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Meu nome é Josué Curti e tenho 24 anos, nasci em Guarapari uma cidade
praiana no estado do ES. Atualmente estou casado com a mulher mais linda e
maravilhosa do mundo: Karolaine Ratunde. Irei te contar o modo que toda essa
história começou e como foi a nossa jornada para finalmente ficarmos juntos.
No entanto, quero lhe transmitir um pouco sobre mim antes disso, começando
pela minha história de infância.
Sempre fui muito solitário devido a minha criação fechada de cunho
religioso e nunca beijei nenhuma garota até meus 20 anos. Minha família era
evangélica e me criaram com os ensinamentos da igreja e nada além disso. Me
instruíram a namorar somente quando tivesse um emprego, eles eram bastante
restritivos quando o assunto era relacionamento adolescente e não era de
minha vontade negligenciar as regras da casa, por este motivo fui levando essa
crença por muitos anos, isso moldou meu caráter desde então. Fui um
adolescente completamente fora dos padrões, era bonito e charmoso, mas
tímido demais para ficar com as garotas, sair em festas ou qualquer tipo de
evento social, além disso detestava pessoas e multidões. Era um cara frio e
reservado.
Contudo, os anos foram se passando e lá para os meus 17 anos questionei
minhas crenças religiosas. A inquietude dentro de mim era enorme e isso me
fez pesquisar sobre todo o tipo de religião que pude, escondido dos pais é claro.
Mas algo que não durou muito tempo, pois acabei sendo pego e quando
descobriram, se viram traídos por mim e ficaram muito revoltados de modo que
não queriam mais me tratar como filho. Isso afetou drasticamente a minha vida
com a família, algo que culminou o que restava da minha autoconfiança.
Essa fase da vida apesar de ter sido horrível foi libertadora ao mesmo tempo,
pois pesquisar novos conceitos de espiritualidade, me trouxe a oportunidade de
fazer amigos com a mesma afinidade pelas redes sociais. Era maravilhoso
conhecer novas culturas e formas de pensamento que diferiam do meu mundo.
No entanto, todas as vezes que era pego, sempre havia discussões, brigas e até
agressões em casa. Vivia literalmente no inferno, um dos piores momentos da
minha vida, sorte minha não ter passado por isso sozinho, pois junto comigo,
estava a minha querida irmã que meus pais, assim como eu, desertavam
psicologicamente. A pressão era enorme, no entanto, seguia firme nas minhas
novas crenças, meu único desejo era ser respeitado e que eles entendessem
que Deus não precisa estar apenas na igreja e pode ser encontrado em qualquer
lugar, a qualquer momento em qualquer cultura, bastava um desejo sincero
vindo do coração. Como não fui compreendido, acabei fugindo de casa para me
encontrar com os novos amigos que fiz nas redes sociais. Essa decisão foi um
fiasco, um desastre que não vale nem a pena me aprofundar aqui. Apesar disso,
meu interesse na espiritualidade ganhou força, algo que me fez entrar em
grupos dessa esfera nas redes sociais, pois queria me socializar e quem sabe
fazer novos amigos com os quais poderia compartilhar experiências.
Hipoteticamente, talvez até uma garota. Entretanto, na primeira vez que pensei
nessa possibilidade não dei muito crédito, já que ainda carregava a crença de
que só poderia namorar se tivesse empregado, ela era tão forte, tão profunda
que supunha que minha vida amorosa dependia exclusivamente disso.
Poderia sim, ter ficado com meninas ou namorado sem compromisso, porém
simplesmente não conseguia, e já que essa possibilidade era remota, foquei-me
apenas na perspectiva de uma amizade naquele momento. Só queria alguém
para compartilhar minhas crenças e minhas histórias. Diante disso enviei
diversas solicitações, principalmente as garotas que apareciam no grupo. Nem
todas aceitaram, contudo, das que aceitavam as conversas não eram muito
promissoras e dificilmente passavam de uma semana. Apesar das tentativas
frustradas continuei seguindo o fluxo, até o dia que pedi amizade a uma garota
de cabelos loiros e olhos esverdeados: Karolaine Ratunde.
Seria apenas uma solicitação a mais, uma garota como todas as outras.
Todavia, como nunca havia namorado ou ficado com ninguém, a minha
imaginação era quem reinava, algo que me fez criar uma “régua de garota
perfeita” e mais tarde descobri que só existia mesmo na minha cabeça. Elas
eram as mais lindas e gatas que o mundo poderia oferecer, além disso, teriam
personalidades incríveis e incorrigíveis. Logo, quando vi aquela moça que a
princípio achei só “bonitinha” não criei expectativa nenhuma, dado que nada se
comparava às minhas idealizações. Mesmo assim enviei mensagem e tão logo
apresentei-me engajando direto nos assuntos espirituais. Em poucos minutos
ela me respondeu e tivemos uma breve apresentação e depois disso a conversa
foi focada no assunto que me interessava: espiritualidade.
Ela de descendência alemã vivia em uma cidade no interior do nosso
estado, o pacato município de Laranja da Terra. Como havia acabado de
terminar um namoro que não trazia sentido a sua vida há poucos dias, estava
totalmente focada e dedicada aos estudos da espiritualidade a fim de evoluir e
se tornar uma pessoa melhor para si mesmo. Além desse fato
coincidentemente ela tinha o mesmo objetivo que eu, conhecer novas pessoas e
se relacionar socialmente com aquelas que tinham a mesma vibe espiritual.
Como tínhamos essa meta em comum foi muito fácil e fluídico desenrolar
conversas de interesse mútuo, foi assim que descobrimos gostarmos de coisas
parecidas e ela por ventura acabou sendo a única pessoa, além da minha irmã a
ter uma relação comigo. Era uma garota extremamente comunicativa e
desenvolvia muito facilmente vários assuntos para discutirmos, mais do que
amigos, nos tornamos colegas de estudo, já que ela não media esforços para
trazer novos artigos, vídeos e conteúdos para dissertarmos. Eu que realmente
lia todas as enormes matérias, ouvia as suas músicas e assistia aos
documentários, achava fascinante ter alguém que realmente me entendia e
respeitava a minha opinião.
Karolaine Ratunde
Depois de passar por diversas fases difíceis na vida, a espiritualidade foi como
resposta para seus problemas e foi o melhor momento para o Universo cruzar nossos
caminhos. Semanas atrás, em uma de suas orações, Karolaine havia pedido um amigo já
que no seu convívio, não tinha ninguém com essa nova visão. Ninguém estava na sua
nova faixa vibratória. Houve um sincronismo e cheguei no momento em que ela mais
precisava e vice e versa.
Josué Curti
Passado dois meses, tínhamos uma amizade tão sadia que cheguei no ponto de
querer evoluir a nossa relação de amizade para algo mais sério. Não estava loucamente
apaixonado, mas surgiu o desejo de avançar para uma paquera mais complexa. Não
queria algo definitivo ou sério, mas, depois de tanto conversar, sabia tudo sobre ela, de
sua vida amorosa, suas ficadas e dos traumas que passou. Com naturalidade e
descomprometimento, perguntei se ela queria levar o relacionamento adiante. Se estava
disposta a tentar um namoro a distancia só para vermos no que dava.
Se de tudo não desse certo, voltaríamos para a amizade e só isso. Não tinha mistério!
Então perguntei se podia tratar ela como namorada. Tudo bem! Ela aceitou. Gostou da
ideia mesmo demonstrando certa insegurança. O primeiro namoro oficial da minha vida foi
a distância.
A partir daquele momento, manifestei por mensagens tudo o que conhecia sobre
namoro, em como ser romântico, dar cantadas e tudo o que era cafona e esquisito vindo
de um garoto inexperiente. Por alguma razão ela levou de boa e não me repreendeu por
causa disso. Só achava esquisito e diferente, mas muito, muito sincero e puro. Alguém
que ela jamais conheceu.
Com o passar do tempo, nosso relacionamento de brincadeira acabou ficando mais
intenso, com mensagens mais quentes e mais ousadas vindo da minha parte é claro.
Vendo como ela era muito bacana, razoavelmente linda como mulher e amiga nas
conversas, passei a sentir falta do lado físico. Até então, ela já tinha ido a festas como dito
anteriormente e namoros físicos já fazia parte do seu estilo de vida. Eu, por outro lado,
quando me apaixonava, nunca investia em contato físico. Estávamos tão profundos e
íntimos que comecei a reparar mais atentamente na beleza física de Karolaine. Meu
subconsciente deixou os padrões exagerados de beleza de lado e me permitiu entrar na
realidade e reparar nos traços de uma mulher real. Ela era sim uma garota linda! Reparei
mais nas suas curvas e imaginava como seria ver ela sem roupa. Como seria fazer sexo
com ela. Foi o início das minhas fantasias eróticas.
Alguns dias depois, o sinal de Wifi de seu tio que Karolaine usava para falar
comigo tinha acabado. Ele teve problemas pessoais e acabou cancelando o serviço
fazendo-me ficar sem contato. Ela não tinha renda por conta própria pois como
descendente de alemães, foi criada a trabalhar em negócio familiar e não recebia para
isso. Seus pais, apesar de saberem da minha existência, não a incentivavam nossa
amizade. Por sorte, sua tia decidiu contratá-la para que toda a terça-feira limpasse sua
casa. Ganhava R$ 35,00 por dia o que foi suficiente para por crédito. Passou a entrar um
dia sim e um dia não para conversar comigo como forma de economizar. Nos finais de
semana, ia para a casa da amiga onde fazíamos chamadas de vídeo. O horário limite era
até as 23:59 como uma Cinderela da vida real para não gastar créditos do dia seguinte.
Ela tinha que levantar cedo e só aos sábados costumávamos ultrapassar as horas da
noite. Valia a pena, era divertido. A única pessoa que me entendia no momento.
Sabia que seu aniversário estava próximo e, por nutrir sentimentos por ela, não
conquistaria sua confiança com mais declarações exageradas ou com um simples
comentário de feliz aniversário. Não queria ser como seus outros namorados clichês.
Precisava fazer algo diferente, dar algo que ela nunca esquecesse, algo com a minha
cara. De tanto pensar, decidi criar uma música que falava tudo sobre ela, seus pontos
fortes e positivos. Dessa forma, não ficaria monótono ou pegajoso e não desgastaria
nossa amizade. Passei um dia inteiro escrevendo até conseguir uma letra original e
depois testei diversos acordes vendo qual se encaixava melhor. Não foi tão difícil e em
pouco tempo, minha música estava pronta. A princípio decidi fazer uma apresentação de
slides com suas fotos antigas e minha música de fundo, mas ficaria ainda mais clichê.
Seria melhor se eu mesmo cantasse mostrando minha cara no vídeo. Foi exatamente o
que fiz e, mesmo estando tímido, sabia que ia dar certo. Deu muito certo. Postei o vídeo
na esperança de que ela o visse no dia seguinte.
Pagando internet de quinze em quinze dias, Karolaine acabou ficando sem internet
no dia. Sua amiga, Marciana, contou impressionada com o que vira no seu feed de
notícias naquela manhã. Karolaine teve que ir para a casa de sua amiga para responder
as homenagens em seu perfil. Para sua surpresa, encontrou meu vídeo como primeiro da
lista a dar feliz aniversário a ela. Me arrumei o máximo possível para estar gato enquanto
cantava e tocava no violão. A música era sobre ela, só para ela destacando o quanto era
maravilhosa como pessoa. Naquele ponto, já conhecia bastante sobre sua personalidade
e tinha bagagem para fazer uma boa letra. Karolaine quase caiu de costas quando me
viu. Nunca recebera uma homenagem como aquela na vida. Ficou pasma a ponto de
baixar o vídeo para assistir mais tarde. Pela primeira vez depois de um tempo, ficou
novamente apaixonada mesmo a música não falando sobre romance. Mas por medo de
se apegar, medo de se entregar, de amar e sofrer, não demonstrou sua reação para mim.
Apenas agradeceu pela linda homenagem. Ao chegar em casa, mostrou para sua mãe
minha música porém ela não levava a sério nossa amizade e muito menos colocava fé em
um namoro. Suas amigas porém, não paravam de dizer que eu gostava dela fazendo-a
questionar se eu a via realmente como uma possível candidata.
PRIMEIRA NUDE
Pesquisando passagens de ônibus pela internet, estava decidido que daria um jeito
de visitá-la. Então, procurei por itinerários de ônibus na internet sem sucesso. Não havia
nenhum que fosse direto para Laranja da Terra. Eu teria que ir de Iúna para Vitória e de
Vitória para Itarana. Seria o dobro do preço. Não tinha dinheiro. Porém, fui surpreendido
pela minha avó perguntando o que eu estava fazendo. Não menti e disse que estava
buscando uma forma de visitar minha “amiga da internet” por ônibus. Eles já tinham
ouvido falar dela, mas sem muitos detalhes. Disse onde ela morava e como vivia. Indo
para a sala novamente, em meio a discussões baixas, meus avós decidiram me levar
para conhecê-la. Aliás, era apenas quatro horas de viagem. Mesmo receoso de envolver
minha família nisso, era a única forma de vê-la naquele momento. Por que não? Aceitei
imediatamente. Falei com Karolaine que via possibilidade de visitá-la mesmo que voltasse
no mesmo dia. Era o que mais queria fazer! Os pais dela trabalhavam na roça e o único
dia que tinha disponível era domingo. Ela ficou muito ansiosa pela possibilidade de me
conhecer depois de quase um ano sem nunca ter me visto pessoalmente.
Naquele domingo, partimos de manhã para almoçarmos e voltar a tarde. Queria
muito aquela experiência em mesmo combinando que nos conheceríamos sem pressão
para namoro, estava decidido em pedir um beijo. Seria minha melhor chance de beijar
alguém que realmente valesse a pena. Estava bem tranquilo até chegar na “Fazenda
Ventania”. Fiquei nervoso. Parando o carro, sabia exatamente o que faria. Era de costume
visualizar cada ação que faria a seguir antes de fazer de fato. Vi aquela jovem loira de
cabelo preso com passos firmes, descalça com um shortinho jeans. Engoli saliva e
reavaliei meu planejamento para fazer exatamente o que combinei comigo mesmo. Tinha
que ser algo bem definido. Meu roteiro era apenas apertar suas mãos e me apresentar já
que conversar era o combinado. Assim que sai do carro, ela me agarrou pelo pescoço e
me abraçou como se me conhecesse a anos. Fiquei sem Chão! Aquilo me deixou muito
nervoso. Nunca na minha vida tinha recebido o abraço de uma garota naquela
intensidade. Foi algo impactante, um choque e fiquei alguns segundos em transe. Foi uma
das melhores sensações que já tive na vida. Uma garota me abraçando daquele jeito.
Estava em outro estado de consciência. A sensação era de sonhar e fiquei extremamente
apaixonado por Karolaine. Até então, a única pessoa que me abraçava próximo daquilo
era minha mãe e irmã. Mas daquele jeito? Nunca! Foi incrível!
Após se apresentar aos meus avós, chegou seu pai. Fiquei com medo de que ele
tivesse visto aquilo e achado ruim. Só se apresentou com um aperto de mão e nos
chamou para entrar. Sempre fui muito bom com máscaras já que não tinha uma boa
autoestima e, apesar de tímido, materializei um cara confiante, extrovertido e aberto
enquanto almoçávamos. Ficava encarando-a e esperando ganhar atenção mas ela não
olhava para minha cara, pois estava tímida com a situação. Falava com todos da mesa,
porém, não olhava para minha cara. Acabado a refeição, Karolaine rapidamente se
levantou para lavar louça e eu prontamente me ofereci para ajudá-la. Ao chegar perto
dela, Karolaine deixou as panelas que estava segurando cair no chão. Realmente estava
nervosa e eu sentia que era por minha causa. Depois disso, ficamos do lado de fora onde
ela me convidou para mostrar seu sítio. Eu era muito inocente e acebei chamando seu
irmão Richard para nos acompanhar. Ela prontamente disse “Não!” e isso só me deixava
mais tenso. Meus pais me olhavam torto quando ficava isolado com minhas primas. Não
queria passar a impressão de que queria me aproveitar da filha deles e realmente eu não
queria. Era só para conhecer o sítio e nada mais. Sempre fui respeitoso e ela, por outro
lado, era mais solta. O lugar era lindo com uma flora diferente das quais nunca tinha visto.
Fui atrás enquanto ela me guiava pelo caminho. Era uma garota que, apesar de linda,
tinha um jeito bruto de andar. Completamente diferente das garotas que estava
acostumado a ver na minha cidade. Descalça e com passos firmes, abria caminho entre a
boiada. Parecia um homem! Chegou em um momento do nosso percurso que ela disse
ver macacos e me puxou para perto dela. Ela realmente tinha visto macacos mas se
aproveitou da situação para ver se eu tomava alguma iniciativa com ela. Nada de macaco
e nada de beijo! Continuamos subindo e sentamos num morro. Já estava decidido que
perderia meu “BV” e não sairia dali sem um beijo. Não puxei ela a força. Simplesmente,
com “cara de pau”, pedi autorização. Meus primos sempre me zoavam pelo fato de ser
boca virgem e naquele momento, com dezoito anos, queria saber a todo o custo como era
um beijo e quem melhor do que Karolaine? Havia tentando beijar uma garota meses antes
quando combinei com ela de nos encontramos na praia as 17:00. Porém, sem
explicações, ela cancelou. Tendo feito loucuras mais arriscadas do que aquilo, como fugir
de casa, era só “meter as caras” mais uma vez. Tomei coragem e pedi. Era estranho não
ter um clima mas, não ligava para isso. Já era careta mesmo, que diferença faria? Ela
autorizou e deu meu primeiro beijo. Foi normal, não achei nada surpreendente,
maravilhoso, fantástico… Foi vem científico. Beijei ela pela segunda vez. Essa foi melhor,
os detalhes. Um selinho simples porém melado. Os que se sucederam foram
maravilhosos pelo menos para mim. Depois daquilo, ela me abraçou dizendo que era tudo
o que queria naquele momento. Finalmente eu tomei alguma atitude! Peguei ela no colo e
viramos um casal ao estilo Disney. Decidi que ela era a garota certa para mim e queria
para a vida toda. Dava para ver em sua expressão a satisfação que tinha quando meus
braços se enrolavam em sua cintura. Para uma garota que tinha experiência, deve ter
sido um pouco difícil decidir ficar sem relacionamentos por mais de um ano.
Foram diversos os desafios que enfrentei ao longo dessa jornada. Queria estar
junto a todo custo, ainda mais eu que nunca tinha namorado antes. Foi muito difícil ficar
longe dela por tanto tempo mas, foi algo que a vida acabou me impondo e não tive muito
escolha. Eu sabia desde cedo que, uma hora ou outra, teria que arrumar um emprego
para que pudesse ficar com Karolaine, mas até então, depois de não ter conseguido
conquistar meu maior sonho que era ser piloto de avião, não sabia muito vem o que faria
da vida. Morando na casa dos avós, só queria saber de misticismo e espiritualidade. Me
relacionar com Karolaine a distância me forço a pensar que era interessante e cruciar
decidir de uma vez por todas o que faria profissionalmente, ou melhor, qual trabalho me
permitiria ganhar dinheiro o mais rápido possível para que pudesse viver/namorar com
ela. Muitas das vezes que fui para casa dos seus pais, dormíamos separados. Apesar da
vontade, as circunstâncias não permitiam já que não tinha nada além de amor para
oferecer. A própria Karolaine condicionou que para casar com ela, teria que arrumar
trabalho. Nada mirabolante, mas que pudesse nos sustentar. Essa era a regra! Isso me
estimulou de tal forma que estava decidido a conquistar qualquer objetivo financeiro para
conquistar essa meta. Esse era o desafio e eu tinha todos os motivos emocionais para
fazer acontecer. Já era a ovelha negra da família depois de tantas decepções religiosas
sofridas no passado e não ter emprego só piorava a situação.
A única coisa que sabia fazer na época era estudar para concursos e, analisando
pelo dinheiro e não pelo sonho, decidi tentar a carreira militar no Exército fazendo um
concurso para sargento que era mais fácil até então. Eu sabia que aquilo não era o que
gostaria de fazer, mas foi a possibilidade mais alcançável para mim naquelas condições e,
como estava desesperado por ela, estudei! Ao longo da minha rotina, não obtive o
almejado sucesso na primeira tentativa mesmo criando muita expectativa em cima disso.
Mesmo com todo o meu esforço, acabei sendo aprovado em todas as disciplinas exceto
na redação. Minha única chance de conseguir dinheiro e dar motivo para os pais dela me
aceitarem como um genro tinha caído por água abaixo. Chorei tanto naquela noite que,
mais uma vez, me encontrei na mesma situação de lamento que já havia passado em
diversas fases da vida. Tudo isso me fez desejar ainda mais um emprego mesmo que
fosse forçado. Meu condicionamento mental me torturava mais uma vez que para ter
namoro tinha que ter emprego. Busquei insanamente a independência mas fiquei ainda
mais frustrado pelas tentativas fracassadas de buscar outras formas de renda. Até
consegui ganhar uns trocados mas bem longe do suficiente que me garantiria viver ao
lado dela.
Até então, eu sabia que Karolaine já tinha tido diversos namorados ao longo da
adolescência e juventude e tinha ciência também de suas ficadas. Achava isso normal
pois ela havia me comentado alguns dias depois de me conhecer. Absolvi seu passado de
forma natural sem que isso me afetasse. Em uma de nossas conversas pelas redes
sociais, já no mês de janeiro de 2018, Karolaine se sentiu mal em não expor um segredo
que até então omitia um ano depois de nos conhecermos. O fato foi que ela já tinha se
masturbado com seu último namorado e decidiu que era legal contar isso para mim, já
que nosso último encontro tinha sido tão bom. Senti uma “facada” no peito e ali se iniciaria
uma fase da minha vida que costumo chamar de “Fase de readaptação”. Não estava
maduro o suficiente para aquela notícia e não absorvi da forma correta. Aquela imagem
que montei da “mocinha” tinha caído por água abaixo. Tive crises muito fortes de tristeza
e ciúme retroativo. Não conseguia dormir e nem me divertir com atividades que antes me
davam prazer. Só queria lamentar e chorar. Minha imaginação fértil me atormentava vinte
e quatro horas por dia. Eram imagens claras e nítidas das cenas. No nível de maturidade
que estava, meu subconsciente interpretou que minha namorada havia me traído. O
desgaste foi tanto ao ponto de eu quase acabar com tudo o que tínhamos construído ao
longo de nossas conversas até então. Lembro-me de largar o celular e começar chorar
instantaneamente, saindo de casa sem rumo. Foi o impulso do momento querer sair para
morrer, sumir da vista de todos para acabar com aquela dor e frustração. Tinha criado
uma expectativa tão grande de quem era Karolaine Ratunde que isso absolutamente
destruiu minhas crenças de mulher ideal, de mundo ideal que construíra desde que passei
a entender a relação de um homem com uma mulher. No dia seguinte, não queria falar
nem olhar para a cara dela mesmo com as constantes mensagens que me mandava
querendo saber se eu estava bem. Fiquei doente por causa da obsessão doentia que
tinha com isso. A tragédia estava feita!
“DENTRO DE CADA TRAUMA EXISTE UMA BENÇÃO. AQUILO SERIA A
SEMENTE PARA MEU AMADURECIMENTO”
A forte capacidade de ouvir e me colocar no lugar dos outros foi um dos fatores
decisivos no sucesso do nosso relacionamento. Eu sabia que discussões não acabavam
bem, ainda mais nas redes sociais. Meu ciúme retroativo me fez desenvolver uma
ansiedade crônica ao ponto de gerar vômitos ao visualizar a relação íntima com seu ex
namorado. Você pode estar dizendo: “Então não visualize!” Não era simples assim! Não
tinha capacidade de controlar naquele período e paguei caro por não ser capaz.
Decidi que visitaria Karolaine a todo custo como forma de aliviar meu sofrimento.
Estava sem dinheiro e como tinha uma mercearia ao lado da casa da minha avó, decidi
pedir R$ 200,00 emprestado ao dono para que, quando voltasse, pagasse com trabalho
grátis durante um mês. Já havia trabalhado ali, informalmente e por uma mixaria, antes de
conhecer Karolaine. Infelizmente não tive sucesso. Meu avô, porém, vendo meu anseio
de vistar Karolaine novamente, me ofereceu o dinheiro da passagem visto o tempo em
que não a via. Aceitei de bom grado e fui em busca do meu segundo contato físico com
Karolaine Ratunde depois de quatro meses sem vê-la. Sei que muitas pessoas ao redor
do mundo já tiveram relacionamentos de sucesso estando muito mais tempo longe um do
outro, mas quatro meses foi um inferno para mim. A proposta era passar duas semanas
em sua casa, ajudando com os trabalhos no sítio durante o dia e ficando com ela durante
a noite. Todos ganhariam! Eu namoraria e seus pais teriam mão de obra grátis. Dito e
feito.
De Iuna para Vitória e de Vitória para Itarana, foi, ao todo, um dia na estrada por
lugares que jamais havia imaginado existir em meu Estado. Em Santa Maria de Jetibá,
cidade antecessora a Itarana, vi tanta gente branca em um dia do que tinha visto desde
que nasci. A cidade é conhecida por colonização alemã e parecia estar na Europa.
Animado, ao mesmo tempo com medo, ouvia a todo instante o alemão rústico e bruto
sendo pronunciado a meu redor. Aquilo me lembrava da personalidade do pai dela.
Parecia um soldado nazista querendo me matar. Fantasias… Aquilo não iria me parar!
Lembrando de todas as loucuras que tinha feito ao ponto de fugir de casa sem dinheiro
para voltar, passar duas semanas com seus pais seria brincadeira de criança.
Finalmente cheguei na cidade de Itarana, que fica a vinte minutos da “Fazenda
Ventania”. Combinei com Karolaine que iria até sua casa por meios próprios, mesmo ela
constantemente me oferecendo carona. Não queria incomodar! Sabia que seus pais
estavam sempre ocupados e a última coisa que queria era alemãs mudando suas rotinas
diárias por causa de um moleque sem emprego e de cabelo grande.
Já ao cair da noite, ao chegar na fazenda, deparei-me com um lindo céu estrelado,
típico do interior. Cachorros latiam querendo me morder. Foda-se! Adentrando a
escuridão, uma mulher misteriosa, branca e magra me olhava desconfiada da porta. Era
só a mãe dela! Me identifique e fui convidado a entrar. Ela rapidamente me perguntou se
eu não tinha encontrado Karolaine e seu pai em Itarana. Os dois tinham ido me buscar.
“Falei para ela que não precisava de carona!” retruquei. Já tinha começado com o pé
esquerdo naquela família. Ela tentava ligar sem sucesso para avisar que a viagem tinha
sido em vão e nada deles atenderem. Após quarenta minutos com cara de pastel, faróis
de moto apareceram na janela. Meu coração disparou pois esperava pelo segundo
grande beijo oficial com a Lemoa. Fiquei em extremo êxtase vendo aqueles cabelos
longos e cacheados se revelando debaixo do capacete. O pai dela estava frustrado por
não ter me encontrado lá. Fiz ele gastar gasolina atoa… Acontece! Senti aquele abraço
maravilhoso seguido do meu segundo grande beijo! Naquele momento não lembrava mais
de nada.
Acordei naquela manhã de sábado sem saber ao certo onde estava. Com a
consciência retornando aos poucos, percebi que estava na casa dos meus sogros em
potencial. Já me considerada genro! Pobre inocente! As 4:50 da manhã, dei o meu melhor
naquelas semanas de trabalho querendo a todo custo agradar sua família. Usava jargões
respeitosos a todo momento como Sr(a) com o objetivo de impressionar pela minha
excelente educação formal. Achava que estava abafando. Na primeira oportunidade, sua
mãe me interceptou dizendo que estavam quase me esganando pelo pescoço de tanto
ouvir “Senhor”, “Senhora”, “Gostaria”, “Muitíssimo obrigado” que saia da minha goela. Era
só chamar pelo nome e falar normalmente como se estivesse de frente a um amiguinho
da mesma idade. Foi espantoso! Aprendi com meus pais que deveria chamar pessoas
mais velhas de Senhor(a) e ser o mais respeitoso possível na hora de conversar. Onde eu
estava não tinha nada daquilo! Isso irritava e que o primeiro nome já bastava! Foi o
primeiro grande contraste que tive deles.
As demais semanas foram bem desafiadoras e agradáveis. Apesar do trabalho
duro no campo, estava satisfeito comigo mesmo. Fazia o melhor que podia, até mais do
que o esperado. Qualquer um poderia se aproveitar de mim se quisesse mas eu não
ligava desde que pudesse namorar nas valiosas horas finais do dia. Sempre fui muito
exigente comigo mesmo quando me comprometia com algo a ponto de exagerar. Ficava
muito feliz quando era elogiado e deprimido quando criticado.
Esse foi, sem dúvida, um dos dias mais marcantes da minha vida. Por ter nascido
em uma família religiosa, sempre sonhava como seria ter uma namorada comigo em uma
cerimônia. Lembro de devanear o tempo todo vendo os casais de mãos dadas prontos
para casar debaixo da benção de Deus. Queria aquilo para mim, mas teria que passar na
Aeronáutica primeiro para poder viver aquilo. Era a condição que tinha estabelecido. Na
época que morava no Rio de Janeiro, com meus quatorze anos de idade, lembro de ter
me apaixonado loucamente pela minha prima de terceiro grau, Vanessa. Era a garota
mais linda que tinha visto naquele lugar antes mesmo, para o meu azar, de saber que era
minha prima quatro anos mais velha que eu e que tinha namorado. Ver aquele barbado
beijar os lábios de boneca que ela tinha me deixava enfurecido e mais determinado a me
tornar alguém. Coloquei uma blusa cinza e uma calça jeans enquanto que Karolaine
vestia uma blusa branca, calça jeans e salto. Estava linda só pra constar! Como seus pais
só tinham moto, fui de carona na garupa do pai já que detinha o maior veículo. Karolaine
e sua mãe pilotaram suas respectivas motos individuais enquanto Richard ia na garupa de
Karolaine. Confesso que foi desconfortável e constrangedor. Me sentia um estorvo
infelizmente. Chegamos na igreja Luterana da região e Karolaine rapidamente me
apresentou aos seus amigos. Algumas mulheres, outros porém, homens. Sentindo ciúmes
já de primeira, lembro de me perguntar se alguns deles já tinham ficado com ela. A
princípio tudo bem! Entramos na igreja e pela primeira vez tinha uma namorada ao meu
lado em um evento como aquele. Enchi-me de satisfação e paixão. Apesar de não ter
conseguido um emprego para namorar, naquelas alturas não importava mais. A sensação
da sua mão feminina, ao mesmo tempo bruta, segurando minha mão deixou-me em
estado de extrema alegria. O culto começou e seguimos todo aquele ritual previsto nas
igrejas e por último uma apresentação teatral. Percebi que no meio do elenco, havia um
rapaz loiro, bonito mas com aparência acabada olhando para nós dois. Nada de especial.
Mas, por alguma razão, aquele rosto me parecia familiar. Percebi que ele a olhou de
forma diferente. Achei estranho mas tudo bem! Talvez só se encantou com sua beleza. Já
era irmão! Tira o olho que agora ela é minha!
Terminado o culto, fiquei com aquele rapaz na cabeça tentando descobrir se a
familiaridade era coisa da minha imaginação ou algum fato oculto. Der repente, seu nome
saltou na minha consciência. Eliseu. Sim! Poderia ser ele. Ex namorado de Karolaine
Ratunde do qual ela tinha gostado na época. Já tinha me contado a história deles no
tempo em que nos conhecemos. Poderia ser ele mesmo? Bem aqui? Desse jeito? Pode
ser alguém parecido. Com aquilo estancado na mente, decidi perguntar na cara dura para
Karolaine se ere era realmente quem eu achava que era. Ela confirmou, em um tom de
decepção. Na mesma hora, um sentimento horrível tomou conta de mim naquele
momento como se eu tivessem “passado a perna” em mim. Tive que me segurar para não
reagir de forma grosseira pelos meus impulsos. Senti fortes ciúmes que se sustentaram
pelo trauma que passara recentemente. Como sempre, enquanto ela me abraçava, lutava
com minhas emoções para manter a neutralidade. Pelo menos não era o ex que era teve
relações. Se fosse, poderia ser pior. Olhando para a lua cheia, determinei que seria o
melhor namorado com quem ela já tinha ficado! Muito melhor do que ele!
Voltamos para casa e namoramos um pouco assim que chegamos em virtude do
horário. Porém, já não era o mesmo garoto alegre. Não conseguia controlar as imagens
dos dois se pegando da forma como ela me contou. A sensação era de já conhecer ela na
época em que namorava os outros caras. Queria ter tido ela só para moim! Queria ter sido
seu primeiro em tudo como eu sonhava! Era frustrante e não sabia ainda como lidar com
isso.
CRISMA DO RICHARD
Foi um dos momentos mais difíceis para mim. Mesmo tendo ficado com ela por
duas semanas, a maior parte do tempo era trabalhando na roça sem conversar e muito
menos se pegar. Nós namorávamos a noite estando extremamente cansados. Karolaine
me apreciava em cima dela contendo-se para não chorar enquanto curtíamos nossa
última noite no seu quarto de luz acesa. Disse que foram as melhores semanas que ela
passou com alguém.
No dia seguinte, seu pai me levou para a rodoviária e com um abraço forçado, me
despedi dele. Enquanto voltava, refletia sobre todos os momentos bons que passamos.
Entendia que o seu passado era passado e nada mais. Meus ciúmes tinham sido curados
e o trauma já nem era lá grande coisa. Cheguei em casa triste, bastante para falar a
verdade. Tudo o que é bom passa rápido. Precisava arrumar um emprego!
De volta aos dias normais, ficava o dia todo no quarto mexendo no computador.
Minha vida se resumia naquela tela. Estudava e jogava e nada mais. Minha prima de
quarenta e poucos anos, sobrinha da minha avó, ficava preocupada com a condição
sedentária que levava e sempre reclamava com os meus avós quando tinha
oportunidade. Eu não sentia a menor vontade de sair de casa e detestava quando iam lá
me chamar. Era com se estivessem ali só para me julgar. Meu tio mesmo, cunhado da
minha avó dizia que não conseguiria nada na minha vida sendo tão antissocial. Sabia que
aquilo era verdade mas me magoava bastante pelo tom agressivo que usava. Não queria
ver ele! A noite era a melhor hora do dia pois finalmente tinha um motivo justo para ficar
no quarto. Geralmente virar a noite em jogos era suficiente para me divertir, mas depois
daquelas duas semanas com Karolaine, surgiu um imenso vazio. Os jogos deixaram de
me satisfazer. Nada naquele quarto me satisfazia mais! Só conseguia pensar nela e na
experiência. Foram fortes emoções em muito pouco tempo. Foi tudo a primeira vez. Ao
mesmo tempo que pensava nas boas memórias, os resquícios do trauma pareciam querer
despertar pelas condições em que estava. Imagens mentais de ex namorados
começaram a emergir naquela noite incluindo sua primeira experiência sexual. O fato de
eu estar longe só piorava a situação e o ciúme doentio foi novamente me dominando.
Tinha acesso a sua rede social, pois ela me passou a senha, e decidi investigar todo o
seu passado aos mínimos detalhes. Imaginava que podia haver muitas sujeiras omitidas e
tinha medo ser enganado, de ela esconder coisas ainda piores nesse sentido. Acabei
encontrando
encontrando diversas mensagens que não queria ter visto. Mensagens dos seus ex
namorados, de ficantes e interesses amorosos. Sentia como se a própria Karolaine
estivesse tendo casos mesmo namorando comigo. Racionalmente entendia que aquilo
era o passado dela do qual eu nem fazia parte, mas meu ego emocional dizia o contrário.
No ápice do desgosto, cheguei na mensagem em que um rapaz conversava com ela
sobre espiritualidade e coisas do tipo. Ela tinha me falado sobre ele e até então nada
demais para me preocupar, porém, quem muito procura acaba achando e eu achei! Em
certo ponto, ele não parava de dar cantadas com elogios exagerados demais para fazer a
alguém que deixou claro estar em um relacionamento sério. Sem tomar nenhuma atitude
mediante aquilo, Karolaine parecia gostar da situação. Esperava desesperadamente o
momento em que ela daria um basta naquilo. Cheguei na parte em que ele elogiava uma
das suas publicações na Praia do Degredo em Linhares dizendo que sua barriguinha
chapada era quente e sex. Aquilo foi o limite! Tomado de ódio, xinguei-o violentamente
jogando toda a minha explosão de raiva no teclado. Sai do quarto rapidamente antes de
enviar a mensagem se não vomitaria em cima da máquina. Joguei para fora tudo o que
tinha comido ao longo do dia e mais um pouco. O trauma que sofri a meses atrás foi
despertado novamente voltando ainda mais forte do que era. Aquela situação terminou de
destruir toda a confiança que ainda tinha restado dela. Uma sensação que não desejo
para ninguém. Não tinha traição, mas me sentia traído. Após alguns longos minutos,
consegui me acalmar e voltei para tomar alguma atitude em relação aquilo. Mesmo puto
da vida, minha consciência não deixava eu simplesmente pisar no cara até nos níveis
mais baixos. Acabei dando mais uma lição de moral do que xingamentos, mas foi o
suficiente para o “Lobo” se afastar.
“BOM DIA KAROLAINE, DECIDI VOLTAR ATRÁS. ESTAVA MUITO MAL POR NÃO
CONSEGUIR VIVER NORMALMENTE SEM CONVERSAR SEM CONVERSAR COM
VOCÊ… DECIDI TIRAR UM TEMPO PARA MIM MESMO MAS VI QUE NÃO IA
ADIANTAR. QUERIA VOLTAR ATRÁS”.
Karolaine Ratunde
Por mim tudo bem, respondeu em curto e grosso tom. Perguntei o motivo de tirar a
foro de perfil. “Tirei por que quis!” disse ela. Aquilo não me convenceu e perguntei
novamente o motivo de ter feito aquilo. Ela ficou zangada e retrucou novamente dizendo
que foi por que ela quis fazer sem
razão específica. Com minha empatia apurada, ousei em falar que foi por causa do que
eu disso, que aquilo a magoou. Dito e feito. Apesar da frieza e coração de pedra, sendo
para mim uma garota decidida que não se apegava a ninguém, percebi que estava
lidando com a garota mais emotiva do mundo. Lembrei-me de ver, a meses atrás no seu
mapa astral, que sua lua era em câncer e que pessoas assim eram extremamente
emotivas. Ela começou e gravar áudios atrás de áudios para desabafar sua insatisfação e
tristeza. Pensou que eu tinha dado desculpas para terminar com ela pois os outros
rapazes que quiseram dar um tempo, fizeram dessa forma para não serem brutos.
Achava que eu tinha encontrado algum rabo de saia na autoescola. Que tinha traído ela.
Fiquei impressionado ao mesmo tempo contente. Ela sentiu minha falta! Eu era
importante para ela! Pedi desculpas. Fez-me prometer que nunca faria aquilo de novo! E
assim foi. Dali em diante as coisas começaram a melhorar e estava mais do que tudo
ansioso para vê-la nomavente.
DIAS DE ANSIEDADE
Depois de descobrir o quanto ela era emotiva por dentro, decidi ser o mais
carinhoso possível, mais do que já era. Ela tinha muita dificuldade em demonstrar seus
sentimentos pela criação que teve e por suas decepções amorosas. Eliseu por exemplo,
foi o seu primeiro namorado. Alguém que ela realmente se apaixonou como menina e foi
decepcionada ao saber que ele usava drogas e se envolvia com outras meninas. Todas
as experiências que teve quando realmente gostava de alguém foram frustradas no final,
fazendo-a erguer um muro enorme sobre seu sentimentalismo. No fundo eu sentia que
ela usava máscaras nesse sentido , mas como eu era muito emotivo, temia estar errado e
criar expectativas impossíveis. Tinha um calendário no meu quarto para contar os dias
que a visitaria novamente. Seria nosso terceiro encontro e queria passar novamente duas
semanas na casa dela. Era a forma mais fácil de namorar.
Finalmente o dia de ver Karolaine estava a algumas horas. Fiz as malas e meu
planejamento. Meus pais, porém, estavam morando no Rio de Janeiro na época e
voltariam para Guarapari. Fui surpreendido por meu pai ordenando que fosse para
Guarapari ajudar na mudança. Fique frustrado! Sabia que teria que ficar e ajudar e
confrontá-los seria besteira. Mas estava com tanta saudade e criei tanta expectativa que
não podia simplesmente desistir. Decidi dizer um foda-se e ver Karolaine assim mesmo.
Minha avó e irmã logo colocaram pressão psicológica chegando a derramar lágrimas de
emoção. Me chamaram de egoísta e desaprovaram completamente. Por estar tão aflito
por quatro meses, decidi me arriscar. Sabia que se meu pai ficasse sabendo, arrumaria
um problemão. Não quis nem saber! Assim que amanheceu, peguei o primeiro ônibus
para a rodoviária de Vitória, louco pelo reencontro. A segunda vez pegando o buzão foi
mais tranquilo já que o nervosismo não era o mesmo. Ao chegar em Itarana, veio a Loira
em minha direção. Aqueles cabelos de musa e olhos verdes. Minha leoa! Nosso beijo foi
incrível. Subi em sua moto e fomos para casa.
Já na casa de Karolaine, seria como da última vez: Muito trabalho duro! A única
diferença é que Karolaine estava trabalhando fora no período da manhã, ou seja, só a
veria na parte da tarde. Por mim tudo bem! Teria a tarde para trabalhar com ela nas
lavouras e namorar de noite. O que me matava era ver ela pegando a estrada sozinha
todos os dias. Coisas ruins poderiam acontecer no meio do caminho. Um acidente de
moto talvez, ou um sequestro… Das 05:00 da manhã até as 12:00 era uma luta interna.
Só relaxava quando ouvia o som da moto retornando.
A cada dia que passava, mais apaixonado ficava. Como trabalhávamos o dia todo,
tinha apenas três horas para ficar. Tempo esse que passava como um lampejo e no dia
seguinte começasse tudo novamente. Era frustrante não poder dormir com ela. Seus pais
não ligariam a menos que eu tivesse um trabalho. Enquanto não tivesse futuro a oferecer,
não poderia me comprometer. Já eram contra o namoro, imagine algo mais. Meus pais
por outro lado nem imaginava que cochilamos juntos. Era inaceitável sem casar primeiro.
A DESPEDIDA
No dia seguinte, mal podia esperar para acordar e beijá-la. Levantei cedo para
estar cheiroso e arrumado antes que ela acordasse. Ela dormiu no quarto da minha irmã e
eu sabia que levantaria cedo. Mal deu 6:00 e lá estava ela em pé de pijama. Agarrei-a
pela cintura e beijei-a imediatamente. Meus pais acordariam depois das 08:00 e minha
irmã só depois das 09:00. Constantemente lembrava-a que não precisaria fazer nada e
que sua viagem era a passeio, diversão e romance. Karolaine parecia ter dificuldades de
relaxar. Queria, instintivamente, estar fazendo alguma tarefa.
Depois daquelas horas iniciais, fomos a praia num local onde a água é mais calma
e tranquila. O dia estava lindo, sem nuvem alguma no céu e não perdemos tempo em
achar um cantinho na areia quente. Foi a primeira vez que vi Karolaine de biquíni. Mal
podendo esperar para tomar banho junto, convidei-a para entrar na água comigo. De
mãos dadas, chegamos a borda. Mesmo com a água fria, não exitamos. Eu estava no
comando e era seu guia dessa vez. Ela teria de obedecer e me acompanhar para que a
viagem valesse a pena. Encorajei-a a começar molhando a nuca, pulsos e lombar
esfriando para esfriar e preparar o corpo. Acabei tomando a iniciativa e molhando seu
pescoço suavemente puxando-a comigo na sequência. Lá estávamos nós agarrados nos
banhando… Pode ter parecido algo simples para ela, mas para mim foi a primeira vez, e
toda a primeira vez é única.
Um tempo mais tarde, convidei Karolaine para irmos ao parque de diversões da
minha cidade. Ela nunca tinha ido em um brinquedo daqueles antes. Me certificaria que
ela fosse nos mais agitados e complexos, os que eram altos, rápidos e giravam de cabeça
para baixo. Todo final de ano aquele parque se instalava em frente a praia entre os meses
de dezembro e fevereiro e sempre ia com meus primos quando podia. A sensação de frio
na barriga era intensificado quando algumas raras e lindas garotas sentavam do meu lado
por falta de opção. Garotas que eu não conhecia e nem tinha coragem de conhecer. Ver
Karolaine ao meu lado, enquanto sentia o frio na barriga e a adrenalina percorrendo meu
corpo me fez querer beijá-la ali. Já no segundo brinquedo, ela ficou assustada com a
altura que a máquina chegava passando dos quinze metros mas de tanto insistir, ela
acabou aceitando. Ao sentar do meu lado, com todos aqueles ferros e travas de
segurança envolvendo seu corpo, percebeu a furada em que se meteu, mas não desistiria
agora. Foi com medo mesmo! Após giros apavorantes com velocidade acima na média
dos 30km/h, percebi que estava implorando para aquilo acabar. Com três minutos de
adrenalina, Karolaine saiu do brinquedo puta me xingando enquanto se controlava para
não vomitar. Eu só conseguia rir.
Após um dia com a loira, não queria aceitar que o fim estava chegando.
Infelizmente parece que quanto melhor, mais rápido passa. Esforçava-me para aproveitar
cada segundo restante ao seu lado já que ela iria embora no dia seguinte. Após um longo
dia aproveitando o sol da tarde e as límpidas águas de Guarapari, passamos o resto do
dia no sofá com muitos aperitivos e filmes. Mesmo não podendo dormir juntos, fazia de
tudo para ficar junto até que o sono fosse maior. Ela dormiu ao lado da minha irmã e eu
no colchão ao lado. Mesmo não estando na mesma cama, ainda poderíamos dormir de
mãos dadas com a ajuda da minha irmã é claro. Pedi para que Karolaine trocasse de
lugar com ela. Era a oportunidade perfeita. Esperei a situação se acalmar um pouco antes
de mostrar as caras. Mesmo morrendo de sono, minha mão direita passeava nos seus
cabelos e braço. Foi quando puxei-a para meu colchão. Mesmo com pouco espaço, foi
muito gostoso ficar de conchinha. Como foi bom! Hoje em dia não durmo mais sem ela.
Foi uma situação complicada. Karolaine Ratunde é o tipo de mulher que sofre
drasticamente com as alterações hormonais do seu ciclo menstrual. Geralmente costuma
dar os mesmos efeitos na mesma intensidade. Outras vezes são mais intensos e mais
sombrios. Lá estava eu olhando pela janela do alojamento pós expediente como de
costume para ligar para ela. Sentia que sua voz aparentava distanciamento e não estava
da mesma forma que antes. Eu sou o tipo de namorado que acompanha o ciclo menstrual
da parceira e, por esse motivo, analisava suas alterações de humor pelo aplicativo de
celular. Sabia que estava na fase de TPM, mas não esperava o que diria para mim. Ao ser
mais exigente com seu humor, ela acabou falando o que sentia. Disse que naquele
momento não sentia mais nada por mim. Que não sentia amor, paixão e nem vontade de
levar adiante. Fiquei perturbado em ouvi aquelas palavras, contudo mantive o foco e não
demonstrei desespero ou angústia. Agi da forma mais racional possível visto que estava
influenciada pelo seu ciclo. Ela disse que apesar de não sentir nada, estava incomodada
por não ter motivos para isso. Nosso relacionamento era maravilhoso e nunca se
envolvera com alguém que a fizesse se sentir tão respeitada, tão amada e única mesmo
sendo a distância. Observar aquele estado emocional nela mesma era perturbador.
Entendendo sua situação, pude perceber que não adiantaria forçar a barra. Por mais que
me incomodasse, mostrar respeito perante seus sentimentos era a atitude mais sensata
de se tomar. Sabia também que em um relacionamento duradouro, haverá dias que não
teria atração nenhuma por ela. Foi quando veio o Insight sobre o que é amar. Amar não é
estar apaixonado todos os dias, não é gostar da parceira sempre ou querer beijar e ficar
juntos. Isso é apenas uma pequena parcela do amor. Esse sentimento mais elevado e
nobre exige que aceitemos os dias ruins com respeito e paciência. Que se já fizemos tudo
o que podíamos fazer, devemos aguardar, sem colocar expectativas ou pressão, que o
estado emocional venha e vá. Disse que estava tudo bem em se sentir assim ao mesmo
tempo que estava disposto a largar de mão nosso relacionamento, caso ela desejasse
seguir em frente sem mim, mesmo que eu sofresse com isso, mas também deixar claro
que sentimentos e pensamentos vem e vão e alteram nosso estado de consciência.
Tomar decisões em estados assim não era a escolha mais inteligente em nenhuma das
áreas da vida. Percebi que não poderia deixar de gostar dela, mesmo que não gostasse
de mim e concluí que iria amá-la enquanto
Estivesse ao meu lado, pois eu me conhecia bem e respeitava minha personalidade
sentimental. Muitas pessoas acham que demonstrar desinteresse e desapego, mesmo
quando não é verdade, causa menos dor do que admitir para si mesmo que está sofrendo
com a separação. Eu tinha que me amar em primeiro lugar e amar-se é reconhecer e
respeitar seu próprio jeito de ser. O mundo é muito grande e não falta mulheres nele. Se
existe um homem carinhoso, romântico disposto a ter um relacionamento verdadeiro para
toda a vida, não é de se duvidar que exista uma mulher em algum lugar dessa imensidão
com as mesmas características e ideais que eu tinha. Forçar um relacionamento com
Karolaine Ratunde sendo eu mesmo sem querer me desapegar, ou fingindo ser outra
pessoa impediria que minha verdadeira “alma gêmea” chegasse até mim e
complementasse minha felicidade.
Após deixar claro essa ideia para mim mesmo, entrei em estado de paz e aceitei
que, independentemente do que acontecesse dali em diante, seria eu mesmo, romântico,
carinhoso e respeitoso. E não neguei a mim mesmo que se ela rompesse, sofreria sim,
por um tempo até me recuperar e aceitei profundamente essa verdade. Após ouvir minhas
palavras, Karolaine agradeceu o respeito e o espaço que dei e se despediu de mim
naquela noite.
No dia seguinte, uma tristeza imensa se abateu sobre mim. Já tinha deixado claro
que não superaria uma possível separação tão facilmente assim, porém, aceitei que
sofreria silenciosamente até que a dor passasse. Costumava desligar meu celular
enquanto dormia e assim que liguei, fui surpreendido por diversas mensagens dela. Havia
corações e emojis de todos os tipos com um caloroso bom dia e um “Eu te amo!”. Fiquei
pasmo e questionava-me se ela estava sendo sincera. Perguntei se estava melhor e me
respondeu que sim. Suas palavras foram as seguintes: “…Tudo o que você disse, a forma
como agiu, me fez ter certeza de que você é um cara muito especial e eu não preciso de
mais nada. Eu não quero perder isso! Além do mais, estava de TPM. Percebi a sabedoria
em suas palavras e aquilo me magnetizou. Você respeitou meus sentimentos e me
encorajou a não lutar contra eles…”
Passado alguns dias desde nossa última crise, percebi que o fato de Karolaine
trabalhar durante minhas férias de dezembro ainda me incomodava. Por ser um sábado
de folga, deitei em minha cama com meu notebook confiante de que achararia uma
solução para aquele problema. Precisávamos dar um jeito de ficar vários e vários dias
juntos, vinte e quatro horas por dia a fim de materializar nossa relação como um casal
normal. A questão era como faria isso. Sabia que não poderíamos dormir na mesma
cama. Era impossível! Meus pais jamais aprovariam. Sabia também que para casar, teria
que me formar primeiro o que demoraria mais um ano a partir de 2020. Cada vez que
pensava em uma solução, mais me frustrava com os contras que vinham na minha mente.
Até que finalmente desistir de pensar sobre, quase aceitando o fato. Karolaine não
abandonaria seu trabalho remunerado só para passar as férias ao meu lado. Mesmo que
quisesse, sua criação e forte senso de trabalho não permitiria tomar decisões somente
baseado no coração. Eu tinha feito diversas merdas na minha vida em agir no calor do
momento e entendia perfeitamente que era mais fácil o mundo acabar do que Karolaine
Ratunde deixar de trabalhar por homem. Enquanto tomava meu banho da tarde, procurei
relaxar minha mente. A água escorria pela minha cabeça enquanto respirava de olhos
fechados. Ao deitar novamente na minha cama, com um pulo, uma ideia surgiu na cabeça
mas, exigiria deixar de lado meu orgulho e aceitar mudanças no meu planejamento. Era o
único jeito! Costumava exigir-me demais se tratando de planejamento e o que aprendi ao
longo dos anos é que nada sai exatamente da forma como queremos. Eu poderia aceitar
aquilo e experimentar uma mudança ou manter-me fiel ao meu planejamento e passar as
férias sozinho em Guarapari. Mediante o peso da decisão, preferi mil vezes romper meu
ego e ficar com Karolaine durante trinta dias em casa. A solução era fazer união estável.
Muitos dos meus colegas chegaram em Jundiaí com união estável e recebiam por isso.
Apesar de não estarem estabilizados na carreira, nada os impedia de se unir a suas
mulheres. Por que eu não posso fazer o mesmo? Até por que é união estável e caso não
dê certo, não haverá tantos prejuízos como haveria em um casamento formal. A solução
estava diante de meus pés. Minha avó por parte de mãe vivia me dizendo que era melhor
juntar e levar a sério do que casar em um conto de fadas e trair a mulher depois. Eu não
tinha intenção alguma de me separar de Karolaine e nós dois já nos considerávamos
casados independente de fatores externos. Ela já tinha manifestado a vontade de que
quando fôssemos casar, fizéssemos um cerimonial pequeno em uma igrejinha com, no
máximo, familiares bem próximos. Certamente um documento pequeno em uma igrejinha
com, no máximo, familiares bem próximos. Certamente um documento oficial mostrando
nossa união convenceria meus pais a nos deixar dormir na mesma cama. Isso era
importante para eles apesar de pessoalmente achar a maior besteira do mundo. Como
um pedaço de papel podia definir a intensidade e veracidade dos meus sentimentos e
projetos para com Karolaine? Detestava provar as coisas aos outros, mas teria que abrir
mão do orgulho se quisesse algo mais íntimo fisicamente.
Mas, certamente ele não aceitaria morar com meus pais. Disse-me várias vezes
que queria um lugar para fazer suas próprias regras e que não aceitaria ficar vivendo de
favor para os outros. Ela já vivia sobre as regras dos pais e não largaria o emprego para
viver sobre as regras dos meus pais. Quase que instantaneamente a solução se
apresentou em uma bandeja de ouro diante de mim. Havia outra casa em cima da dos
meus pais a qual meu avô já tinha alugado para outros familiares. É um ambiente lindo
com vista e boa ventilação. Estava bem arrumado, com alguns móveis e até geladeira.
Tinha cama e guarda-roupa. Me animou o fato de que o dono do imóvel era meu próprio
avô e que ele alugara um tempo atrás para um primo nosso por R$500,00 mensais.
Estava bem dentro do meu orçamento visto que um aluno recebe em média R$1200,00
mensais. Eu não gastava com muita coisa e poderia tranquilamente pagar o aluguel e
manter Karolaine confortável em Guarapari. Ela faria suas próprias regras e poderia
passar as férias comigo. Depois de analisar todas as possibilidades possíveis, conclui que
era uma excelente ideia e decidi falar com Karolaine. A proposta foi irrecusável e ela
acabou entendendo que era uma ótima oportunidade de estrear sua vida de casado, em
que, pela primeira vez, teria que viver longe das asas dos pais por conta própria. Ela
também teria bons vizinhos já que minha mãe e irmã eram pessoas amáveis e tranquilas.
Tinha tudo para dar certo e vendo que não existiam fatos lógicos para recusar minha
proposta, acabou aceitando. Ouvir aquilo alegrou o restante do meu dia. Só faltava pedir
permissão a minha avó para alugar a casa para nós dois. Liguei e apresentei a ideia e
sem demoras ela aprovou feliz pela decisão. Deixaria nós orarmos de graça o tempo que
fosse necessário até eu me formar e que não cobraria por isso. Fiquei muito contente e
não demorei para dar a notícia a Karolaine que também ficou entusiasmada. Só pagaria a
luz, aluguel e compras. Minhas férias ao lado dela estavam garantidos.
Mesmo decidia a morar comigo em Guarapari, largar seu emprego para viver a
minha custa ia contra todos os princípios morais que aprendera com a família. Sabia que
todos os seus familiares desaprovariam essa sua atitude. Mulher não deve contar com o
marido e sim ganhar a própria vida. Essas e muitas outras crenças faziam parte da
mentalidade da região. Mesmo querendo muito ficar ao meu lado e estando certo de que
era uma ótima oportunidade de ficar ao meu lado, incomodava largar a segurança por
algo novo e duvidoso. Sempre quando nos deparamos com o desconhecido e a
insegurança, sentimos medo. Eu também estava com medo pois sabia que tudo poderia
acontecer. O Exército manda embora qualquer aluno que se machuque a ponto de não
conseguir se recuperar dentro de um determinado tempo. Bastaria eu torcer o pé e ficar
de cama por meses para ser mandado embora. Não era um sargento formado e sim um
aluno. Aluno só se ferra, só paga seus tributos com flexões de braço, dá tudo de si e
mesmo assim nada é garantido. Foi uma atitude de fé e coragem aceitar aquela ideia de
morar em Guarapari mas, mesmo assim, estava feliz pela decisão. Teria que pagar para
ver! Sendo respeitoso como sempre, entendi os medos de Karolaine e me posicionei
favorável aos seus sentimentos. Fui sincero comigo mesmo e transpassei essa verdade
para ela. Era difícil ficar longe tanto tempo e passar todos aqueles dias juntos seria uma
forma maravilhosa de “Regar” nossa relação novamente. Todos os momentos que
ficamos juntos eram rápidos e breves sem tempo para nos acostumamos fisicamente de
forma mais profunda com a presença um do outro. Ela entendia a importância de se
permitir tirar aquele momento para cuidar do nosso namoro a fim de evoluir em algo mais
íntimo. Ajudou saber que sempre tinha meu apoio em dar o espaço que ela precisasse
caso sentisse necessidade e isso contribuiu no fortalecimento dos nossos laços. Mesmo
com medo, estava decidida a experimentar o novo e, mesmo que desse errado, o pior que
poderia acontecer é ela voltar para casa e arrumar outro emprego. Na melhor das
hipóteses, ela trabalharia em Guarapari tendo a oportunidade de morar na própria casa
sobre as próprias regras. Era irrecusável! Seguimos adiante em nosso plano.
Finalmente o grande dia chegou. Mal consegui dormir ao saber que no nascer do
sol, pegaria minhas coisas e sairia daquele lugar horrível. Não precisaria mais escutar
gritaria no alojamento e nem olhar na cara dos instrutores novamente. Acordei leve e sem
preocupações. O clima de liberação tomou conta daquele lugar e o ar parecia mais
respirável. O dia estava lindo com um sol forte e um céu azul. Tomei um longo banho de
água quente e me preparei para a longa viagem que ali se iniciaria. Me despediria de vez
da cidade de Jundiaí. Escrevendo isso agora para os leitores, sou capaz de reviver a
alegria que foi.
Após um breve discurso do Capitão, instrutor chefe, fomos elogiados pela
persistência em se manter firme e forte diante dos desafios que passamos. Foram
diversos campos passando frio, realizando tarefas rústicas sobre pressão psicológica e
adversidades. Lutas essas que parecia ser eternas finalmente chegaram ao fim.
Concluímos a primeira parte dessa jornada e isto era motivo para se orgulhar. Ver todos
as personalidades que comigo conviveram, satisfeitos com o término daquela etapa,
enchia meu coração de alegria e orgulho. Não são todos que chegam até o final do
Período Básico e muitos desistiram ao longo do caminho. Sabia que chegaria em casa e
encontraria a face dos meus pais preenchidas de orgulho além de receber todo o carinho
da minha companheira. Era um homem “casado” e junto com esse título ganharia todas
as regalias que o acompanhavam. Apaguei no ônibus com um sono reparador além de
passar a maior parte da viagem refletindo sobre tudo o que faria naquelas férias com
Karolaine. Seria maravilhoso! Nada de Exército por um bom tempo! Nada de Jundiaí!
Nunca mais! Foi o tipo de experiência que só se passa uma vez na vida e eu já tinha
cumprido minha missão! Agora é só descanso!
Cheguei na rodoviária de Vitória com o coração pulsando de felicidade. Combinei
com Karolaine de nos encontrarmos e irmos para Guarapari Juntos. Ela havia saído de
casa a umas quatro horas antes de eu chegar na capital e encontrar-me com ela. Saí do
ônibus com aquele frio na barriga pois já tinha quatro meses desde o último licenciamento
e veria ela novamente. Era minha namorada/esposa e se quiséssemos dormir juntos,
nada poderia nos impedir. Saber disso mudava completamente o clima. Ao longe me
deparei com seus olhos verdes olhando diretamente para mim. Indo na direção, abracei-a
fortemente de tanta saudade e paixão. Foram tantos desafios vencidos, tanto tempo longe
dela para finalmente ficar juntos. Sentamos no banco enquanto esperávamos o próximo
ônibus para Guarapari. Só queria que o tempo parasse naquele momento. A fome foi
embora e a exaustão das quinze horas de viagem passaram despercebidos enquanto
trocávamos carícias e beijos. Já embarcados, curtimos a linda paisagem litorânea com
vento fresco fluindo pelo rosto. Ela sabia que estava indo para ficar, mas teria todo meu
apoio durante aqueles dias de adaptação.
Chegamos em Guarapari, meu pai já nos esperava de carro. Chegando em casa,
pude finalmente relaxar. Sentir de volta a energia do lugar em que nasci e cresci não tem
preço. Durante um ano, esqueci-me de quem era na perspectiva de ganhar a vida que
voltar fez-me dar valor ao que tinha deixado para trás antes de ir para o Exército. Não tem
nada melhor ser recebido por pessoas que te amam. Do jeito que minha mãezinha é, um
banquete me esperava servindo meus pratos favoritos na mesa. Pude finalmente abraçar
minha mana ao qual tenho afinidade. Ela foi a única companhia na fase de crise religiosa
que passei em 2014 quanto todos meus familiares se voltaram contra meus
questionamentos existenciais. Passar por aquilo sem ter alguém para desabafar como
ela, teria sido muito pior ou impossível de suportar. Apesar da companhia maravilhosa dos
meus pais, da janta maravilhosa feita por minha mãe e irmã e o clima fresco da noite de
praia que minha maravilhosa cidade oferece, nada era maior do que a perspectiva que
estava naquele momento de pela primeira vez na vida, virar a noite ao lado de uma
mulher… Ao lado de Karolaine. Ela estava radiante, linda como sempre e também sabia
que seria uma experiência completamente nova. Apesar de aparentar tranquilidade, podia
sentir sua aflição e timidez comigo. Até por que era meu desejo tomar banho juntos e ela
sabia disso. Após horas conversando, nossos corpos estavam cansados da longa viagem
principalmente o meu. Só queria deitar e ter uma noite de qualidade com ela. Seria a
primeira vez que a veria completamente nua e isso mexia com minha imaginação. Com
abraços de boa noite, nos despedimos de meus pais e subimos para nosso banho. Ela
mal conseguia olhar diretamente em meus olhos e não ficou a vontade quando entramos
no banheiro juntos. Percebendo sua aflição, deixei claro a ela que não era minha
perspectiva que tivéssemos relação sexual naquela noite. Só queria mesmo era ficar ao
seu lado, sem pressão ou expectativa. Dizer isso acabou gerando contentamento e logo
ela relaxou tirando a roupa. Também tirei a minha e pedi que se juntasse a mim no banho.
Foi delicioso e nunca irei esquecer! Algo melhor ainda foi apagar a luz e ver apenas sua
silhueta no crepúsculo do quarto, deitada sobre a cama me esperando. Acabamos tendo
relações naquela noite. Por não estar acostumado aquilo, quando tinha chance de
penetrar, meu pênis não ficava erato como eu imaginava que ficaria. O nervosismo de ter
outra pessoa me vendo nu tentando ter relação comigo destruía minha libido visto que
estava acostumado a obter prazer sexual apenas me masturbando e usando a
imaginação. Era esquisito não precisar mais visualizar cenas quentes para ter orgasmo.
Assim como eu, ela tinha pavor em ser penetrada. Não se sentia a vontade e nas vezes
em que tentamos escondidos forçar algum tipo de penetração vaginal, sentia muita dor.
Deixei claro a ela que não tinha pressa e que não precisávamos necessariamente ter
penetração para fazer sexo. Estava de boa com o fato de nos relacionarmos da forma
como fazíamos antes. Também não estava a vontade para isso e poderíamos esperar o
tempo necessário já que tínhamos muitos dias juntos pela frente. Conversar abertamente
sobre isso foi crucial na saúde da nossa relação e percebemos o quanto é difícil ter sexo
na primeira vez, pelo menos para nós era difícil. Demoraria 2 semanas para ela conseguir
ser penetrada sem dor, e eu, seis meses para conseguir ter meu primeiro orgasmo dentro
dela. Hoje em dia, mesmo nosso sexo sendo maravilhoso, ainda há muito o que descobrir.
Percebo que nem sempre ficamos a vontade um com o outro, principalmente da minha
parte. Karolaine tem seu próprio jeito de demonstrar excitação. Ela gosta de falar,
conversar coisas quentes durante o ato. Eu pelo contrário, não consigo fazer duas coisas
ao mesmo tempo. Ou eu fico quieto e me concentro no sexo ou paro para falar. É difícil
para mim transar enquanto raciocino o que ela está falando ao mesmo tempo que para
ela é difícil ficar em condições de ser penetrada quanto não esta totalmente acostumada
comigo. Nada que o tempo e paciência não resolvesse. Se fôssemos depender de sexo
para ter um relacionamento a distância saudável e respeitoso, estaríamos perdidos. O
que nos uniu transcende os desejos físicos. Vai muito mais nas questões de afinidade e
mentalidade. Sexo é treino e bastaria tempo para nos tornarmos profissionais em dar
prazer físico um para o outro. Da conchinha, abracei-a envolvendo sua cintura com meu
braço enquanto trazia seu corpo para perto do meu. É maravilhoso a sensação de ter uma
outra pessoa debaixo da coberta com você. O cheiro diferente de sua pele, a textura dos
seus cabelos encostando no meu pescoço, o ritmo frenético da sua respiração e a energia
específica que transpassava a minha. O sem relaxante do ventilador e a sensação
confortante de não estar quebrando nenhuma regra. Grande bobagem, mas devido a
minha criação, era uma preocupação constante nos nossos dias de namoro.
Os dias dali em diante foram perfeitos. Era a oportunidade de nos avaliarmos como
casal. É fácil não precisar olhar para a cara do outro todos os dias, diferente de ter a
mesma pessoa ao seu lado sempre. Por mais que os dias passassem e nos
acostumávamos ainda mais com o outro, não tivemos uma briga sequer. Pelo contrário,
ficávamos cada vez mais unidos e apaixonados. Dormir com ela virou um vício e a transa
da manhã uma rotina indispensável. É incrível como recém casados transam como se
fosse a última vez de suas vidas. Estávamos nos descobrindo e quanto mais nos
acostumávamos com nossos corpos, mais excitante ficava nossa relação. Ficando mais a
vontade, nossa imaginação tomava forma revelando fetiches que antes só guardávamos
para nós mesmos. Conforme fui me acostumando com Karolaine, senti-me a vontade
para compartilhar minhas fantasias de solteiro assim como ela compartilhava seus
desejos comigo. Aos poucos fomos praticando essas histórias e ainda hoje buscamos
desenvolver esse lado mais criativo no sexo. Sinto que ainda há coisas a serem postas
em ação e trabalhamos arduamente para manutenir as áreas afetivas de nossa união.
Amar alguém dá trabalho. Não é fácil, mas vale a pena quando os dois querem de
verdade fazer dar certo. É prazeroso pois poderá contar com uma pessoa que estará ao
seu lado todos os dias, nos momentos bons e nos difíceis intensificando ainda mais a
força que os uni a cada dificuldade superada.
Apesar dos dias até então terem sido um mar de rosas, não posso afirmar que
viramos as férias sem passar por nenhum desentendimento sequer. No dia da virada de
ano, meus ciúmes por Karolaine se manifestaram mais uma vez assim como seu
egocentrismo. Em clima de festa, as mulheres costumam se vestir como se fossem para
um evento de luxo, apenas para olharem fogos na praia. Naquele ano não seria diferente
e, tendo minha irmã como maquiadora da noite, sabia que Karolaine ficaria deslumbrante
depois de uma sessão com minha mana. Ao sair do quarto, achei que estava vendo um
desfile da Vitória Secret na minha própria casa. Ela parecia um anjo! A maquiagem
realçou seus traços mais elegantes e destacou pontos de sua afeição que antes eu nem
percebia que existiam. Minha reação não podia ser diferente. Aquele momento de festa
me fez desejar Karolaine ainda mais ao meu lado. Ao prolongar das horas, com a virada
de ano próxima de nós, decidimos ir a praia. Ela estava usando um salto até então
exagerado para as circunstâncias. Certamente aquilo poderia machucar seu pé tendo em
vista que as calçadas não eram tão lineares como deveriam e, levando em contra que
íamos a pé, que íamos caminhar até lá, recomendei-a que fosse de sandália. Eu tive a
intenção de ajudá-la a ter mais conforto, pois em todas as viradas de ano que tinha
passado naquela cidade, não me recordava de ver garotas com salto alto. Na minha
cabeça ela seria a única a usar aquele tamanho exagerado tornando-se o centro das
atenções e me dando muita dor de cabeça. Não sei se todas as pessoas são assim, mas
venho aprendido ao longo dos anos que minha imaginação tem o talento de me sabotar
em situações como essa, distorcendo a realidade com fantasias e influenciando minhas
decisões. O fato de eu não querer que Karolaine usasse aquele salto era para manter os
olhares masculinos nos fogos e não nela. Sua altura incomum de 1,75m já chamava a
atenção e com o salto que estava usando junto da roupa certamente pararia a rua.
Detestava a possibilidade de encarar outros caras “sugando” minha namorada de cima a
baixo e inconscientemente evitava circunstâncias que poderiam materializar esse medo.
Voltei-me para junto dela como forma de acompanhar sua caminhada sem parecer
grudento e nem distante. Só queria mantê-la protegida e enfatizar de que ela tinha um
“dono”(Só modo de dizer tá. Ninguém é dono de ninguém!). A praia estava lotada e não
demorou muito para começar a nos esbarrar nas pessoas que tentava encontrar um
lugarzinho no “formigueiro”. Aguardávamos ansiosamente para o o show de fogos.
Já era quase meia noite e ainda virávamos as caras um do outro fazendo de tudo
para evitar contato visual. Meus pais até então não tinham a menor noção de que
havíamos nos desentendido, mas para não estragar a noite deles decidimos manter a
compostura diante do evento. As fotos ficaram horríveis e já não sabíamos mais o que
fazer para disfarçar nossa irritação.
Naquele ponto, já desistimos de convencer que estava tudo bem e com o início das
explosões, só pensava na atitude infantil de Karolaine. Apesar do clima festivo,
simplesmente foram fogos sem significado. A noite havia sido estragada por nós dois.
Ótimo começo de ano…
Chegando em casa, Karolaine foi direto para o outro quarto tirar os sapatos e se
preparar para o banho. Pude perceber que não adiantaria esperar um pedido de
desculpas da parte dela naquela noite. Não funcionaria! Ou eu tomava uma atitude
imediata ou iríamos quebrar a regra que colocamos no nosso relacionamento, a regra de
jamais, em hipótese alguma, dormir brigados. Sentia que era impossível para ela ceder
seus erros já que foi criada a não arredar para preservar seu ego. Convencido de que
bastava a mim salvar a noite, decidi chamá-la para conversar. Disse que fiquei magoado a
forma como me tratou. Rapidamente retrucou dizendo que a culpa foi minha. Sentiu-se
pressionada ao desaprovar seus saltos. Deixei claro a ela que não desaprovara nada,
apenas aconselhei mas não pude convencê-la. Decidi não comentar que senti um pouco
de ciúmes já que havíamos conversado várias vezes sobre meu problema. Era minha
responsabilidade resolver esse defeito em mim mesmo. Lembrei do mais forte traço de
Karolaine. Apesar de ser uma mulher racional e analítica, no fundo, era hipersensível e se
magoava com muita facilidade. Ela não estava baseada na razão no momento que falei
com ela e sim como uma mulher que se arruma para ficar linda e receber elogios. Nessa
noite aprendi uma lição. Não importa o que aconteça, diga que ela está linda. Não estou
dizendo aqui que é para mentir, mas sim dizer envolvido com sensibilidade e muito
carinho. As palavras devem ser as mais dóceis possíveis e sem bajulação. Eu poderia ter
transmitido a mesma mensagem com palavras mais doces o que certamente faria a
diferença.
Apesar de termos nos entendido naquela noite., Karolaine ainda estava magoada
comigo. Por ser uma noite tão esperada, ela criara muita expectativa mesmo que de
forma inconsciente. Quebrar suas visualizações impactou na sua noite de sono ao meu
lado e acabamos dormindo apenas com um beijo simples de boa noite. Não havia mais
nada que eu pudesse fazer e a solução final foi respeitar seu estado e dar o espaço que
ela precisasse. Mesmo insatisfeito pela energia que nos envolvia, consegui dormir. As
coisas seriam melhores no dia seguinte.
Ao nascer do sol, fui o primeiro a acordar e logo envolvi-a com carícias até que
acordasse. Ainda me olhava com uma cara séria mas demonstrava um leve desejo de
acabar com aquele rancor. Não estava com vontade de ficar zangada, mas seu ego
exacerbado e forte não a deixava ceder. É como se fosse uma questão de honra para ela
manter-se erguida diante de suas convicções ao ponto de fazer eu me sentir mal pelo
maior tempo possível. Queria ficar magoada e não fazia sentido algum para seu ego ficar
de bem comigo, mesmo um dia depois de um desentendimento. Eu dava razão a ela.
Antes de dormir, acabei refletindo em quais palavras poderia ter usado que fariam
diferença no resultado dessa trama. Já que ela estava mais calma, decidi usar meu bom
senso de humor e sinceridade para passar o que realmente aconteceu naquela noite de
forma mais clara, ao ponto de que ela pudesse entender verdadeiramente o que eu quis
dizer. Minha forma teatral de explicar as coisas a fazia rir em alguns momentos,
quebrando aquele clima de tensão. Em alguns minutos, ela não podia conter as risadas
da palhaçada que fazia diante dos seus olhos. Não dava para resistir, seu ego só pode
ser quebrado com descontração e alegria e era a forma mais dolorida de fazer isso
(risos). No final das contas, ela acabou me abraçando e eu finalmente pude sentir sua
áurea de perdão ressoando pelo meu corpo. Nosso dia foi maravilhoso dali em diante.
Lá estava eu, junto com diversos garotos da minha idade entrando pelos portões
daquela aclamada instituição. Estava preparado para começar a usar minhas máscaras e
a “guardar” minha alma no fundo do meu guarda-roupa. Os dias que se seguiriam a partir
daquele momento era de um aluno ainda mais cobrado e exigido pelos seus superiores.
Sim senhor e não senhor! Só isso fazia parte do meu vocabulário a partir daquele
momento. Ao entrar pelo portão principal, aguardava na longa fila de identificação para
dar ciência da minha chegada a escola. Vários instrutores estavam sentados em um
banco na quadra principal de vólei. Lá vem eu chegando com uma mala sendo trazida
pelas rodinhas. O instrutor de Cavalaria prontamente gritou ao longe: “Oh aluno, você
acha que está aonde seu pela saco? Você estar no Exército Brasileiro e não em uma
faculdade paisana!”
Rapidamente levantei minha mala pesada e fui correndo em sua direção para “explicar” o
ocorrido. Já cheguei entrando em posição de flexão para “pagar” pelo meu erro.
O objetivo desse livro não é me aprofundar nos métodos de treinamento físico e
mental que a instituição usa para treinar seus futuros sargentos mas sim contar o que
Karolaine eu passamos para ficar juntos. O que você, leitor, precisa saber é que
honestamente, do fundo da minha alma, foi muito difícil para mim! Só existia.
Após aquele choque inicial e os dias de adaptação, começamos nosso curso de
especialização.
Tenho certeza que essa foi uma fase extremamente complicada para todas as
pessoas do mundo. Não só tivemos que nos isolar do exterior, como várias famílias
perderam seus entes queridos para essa virose que nos pegou de surpresa. Era
inacreditável observar tantas mortes diárias por um agente que se manifestava de forma
silenciosa, sem violência, mas que tirava a vida de milhares de pessoas todos os dias.
Apesar de não perder nenhum parente muito próximo para essa pandemia, senti na pele
os efeitos do isolamento social. Já estava longe dos meus parentes próximos vivendo um
momento de grandes desafios psicológicos e físicos com a pandemia, e as ações que ela
nos levou a tomar, deixou meu estado mental e emocional ainda mais abatido. Tudo o que
um aluno quer após uma semana cansativa de treinamento militar, é ter, pelo menos, um
dia para descansar, para dormir. Dormir muito e sair a rua, “esfriar a cabeça” e esquecer
que é militar por algumas horas. Com a chegada do COVID, nos tiraram até isso… Nosso
único refrigério. A primeiro momento foi uma revolta sem precedentes. Ninguém aceitava
a ideia de ficar no quartel durante o final de semana. A vida militar era difícil em meio a
diversas escalas de serviço. Acordávamos todos os dias às 05:00 da manhã e só íamos
dormir as 22:00. Queríamos pelo menos ter um tempo para esquecer mas, infelizmente,
até isso nos tiraram. O que já era ruim ficou ainda pior quando o comando decidiu
aproveitar nossa prisão domiciliar para adiantar as matérias do corpo de alunos.
Traduzindo, teríamos expediente no sábado e Domingo, ou seja, internato de 24 horas por
dia durante sete dias por semana. Sinceramente, me vendo hoje aqui, sentado nessa
mesa escrevendo para vocês, não consigo acreditar como sobrevivi a tantas provações,
mesmo tendo custado caro no quesito de saúde. Não foi fácil digerir tantas controvérsias
e quebra de expectativas uma atrás da outra. Estávamos próximos a um licenciamento de
10 dias que, para nossa tristeza, foi cancelado. Fiquei sem chão! Não só por saber que
passaria meus finais de semana ali, mas também por saber que não conseguiria voltar
para casa se escolhesse desistir de tudo. Não me deixariam ir embora por motivos
sanitários. Não tinha nem ônibus para me levar em casa… Que inferno! Engoli toda minha
tristeza e passei apenas a existi, respirar e viver de forma primitiva emocionalmente
falando. Ainda estava ali, em pé enxergando os acontecimentos a minha volta e isso era
tudo que me restava. Dou graças a Deus por não ter ficado sem internet, pois aí sim ia
doer de verdade. Como falaria com Karolaine? Poderia ter sido bem pior.
Sem previsão de retorno, ou da próxima data que poderíamos voltar as ruas, nossa
rotina começou a piorar. Não aliviaram nossa pelo só por que estávamos sem final de
semana. Pelo contrário, mantiveram a pressão em cima dos alunos e deixaram as coisas
ainda piores quando chegava na sexta-feira. Sabíamos que no dia seguinte começaria
tudo de novo. Não posso dizer como esses acontecimentos abalaram o psicológico dos
meus camaradas, mas posso dizer, por mim, que foi muito difícil… Sinceramente falando,
não desejo que ninguém do mundo sinta as emoções depressivas que me passavam
naquele momento, mesmo que seja para o pior tipo de pessoa. Tenebrosos e constantes,
esvaziavam minha alegria de viver.
Em meio a toda crise, as circunstâncias não pareciam melhorar e as previsões não
eram nadas animadoras. Cada dia que passava, mais víamos como as medidas restritivas
aumentavam no mundo e como isso refletia na nossa escola. O Exército haje com muita
responsabilidade no quesito de imagem social e faz jus ao seu nome. Não daria certo
liberar um monte de alunos desesperados por mulheres, bebidas e um momento de
fôlego em uma cidade pequena sem muitos atrativos. Passaram-se semanas e, dia após
dia, mas degradado ficavam nossos corpos físicos e mentais. Aquilo parecia não ter fim e
sem previsão de retorno, o que só tornava a ansiedade e estresse ainda maiores. Houve
momentos em que, já não aguentando mais viver enfurnados uns com os outros no
alojamento, brigas começaram a acontecer. Eu não iria me surpreender se alguém
perdesse a cabeça e matasse algum camarada ali dentro. Merdas poderiam acontecer.
Já passavam três meses e nada do COVID acabar. Eu só estava pela minha morte
ali dentro, visto o tanto de pensamentos suicidas e desesperançosos que ocupavam a
minha mente. Tinha medo de ficar reclamando, de permitir que tanta negatividade
tomasse conta de mim. Karolaine, como medida de tentar me aliviar, sempre me
incentivava a ver o lado bom das coisas. Nunca fui de reclamar, porém, naquela situação,
literalmente não tinha como ser grato. Eu não tinha vida pois era o dia todo vendo homens
fardados, gritaria e estresse para onde quer que olhasse. Por isso enfatizo que sou grato
pela internet não ter entrado em colapso durante aquele período, pois a única coisa que
me mantinha de cabeça erguida era poder conversar com Karolaine no final do dia antes
de dormir. Eu voltaria para ela , formado, e poderíamos finalmente viver nossa tão
sonhada vida a dois. Poderia dormir com ela todos os dias e namorar a vontade.
Recuperaria o tempo perdido de contato físico que não tivemos em nosso namoro a
distância e tudo aquilo teria valido a pena. De fato valeu! Hoje durmo com ela todos os
dias quando não estou de serviço. Ta sendo uma fase ótima mas, como doto antes, foi um
preço caro a se pagar. Mais adiante me aprofundarei nos efeitos colaterais do estresse
continuo, mas por enquanto continuarei recitando as causas.
Já no final do mês, não havíamos recebido nenhuma notícia animadora nas últimas
semanas e, vendo como o vírus se propagava rapidamente no mundo, e, mais e mais
pessoas morriam todos os dias, fazia nos pensar que a pandemia só iria piorar cada vez
mais. Acredito que uma força maior intercede por nós em momentos assim. Li uma vez na
bíblia que Deus não permite que nada nos aconteça se não pudermos suportar. Apesar
de atualmente não seguir nenhuma religião, acredito nessas verdades, pois vejo que não
conseguiria sobreviver mais tempo se não fosse minha fé em algo superior. Só esperava
a morte, que poderia vim de qualquer forma ou mesmo pelo COVID, já que meu sistema
imunológico estava baixíssimo. Cheguei a pegar resfriados durante esse período para não
dizer outra coisa, porém, ficava na minha para não ser isolado e proibido de sair daquele
lugar, caso surgisse alguma notícia boa. Em meio a toda aquela dolorosa rotina, com meu
corpo reagindo aos estímulos no piloto automático, minha alma despertou ferozmente
quando ouvi de longe, sobre a possibilidade de licenciamento naquele mês. Havia boatos
de que, por termos adiantado bastante as disciplinas obrigatórias do curso, o Comandante
poderia conceder o licenciamento com uma semana a mais de folga. A liberação prevista
durante a situação normal era que haveria duas semanas de licenciamento em Julho
começando a partir do dia dez, porém, com o COVID, preferi não alimentar falsas
esperanças que, com certeza, aumentariam a minha dor caso não se realizassem. Passei
a ficar viciado em ser pessimista e xingava comigo mesmo a maior parte do tempo
reclamando de tudo o que acontecia e por que me permitira ficar naquela situação. Por
um momento, pude perceber que a vida só vale a pena quando você vive por você em
primeiro lugar. Naquele estado psicológico, Karolaine Ratunde passou a ser secundária
na minha vida forçando a interiorizar-me. Desde que a conheci, ela era a única que
preenchia meus pensamentos durante vinte e quatro horas ininterruptos. Me preocupava
mais com os sentimentos dela do que com os meus. Na verdade, nem tinha sentimentos
próprios, pois todos eles estavam voltados a ela. Pela primeira vez, xinguei meus pais,
avós e todos aqueles que me davam opinião sobre como deveria viver minha vida., já que
não tinha mais nada a perder. Pude perceber que durante toda a minha vida até aquele
momento, noventa por cento das minhas decisões eram baseadas em opiniões alheias e
não no que eu realmente queria. Fui criado a deixar as pessoas me influenciarem todas
as vezes e estava novamente sofrendo por consequência, principalmente por familiares
próximos. Eu não sabia o que gostaria de fazer profissionalmente no momento que
conheci Karolaine Ratunde, mas sabia que precisava de dinheiro. Só queria um emprego
e, por ter crescido com militares, peguei o mais “fácil”, mas tinha certeza absoluta que não
era o tipo de profissão em que iria me manter mais que o necessário. Iria me formar ,
conquistaria meu diploma e não jogaria no lixo um ano da minha vida. Também decidi que
nunca mais, ninguém ao redor de mim, influenciaria minhas escolhas. A partir daquele
momento, confiaria mais na minha intuição. Meus pais, avós… nem mesmo Karolaine me
atingiriam emocionalmente defendendo suas opiniões. Foi como sentir um abraço de mim
mesmo acolhendo meu espírito inquieto e triste. “Tudo bem eu ser daquele jeito, não tem
problema, não me julgaria mais por minhas decisões individuais enquanto o mundo me
julgasse. Por mais burras e irracionais que pudessem ser, pelo menos seriam decisões
minhas e somente minhas. Eu terminaria aquele curso e estudaria coisas que realmente
me interessavam. Ainda não sabia o que, mas sabia que nunca mais me dedicaria a algo
que não quisesse de verdade. Nunca mais!
Com os boatos que se seguiram durante a semana sobre uma possível liberação,
decidi tratar apenas como boatos em vez de me iludir com esperanças. Finalmente,
depois de esquecer aquilo, fomos pegos de surpresa com uma formatura inopinada feita
pelo comandante. Todos ficaram surpresos já que não foi planejado em nosso Quadro de
Tarefas Semanais. Mais boatos surgiram de que aquilo era fruto de uma possível
liberação.
Após toda a escola entrar em forma no campo de futebol, aguardávamos a
chegada do General que queria, urgentemente, falar com seus alunos. Poderia ser algo
ruim, ou um aviso sem importância pois sempre pode piorar. Pelo menos para mim. Após
alguns minutos a espera, finalmente o comandante chegou com uma face tensa. Normal!
Provavelmente mais uma má notícia. Parecia a mesma cara de sempre, exceto ela leve
empolgação presa na cara daquele sério e destemido General. Poderia ser a nossa
chance de ouvir algo bom depois de quatro meses de internato. Ao sussurro no
microfone, finalmente abriu a voz surpreendendo a todos os presentes. A informação era
de que o Departamento de Ensino da força havia autorizado a nossa liberação. Um
licenciamento de três semanas onde poderíamos sair da cidade e voltar para casa.
Parecia mentira., visto que as últimas notícias não foram nada animadoras. Fiquei com
medo de ser induzido a alimentar qualquer expectativa. Só podia ficar em cima do muro.
Alguns ônibus já tinham sido liberados para viagens interestaduais naquela semana com
diminuição da frota. Poderia, talvez, ser uma notícia verdadeira? Eu não sabia o que
pensar… Mas aí ele continuou com suas explicações bem elaboradas que tinham
fundamento. Eles tomariam esforços para nos liberar o mais rápido possível para que não
tivéssemos consequências piores. Os alunos estavam muito estressados, estavam loucos
e, cedo ou tarde, caso nada fosse mudado, alguém poderia morrer naquela escola de
brigas violentas. Eu evitava ficar por perto quando o clima no alojamento esquentava pois
meu objetivo era sair dali vivo para Karolaine, de preferência formado e, caso me metesse
em alguma briga, com certeza seria expulso. Ele ficou um bom tempo nos dando
explicações em por que acreditar naquela notícia. Insistiu para que fôssemos prudentes e
que nosso itinerário fosse direto para casa; que evitássemos sair a rua para não correr o
risco de pegar a doença e ser mandado embora. Com a seriedade com que nos pedia,
pude sentir uma chama de alegria contaminando meu sangue novamente. Ter a
possibilidade de ver Karolaine e meus familiares assim, tão inesperadamente, foi uma
“injeção” de vitalidade naquela inércia espiritual em que estava. Julho estava muito perto
e bastaria menos de duas semanas para o dia dez. Todo mundo ficou animado. O
alojamento foi tomado por vandalismo de entusiasmo. Foi a única bagunça que não me
incomodou nos tempos de escola. Ninguém dormiu naquela noite de tanta alegria e eu
nem fazia questão, pois estava extasiado de bons sentimentos vibrando em meu peito
novamente.
QUASE PENSEI EM DESISTIR
Finalmente chegou o grande dia. Eu mal podia acreditar que aquela seria minha
última noite na escola e que finalmente iria para casa por nunca mais voltar. Pensar que
não veria aquela escola se dependesse de mim. Não era atoa que estava tão animado
mesmo escondendo minha animação pelo meu jeito reservado. Era bom demais pois já
tinha visto meus familiares no dia anterior e apenas iria embora com eles. O palanque que
receberia todos os convidados já estavam montados. O treinamento de três semanas
para o desfile parecia ter valido a pena e todos se sentiam prontos para mostrar o quão
forte éramos. Não podia reclamar do uniforme que usaria. Estava me sentindo naqueles
filmes de guerra e ter chegado em 12 de dezembro vivo e formado como prometi foi como
voltar para casa depois de enfrentar a morte. Eu mal podia acreditar que realmente tinha
conseguido chegar até o final. Foi a primeira vez na vida que consegui conquistar algo
meu, que fui até o final em algum desafio que comprometera. Essa foi a diferença que
Karolaine fez na minha vida. Despertou em mim emoções de guerreiro, de ir a luta e
vencer, causando mudanças significativas nas minhas crenças e do que eu seria capaz
dali em diante. É incrível como nossas emoções fazem diferença no nosso organismo
pois, mesmo esgotado, me sentia revigorado por dentro, feliz e animado. Não levantei da
cama com aquele peso que suportei durante quase dois anos e sim como se estivesse
finalmente acordado de um longo sonho.
Ao sair para o café da manhã, podia ver as ruas da escola fechadas, os
estacionamentos aos visitantes separados e as viaturas militares enfeitando a cerimônia.
O ar estava leve e o céu completamente limpo. A brisa refrescante da manhã fluía através
de nossos corpos secando nosso suor. Já no rancho, fomos recebidos com um delicioso
café da manhã. Bem diferenciado do que estávamos acostumados a comer nos dias
normais. Deveríamos comer em vinte minutos pois havia muitas coisas a se preparar.
Primeiramente haveria dois desfiles. O primeiro com um uniforme histórico, um pouco
mais simples, onde entregaríamos nosso sabre de aluno como representação do término
da vida naquela instituição. A segunda e última formatura seria o tão almejado diploma.,
onde oficializaríamos nossa formação e seríamos distribuídos a diversos lugares do
Brasil. Eu e Karolaine começaríamos nossa vida a dois na cidade de Porto Alegre RS.
Já com o uniforme histórico, faltando menos de uma hora para o início da
cerimônia, fui receber meus familiares na escola. Meu coração acelerava cada vez mais
enquanto caminhava rumo ao portão principal. Ao chegar lá, me deparei com uma
multidão que entravam através de uma única fila. Lá estava ela, linda, muito linda mesmo!
Usando um vestido cumprido azul repleto de flores coloridas, sua maquiagem era de uma
beleza que jamais tinha visto antes. Karolaine não era de usar nada no rosto e muito
menos esbanjava produtos quando saia. Era bem diferente das outras garotas nesse
sentido. Se as outras meninas nem tão bonitas assim ficavam gatas ao esbanjar na
maquiagem, imagine Karolaine. Ela já era linda por natureza mas não tinha intimidade na
maquiagem. Minha irmã fez todo o trabalho para ela fazendo uma make bem elaborada.
O resultado foi incrível tanto no seu rosto como na minha pressão arterial. Eu não
conseguia me soltar por mais que tentasse então fiquei parecendo um robô na frente dela.
Não sabia o que diria e nem tive a iniciativa de abraçá-la na frente de tanta gente. Estava
muito tímido, muito nervoso. Normal.
Ao receber meus familiares, orientei para que ficassem na parte sul do palanque
pois conseguiriam me ver melhor. Estava na primeira fileira, bem a amostra de todos. Era
muita gente bonita o que não era comum ver naquela instituição. Apesar de um clima
alegre e descontraído, eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser voltar para o
estado do Espírito Santo. Por mais bonito e tranquilo que fosse a cerimônia, não
conseguia relaxar e curtir o momento como os outros da minha turma faziam.
Conforme as horas se passavam, fomos para nossas posições no desfile. Ao toque
da corneta, lá estávamos nós. A turma de daquele ano entrando no pátio de formatura,
rachando o chão e cantando hinos patriotas o mais alto possível. Era de arrepiar a
arquibancada que revidava com gritos de empolgação e admiração.
Ao terminar o primeiro desfile, faltaria apenas mais um para poder dizer adeus.
Voltamos para o alojamento enquanto os familiares se mantiveram no palanque por mais
uma hora. Nosso objetivo era voltar, tomar um banho rápido e trocar de uniforme de forma
que estivéssemos prontos vinte minutos antes. Troquei de roupa e fui rapidamente ao
encontro dos meus pais. Tivemos esse tempo para tirar fotos antes de iniciar a formatura.
Foi a segunda vez que abracei Karolaine, minha irmã e meus pais que não conseguiam
conter a satisfação em me ver com aquele uniforme. Mais ainda minha avó que foi a que
mais desejava me ver daquele jeito.
Iniciamos a formatura mais uma vez, porém essa seria mais prolongada e teríamos
que fazer o juramento perante a força. Sucedemos com um lindo desfile e após isso,
saímos pelos portões como símbolo de nossa saída definitiva da Escola. Após a
formatura, era pegar minhas coisas restantes no armário do alojamento e ir embora. Não
demorei mais do que dez minutos e estava autorizado a sair dali com meu diploma e
emprego garantido. Só queria dormir, comer e namorar.
Seguimos para a casa alugada onde minha família e eu nos prepararíamos para o
retorno. Só voltaria a trabalhar em 14 de fevereiro de 2021. Um bom tempo para me
recuperar. Mesmo com as lembranças ruins, estava orgulhoso por ver a satisfação no
rosto de meus familiares. Devo admitir que é bom agradar os outros desde que esteja de
acordo com os seus valores de alma. A vida me daria o ultimato final para que mudasse
minha conduta o mais rápido possível.
Todos que chegaram até aqui podem estar achando que após minha formatura
seria apenas curtir a vida a dois e que seríamos felizes para sempre. Acontece que não
foi bem assim que se sucedeu os acontecimentos. Mesmo estando ciente de que não
precisaria voltar mais para a escola, de que seria um sargento e me tratariam como um
profissional (teoricamente), ficar todo aquele tempo em internato, passando pelas
dificuldades que passara durante dois anos, acabou trazendo prejuízos psicológicos a
minha consciência. O fato é que eu negava isso a cada instante e só parei para dar
atenção no limite da minha sanidade. A princípio, voltar a trabalhar ainda era desafiador
pois, mesmo estando em um ambiente profissional depois de formado, ainda eram
militares vestindo a mesma farda verde-oliva. O nosso subconsciente funciona de formas
misteriosas e associa coisas simples a sentimentos profundos, sejam eles bons ou ruins.
Ficar tanto tempo sofrendo na mão e na vontade de instrutores prejudicaram gravemente
meu senso do que era realidade e fantasia. Ver meus colegas de trabalho vestindo aquela
roupa trazia em mim sentimentos de amargura e impotência. Era como se poderia ser
humilhado a qualquer momento e que qualquer um daqueles militares poderiam me fazer
mal. Vestir-me com aquela farda tornou-se pertubador e me controlava para manter a
compostura diante da repulsa dentro de mim. Achei que, com o tempo, migraria de uma
perspectiva para a outra. Era só ter paciência e manter-me firme até que esse momento
chegasse. Os fatos que se sucederam a partir dali não colaboraram com o meu plano.
Como todo sargento recém formado, logo fui posto na equipe de instrução onde teria de
fazer o mesmo que fizeram comigo nos tempos de aluno. Algo desafiador para minha
personalidade que era quieta e introvertida. Não era bom me envolver com pessoas
desconhecidas e tratá-las mal era pior ainda. Tornou-se desafiador ver todos aqueles
rostos olhando para mim, esperando que eu passasse algo de bom. Todo o sargento deve
transmitir aos seus subordinados o espírito de liderança , confiança e verdade. Como eu
faria aquilo se tudo o que sentia era medo e desconforto? Apesar das dificuldades, faria a
mesma coisa que fizera a anos atrás. Manter-me-ia firme! Pelo menos no final do dia
estaria com Karolaine, um sonho que lutei por quatro anos.
Depois de auxiliar na instrução de fuzil, achei que poderia continuar disfarçando
minhas dificuldades internas mas a vida, felizmente, me deu o seu julgamento para que
eu mudasse o tratamento com meu “Eu interno”. O comandante da minha organização
militar determinou que todos os instrutores que estivessem envolvidos com os recrutas
daquele ano deveriam ficar de segunda a segunda, das 06:00 as 22:00 em internato
contínuo durante um mês, incluindo a escala de serviço. Foi o ápice para mim. Ao saber
da notícia, que na minha cabeça não fazia o menor sentido, pude finalmente perceber que
estava praticamente me escravizando. A princípio, a neutralidade na cara parecia diante
dos olhos alheios estar calmo e tranquilo, mas a farsa não durou mais que algumas horas.
Estava de serviço no dia seguinte e ao passar para o próximo da escala, estava exausto.
Ao contrário do que acontecia com outros militares, ao sair do serviço, deveria continuar
trabalhando até as 22:00 para só então ter o direito de retornar para casa. Trabalharia
novamente no dia seguinte. A questão é que, quando tiramos serviços, perdemos duas
horas de nosso sono a noite restando-nos apenas de quatro a cinco horas. O que mais
me abateu não foi nem o cansaço em si mas a razão que levou nosso comandante a nos
tratar com tamanho desdenho. Ele simplesmente não tinha motivos! Era por puro capricho
de ter nas mãos o poder de tratar-nos como objetos e, por mais que tentasse, meu
espírito não engolia aquilo. Pronto! Começou o conflito interno comigo mesmo. Esse foi o
limite! Limite esse que até então não sabia onde era e hoje, graças a Deus, eu sei.
Desesperado, sofrendo internamente sem saber o que fazer, acabei me trancando no
banheiro do quartel para me isolar de tudo aquilo. Eu só queria fugir, só queria uma saída
para meu problema, mas não encontrava pois a saída para mim tinha que ser a mais
racional possível, sem causar danos ou críticas. Principalmente críticas! Como um
sargento recém formado na “Espartana” pode ficar naquele estado, amedrontado e
confuso? Mais uma vez meu ego se confrontando com meu espírito rebelde e livre. Era a
batalha final que decidiria quem seria o vencedor da minha guerra interna. Não percebi
mas já tinha se passado quatro horas em que estava sentado naquele vazo trancado no
banheiro. Certamente meus camaradas já estavam querendo saber onde eu me
encontrava. O que eu ira fazer? Não conseguia sair! Estava paralisado pelo meu próprio
corpo, ou melhor, pelo meu espírito que mostrou de vez a sua força. Sua voz era simples
e direta e me dizia exatamente o que eu deveria fazer naquelas alturas, porém meu ego
lutava ferozmente para ir contra essa ideia maluca e irracional que meu eu interior
pregava. Porém, era só questão de tempo para que meu espírito mostrasse sua voz
ignorando toda a razão do meu forte ego. Como em um transe, impulsionado por uma
força descomunal e intolerável, levantei-me do vazo e destranquei a porta em puro
silêncio. Fui direto para o alojamento revoltado e com muito ódio da situação. Não era
meu ego que tinha tomado as rédias e sim meu espírito, selvagem e puro. Meu corpo
estava quente com uma vitalidade antes despercebida e meu olhar penetrante com a
coragem de menino que não via a muitos anos. Aquele era meu verdadeiro eu, forte e
empossado tomando o controle do meu corpo para me livrar daquele sofrimento. Troquei
de roupa rapidamente e, com muita coragem, fui para casa descumprindo diretamente a
ordem do comando. A essas alturas meu ego esperneava e chorava por ter sido tirado a
força do controle. Ao tomar aquela atitude, mesmo conhecendo as consequências, foi
libertador. Eu me senti tão bem mas tão bem e livre que caí em estase. Meus olhos
pareciam se abrir depois de um longo tempo e as cores ao meu redor se tornaram vivas e
brilhantes de novo. Enxerguei vida em tudo, nas pessoas, nos animas que passavam por
mim e nas matas ao redor da rua. Mas de todas as vitalidades que tinha visto até então,
sentir o ritmo da minha respiração foi a melhor delas. Estava vivo de novo e isso bastava.
Estava aliviado.
Ao chegar em casa, Karolaine não entendeu o motivo de ter voltado naquele
horário visto que dissera a ela que só voltaria as 22:00. Tivemos uma longa conversa
onde declarei minha real intenção de abandonar meu emprego. Minas palavras eram tão
fortes e firmes que ela não conseguiu dizer nada ao contrário. Eu não lembro exatamente
o que disse para ela, mas foi o suficiente para convencê-la. Meu espírito falou por mim e o
plano de abandono estava montado, tanto por mim quanto por ela. Naquele final de
semana pude descansar depois de planejar minha demissão na segunda feira.
No começo da semana, segui para o quartel me sentindo completamente diferente
do que sentia antes da minha decisão. Estava leve e sem medo. Cumprimentei os
soldados da recepção e segui para o alojamento começar meu dia de trabalho. Estava de
serviço sem saber. Não importava mais, eu me desligaria da instituição recém formado e
pagaria uma dívida de mais de noventa mil reais. Isso é real! Como o período de
formação contou com o tempo de dois anos, a união gastou milhares de reais investindo
em nós para que retribuíssemos depois de formado por no mínimo três anos. Eles não
estão errados nisso, mas o meu desespero por causa do internato foi tão grande que
decidi ignorar a razão para me livrar daquele sentimento. Falei imediatamente com meu
comandante imediato de compania do meu interesse me desligar-me. Ele não acreditava
no que eu falava mas podia sentir a convicção nas minhas palavras. Percebendo que
estava realmente decido mesmo diante da enorme dívida que teria de pagar, deu
continuidade ao meu desligamento ou, pelo menos, foi o que pensei no momento.
Depois disso, estava feliz de ter seguido, pela primeira vez, meu coração
novamente. Agente cresce, se preocupa, trabalha que acaba esquecendo desse nosso
lado mais intuitivo. Mesmo eu e Karolaine sabendo dos desafios que encontraríamos
depois da minha decisão, tanto financeiras quanto familiares, estávamos bem. Ela me
amava de verdade e deixou claro que, não importasse o que acontecesse, estaria do meu
lado. Sabia que eu era esforçado e daríamos um jeito de sobreviver.
Segui o dia de serviço normalmente.
Enquanto fazia a ronda pelos postos dos sentinelas, fui surpreendido pelo Adjunto
de Comando, uma espécie de subcomandante que representa os praças para o comando.
Com uma voz suave, perguntou como estava. Eu disse que estava bem! Então ele me
perguntou por que estava desistindo da profissão tão cedo assim, por que iria fazer aquilo
mesmo sabendo da dívida. Nesse momento, minhas máscaras caíram novamente,
porém, com mais facilidade do que antes. Estava finalmente voltando a ser eu mesmo
depois de anos e anos. Fui direto, sem rodeios e disse ser impossível para mim suportar
ficar preso em um quartel de domingo a domingo tendo esposa em casa e uma vida civil
para administrar. Ele prontamente concordou comigo dizendo que foi loucura o
comandante ter tomado uma decisão tão radical como aquela. Não contive as lágrimas e
comecei a chorar na frente do meu superior. Algo que meu ego jamais faria. Naquele
ponto, não me importava mais. Não tinha forças para mascarar novamente e me
entreguei por completo naquela conversa. Desabafei tudo o que sentia, tudo o que podia
dizer naquele momento. Em nenhuma ocasião ele foi contra mim ou disse que eu estava
errado, que estava fraquejando ou algo do tipo. Foi o primeiro estímulo positivo que tive
de alguém naquela instituição e isso me fez querer ouví-lo. Ele disse que eu era jovem
demais para estar daquele jeito e que não tinha problema nisso. Que coisas do tipo
acontece com todo mundo e não era vergonhoso. Pelo contrário, eu devia me sentir
orgulhoso em admitir que não estava bem. Ficou orgulhoso por eu ter tomado a coragem
de lhe contar o que estava acontecendo comigo. Depois de uma boa conversa, fui
substituído no serviço e ele pediu para que eu voltasse para casa e esfriasse a cabeça.
Enquanto estava no alojamento, meus camaradas que vieram da escola comigo
me deram todo apoio incentivando-me a não desistir, a pedir ajuda médica e a continuar.
Era para isso que servia os psicólogos militares. A essa altura, meu ego estava chorando
de vergonha e desonra mas eu decidi ouvir meu coração e o conselho dos meus amigos
de turma e assim fiz. No dia seguinte, busquei ajuda psicológica onde, claramente, estava
com problemas sérios. O médico me tratou muito bem e acabei ganhando uma dispensa
de trinta dias para tratamento psicológico e medicamentoso.
Após um mês fazendo tratamento psicológico e tomando medicamento, finalmente
me senti preparado para enfrentar os desafios do dia e assim tem sido até então.
Pretendo para com a medicação daqui um tempo, mas essa experiência tem me gerado
diversos aprendizados, tem me tornado mais humilde e mais forte perante os desafios.
Permitiu que aprendesse na prática a me perdoar com mais frequência e a não exigir
tanto de mim mesmo. Tenho feito muitas amizades, converso com as pessoas
normalmente e tenho uma vida tranquila emocionalmente. Sou grato por ter deixado de
lado meu orgulho e pedido ajuda. Consegui, junto de Karolaine e de muitas outras
pessoas, vencer essa fase difícil.