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Resenha de:

FIORI, José Luís. Prefácio: CONJETURAS E HISTÓRIAS In: História, estratégia e


desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2014.

FIORI, José Luís. Prefácio; Introdução. In: O vôo da coruja. Rio de Janeiro: Record,
2003.

FAUSTO CAFEZEIRO

Ambos os textos têm em comum o objetivo de compreender o funcionamento


sistêmico do capitalismo na produção do desenvolvimento e do subdesenvolvimento. O
primeiro está mais voltado à sistematização de categorias, definições e proposições que
elucidem a produção simultânea de riqueza, poder e hegemonia através da economia. A
geopolítica do capitalismo consistiria, então, na análise das disputas e tensões que não
têm o poder como objetivo, mas se constroem justamente do exercício de poder
econômico no território – nacional e internacional. Já o segundo texto é uma retomada
da problemática do desenvolvimento vivida no Brasil no período da distensão do
Regime Militar, um debate, segundo o autor “interrompido pela avalanche neoliberal”
(p. 9). O questionamento recai sobre os limites e contradições do “desenvolvimento
conservador”, algo que entendi como conservação das estruturas de classe apesar da
modernização contínua da estrutura produtiva – me pareceu que há, nesse conceito, uma
ressonância de Gramsci quando pensou em “revolução passiva”.
Em O vôo da coruja, são apontados dois projetosde Brasil que se alternam no
poder: primeiro, a política do padrão-ouro executada pela República Velha, mas já
presente no liberalismo cafeeiro do Império. Trata-se de um projeto, grosso modo, de
expansão dos capitais financeiros, fortemente amparado pelas oligarquias de um país
ainda agrário. É (contraditoriamente) esse projeto que permite a urbanização da franja
litorânea brasileira.
O outro é o nacional-desenvolvimentismo, fortemente influenciado pela
intelectualidade modernista. O período entre as ditaduras de Vargas e a Militar é a de
seu florescimento. É ele o “desenvolvimentismo conservador”, que moderniza a
economia, abre a economia para a industrialização, cria um modelo de “capitalismo de
Estado” – apesar de não chegar a se realizar como nos modelos fascistas, em que
efetivamente a ideologia nacional sustentasse um regime totalitário – muito embora
caminhe lado a lado com o autoritarismo da Ditadura e, na sua face varguista, tenha
inspiração clara nos regimes fascistas italiano e alemã. De qualquer forma, ambos os
projetos não se constituem em polos antagônicos; muitas vezes liberais e
desenvolvimentistas estão aliados. Eles compõem, na verdade, frações de classe
burguesas, ora convergentes, ora divergentes.
Acrescente-se aos dois uma vertente, por assim dizer, “nacional-democrática”,
mais à esquerda, cuja influência sobre o pensamento acadêmico brasileiro é forte e que
floresce em dois momentos distintos: entre as ditaduras de Vargas e a Militar e a função
do PT. Não sei se os governos Lula, apesar de nunca terem propriamente se oposto ao
neoliberalismo, representariam esta tendência de alguma forma. De toda maneira, esta
corrente não foi hegemônica em nenhum momento, e me arriscaria dizer que ela talvez
tenha influenciado mais o pensamento social e econômico brasileiro do que os projetos
de país hegemônicos.
Já em Conjecturas e histórias, a intenção é articular as escalas internacional e
nacional através de uma teoria centrada na geopolítica e na estratégia. Para isso, 7 teses
são formuladas, sobre: poder (teses 1 e 2), sistema interestatal capitalista (a partir de
uma leitura histórica; teses 3 e 4), potências capitalistas (5 e 6) e, finalmente, conjuntura
(tese 7).
Poder é definido através de uma série de adjetivos (assimétrico, limitado,
relativo, heterostático, triangular, fluxo, sistêmico, expansivo, indissolúvel, dialético e
ético). Em seguida, o autor aponta a relação entre sedentarismo e disputa por poder,
ideia muito interessante à geografia por relacionar à sedentarização a produção de
geometrias de poder, de fronteiras e limites.
As teses 3 e 4 mostram que é somente na Europa que as disputas econômicas
levam a um novo resultado na história da humanidade: a criação dos mercados
nacionais. Não fosse o pulso do poder, as economias tenderiam à fragmentação e à
descentralização, como aconteceu em grandes impérios do passado.
As teses 5 e 6 mostram que só havia sistema interestatal na Europa até o século
XVIII. É só a partir da Segunda Revolução Industrial, da independência dos EUA que
há a expansão do sistema de mercado, e somente no fim do século XX sua globalização.
A hegemonia europeia em termos geopolíticos, portanto, só se observa na longa
duração.
Finalmente, a última tese é de que a conjuntura atual é de transformação
estrutural, apesar de que ainda não houve uma destruição propriamente dita da
conjuntura anterior. O que há são novos atores no cenário, com a capacidade de
centralizar decisões e resultados (como a China, a África do Sul, a Índia, o Brasil, etc.).
Isso porque, além de todos os componentes dos sistemas estarem correlacionados
geopoliticamente – e nisso o exemplo da China e o Estados Unidos é emblemático –, o
poderio militar e a moeda internacional norte-americana ainda não foram superados, o
que permite aos EUA ainda gozarem do status de potência hegemônica.
A leitura de ambos os textos é proveitosa porque permite o entendimento das
interrelações entre Brasil, América Latina e os outros países. Fica muito evidente que,
no caso de nosso país, liberalismo ou nacional-desenvolvimentismo dependem da
conjuntura geopolítica, e que ambos os projetos, quando estão efetivamente no poder,
serão afetados pelas questões conjunturais internacionais. Nesse sentido, a apreensão da
proposta da análise econômica interestatal fica mais elucidada quando da leitura de
ambos os textos.

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