possibilidades de trabalho com a literatura com base em propostas para um uso mais
efetivo e afetivo da palavra literária. Esta unidade tem como principais objetivos:
• Promover reflexões sobre a literatura no espaço escolar;
• Refletir sobre as práticas sociais de leitura literária;
• Desenvolver algumas estratégias metodológicas para o ensino da
Literatura no Ensino Fundamental e Médio.

A literatura e a sua função

Para iniciarmos este nosso diálogo sobre a literatura e a sua importância no


cenário social e, em particular, na escola, escolhemos este depoimento de uma mãe
que, ao ser solicitada, tenta definir a Arte:
Como é mesmo a pergunta? Ah! Quando eu ia dizendo que arte é um trabalho
assim mais maneiro, é que é assim mesmo. Pode até não ser, mas parece. É aquele
trabalho que não é a luta de todo dia. Está certo que tem uns que lutam com isso
mais... Arte é um que-fazer assim que inventa uma alegriazinha, a senhora
compreende? Quer dizer, trabalho mesmo não é, que trabalho é como uma dor. E
escola também. Pros pobres é. A gente acostuma porque é a vida e.… vai indo, vai

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indo.... Perdi. Ali, sim: arte eu não sei. Não é isso das festas na escola? Acho que na
escola não carece disso, não. Essa arte, não. Os meninos precisam ir levando jeito
p’ra aguentar o trabalho daqui de fora. Se fica muito animado, aquela coisa frouxa,
eles amolecem e.. Aqui fora isso vinga, não. (LINHARES, 2003, p. 99).
A definição dessa mãe sobre o que seria Arte tem uma abrangência geral e
não a especificidade do literário, mas podemos aqui nos aproximar da literatura, arte
da palavra, apresentada por ela como: um trabalho “maneiro” capaz de inventar
alegrias. Palavras definidoras, carregadas de sentido e coerência: a arte com seu
poder de inventividade é capaz de promover festas no cotidiano escolar. Essa
mesma mãe nega, no entanto, a possibilidade da alegria, inserindo trabalho e escola
no mesmo conjunto de atividades que não deleitam, mas se constituem como espaço
de “dor”. Ela ainda destaca que a escola não precisa de “festa”, pois a animação e a
não rigidez do que seria artístico amolece a criança/jovem, não o preparando para a
vida fora da escola.
Tal depoimento aproxima em dois polos distintos a escola/utilidade e a
arte/prazer. A literatura, sendo a arte da palavra, constituir-se-ia num fazer inútil.
Esse debate sobre a utilidade ou não da literatura permeia a sua história.
Apresentaremos a você algumas posições para que perceba que este assunto desde
cedo gerou debates e polêmicas, cremos ainda não resolvidos. Na Antiguidade
Clássica, por exemplo, vários pensadores, entre eles Aristóteles e Platão,
debruçaram-se sobre o tema.
O filósofo Platão, no século IV a.C., ao construir uma cidade ideal para as
novas gerações de Atenas, bane a poesia desse território. O filósofo divide a
literatura em duas espécies: uma verdadeira e outra falsa. Na literatura falsa inclui
primeiramente as fábulas que são ensinadas às crianças, pois, segundo ele, “[...] é
sobretudo nessa altura que se é moldado, e se enterra a matriz que alguém queira
imprimir numa pessoa” (PLATÃO, 1990, p. 87). Ele aconselha, ainda, uma vigilância
aos autores desse gênero, porque em seu conjunto contam mais mentiras que
verdades. Nega, assim, a maioria das fábulas contadas nesse período de discussão,
mas propõe que se deva selecionar, acolhendo as que forem boas.
O modelo que o poeta deveria seguir para cumprir e compor bem sua fábula
é aquele que apresenta um exemplo correto de moral e religiosidade aos guardiões

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da cidade. A poesia, portanto, não é capaz de educar, trazer conhecimento. Platão


expulsa a poesia da República e acolhe a filosofia como forma de conhecimento.
Aristóteles, em seu livro Poética (1973), faz uma defesa ao discurso poético,
apresentando uma distinção entre a figura do historiador, aquele que narra fatos reais
e acontecidos, e a do poeta, aquele que narra o que poderia acontecer, o ficcional.
Considerando a imitação como congênita ao homem, ele focalizará o prazer do
homem em ver-se representado, abrindo a possibilidade de aprendizagem através
da mimese, reconhecendo, desta forma, o lugar da poesia como forma de
conhecimento, desde que subordinada à filosofia.
O poeta latino Horácio 65 a.C. a 8 a.C.), em Arte poética, define a poesia como
uma atividade doce e útil (docere cum delectare); a primeira seria o contraponto ao
dever, obrigação, aquilo que poderia ser realizado sem imposição; o útil estaria
relacionado ao aproveitamento do tempo, aquilo que é necessário/pragmático.
Segundo o poeta latino, essas duas funções estariam em confluência na palavra
poética.
Assim, ao longo da história, vão-se tecendo oposições e contraposições
referentes à função da poesia (neste caso a literatura). Outro binômio que pode aqui
ser citado é o real em oposição ao ficcional que jogou a referência para um campo à
parte da literatura, no entanto é sabido que um texto literário, em sua trama inventiva,
não tem como escapulir da inserção referencial. O discurso literário consegue,
evidentemente, ir além da referência e representação de mundo, ao criar um novo
mundo, a partir de dados referentes à vivência do leitor. (DEBUS, 1996).
Como destaca Fernando Fraga de Azevedo, professor e pesquisador do
ensino da língua materna em Portugal, o texto literário partilha com os leitores,
independentemente da idade, valores de natureza social, cultural, histórica e/ou
ideológica, por ser uma realização da cultura e estar integrado num processo
comunicativo. Assevera, porém, que pelo potencial ficcional “[...] esses valores são
dados a ler de forma não explícita, através do jogo de negociação de sentidos
estabelecido no diálogo leitor/texto” (AZEVEDO, 2006, p. 19).
A literatura tem como elemento constitutivo a palavra; a palavra registrada por
meio da escrita. Poderíamos então nos indagar: Todo texto escrito é literatura? Nas
palavras de Tavares (1996, p. 27):

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Ao lermos ou ouvirmos certas produções como um telegrama, uma certidão


de nascimento, um anúncio, uma poesia, uma passagem de um romance ou de um
conto, notamos logo sensível diferença no modo de dizer de cada uma. Todas
encerram um conjunto de palavras, assim a matéria prima é a mesma: a palavra.
Mas em algumas, como na poesia, nossa atenção é despertada para determinadas
características, tais como a combinação das palavras, o valor significativo e
expressivo dos termos, a gama sonora dos vocábulos, produzindo tudo isso uma
impressão bem particular.
Por esse viés, nem toda palavra escrita é literatura; algo a diferencia, portanto,
das outras formas escritas. O poeta Manoel de Barros (2010) ao longo de sua
produção tem “teorizado” poeticamente sobre o exercício do fazer poético. Segundo
ele, a literatura é um fazer “terápico” que “[...] consiste em desarrumar a linguagem
a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos” (p. 347). O poeta tem como
ofício “[...] fazer casamentos incestuosos entre palavras” (p. 399), em contraponto
aos textos informativos, que exigem uma “fidelidade” ao fato acontecido. Na literatura
“os absurdos enriquecem” a sua construção.
Cabe, todavia, questionarmos: para que nos serviria este (des) arranjo de
palavras que nos põe de sobressalto diante a realidade percebida? A sensibilidade
estética representa a principal função do texto literário: desenvolver no indivíduo um
olhar atento e sensível ao que nos rodeia. Isso é, enfim, reconhecer o papel
humanizador da literatura, como destacam as palavras de Antônio Candido (2006, p.
62): “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos
torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.
No que diz respeito ao papel da escola na formação do leitor literário, Tânia
Rösing (2009, p. 136) destaca que [...] o esforço deve direcionar-se para o
convencimento dos docentes acerca dos benefícios da leitura literária: os textos
literários passam a constituir cenários com os quais se pode refletir sobre o que
somos, sobre o que são os outros, como podemos melhorar nosso vir-a-ser no
mundo, como podemos transformar o mundo a partir de mudanças em nosso
entorno.
É fundamental, no entanto, pensarmos que o leitor, por mais abstrato e/ou
idealizado que seja, está inserido em um contexto, pois é um indivíduo

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marcadamente histórico; sendo assim, receberá o texto e o lerá dentro dos protocolos
estabelecidos/construídos pelas práticas sociais do seu tempo.
Se pensarmos que os suportes e instrumentos da e para escrita foram
influenciados e adaptados conforme a tecnologia presente na sua criação – dos rolos
de papiro, pergaminhos manuscritos, textos em papel à tela do computador –,
perceberemos que as práticas de leitura também foram se metamorfoseando: novas
formas de escrever propiciam novas formas de ler.

O leitor de literatura

Personagens que saltam das páginas dos livros e ganham vida, este foi um
dos recursos utilizados pela livraria Tcheca Anagram para sua campanha de
marketing que tem o slogan “Palavras criam Mundos”. Sem sombra de dúvidas, esta
é uma imagem que remete ao poder da palavra literária: conferir ao leitor o
deslocamento de um mundo ao outro ou a outros. No entanto, devemos lembrar que
este mundo do (im)possível só é vivificado pelas mãos do leitor; isto é, cabe ao leitor
instituir vida à narrativa que o livro guarda ao descerrá-lo e abrir as suas páginas.
Contemporaneamente podemos dizer que a
leitura literária é valorizada socialmente.
Provavelmente você não ouviu falar que a leitura de
um romance pode lhe fazer mal física e
psicologicamente, no entanto até o século XVIII era
temerário valorizar a leitura literária, em especial
aquela realizada pelo público feminino. Supunha-se
que a identificação com as personagens provocaria
reações desautorizadas socialmente, isto é, o
devaneio da leitura poderia levar as mulheres a se
identificarem com as personagens e atentar contra a
moral e os bons costumes (ABREU, 2010).
Na unidade anterior, quando apresentamos a possibilidade de (re)visitar as
memórias de leitura e trouxemos para a cena as memórias de leitura de alguns
escritores, você por acaso lembrou das leituras literárias realizadas? Você é um leitor

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de literatura? Poderíamos ir além e perguntar: o que caracteriza o leitor de literatura?


A literatura hoje está presente no cotidiano dos cidadãos brasileiros? Quais são as
formas sociais de inserção da literatura em nossa sociedade contemporânea?
A leitura literária vinculada à leitura de um público feminino e os gestos de
devaneios provocados pelo ato dessa leitura estão registrados em várias pinturas,
em especial do século XIX. Martine Poulain, ao se debruçar sobre cenas de leitura,
em três formas de registros iconográficos – na pintura, na fotografia e no cartaz –
entre os anos de 1881 a 1989, apresenta algumas constatações referentes a
representações da leitura. Entre elas está a do objeto livro como sinal de poder social
ou de saber intelectual e a leitura desse objeto frequentemente representado pela
cena do feminino em devaneio. Segundo ele “[...] mesmo sua leitura sendo efetivada
ou interrompida pelo pintor, é sempre muito intenso o sentimento de absorção nessa
prática, como testemunham ora o olhar ora a atitude corporal” (POULAIN, 1997, p.
63).
Essa relação entre a leitura literária e o feminino também é representada na
ficção. Em O primo Basílio (1878), de Eça de Queirós, a protagonista Luiza é descrita
em seus protocolos de leitura: “E saltando na ponta do pé descalço, foi buscar ao
aparador por detrás de uma compota um livro um pouco enxovalhado, veio estender-
se na voltaire, quase deitada, e, com o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre
a orelha, começou a ler interessada” (QUEIRÓS, 2010). O livro enxovalhado lido pela
protagonista é A dama das Camélias, que a leva a cometer adultério, influenciada
pela leitura.
Machado de Assis, em seus romances considerados românticos como
Helena, Diva, Iaiá Garcia e A mão e a Luva, insere suas personagens femininas em
cenas de leitura, ora silenciosas e individuais, ora em voz alta como prática de
sociabilidade.
Márcia Abreu (2010), ao construir uma breve história da leitura de textos em
voz alta argumenta:
Durante a primeira metade do século XIX a leitura oral era uma das formas de
mobilização cultural e política dos meios urbanos e dos operários. Depois disso,
numerosas formas de lazer, de sociabilidade e de encontro, antes mantidas pela
leitura em voz alta, tornaram-se cada vez mais restritas. A partir daí as elites
passaram a restringir os usos da oralização dos textos. Lia-se em voz alta nas Igrejas

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e nos tribunais. Lia-se em voz alta nas escolas para controlar a qualidade de sua
leitura silenciosa – objetivo final da aprendizagem. No passado, a leitura tomava
parte em um conjunto de práticas culturais que passavam pelo livro: a escuta dos
textos, sua memorização, o reconhecimento, nas letras impressas no papel, do texto
repetidas vezes ouvido, sua recitação para si ou para um grupo. (ABREU, 2010, não
paginado).

E o leitor de hoje? Qual a representação que melhor cabe? Provavelmente


não é da leitura como recolhimento, o leitor sossegado e só, nem a da leitura linear.
Vivemos a era digital em que a linguagem da hipermídia demanda novas exigências
do exercício de ler e escrever. Maria Zilda Cunha, professora da USP, afirma que
“[...] o grande poder da hipermídia está no confluir das matrizes de linguagem e
pensamento, na hibridização de mídias que ela aciona, e, consequentemente, na
mistura de sentidos receptores e na sinestesia reverberante conforme o receptor
interage, co-operando na sua realização” (CUNHA, 2009, p. 181). Assim, ao leitor
cabem novas exigências, demandas provenientes dos novos suportes de leitura (não
mais unicamente o papel).

O termo hipertexto, comumente utilizado na contemporaneidade, relacionado


ao texto eletrônico, pode também conceitualizar a leitura de muitos livros infantis e
juvenis produzidos no formato tradicional impresso. Os projetos gráfico-editoriais de
muitos livros propõem tal interação entre imagem e texto verbal que confluem para
uma leitura dinâmica e não linear. Poderíamos dizer que essas novas propostas
ultrapassam a esfera da restrição etária e contemplam todos os leitores.
Dilvo Ristoff, no prefácio do livro de Wandelli (2003), assim se reporta ao
assunto:
Embora o meio eletrônico encoraje uma escrita mais fluida e facilite a liberação
do pensamento e das narrativas do jugo das sequencialidades, por si só ele é
insuficiente para garantir a existência de um processo ou de uma arquitetura
hipertextual. Para Wandelli é, pois, falsa a dicotomia entre livro impresso e o meio
eletrônico em termos de oposição binária entre o velho e o novo. As narrativas
contemporâneas mostram que o livro impresso também mudou e que a mudança
iniciada de forma dramática nas últimas décadas, não só responde às novas

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tecnologias da era da informática como de certa forma antecipa algumas das


estratégias e possibilidades. (RISTOFF apud WANDELLI, 2003).
O leitor do hipertexto é um leitor imersivo e interativo, a leitura não é mais
realizada somente no papel, surge à tela do computador. Santaella (2004, p. 179)
classifica o leitor imersivo em três níveis: errante, detetive e previdente, cada nível
navega de acordo com suas habilidades. Assim, o leitor imersivo ideal seria aquele
capaz de
[...] misturar de modo equilibrado os três níveis de leitura imersiva: o errante,
o detetivesco e o previdente. O ideal é que esse leitor não se entregue às rotinas
sem imaginação do previdente, mas se abra para as surpresas, entregue-se às
errâncias para poder voltar a vestir a roupagem do detetive, farejando pistas.
(SANTAELLA, 2004, p. 181).
Um novo sujeito leitor se avizinha não mais leitor só do impresso, mas leitor
da tela digital do computador. O Homo Zappiens, categoria à qual pertencem aqueles
que sabem que há muitas fontes de informações e que elas apresentam e defendem
verdades diferentes; é um sujeito que possui uma grande habilidade icônica, é capaz
de lidar com uma multiplicidade de linguagens, executa várias tarefas ao mesmo
tempo, lida com diferentes níveis de atenção enquanto navega (MSN, sites, Twitter,
blog, Orkut, entre outros), tem um comportamento não linear, e possui habilidades
colaborativas.
Cabe à escola saber desenvolver atividades que levem em conta esse novo
leitor. Segundo Veen e Vrakking (2009, p. 70):
Os pensadores digitais, como são as nossas crianças, podem fazer muito mais
do que se espera delas na escola. Podemos desafiá-las, apresentando-lhes
problemas complexos para resolver e dar a elas um amplo controle sobre seus
processos de aprendizagem. As crianças gostam de ser desafiadas, pois elas
passaram por experiências semelhantes ao jogar no computador. Elas também
gostam de ser desafiadas em tarefas complexas. A abordagem pedagógica de
trabalhar passo a passo não é o que elas gostam de fazer. Elas são não lineares – o
que é mais desafiador. Elas gostam de estar imersas em situação em que não se
saber por onde começar e nem como agir. Gostam de aprendizagem experiencial,
como a dos jogos de computador.

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O leitor contemporâneo, ao mesmo tempo em que lê o texto impresso no


formato livro, desloca seu olhar para o e-reader, e ainda mais impressionante é a
leitura de alguns títulos pelo iPad. Faça uma experiência: acesse o endereço
eletrônico
<http://www.youtube.com/watch?v=gew68Qj5kxw&feature=player_embedded#at=1
2> e acompanhe, no Youtube, a leitura de Alice no País das Maravilhas, em um iPad.
Certamente você ficará surpreso com o movimento das cenas, a ampliação das
ilustrações, e os diferentes efeitos da tecnologia.
Assim, pensar experiências de leitura na contemporaneidade implica refletir
sobre a constituição desse novo leitor que nos indaga, no espaço da escola, sobre
novos protocolos de leitura.

Pesquise e socialize com seus colegas, tutores e professores


Convidamos você a pesquisar imagens de leitura literária na fotografia e na
ficção e socializá-las com seus colegas.
•Você poderá escolher fotografias impressas em revistas, internet, livros, bem
como aquelas de álbum particular (muitos de nós temos nossa Fotografia Escolar).
•Outro caminho pode ser recolher fragmentos de romances que tragam
imagens de leitura – você pode ir ao encontro de algum já citado nesta seção.

O ensino da literatura na escola: para além do que dizem os documentos

Apresentaremos, nesta seção, a orientação dos documentos de referência


para o ensino da literatura no nível Fundamental e no Médio e de outras obras
bibliográficas, cujas teorias que veiculam têm seus reflexos no processo de ensino.
Primeiramente é necessário saber que, de acordo com os PCNs, no Ensino
Fundamental, do 6º ao 9º ano (correspondente ao terceiro e ao quarto ciclo), a
literatura não tem foro de disciplina, ela está inserida no ensino da Língua
Portuguesa. Já no Ensino Médio, embora a literatura continue fazendo parte da
disciplina de Língua Portuguesa, integrante da área de Linguagens e Códigos, há
referência explícita ao seu ensino quando o documento traz como um dos seus

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objetivos: “Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de


construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as
classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial” (BRASIL,
2000, p. 24).
Os PCNs (BRASIL, 1998) da Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental
apresentam o texto como unidade de ensino, desenvolvendo uma reflexão específica
sobre a “especificidade do texto literário” considerando-o como uma “forma peculiar
de representação e estilo, construção autônoma onde predominam a força criativa
da imaginação e a intenção estética” (BRASIL, 1998, p. 26) em que entram em
diálogo a realidade e a fantasia:
Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros modos
de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que se está diante de um
inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento, em que as
invenções da linguagem, a instauração de pontos de vista particulares, a expressão
da subjetividade pode estar misturada a citações do cotidiano, a referências indiciais
e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido, enraizando-se na
imaginação e construindo novas hipóteses e metáforas explicativas, o texto literário
é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 26).
Nesse nível de ensino, embora os gêneros literários apareçam referenciados
como privilegiados para a prática da escuta e leitura de textos, bem como para a
prática e produção de textos orais e escritos, não são apresentados
encaminhamentos metodológicos específicos para o trabalho com a literatura. Tal
constatação é feita também por Gomes (2010). Esse autor destaca ainda a
inexistência de referência à vasta produção literária que circula no mercado editorial
brasileiro, cujo público-alvo são os alunos dessa faixa etária; a falta de circulação
dessa produção, a partir dos programas de promoção da leitura desenvolvidos pelo
governo, assim como a desconsideração para a importância do papel dessa literatura
na formação de leitores. Falamos aqui da literatura de recepção infantil e juvenil.
Como você já estudou na disciplina Literatura e ensino, temos hoje no
mercado editorial brasileiro um amplo acervo de títulos à disposição do leitor, com
características e temáticas as mais variadas possíveis. Veremos, na próxima seção,
que as políticas públicas desenvolvidas nos últimos anos têm contemplado a
inserção de títulos literários no espaço escolar, mas essa chegada dos livros à escola

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não tem sido acompanhada de alternativas didáticas que aproximem o jovem, em


especial aquele que cursa o Ensino Médio, da leitura.
Os documentos de 2000 (PCNEM) e 2002 (PCNEM+) referentes ao Ensino
Médio destacam que, nesse grau de ensino, deve-se dar “[...] especial atenção à
formação de leitores, inclusive das obras clássicas de nossa literatura [...]” (BRASIL,
2002, p. 68), configurando-se assim uma intenção de que a literatura seja
incorporada ao ensino da Língua Portuguesa, porém, não há políticas claras para a
formação de formadores de leitores. Em 2006, no documento sobre As orientações
curriculares do Ensino Médio, no item “Conhecimentos de Literatura”, os consultores
Neide Luzia de Rezende, Maria Zélia Versiani Machado e Enid Yatsuda Frederico,
bem como os leitores críticos Lígia Chiappini Moraes Leite e Haquira Osakabe,
buscam integrar a literatura e a sua especificidade como disciplina no Ensino Médio;
no entanto ela continua integrando a disciplina de Língua Portuguesa, como já
mencionamos.
No que diz respeito ao ensino da literatura, os estudiosos citados no parágrafo
anterior apontam alguns problemas dos PCNs +, entre eles:
• Uma radicalidade no que diz respeito ao critério de juízo do texto literário
que fica supervalorizado na figura do interlocutor, nesse caso o aluno leitor.
• “O foco exclusivo na história da literatura” – embora critiquem a prática
viciosa do seu ensino, acabam por privilegiar o eixo temporal e espacial,
permanecendo as práticas das escolas/dos movimentos literários, as obras e os
respectivos escritores.
• A fruição estética – exemplificada somente pelo exercício coletivo da
leitura literária e não a sua individualização. (BRASIL, 2006, p. 57-58).
Se os documentos apresentam um rompimento com uma visão historiográfica
desvinculada do texto no ensino de literatura, por que então tal prática ainda
persiste? Por que ainda persiste no Ensino Médio um ensino da literatura numa linha
diacrônica de movimentos literários, autores e obras? Nossa intenção, aqui, não é
polemizar, mas expor as fragilidades que compõem os documentos, pois a posição
sobre o ensino da literatura, em especial no Ensino Médio, não é fato dado, algo
resolvido.
É necessário lembrar que, desde o século XIX até os nossos dias, as análises
e os estudos literários enveredaram por rumos diversificados que, em síntese, podem

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ser definidos como se ligando, sucessivamente, aos três elementos que constituem
o fato literário: o autor, a obra e o leitor.
Num primeiro momento, concentraram-se na produção da obra, destacando a
figura do autor e o seu contexto histórico (críticas biográficas e deterministas); num
segundo momento, sobrevalorizaram o texto e o que ele tinha para dizer por si só,
confiante na sua autossuficiência, uma visão imanentista que se utilizou da linguística
como ciência prioritária (Formalismo Russo, New Criticism e mesmo a Crítica
Estilística, para chegar ao Estruturalismo). Dessa forma, as pesquisas voltaram-se
para o polo da textualidade, em detrimento do aspecto comunicativo. No terceiro
momento, surgem as reflexões sobre a figura ativa do leitor.
Estudos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Hans Robert Jauss
(1921-1997) ampliam essa discussão e levam em conta, no ensino da literatura, a
teoria literária que prioriza o leitor, tornando-o protagonista.
Bakhtin, começa a publicar suas reflexões na segunda década do século XX,
período de grande efervescência cultural, regido pelo futurismo e por outras vertentes
literárias, enquanto os estudos literários vivem sob a égide do formalismo. No campo
político e social, crescentes transformações se processam na Rússia marcada pela
Revolução Socialista. Sua produção científica está vinculada ao espaço da pesquisa
docente, como professor no Instituto Pedagógico de Saransk e em colégios locais de
Kímri, até culminar sua carreira na Universidade de Saransk. Em Problemas da
Poética em Dostoiévski (1929), o pensador introduz na discussão literária termos
como polifonia e carnavalização. Suas obras chegam ao Ocidente a partir da década
de 1970. Como você já deve ter percebido, os estudos de Bakhtin são referências
importantes para o desenvolvimento do ensino de Língua e de Literatura.

Contemporâneo ao formalismo, não segue essa corrente, concebe o texto


como dialógico, discursivo. Já com as teses desenvolvidas por Jauss, no final da
década de 1960, começou-se a enfatizar a figura do leitor, ao privilegiar a relação
autor-obra-público. Ambos marcaram época e contribuíram, cada qual a sua
maneira, para os estudos literários contemporâneos. Entre as ideias e as reflexões
desses dois estudiosos, algumas centelhas se cruzam apesar do tempo que os
separa. O que nos parece ponto de cruzamento encontra-se no processo de
dialogização desenvolvido por ambos: Bakhtin pelo diálogo com a tradição e Jauss

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pelo diálogo com o leitor. Para o primeiro, o texto deve ser vislumbrado na sua
tradição literária e na sua comunicabilidade, pois toda produção textual presente
incorpora, de forma mais ou menos intensa, a produção passada. Para o segundo, é
o leitor que, por meio da leitura, estabelece a relação dialógica com o texto.
Jauss vivencia a revolução de costumes da década de 1960, a emergência
dos movimentos estudantis e as adaptações e reformas universitárias motivadas por
essas transformações. Autor de alguns ensaios sobre a literatura medieval, suas
ideias tornam-se públicas após a conferência inaugural do ano letivo de 1967, na
Universidade de Constança, em 13 de abril, denominada de Was ist und zu welchem
ende atudiènt man literaturgeschichte? (O que é e com que finalidade se estuda
história literária?). Jauss desenvolve sete teses através das quais se propõe a
fundamentar metodologicamente e reescrever a história da literatura, pois seu
objetivo não consistia em banir a história dos estudos literários, mas reorganizá-la
sob outro viés.
Jauss (1994) propõe uma história da arte e da literatura fundada em outros
princípios: as análises literárias deveriam mudar o enfoque, não mais se centrando
no texto ou no autor, e sim no que denominou de “terceiro estado”: o leitor. Tal
perspectiva colocaria em foco a figura do sujeito produtor (destinador) interagindo
com a do consumidor (receptor). A arte obedeceria, assim, a uma função dialética:
formadora e modificadora de percepção (ZILBERMAN, 1989, p. 32).
Na concepção de Bakhtin (1990, 2003), a palavra constitui um elo entre vários
discursos. Ela não é estática, mas um signo social dialético, dinâmico e vivo, por isso
ativa e mutável; portanto, nunca é neutra e está sempre a serviço de algo, carregando
consigo as interpretações e pressões dos contextos que já integrou. Bakhtin vinculou
o texto literário à história e à sociedade, vistos como outros “textos” possíveis de
leitura. Assim, todo texto comportaria o diálogo de vários discursos: do emissor, do
destinatário e do contexto e/ou contextos anteriores.
O escritor já não é o “Adão bíblico” em busca do verbo primeiro, à medida que
todo discurso está sempre habitado por outras vozes, por outros discursos.
Percebemos, desse modo, que a essência do princípio dialógico se
fundamenta como tal numa relação de alteridade, ou seja, o processo de
comunicação exige o reconhecimento do outro. Na perspectiva bakhtiniana, o
permanente processo de dialogização vai refletir na relação dinâmica estabelecida

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entre o autor, o texto literário e o leitor, pois a palavra, como criação ideológica, vai
desenvolver-se de forma diversa das normas estabelecidas. A pluralidade de vozes
inseridas no discurso romanesco revela, por conseguinte, ao leitor um horizonte
diverso do habitual.
Ivanda Martins, estudiosa da área de Língua Portuguesa e Literatura, no artigo
“A literatura no Ensino Médio: quais os desafios do professor” (2006), destaca que a
discussão sobre o ensino nesse nível passa pela reflexão dos subsídios teórico-
metodológicos que contribuem com a prática pedagógica. Para ela,
A sistematização de certos conceitos específicos da teoria e crítica literária
precisa alcançar maior profundidade, exigindo-se do aluno um repertório mais amplo
de leituras e o conhecimento da organização estética da obra literária. A carência de
noções teóricas e a escassez de práticas de leituras literárias são fatores que
contribuem para que o aluno encare a literatura como objeto artístico de difícil
compreensão. (MARTINS, 2006, p. 83).
Martins (2006, p. 84) salienta ainda que a leitura literária é pouco valorizada
em todos os níveis de ensino da educação Básica (da Educação Infantil ao Ensino
Médio) e as contribuições das teorias literárias contemporâneas pouco têm sido
contempladas nas escolas, persistindo as abordagens formalistas, estruturalistas,
biográficas.
Ela traz para seu discurso as contribuições de Beach e Marshall, que fazem
distinção entre leitura da literatura e ensino da literatura, porém enfatiza que tanto a
leitura como o ensino da literatura devem estar presentes em todos os níveis de
ensino.
Leitura da literatura: “Relacionada à compreensão do texto, à experiência
literária vivenciada pelo leitor no ato da leitura.”
Ensino da literatura: “O estudo da obra literária, tendo em vista uma
organização estética.”
Esses dois níveis dialogicamente relacionados deveriam conviver na escola
de modo articulado. (MARTINS, 2006, p. 84-85)
Martins (2006) também destaca que a relação literatura e escola é marcada
por mitos e nos apresenta três deles: 1) literatura é muito difícil; 2) é preciso ler obras
literárias para escrever bem; e 3) a linguagem literária é marcada por especificidade.

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O primeiro mito se efetiva pelo incentivo exclusivo de leitura de obras


clássicas, uma vez que esses textos “[...] apresentam uma linguagem pertencente a
contextos espaço-temporais distantes da realidade do aluno” (MARTINS, 2006, p.
92). A autora não é contra o uso de obras clássicas, mas afirma que elas devem ser
contextualizadas para que os alunos compreendam “[...] as conexões entre as
características estilísticas do texto e o contexto em que foi produzido” (MARTINS,
2006, p. 92). Por outro lado, muitas vezes, essas obras são apresentadas em
fragmentos no livro didático, provocando um consumo rápido de um trecho do texto,
sem haver, por parte do professor, um incentivo para a leitura integral, de forma que
o aluno compreenda as relações intertextuais provocadas pelo texto literário. No que
diz respeito à análise e à interpretação dos textos literários, há um enfoque na
intenção do autor durante a sua produção, pois “[...] a literatura torna-se, assim, um
objeto impenetrável, indecifrável, e o aluno-leitor não se conscientiza de sua
participação como co-enunciador do texto, pois seu papel na recepção textual não é
tão privilegiado” (MARTINS, 2006, p. 93).
O segundo mito é o de que a leitura de obras literárias, em especial os
clássicos (inclui-se Machado de Assis, José de Alencar, entre outros), facilitaria o
acesso ao domínio da norma padrão; mito enfatizado pelas gramáticas normativas
quando as utilizam como exemplo,
[...] desconhecendo que o fazer artístico não se prende a regras, mas
transcende os limites da gramática-padrão. Não é valorizada a intenção estética que
propicia a liberdade criativa do autor, o qual pode fugir da norma culta se sua intenção
é representar o dialeto não-padrão, por exemplo. (MARTINS, 2006, p. 94).
A leitura do texto literário, por sua vez, na maioria das vezes, é acompanhada
da produção de uma redação ou do preenchimento de fichas de leituras. Por esse
viés, “[...] a leitura literária está diretamente atrelada ao cumprimento de tarefas
escolares” (MARTINS, 2006, p. 95).
O terceiro mito, o de que a linguagem literária é marcada pela especificidade,
muito presente nas salas de aula, tem base em enfoques formalistas e estruturalistas,
que não levam em conta as relações texto e contexto e leitor e texto, isso é, as
condições de produção e recepção. A autora traz, como exemplos, os estudos de
Pratt, que desenvolve reflexões sobre a obra literária como “[...] representação da
fala diretamente relacionada ao contexto comunicativo” (MARTINS, 2006, p. 95).

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Desse modo, a discussão sobre a linguagem literária e não literária deveria recair
sobre os “[...] pontos de confluência entre a literatura e os discursos que produzimos
cotidianamente” (MARTINS, 2006, p. 96).
Tendo isso em vista, cabe questionarmos: No que esses mitos contribuiriam
para um tratamento inadequado do literário no espaço escolar? Segundo Martins
(2006, p. 96),
Disseminam perspectivas preconceituosas subjacentes à prática pedagógica
que precisa ser repensada. Ao perpetuar esses mitos, a escola contribui para a
formação de leitores possivelmente acríticos, com uma visão reduzida do fenômeno
literário e promove a manutenção do status daqueles que encontram, na leitura
literária e nas habilidades intelectuais, uma forma de poder, discriminando aqueles
que não percebem a dimensão polissêmica, simbólica, transgressora do fazer
artístico literário.
Certamente você já ouviu comentários ou leu a expressão “escolarização”
vinculada à arte como sinônimo de negatividade. Magda Soares, com relação à
escolarização da literatura infantil e juvenil, afirma que:
Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes,
artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de
‘saberes escolares’, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e
disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável
pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem.
(SOARES, 1999, p. 20, grifos da autora).
Soares (1999) assevera que não devemos atribuir conotação pejorativa à
escolarização, pois ela é inevitável e necessária. Negar a escolarização seria negar
a própria escola, no entanto existe uma escolarização adequada e outra inadequada
no trato com o conhecimento, nesse caso, o literário. A primeira seria
[...] aquela que conduza mais eficazmente às práticas de leitura que ocorrem
no contexto social e às atitudes e valores que correspondem ao ideal de leitor que
se quer formar - e uma escolarização inadequada, errônea, prejudicial da literatura
- aquela que antes afasta que aproxima de práticas sociais de leitura, aquela que
desenvolve resistência ou aversão à leitura. (SOARES, 1999, p. 25).

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Importa destacarmos que Soares (1999) apresenta ainda as três principais


instâncias de escolarização da literatura infantil e juvenil: a biblioteca, a leitura e o
estudo de livros de literatura e a leitura e o estudo de textos de literatura.
1) A biblioteca e as suas estratégias: local escolar onde os livros ficam
guardados e disponibilizados; a organização do espaço e do tempo de acesso ao
livro e à leitura; estratégia de seleção dos livros que os alunos devem/podem ou não
ter acesso e eventos relacionados à biblioteca.
2) A leitura e o estudo de livros de literatura: a leitura do livro literário
orientada pelo professor configura-se como tarefa/dever escolar e é sempre avaliada.
Há exigência de comprovação do que foi lido.
3) A leitura e o estudo de textos de literatura: leitura do fragmento do texto
literário no livro didático. Em estudo sobre os livros didáticos de 1ª a 4ª séries, a
autora apresenta a forma inadequada pela qual os textos literários são tratados nos
livros didáticos.

Da biblioteca escolar a outros espaços de leitura literária

A biblioteca escolar é compreendida pelos documentos oficiais de referência


como um espaço de fundamental importância para a disseminação da leitura, em
especial da leitura literária. Veremos a seguir que políticas públicas têm levado em
conta este local como espaço irradiador da leitura, pois não é possível se ter um
projeto pedagógico que leve em conta a formação do leitor sem pensar neste
ambiente, uma vez que o
[...] projeto pedagógico com vistas à formação do leitor da Literatura deve
incluir a estruturação de um sistema de trocas contínuo, sustentado por uma
biblioteca com bom acervo e por outros ambientes de leitura e circulação de livros. A
ampliação dos espaços escolares de leitura resultará, com certeza, na ampliação dos
tempos, diga-se de passagem, exíguos de aulas de Literatura, além de possibilitar
trocas menos artificiais, já que colaboram para a criação de uma comunidade de
leitores tão importante para a permanência da literatura, sobretudo em contextos
sociais que não dispõem de uma biblioteca pública e/ou livraria. (BRASIL, 2006, p.
80).

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Vários locais, no Brasil e fora dele, possuem espaços de leitura que, num
primeiro momento, parecem sui generis, mas acabam sendo fundamentais para a
formação de leitores. Vejamos alguns desses projetos e iniciativas: Barca do livro
(Florianópolis), Ônibus biblioteca (São Paulo, Rio Grande, Recife, Uberlândia,
Contagem e outras cidades), empréstimos em terminais de ônibus (Curitiba, Passo
Fundo) e metrôs (São Paulo, Belo Horizonte); Burro biblioteca (Etiópia, Colômbia).
Uma das ações necessárias para a educação e a promoção da cultura escrita
é o desenvolvimento e a permanência de políticas públicas. Como professor de
Língua Portuguesa e Literatura, é importante que você conheça algumas políticas
que estão sendo desenvolvidas no País com o objetivo de promover a leitura. Como
cidadãos e profissionais da Educação, devemos acompanhar a implementação
dessas ações e verificar se estão sendo concretizadas a contento.
O Ministério da Educação brasileiro, no
que se refere ao livro e à sua circulação no
espaço escolar, tem se voltado preferencialmente
para o desenvolvimento de políticas de acesso ao
livro didático. Das ações que dizem respeito à
biblioteca escolar, ao incentivo à leitura e à
formação de leitores, podemos mencionar o que
segue.
Entre os anos de 1984 e 1996, ocorreu o
Programa Nacional Salas de Leitura (PNSL), instituído pela Resolução MEC/FAE nº
14, de 26 de julho de 1984. Esse programa tinha como finalidade a criação de um
espaço alternativo nas escolas públicas que fugisse ao formato da biblioteca
tradicional.
Em 1997 foi instituído o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE
(Portaria Ministerial nº 584). Em 2000, o PNBE privilegiou a distribuição de obras
voltadas para a formação do professor às escolas de 1ª a 4ª séries do Ensino
Fundamental. Cabe lembrar que, de 2001 a 2003, o PNBE desenvolveu o projeto
Literatura em Minha Casa e Palavra da Gente, focado na distribuição de coleções de
literatura diretamente ao aluno, com objetivo de oportunizar ao estudante e seus
familiares o acesso ao livro literário. As coleções compunham-se de um conjunto de
títulos de gêneros variados.

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Em 2001, o projeto Literatura em Minha Casa foi direcionado a alunos de 4ª e


5ª séries. Em 2002, para alunos de 4ª série e em 2003, para alunos de 4ª e 8ª séries
e do último segmento de Educação de Jovens e Adultos (EJA). No ano de 2004, com
a mudança de governo no País, há uma avaliação do referido projeto anterior e a
distribuição particularizada ao aluno é revista e se retorna a ações de implementação
do acervo coletivo dos espaços de leitura na escola: bibliotecas e salas de leitura.
Segundo a avaliação do MEC, com o projeto Literatura em Minha Casa não
houve investimento no acervo coletivo das bibliotecas escolares:
[...] debilitando a biblioteca como espaço próprio de organização e
disponibilização de materiais diversificados – de obras de referência a periódicos; de
livros de literatura a obras de não-ficção; de mapas a novas tecnologias – lugar em
que se promove a sociabilidade, mas principalmente a democratização do
conhecimento. Considerando a importância de universalizar o atendimento a todas
as instituições públicas de Ensino Fundamental, independentemente do número de
alunos matriculados, É necessário lembrar que, em paralelo à política de governo,
houve o Projeto Ciranda de Livros, realizado pela Fundação Nacional do Livro Infantil
e Juvenil (FNLIJ) em parceria com a Fundação Roberto Marinho e da Hoescht; teve
a duração de 4 anos e promoveu o acesso a 15 títulos de literatura infantil ao ano
para mais de trinta e cinco mil escolas. Hoje parece pouco, mas na época este acervo
era comemorado pelas crianças e professores das escolas do interior do País.
Foram distribuídos, em 2005, às escolas do primeiro segmento do Ensino
Fundamental (do 1º ao 5º ano) livros de literatura no formato disponível no mercado
editorial. Em 2006/2007, foram selecionados e distribuídos livros de literatura ao
segundo segmento do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano). Cabe, ainda,
registrarmos que, em 2007/2008, a seleção e distribuição de livros de literatura foram
voltadas para alunos da educação infantil e das séries/anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Constatamos, ainda, que a seleção e a distribuição de livro de literatura foram,
em 2008/2009, voltadas para alunos do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano) e do
Ensino Médio. Destacamos que, a partir de 2009/2010, as obras de literatura têm
sido voltadas para as crianças da educação infantil (creches e pré-escolas), para os
alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e para os alunos da educação de
jovens e adultos (Ensino Fundamental e Médio).

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Embora não sejam títulos de literatura, neste período também foi lançado o
edital PNBE Professor 2010, com o objetivo de subsidiar teórica e
metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e
etapas/modalidades da educação básica. Foram selecionados 154 títulos divididos
em cinco categorias: 53 para os anos iniciais do Ensino Fundamental; 39 para anos
finais do Ensino Fundamental; 45 para o Ensino Médio e educação de jovens e
adultos; e 17 para os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da educação de
jovens e adultos.
Importa frisarmos que, embora tenhamos essas ações, ainda existe carência
de bibliotecas escolares. Há, todavia, esperança de que se reverta este quadro, pois
foi sancionada a Lei nº 1.244/2010, publicada no Diário Oficial da União, em 25 de
maio de 2010, que determina que toda escola pública e privada tenha um acervo
mínimo de livros nas bibliotecas escolares, correspondente a um título por aluno
matriculado. A referida lei estabelece o prazo de 10 anos para a criação de espaço
exclusivo para a guarda do acervo e a admissão de profissional habilitado para
administrar esse acervo.
Acompanhemos o levantamento sobre o índice de bibliotecas públicas e
fiquemos atentos à implementação da Lei nº 1.244/2010, exigindo de nossos
governantes que a executem em prol da melhoria da qualidade do ensino em nossas
escolas e, consequentemente, da educação no Brasil.
Faz-se necessário destacar que, a partir de 2003, com a Lei nº 10.753, que
institui a Política Nacional do Livro, desenvolveu-se um Plano Nacional do Livro e
Leitura (PNLL) e várias ações de promoção da leitura foram desencadeadas.
Leia a matéria sobre os dados do déficit de bibliotecas escolares em nosso
País em http://www.cultura.gov.br/site/2010/06/03/ faltam-93-mil-bibliotecas/.
Outras instituições não governamentais têm se aliado em prol de reflexões
sobre a leitura literária no Brasil, entre elas podemos citar o Movimento por um Brasil
literário e a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
O Movimento por um Brasil Literário teve início em 2009, com a publicação do
Manifesto por um Brasil Literário, lançado em julho daquele ano durante a Festa
Literária de Paraty (FLIP). O movimento se constitui a partir da iniciativa da união de
instituições e pessoas físicas, envolvidas com a temática da literatura no País. O

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Manifesto procura “[...] ampliar o debate em torno da importância da leitura de livros,


acolher propostas e engajar o maior número de pessoas em torno desta causa”. Os
representantes do Movimento buscam participar de ações que levem em conta a
leitura literária. Leiamos um fragmento do Manifesto:
A leitura literária é um direito de todos e que ainda não está escrito. O sujeito
anseia por conhecimentos e possui a necessidade de estender suas intuições
criadoras aos espaços em que convive. Compreendendo a literatura como capaz de
abrir um diálogo subjetivo entre o leitor e a obra, entre o vivido e o sonhado, entre o
conhecido e o ainda por conhecer; considerando que este diálogo das diferenças,
inerente à literatura, nos confirma como redes de relações; reconhecendo que a
maleabilidade do pensamento concorre para a construção de novos desafios para a
sociedade; afirmando que a literatura, pela sua configuração, acolhe a todos e
concorre para o exercício de um pensamento crítico, ágil e inventivo; compreendendo
que a metáfora literária abriga as experiências do leitor e não ignora suas
singularidades, que as instituições em pauta confirmam como essencial para o País
a concretização de tal projeto. (MOVIMENTO POR UM BRASIL LITERÁRIO, 2009,
não paginado).
A FNLIJ, por sua vez, é uma instituição sem fins lucrativos. Foi criada em 1968,
com os objetivos de promover a leitura literária e divulgar os livros de qualidade, para
crianças e jovens, publicados no Brasil. A instituição desenvolve várias ações para
cumprir seus objetivos, entre elas: concurso para promover a leitura e os livros de
qualidade; cursos que visam à formação do professor-leitor, leitura e seleção de livros
para crianças e jovens, pesquisas sobre a leitura e literatura, publicações e atividades
internacionais com a participação no International Board on Books for Young People
(IBBY), por meio da seção brasileira.
Em 1974, a FNLIJ inicia a premiação dos melhores livros de recepção infantil
e juvenil. Esta premiação conta, atualmente, com 18 categorias: Melhor livro para a
Criança; Jovem; Imagem; Poesia; Informativo; Tradução Criança; Tradução Jovem;
Tradução Informativo; Tradução Reconto; Projeto Editorial; Revelação Escritor;
Revelação Ilustrador; Melhor Ilustração; Teatro; Livro Brinquedo; Teórico; Reconto;
e Literatura de Língua Portuguesa. Além disso, ela elenca dez títulos em cada
categoria da premiação para receberem o Selo de Altamente Recomendável. A lista
dos livros premiados pela FNLIJ tem servido de orientação para a aquisição e

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compra de livros, por diferentes organismos públicos e particulares e por leitores em


geral.
Em 1994, a FNLIJ criou também o Concurso FNLIJ – Os Melhores Programas
de Incentivo à Leitura junto a Crianças e Jovens, para valorizar o trabalho de pessoas
físicas e instituições envolvidas em iniciativas de promoção da leitura. A partir de
1999, tem sido realizado anualmente o Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens
(RJ), com o objetivo de contribuir para a formação de leitores, com foco na literatura
infantil e juvenil.
Você conhece os espaços públicos de leitura na sua cidade? Isto é, você
conhece a biblioteca pública de sua cidade? E os projetos de leitura da Secretaria
Municipal de Educação ou de outras instituições públicas ou privadas? A sua cidade
tem livrarias? Feira de livro? Saraus literários? Círculos de leitura? Ressaltamos,
assim, que conhecer quais os locais e as práticas de promoção da leitura literária se
faz necessário para a realização de parcerias em prol de um trabalho com a literatura.

O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Médio: estratégias


metodológicas

Poesia
Palavra, palavra (digo exasperado), se me desafias, aceito o combate
(Carlos Drummond de Andrade, 1967)
A luta com a palavra, considerada como a batalha mais vã, é trazida para este
espaço de reflexão como algo possível e aprazível, pensar a leitura do poema, bem
como a sua escrita, como exercício de prazer que deve ganhar espaço na sala de
aula. O objetivo do ensino do poema não se constitui em formar escritores/poetas,
mas em aproximar e sensibilizar os alunos, quer do Ensino Fundamental, quer do
Ensino Médio, em relação à leitura da palavra poética e, se possível, à escrita.
Gostaríamos de retomar aqui a proposta do poeta catarinense Lindolfo
Bell, que, na década de 1960, juntamente com o poeta Rubens Jardim, concretizou
o exercício de levar a poesia às ruas, movimento conhecido como Catequese
Poética. A poesia ganha as ruas na boca do poeta que recita no Viaduto do Chá (SP);
nas camisetas com novas estampas: a palavra poética; nos painéis-poema, nos

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papéis de carta poema; nos poemas escritos no chão das praças. É a poesia livre de
amarras, solta no ar.
Essas estratégias de vivificar as palavras construídas pelo poeta podem,
evidentemente, ser aplicadas por nós professores. Assim, vale questionarmos: Por
que não lançar para os alunos a proposta de retirar os poemas dos livros e apresentá-
los em outros suportes? Isso pode ser solicitado a qualquer grupo,
independentemente da faixa etária ou do nível de ensino. Em 2008, na Universidade
do Sul de Santa Catarina (UNISUL), estudantes do Curso de Letras realizaram, por
exemplo, atividade com fim de dar visibilidade à palavra poética. O grupo de alunos
emoldurou os poemas de Lindolfo Bell em pequenos quadros e em sacolas poéticas,
conforme podemos constatar na imagem a seguir.

Varal literário

Outro trabalho interessante a ser realizado com os alunos é a construção do


Varal Literário. Os primeiros varais literários começaram a circular em Santa Catarina
na década de 1970, idealizados pelo poeta Alcides Buss. Atualmente são muito
utilizados para divulgar e expor poemas.
O varal literário consiste em pendurar num cordão (como um varal de roupa)
as produções literárias dos alunos e também de escritores por escolhidos eles. Os
poemas podem, igualmente, ser apresentados em folhas de ofício e/ou cartolinas.

Exercício Dadaísta
O movimento Dadaísta, como você estudou em Teoria Literária, valorizava o
acaso e o absurdo, buscava “libertar a imaginação via destruição das noções
artísticas convencionais”.
O poeta Tristan Tzara deixou uma receita para fazer um poema dadaísta.
Vejamos:
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam

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Limerique
Limerique é uma construção poética com temática maluca, absurda, surreal.
Compõe-se de cinco versos e o primeiro, o segundo e o último verso têm de terminar
com a mesma rima. O terceiro e quarto versos são mais curtos e apresentam rimas
diferentes dos demais versos. Não se sabe ao certo a origem de sua estrutura, mas
seu sucesso se deve ao escritor inglês Edward Lear (1812-1888). A seguir,
apresentamos um exemplo desse tipo de poema:
Poema traduzido por José Paulo Paes: There was an Old man on whose nose/
most birds of the air could repose;/But they all flew away/at the closing of Day,/ Which
relieved that Old Man and his nose.

Poesia visual
Para introduzir as crianças e adolescentes na poesia visual, nada mais
interessante do que o livro Poesia Visual, de Sérgio Capparelli e Ana Claudia
Gruszynski. Além dos poemas impressos, o leitor poderá brincar com os poemas e
interagir com eles no site: www.ciberpoesia. com.br.
Narrativa
No trabalho com a narrativa, apresentaremos, a seguir, algumas sugestões
metodológicas que, acreditamos, podem contribuir para o exercício da leitura literária
em prosa na escola. É necessário lembrar que estas atividades não excluem
informações básicas e necessárias já estudadas por você durante o curso,
explicitando os gêneros literários dentro do estilo narrativo: o romance, o conto, a
crônica, a fábula, entre outros; e as categorias da narrativa ação, tempo, espaço,
personagens e narrador.
O Romance
Martins (2006) sugere a análise comparativa entre textos por autores em
tempo e espaço diferentes, o que incentiva o trabalho com os diferentes níveis de
compreensão de intertextualidade. O quadro a seguir, elaborado pela autora,
apresenta sugestão de como trabalhar os diferentes níveis de intertextualidade:

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Outra possibilidade de trabalhar com o romance apresentamos a seguir. Para


introduzir no Ensino Médio a leitura dos romances do escritor português José
Saramago, sugerimos, por exemplo, a leitura de um conto do autor publicado em
formato de livro infantil, denominado A maior flor do mundo (Ilustração de João
Caetano). Nesse conto, o escritor tece considerações sobre as dificuldades das
relações humanas e as de escrever para a infância. Para completar, você pode
assistir ao filme, adaptado e dirigido por Juan Pablo Etcheverry, A flor mais grande
do mundo, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-KTL94Rl7CI>.

O Conto

O gênero conto é mais facilmente trabalhado em


sala de aula devido a sua extensão, pois não exige
muito tempo de leitura como o romance. Construído de
forma simples, a brevidade é uma de suas
características, como destaca Alceu Amoroso Lima
(apud GOTLIB, 2003, p. 63-64):
O tamanho representa um dos sinais
característicos de sua diferenciação. Podemos mesmo dizer que o elemento
quantitativo é o mais objetivo dos seus caracteres. O romance é uma narrativa longa.
A novela é uma narrativa média e o conto é uma narrativa curta. O critério pode ser
muito empírico, mas é muito verdadeiro. É o único realmente positivo.

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O Miniconto

Embora o Miniconto, ou microconto, ou nanoconto


– espécie de conto muito pequeno – não seja reconhecido
como gênero literário pela Teoria Literária, sua inserção
nas produções de muitos escritores tem ganhado cada vez
mais força, e muitos são os seus adeptos. Uma das
características do miniconto é a sua incompletude, que
possibilita ao leitor outras representações para além do
texto.
Vale a pena consultar o blog do escritor Silvio
Vasconcellos, “Minicontos cotidianos”. A estratégia do escritor é utilizar-se de
manchetes de notícias jornalísticas, bem como de suas fotografias e produzir um
miniconto com até 300 caracteres. A partir da matéria do jornal El Clarín (Argentina,
de 31/08/2007) intitulada “Obligan a cuatro turistas a limpiar enormes graffitis que
pintaron en rocas de Sierra de la Ventana”, Silvio Vasconcellos escreveu: Eram os
deuses artistas?
O fiscal do parque viu as pinturas nas pedras e lembrou-se do grupo de jovens
que ia descendo as montanhas. Ainda tentaram alegar que eram figuras rupestres,
mas quando o fiscal perguntou por que os pré-históricos escreveriam Fuera Bush,
responderam que além de astronautas os incas eram videntes.

Outras possibilidades

Apresentaremos, a seguir, atividades de promoção da leitura literária que têm


caráter interdisciplinar. Elas possibilitam o aguçar do ato criativo e a autonomia da
leitura e podem ser realizadas nos diversos espaços da escola (sala multimídia,
bibliotecas, auditórios) e conjuntamente com professores de outras disciplinas.
Algumas dessas atividades estão presentes no artigo “A leitura literária, escola e
biblioteca escolar: inquietações” (DEBUS, 2006).
Saraus literários I – leituras em voz alta de textos temáticos a serem realizadas
pela comunidade escolar em períodos extracurriculares. A proposta é que essa
atividade não esteja vinculada a determinada disciplina da grade curricular.

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Saraus literários II – presença de escritores de literatura infantil e juvenil na


escola para dialogar com os leitores sobre suas obras e promover a audição de seus
textos. Tal momento exige a leitura antecipada dos títulos do autor convidado.
Feira de Livros – evento que aproxima a comunidade escolar da leitura. As
livrarias e/ou divulgadores editoriais aceitam o convite para participar, pois é uma
maneira de divulgar seus produtos e também de vendê-los. A escola pode solicitar,
como contrapartida dos expositores, a presença de contadores de histórias,
escritores, ilustradores e mesmo a doação de um acervo mínimo de títulos.
Intercâmbio de leituras – promoção de contato epistolar (tradicional ou
eletrônico) dos alunos da instituição na qual você trabalha com estudantes de
instituições nacionais e internacionais (por exemplo, entre Brasil e Portugal) para que
possam trocar impressões sobre leituras. Primeiro os leitores socializam
internamente as suas leituras, para que ocorra uma permuta de apreciações críticas
ou de opiniões sobre as leituras realizadas, antes de compartilhá-las com o grupo
externo.
Sessão Audiovisual I – Sessão de filmes que sejam adaptações de obras
literárias, no intuito de comparar a transposição do texto literário para outro suporte
e as inserções e adaptações realizadas pelos roteiristas e diretores. No Brasil temos
vários títulos de autores especificamente brasileiros, O menino maluquinho (Ziraldo),
Antes que o mundo acabe (Marcelo Carneiro da Cunha), Memórias Póstumas de
Brás Cubas (Machado de Assis), O Cortiço (Aluízio de Azevedo), Clandestina
Felicidade (Clarice Lispector). E de estrangeiros, como Razão e Sensibilidade, de
Jane Austin; O leitor, de B. Schlink; Harry Potter e o cálice de fogo, de J.K. Rowling,
e tantos outros.
Figura 42 - Antes que o mundo acabe – livro e filme (Editora Projeto, 2000),
de Marcelo Carneiro da Cunha, com fotos de Roberto Conte e Ado Henrichs, foi
adaptado para o cinema em 2010, dirigido por Ana Luiza Azevedo, com participação
de Jorge Furtado no roteiro. Para saber mais, acesse: www.
antesqueomundoacabeofilme.com.br.
Sessão Audiovisual II – Sessão de filmes que possuam como tema a leitura,
em especial a literária, e os espaços sociais de leitura, que provoquem e estimulem
a discussão da sua importância: Sociedade dos poetas mortos, Abril despedaçado,
Farenheit 451, Nunca te vi, sempre te amei, Mensagem para você, O leitor.

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Sessão Audiovisual III – Audição de músicas adaptadas de poesias e CDs de


poesias declamadas.

O PROCESSO DA ESCRITA NA ESCOLA


Objetivamos discutir o desenvolvimento do processo da escrita na escola,
observando-o pelos princípios do pensamento filosófico-linguístico da linguagem
como interação social (teorias de Mikhail Bakhtin e seu Círculo) e da visão
sociointeracional do ensino e da aprendizagem (teorias de Vigotski e discípulos). Não
é, pois, nosso objetivo discutir a trajetória histórica das teorias sobre concepções de
língua, de linguagem e de texto e implicações desses estudos nas ciências da
linguagem e destas na atualidade. Nessa unidade põem-se em foco os principais
movimentos historicamente ocorridos no espaço acadêmico e escolar na
implementação dessas teorias, ou em sua aplicação prática, amparados por
diferentes visões ou concepções desse objeto de conhecimento. Com essa
abordagem esperamos fornece algumas orientações que possam subsidiar a
formação do professor em Letras-Português, na perspectiva teórico-metodológica
aqui assumida.
Podemos, então, pontuar algumas especificidades previstas para essa nossa
meta, quais sejam:
• contextualizar as implicações do princípio dialógico da linguagem e das
questões de ensino e aprendizagem pela perspectiva sociointeracionista nas práticas
de linguagem da sala de aula;
• compreender a relação entre a interação verbal e social na escola e o
ensino e aprendizagem da escrita (produção oral e escrita);
• discutir aspectos da relação entre concepção de língua, de linguagem e
atividade pedagógica.

O processo da escrita na escola

No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao
mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.

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Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer


peraltagens.
(Manuel de Barros, 2002)
O convite é para dialogarmos sobre a escrita; sobre o que envolve esse
processo de conhecimento e seu ensino na escola. Escrever! Ler! “Autorar”! Antes
de tudo, você vai conhecer os nossos objetivos para que, neste trabalho de leitura,
estudo, pesquisa e atividades, possa atingi-los a contento. Queremos que você, caro
estudante, obtenha conhecimentos teórico-metodológicos sobre aspectos que
envolvem o processo de ensino e aprendizagem da língua materna no ensino
fundamental e médio e assim, como profissional, sinta-se capacitado e possa atuar
de modo competente e efetivo na escola.

E, nesse contexto, algumas perguntas iniciais se insinuam:


1) Afinal, no espaço escolar, sendo estudantes, como alcançamos o
domínio desse conhecimento? E, na função de professores, como nos tornamos
competentes na mediação pedagógica do que se ensina e do que é aprendido?
2) Como compor um processo educativo, uma metodologia de ensino
direcionada ao ato da escrita, que possibilite a cada um de seus participantes a
aquisição (se for esse o caso), o desenvolvimento dos usos da escrita tanto no que
diz respeito à habilidade individual como no coletivo?
Bem, é disso que trata o convite para a leitura destas nossas próximas
páginas: a palavra flertada nos seus propósitos ou despropósitos; importância ou
desperdício; no que é dito ou no que é silenciado.
Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas
de informar. (Manuel de Barros, 2003)
Nada melhor, então, do que iniciar escrevendo pelo que está na memória de
escritos escolares e do que de lá foge; sobre o que percorremos até chegarmos a
um curso de Graduação em Letras, cuja proposta é licenciar, conferir grau a seus
partícipes, legitimar o ofício do ensino da Língua Portuguesa àqueles a quem a
palavra não passa impune; àqueles que, assim como o menino que carregava água
com a peneira, descobrem que escrever é “como carregar água na peneira”, é ser
“capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo”, é aprender a “usar as
palavras”, a “fazer peraltagens”, “encher os vazios com as peraltagens”. Assim, a

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cada palavra dita, nesse instante, estando onde estivermos, – no lugar ou no tempo
–, estejamos envolvidos com o apanhar a palavra no seu efeito mais profundo ou na
fantasia para não nos fatigarmos da informação, com ela possamos “cirandar” pela
nossa unidade de trabalho pedagógico.

O texto e o envolvimento do aluno-escritor

Frida, nome que dá título a um livro de literatura estrangeira, de Yolanda


Reyes, com tradução de Ruth Rocha e ilustrações de Olga Cuéllar, traz uma história
que começa assim:
De volta à escola. Outra vez, o primeiro dia de aula. Faltam três meses, vinte
dias e cinco horas para as próximas férias. O professor não preparou a aula. Parece
que o novo curso o apanhou de surpresa. Para sair desse impasse, ele ordena, com
a voz de sempre: - Peguem os seus cadernos e escrevam com esferográfica azul e
com letra legível uma composição sobre as férias. No mínimo uma página, de
margem a margem, sem pular nenhuma linha. Cuidado com a ortografia e com a
pontuação. Vocês têm quarenta e cinco minutos. Alguma pergunta? Não há
perguntas. E nem respostas. O que há é a mão, que não obedece às ordens, porque
está chegando das férias. É um caderno pautado de cem páginas que estréia hoje
com o velho tema de todos os anos: O que fiz nas minhas férias? (REYES, 1999, p.
5).
Após esse início, todas as demais páginas do livro Frida contam, pela voz do
Santiago, a primeira paixão desse menino: uma sueca que veio de férias para a
Colômbia visitar os avós e que viveu, com Santiago, esse sentimento. Entre as
muitas passagens da narrativa do encantamento mútuo, da fase do conhecimento à
despedida, há uma que demonstra a intensidade do encontro de ambos e que
destacamos:
Agora ela está muito longe. Na maior lonjura do mundo: na Suécia! Eu nem
posso ficar imaginando o que acontece lá, porque não conheço seu quarto, nem sua
casa, nem seus horários. Decerto está dormindo enquanto eu escrevo esta
composição. Para mim, a vida se divide em duas partes: antes e depois de Frida.
Não sei como pude viver estes onze anos da minha vida sem ela. Não sei como fazer
para viver de agora em diante. (REYES, 1999, p.23-25).

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Ao final da narração, Santiago continua desolado: “À noite dormi chorando e


acho que chorei dormindo, pois, meu travesseiro amanheceu molhado. Essa coisa
de se apaixonar é muito difícil [...]” (REYES, 1999, p. 27). Virando a página, a última
do livro, lemos:
Levanto a cabeça e descubro os olhos do professor cravados nos meus. –
Vamos, Santiago. Leia em voz alta o que escreveu, tão concentrado. Eu então
começo a ler com a voz de sempre a mesma composição de Figura 44 – Frida todos
os anos: “Nas minhas férias não fiz nada de especial. Não fui a lugar nenhum, fiquei
em casa, arrumei meu quarto, joguei futebol, li muitos livros, andei de bicicleta, etc.,
etc., etc. ...”. O professor me olha com um olhar longínquo, descrente e distraído.
Será que ele também se apaixonou nessas últimas férias? (REYES, 1999, p. 29).
Como vemos por essa história, as vivências de escolaridade se assemelham
e, em nosso país, fomos ou somos muitos os “Santiago” com uma vida cotidiana e
uma escolar descoladas – como dois mundos um à parte do outro – pelas propostas
construídas para ler e escrever na sala de aula, no tempo e espaço de uma disciplina
curricular. Isso supõe que haja uma lacuna na cultura escolar entre o ensino da leitura
e da escrita na instituição e as práticas sociais de letramento. Supõe também um
possível distanciamento no processo de mediação, no que se refere à escrita, entre
professores e estudantes. Avaliando essas situações, nelas estão envolvidas
questões de ordem teórica e metodológica as quais têm provocado rumos diferentes
do que seria normal se esperar à prática do ensino da Língua Portuguesa.
Como alunos, muitos de nós vivenciamos a experiência, à semelhança de
Santiago, de estar diante de uma folha em branco e com professor com olhos
cravados em nós solicitando-nos que escrevêssemos “um texto com base em um
título qualquer: uma data festiva; visita à casa de avós etc.”. Habituamo-nos com
relações de assimetria: pelo discurso pedagógico que ensina basicamente pelo livro
didático (conteúdos); pelas lembranças do que aprendemos com nossos professores
e, como alunos, assumindo um papel de “aquele que desconhece necessariamente
o que lhe é ensinado”. E, alunos e professores, vimos repetindo ações de submissão
à palavra do outro. “Professor, como começo a minha redação/composição/texto?”
Lembram desse enunciado? Alguns professores respondiam (ou respondem?) a
seus alunos: “Você não sabe? Pense, esforce-se! A ideia está na sua cabeça, é só
passar para o papel!” Outros nos “davam” um começo. Vocês recordam de algo

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semelhante ao que estamos dizendo? É, mas essa é uma longa história, que trata
de uma prática pedagógica que ocupou (ainda ocupa?) Uma boa fatia dos modelos
de ensino. E quanto à correção do que produzíamos? Ou recebíamos uma avaliação
(nota/conceito) ou observações generalistas (sua redação não está boa, reescreva-
a; tente melhorar o final; sua redação não tem começo, meio e fim; falta coesão;
melhore a ortografia, reveja a pontuação e a concordância verbal, etc.). Poderíamos
nos alongar nessas descrições que habitam as memórias de ensino, mas as
trouxemos para começar a falar sobre a aprendizagem de ministrar aulas, cujo
objetivo é ensinar a linguagem verbal escrita; não aos moldes das memórias acima
resgatadas. Vamos atuar nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio, mas acima desse nosso compromisso está o necessário entendimento do
objeto de ensino da Língua Portuguesa e Literatura. Com essa consideração temos,
então, de tocar em questões que dizem respeito ao acesso à cultura da escrita pelo
ensino sistematizado e intencional desse conhecimento, sem esquecer que isso
implica olhar para o ser que escreve, o Ser humano.

Aprendizagem e desenvolvimento da linguagem escrita e autoria

Apresentamos abaixo quatro “textos”, dois exemplares retirados de cartilhas


brasileiras e dois de alunos da primeira série do Ensino Fundamental produzidos em
meados do segundo semestre letivo.

Se partirmos para uma análise comparativa dessas escritas, podemos dizer


que na relação entre “textos” de cartilhas e “textos” de alunos há algo que aproxima
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os textos de cartilhas (1A, 2A) do texto do aluno (1B) e algo que difere dessas três
produções em 2B (texto de aluno). Os dois textos da primeira coluna (cartilha) trazem
uma frase a cada linha, repetição de palavras e concentração de certas sílabas de
“famílias silábicas”. O texto do aluno “1B”, na segunda coluna, traz as marcas de um
ensino pela cartilha, aquele que objetivava a ensinar a escrita mediante o uso de
texto, isto é, do que se compreendia ser texto à época e o ensino adequado à
alfabetização escolar: um ensino por modelos, pela repetição de frases criadas com
esse fim. Traz uma configuração típica de textos de cartilhas.
Na produção de Lucas (1B) há marcas evidentes desse modo de ensino com
base em uma linguagem criada exclusivamente para esse fim e que é representativa
do que ora expomos: frases simples; justapostas; uma escrita sem elementos
coesivos, sem preocupação com a coerência; palavras repetidas; coesão sustentada
pela manutenção da palavra que é tema da escrita. Enfim, um modelo de ensino que,
apoiado em uma determinada compreensão desse fenômeno que é a linguagem,
gradua o conhecimento do fácil ao difícil, do simples ao complexo. Há, portanto, no
que o aluno produz as marcas dos processos de ensino.
No caso que ora discutimos – o texto de Lucas –, as evidências põem à mostra
um processo de ensino assumido por um número importante de professores, que
considera pouco (ou desconsidera) a compreensão que as crianças têm sobre a
linguagem verbal quando chegam à escola; e, em nome de uma concepção de
linguagem, de organização e sistematização de conteúdos de linguagem a ensinar,
gradua conteúdos: do concreto ao abstrato, do simples ao complexo, do particular ao
geral, entre outros procedimentos, como já observamos. Escolariza-se o
conhecimento. E aqui uma ressalva quanto à crítica feita há pouco, pois não se
intenta um ensino sem organização e planejamento, pelo contrário, sem tais
condições, entende-se, não há como interagir para o desenvolvimento do
conhecimento da língua materna de estudantes. A questão para a qual convocamos
a reflexão interroga sobre a concepção de linguagem que traça nossos atos
educativos. Voltando nossa observação para os textos de cartilhas (1A e 1B) e a do
aluno Lucas, avalia-se que esse estudante opera com sua escrita ao modo como
autores de cartilhas operam com seus textos-exemplares. Há, podemos dizer, certa
homogeneização na escrita de textos de cartilhas que se faz representar na escrita
de alunos (alunos de escolas nas quais se ensina desse modo; caso do aluno Lucas).

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Diferentemente de Lucas, Pedro tenta pôr-se como autor de sua escrita ao


escrever sobre uma personagem sua (conhecida ou criada) e com frases e
encadeamentos únicos (não reconhecidos). Há muito, certamente, para Pedro
aprender sobre a escrita ainda e, mesmo agora, nessa etapa, se lermos com os olhos
do rigor da norma escrita, poderemos não atribuir um valor que o texto do aluno
manifesta. Mas, reescrevendo-o e aproximando-o um pouco mais da norma
gramatical da escrita, no texto de Pedro ficam ainda mais evidentes as marcas de
um aluno que, mesmo estando ainda em processo inicial de aprendizagem da escrita
no seu desenvolvimento dessa aprendizagem, já é autor de seus enunciados. O
processo de ensino de Pedro foi certamente outro, e o que produziu tem as marcas
dessa diferença.
Vejamos a escrita retomada por nós levando em conta alguns aspectos da
norma da língua:
A Tevê
Ana não tinha tevê. A Ana tem uma saia cor de rosa, um lacinho verde e
camisa cor de rosa. Ana era louca por uma tevê. Ana disse para o marido:
- Vamos comprar uma tevê sábado? A semana foi passando e finalmente
chegou o sábado e veio a tevê. Ela ficou tão feliz que se esqueceu
de preparar o almoço do marido.
Aí, quando o marido chegou, ele falou: Ana, a minha comida?
Aí a Ana disse:
Ô, marido, desculpe! É que eu gostei tanto da tevê que esqueci da tua
comida! Eu estou muito feliz!
Fim 1ªsérie

Diante do que expusemos, podemos perceber que os procedimentos para o


ensino sistematizado da leitura e da escrita estão ancorados nas concepções de
linguagem (língua/linguagem) e de ensino e aprendizagem que seus proponentes
possuem (de modo consciente ou não) e se expressam nas escolhas tanto da ordem
das relações sociais como discursivas (processos de interação social e verbal). Tais
escolhas provocam uma ou outra modalidade de interação social e verbal. Dessa
forma, é imperiosa a observação da constituição das inter-relações, ou seja, a
observação dos processos sociais, históricos e ideológicos envolvidos na

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singularidade das relações sociais e discursivas nas salas de aula: um ambiente com
a finalidade do ensino intencional do português nas suas diferentes modalidades,
cuja finalidade põe em perspectiva a responsabilidade social para com a formação
do cidadão com vistas a uma sociedade mais justa e solidária. A escola, como
instituição social, é parte de uma complexa formação social e preconiza por meio de
seus projetos de ensino particulares um determinado modo de educação não
desarticulado daqueles que circulam em outras esferas sociais. Como profissionais
responsáveis pela ação pedagógica, professores lidam com a memória do que é o
ensino, do que é a aprendizagem, constituídos, ambos os processos, ao longo de
um tempo e espaço históricos. Nesse tempo e espaço, lida-se, portanto, com a
memória dos sentidos que foram sendo construídos sobre o que se compreende
como uma aula de língua materna (no caso, o português).
Pelas aulas os estudantes passam a se vincular a essas comunidades
sociodiscursivas e passam também a construir sentidos do processo educativo (do
que é ser professor, do que é ser aluno, do que é a leitura (ser leitor), escrita (ser
escritor), entre outros). Não passamos, portanto, impunes pelas salas de aula, pelas
instituições que se ocupam com a educação formal ou que com elas estabelecem
elos sociais. Os textos de cartilhas e de alunos apresentados neste capítulo expõem
– ainda que de modo singelo e pontual –, a relação de consequência entre posturas
filosóficas, teóricas e metodológicas e a prática pedagógica na sala de aula. Ainda:
que mudanças dessas posturas levam a processos e a produtos distintos e nos
indicam a necessidade de articulação das pesquisas (conhecimento produzido) com
o ensino (conhecimento produzido e socializado) e a aprendizagem e
desenvolvimento do conhecimento.
Pensar em metodologias de ensino da escrita ou de quaisquer das
modalidades da língua implica considerar que quaisquer desses processos de
conhecimento não iniciam necessariamente no espaço da instituição escolar. É,
contudo, desse espaço que, como futuros professores, temos a responsabilidade de
responder socialmente pelos estudantes que formamos nessa disciplina denominada
Língua Portuguesa. E, como diz Bakhtin (2010 [1920-1924]), referindo-se à dimensão
ética do agir humano, não temos álibi para escapar dessa responsabilidade. Ainda,
nessa direção, a metodologia assumida para essa pedagogia requer a definição de
uma unidade de fundamento para o ato educativo. Assumir uma determinada

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concepção de linguagem é configurar uma unidade de fundamento à prática


pedagógica e o que dela decorre como possíveis e prováveis relações sociais
desencadeadas.
Neste livro de Metodologia, assumimos uma concepção interacionista de
linguagem e, então, se focarmos nosso olhar sobre o ensino da escrita, cabe-nos a
pergunta: o que fazer, como fazer, para que fazer quando ensinamos a escrita
ancorados nessa compreensão filosófica, teóricolinguística da língua? Certamente o
comentário mais imediato aponta que o ensino não pode ser desenvolvido pela
fragmentação da linguagem verbal. Ensinar com base em uma didática que
fragmente a aula com o objetivo de obter o domínio da escrita por meio de
exercíciostreino, propondo aulas de leitura, de interpretação de textos, de exercícios
gramaticais, de paráfrases textuais, etc., como atividades estanques que pouco ou
jamais se inter-relacionam vai na contramão do que se compreende sobre a natureza
da linguagem verbal.
De outro modo, pelo entendimento de língua como interação, a linguagem é
constituída nas atividades humanas ao mesmo tempo em que é constituidora dessas
atividades. Nela, os enunciados produzidos pela sua natureza dialógica são tomados
no “grande diálogo da comunicação discursiva.” (BAKHTIN, 2003, p. 323).
Então, pedagogicamente temos a responsabilidade da compreensão da
linguagem em toda sua complexidade, e a aprendizagem da escrita é uma delas
porque é elo nesse processo. A compreensão da língua, consequentemente, passa
pelo entendimento de que se tratarmos de recortes desse fenômeno estes
necessitam ser analisados considerando-os no contexto da cadeia ininterrupta da
linguagem. Se essa é a realidade concreta do fenômeno língua/linguagem, essa é a
realidade concreta para seu ensino.
A essa altura vocês poderiam estar se perguntando: mas por que interessaria
a nós que iremos atuar nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio
discutir questões de alfabetização e não ir direto às questões do ensino da escrita no
nível em que vamos atuar? É por esse motivo. Necessitamos entender a aquisição
desse conhecimento que é a linguagem verbal no seu percurso histórico de
constituição e de prática pedagógica, bem como sua natureza dialógica, como vimos.

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Modelos de ensino na pedagogia da língua escrita: pontos de referência


em discussão

Historicamente, com base nas orientações sobre o ensino da escrita nas


séries iniciais, por não considerarem que a aprendizagem iniciava antes mesmo de
a criança entrar na escola (pensava-se que a criança chegava a zero na escola, era
uma “tábula rasa”, isto é, sem nenhum saber), o conhecimento era apresentado de
modo gradual e progressivo e, muitas vezes, artificial, não só do ponto de vista
linguístico, mas também por estar desconectado da realidade vivencial da criança.
Como decorrência, as experiências escolares com a escrita concentravam-se em
atividades mecânicas de reprodução, correspondência entre som e grafia, enfim,
basicamente constituíam-se de treino da escrita (mediante cópia mecânica, ditados,
exercícios repetitivos que obedeciam rigorosamente a uma graduação de
dificuldades).
Há um número variado e importante de publicações estrangeiras e nacionais
– e em linhas teórico-filosóficas distintas – que, nos últimos tempos, têm trazido
contribuições importantes para as reflexões sobre o processo de aprendizagem da
escrita antes de as crianças iniciarem a sua escolaridade. Ver, por exemplo:
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1986; VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1984; VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem, São Paulo: Martins
Fontes, 1988 (VIGOTSKI, L. V. A construção do pensamento e da linguagem.
Tradução de Paulo Bezerra, São Paulo: Martins Fontes, 2001); SMOLKA, Ana Luiza
B.; GÓES Maria Cecília R. de (Org.) A linguagem e o outro no espaço escolar.
Campinas, SP: Papirus, 1994; SMOLKA, Ana Luiza B. A criança na fase inicial da
escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez. 1988; KATO,
Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986.
Vejamos em: “Sara come salada./A sola do sapato está furada./ Silas socorre
Sônia.” (observemos a artificialidade do texto por centralizar-se na letra “S”, no
momento, o objetivo metodológico e objeto da aprendizagem). O pressuposto é de
que os estudantes, por não terem o conhecimento de todas as letras e sons numa
determinada etapa, não apresentariam condições de produzirem textos
espontâneos, apesar de eles, na oralidade, narrarem histórias, acontecimentos

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cotidianos que lhes estivessem mais próximos e certamente com uma configuração
discursiva muito distinta dessa apresentada pela linguagem do método. As crianças
na sua relação com as práticas sociais de escrita, fora de espaços específicos para
essa aprendizagem, produzem textos com sentidos, ainda que não tenham
aprendido a convenção alfabética da escrita. Dificilmente uma criança falaria ou
escreveria uma sequência discursiva como a apresentada nesse suposto “texto” de
cartilha.
Bortolotto (2001[1998], p. 23), discutindo o processo de ensino para produzir
texto escrito no âmbito da sala de aula de alfabetização, alertava sobre o uso, pelo
professor, de métodos com passos previstos e predeterminados para esse ensino:
A literatura mostra que muitos professores apoiam o trabalho de alfabetização
em métodos específicos, seguindo uma forma de ação que tem certo caráter de
legalidade e segurança por ser o método reconhecido como um caminho que
apresenta alguma garantia de resultado. [...]
Trata-se, na terminologia de Charaudeau (1983), do discurso do método, que
pressupõe um “contrato de fala” propondo um ideal de “como fazer” para demonstrar
a “verdade”. O sujeito que o enuncia se constitui, assim, em “Conselheiro” de um
programa que deve ser seguido, e esta autoridade lhe é assegurada pelo
reconhecimento e pela experiência anterior bem-sucedida – e mais, o programa de
“Fazer” é apresentado de tal modo que pode ser desligado do “Conselheiro” quanto
às suas condições de realização.
[...]quando o professor seleciona um método, está selecionando juntamente
com ele um discurso delimitador que enquadra o desenvolvimento das atitudes e
atividades escolares. Ali tudo parece estar definido. O professor fala pela voz
memorial de um discurso (legitimado) que não é seu, mas que passa a assumir como
seu. É a voz técnica, a fala prevista para ser dita por e para qualquer locutor nos
limites de uma situação pedagógica.
[...]O efeito da fala do método no contexto real é uma enunciação circunscrita
ao preestabelecido. Esta forma de organizar o processo de ensino aprendizagem da
leitura e da escrita desencadeia uma situação que dificulta o fluir da interlocução, que
fere o princípio discursivo da linguagem como efeito de sentido produzido na relação
de interlocução, privilegiando, em nome de uma fala técnica supostamente eficiente,

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a transmissão unilateral de conhecimentos a alunos que supostamente ignoram.


(BORTOLOTTO, 2001 [1998], p. 23-25).
Como consequência disso tudo e por desconsiderarem que a criança quando
chega à instituição escolar já manifesta suas leituras e escritas (ainda que não pelas
convenções da escrita, como já observamos) e, portanto, já produz textos, os
professores viam (ou veem?) o texto apenas como o coroamento do processo de
aprendizagem e de produção.
Caso nos ocupemos somente com a adequação do texto às estratégias de
alfabetização em sua perspectiva restrita de domínio graduado do sistema gráfico,
estaríamos tornando o texto escrito um conteúdo e um pretexto, desconsiderando,
portanto, que há uma relação de interação social e verbal que motiva e origina
quaisquer ações com esse objeto que se chama escrita, que se chama linguagem
verbal.
Passando agora aos níveis seguintes do ensino escolar, podemos observar
que a metodologia adotada é semelhante à da primeira série. Há o uso de manuais
didáticos que também se cercam de objetivos semelhantes aos das produções de
cartilhas e guias didáticos para alfabetizadores, determinando-lhes atitudes e
caracterizando um trabalho mais de reprodução do que de conhecimento em
produção.
Esta é apenas uma representação do modo como a didática da Língua
Portuguesa iniciava seus “estudos de textos”. De modo geral, tais publicações
mantinham um modus operandi para os procedimentos didáticos de apresentação
desses estudos. Os passos poderiam ser previstos, pois a cada página a sistemática
de apresentação era a mesma ou, quando muito, semelhante. A conduta que se
esperava do professor era que seguisse tais passos, agindo desse modo, poderia
ele “garantir” êxito a seu processo pedagógico (o do livro didático, mas assumido
como seu). Conduta, como vimos e agora repisamos, que se assemelha à dos
manuais de alfabetização e das propostas para ações dos alfabetizadores. Se
observarmos a proposta de estudo do texto (entendimento e análise) que está
dirigida para alunos que estão por cinco anos na escola, verificaremos que as
respostas esperadas não exigem dos estudantes mais que a decodificação do código
escrito (leitura-decodificação), mais que a localização de informações com base no

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fragmento de um texto literário selecionado para estudo (diga-se, sem mencionar tal
situação de produção escrita).
Ademais, o texto é tratado como um conjunto preciso de informações, levando
o aluno a possíveis equívocos, como o de ser a leitura um ato de reprodução do
sentido do texto (leitura parafrástica), de a garantia da leitura passar
necessariamente por exercícios de entendimento e análise (respostas excludentes;
objetivas – sem espaço para outras posições interpretativas). Esse modo de ensino
pode imprimir uma rotina pouco saudável àqueles jovens estudantes partícipes da
rica produção humana nos usos e práticas de linguagem na realidade concreta da
comunicação discursiva.
As propostas de escrita de textos expostas pelos livros didáticos – até sem
eles – sustentavam-se nessa “preparação” pela leitura de um dado “texto”
(normalmente fragmento de algum gênero de discurso) como momentos de “estudo
do texto” para que o aluno exteriorizasse em momentos subsequentes sua produção
escrita, baseando-se no estudo proposto no livro didático; ou ainda que escrevesse
um texto com base em “tema livre”, como experimentou Santiago na sua aula de
Português.
Essa não é, contudo, uma crítica negativa a estudos de textos que tenham
como ponto de partida para escritas “estudos dos textos”, afinal é essa uma das
nossas tarefas na profissão, mas tal opção de trabalho alerta para que se pense o
que estamos entendendo como leitura, como escrita, como leitura para estudo de um
“texto”, leitura para “escrita de textos”. Necessitamos pensar com profundidade sobre
os manejos pedagógicos, buscando a compreensão, mas reagindo reflexivamente e
com atitudes, nutridos pela concepção de língua que se assume com essa ou com
aquela ação. Mesmo porque também podemos nos deparar com alunos com seus
processos de aprendizagem e de desenvolvimento do conhecimento da escrita
distante do que é esperado. Então, se temos de compreender a natureza da
linguagem e dessa concepção traçar nosso ato pedagógico, se temos de olhar a
comunicação discursiva no seu fluxo ininterrupto, também temos de olhar para os
interlocutores desse processo, para o professor (e sobre ele já falamos um pouco,
mas destinaremos um espaço especial neste livro), sobre sua condição de aprendiz
do ensinar; sobre suas condições sociais, históricas, ideológicas de trabalho

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(formação; condições de trabalho), sobre seus alunos, na relação que se estabelece


entre professores, alunos e objeto de conhecimento.
Assim, caros alunos, é tempo de falarmos um pouco do ponto de vista desses
estudantes interlocutores da aula, na aula de Língua Portuguesa. Muitas vezes há
um distanciamento entre o que se propõe como ensino e a necessidade concreta do
aluno, ou seja, de suas condições de aprender naquele tempo e espaço de sua
história pessoal de aprendizagem. Vejamos essa situação pelo relato de um evento
pedagógico de ensino de escrita.
Alunos do sexto ano do Ensino Fundamental (nível que estará sob nossa
responsabilidade), após participarem de um projeto de ensino de português em cuja
proposta de aprendizagem da escrita estava previsto um trabalho com o gênero de
discurso “comentário” e convites para eventos, escrevem:
No trabalho de ensino da escrita em suas diferentes modalidades (oralidade,
escuta, leitura, escrita, reflexões sobre a língua) que permeava toda essa discussão,
estava prevista a aprendizagem e o desenvolvimento do conhecimento do gênero do
discurso comentário, a produção de folders e convites para eventos de arte. O
referido projeto desencadeou a produção de uma obra de grafite em uma das
paredes da escola na qual o estágio foi desenvolvido. Essa produção foi realizada a
muitas mãos: por alunos, pessoas da comunidade escolar (diretores, professores –
da escola e da universidade –, serventes, técnicos da administração escolar), todos
acompanhados por duas grafiteiras. A proposta da escrita que é estampada aqui
trata do convite a ser dirigido à comunidade escolar e circunvizinha à escola
Essas duas escritas de alunos demonstram que as reflexões sobre escrita
não podem considerar esse objeto de conhecimento de modo apartado, separando
alfabetização da disciplina Português que percorre o currículo dos Ensinos
Fundamental e Médio, menos ainda, exclusivamente pelo ano de escolaridade em
que se encontra o aluno (séries iniciais, finais do Ensino Fundamental; Ensino Médio;
Ensino Universitário). Ainda: há também a necessidade de se pensar nas
especificidades das escolhas metodológicas em razão do grupo de sujeitos aos quais
direcionamos o ensino em tempo e espaço históricos determinados. Tratamos de um
fenômeno social que é a linguagem escrita e por isso é importante compreender a
sua natureza como objeto e do ponto de vista daqueles que se apropriam desse
conhecimento (pelo ensino formal ou não). Necessitamos, portanto, de uma teoria,

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de uma metodologia da Língua Portuguesa. Daí que precisamos ter também, ainda
que de modo amplo, a compreensão do processo de apreensão da linguagem escrita
no complexo da cadeia da comunicação discursiva (como já vimos), pois podemos
nos deparar com alunos que, mesmo não estando em classes de alfabetização ou
frequentando outras séries iniciais do Ensino Fundamental, estão sob a nossa
responsabilidade e necessitam de conhecimentos de alfabetização, situação para a
qual não temos álibi para não considerá-la.
Para traçarmos nossos projetos de ensino de escrita, necessitamos saber de
onde partir e onde pretendemos chegar, portanto, saber o que nossos alunos
dominam ou necessitam saber. Esse é também um dos pontos a serem postos em
consideração quando falamos de ensino da escrita: não perder de vista os sujeitos
do processo nas práticas de escrita. Necessitamos de conhecimentos sobre o objeto
do nosso ensino, mas também sobre a aprendizagem dos sujeitos, sobre nossa
mediação na relação social escolar (porque também somos aprendizes do ensinar).
Isso para ficar nessas relações mais imediatas envolvidas na produção do
conhecimento da escrita em uma instituição especializada para tal tarefa. Não iremos
encontrar turmas homogêneas com pessoas com as mesmas necessidades de
conhecimento, portanto nossos desafios no ensino da escrita são importantes e
instigadores e requerem saber o que os sujeitos sabem (tanto professores quanto
alunos).
Os textos apresentados anteriormente demonstram tal desafio. Temos, sim,
muito a ensinar e muito a aprender quando a relação social se instaura em uma sala
de aula, em uma escola, em uma instituição. Embora esses dois alunos estejam no
sexto ano de escolaridade, o que dominam – e aí não precisamos ser especialistas
para atingir tal conclusão – ainda não atende aos objetivos requeridos para um
ensino e aprendizagem daqueles que estão, há seis anos, envolvidos com a
linguagem escrita; especialmente, no caso, em razão dos problemas com o padrão
normativo da língua ou da textualidade requerida na escrita de um gênero como o
comentário. O objetivo precípuo do ensino da escrita é encaminhar para uma escrita
com autoria, o que demanda um longo processo de ensino e de aprendizagem. Se
no caso das crianças em processo de alfabetização, pelo método com passos
previstos e predeterminados da cartilha (casos aqui exemplificados), os textos são
praticamente isentos de lapsos da norma da língua, distantes de uma escrita

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espontânea e próximos da escrita dos autores das cartilhas, nesses dois casos da
escrita dos dois convites (anteriormente apresentados), os alunos não escreveram
pelo rigor da norma porque exercitaram a escrita visando à adequação ao gênero em
ensino: convite para evento artístico.

O domínio do código, o domínio da escrita, ficou evidenciado porque a força


do método não camuflou o processo de aprendizagem, as marcas do
desenvolvimento do conhecimento dos sujeitos em aprendizagem. Apesar de nos
causar surpresa o (pouco) domínio da escrita desses dois alunos após seis anos de
escolaridade, a forma de encaminhamento do ensino forneceu condições para que a
escrita real, concreta, com autoria fosse posta à mostra. A metodologia para o ensino
da escrita foi determinante para um ou para outro resultado. O último caso narrado
(das duas escritas) se assemelha à escrita de Pedro (alfabetização/ “A tevê”).
Em ambos os processos de ensino dos quais esses alunos fizeram parte, a
concepção de linguagem que alicerçava a opção pedagógica tomava como
compreensão a sua natureza social. Essa também é uma realidade que produz outra
realidade: a da inter-relação social, verbal e ideológica dos atos da linguagem na
escola. Com tais considerações e voltando nosso olhar para o que escrevem os
alunos hoje, temos muito a pensar, dizer e fazer. O que pensam sobre isso?

Geraldi (1997), em uma discussão sobre a relação entre escrita na escola e


escrita literária, retoma entre outras observações que o princípio fundamental que
deveria orientar o trabalho com produção de textos na escola é o de que “[...] um
texto é sempre uma versão, a ele devendo-se retornar continuamente até dá-lo como
pronto, sabendo-se que sempre será possível uma nova versão”. Trata-se, continua
o autor, “[...] de pensar a produção de textos não como tarefa, mas como trabalho”.
Considerando essa premissa, indica o papel do professor, qual seja:
Como leitor privilegiado de escritores iniciantes, seu papel é
fundamentalmente aquele do co-autor que, aproveitando-se de seu maior convívio
com textos escritos, é capaz de formular ao iniciante um conjunto de questões que
lhe permitirão retornar ao seu texto, reelaborá-lo, reescrevê-lo não como uma simples
higienização superficial de problemas gramaticais, mas como aquele que,
conhecendo as condições de enunciação de seu aluno, pode apontar para

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enunciados produzidos para neles fazer emergir tais condições: o sujeito, sua
história, seus pontos de vista, suas articulações com o convívio de outros, fazendo a
ponte de diálogo constante do texto que agora se produz com os textos já existentes.
(GERALDI, 1997, p. 225-226).
As colocações de Geraldi e o que se faz representar na escrita desses dois
estudantes do sexto ano nos indicam que a escrita é movimento, é processo e
sempre temos a aprender ocupando o lugar do aluno (para olhar de um lugar
exotópico) ou de professor. Até porque se escrita é trabalho e trabalho entendido
como construção social, este nos exige empenho, mas também sutileza no trato tanto
do processo quanto do que é produto, já que lidamos com produção humana. Da
mesma forma, o necessário cuidado com o sentido construído pelo outro (nosso
aluno), pelo que ele disse ou desejou dizer, mas ainda não disse, não apenas em
sua relação indivíduo-conhecimento, mas na relação indivíduo-conhecimento
social/coletivo, já que entendemos a aprendizagem da escrita como uma experiência
social, isto é, mediada pelo outro (escritor-leitor), em que ambos compartilham de um
universo de sentidos e representações no interior de uma dada coletividade. Ou o
cuidado de provocar aprendizagens que não firam a palavra do outro, que não
alterem os sentidos trazidos ou que anulem a palavra desse outro (interlocutor-aluno)
pela imposição de sua própria (a de professor), mas antes assuma uma postura de
mediação pela contrapalavra (de professor), esse é nosso papel magisterial.
É no curso dessa disciplina Metodologia do Ensino de Português e Literatura
que poderemos desenvolver, aprofundar os conhecimentos, as experiências
necessárias ao nosso futuro desempenho profissional, colhidas durante as mais
variadas disciplinas do curso. Nessas diferentes disciplinas vocês estudaram teorias
que discutiam a Língua Portuguesa e a Literatura. Agora, estamos diante do desafio
de pensar a atuação profissional e provocar-lhes aprendizagens e desenvolvimento
de conhecimentos sobre a linguagem escrita. Necessitamos agir, então,
necessitamos saber como agir. Necessitamos, então, de um método? De uma
metodologia? Ou, antes de tudo, de uma concepção de linguagem, de entender o
que é linguagem?
A tradição do ensino escolar da escrita já nominou de muitos modos o objeto
de seu ensino, como retórica, poética, gramática, gramática histórica, composição,
redação, produção textual e, em um tempo histórico mais próximo do nosso, perfilam

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expressões como discurso escrito, gêneros do texto, gêneros do discurso, tipos de


texto e de discurso. Essas diferentes nominações expressam uma dada concepção
de escrita, uma dada concepção de texto que, por sua vez, põe em perspectiva uma
determinada concepção de linguagem. Enfim, são muitos os quadros conceituais
provocadores de desdobramentos importantes para as/nas práticas educacionais.
Batista (2001[1997], p. 3-4) retrata essa condição. Diz o autor:
[...] no ensino de Português, o que se ensina é o produto de uma visão, entre
outras coisas, do fenômeno da língua e do papel de seu ensino numa determinada
sociedade. É a alteração do ponto de vista sobre esses e outros fenômenos que
pode, em parte, explicar as mudanças que vem sofrendo o ensino de Português ao
longo de sua história, e que se expressam na alteração de seu nome: Gramática
Nacional, Língua Pátria ou Idioma Nacional, Comunicação e Expressão, Português.
É também a alteração desses pontos de vista – ou, particularmente, a competição
entre eles – que pode explicar, em certa medida, as polêmicas e as verdadeiras lutas
que com frequência se travam para a definição de seu objeto e objetivos: a
gramática? A leitura e a escrita? A língua oral? O processo de enunciação de textos
orais e escritos? O domínio de uma língua considerada lógica e correta em si
mesma? O domínio de uma variedade linguística prestigiada socialmente? (1)
Dependendo das respostas que forem dadas a essas questões, diferentes práticas
ensinarão diferentes objetos, com diferentes objetivos. Todas essas práticas, no
entanto, poderão ser identificadas pela mesma designação: “Português”.(1)
Compreender, através dessas polêmicas, o processo pelo qual são produzidos os
objetos de ensino escolares é uma lacuna a ser preenchida no campo de estudos e
investigações sobre o ensino de Português. [...].
Não apenas nos restringindo ao Português, mas retornando à linguagem em
seu sentido genérico, amplo, busquemos em Bakhtin [Volochínov] (1990) a
explicação histórica para a compreensão desse fenômeno que é a linguagem
humana. Para ele, Bakhtin [Volochínov] (1990), duas grandes correntes do
pensamento filosófico-linguístico (da filosofia da linguagem e da linguística geral)
tiveram influente assento nessa busca: uma que o autor denominou de subjetivismo
individualista e outra denominada objetivismo abstrato. A primeira atribui a
constitutividade da língua ao “ato de criação individual”, monológico; a segunda, a
um “sistema linguístico” compartilhado por uma mesma comunidade linguística (“o

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sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua”). Bakhtin [Volochínov]


(1990), em observação e crítica às “linhas mestras” dessas duas orientações,
apresenta tese própria, apontando como a verdadeira substância da língua o
“fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação, ou das
enunciações” (p. 123, grifos do autor). Nas palavras do autor:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui
assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 1990, p. 123).

A língua concebida como forma de interação requer uma metodologia de


estudo de outra ordem. Bakhtin [Volochínov] (1990, p. 124) propõe, então, como
“ordem metodológica” estudar:
a) as formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições
concretas em que se realizam;
b) as formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em
ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as
categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma
determinação pela interação verbal;
c) a partir daí, examinar as formas da língua na sua interpretação
linguística habitual.
No que concerne a essa questão, o autor ainda afirma:
É nessa mesma ordem que se desenvolve a evolução real da língua: as
relações sociais evoluem (em função das infraestruturas), depois a comunicação e a
interação verbais evoluem no quadro das relações sociais, as formas dos atos de
fala evoluem em consequência da interação verbal, e o processo de evolução reflete-
se, enfim, na mudança das formas da língua. (Bakhtin [Volochínov], 1990, p. 124).
Segundo Miotello (2006, p. 179), Bakhtin alerta
[...] para que a gente não estude as formas “picando fonemas”, ou “não
conseguindo ultrapassar a segmentação em constituintes imediatos”. Não dá para
separar formas linguísticas do curso histórico das enunciações. Da mesma forma
não dá para separar formas linguísticas dos meios extraverbais e da palavra do outro.

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A estrutura da enunciação é sempre uma estrutura social. Ela existe no


enfrentamento permanente com a história, com a mudança.
Tais concepções tiveram repercussão na esfera educacional brasileira e,
consequentemente, nas propostas que orientam o ensino da Língua Portuguesa.
Geraldi (1984), apoiado nas posições teóricas de Bakhtin [Volochínov] (1990), aponta
que [...] quando se fala em ensino uma questão que é prévia – para que ensinamos
o que ensinamos? – e sua correlata – para que as crianças aprendem o que
aprendem? – é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o
quando ensinar, o que ensinar, etc. (GERALDI, 1984, p. 42, grifos do autor).
No caso, Geraldi (1984) chama a atenção para a finalidade dos atos do ensino.
Se temos de pensar em “o que” ensinar, “como” ensinar, há uma pergunta que
antecede porque define as duas primeiras. Responder ao “para quê”, diz o autor,
“envolve tanto uma ‘concepção de linguagem’ quanto uma postura relativamente à
educação.” (p. 42, grifos do autor). Com base em tais ponderações, Geraldi, em
forma de síntese, observa a relação entre concepções de linguagem correntes no
interior dos estudos linguísticos e suas evidências no ensino da Língua Portuguesa:
a. a linguagem é a expressão do pensamento: esta concepção ilumina,
basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos
levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se
expressar não pensam;
b. a linguagem é instrumento de comunicação: esta concepção está ligada
à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se
combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor uma certa mensagem.
Em livros didáticos, esta é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas
introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios
gramaticais;
c. a linguagem é uma forma de inter-ação: mais do que possibilitar uma
transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como
um lugar de interação humana: através dela o sujeito que fala pratica ações que não
conseguiria praticar a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte,
constituindo compromissos e vínculos que não pré-existiam antes da fala.
Grosso modo, estas três concepções correspondem às três grandes correntes
dos estudos linguísticos:

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a) gramática tradicional;
b) o estruturalismo e o transformacionismo;
c) a linguística da enunciação. (GERALDI, 1984, p. 43).

Atos de ensino para quem se põe como aprendiz do ensinar

No âmbito educacional, a consideração a tais pensamentos filosófico-


linguísticos fornece desdobramentos específicos nas práticas pedagógicas, como
vimos pelas posições de Geraldi. Bakhtin no conjunto de sua obra e os membros do
seu Círculo, diga-se, não tratam de questões de ordem pedagógica, contudo a teoria
dialógica da linguagem desse
Círculo de pensadores, ou seja, a linguagem concebida como produção
humana no processo da interação verbal, teve – como tiveram as demais teorias da
linguagem – consequências repercutidas no pensamento e nas ações da esfera
escolar da mais ampla produção de organização interacional à mais específica em
salas de aula. Várias são as publicações de estudos e pesquisas que tratam do tema
da inserção das teorias filosófico-linguísticas no processo de ensino e aprendizagem
da língua. E especialmente no final da década de 1970 e início de 1980, quando
chega até nós com mais força a teoria do dialogismo, essa situação se avoluma e
adquire visibilidade. Apesar de o tema ocupar espaço nas discussões de cunho
filosófico, científico-acadêmico e inclusive haver em documentos oficiais de
referência para o ensino da Língua Portuguesa (PCNs; PC Estaduais, Municipais e
outros) expressiva orientação com base em tais pressupostos teóricos, estampa-se
ainda, quando o assunto é a sala de aula, certo desconforto entre o que é dito e o
que é feito nas relações sociais escolares entre alunos e professores.
Quanto a mudanças no ensino da escrita, duas obras tiveram importância mais
particularmente na pedagogia da escrita, o livro organizado por Geraldi O texto na
sala de aula (1984) e um outro não tão lembrado por quem se ocupa com resgates
históricos de publicações com influência no pensamento sobre o ensino. Falamos do
livro O ensino de Língua Portuguesa no primeiro grau, assinado por Lilian Lopes
Martin da Silva, Sarita Maria Affonso Moysés, Raquel Salek Fiad, João Wanderley
Geraldi e publicado em 1986.

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O ensino de Língua Portuguesa no primeiro grau, está com a sua publicação


esgotada. Neste livro, os autores abrem a apresentação da obra com a pergunta “O
que se pode esperar de um livro sobre o ensino de Língua Portuguesa?”. A
publicação se desenhava à sua época como crítica ao ensino fragmentado da língua,
norteado por manuais com caráter prescritivo e centrado no ensino da gramática
normativa. A proposta de ruptura era indicada não apenas por trazer esse tema ao
público leitor, mas também pelo modo como especialmente essa publicação foi
escrita e organizada. Um livro escrito de um modo diferente, por um grupo de
“diferentes”.

A irreverência para a qual chamamos a atenção marcou um período histórico.


Professores como Sarita Maria A. Moysés, João Wanderley Geraldi, Raquel Salek
Fiad, Lilian Lopes Martin da Silva representam um grupo de professores, que teve
influente papel na mudança dos rumos das discussões e encaminhamentos
metodológicos sobre o ensino da língua, especialmente no nosso país. Tal
movimento envolveu, além desses autores, outros e de outras instituições. Magda
Soares no prefácio que faz ao livro de Batista (2001[1997]) Aula de Português:
discurso e saberes escolares, com o cuidado de pesquisadora que é, resgata da
produção brasileira obras de autores que tiveram influente destaque no pensamento
da pedagogia da Língua Portuguesa. A leitura desse prefácio nos auxilia, então, a
compreender os caminhos do pensamento brasileiro sobre o ensino da língua, sobre
a aula de Português, pelo olhar de uma autora que foi e ainda é parte expressiva
dessa história. Um de seus livros da década de 80, Linguagem e escola: uma
perspectiva social (SOARES, 1986) teve especial influência para a compreensão da
crise no ensino da língua e do fracasso escolar de pessoas pertencentes a extratos
sociais menos favorecidos economicamente, ao apresentar a discussão sobre as
relações entre linguagem, escola e sociedade.

Práticas discursivas no trabalho com textos na escola: as relações de


interação no ensino e na aprendizagem

Nesta seção, focalizaremos basicamente questões atinentes ao texto como


unidade de ensino, com base na concepção dialógica de linguagem.

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O texto como conteúdo de ensino


Não há como pensar o ensino da língua sem focar o olhar nas concepções de
texto e seu ensino, como já indicamos nessa unidade. Desde o processo da
alfabetização, seja como ponto de partida, seja como “coroamento” desse processo,
a aprendizagem da escrita de textos já se insinua. A proposta de ensino da escrita
com base na concepção dialógica de linguagem toma os sujeitos (eu e o outro da
interlocução) como interativos, portanto como sujeitos que constituem seus
enunciados verbais (nas suas diversas manifestações) e são por eles constituídos,
algo que vimos repisando no âmbito de nossas colocações.
Desse modo, os sujeitos, no fluxo da comunicação discursiva, não se valem
de fragmentos de enunciados, mas de enunciados reais concretos, com sentido. Por
que, então, no ensino da escrita de textos, buscar uma materialidade fragmentada
da língua, um ensino fragmentado? Tal atitude com o objetivo de um ensino gradual
e sistemático, ao fragmentar o objeto da aprendizagem, não estaria dificultando a
compreensão desse objeto?
Afinal, nas práticas sociais discursivas – caso como o do processo da
produção escrita e da oralidade – “[...] a língua constitui um processo de evolução
ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores”, como
nos diz Bakhtin [Volochínov] (1990, p. 127). É certo que temos de cercar nosso olhar
investigativo, pontuar o que vamos abordar; é certo também que necessitamos de
delimitações para não correr o risco do olhar tudo e nada ao mesmo tempo, mas é
certo também que esse algo tem de ter sentido, e para tê-lo não podemos nos apoiar
na visão parcial, porque será, pela sua própria condição, parcial. Vocês, caros
alunos, conhecem a parábola Os cegos e o elefante?
Indo ao encontro do que tal parábola nos permite interpretar como analogia ao
processo de conhecimento da escrita de textos na escola e apoiados na concepção
da língua como atividade interlocutiva, o texto (oral ou escrito) só pode ser
compreendido fundeado no social, pelo lugar de encontro de sujeitos historicamente
constituídos, pelo encontro de pontos de vista sobre o mundo e não como produção
de um sujeito abstrato, homogêneo, que assume a posição de “emissor de
mensagens” e, por conseguinte, uma posição discursiva que se subsume à
orientação do discurso do outro – interlocutor definido. No horizonte da fala do locutor

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está o interlocutor de quem o locutor espera uma compreensão ativa do que é


enunciado. Essa orientação ao discurso do outro determina a própria estrutura do
enunciado proferido. Os textos são, pois, configurados no acontecimento social; são,
na condição de enunciados concretos, produtos de atividades humanas, das
relações que são estabelecidas pelos sujeitos nessas atividades; são, como diz
Bakhtin (2003, p. 263), gêneros do discurso, isto é, “tipos relativamente estáveis de
enunciados”. Assim, aqui na prática discursiva (oral ou escrita) está implicada a
alteridade. A proferição de enunciados verbais busca a compreensão ativa do outro
que não é ouvinte passivo, mas participante do projeto do dizer (projeto discursivo).
Bortolotto (2009, p. 108), tratando da relação de inserção da teoria do
dialogismo de Bakhtin e seu Círculo, teoria dos gêneros do discurso no campo
educacional, expõe que [...] os gêneros do discurso compõem uma arquitetônica, no
que se refere à temática, à finalidade e às situações de enunciação que permitiriam
identificar os mecanismos envolvidos na relação entre linguagem e atividade laboral.
Os gêneros apontariam matizes das mudanças sociais pelas relações que se
estabelecem entre as atividades discursivas e as práticas culturais em geral. O
estudo dos gêneros do discurso, por esta perspectiva, não poderia se restringir à
materialidade verbal que os expressa em “tipos relativamente estáveis de
enunciados”. Os gêneros demandam o reconhecimento da sua natureza formadora,
ou seja, também as dimensões histórica e social objetivadas na manifestação
verbalizada (material verbal) e na realidade concreta ali refratada.
[...]Pode-se, então, considerar que os gêneros constituem-se como elementos
importantes para a análise e compreensão da própria atividade pedagógica. A “teoria
do gênero” de Bakhtin e autores do Círculo (especialmente Medvedev e Volochínov)
orienta-se para a realidade concreta, para o real das relações sociais, dos
acontecimentos, dos problemas etc. Os “gêneros”, em qualquer esfera social,
encerram o dialogismo da comunicação social e verbal: eles organizam, orientam ou
projetam (pelo horizonte de expectativas) atividades laborais, de convívio social etc.,
ou verbais (da vida e da cultura).
Furlanetto (2009, não paginado), ao rediscutir ideias de Bakhtin (2003) sobre
os gêneros do discurso, se posiciona para pensar o ensino da Língua Portuguesa:
Encarado como enunciado – como acontecimento discursivo – o texto abarca
o horizonte social, integrando outras formas de linguagem (a imagem, o som, o

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gesto). Como unidade complexa, pode ser apresentado sob vários ângulos: é uma
unidade de sentido, com tema específico; é objeto linguístico, histórico e ideológico;
tem autor; relaciona-se com outros textos e com a memória dos discursos sociais; é
produzido numa forma de gênero, correspondente ao espaço onde se origina:
relatório, ofício, artigo de opinião, artigo científico, resenha, notícia, receita, bula,
piada, e todas as formas mais ou menos conhecidas de produção textual.
Os gêneros, em suas formas concretas textuais, com certo acabamento (a
unidade textual, a coesão de seus elementos, sua coerência semântica, dando-lhe
um tema) emergem, circulam e produzem seus efeitos no tecido social. Representam
os valores sociais.

Mais especificamente quanto ao ensino escolar, retrata que


[...] a “redação” ainda é praticada, e às vezes até mesmo sob a nova
denominação [a de produção textual], o que significa que ainda pesa a tradição de
escrever na instituição escolar segundo moldes mais antigos, em que a preocupação
maior é escrever corretamente segundo os princípios normativos atados a certa
concepção de gramática. Nesse caso, põe-se como secundário o propósito de
estabelecer “comunicação discursiva” propriamente dita, que se processa através de
gêneros específicos. É verdade que esse procedimento também aparece
entrelaçado a um trabalho mais cuidadoso de promover a metodologia que é
recomendada nas propostas curriculares elaboradas no País. É, de fato, muito
complicado abandonar valores tradicionais. Ideologicamente nosso comportamento
tem sido orientado para que haja homogeneização, por isso há pressão para que nos
sujeitemos ao que se enraizou na sociedade. E é preciso compreender como as
instituições funcionam se queremos realizar esforços para transformar o que
acreditamos que não está conduzindo aos objetivos propostos. (FURLANETTO,
2009, não paginado).
Vale lembrarmos que, quando afirma que “a ‘redação’ ainda é praticada”,
Furlanetto (2009) está se referindo àquela produção escolar tradicional, a qual
passaria a ser denominada “produção de textos”, não só para evitar ressonâncias
apreendidas e interiorizadas, mas também para que realmente se efetue a
ultrapassagem desses valores retidos na memória, mediante uma nova
compreensão do que seja textualidade.

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A posição da autora vem ao encontro das argumentações aqui desenvolvidas,


ou seja, que nos estudos, na elaboração/criação ou na avaliação de textos na escola
os aspectos formais e periféricos vinham (e ainda vêm) ocupando a centralidade nos
encaminhamentos metodológicos. O olhar do professor vai em busca de algum erro
no âmbito formal da língua, apoiado consciente ou inconscientemente em
pressupostos teóricos e na memória de trabalho com textos na escola (memória dos
discursos sociais).
Já os princípios da teoria sociointeracionista do Círculo de Bakhtin orientam
para a observação das condições de produção, para as relações discursivas, para
os modos das formulações discursivas, isto é, para a língua no seu funcionamento
(PC/SC, 1998). Tal conduta decorre de se considerar o texto como enunciado (na
sua situação real de produção: com projeto discursivo; interlocutores definidos;
valoração; relação com outros textos, com a comunicação discursiva nas esferas de
uso da língua); em sua constituição linguístico-textual, ou seja, os elementos centrais
de construção textual, como coesão, coerência, concatenação de ideias,
argumentação, não contradição, adequação ao tema proposto, fluência verbal, entre
outros, e não como pretexto para o ensino de aspectos normativos da língua –
ortografia, regência, concordância, estudo de vocabulário, para ficar com alguns. Os
aspectos normativos da língua precisam ser avaliados, sim, mas não com a ênfase
tradicionalmente dada na escola e como se mais nada houvesse a avaliar.
Segundo a orientação aqui assumida para o trabalho da docência, a análise
linguística é parte da compreensão da produção discursiva (oral ou escrita), mas,
como já vimos, essa dimensão integra-se à dimensão social, histórica e ideológica
da comunicação. Como disse Bakhtin (2003, p. 319):
Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos em toda
parte e nos empenhamos em interpretar o seu significado. Estamos interessados
primordialmente na formas concretas dos textos e nas condições concretas da vida
dos textos, na sua inter-relação e interação.
Pensar o texto como unidade de ensino é pensá-lo na sua complexa
constituição e levar em conta tal constituição nas pedagogias para ensino de
linguagem verbal (práticas específicas). Não se trata de substituir nominações
(composição, redação, produção textual, gêneros textuais, gêneros do discurso),
mas de provocar reflexões e atitudes entre aquilo que permanece, muitas vezes,

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ressignificado e aberto à criação, porque ainda é uma necessidade, e o que se


desloca, é ultrapassado, por não atender às necessidades deste tempo presente.

Voltando ao ponto inicial: locutor e interlocutor, partes integrantes do


enunciado

Retomemos aquela fala que tanto perturbou Santiago, nosso personagem que
abriu as páginas desta unidade, proferida pela voz de autoridade de seu professor e,
sabemos, de muitos outros professores toda vez que iniciavam ou reiniciavam mais
uma etapa escolar. Vozes que certamente ainda ecoam nos ouvidos de muitos de
nós, alunos que já fomos: – Peguem os seus cadernos e escrevam com esferográfica
azul e com letra legível uma composição sobre as férias. No mínimo uma página, de
margem a margem, sem pular nenhuma linha. Cuidado com a ortografia e com a
pontuação. Vocês têm quarenta e cinco minutos. Alguma pergunta?
Assim, indagamos: será que falas como essa inquietam ainda hoje ouvidos e
corações sensíveis (ansiosos para dizerem a sua palavra) como os de Santiago? E
nosso aluno, como fica em situações como essa? Será que ele entende sua escrita
como uma oportunidade de constituir-se como escritor, autor, interlocutor, ou ainda
como produto de interação entre ele e seu leitor? Mas eis a grande questão: quem é
o seu leitor? O professor? Sempre o professor? Se for apenas este, o aluno, de
antemão, entende, ou poderá entender, pelo que está instituído por tradição que seu
texto servirá apenas como pretexto, um meio de exercitar-se no uso do “certo”, do
“correto” da escrita, na letra, na pontuação; ou, quando muito, no desenvolvimento
da criatividade e do raciocínio e, finalmente, um meio para melhorar a nota (a
avaliação). Será este o destino dos textos escolares? A mesa do professor, as mãos,
e finalmente a pasta do professor? E, diante da natureza dialógica da linguagem,
como fica a situação de interlocução? Onde está o interlocutor do aluno, real ou
imaginário, para que ele possa posicionar-se perante sua escrita, ajustá-la de acordo
com esse interlocutor; enfim, desencadear a bipolaridade necessária ao processo de
interlocução? Não estaria, em grande parte, na escola a causa para o fracasso de
muitos alunos na produção escrita? Não estaria nas condições de produção que
orientam a produção escrita na escola?

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Certamente, muitos de vocês, sensíveis a esse quadro escolar historicamente


constituído, consideram não ser simples revertê-lo. Concordamos. Entendemos,
todavia, que a mudança deve vir primeiramente na postura, no posicionamento do
professor, de sua visão de língua, de linguagem. Assim, se comunga do caráter
interacionista desses objetos de conhecimento, sua metodologia, seu planejamento,
deve ser coerente com esse princípio. Então, ao elaborar seu planejamento, ao
decidir trabalhar com a escrita, com o que escrever (não esquecer, nessa decisão,
da importância de compartilhar e discutir a ideia com os alunos), deverá já ter em
mente tanto o sujeito-escritor (aluno) como o sujeito-leitor (definido pelo grupo –
professor e alunos – num processo participativo, interativo). Seu trabalho guiar-se-á,
então, por esta questão: a quem os alunos irão destinar o que escrevem? Como já
vimos, isso irá determinar o como escrever. Vamos dar um exemplo que nos toca de
perto. Quando nós – o grupo de professores que escreveu este Caderno –
esboçamos nossos primeiros planejamentos, esse pressuposto tornou-se logo
evidente. Seríamos os sujeitos-escritores que iríamos destinar o que escrevêssemos
a sujeitos-leitores bem definidos: alunos de Letras a distância. Foi fundamental
termos nosso interlocutor previamente definido, pois essa modalidade de ensino
requer um tipo de texto com características especiais, já que nosso interlocutor,
ausente no tempo e no espaço e não presencial em uma sala de aula, necessita
logicamente de uma metodologia com estratégias especiais.
Estamos vendo, então, que o que se escreve, a quem se escreve determina o
como se escreve. Daí a importância de nosso aluno ter seu interlocutor bem definido
para que possa determinar o como escrever. Claro está que o como escrever
pressupõe também o domínio de um conjunto complexo de habilidades que vão
sendo adquiridas ao longo do processo de aprendizagem, que inicia, como vimos,
antes mesmo de a criança entrar na escola, passa pelo aprendizado do sistema
alfabético, vai amadurecendo e se aprofundando no decorrer dos outros níveis de
ensino e pode perdurar ad infinitum, já que somos eternos aprendizes. O que
queremos frisar aqui é a importância, no decorrer de toda essa aprendizagem, de o
aluno sentir-se, assumir-se como locutor/escritor, sentir-se partícipe de uma ação
interpessoal; enfim, autor de seu texto, pelo qual poderá atuar sobre seu interlocutor,
e que, para tanto, deverá selecionar um conjunto de estratégias que julgar

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adequadas para aquele tipo de situação de interlocução. Vejamos como Geraldi


(1991) configura isso por meio de um gráfico.

Claramente estamos aqui constatando que, pela perspectiva que assumimos,


não há como isolar o aluno de seu contexto sócio-histórico, de sua realidade e pedir-
lhe que escreva uma redação. Sabemos que, para que haja discurso (oral ou escrito),
é fundamental uma estrutura, uma organização social em que locutores e
interlocutores dela se sintam parte integrante. Para Bakhtin (2003), o interlocutor é
parte constitutiva do enunciado, pois sem a existência dele não haveria discurso.
Dessa forma, o enunciado não pode ser tomado como unidade convencional (como
uma abstração), mas como unidade real, em sua construção dialógica.
Enfim, considerando tudo o que foi dito ao longo deste texto e se formos fiéis
ao princípio da dialogia, temos de ouvir as múltiplas e diferentes vozes que emanam
de diferentes textos e a elas nos alinharmos ou nos contrapormos com enunciados
próprios, com autoria, produzindo outras e outras vozes; afinal, “[...] a língua passa a
integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente
através de enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p.
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265). Nosso desafio é olhar para os textos com olhos de observadores, com atitudes
na direção da compreensão ativa (com a possibilidade de resposta), com apreciação
(consciente), pelo trabalho na lida da palavra falada, lida, escutada, escrita, analisada
nos seus mais diversos e diferentes níveis, aprendendo a ser autores e a formar
autores; olhando, perscrutando, procurando conhecer o trabalho da docência, o
trabalho na docência com a palavra (o verbo) e de lá aprender a encontrar o outro
(as vozes) tecendo a sua própria formação de aprendiz do ensinar. Tendo isso em
vista, destacamos que “A palavra quer ser ouvida, entendida, respondida e mais uma
vez responder à resposta, e assim ad infinitum” (BAKHTIN, 2003, p. 334).
Apresentamos alguns movimentos na tentativa de ensinar e aprender a
produzir textos orais e escritos; e, ao nos entrelaçar a muitas dessas vozes,
construímos nosso texto para, no aguardo de contra palavra de vocês, caros alunos,
apreendermos a tessitura das atividades humanas, sem álibi quanto a nossa
responsabilidade de ensinar a ler e a escrever àqueles que nos forem destinados
neste tempo e espaço históricos, pela proposição de uma comunicação discursiva
real, em nada anônima.
Na unidade seguinte, para fechar o quadro das reflexões até aqui efetuadas
sobre esse objeto de conhecimento complexo que é a linguagem, você encontrará
importantes subsídios que poderão nortear seu posicionamento quanto ao ensino da
gramática ancorado nos princípios sociointeracionista aqui defendidos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA E ENSINO DE GRAMÁTICA

Objetivamos salientar a importância da prática de análise linguística como


atividade escolar de linguagem necessária ao desenvolvimento de conhecimentos
sobre as estratégias de discurso, ou seja, as escolhas discursivas que fazemos ao
produzir os textos. Trazemos também à discussão conceitos de gramática visando
orientar o ensino cujos conteúdos referem-se à organização da língua, a sua
estrutura e ao conjunto de regras que a tornam inteligível.

Análise linguística

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Assim como a criança lê o mundo desde muito cedo, ela também se apropria
da linguagem verbal e opera sobre esta desde muito pequena. Ela percebe as
diferentes entonações da linguagem, seja no momento em que ouve uma história
contada para ela em que o contador varia o tom de voz de acordo com o personagem,
seja no momento em que a mãe se refere a ela com carinho ou com repreensão.
Percebe ainda que, dependendo do seu interlocutor, deve reagir de forma diferente:
com um parente que se dirige a ela, reagirá de certa forma; com o médico que a
examina, reagirá de outra forma; e com uma pessoa estranha, também reagirá de
forma diferente.
Esses conhecimentos dos quais a criança vai se apropriando no
desenvolvimento da sua linguagem, por meio da interação com pessoas mais
experientes no uso da língua, com os quais ela chega à escola e que lhe possibilitam,
além do domínio da língua e do saber usá-la para falar sobre as coisas do mundo,
desenvolver reflexões sobre o uso da própria língua; é o que denominamos análise
linguística.
Como vimos discutindo ao longo deste material pedagógico, o objeto de
ensino da disciplina Língua Portuguesa é a linguagem em uso. Assim sendo, as
atividades de análise linguística que se fazem na escola têm como função refletir
sobre essa linguagem em uso, favorecendo seu domínio, tanto na escuta e na leitura
quanto na produção de textos orais e escritos.
Quando falamos em reflexão sobre a língua em uso, temos claro que a prática
de análise linguística “não pode ficar reduzida apenas ao trabalho sistemático com a
matéria gramatical” (BRASIL, 1998, p. 27), Ao contrário, temos de [...] criar situações
em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a
pouco, no curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua
comunidade, colocando atenção sobre similaridades, regularidades e diferenças de
formas e de usos linguísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais
e estruturais em que se dão. (BRASIL, 1998, p. 28).
Embora estejamos falando de reflexão sobre a língua em uso como se fosse
algo intrínseco às aulas de Português, sabemos que, de fato, a tradição da disciplina
de Língua Portuguesa é o trabalho com a gramática tradicional. Esse trabalho
manteve-se durante muitos anos, e ainda se mantém em algumas salas de aula, na
crença de melhorar o desempenho linguístico dos alunos, seja na leitura, seja na

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produção escrita. Ao longo dos anos, tem-se percebido, no entanto, que esse objetivo
pouco tem sido alcançado. Como ressalta Geraldi (1996, p.129-130), a
sistematização dos conteúdos gramaticais
[...] não se dá, na prática de sala de aula, de forma tão sistemática. O simples
manuseio de alguns livros didáticos, ou de materiais alternativos produzidos para
substituí-los, nos mostra que a sequência em que são trabalhados tais conteúdos
gramaticais dificilmente permitirá, ao final de oito anos de estudos, que o aluno tenha
um quadro sinóptico de ao menos uma proposta gramatical. O conteúdo é distribuído,
nas diferentes séries, de uma forma tão irracional que a uma lição sobre o plural de
substantivos compostos pode se seguir uma lição de análise sintática. Qual é, então,
a sistematização que se oferece à reflexão prévia do estudante? Tratar-se-ia de uma
sistematização a cada vez local? Por conta de quem ficaria, então, a construção de
uma visão geral da teoria gramatical estudada? Por conta do estudante?
Como vimos evidenciando, tomamos o texto como unidade de ensino e, assim
sendo, os aspectos a serem elencados para as atividades de análise linguística não
poderão se referir apenas à dimensão gramatical. A dimensão discursiva será
necessariamente levada em conta, pois essa prática requer interpretação e produção
de texto. Dessa forma, temos de ter em mente que “[...] prática de análise linguística
não é uma nova denominação para ensino de gramática” (BRASIL, 1998, p. 78).
O modo de ensinar, sugerido pelos PCNs de Língua Portuguesa, [...] não
reproduz a clássica metodologia de definição, classificação e exercitação, mas
corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a
utilização de uma terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela
mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas
vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional,
cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da linguagem,
o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes.
(BRASIL, 1998, p. 29).
Tendo como objeto de ensino a linguagem em uso, a prática de análise
linguística, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, tem de estar
articulada às práticas de linguagem. Assim, “Deve-se ter claro, na seleção dos
conteúdos de análise linguística, que a referência não pode ser a gramática
tradicional. A preocupação não é reconstruir com os alunos o quadro descritivo

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constante dos manuais de gramática escolar [...]” (BRASIL, 1998, p. 29); ao contrário,
temos de selecionar como conteúdos para nossas aulas de análise linguística
dificuldades apresentadas pelos nossos alunos nas atividades de produção, leitura e
escuta de textos.
Os PCNs apontam que
[...] quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere
a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização preestabelecida.
Os textos submetem-se às regularidades linguísticas dos gêneros em que se
organizam e às especificidades de suas condições de produção: isto aponta para a
necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua
vez, ao se relacionarem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas
possibilidades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses
conteúdos e não com todos. (BRASIL, 1998, p.78-79).
Reproduzimos, a seguir, alguns procedimentos metodológicos, sugeridos
pelos PCNs, para a prática de análise linguística:
Ӳ isolamento, entre os diversos componentes da expressão oral ou escrita, do
fato linguístico a ser estudado, tomando como ponto de partida as capacidades já
dominadas pelos alunos: o ensino deve centrar-se na tarefa de instrumentalizar o
aluno para o domínio cada vez maior da linguagem;
• construção de um corpus que leve em conta a relevância, a
simplicidade, bem como a quantidade de dados, para que o aluno possa perceber o
que é regular;
• análise de corpus, promovendo o agrupamento dos dados a partir dos
critérios construídos para apontar as regularidades observadas;
• organização e registro das conclusões a que os alunos tenham
chegado;
• apresentação da metalinguagem, após diversas experiências de
manipulação e exploração do aspecto selecionado, o que, além de apresentar a
possibilidade de tratamento mais econômico para os fatos da língua, valida
socialmente o conhecimento produzido. Para esta passagem, o professor precisa
possibilitar ao aluno acesso a diversos textos que abordem os conteúdos estudados;
• exercitação sobre os conteúdos estudados, de modo a permitir que o
aluno se aproprie efetivamente das descobertas realizadas;

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• reinvestimento dos diferentes conteúdos exercitados em atividades


mais complexas, na prática de escuta e de leitura ou na prática de produção de textos
orais e escritos. (BRASIL, 1998, p. 79).
Para que o aluno possa se apropriar dos conhecimentos gramaticais
evidenciados e fazer uso na sua produção escrita, o que somente o estudo dos
tópicos da gramática escolar não garante, os PCNs sugerem a refacção dos textos
produzidos pelos alunos, uma prática já testada e que tem dado certo.
Conforme Geraldi (2002, p.73-74), “[...] a análise linguística que se pretende
partirá não do texto ‘bem escritinho’, do bom autor selecionado pelo ‘fazedor de livros
didáticos’. Ao contrário, o ensino gramatical somente tem sentido para auxiliar o
aluno. Por isso partirá do texto dele”. Assim, o professor seleciona o texto produzido
pelo aluno e “[...] pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às características
estruturais dos diversos tipos textuais como também os aspectos gramaticais que
possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade escrita da língua”
(BRASIL, 1998, p. 80).
Seguem procedimentos sugeridos pelos PCNs para o encaminhamento da
atividade de refacção textual:
• Seleção de um dos textos produzidos pelos alunos, que seja
representativo das dificuldades coletivas e apresente possibilidades para discussão
dos aspectos priorizados e encaminhamento de soluções.
• Apresentação do texto para leitura, transcrevendo-a na lousa,
reproduzindo-o, usando papel, transparências ou a tela do computador.
• Análise e discussão dos problemas selecionados. Em função da
complexidade da tarefa, não é possível explorar todos os aspectos a cada vez. Para
que o aluno possa aprender com a experiência, é importante selecionar alguns,
propondo questões que orientem o trabalho.
• Registro das respostas apresentadas pelos alunos às questões
propostas e discussão das diferentes possibilidades em função de critérios de
legitimidade e de eficácia comunicativa. Nesta etapa é importante assegurar que os
alunos possam ter acesso a materiais de consulta (dicionários, gramáticas de outros
textos), para aprofundamento dos temas tratados.
• Reelaboração do texto, incorporando as alterações propostas. (BRASIL,
1998, p. 80).

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Os PCNs apontam alguns aspectos a serem levados em conta pelo professor


ao desenvolver a atividade de refacção textual. Vínculos de confiança entre o
professor e o grupo são importantes para que os alunos não se sintam constrangidos
ao ver suas produções expostas para a turma. Se o objetivo da atividade não
envolver, por exemplo, conteúdos ligados a ortografia, a versão a ser trabalhada
pode ter problemas dessa ordem corrigidos, para que a atenção dos alunos se volte
para os aspectos que se queira de fato trabalhar. Se o objetivo da atividade envolver
conteúdo dos quais os alunos não tenham domínio, o professor pode assinalar os
trechos do texto que quer trabalhar, assim os alunos concentram-se na tarefa de
refazer os trechos com problemas, ao invés de investirem na tarefa de encontrar os
problemas. Quando o professor tiver como objetivo trabalhar aspectos
morfossintáticos, por exemplo, poderá ao invés de reproduzir um texto na íntegra,
selecionar trechos de vários textos que apresentem o problema a ser reescrito.
Quando os alunos já dominarem a tarefa de refacção textual, o professor pode
complexificá-la sugerindo trabalho de refacção em duplas ou em grupos e até mesmo
em forma de oficinas em que questões mais específicas poderão ser propostas
(BRASIL, 1998, p. 81).
As atividades de análise linguística possibilitam ao aluno, além do
conhecimento sobre a língua, a apropriação de recursos expressivos que não fazem
parte do seu repertório linguístico. Assim, o aluno irá, aos poucos, na escola,
adquirindo uma variedade da língua diferente daquela que adquiriu em casa, com
seus pares. De acordo com Geraldi (1997, p. 192-193),
[...] além dos objetivos que tais atividades possam ter em si próprias, enquanto
conhecimento que produzem sobre a língua, acrescente-se o fato de que elas podem
servir e servem para uma outra finalidade: a do domínio de certos recursos
expressivos que não fazem parte daqueles já usados pelos alunos. Toda reflexão
feita deve estar no horizonte: o confronto entre diferentes formas de expressão e
mesmo a aprendizagem de novas formas de expressão, incorporadas àquelas já
dominadas pelos alunos, levam à produção e ao movimento de produção da
variedade padrão contemporânea. Note-se, esta nova variedade não dispensa o
conhecimento da variedade padrão anterior, mas faz deste conhecimento (que não
precisa necessariamente ser total) uma condição na construção da nova variedade.

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Para tanto, há que se ter cuidado para que o aluno não tenha a sensação de
que sua variedade linguística deverá ser substituída pela variedade da escola. O
trabalho a ser desenvolvido visa somar uma nova variedade àquela que o aluno já
domina.
O livro infantil Uma escola assim eu quero para mim, de Elias José, representa
muito bem situações vivenciadas em muitas escolas por alunos e professores. Na
história, a escola é o espaço central da narrativa. Nela se desenvolve o conflito do
menino Rodrigo, que vem do meio rural e tem como expectativa a aprendizagem das
letras na cidade, mas não encontra apoio na professora Marisa e nos colegas, os
quais satirizam o seu modo “caipira” de falar.
Observemos o diálogo:
- Rodrigo, trouxe os exercícios da semana passada? – perguntou ela,
cumprindo a promessa de cobrar.
- Eu truce, mas o di onti eu num consegui...
Nem acabou a frase e dona Marisa berrou:
- Repita: eu trouxe, mas o de ontem não consegui.
Rodrigo repetiu certinho, mas tremendo, vermelho e gaguejando. A sala
morria de rir. Rodrigo queria morrer, sumir, virar inseto e voar. (JOSÉ, 1999, não
paginado).
A cena entre o menino Rodrigo e a professora Marisa descrita por Elias José,
embora esteja no plano do ficcional, nos possibilita visualizar uma prática comum no
espaço escolar: o desrespeito à linguagem coloquial, ao dialeto que a criança traz do
seu cotidiano. Tal discriminação pelos seus pares, crianças como ele, e pelo adulto,
a professora, é um dos fatores que muitas vezes leva o aluno à exclusão, ao
abandono escolar.
E os problemas se acumulavam, somavam com o ódio da escola, da
professora e da turma. Ele não conseguia ler, escrever ou entender por que “Ivo viu
a Eva. A Eva viu a uva. Didi deu um dado ao Dodô. A bola bateu bem na boca do
Beto” (JOSÉ, 1999, não paginado).
Assim como os PCNs, alguns autores da área da sociolinguística apontam a
necessidade de se trabalhar a variação linguística em sala de aula.
A seguir, evidenciaremos algumas propostas, discutidas em Monguilhott
(2006), de estudiosos brasileiros que têm se dedicado a aplicar o conhecimento que

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a sociolinguística vem elaborando, principalmente desde a década de 1980, no


Brasil, para a sala de aula.
Para Bagno (2002, p. 32), todas as variedades sociolinguísticas devem ser
objeto de estudo das aulas de português “para que o espaço da sala de aula deixe
de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se
transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de
formas e usos”. O autor ressalta que sua proposta se justifica em função da
impossibilidade de se delimitar as diferentes variedades que se organizam em um
continuum.
Em relação às propostas de se ensinar na escola a “língua culta”, Bagno
(2002, p. 64) sugere que haja, em sala de aula, a investigação da língua viva, falada
e escrita, para que o aluno entenda que “[...] existe uma distância muito grande entre
a norma-padrão tradicional (que não é uma ‘língua culta’ real e sim uma língua
‘cultuada’, ideal) e as realizações empíricas da língua por parte dos falantes cultos
[...]”.
Em sua proposta, Bagno (2002, p. 65) julga primordial que o professor delimite
um corpus de língua culta falada e escrita para analisar a “[...] língua real e não o
padrão idealizado e artificial”. Esse corpus ajudará na comprovação e na explicação
da variação e mudança que ocorre na língua viva. A explicação, de acordo com o
autor, virá a partir do arcabouço teórico que o professor deve buscar.
Bagno (2002, p. 41) evidencia ainda a questão do preconceito linguístico que
há em função dos valores sociais atribuídos às diferentes variedades linguísticas,
valores que, na verdade, são atribuídos aos falantes dessas variedades. O valor que
a variedade recebe está diretamente relacionado ao valor que o falante dessa
variedade recebe no mercado social. Quanto mais distante dos usos prestigiados,
mais “erros” esse falante será acusado de cometer. Essa crença ainda existe,
embora já esteja “mais do que comprovado que, do ponto de vista exclusivamente
científico, não existe erro em língua, o que existe é variação e mudança”, ambas
constitutivas da língua.
Dessa forma, ao invés de o professor mostrar para o aluno o que está “certo”
e o que está “errado” em termos de uso linguístico, poderá [...] discutir os valores
sociais atribuídos a cada variante linguística, enfatizando a carga de discriminação
que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de

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que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação
social, positiva ou negativa (BAGNO, 2002, p. 75).
Scherre (2005, p. 66) aponta que, para a discussão do preconceito linguístico,
pode-se usar resultados de pesquisas sociolinguísticas, [...] apresentando fatos
interessantes, que evidenciam que os políticos e as autoridades brasileiras – falantes
nativos do português brasileiro – não estão simplesmente “nocauteando a
concordância”, “tropeçando” ou cometendo “gafes”, mas, sim, deixando seu
vernáculo emergir [...].
Scherre apresenta uma discussão a respeito do conceito do certo e do errado
em português, afirmando que não são conceitos absolutos, pois não há usos
linguísticos melhores ou superiores a outros, “[...] existem, sim, línguas e dialetos
diferentes, igualmente complexos e sistemáticos, bem como culturas diferentes [...].
A idéia [...] da superioridade linguística ou [...] cultural não resiste a qualquer análise
científica” (SCHERRE, 2005, p. 128). Ainda sobre a noção de certo e errado, ela
evidencia que tendemos a “[...] rotular de erradas predominantemente as formas que
fazem correlação estreita com classe social, mesmo que, consciente ou
inconscientemente, façamos uso destas mesmas formas na fala espontânea e na
escrita revisada” (SCHERRE, 2005, p. 117).
Bortoni-Ricardo (2004, p. 34), assim como Bagno e Scherre, aponta como
compromisso da escola trabalhar a língua de forma a desfazer qualquer tipo de
preconceito linguístico, advindo da noção acientífica do erro. Evidencia que as
variedades linguísticas ganham prestígio em função de fatores históricos, políticos
ou econômicos, já que “[...] nada têm de intrinsecamente superior às demais”. Ela
salienta que a escola deverá estar atenta às diferenças entre a cultura que os alunos
trazem para a escola e a cultura da escola, conscientizando-os dessas diferenças.
Ressaltamos, no entanto, que Bortoni-Ricardo reconhece a dificuldade que os
professores apresentam em relação a essa questão, pois não sabem se devem
corrigir os alunos ou não, que “erros” devem corrigir ou até mesmo se podem falar
em erros (Bortoni-Ricardo, 2004, p. 38). Dessa forma, a autora sugere que “[...] diante
da realização de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia do professor deve
incluir dois componentes: a identificação da diferença e a conscientização da
diferença” (BortoniRicardo, 2004, p. 42). A conscientização implica que o aluno passe
a monitorar seu próprio estilo, para adequá-lo às situações exigidas.

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Bortoni-Ricardo ressalta que, ainda que cheguem à escola competentes em


Língua Portuguesa, os alunos irão entrar em contato com novos domínios de
interação social, por isso terão de “[...] ampliar a gama de seus recursos
comunicativos para poder atender às convenções sociais, que definem o uso
linguístico adequado a cada gênero textual, a cada tarefa comunicativa, a cada tipo
de interação” (2004, p. 75). Essa ampliação de recursos comunicativos, de acordo
com a autora, deve encontrar lugar privilegiado na escola.
Silva (2004, p. 27-28) atenta para dois fatos essenciais no ensino de língua: o
de que as línguas naturais são fenômenos históricos, por isso estão em contínuo
processo de fazer-se e refazer-se e o de que “[...] o ensino-aprendizagem de língua
materna se define em um processo mútuo de intercâmbio linguístico entre senhores
da matéria”, ou seja, o aluno também é detentor dos conhecimentos a serem
trabalhados na disciplina de Língua Portuguesa. Ela salienta que a escola
desconsidera o saber linguístico diferenciado que os alunos possuem no intuito de
levá-los a dominar o padrão culto idealizado, “[...] o que só alcançam, havendo
exceções, claro, alguns daqueles que já vêm das camadas sócio-culturais em que
esse padrão é a base da comunicação cotidiana, apenas com diferenças próprias
aos registros de formalidade” (SILVA, 2004, p. 29).
A proposta de Silva é a de que o ensino leve em consideração o todo da língua
e não apenas algumas de suas formas, socialmente privilegiadas. Só assim,
conforme a autora, o indivíduo desde que começa a refletir sobre a língua terá
consciência de que “[...] sabe falar a língua que fala todo dia, mas que precisa saber
mais sobre ela e que esse saber pode crescer com ele por toda a sua vida” (SILVA,
2004, p. 35). Para que o aluno perceba que, mesmo antes de iniciar o processo de
escolarização, já domina sua língua materna, a autora sugere que o ensino-
aprendizagem tenha como ponto de partida a oralidade, “[...] a introdução da escrita
e da leitura será integrada ao currículo escolar, mais tarde ou mais cedo, a depender
do tipo de população que a escola atenda” (SILVA, 2004, p. 76). Em relação “[...] ao
aperfeiçoamento da língua materna para novos usos, a escola deverá ter uma
organização curricular diferenciada para melhor atender à diversidade sociocultural
e sociolinguística da população a que serve” (SILVA, 2004, p. 76). Para ela, no
momento em que o professor trabalhar com as variantes que ocorrem na fala
brasileira, distinguindo as “[...] mais salientes e socialmente estigmatizadas, para,

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sem desprestigiar as segundas, selecionar ambas, a fim de treinar o uso formal


falado e os usos escritos de seus alunos” (SILVA, 2004, p. 115), estará contribuindo
para “[...] uma efetiva virada no ensino da Língua Portuguesa no Brasil” (SILVA, 2004,
p. 115).
Bakhtin também discute a questão da variação linguística. Em “O Discurso no
Romance”, tendo como foco a linguagem literária, o autor assume que a língua como
meio vivo é plural tanto na perspectiva ideológica quanto na social. Admite que há
estratificação na língua, determinada pelos gêneros, quando afirma que “[...] estes
ou outros elementos da língua adquirem o perfume específico dos gêneros dados:
eles se adéquam aos pontos de vista específicos, às atitudes, às formas de
pensamento, às nuanças e às entonações desses gêneros” (BAKHTIN, 1990 [1920-
1924], p. 96).
Os gêneros fazem usos característicos da língua, sendo assim, apresentam
estilos diferentes. Para Bakhtin, a variação linguística está ligada às diferentes
esferas da atividade humana. Os usos da língua serão tão variados quanto as
possibilidades de interações humanas. O autor evidencia a questão da adequação
do modo de dizer do falante ao modo de dizer da situação de interação, ou seja, o
gênero condicionando as escolhas linguísticas.
Bakhtin salienta a influência que a história, a idade, o estrato social, a
escolaridade, entre outros fatores, exercem sobre a língua. Nessa perspectiva,
Cada época histórica da vida ideológica e verbal, cada geração, em cada uma
de suas camadas sociais, tem sua linguagem: ademais, cada idade tem a sua
linguagem, seu vocabulário, seu sistema de acentos específicos, os quais, por sua
vez, variam em função da camada social, do estabelecimento de ensino (a linguagem
do cadete, do ginasiano, do realista, são linguagens diferentes) e de outros fatores
de estratificação (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 97-98).
Bakhtin ressalta também a importância dos fatores externos na análise do
discurso. Segundo ele, “estudar o discurso em si mesmo, ignorar a sua orientação
externa, é algo tão absurdo como estudar o sofrimento psíquico fora da realidade a
que está dirigido e pela qual ele é determinado” (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 99).
Dentre os fatores externos, o autor destaca profissão, gênero, geração, idade,
intenção, como podemos constatar quando afirma o seguinte:

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Todas as palavras evocam uma profissão, um gênero, uma tendência, um


partido, uma obra determinada, uma pessoa definida, uma geração, uma idade, um
dia, uma hora. Cada palavra evoca um contexto ou contextos, nos quais ela viveu
sua vida socialmente tensa; todas as palavras e formas são povoadas de intenções
(BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 100).
Ao longo das discussões de Bakhtin, fica evidente a ênfase dada à variação
estilística da língua: de acordo com a situação de interação o mesmo indivíduo vai
se utilizar de uma determinada variedade da língua. A citação a seguir parece
evidenciar a visão do autor:
Deste modo, o camponês analfabeto, nos confins do mundo, ingenuamente
mergulhado em uma existência que considerava ainda imóvel e inabalável, vivia no
meio de vários sistemas linguísticos: ele rezava a Deus em uma língua (o eslavo
eclesiástico), cantava suas canções em outra, falava numa terceira língua no seio
familiar, e quando ele começava a ditar ao escrivão uma petição para as autoridades
ele o fazia em uma quarta língua (a língua oficial correta e “cartorial”). Todas elas
eram línguas diferentes, até mesmo do ponto de vista de índices abstratos sociais e
dialetológicos. [...] cada uma delas estava indiscutivelmente no seu lugar, e o lugar
de cada uma não podia ser discutido (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 102).
Mobilizar as capacidades e os conhecimentos da língua que o aluno já possui
torna-se imprescindível para que ele se sinta encorajado a novas descobertas e a
querer aprender não somente aquilo que é imediatamente necessário e importante,
mas também o que pode ser útil e importante em outras situações sociais de uso da
língua.

O ENSINO DA GRAMÁTICA

Certamente você deve estar se perguntando: Ensina-se


leitura, produção textual, a fazer análise linguística; e a
gramática, como fica?
Após a conclusão do Ensino Médio, alguns estudantes
buscam o ingresso em um curso de nível superior e outros a
sua inserção no mercado de trabalho. Essa passagem se dá,
na maioria das vezes, por meio de concursos ou processos

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seletivos que incluem prova de Português. E esses processos seletivos exigem


conhecimentos gramaticais.
A concepção de língua que sustenta os encaminhamentos metodológicos
propostos nesse curso a compreende como forma de interação, como ação entre
interlocutores reais que se constituem na e pela linguagem. Diz-se que se ensina o
que é necessário e que vem ao encontro das situações sociais de uso da língua. E o
que ensinar de gramática? E como?
Primeiro é preciso ter clareza sobre o que se entende por gramática.

Um conceito simples e que tem dado conta do que entendemos por gramática
é o que a considera um conjunto de regras que especifica o funcionamento de uma
língua. Isso significa dizer que toda língua tem uma gramática e que os falantes, de
algum modo, dominam as regras da língua que falam. Caso contrário, não haveria
entendimento entre as pessoas por meio da linguagem verbal. Possenti (1996), no
entanto, propõe três definições para gramática, a partir desse conceito básico, no
sentido de encaminhar uma opção de ensino que contemple o conhecimento que
possibilite ao falante, produtor de textos orais e escritos, usar a linguagem verbal nas
diferentes esferas sociais de modo desejável e adequado.
Esse primeiro conhecimento de regras da língua de que falamos, aquele que
torna as pessoas capazes de se comunicarem com seus pares e se fazerem
entender e serem entendidas, ainda que não tenham frequentado a escola, Possenti
(1996, p.69) denomina de gramática internalizada: “[...] refere-se à hipótese sobre os
conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou sequências de palavras
de maneira tal que essas frases e sequências são compreensíveis e reconhecidas
como pertencendo a uma língua”. Uma segunda definição de gramática apresentada
pelo autor, nós a conhecemos bem, é a de gramática normativa. Ela é comum aos
livros didáticos e às gramáticas pedagógicas. Trata-se do “conjunto de regras que
devem ser seguidas” (POSSENTI, 1996, p. 64, grifos do autor) cujo objetivo é fazer
com que os usuários da língua falem e escrevam corretamente. A tradição escolar
tem privilegiado esse ensino sem, no entanto, ter alcançado o êxito desejado, como
já discutimos em unidade anterior. E uma terceira definição diz respeito ao “conjunto
de regras que são seguidas” (POSSENTI, 1996, p. 65, grifos do autor), que é a
gramática que orienta o trabalho de linguistas – descrição e explicitação das línguas

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como elas são faladas –, gramática descritiva. Essas definições de gramática são
importantes para orientar o ensino que se deseja desenvolver.
Antunes (2003) salienta outras questões que são igualmente importantes.
Partindo do princípio de que todo falante tem domínio de regras de funcionamento
de sua língua e de que, ao usá-la, ele faz uso de enunciados aos quais subjazem
conhecimentos de organização das estruturas linguísticas que são compartilhados
pelos interlocutores, a autora afirma que todos têm uma gramática internalizada. Ela
reforça sua posição considerando que são múltiplas as situações de uso da
linguagem verbal e que cada uma delas requer “tipos relativamente estáveis de
enunciados”, o que a faz reafirmar: não existe falante sem conhecimento de
gramática (ANTUNES, 2003, p. 86, grifo da autora). Isso não significa, porém, que
os falantes saibam o que são complementos nominais, quais são as desinências
verbais e assim por diante. Eles sabem as regras de uso de modo a tornar inteligíveis
os textos que produzem. Por isso, diz Antunes, o necessário é ter clareza sobre o
que são regras gramaticais e o que não são regras gramaticais.
As regras gramaticais são as orientações de “[...] como usar as unidades da
língua, de como combiná-las, para que se produzam determinados efeitos, em
enunciados funcionalmente inteligíveis, contextualmente interpretáveis e adequados
aos fins pretendidos na interação” (ANTUNES, 2003, p. 86, grifos da autora). São
regras gramaticais aquelas referentes às concordâncias nominais e verbais, ao uso
e emprego dos pronomes, ao uso das flexões verbais para indicar diferenças de
modo e de tempo de ocorrência das ações, ao emprego adequado de palavras que
indicam relações semânticas entre partes do texto (relações de causa, de tempo, de
oposição, etc.), enfim, são os saberes que garantem, como já enfatizado, que seja
dito o que se deseja de forma adequada, considerando a situação de interlocução
dada àquela comunicação. Em contraposição à regra gramatical, têm-se as
“questões metalinguísticas de definição e classificação das unidades da língua” que
“não são regras de uso” (ANTUNES, 2003, p. 87, grifos nossos), tais como o nome
das conjunções e sua classificação, as denominações para os diferentes tipos de
oração; a função sintática das classes de palavras e toda a nomenclatura constante
dos compêndios de gramática. Os conhecimentos que não são regras de uso são
aqueles que rotulam, dão “nome às coisas da língua” (ANTUNES, 2003, p. 87).

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A autora ressalta ainda que a questão não é “[...] ‘ensinar ou não ensinar
gramática’ [...] é discernir sobre o objeto de ensino: as regras (mais precisamente as
regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e
escritos” (ANTUNES, 2003, p. 88, grifos da autora). Coloca-se, então, ao professor
a tarefa de decidir quais regras ensinar e em que perspectiva esse ensino dar-se-á
para que os objetivos de ensino da língua sejam atingidos, na perspectiva da
formação de um leitor e produtor de textos, consciente da importância de ampliar
sempre mais sua competência discursiva, ampliando suas experiências de
letramento. E, se necessário, questões metalinguísticas também serão ensinadas,
desde que relevantes, contextualizadas e de algum interesse para os alunos.
Considerada a gramática internalizada do aluno, seu conhecimento implícito
pode ser ampliado e enriquecido por um ensino que explicite o funcionamento desse
saber internalizado, referente ao léxico, à sintaxe, à pragmática, à gramática, ao
contexto de uso da língua.
Como mencionado em seção anterior, a atividade de análise linguística
possibilitará o desenvolvimento do ensino referente a essas questões. Assim,
[...] pode-se dizer que a [análise linguística] é parte das práticas de letramento
escolar, consistindo numa reflexão explícita e sistemática sobre a constituição e o
funcionamento da linguagem nas dimensões sistêmica (ou gramatical), textual,
discursiva e também normativa, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento
de habilidades de leitura/escuta, de produção de textos orais e escritos e de análise
e sistematização dos fenômenos linguísticos. (MENDONÇA, 2006, p. 208).
Ressaltamos, portanto, que se advoga um ensino de gramática em que o
professor selecione conteúdos que sejam relevantes ao desenvolvimento da leitura
e da produção textual em curso; deve fazer uso, inclusive, da metalinguagem que se
fizer necessária ao saber dizer, pois a “[...] escola valoriza não apenas o ‘saber’, mas
o ‘saber dizer’, [resultado] de uma prática discursiva privilegiada” cuja consequência
é “[...] a maior capacidade para verbalizar o conhecimento e os processos envolvidos
em uma tarefa” (KLEIMAN, 1995, p. 27).
Propomos, para o fechamento desta unidade, uma reflexão sobre como foi o
ensino de gramática vivenciado por você ao longo de sua vida escolar. Discuta com
seus colegas se ele foi produtivo e em que medida se relacionou com as atividades
de leitura e escritura que eram realizadas em sala de aula e fora dela.

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Língua Portuguesa e Literatura

Você tem desenvolvido práticas de análise linguística com seus alunos? Que
efeitos tem observado no processo de ensino e aprendizagem?
O que tem mudado em sua prática docente a partir das questões que vêm
sendo levantadas sobre esse novo olhar para o ensino da Língua Portuguesa?
As discussões levantadas ao longo desta disciplina de Metodologia do Ensino
da Língua Portuguesa e Literatura não se esgotam nesta etapa do curso. Assim como
anunciamos na apresentação do livro, o exercício de escrever, o exercício de ler e o
exercício de ensinar, aqui tratados, entrelaçam-se e se anunciam como
imprescindíveis no pensar o ensino da Língua Portuguesa e da Literatura.
Esperamos que os conhecimentos teórico-metodológicos que partilhamos
com você o motivem a contínuas reflexões e a promover mudanças, e que possa,
em suas aulas, alcançar seus objetivos de ensino de Língua Portuguesa e Literatura
de modo que os alunos desenvolvam aprendizagens mais efetivas e eficientes e com
mais autonomia.

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