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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE ECONOMIA E GESTÃO

JUDITE ANTONIO ZACARIAS

TEMA:

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NA GESTÃO DE CONFLITOS ESTUDO


DE CASO: CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE (2017-2019).

Beira, 2021
DECLARAÇÃO DE HONRA

Eu, Judite António Zacarias, do curso de Licenciatura Ciências Politicas e Relações


Internacionais, declaro que este Trabalho de Conclusão de Curso, com o título “A
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NA GESTÃO DE CONFLITOS ESTUDO
DE CASO: CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE (2017-2019), é resultado da minha
investigação pessoal e das indicações do meu orientador, o seu conteúdo é original e todas
as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.
Declaro, ainda, que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para
obtenção de qualquer grau académico.

Beira, 15 de Janeiro de 2022

______________________________________________

JUDITE ANTONIO ZACARIAS


DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a verdadeira mentora da minha vida, a senhora Ana Paula Mateus
Mupombe mãe, as suas batalhas, orações, ensinamentos e amor fizeram com que chegasse
ao fim e realizasse este trabalho.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus pelo dom da vida, pela força que sempre me
proporcionou para superar as dificuldades.

A minha mãe pais, Ana Paula Mateus Mupombe que acima de tudo acreditou em mim, e
deu total suporte neste percurso bem como o acompanhamento para que tal acontecesse.

Ao meu orientador Anastacio Miguel Ndapassoa, pelo acompanhamento e suporte e pelas


correções.

Ao corpo docente da faculdade de Economia e Gestão pelo aprendizado que com amor,
dedicação e trabalho arduo proporcionaram a mim e aos meus colegas.

A todos que directa e indirectamente me ajudaram a tornar o meu sonho em realidade vai a
minha profunda gratidão.
RESUMO

O presente projecto tem como objectivo compreender o impacto das Organizações das
Nações Unidas na gestão de conflitos caso de Cabo Delgado, com foco para análise e
intervenção humanitária do conflito vivido nesta região. Moçambique é um dos países em
África que teve grandes descobertas de vários recursos com destaque ao mineral e
energéticos, e nos últimos tempos verifica-se instabilidade política nacional decorrente dos
interesses dos recursos acima citados.

Os conflitos políticos dominam as relações internacionais contemporâneas, em matéria de


paz e segurança internacional, devido a preponderância da relação entre política e
desenvolvimento local dos países como factor para eclosão de conflitos, principalmente em
Estados Africanos. Contudo, pretende-se analisar a actuação das organizações
internacionais como agentes de gestão e resolução de conflitos. Acredita-se que esta
instituição pode influenciar as políticas de países-membros e não membros, sendo assim,
justifica-se este estudo pela necessidade de entendimento de como se dá esse processo, e
como as organizações internacionais podem ser agentes nesse processo. Para tal, será
abordado no trabalho sobre o papel dessas organizações internacionais, as principais acções
na resolução de conflitos entre estados, que politicas adequadas são necessárias no
tratamento da gestão dos conflitos, com enfoque no papel desta instituição e também
discutir o impacto das acções da ONU na resolução do conflito existente nos pais.

PALAVRAS-CHAVES: Gestão conflitos, ONU, Cabo Delgado


ABSTRACT

International organizations stand out on the world stage, through their role in improving
relationships between member countries. Currently Mozambique is one of the countries in
Africa that has had great discovery of mineral resources such as gas, energy, among others,
and in recent times there has been a very high tension in terms of national political stability.
Thus, it is essential to discuss the impact of the UN's actions and role in resolving conflicts
in the country. The purpose of this monograph is to understand the impact of the United
Nations in conflict management between the State, in specific case: Cabo Delgado,
Mozambique, and based on the transference and conflict resolution theories, to be analyzed
from the UN actions.

Conflicts dominate contemporary international relations, in terms of international peace and


security, due to the preponderance of the relationship between politics and ethnicity as a
factor for the outbreak of conflicts, mainly in African Multi-Ethnic States, this paper also
intends to analyze the performance of international organizations as agents of management
and conflict resolution between states. It is believed that these institutions can influence the
policies of member and non-member countries. Therefore, this study is justified by the need
to understand how this process occurs, and how international organizations can be agents in
this process. For this, a literature review will be made on the role of these international
organizations, the main actions in the resolution of conflicts between states, which
appropriate policies are necessary in the treatment of conflict management, focusing on the
role of this institution.

KEYWORDS: Management, Conflicts, UN, States, Mozambique


Indice
CAPITULO I

1.1 Introdução

O presente trabalho insere-se num contexto complexo marcado por fim da guerra fria,
marcas identitárias e conflitos intra-estatais (África e Leste Europeu), esforços de
integração multiétnica como forma de gestão de conflitos e consolidação do Estado e o
conflito vivido em Moçambique, concretamente em Cabo Delgado.

Nos últimos tempos, Moçambique teve grandes descobertas de vários recursos naturais e
energéticos, facto que hoje estas descobertas têm originado um grande impacto na
instabilidade política nacional. Entretanto, Os conflitos políticos dominam as relações
internacionais contemporâneas, em matéria de paz e segurança internacional, devido a
preponderância da relação entre política e desenvolvimento local dos países como factor
para eclosão de conflitos, principalmente em Estados Africanos. (Mugaua, 2014).

Neste contexto a ONU ocupa, de entre todas as organizações multilaterais existentes, um


lugar ímpar e de topo em aspectos tão diversos como resolução de conflitos, a legitimidade
do uso da força e da intervenção externa; o desenvolvimento económico e social; a
mediação e coordenação em assuntos específicos; o socorro humanitário em caso de
desastres naturais ou conflitos provocados pelo Homem, para enumerar só alguns. Mas o
facto é que ao longo de mais de sessenta anos e apesar da existência, acção e importância
das ONU, como o principal pilar do sistema de segurança internacional, os conflitos e as
guerras entre actores internacionais continuaram. Nye (2002). Assim, é fundamental,
também, discutir o impacto das acções e papel da ONU na resolução dos conflitos
existentes no país e acredita-se que esta instituição pode influenciar nas políticas de países-
membros e não membros. Contudo, será discutido no trabalho sobre o papel da ONU, as
principais acções na resolução de conflitos entre estados, que politicas adequadas são
necessárias nos tratamentos da gestão dos conflitos, com enfoque no papel desta instituição.
1.2 Justificativa

A presente pesquisa justifica-se pela contribuição em compreender melhor as causas do


conflito em Cabo Delgado, que vem se agravando naquela região e as acções das
organizações internacional na resolução do mesmo.

O estudo contribui para identificação de medidas que podem e devem ser


implementadas de modo a fortalecer a protecção de civis, na região e buscando evitar a
escalada dos conflitos e permitindo a retomada o desenvolvimento socioeconómico da
região norte do pais.

As organizações Internacionais, foram condições que asseguraram a própria existência das


Organizações da Nações Unidas. Está por sua vez é considerada o mais importante
organismo internacional actualmente existente. A magnitude que os conflitos políticos
tomaram em Moçambique constitui um elemento de alerta do que pode acontecer em outros
Estados africanos com graves consequências: Subdesenvolvimento, crescente rivalidade
entre os grupos de emergência de conflitos políticos, desintegração dos Estados: secessão.

1.3 Objectivos do Estudo

1.3.1 Objectivos Geral

Compreender o papel das organização das nações unidas na gestão de conflito entre
estados, (2017-2019).

1.3.2 Objectivos Especifico

 Identificar os mecanismos desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas o


seu processo de funcionamento a nível mundial na gestão de conflitos entre Estados.
 Caracterizar os objectivos traçados pela Organização das Nações Unidas no seu
processo de funcionamento na resolução dos conflitos em Moçambique;
 Debruçar-se Sobre as lições para os Estados africanos face a instrumentalização e
politização dos conflitos em África;
 Propor sugestões para o desenvolvimento do processo de funcionamento das Nações
Unidas na gestão de conflitos entre Estados.

1.4 Definição do Problema

Os Conflitos políticos dominam as relações internacionais contemporâneas, em matéria de


paz e segurança internacional, devido a preponderância da relação entre política e
etnicidade como factor para eclosão de conflitos, principalmente em Estados Africanos.

A ONU tem normalmente tido sucessos em casos como os de Moçambique, Namíbia e


Camboja onde se obteve uma solução política antes dos peacekeepers serem colocados no
terreno, e em que, simultaneamente, os líderes das facções combatentes demonstraram uma
razoável vontade e empenho em efectuar compromissos. Nestes casos, a ONU envolveu-se
num amplo leque de actividades cuja natureza foi muito para além das tarefas militares do
peacekeeping tradicional, característico do período da guerra fria. A ONU tem levado a
cabo as diferentes actividades daquilo a que convencionámos designar por Processo da
Resolução de Conflitos diplomacia preventiva/prevenção de conflitos, peacemaking,
peacekeeping e peacebuilding com resultados muito diferentes; tende a ser mais bem-
sucedida numas actividades do que noutras. Actualmente, Moçambique vive um século que
se inicia sob o impacto da ameaça de ataques terroristas em larga escala e da possibilidade
real da maior potência do planeta escolher o unilateralismo como padrão predominante para
sua política externa. Contudo, o desempenho da ONU ao longo da última década na
contenção de conflitos no interior de estados não tem sido satisfatório. No respeitante à
prevenção de conflitos e ao peacemakingos resultados foram, na generalidade, frustrantes e
no que se refere ao peacekeeping, os sucessos coexistiram com os fracassos.

Desta forma surge como perguntas de partida:

 Qual é o relevo das Nações Unidas face aos conflitos caso de Cabo Delgado?
 Qual é o grau de eficácia que as Nações unidas têm tido nas suas intervenções
na resolução de conflitos.
1.5 Pergunta de Pesquisas

 A existência de vários grupos tribais com interesses políticos e sem uma autoridade
política centralizada forte, contribuíu decisivamente para a eclosão e escalada de
conflito em Moçambique?

 Quais foram os mecanismos desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas no


seu processo de funcionamento na gestão de conflitos entre Estados no período
2017-2019?
 Quais foram os objectivos traçados pela Organização das Nações Unidas no seu
processo de funcionamento a nível mundial na gestão conflito em Moçambique.

1.6 Delimitação do estudo

1.6.1 Temática

O trabalho te como tema: Organização das nações unidas na gestão de conflitos estudo de
caso: cabo delgado, Moçambique (2017-2019).

1.6.2.Espacial

A presente pesquisa será realizada na Cidade da Beira, com enfoque para os Conflitos
vividos na província de Cabo Delgado, Moçambique.

1.6.3.Temporal

Esta pesquisa será realizada num período de 2017 à 2019, período que viu-se grande
descobertas de recursos no pais e o aparecimento de grupos com interesses.
CAPITULO 2: REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Introdução

Este capítulo pretende identificar os pensamentos principais pensamentos de Relações


Internacionais, relativo às questões de conflitos, guerra, paz. O objectivo é contextualizar os
pensamentos, demonstrando o surgimento e desenvolvimento dos mecanismos de
Resolução de Conflitos.

2.2 Revisão da Literatura

2.2.1 As Nações Unidas

A ONU são uma entidade abrangente que integra a Organização das Nações Unidas
(ONU), que se rege nos seus aspectos fundamentais pela Carta, e por um conjunto de outras
organizações ou órgãos de natureza multilateral. A ONU é a única organização
internacional onde têm assento 192 estados, ou seja praticamente todos os estados
existentes. Ficam de fora a Santa Sé (considerada uma “entidade soberana”) que detém o
estatuto de observador, a Autoridade Palestiniana (considerada um proto-estado), que
detém também o estatuto de observador, assim como vários países, territórios ou povos que
por razões de vária ordem não pretendem ter ou não conseguem obter, reconhecimento
formal, como é o caso de Taiwan, Tibete, Sara Ocidental, República Turca do Norte de
Chipre, Chechénia, Kosovo, Ossétia do Sul e Abcácia. As NU integram dezanove
agências/organizações especializadas e mantém relações com quarenta e sete organizações
intergovernamentais e quatro outras organizações/entidades. Ou seja, as ONU são o maior
fórum de diálogo, nas mais variadas áreas, jamais criado pela humanidade. Interessa
sublinhar que as ONU não são um governo mundial, não têm forças armadas, não lançam
taxas, não se sobrepõem aos estados, excepto em questões de paz e segurança. De facto, os
estados, ao aceitarem os termos precisos de adesão contidos na Carta, delegam nas NU a
responsabilidade final pela manutenção da paz e segurança internacional, ou seja, delegam
soberania nesse aspecto particular, sendo por isso pertinente afirmar-se que a ONU não é
uma simples organização intergovernamental mas sim uma organização supranacional.
2.2.2 Antecedentes das Nações Unidas

A ONU culmina um longo processo de desenvolvimento das relações e das organizações


internacionais, que remonta ao “Concerto da Europa” (1814-1913) e passa pela SdN (1919-
1939), que muito embora no plano político tenha constituído um fracasso, como
experiência, foi extremamente importante. As NU começam a ganhar forma durante o
decorrer da 2ª Guerra Mundial, com a declaração de St. James Palace, em 1941, que
contém os elementos chave da paz duradoura mais tarde encontrados na Carta. A partir daí
seguiram-se um conjunto de encontros políticos que culminam com a Conferência de S.
Francisco, em 1945, onde a Carta é assinada. Os aspectos mais específicos sobre os
antecedentes das NU.

A ONU foi estabelecida no ano seguinte, em 1946, tendo vários dos seus órgãos reunido
em locais provisórios quer em Londres quer em Nova Iorque, para se estabelecer, em 1950,
na sua sede definitiva em Nova Iorque. O que consideramos relevante quanto aos
antecedentes das NU, é que todos os trabalhos conducentes à sua criação tiveram lugar
durante a 2º Guerra Mundial, facto que marca inexoravelmente os seus princípios, estrutura
e equilíbrios de poder. b. A Organização das Nações Unidas A Carta é um documento
muito vasto. Contém um preâmbulo e cento e onze artigos, divididos por dezanove
capítulos, além do Estatuto do TIJ. Resulta da mesma a ONU. Os órgãos principais da
ONU estão previstos no artigo 7º da Carta. São eles a AG, o CS, o Secretariado, o CES, o
Conselho da Tutela e o TIJ. Abordaremos estes órgãos de seguida, excepto o Conselho da
Tutela (por estar desactivado desde 1994), na perspectiva que nos interessa.

2.2.3 O Sistema das Nações Unidas

O Sistema das Nações Unidas ultrapassa em muito a dimensão específica da ONU. De


facto, a criação de organizações intergovernamentais, sob a égide das NU, atingiu muito
maiores proporções do que tinha acontecido na SdN, por razões evolutivas próprias, mas
principalmente pela noção de “direito ao desenvolvimento” que se tornou num ponto de
convergência ideológica na segunda metade do século XX. A maior parte desses órgãos são
extremamente flexíveis e estão num notável equilíbrio entre a sua independência e a
necessária coordenação para assegurar a coerência interna das NU (Ribeiro, 1998: 53). A
nossa forma de viver não seria possível sem uma boa parte destes órgãos, que abrangem as
mais variadas facetas das necessidades da comunidade internacional, num total de catorze
fundos ou programas (destacamos o United Nations Children’s Fund, United Nations
Development Programme, Office of the United Nations High Commissioner for Refugees),
nove institutos de investigação ou ensino, finalmente, dezanove organizações relacionadas
ou agências especializadas (destacamos a World Trade Organization, International
AtomicEnergy Agency, World Bank, Monetary International Fund, International Maritime
Organization, International Civil Aviation Organization e a World Health Organization).
Para o efeito da nossa investigação interessa que o sistema das NU, tem uma influência
directa no desenvolvimento e progresso, aspecto que ganha foros de particular relevância
no mundo de globalização plena de hoje. Para aqueles que acreditam que o
desenvolvimento e progresso são a melhor forma de combater as causas dos conflitos,
então, a coordenação, a codificação das mais diferentes actividades e situações, também, a
promoção do desenvolvimento e progresso, podem constituir-se como um elemento útil, a
prazo, na resolução de conflitos, nomeadamente dos conflitos multifacetados que podem
resultar do ambiente estratégico pós-moderno.

2.2.2.1 O poder das Nações Unidas

As NU foram criadas como uma organização de estados para estados, de acordo com um
princípio geral de igualdade entre os mesmos, mas contraditório dentro da própria orgânica
das NU, que prevê o CS. No entanto, será fundamental ter ciente, quando se pensa no poder
das NU, ou para o efeito de qualquer outra organização multilateral, que o seu poder é
exactamente aquele que sobra do poder que os estados, principalmente os grandes estados
aristocráticos, no caso os membros permanentes do CS, reservam para si. Existe portanto
um permanente choque de poder e uma fronteira bem delineada entre a vocação ética e
universalista das NU e o interesse das grandes potências. Este será sempre o elemento
central da organização, que muito marca não só a sua margem de manobra, mas também o
seu prestígio e actuação, quer no plano interno (organização e ocupação de lugares) quer
externo (posições políticas e actuação). Por outro lado, tendo as NU sido pensadas numa
lógica internacional baseada em estados, compartimentados em fronteiras num mundo
ainda pouco globalizado, o seu poder nos dias de hoje encontra dificuldades de aplicação
por a realidade do actual ambiente estratégico já não corresponder fielmente a esse modelo.
De facto, num ambiente estratégico globalizado, sem fronteiras em vários domínios, em
que os actores internacionais tradicionais partilham poder, cada vez mais, com as grandes
multinacionais, as praças financeiras “off-shore”, as organizações não-governamentais, o
crime organizado, o terrorismo internacional e a sociedade de informação, a actuação das
NU fica, no mínimo, muito condicionada. Por outro lado, a conflitualidade do século XXI
está profundamente marcada por uma diminuição de conflitos entre estados - onde poderá
ainda prevalecer alguma racionalidade e uma lógica de força/direito – mas também por um
aumento da conflitualidade baseada no “ser” e na “afirmação”, onde a capacidade de
actuação das NU está fortemente condicionado.

Interessa salientar que as fontes de poder das NU são totalmente diversas das fontes de
poder dos estados ou grupos sociais, por sua vez, diferentes hoje do que eram antigamente.
Por exemplo, enquanto o poder dos estados modernos e de muitos actores não estaduais, se
projecta nas relações internacionais pelo seu território, população, riqueza, conhecimento,
ideologia, tecnologia, diplomacia, forças armadas, prestígio, determinação, método de
actuação, etc., que será normalmente usado na prossecução dos seus interesses, por outro
lado, o poder das organizações multilaterais, nomeadamente das NU no cumprimento da
sua missão - promoção da paz, segurança e desenvolvimento – ou seja, o poder para a
resolução de conflitos, armados ou não, é de natureza totalmente diferente. Michell Virally
identifica três categorias genéricas de poder para as organizações internacionais,
nomeadamente para as NU: o poder de debater; o poder de decidir; o poder de agir (Virally,
1972: 157).

O poder de debater, não parecendo, é uma arma poderosa. Promove a informação mútua, a
universalidade, o auscultar de posições, a reflexão, o amadurecimento de ideias, a
diplomacia multilateral, a mediação, finalmente, o consenso. O poder de debater inerente às
NU actua geralmente de forma eficaz sobre os estados, no que diz respeito ao balizamento
dos seus interesses, perspectiva de resultado final e principalmente do estabelecimento do
quadro ético-moral dominante.

O poder de decidir, mostra-se também uma arma poderosa. Principalmente porque a


decisão, tomada por consenso, poderá significar o prelúdio da acção. Nas NU as decisões
assumem, normalmente, o formato de recomendação, pedido, convite ou proibição, que no
entanto deverão ser vistas no contexto muito próprio do direito internacional público. São
decisões que arrastam muito peso, principalmente porque o eventual prevaricador arrisca
algo que, no sistema internacional, não se pode ocultar ou substituir, ou seja, a sua
reputação ou prestigio que tendencialmente todos querem preservar. Pelo seu lado, as
decisões do CS e da AG, que são órgãos políticos, não estão relacionadas necessariamente
com o direito. Têm um valor operacional acrescido, mas por serem políticas, estão por
vezes inquinadas por interesses não universais, logo carregam uma desconfiança ética e
moral. Por isso mesmo, nos últimos anos, a tendência é de só levar a votação matérias onde
o consenso está assegurado, garantindo-se assim a universalidade e aplicabilidade da
decisão.

O poder de agir, usado frequentemente pelo CS, onde já não se trata de discutir ou decidir,
mas sim de dispor de vontade e capacidades, para agir sobre os estados ou sobre as coisas.
Não tendo as NU território, população, economia, nem forças próprias, nem colocando os
estados forças à disposição de forma permanente, a capacidade de agir da organização é
limitada, mas existe. Pela acção diplomática, primeiro, pelo inquérito, pela acção coerciva,
pela pacificação através das missões de paz, pela assistência, pela administração, no limite,
pela guerra. O poder de agir é vasto e actua sobre os actores internacionais tendo em vista
vergar o seu comportamento.

Mas tão importante como reconhecer o poder das NU é perceber onde estão os seus “não-
poderes” que mais cedo ou mais tarde motivarão, a tão falada, mas sempre adiada, reforma
efectiva das NU. O primeiro será a representatividade do CS, ou de muitos outros órgãos
das NU, totalmente dominados pelos estados aristocráticos das NU. A correcção deste
aspecto será absolutamente essencial para a valoração do maior capital das NU, a sua
legitimidade ético-moral. O segundo será a não existência de uma força orgânica, ou seja,
dum corpo militar efectivo e permanente para missões que não apenas de interposição.
Mesmo agora que se passa por um período de abundância relativa em termos de efectivos,
com quase cem mil militares colocados à disposição das NU, este número é manifestamente
insuficientes para a tarefa em vista. O terceiro será a falta de um sistema internacional
estratificado por regiões, conforme defendido por Churchill, em vez do actual sistema em
que uma qualquer situação menor é de imediato levada ao CS, independentemente da sua
gravidade ou dimensão, esgotando o órgão. Finalmente, a pulverização da AG com micro-
estados, levanta questões de funcionamento, que seria útil, em nome da justiça, resolver.

2.3 Quadro Conceptual

2.3.1 Ameaça

“Circunstância ou evento cuja verificação ou concretização se traduz num conjunto de


impactos negativos sobre um sistema ou recurso que apresenta uma ou mais
vulnerabilidades passíveis de serem exploradas pela ameaça em questão”.

2.3.2 Conflito

Existe um conflito quando “Duas pessoas desejam realizar actos que são mutuamente
inconsistentes. Ambos podem querer fazer a mesma coisa, como comer a mesma maçã, ou
podem querer fazer coisas diferentes onde as coisas diferentes são mutuamente
incompatíveis, como quando ambos querem ficar juntos, mas um quer ir ao cinema e a
outra para ficar em casa. Um conflito é resolvido quando algum conjunto de ações
mutuamente compatível é resolvido. A definição de conflito pode ser estendida. As Nações
Unidas Face aos Conflitos Multifacetados indivíduos para grupos (como estados ou
nações), e mais de duas partes podem estar envolvidas no conflito. Os princípios
permanecem os mesmos. (Nicholson, 1992: 11).

2.3.2 Conflito armado

Uma luta armada ou confronto entre grupos organizados dentro de uma nação ou entre
nações para alcançar objetivos políticos ou militares limitados. Embora forças regulares
estejam frequentemente envolvidas, forças irregulares frequentemente predominam. O
conflito geralmente é prolongado, confinado a uma área geográfica restrita e restrito ao
armamento e ao nível de violência. Nesse estado, o poder militar em resposta a ameaças
pode ser exercido de forma indireta, ao mesmo tempo que apoia outros instrumentos do
poder nacional. Objetivos limitados podem ser alcançados pela aplicação de força curta,
focada e direta ”. Nicholson, 1992: 11).

2.3.3 Conflito internacional

Conflito que envolve pelo menos um actor internacional ou que tem potencial para afectar a
ordem internacional. Nicholson, 1992: 11).

2.4 A caracterização dos conflitos

Não será de todo possível falar-se do papel da ONU face aos conflitos sem se caracterizar
minimamente os conflitos, nem sem dar uma dimensão deste fenómeno na ordem mundial,
nas sociedades e na vida dos indivíduos. Não caberá neste trabalho desenvolver a teoria dos
conflitos e da paz, mas interessará enquadrar, no geral, os conflitos, na perspectiva em que
são eles que justificam a existência e a missão da ONU, trata dos propósitos das ONU,
nomeadamente: (1) manter a paz e a segurança internacional, tomando medidas efectivas
que previnam ou removam as ameaças à paz, que acabem com actos de agressão e que
permitam resolver as disputas internacionais por meios pacíficos de acordo com o direito
internacional; (2) desenvolver relações amigáveis entre nações, dentro do princípio da
igualdade de direitos e auto-determinação dos povos; (3) obter cooperação internacional em
assuntos económicos, sociais, culturais ou humanitários e promover o respeito pelos
direitos humanos e pelas liberdades fundamentais sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião; (4) ser um centro de harmonização para todas as nações na persecução destes fins.
A 1º da Carta permite-nos deduzir desde já os elementos chave da missão das NU que são a
paz, a segurança, o direito, a amizade, a igualdade, a auto-determinação, a cooperação, os
direitos humanos, as liberdades fundamentais, finalmente, a harmonização de esforços.

2.5 A causa dos conflitos

Na tentativa de compreender-mos a causa da violência e dos conflitos, têm sido levantadas


as mais diversas teorias nos mais variados âmbitos, nomeadamente: (1) teorias do interesse
- defendem que as guerras resultam da percepção duma qualquer vantagem; (2) teorias do
comportamento - defendem que a violência é algo de inerente ao ser humano, fenómeno
que seria reprimido em sociedade mas que necessitaria, por vezes, duma válvula de escape
através da guerra, sendo verdade que o preâmbulo da constituição da United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) reforça esta posição quando
afirma: “since wars begin in the minds of men, it is in the minds of men that the defences of
peace must be constructed’ (UNESCO, 2004: 7); (3) teorias evolutivas - defendem que os
conflitos e a guerra entre grupos e sociedades humanas encaixam na eterna luta pela
sobrevivência encontrada na natureza em geral, onde prevalece o princípio do mais apto ou
do mais forte, conforme às teorias evolucionistas apoiadas na selecção natural, que tiveram
origem com Charles Darwin (1809-1882); (4) teorias sociais – divididas em várias escolas,
salientamos a escola que dá primado à política interna dos estados, defendida por Eckart
Kehr e Hans-Ulrich Wehler, assim como a escola que dá primado à política externa dos
estados, defendida por Carl von Clausewitz e Leopold von Ranke; (5) teorias demográficas
- colocam a tónica na pressão sobre recursos que resulta do excesso de população ou
superabundância de homens jovens, conforme defendido por Gaston Bouthoul no seu
“Traite de Polemologie”; (6) teorias racionalistas - assumem que num conflito ambos os
lados do mesmo são racionais e procuram o melhor resultado possível com o menor
prejuízo possível, sendo que existirão sempre duas decisões - uma de ir para a guerra, uma
outra de resistir – e que se por acaso existirem duas decisões de ir para a guerra, então é
consenso alargado nestas teorias que um dos lados estará a fazer um erro de cálculo; (7)
teorias económicas - defende que a guerra resulta da competição económica; (8) teoria
marxista – defende que a guerra é o resultado da luta de classes; (9) teorias das ciências
políticas - apoiadas em estatísticas, dão uma ênfase nova ao realismo e desenvolvem
aspectos relacionados com o papel da motivação, democracia, desenvolvimento, moral e
religiões, autodeterminações, poder, na persecução da paz, etc; (10) teoria objectivista -
defende que enquanto prevalecer a noção de sacrifício pelo colectivo e o direito de homens
governarem outros homens pela força, não pode ser obtida a paz, nem numa nação nem
entre nações. Assim, as teorias para “arrumar” as causas dos conflitos são abundantes. Para
quase todas existem defensores e opositores, sendo quase certo que todas têm as suas
virtudes, pela simples razão de que cada conflito será um caso em si, que deverá ser
analisado no seu contexto próprio pelo seu mérito próprio. O que será relevante para a
nossa investigação é que por força da multiplicidade de causas que se podem encontrar para
os conflitos, a missão da ONU não fica facilitada. No entanto, a análise dos propósitos das
ONU permitem-nos aferir claramente que a tónica dominante das ONU para a dissuasão e
resolução dos conflitos, passa principalmente pelo primado do diálogo e desenvolvimento
(cooperação e harmonização), pelo primado da moral/direito (amizade, igualdade, auto-
determinação, direitos humanos, liberdades fundamentais), finalmente, pela acção coerciva.

2.6 Conflito na sua Dimensão Regional

2.6.1 Ameaças à segurança no Oceano Índico

Na última década assistiu-se a um aumento da violência e de ameaças à segurança marítima


em diversos pontos do Oceano Índico (Filipinas, Sri Lanka, Golfo de Aden),
inclusivamente na costa Ocidental (nomeadamente, na Somália e no Iémen), afectando a
navegação e comércio marítimos e aumentando os custos em segurança. As acções
violentas têm impactos sociais sobre as populações da costa e, inclusive, do hinterland. No
Norte de Moçambique, uma complexidade de fenómenos desencadeou o surgimento de
insurgentes armados, que também operam a partir do mar, ameaçando os investimentos em
gás off-shore. Moçambique passou a ser alvo de ameaça de grupos terroristas. Os índices
internacionais de governação terrestre e marítima levantam preocupações relacionadas com
a segurança e a implementação de um Estado de Direito, participação dos cidadãos e
respeito pelos direitos humanos (índice Mo Ibrahim), mas também com questões de
governação marítima (Stable Seas Index).

2.6.1 O contexto do conflito

No continente africano vêm-se destacando uma série de Estados frágeis, com profundos
problemas de pobreza, de desemprego e de desigualdade, com impactos na conflitualidade
política e no controlo da soberania. Em países, como o Mali, República Centro Africana e,
mais recentemente, Moçambique, consolidam-se redes internacionais associadas ao crime
organizado, geralmente em alianças com grupos internos próximos do poder político. A
degradação e fragilidade do Estado abre espaço para a formação de grupos radicais e
violentos, capitalizando o descontentamento social. Moçambique é hoje vítima de uma
agressão de forças jihadistas envolvendo uma ampla participação de cidadãos
moçambicanos. As análises existentes permitem compreender que o conflito tem origens
históricas de longo curso, que assumiram novas dimensões com o aumento da pressão sobre
recursos naturais (terras, madeiras, marfim, pedras preciosas) e com a presença de rotas de
tráfico internacional, no Oceano Índico, de seres humanos, drogas e armas. Apesar de
constituir uma ameaça regional e mundial, o conflito no Norte de Cabo Delgado ainda não
figura na agenda de actuação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ao fim de três
anos de conflitualidade, assiste-se a uma situação de impasse militar, sendo que importa
que se comecem a recolher experiências e análises relacionadas com processos de
construção da paz.

AS INTERVENÇÕES DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Os conflitos intraestado e intraestado internacionalizados têm sido alvo de intervenções


pela comunidade internacional com vista à sua gestão ou resolução. Tomando como
referência a abordagem das Nações Unidas podem existir cinco principais tipos de
intervenção no conflito (baseado no relatório Capstone Doctrine das Nações Unidas (2008)
e Bellamy, Williams e Griffin (2010)):

 Prevenção de conflitos (conflict prevention) – iniciativas estruturais ou diplomáticas


para prevenir a escalada do conflito. Poderá incluir “bons ofícios” (good offices),
destacamentos preventivos ou medidas de fortalecimento de confiança. •
Pacificação (peacemaking) 3 – utilização da diplomacia para trazer as partes em
conflito para a mesa de negociações. Estas iniciativas poderão ser realizadas através
de “bons oficios”, enviados especiais de organizações internacionais, estados ou
grupos de estados e podem envolver entidades não-estatais.

 Manutenção da paz (peacekeeping) – iniciativas que pretendem assegurar a


implementação de um cessar-fogo e/ou desenho e implementação de um acordo de
paz. O mandato destas missões tem-se tornado mais complexo, e uma diferenciação
poderá ser feita entre: – Manutenção de paz tradicional (traditional peacekeeping) –
atividade que tem lugar normalmente na sequência da assinatura de um cessar-fogo
e que pretende assegurar as condições necessárias para que as partes negoceiem os
termos de um acordo de paz. Estas missões ocorrem com o consentimento das
partes em conflito e pretendem construir a confiança que facilite a realização de um
acordo político. – Manutenção da paz com um mandato alargado (wider
peacekeeping) – estes são os casos em que as missões de manutenção de paz
tradicional assumem um mandato mais alargado (como por exemplo assegurar a
distribuição de ajuda humanitária), ou podem ocorrer após um cessar-fogo ou
acordo de paz que fracasse. – Manutenção da paz multidimensional (assisting
transitions) – são missões de paz com um mandato alargado com componentes
militares, de polícia e civis para apoiar as partes na implementação dos acordos
políticos conseguidos normalmente depois de um cessar-fogo. O seu mandato pode
incluir a manutenção da paz, proteção dos civis e implementação do acordo de paz.
– Administração transitória (transitional administration) – em alguns casos uma
terceira parte, normalmente as Nações Unidas, assume temporariamente a
autoridade soberana do governo do Estado. Estas são missões multidimensionais
com as responsabilidades adicionais do Estado, como sejam: justiça, economia,
fronteiras, segurança, media, e serviços como a educação, saúde ou infraestruturas
públicas.

 Imposição da paz (peace enforcement) - consiste na utilização da força militar para


se chegar à paz. Implicitamente são realizadas sem o consentimento de pelo menos
uma das partes envolvidas no conflito e tem como objetivo o destacamento de
forças, principalmente militares, para terminar com as hostilidades. Este é o tipo de
missão que, de acordo com a Carta das Nações Unidas, requer o explícito
consentimento do Concelho de Segurança.

 Construção da paz (peacebuilding) – são missões que pretendem reduzir o risco da


reiniciação do conflito procurando fortalecer as capacidades nacionais para a gestão
de conflito e do Estado para desempenhar as suas tarefas principais. São missões
complexas e de âmbito abrangente, de longo prazo e procuram resolver as causas
profundas associadas ao conflito.

2.6.2 A PREVENÇÃO DE CONFLITOS EM SITUAÇÕES DE CRISE


A prevenção de conflitos é tanto mais eficaz quanto a comunidade internacional se mostrar
unida e actuar sobre a égide das Nações Unidas ou de uma organização regional, ou de um
país ou coligação de países, com o seu beneplácito). Os agentes e os instrumentos da
prevenção. O papel do Secretário-geral Como é sabido, o Conselho de Segurança da ONU
detém a responsabilidade principal em matéria de manutenção de paz e segurança
internacionais. Mas o Secretário-Geral tem um papel específico previsto na Carta, em
matéria de prevenção de conflitos, que foi expressamente reafirmado pelo próprio Conselho
na declaração presidencial de 30 de Novembro de 1999 sobre “o papel do Conselho de
Segurança na prevenção de conflitos armados.” A avaliação pelo Secretário-Geral de uma
ameaça potencial à segurança e paz internacional – e as recomendações que ele possa fazer
ao Conselho de Segurança no que respeita a acções preventivas apropriadas – constituem
um elemento essencial da tomada de decisão por aquele órgão.

2.6.2.1 Aviso precoce (“early warning”)

O Secretário-Geral deve, em primeiro lugar, contar com um sistema efectivo de


informações precisas sobre a evolução potencial das situações de crise que o habilite a
propor uma resposta apropriada e proporcional ao grau de ameaça. Quanto mais cedo for o
aviso, mais eficaz pode ser a resposta da ONU, visto poder então ainda dispor de um leque
generalizado de medidas a adoptar. Para além dos recursos próprios do Secretariado, as
informações poderão provir de quaisquer fontes credíveis (e disponíveis), incluindo de
organizações não-governamentais – frequentemente o elemento internacional mais bem
informado no terreno. Mas o Estados Membros das Nações Unidas tem uma
responsabilidade particular em apoiar a ONU no seu sistema de aviso precoce (early
warning). Devem partilhar activa e rapidamente a inteligente relevante ao seu alcance e
ajudar à elaboração de respostas apropriadas ao evoluir das situações. Acima de tudo, é
muito importante a capacidade de interpretar a informação disponível correctamente.

2.6.2.2 Outros instrumentos da Diplomacia Preventiva

Expandir e aumentar a flexibilidade dos meios tradicionais da diplomacia pode ser uma
estratégia útil para a mediação de uma crise que se está a agravar. O recurso a enviados
especiais, à chamada shuttle diplomacy, a missões de avaliação factual – fact-finding
missions, ou de bons ofícios e a promoção de medidas de construção de confiança podem
constituir os canais necessários para ajudar a reduzir as tensões e a evitar a intensificação
da violência. Há toda uma gama de diplomacia paralela, “silenciosa” ou não, que pode ser
activada para atenuar confrontos, sem prejuízo de, em simultâneo, se manterem os canais
da diplomacia tradicional, multilateral ou bilateral. Como já referi, o Secretariado e, em
particular, o Secretário-Geral representam um interlocutor privilegiado para as partes em
disputa. Está na competência do SG despachar enviados especiais para avaliarem situações
de crise, decidir fact-finding missions ou promover a mediação de conflitos. As
intervenções do Enviado Especial do Secretário-Geral para o Afeganistão, em Setembro e
Outubro de 1998, evitaram a escalada de confrontações entre o Irão e o Afeganistão. Foi
uma missão vital que não atraiu muita publicidade. Os custos foram mínimos, o seu êxito
evitou o que potencialmente podia ter sido mais uma perda de vidas inútil e de
consequências gravosas para uma região já de si tão conturbada. Para que a diplomacia
preventiva funcione, as linhas de comunicação entre as partes em disputa devem ser
mantidas abertas. A inclinação para isolar uma das partes de um conflito deve ser evitada,
tanto quanto possível, numa altura em que o potencial de conflito é alto. Mas, no caso da
diplomacia preventiva não ser suficiente, pode também ser fundamental encarar o uso de
medidas mais firmes.

2.6.2.3 “Quiet Diplomacy”

A sua natureza confidencial e low profile faz com que não caia no domínio publica, pelo
menos até à (eventual) conclusão positiva.

Ruth Wedgewood5 identificou os seguintes elementos para uma negociação bem-sucedida


a cargo de uma missão de diplomacia “silenciosa”:

1. Perceber quando as partes em confronto estão abertas a um envolvimento externo;

2. Manter a confidencialidade das negociações;

3. Usar judiciosamente incentivos para alimentar as negociações durante impasses;

4. Criar prazos limite para a obtenção de acordos;


5. Trabalhar primeiro os assuntos mais fáceis e, com o ímpeto criado pelos acordos
alcançados, abordar então as negociações mais difíceis;

6. Compreender as questões de honra e simbolismo que as partes na negociação


possam ter em jogo;

7. Manter a confiança de todas as partes envolvidas na negociação, através de diálogo


aberto e honesto.

A diplomacia oficial pode também ser apoiada ou complementada por esforços de


entidades não-governamentais – a chamada Track Two Diplomacy. Oferecendo canais de
comunicação privilegiados – e mesmo mediando acordos políticos – as ONG’s podem
revelar-se determinantes na busca de soluções. É o caso do processo de paz do Médio
Oriente, através do papel desempenhado por uma instituição de pesquisa norueguesa na
formação de uma base de trabalho para os Acordos de Oslo. Um papel semelhante foi
desempenhado pela Comunidade de Santo Egídio de Roma no processo de paz de
Moçambique.

2.6.2.3 Operações Preventivas

O estabelecimento e envio de uma missão de paz preventiva das Nações Unidas –


Preventive deployment – também pode ser um instrumento muito útil para a comunidade
internacional. Apenas uma tal missão foi criada até à data – o caso da UNPREDEP na
Antiga Republica Jugosláva da Macedonia – que foi justificadamente considerada um
sucesso.

 Medidas de Força

Mas se o propósito da prevenção é evitar a violência, não se terá de recorrer, por vezes, a
medidas de força para impedir a escalada das hostilidades e a perda de vidas? A ameaça ou
mesmo o uso de força deve ser feito de acordo com a Carta das Nações Unidas e, se
possível, em nome de um consenso da comunidade internacional. O actual Secretário-Geral
lançou o ano passado, como acima referi, a discussão em torno do conceito de intervenção
humanitária, que considera necessária para responder a violações graves de direitos
humanos e das leis humanitárias. Segundo Kofi Annan, “o desafio chave para o Conselho
de Segurança e para as Nações Unidas... [é o de] forjar a unidade em torno do princípio de
que violações grosseiras e sistemáticas dos direitos humanos, seja onde for, não podem ser
aceites”. No seu relatório à Assembleia do Milénio, o Secretário-Geral reafirma que “a
intervenção armada deve ser sempre utilizada como último recurso, mas face a homicídios
em massa (genocídios), essa opção não pode ser afastada”.

 Manutenção da Paz

As operações de paz sob mandato dos capítulos 6 ou 7 da Carta das Nações Unidas (ou,
numa formulação chinesa cautelosa, do capítulo “6 e meio”), cobrem uma ampla lista de
tarefas que vão das funções clássicas de separação de forças armadas, à supervisão das
linhas de cessar-fogo e ao exercício de administrações territoriais. Reflectem assim a
importância que lhes é atribuída como instrumento para resolver conflitos, restaurar a paz e
a segurança e criar condições para a reconciliação e reconstrução nacionais. O número
crescente de situações de conflito que as Nações Unidas são chamadas a resolver, impõe a
necessidade da reavaliação do modo como as operações de paz são mandatadas pelo
Conselho de Segurança e dirigidas pelo Secretariado da ONU, especificamente pelo
Departamento das Operações de Paz.

Em Março de 2000, o Secretário-Geral estabeleceu um painel para rever a gestão das


operações de paz, cujo relatório deverá estar pronto em meados de Agosto próximo. O
relatório constituirá uma oportunidade única para as Nações Unidas reconsiderarem a
maneira como as operações de paz são conduzidas.

2.6 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONFLITO EM CABO DELGADO

Ao longo do ano de 2020 assistiu-se à intensificação da violência em Cabo Delgado,


traduzível no ataque a várias sedes distritais do Norte da província, cortando vias de acesso
e concretizando-se um cerco ao distrito de Palma, epicentro da economia do gás. Os
rebeldes consolidaram a sua presença no Nordeste da província e levando a centenas de
milhares de deslocados, provocando uma crise humanitária, e desviando a atenção
internacional para o Norte de Moçambique. Foi neste contexto de aumento da escalada de
violência e de impasse militar, que o Observatório do Meio Rural a organizou um ciclo de
webinars intitulados “Como está Cabo Delgado?”, reunindo especialistas nacionais e
internacionais, contribuindo para uma melhor compreensão para um assunto complexo. Os
encontros versaram essencialmente sobre 3 grandes conjuntos de questões: Em primeiro
lugar, as complexas causas internas e externas do conflito, explorando-se questões
relacionadas com a economia política dos recursos naturais, dimensões de pobreza,
desigualdades, a situação social da juventude, questões político-religiosas, assim como as
inter-relações do conflito com rotas de tráfico internacional. Em segundo lugar, as
dinâmicas do conflito armado, analisando-se os actores envolvidos, estratégias militar e
respectivos impactos sobre as populações, sobretudo ao nível de deslocações forçadas,
assistência humanitária e desafios de reassentamento populacional. Finalmente, as reflexões
foram direccionadas para o futuro, procurando identificar pistas para um desenvolvimento
económico sustentável no Norte do país e para a construção de uma paz efectiva e
duradoura.

2.3 Revisão da Literatura Empírica

Neste ponto, far-se-á uma reflexão em torno de estudos realizados ao nível internacional
sobre a temática em causa. Como são tantos, optou-se por mencionar apenas dois.

O primeiro estudo a ser analisado, trata-se de um artigo científico sobre o tema: Estratégia
para a resolução da Crise na República Centro-Africana: Desafio da cooperação entre
a Organização das Nações Unidas e a União Africana, que tinha como objectivo de
apresentar os desafios da estratégia estabelecida para a realização do último acordo de
paz firmado entre o governo e 14 milícias na resolução do conflito civil na República
Centro-Africana (RCA). O país sofre desde sua descolonização de diversos problemas,
como a falta de aparato estatal, influências externas, corrupção e incapacidade
governamental, além da rápida fragmentação de grupos rebeldes que buscam expandir seu
poder regional para controlar as fontes de matéria-prima da região, rica em produtos como
diamante, petróleo e outros recursos. Para tanto, propõe-se identificar os desafios da
cooperação entre a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Africana (UA) na
Operação de peacekeeping em vigor desde de 2014, a Missão Multidimensional Integrada
das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA). Essa
missão começou a operar em resposta à crise humanitária, política, de segurança e de
direitos humanos no país, e está em vigor até o momento, tendo como prioridade a proteção
de civis (PoC). Constatou na pesquisa que as organizações da ONU e da UA exercem uma
forte influência na região, sendo consideradas a única alternativa de mudança. Dessa forma,
ambas as instituições reconhecem que o conflito na RCA é um dos mais graves já
existentes e entendem que sozinhas não conseguirão atingir o êxito almejado, que é a
consolidação da paz. Por isso, a parceria entre as duas organizações é de suma relevância.

O segundo estudo a ser analisado, trata-se do Bila, 2018, realizado no Rio de Janeiro, com
o tema: Estados fracassados: os desafios da análise geopolítica da república centro-
africana, que tinha como objetivo entenderem as particularidades da geopolítica dos
conflitos e dos refugiados na República Centro-Africana. A metodologia utilizada foi a
pesquisa bibliográfica, abrangendo, principalmente, trabalhos académicos, artigos
científicos e sites oficiais na internet. A instabilidade decorrente do descaso francês e dos
conflitos internos perdura por décadas no país, onde predominam a diversidade dos grupos
rebeldes, o interesse pelas riquezas naturais e a constante interferência externa. A situação é
agravada pela pluralidade de religiões e de atores internacionais actuantes dentro do
território centro africano, provocando uma onda enorme de refugiados e uma grave crise
alimentar. Os conflitos são disputados por mercenários, rebeldes locais e terroristas
internacionais e muitas das vezes travados muito perto de zonas sob o controle das missões
de paz. Nesses combates observa-se o uso do simples machado até as armas mais
sofisticadas, facilitando a amplitude e abrangência da violência. Os nativos se camuflam
facilmente nas paisagens ou entre a própria população, com uma assimetria que dificulta a
atuação das forças regulares. Por estas razões, o assunto atrai a atenção crescente de
investigadores, políticos e estudiosos na busca de soluções concretas e duradouras para a
estabilização da parte mais conturbada do continente africano.

Comparando o nosso estudo, verifica-se que apesar da fragilidade contínua do país,


houve avanços positivos, da intervenção da forca militar do pais na busca de colmatar a
situação enquanto aguarda-se a intervenção da ONU na intensificação do conflito.
Alguns esforços também estão em andamento para coordenar a implantação básica de
forças de segurança interna e de provedores de serviços sociais básicos, a fim de
reforçar a vida social da população. Contudo, percebe-se que a razão por de traz deste
conflito em Cabo Delgado, predominado pela diversidade dos grupos rebeldes, deve se
pelo interesse pelas riquezas naturais, bem como a constante interferência externa.

2.3 Revisão da Literatura Focalizada

Internamente, não existem estudos sobre a organização das nações unidas na gestão de
conflitos estudo de caso: Cabo Delgado, mas podemos apresentar o estudo feito pelo
observatório do meio Rural, coordenador por João Feijo, 2020, com o tema: Como este
Cabo Delgado. Que surge do aumento da escalada de violência e de impasse militar no
pais, que o Observatório do Meio Rural a organizou um ciclo de webinars intitulados
“Como está Cabo Delgado?”, reunindo especialistas nacionais e internacionais,
contribuindo para uma melhor compreensão para um assunto complexo. Os encontros
versaram essencialmente sobre 3 grandes conjuntos de questões: Em primeiro lugar, as
complexas causas internas e externas do conflito, explorando-se questões relacionadas com
a economia política dos recursos naturais, dimensões de pobreza, desigualdades, a situação
social da juventude, questões político-religiosas, assim como as inter-relações do conflito
com rotas de tráfico internacional. Em segundo lugar, as dinâmicas do conflito armado,
analisando-se os actores envolvidos, estratégias militarem e respectivos impactos sobre as
populações, sobretudo ao nível de deslocações forçadas, assistência humanitária e desafios
de reassentamento populacional. Finalmente, as reflexões foram direccionadas para o
futuro, procurando identificar pistas para um desenvolvimento económico sustentável no
Norte do país e para a construção de uma paz efectiva e duradoura.
CAPITULO 3: METODOLOGIA DE PESQUISA

3.1 Introdução

Neste capítulo serão apresentados os procedimentos metodológicos a serem seguidos para a


realização do estudo. Em primeira instância será identificado o tipo de pesquisa, sabendo
assim o tipo pode-se desenhar melhor os procedimentos a serem utilizados para a
efetivação do trabalho. De seguida, recorre-se os métodos de pesquisa, para análise dos
dados e por fim as técnicas de recolhas de dados onde se apresentam as formas e interacção
dos dados.

3.2 Desenho de Pesquisa

Qualquer trabalho científico segue um conjunto de procedimentos normalmente aplicação


do método científico não é igual em todas as ciências. Neste trabalho, obedeceu se os
seguintes passos para a criação do problema em estudo; a autora deparou-se com os
conflitos vividos em Cabo Delgado, na tentativa de compreender a causa da violência e dos
conflitos, no entanto com a mesma inquietação a mais de 1 anos, a autora pensou na
possibilidade de desenvolver uma tema de monografia do trabalho de final de curso, que
pudesse ajudar a perceber sobre o impacto deste conflito no pais e em especifico na
província em estudo, depois da análise a autora elaborou um projecto de pesquisa, que foi
discutido e aprovado. Depois de consultar sobre estudos a nível internacional, interessou-se
na motivação da autora em uma revisão da literatura com base na consulta de várias fontes
bibliográficas por forma a sustentar o tema.

3.3 Tipos de Pesquisa

1. Pesquisa descritiva – conforme refere Gil (2008) a pesquisa descritiva tem como
objectivo primordial a descrição das características de determinada população ou
fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis. São incluídas
neste grupo as pesquisas que têm por objetivo levantar as opiniões, atitudes e
crenças de uma população (p.47).
2. Pesquisa explicativa - este tipo de pesquisa preocupa-se em identificar os fatores
que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Ou seja, este
tipo de pesquisa explica o porquê das coisas através dos resultados oferecidos. Uma
pesquisa explicativa pode ser continuação da descritiva, posto que a identificação de
factores dum fenómeno exige que este esteja bem descrito e detalhado. (Gil, 2008,
p. 47).
3. Pesquisa interpretativa – “estudos interpretativos geralmente buscam entender o
fenômeno através dos significados que as pessoas atribuem a ele” (Josemin, 2011,
p.10).
CAPITULO IV: ANÁLISE DOS RESULTADOS

4. Introdução

Neste capítulo são descritos, analisados e apresentados os resultados da pesquisa. Para


atingir o objectivo geral da pesquisa, analisaram-se os dados obtidos, confrontando-os com
os objectivos específicos e as hipóteses, através da aplicação dos instrumentos da
informação relevante da pesquisa.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO

4.1.1 Cabo Delgado

Da análise das relações de poder na província de Cabo Delgado ao longo do último século,
constata-se a existências de múltiplas clivagens sociopolíticas, assentes nas seguintes
vertentes:

 Geográfica: Em finais do séc. XIX, a transferência da capital administrativa da Ilha


de Moçambique para Lourenço Marques iniciou um longo processo de desequilíbrio
entre o Norte e o Sul do País, em termos de investimento público, de
desenvolvimento e integração socioeconómica, fenómeno que se prolongou após a
independência. Numa altura em que a Província de Cabo Delgado se torna
mundialmente conhecida pelos recursos naturais pesquisados, as taxas de pobreza
na província continuam a ser das mais elevadas do país, com tendência de
agravamento.

 Étnica: A província constitui um espaço marcado pela diversidade étnico-


linguística, destacando-se os povos da costa (maioritariamente islâmicos,
comerciantes e economicamente integrados no Oceano Índico) e os povos do
planalto (maioritariamente macondes, historicamente sob a influência de missões
cristãs e integrados nos mercados por força de culturas agrícolas obrigatórias). No
resto da província, predominam os macuas. Em resultado do forte envolvimento
com a luta de libertação protagonizada pela Frelimo, a população maconde adquiriu,
após a independência, uma importante visibilidade política e económica,
reconfigurando-se as relações de poder na província. As políticas anticlericais da
Frelimo, a negação de particularismos étnicos e a desproporcionalidade étnico-
linguística no acesso a cargos no Estado, a subsídios ou a licenças de exploração de
recursos naturais, foram despoletando ressentimentos entre os povos do litoral, em
crescente intensidade. Apesar de fenómenos de convivência interétnica,
inclusivamente por via familiar, a realidade é que persistem discursos de inveja, de
repulsa e de negação do Outro, não só entre macondes, por um lado, e muanis e
macuas por outro, mas também entre locais e vientes, entre populações do Norte e
do Sul (vulgo de Maputo) ou entre moçambicanos e estrangeiros.

 Política: o descontentamento social das populações da costa e do Sul da província


foi habilmente capitalizado pelo partido Renamo, quer durante a guerra dos 16 anos,
quer após a celebração do Acordo Geral de Paz, onde construiu uma importante
base eleitoral de apoio.

 Etária: emergindo uma juventude em situação de whaithood, com fortes


dificuldades de integração socioeconómica, que compete, não só, com gerações
mais velhas e estabelecidas, mas, também, entre si, frequentemente por empregos
mal pagos e socialmente desprestigiantes. Num cenário de consolidação de uma
economia de cariz extractivo e extrovertido, com poucas relações com o tecido
económico local e pouco gerador de emprego, a juventude busca soluções no sector
informal, frequentemente à margem da legalidade. Num cenário de maior acesso à
informação, a coexistência de fenómenos de pobreza com uma emergente sociedade
de consumo e a frustração das elevadas expectativas iniciais em torno de actividades
extractivas contribuíram para o agravamento de tensões. A situação agrava-se com a
ausência de canais formais de participação sociopolítica e de negociação, com
sentimentos de ausência de representação política, contribuindo para o
desenvolvimento de uma perspectiva de violência, enquanto veículo legítimo de
participação.

 Classe: A implementação da indústria extractiva foi geradora de migrações


internacionais, de uma forte pressão sobre terras e recursos naturais, contribuindo
para o aumento de desigualdades sociais, em parte estruturadas em torno das
diferentes possibilidades de acesso ao Estado e, por via do mesmo, a subsídios,
empregos e recursos naturais.

4.2 AMEAÇAS À SEGURANÇA NO ÍNDICO

4.2.1 Antecedentes Históricos dos Conflitos em Cabo Delgado

Em virtude do aumento da exploração de recursos naturais (carvão, gás, madeiras e outras


commodities), da revitalização dos corredores internacionais de Nacala, da Beira e de
Maputo, e da consolidação de uma economia extractiva e extrovertida, assiste-se ao
crescimento da importância do Canal de Moçambique, enquanto corredor de transporte
marítimo, levantando-se questões de risco de segurança e ambiental. Acresce a importância
dos recursos pesqueiros, em degradação, e necessidade de fiscalização da pesca industrial.
Importa destacar as múltiplas linhas de fronteiras terrestres e marítimas a norte do Canal de
Moçambique, algumas sob disputa, envolvendo a Tanzânia, Moçambique, Comores,
Mayotte (França) e Madagáscar.

Paralelamente, Moçambique e a sua costa constituem um importante corredor de tráfico de


seres humanos e redes de migração ilegal, tráfico de armas, pedras preciosas e de recursos
florestais e faunísticos (sobretudo marfim) ou pesca ilegal, envolvendo redes criminais
frequentemente com relações próximas com o poder político. Por outro lado, consolida-se
uma rota de tráfico de heroína, conhecida como rota do Sul, oriunda do Afeganistão e da
costa de Makran (Paquistão e Irão), dirigindo-se, pela costa oriental africana, para a África
do Sul e, daí, até à Europa.

Os traficantes seleccionaram locais de instabilidade político-social e fragilidade


governativa, deslocando-se, estrategicamente, da Somália para o Quénia e Tanzânia e, mais
recentemente, para Moçambique. Em Dezembro de 2019, as autoridades interceptaram
duas embarcações, num espaço de poucas semanas, uma proveniente do Irão e outra do
Paquistão, carregando, no total, 1 tonelada de heroína pura. Moçambique constitui, ainda,
um país produtor de Cannabis, que constitui a droga mais capturada pelas autoridades, bem
à frente da heroína. A apreensão em Maputo, em Abril de 2020, do narcotraficante
brasileiro Fuminho, ligado ao tráfego de cocaína, levanta suspeitas da existência de redes
de tráfico deste produto.

4.2.2 O contexto do conflito em Cabo Delgado

No continente africano vêm-se destacando uma série de Estados frágeis, com profundos
problemas de pobreza, de desemprego e de desigualdade, com impactos na conflitualidade
política e no controlo da soberania. Em países, como o Mali, República Centro Africana e,
mais recentemente, Moçambique, consolidam-se redes internacionais associadas ao crime
organizado, geralmente em alianças com grupos internos próximos do poder político. A
degradação e fragilidade do Estado abre espaço para a formação de grupos radicais e
violentos, capitalizando o descontentamento social. Moçambique é hoje vítima de uma
agressão de forças jihadistas envolvendo uma ampla participação de cidadãos
moçambicanos. As análises existentes permitem compreender que o conflito tem origens
históricas de longo curso, que assumiram novas dimensões com o aumento da pressão sobre
recursos naturais (terras, madeiras, marfim, pedras preciosas) e com a presença de rotas de
tráfico internacional, no Oceano Índico, de seres humanos, drogas e armas. Apesar de
constituir uma ameaça regional e mundial, o conflito no Norte de Cabo Delgado ainda não
figura na agenda de actuação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ao fim de três
anos de conflitualidade, assiste-se a uma situação de impasse militar, sendo que importa
que se comecem a recolher experiências e análises relacionadas com processos de
construção da paz.

4.2.3 Surgimento conflito (Instabilidade e situação de impasse militar)

A partir de Março de 2020 assistiu-se a uma nova fase do conflito, com uma forte
intensidade de confrontos dos machababos com as FDS e com civis, tendo-se havido
ataques e ocupação das vilas sede de Mocímboa da Praia, Muidumbe, Quissanga e
Macomia. Em Abril de 2020 os insurgentes ameaçavam Pemba, a capital provincial, e a
vila de Mueda, dois importantes centros políticos. É neste contexto que entrou em acção o
grupo DAG, passando a oferecer apoio aéreo aos militares no terreno, que passaram a
dispor de veículos blindados adquiridos na China, em negócios não publicados.
A comunicação social noticia apoios financeiros da indústria petroleira às forças de defesa
e segurança que, alegadamente, não chegam aos soldados. Inseridas numa guerra de
propaganda, surgiram notícias dando conta da tomada de bases inimigas, por parte das
FDS. Não obstante a contra-ofensiva desencadeada pelas FDS, os machababos continuaram
a realizar as suas incursões por aldeias isoladas, ocupando, em Agosto de 2020 e pela
quarta vez, a vila de Mocímboa da Praia, inclusive o porto, perturbando o abastecimento a
todo o Nordeste da província. A fuga da maioria da população contribuiu para a diminuição
drástica de relatos sobre o que acontece no terreno. Mesmo assim, houve notícias sobre o
movimento de tropas para o Nordeste da província e a realização de emboscadas nos
distritos de Muidumbe e Mocímboa.

O apoio aéreo viu-se mostrando limitado, não só pelo reduzido período de operacionalidade
(o reabastecimento mais próximo dos helicópteros é em Pemba), mas também pelo facto de
o inimigo se esconder em casas e ruínas. Acrescem dificuldades em termos de assistência
logística aos militares, de evacuação e tratamento de feridos, e de revelação do paradeiro de
militares mortos e desaparecidos, frequentemente sem identificação. Neste cenário, o moral
de muitos jovens membros das FDS é reduzido, também eles vítimas do conflito. Os relatos
dão conta da construção de trincheiras pelos insurgentes, para defesa de Mocímboa e do
porto, esperando-se um ataque de grande envergadura para recuperação da vila. Da mesma
forma, as cidades de Moeda e de Pemba permanecem sob ameaça de ataque.

A acção de guerrilha destes grupos apresenta semelhanças às tácticas de guerrilha da


Frelimo e da Renamo, nomeadamente práticas de recrutamento compulsivo e utilização das
populações para apoio logístico (armazenamento e transporte de armas, carregamento de
bens roubados, alimentação). Em Mocímboa, Macomia e Quissanga foram saqueados 18
armazéns alimentares, tendo sido, posteriormente, distribuídos bens alimentares à
população, revelando a existência e tentativa de consolidação de uma base social de apoio.
Não obstante os inúmeros relatos de interacção e convívio com a população local, os
machababos distinguem-se dos movimentos de guerrilha anteriores pela maior brutalidade
das suas práticas em relação à população, particularmente em termos de destruição de casas
e de esquartejamento de civis. Entre as vítimas do conflito destacam-se as mulheres,
constatando-se o rapto de centenas de jovens, usadas para apoio logístico, como esposas e
escravas sexuais. O facto de muitos populares não pactuarem com as FDS tem conduzido a
retaliações violentas, expressas em relatos e vídeos que circulam pelas redes sociais. Tal
como nos conflitos anteriores, a conduta das forças governamentais caracteriza-se, também,
pela violência sobre a população.

A violência das partes em confronto sobre civis e o facto de os projectos de gás


permanecerem inatacados, desencadeiam inúmeros discursos, entre civis, acerca de uma
alegada intenção de expulsão das populações, sem pagamento de indemnizações. A
realidade é que uma vasta área do nordeste de Cabo Delgado está, hoje, inabitada. Mulheres
e crianças estão claramente sobre-representadas nos campos de acolhimento de deslocados,
pelo que investigadores e jornalistas questionam-se acerca do paradeiro de jovens adultos.
A dificuldade de compreensão do que se passa no terreno deriva da relutância do Governo
em comunicar com a imprensa e com jornalistas, mesmo quando existe sucesso das FDS.

A hostilidade das FDS em relação a jornalistas é evidente no desaparecimento, prisão e


agressão de vários profissionais da informação em exercício da sua função, o que se traduz
num grande receio em noticiar. Esta situação conduz a uma maior recorrência a relatos em
segunda mão, fornecidos por testemunhas oculares, o que levanta sempre reservas em torno
das informações obtidas. A realidade é que o recurso ao cidadão repórter traduz-se num
maior acesso à informação acerca da guerra, pelo menos por comparação com os conflitos
anteriores.

4.2.4 CRISE HUMANITÁRIA EM CABO DELGADO

São inúmeras as dificuldades experienciadas por cerca de meio milhão de deslocados na


província de Cabo Delgado, relacionadas com:

a) Acomodação: aglomerando-se em casas de familiares e amigos, onde em pequenas


dependências passam a coexistir várias famílias, dormindo nas varadas e quintais, expostos
a mosquitos e vulneráveis à malária. Outros são instalados em escolas e centros de
acolhimento improvisados, concentrando-se inúmeras famílias na mesma tenda, sem
máscaras e instrumentos de protecção e expostos ao contágio de doenças respiratórias;
b) Acesso a água e saneamento: a forte concentração populacional exerce pressão sobre
os sistemas de saneamento. Em centros de acomodação verificam-se rácios de 1 latrina para
mais de 30 famílias, o que se traduz fenómenos de fecalismo a céu aberto, traduzindo-se
num aumento de casos de diarreias e de cólera;

c) Assistência alimentar, tornando-se um desafio insustentável alimentar contingentes


populacionais que não param de aumentar;

d) Assistência médica: em termos de disponibilização de medicamentos, tratamento de


malárias e de cólera, incluindo acompanhamento psicológico;

e) A situação agrava-se com a pandemia do COVID19, tendo-se declarado que a província


de Cabo Delgado entrou em transmissão comunitária.

Grande parte da população permanece nas zonas de conflito, escondida no mato, sem
acesso aos centros de assistência humanitária. A maior parte das unidades sanitárias do
Nordeste de Cabo Delgado foram atacadas, saqueadas ou destruídas, estando o corpo
médico e de enfermagem deslocado para Pemba, Moeda ou Montepuez, impossibilitando o
tratamento de feridos e doentes nos distritos mais afectados pelos combates.

Perante esta situação as intervenções dos palestrantes e dos participantes enfatizaram os


seguintes aspectos:

a) Necessidade de aumento de doações humanitárias (em dinheiro, bens alimentares, kits


higiénicos), canalizadas para o INGC ou para organizações da sociedade civil que operam
no terreno;

b) Impossibilidade de prover indefinidamente a alimentação de populações deslocadas,


tornando-se necessário providenciar apoios para a criação de pequenos negócios, geração
de empregos e de produção alimentar;

c) Necessidade de criação de mecanismos que invertam o ciclo de violência na região,


promovendo-se a inclusão económica e social de jovens e diminuindo o potencial de
recrutamento para fins violentos;
d) Repensar-se a estratégia militar, envolvendo-se médicos e engenheiros militares na
criação de infra-estruturas (furos de água, saneamento, unidades sanitárias) e na assistência
médica à população em regiões onde os insurgentes encontram a sua base social de apoio e)
Num cenário de destruição de infra-estruturas escolares, de acantonamento de milhares de
deslocados em estabelecimentos de ensino e de existência de centenas de crianças
deslocadas sem documentos de identificação ou certificados de habilitações, o recomeço do
ano lectivo na província de Cabo Delgado constituirá um desafio acrescido, sobretudo na
situação de transmissão comunitária do COVID19.

4.2.5 Consequências do Conflitos

A intensificação do conflito militar em Cabo Delgado já se traduziu na deslocação de cerca


de meio milhão de indivíduos, a maioria dos quais se concentrou nas áreas circunvizinhas
ao conflito, prolongando-se pelas províncias vizinhas do Niassa e Cabo Delgado. As
populações deslocam-se em função de recursos disponíveis, nomeadamente valores para
financiamento de transporte e familiares nos locais de destino, assim como em função das
informações existentes em termos de ajuda alimentar. Em vários distritos formam-se
campos de deslocados concentrando dezenas de milhar de indivíduos. Da mesma forma,
diversos bairros da cidade de Pemba acolheram milhares de deslocados vindos por via
marítima, conduzindo à densificação populacional, saturação de infraestruturas urbanas e
aumento da informalidade. Muitos destes indivíduos, que já viviam em situação de pobreza
e com imensas privações, estão hoje completamente desprovidos de recursos e de bens
materiais e totalmente dependentes de ajuda.

A primeira grande dificuldade enfrentada pela assistência humanitária é o apoio alimentar.


Segue-se a necessidade de providência de condições de alojamento (tendas, esteiras e rede
mosquiteira). Não obstante o esforço de muitas organizações humanitárias e de empresários
locais ao nível da distribuição de alimentos e construção de abrigos, o trabalho tem sido
insuficiente, tendo em consideração as dimensões do problema. Os deslocados apresentam-
se psicologicamente afectados pela violência e perda de recursos, vulneráveis, e com
necessidade de apoio psicossocial. Muitos indivíduos desconhecem o paradeiro de
familiares e carregam o luto pela perca de entes próximos, invariavelmente de forma
violenta. A não realização de ritos fúnebres ou de ritos de iniciação é gerador de ansiedade.
1. Competição pelo acesso a recursos

A chegada repentina de dezenas de milhares de indivíduos aumentou a pressão e


competição pelo acesso a recursos escassos, gerando receios por parte das populações
acolhedoras. Ainda não refeitas de choques resultantes de inundações e destruição de
culturas, para muitas populações locais os deslocados representam um competidor, mas
também a chegada do conflito armado, pelo que tendem a relacionar-se com desconfiança e
agressividade. A situação reflecte-se, não só nos campos de reassentamento, como também
no seio de famílias acolhedoras, elas próprias também afectadas pelo conflito e
descapitalizadas pela interrupção de circuitos comerciais, quer em resultado do conflito,
quer em resultado da declaração de Estado de Emergência. Pelo facto de não ser suficiente
para todos os indivíduos e de constituir uma oportunidade de atitudes oportunistas por parte
de líderes comunitários e famílias locais não deslocadas, o processo de distribuição
alimentar é gerador de conflitos entre indivíduos. Existem relatos de fome, de desvio da
ajuda humanitária e de senhas de abastecimento.

2. Transformações geradas pelo conflito armado

O conflito armado vem exercendo um profundo impacto na província, onde se destaca:

a) Abandono de culturas e de actividades económicas e diminuição da produção agrícola,


contribuindo para a inflação entre produtos de primeira necessidade e insegurança
alimentar;

b) Deslocação forçada de cerca de meio milhão de indivíduos, que se concentram


maioritariamente na periferia das zonas de conflito, levantando crescentes dificuldades em
termos de assistência humanitária;

c) Violência e desconfiança sobre as populações e sobre inúmeros empresários, suspeitos


de financiamento de grupos insurgentes ou de lavagem de dinheiro;

d) Aumento da pobreza e desemprego de jovens e respectivo potencial de recrutamento


(voluntário e/ou forçado) para grupos violentos;
e) Grande dificuldade de produção de estatísticas e aumento da incerteza em relação à
realidade local;

3. Indústria do Oil&Gas

Ainda que a exploração de gás possa vir a ser geradora de receitas para o Estado
moçambicano, a realidade é que a disponibilidade destes grandes projectos privados
atenuarem o problema humanitário é bastante limitada. Num cenário marcado pelo
analfabetismo generalizado, pelo défice de competências técnico-profissionais e pela
descapitalização dos empresários locais, a possibilidade dos projectos de oil&gas de
absorverem mão-de-obra local é reduzida. A realidade é que as melhores ofertas de
emprego estão a ser preenchidas a partir do exterior ou do Sul do país. Um grupo reduzido
de indivíduos locais tem acesso a cargos subalternos, exigentes de poucas qualificações e
nos escalões inferiores de salários, como vigilantes ou ajudantes de limpeza, aumentando as
desigualdades sociais entre locais e vientes.

Ainda que possam vir a ter um efeito paliativo, os apoios dos projectos de oil&gas ao nível
da responsabilidade social não terão um impacto transformador da realidade, pelo que urge
repensar todo o modelo de desenvolvimento de Moçambique, em geral, e do Norte do país,
em específico, dando preferência a modelos de trabalho intensivo, com maior relação com
o tecido económico local, com efeitos multiplicadores sobre a economia e geradores de
emprego. Uma solução integrada para o conflito deverá privilegiar o investimento na agro-
pecuária, pesca, agro-transformação, assim como pequenas oficinas e serviços locais, entre
outros projectos. Torna-se necessário um amplo debate nacional sobre os modelos de
desenvolvimento que se pretendem para o país, assim como o estabelecimento de políticas
públicas estáveis e de longo prazo, coerentes com essa necessidade.

4.3 CONSIDERAÇÕES AO ESTUDO E CONSTATAÇÕES

4.3.1 Que perspectivas para cabo delgado?

O cenário actual leva a acreditar que se assistirá, nos próximos anos, a uma militarização
total do Nordeste de Cabo Delgado, com todas as vilas e aldeias abandonadas e
instituindose corredor de segurança, cenário catastrófico para a população civil. Os
analistas no debate consideraram que o período normal para uma insurgência se tornar num
problema grave é de aproximadamente três anos (estágio já atingido), sendo que o período
de resolução do conflito tende a demorar entre 7 e 10 anos. Torna-se expectável que a
actual 19 geração de jovens moçambicanos seja sacrificada neste conflito. De forma a
encurtar o período de conflito e evitar-se o sacrifício de mais gerações de moçambicanos,
importa atender aos seguintes aspectos:

 Mais pesquisa: O trabalho de investigadores e jornalísticas (como de outros


técnicos, nomeadamente de assistência humanitária) tem de ser considerado e
importa que exista confiança e boa-fé por parte das autoridades em relação ao seu
trabalho. Investigadores e jornalistas devem ser entendidos como cidadãos
moçambicanos empenhados na compreensão e resolução do problema, pelo que não
devem ser alvo de ameaças hostis;

 Os sindicatos e organizações de jornalistas, assim como toda a sociedade civil,


devem ser mais organizados na condenação veemente dos obstáculos criados aos
profissionais da informação e investigadores;

 Para se ganhar uma guerra importa existir uma boa relação com a população,
pelo que a consideração e respeito pelos Direitos Humanos será condição
importante para conquistar a confiança e a aliança das populações. Tal implica a
criação de canais de comunicação com as populações, assim como a investigação e
condenação de abusos de autoridade;

 Os reassentamentos das populações devem ser feitos adequadamente e


satisfazer as necessidades da população, incluindo segurança e justiça.

 Reforço do desenvolvimento e integração económica do território: Uma vitória


militar só será possível quando o país for economicamente mais inclusivo, pelo que
importa um forte investimento em mais e melhores serviços públicos (educação,
saúde, energia, etc.) e de apoio a actividades económicas. A ADIN poderá exercer
um importante papel no Norte de Cabo Delgado.
 Repensar o modelo extractivo de desenvolvimento, assim como benefícios fiscais
de grandes projectos, com vista a financiar os custos de segurança;

 Procura de soluções regionais para um conflito que é regional; - Identificação de


líderes locais carismáticos, inclusivamente entre insurgentes, e procura das suas
ligações internacionais;

 Criação de mecanismos de diálogo, de interacção e tolerância entre grupos


religiosos e facções rivais.

4.3.2 Que possibilidades de desenvolvimento num contexto de conflito?

Não obstante ao longo das últimas décadas terem sido realizados diversos planos
estratégicos de desenvolvimento da província de Cabo Delgado, que não deixavam de
prever o desenvolvimento do agro-negócio e da agro-transformação, assim como pequenos
serviços rurais, a realidade é que se assiste à consolidação de uma economia extractiva e
extrovertida, assente no investimento em capital intensivo e protagonizado pelo grande
capital, com pouca relação com o tecido económico local e pouco gerador de emprego.
Trata-se de uma economia fortemente dependente da variação do preço das matérias-primas
nos mercados internacionais (gás, madeira, marfim, pedras preciosas), que o país não
consegue controlar.

Apesar de o governo ter criado, há cerca de 6 meses atrás, a Agência de Desenvolvimento


Integrado do Norte (ADIN) continua-se a aguardar pela resposta desta organização no
terreno. A realidade é que a frup stração de expectativas iniciais conduziu a um
processo de insatisfação e exclusão de diversos segmentos da população, que importa
conhecer, com sensibilidade, por forma a melhor intervir. Neste cenário, uma intervenção
militar no terreno só se pode tornar sustentável e eficaz, se for complementada com uma
ampla estratégia de contra-insurgência.

 Identificação de diferentes áreas socioeconómicas

O investimento económico na província de Cabo Delgado encontra-se amplamente


dificultado pelo alastramento dos ataques armados, que incidem hoje sobre vastas zonas da
costa e com penetração pelo planalto (mapa 1). Na periferia das zonas atacadas
concentramse centenas de milhares de indivíduos deslocados, compostos sobretudo por
populações sem capacidade de deslocação para áreas mais afastadas, frequentemente
compostos por famílias monoparentais chefiadas por mulheres. É nestes distritos que se
concentra grande parte da ajuda humanitária e das necessidades de investimento.

 Para uma solução sustentável do conflito

É neste cenário que uma solução sustentável do conflito implica a utilização de um


conjunto de ferramentas de políticas públicas, de forma coerente e concertada, que devem
passar não apenas pela criação de infra-estruturas (vias de acesso, irrigação, electrificação,
telecomunicações), implementação de serviços (saúde, educação, investigação e extensão
agrária, serviços financeiros e parques de máquinas), de factores de produção (sementes,
fertilizantes e máquinas) e de desenvolvimento de mercados (desenvolvendo cadeias de
valor e estabilizando os preços), mas também ao nível da implementação de políticas
macroecómicas. De facto, os planos de investimentos em infra-estruturas e serviços só
poderão ser viáveis se forem complementados com a canalização do orçamento de Estado
para sectores como a agricultura, pescas ou agroindústria, assim como para províncias e
distritos menos integrados no mercado, pela concessão de subsídios a sectores considerados
estratégicos para a redução da pobreza, assim como de uma política monetária e fiscal que
proteja o produtor nacional. Por outro lado, o sucesso de uma estratégia de
desenvolvimento económico do Norte do país implica um reforço da capacitação
institucional, na fiscalização e na justiça, o que inclui a despartidarização do aparelho de
Estado, o reforço do papel da Procuradoria-Geral da República e o respeito pelos Direitos
Humanos, incluindo por parte de elementos das Forças de Defesa e Segurança.

Por fim importa desenvolver um conjunto de espaços de participação cívica, implicando a


identificação de líderes carismáticos locais, a capacitação de associações locais (religiosas,
empresariais, recreativas, etc.), acções de advocacia junto das populações e associações
locais. Trata-se da melhor forma de demonstrar, perante os mais jovens, que a violência não
constitui o (único) espaço possível de exercício da cidadania.
4.3.4 A construção da paz em cabo delgado

Foi com base na apresentação destas premissas, formuladas a partir da experiência em


vários países africanos, que se analisou o conflito em Cabo Delgado. Num cenário de
agressão ao Estado, é inevitável que exista uma resposta militar, organizada, disciplinada,
competente e eficaz, pelo que é fundamental que se procedam a iniciativas de capacitação
das forças de defesa e segurança. Contudo, também é realidade que nos aproximamos de
uma situação 36 de impasse desgastante, com custos humanos e económicos incalculáveis,
pelo que é fundamental pesquisar as causas internas e externas do conflito, sobre as quais
importa intervir. Neste sentido, é fundamental considerar que:

1) A existência de diferentes facções no partido no poder e a falta de consenso na forma de


gestão do conflito destabilizam a capacidade do Estado, pelo que é prioritário promover
uma maior unidade governativa e condições para a formação de consensos mais alargados;

2) Reforço e capacitação institucional do Estado, sobretudo ao nível da prestação de


serviços públicos, como educação, saúde, água, saneamento, energia e infra-estruturas de
transporte e comunicação;

3) Promover uma transformação do modelo de desenvolvimento para a região, capaz de


inverter aspectos estruturais relacionados com o carácter extractivo e extrovertido da
economia, gerador de pobreza e exclusão social, promovendo uma maior integração
socioeconómica do território e das populações. A Agência de Desenvolvimento Integrado
do Norte (ADIN) pode vir a constituir uma resposta nesse sentido;

4) Prestação de particular atenção aos grupos etnolinguísticos com históricos sentimentos


de marginalização;

5) Identificação de líderes e de intermediários entre os grupos de insurgentes e promoção de


canais de comunicação. O discurso político dominante segundo o qual “o inimigo não tem
rosto” (que também já havia sido comum durante a guerra dos 16 anos) ignora a
possibilidade de identificação dos líderes e representantes por parte das forças de
inteligência, tal como tem sido realizado por jornalistas e centros de investigação e,
eventualmente, por organizações religiosas;
6) Identificação de ligações internacionais dos grupos terroristas e bloquear os processos de
apoio financeiro e militar;

7) Definição de uma agenda de peacebuilding de longa duração, onde o Governo assuma


um papel central, mas envolvendo Organizações da Sociedade Civil locais (organizações
religiosas e líderes tradicionais, grupos de mulheres e de jovens, academias e centros de
investigação, cujos membros têm de ser capacitados;

8) Realização de workshops e cursos de resolução de conflitos e de diálogo inter-


geracional, investindo em temáticas sobre resiliência e coesão social, reconciliação e
criação de confiança. envolvendo actores Estatais e não Estatais;

9) Reforço da comunicação entre o Estado e o cidadão, criando condições de diálogo e de


auscultação mútua, promovendo a divulgação pública dos programas de intervenção do
Estado, distinguindo acções de curto, médio e longo prazo, e melhorando a transparência na
prestação de contas;

10) Realização de pesquisa. A construção da paz depende da existência de organizações


com capacidade de recolha de dados credíveis no terreno e respectiva análise e
interpretação, etapa fundamental para um processo de tomada de decisão. Torna-se
fundamental a formação de quadros locais na recolha de dados e em análise de conflitos,
mas também em termos de publicação e divulgação de informação.

4.3.4 Desafios à reintegração socioeconómica da população.

Entre as populações deslocadas constatam-se múltiplas perspectivas em relação ao futuro.


Para uns, o reassentamento representa a esperança de reinício de actividades
socioeconómicas (produção agrícola ou pecuária, etc.), ainda que persista a insegurança e
incerteza do avanço militar. Outros revelam a vontade de regresso ao espaço de origem e de
recuperação de recursos anteriormente detidos, ainda que sintam medo e ansiedade. Os
projectos futuros tendem a ser influenciados pelas diferentes experiências das famílias com
os grupos armados, nomeadamente raptos, destruição de habitações, mutilações e
assassinatos, etc.. O reassentamento de centenas de milhares de indivíduos vai representar
um grande desafio em termos de infraestruturas e serviços públicos, relacionados com água
e saneamento, educação e saúde, mas também electrificação e rede comercial. É neste
sentido que urge implementar um projecto integrado de desenvolvimento do Norte de
Moçambique. Dada a urgência da situação e face às crescentes dificuldades das
organizações humanitárias em assegurar a assistência alimentar, a implementação de um
projecto de intervenção não poderá demorar longos meses. A chegada das chuvas, o risco
de uma epidemia de cólera e a necessidade de restabelecimento de condições de produção,
torna urgente uma intervenção.

Uma reintegração socioprofissional da população deverá considerar aspectos, como:

 Caracterização socioprofissional da população deslocada, identificando


competências e experiências profissionais e definindo planos de intervenção com
diferentes pacotes de apoio para início ou expansão de diferentes actividades
económicas;

 Alargamento urgente da rede de formação profissional, envolvendo os parceiros


existentes no terreno, entre os quais, as organizações religiosas com vocação no
ensino técnico. Recomenda-se a organização urgente de cursos profissionais
intensivos e de curta duração, em áreas técnicas de procura no mercado;

 Acompanhamento sociopsicológico das vítimas, reconstrução da confiança e de


laços com os locais de origem, sendo necessária a formação e envolvimento nesse
processo de especialistas locais e líderes comunitários;

 Necessidade de alargamento das lógicas de conteúdo local à indústria humanitária,


adquirindo produção local ou nacional ou integrando jovens locais nesse processo,
capitalizando o respectivo conhecimento da realidade local; - Maior participação e
inclusão no processo de definição dos locais de reassentamento, envolvendo
populações deslocadas e autóctones. Torna-se importante garantir às populações o
direito sobre as áreas involuntariamente abandonadas.

 Necessidade de a grande indústria do oil&gas intensificar os seus projectos de


responsabilidade social, apostando na formação, no apoio sanitário e no conteúdo.
CAPITULO V: CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÃO

Esta pesquisa teve como objetivo principal compreender o papel das organização das
nações unidas na gestão de conflito entre estados, (2017-2019). Observou-se que os
continentes africanos vêm-se destacando uma série de Estados frágeis, com profundos
problemas de pobreza, de desemprego e de desigualdade, com impactos na conflitualidade
política e no controlo da soberania. Dado o exposto, constata-se que maior degradação e
fragilidade dos Estados africanos que abrem espaço para a formação de grupos radicais e
violentos, capitalizando o descontentamento social. Moçambique é hoje vítima de uma
agressão de forças jihadistas envolvendo uma ampla participação de cidadãos
moçambicanos.

As análises existentes permitem compreender que o conflito tem origens históricas de longo
curso, que assumiram novas dimensões com o aumento da pressão sobre recursos naturais
(terras, madeiras, marfim, pedras preciosas) e com a presença de rotas de tráfico
internacional, no Oceano Índico, de seres humanos, drogas e armas, estes aspectos, internos
e externos, conduzem à fragilização do Estado, que influencia na reduzida capacidade
técnica e humana para conceber um sistema proteccionista dos interesses nacionais, em
termos de jurídicos, fiscais ou ambientais. Apesar de constituir uma ameaça regional e
mundial, o conflito no Norte de Cabo Delgado ainda não figura na agenda de actuação do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ao fim de três anos de conflitualidade, assiste-
se a uma situação de impasse militar, sendo que importa que se comecem a recolher
experiências e análises relacionadas com processos de construção da paz.

Portanto, conclui-se que apesar de constituir uma ameaça regional e mundial, o conflito no
Norte de Cabo Delgado ainda não figura na agenda de actuação do Conselho de Segurança
das Nações Unidas. Ao fim de três anos de conflitualidade, assiste-se a uma situação de
impasse militar, sendo que importa que se comecem a recolher experiências e análises
relacionadas com processos de construção da paz. É neste cenário de profundas clivagens
que a província de Cabo Delgado se tornou um centro de disputa por parte de interesses
energéticos internacionais, inevitavelmente geradores de negócios securitários, mas
também da acção de grupos radicais, que habilmente adaptaram um discurso messiânico e
jihadista às contradições sociais locais, capturando uma base social de apoio.
5.1 RECOMENDAÇÃO:

Existe a necessidade de se considerarem os seguintes aspectos:

 Criação de redes transnacionais de pesquisa e realização de estudos comparativos na


região, sobre fenómenos de ameaça à insegurança;

 Maior cooperação internacional na gestão de ameaças comuns, envolvendo, se


necessário, o apoio das Nações Unidas. A este respeito, é importante destacar a
recente presença do UNODC em Moçambique, a pedido do Governo de
Moçambique;

 Consideração das políticas de segurança terrestre e marítima de forma


interconectada;

 Reforço da capacidade técnica e humana ao nível da governação marítima no canal


de Moçambique;

 Reforço institucional de organizações relacionadas com a investigação criminal e a


justiça.
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