Você está na página 1de 20

A Batalha de Covadonga

A Batalha de Covadonga
Sérgio Araújo

1
A Batalha de Covadonga

2
A Batalha de Covadonga

Introdução
Talvez seja desconhecido por muitos a importância desta batalha para a
consolidação do cristianismo na Península Ibérica, e a com sequente fundação da Espanha,
Portugal, dando posteriormente a origem da epopeia das descobertas e em especial a
fundação da Terra de Vera Cruz, cuja origem vem da imagem acima e depois Brasil.

Nossa viagem realizada entre os dias 21 e 25 de fevereiro de 2022, procurou


resgatar muito deste feito. Ficamos alojados em frente exatamente aonde tudo acreditam ter
ocorrido, na Casa Priena.

Tivemos uma conversa longa com o Dr. Javier do Museu de Covadonga, que nos
explicou alguns fatos e derrubam muitos mitos que se criaram, em especial em livros por
pessoas que nunca estiveram lá, inclusive nos canais do Youtube, conforme foi através de
um deles que me incentivou a tal viagem.

Alguns mitos desfeitos:

 Não ocorreu nenhum terremoto que acabou com as tropas muçulmanas, a


região é repleta de desfiladeiros e ocorrem quedas constantes de rochas,
como nós presenciamos, temos penhascos com mais de 800m de altura e no
meio deles, uma série de cavernas, muito grandes, decorrentes de um
intemperismo geológico (ver figura 18),
 Não se sabe ao certo o local exato da batalha, pois a mesma noticiada como
ocorrida em 718, ocorreu um erro de transcrição do calendário árabe para o
calendário atual e a mesma batalha presume-se ter ocorrido em diversos
pontos e no ano de 722.
 A Virgem de Covadonga, imagem existente na cova em frente à basílica, foi
um processo de adaptação cristão, de um local aonde havia um eremita, e
sim uma imagem pagã do período celta (ver figura 25),
 Os restos arqueológicos da batalha, não se conseguiram obter, devido ao fato
de muito haver ter sido desfeito e estar soterrado pelo tempo,
 Os restos mortais de D. Pelágio (Pelayo), foram encontrados no alto do monte
atrás do Santuário, aonde existe uma pequena capela, apenas um osso
(fêmur) e um cinturão os quais foram trazidos para o túmulo na gruta de
Covadonga, por D. Rodrigo, anos depois (ver figura 29).

3
A Batalha de Covadonga

Localização Geográfica

Figura 01 – Localização das Astúrias no Mapa da Espanha

Figura 02 – Localização nas Astúrias da Região da Batalha

Figura 03 – Bandeira das Astúrias com a Cruz da Vitória

4
A Batalha de Covadonga

Quem foi D. Pelayo (D. Pelágio)


As origens de Pelayo são objeto de acirrado debate entre os especialistas da área.
Para dizer a verdade, todo o período da Alta Idade Média é caracterizado por uma escassez
de fontes, especialmente em seus estágios iniciais.
Desde a queda do Império Romano, assistimos a uma atomização do espaço político
acompanhada de uma desesperada falta de documentação.

Figura 04 - Queda do Império Romano

Do primeiro rei das Astúrias não temos nenhuma fonte confiável que nos conte sobre
suas origens e que ele foi contemporâneo de seus primeiros anos, além disso, Pelayo, ao
contrário de Artur, não teve ninguém para cante seus feitos.

Figura 05 – D. Pelágio

5
A Batalha de Covadonga

Apesar de todas as dificuldades, podemos tentar lançar alguma luz com os materiais
disponíveis, pois temos fontes árabes e cristãs, que apesar de seu viés ideológico podem
servir ao nosso propósito, desde que lidas com as devidas precauções, pois ninguém
escapa, que no caso da crônica de Afonso III, esses textos buscam a legitimidade da própria
monarquia, conectando-se com a antiga realeza visigoda, por meio de Pelayo, abordagem
muito pouco provável, como veremos.

Para iniciar a abordagem da busca pelas origens de Pelayo, devemos começar por
esclarecer o panorama sociopolítico dominante na região em que protagonizou os
acontecimentos que aqui nos interessam. Há uma opinião geral entre os especialistas desse
período segundo a qual, após a queda do Império Romano, houve o surgimento de poderes
locais, que fortaleceriam seu domínio sobre pequenas regiões ou vales. Assim,
assistiríamos no território asturiano um ressurgimento da sociedade tribal ou gentílica,
presente nesta região antes da chegada de Roma e que após a conquista não poderia ter
sido completamente eliminada.

Figura 06 – Povos da época dos Visigodos

Então seria esse tipo de sociedade tribal que Pelayo teria conduzido na batalha de
Covadonga, uma sociedade capaz de organizar seu território e estabelecer alianças com
outras lideranças locais para enfrentar ameaças maiores. A este respeito, é interessante
recordar uma notícia que pode ser tomada como precedente para o que aconteceu na
célebre batalha que deu fama a Pelayo, e é que, segundo as crônicas visigodas, no ano 680
o rei Wamba navegar para Astúrias para sufocar uma revolta. Esta notícia coincide com os
achados das últimas escavações arqueológicas realizadas nos arredores do pico La Boya e

6
A Batalha de Covadonga

Homón de Faro, ambos na estrada Carisa, ponto de entrada nas Astúrias a partir do
planalto.

Figura 07 – Localização dos picos La Boya e Homón de Faro

Neste ambiente existe uma série de construções defensivas utilizadas neste início da
Idade Média, mas numa época anterior aos acontecimentos de Covadonga. A localização
destes muros, juntamente com as notícias da campanha Wamba, dá-nos uma ideia da
existência de um poder local, zeloso da sua própria liberdade e capaz de mobilizar um
grande número de homens e recursos materiais para organizar a sua defesa, numa área
que ultrapassa os 1500 metros de altitude.

Figura 08 – Restos de construções e muros da região

7
A Batalha de Covadonga

Portanto, se aceitarmos a implantação de uma sociedade de tipo gentílico nas


Astúrias, com alto grau de independência política em tempos visigóticos, capaz de se
revoltar contra o reino de Toledo, será mais fácil compreender o desenvolvimento dos
acontecimentos posteriores, e começar a suspeitar que quem lidera a revolta contra os
muçulmanos não pode ser alheio ao território em que se desenrola o confronto e que a
origem desse líder dificilmente era visigótica.

Figura 09 – Batalha de Covadonga

Há outra série de considerações que levam a descartar a origem visigótica de


Pelayo, a começar pelo seu próprio nome, que não é de descendência germânica, mas
romana. Apesar de a crônica de Afonso III fazer um esforço determinado para apresentar o
monarca asturiano como pertencente à linhagem visigoda, não é provável que um indivíduo
de alto escalão entre os visigodos tenha usado um antropônimo latino. Não se deve
esquecer que os editores da Crónica escrevem os seus textos com uma clara vontade de
legitimar a própria monarquia asturiana, procurando ligar a corte de Oviedo à de Toledo,
sendo Pelayo o elo que une os dois extremos.

8
A Batalha de Covadonga

Autores islâmicos como Ibn Jaldún também rejeitam uma origem gótica para o
protagonista de Covadonga.

Figura 10 – Ibn Jaldún

Assim, na atualidade a grande maioria dos historiadores apoia a ideia do polígrafo


andaluz, assim “a possibilidade de uma origem visigótica de Pelayo é bastante remota”

Pelayo, um nobre asturiano?


Dado que a origem visigótica do primeiro rei de Asturias parece estar descartada.
Como não é provável que sua origem seja islâmica, devemos estar inclinados a pensar em
Pelayo como um personagem autóctone.
É o testamento de Alfonso III em que ele doa a igreja de Santa María de Tiñana. Este
edifício teria sido recebido pelo seu antecessor, Afonso II, como parte da herança do seu
bisavô, o próprio Pelayo. Assim, esta notícia confirma que Pelayo era o proprietário de terras
e propriedades no centro das Astúrias, com as quais estamos lidando com uma pessoa
pertencente aos escalões superiores daquela sociedade tribal que mencionamos
anteriormente.

Figura 11 – Alfonso III

9
A Batalha de Covadonga

A Batalha de Covadonga

Até agora as notícias e investigações anteriores aos acontecimentos estritamente


relacionados com Covadonga, a partir deste ponto as crónicas oferecem um relato dos
acontecimentos em que se vislumbra a confirmação da hipótese autóctone do primeiro
monarca asturiano.

Segundo a crônica Rotense, Pelayo estava em Brece, cidade localizada no atual


município de Piloña, no leste das Astúrias.

Figura 12 – La Piloña

D. Pelayo foi avisado de que os muçulmanos o perseguiam, ao saber da notícia,


cruzou o rio Piloña e se dirigiu ao Monte Auseva , local onde é escolhido pelos Astures e
onde terá lugar o confronto com as tropas islâmicas.

Figura 13 – Monte Auseya

10
A Batalha de Covadonga

O fato de Pelayo ter sido escolhido como chefe de operações apresenta-nos uma
sociedade em que os diferentes chefes locais cederam a sua autoridade a alguém de
prestígio comprovado, e a existência de ligações entre os grupos do centro e do leste, como
evidenciado pela posterior transferência do curta para Pravia. Em todo o caso, o que mais
chama a atenção é o facto de ter sido eleito princeps da forma como o foi, «Pelayo é
escolhido como princeps; mas não no sentido romano ou visigótico do termo, mas como a
pessoa encarregada de dirigir as operações militares.”

Figura 14 – Detalhe da Gruta de Covadonga durante a batalha

Havia um igualitarismo que existe entre as diferentes lideranças, e como é estranho


que depois de Covadonga, Pelayo tenha conseguido manter essa supremacia entre aqueles
que lhe haviam sido iguais, e inaugurar uma dinastia sucessora, talvez graças ao prestígio
obtido na luta.
Após o fracasso da operação punitiva contra os insurgentes, a coluna islâmica que
seguiu Pelayo optou por recuar, mas não em seus passos na tentativa de unir forças com as
da guarnição estacionada em Gijón sob o comando de Munuza.

Figura 15 – Munuza

11
A Batalha de Covadonga

Se não em uma direção leste para a região de Liébana, certamente porque oferecia
maiores vantagens, em termos de segurança, para chegar ao planalto e não ter que
atravessar uma Astúrias que parecia estar a viver uma insurreição geral.

Figura 16 – Região de Liébana

Por outro lado, e de acordo com as informações fornecidas pelas crônicas visigodas,
esta área está despovoada desde as campanhas de Leovigildo (Rei dos Visigodos do Reino
de Toledo no período de 569 d.C. a 586 d.C.) fez com o que poucos inconvenientes poderiam
ser causados a uma coluna em retirada.

Figura 17 – Leogivildo

Por sua vez, as crônicas asturianas confirmam essa suposição ao afirmar que parte
do trabalho de Afonso I foi repovoar os territórios de Primorias e Liébana. O fato é que essa

12
A Batalha de Covadonga

coluna não emergiu intacta desses vales, pois foram soterrados por uma daquelas
frequentes avalanches ou argayos, que é o nome dado aos deslocamentos de terra na
terminologia local.

Figura 18 – Quedas de Rochas – Argayos na região

Quanto a Munuza, ao saber do desastre da expedição punitiva enviada contra


Pelayo, decide sair das Astúrias pelo porto de La Mesa, seguindo o vale do rio Trubia.

Figura 19 – Rio Trubia

13
A Batalha de Covadonga

Entretanto não consegue seu objetivo porque são apanhados por os asturianos em
Olalíes e lá encontraram a morte.

Figura 20 – Ponte Romana em Cangas de Oniz com a Cruz da Vitória

O episódio de Olalíes é a continuação de Covadonga e transmite a visão de uma


Astúria em pé de guerra, com um teatro de operações que vai, pelo menos, de Onís, a leste,
a Proaza, no centro. Pelayo, que liderou as ações em Covadonga, deve ter organizado
também a resposta em Olalies, reforçando assim a imagem de um líder local, com fortes
laços com o território e um bom conhecedor desse mesmo território.

14
A Batalha de Covadonga

Fotos locais do autor

Figura 21 - Santuário de Nossa Sra. De Covadonga (Foto: Sérgio Araújo)

Figura 22 - Estátua de D. Pelágio em frente ao santuário (Foto: Sérgio Araújo)

15
A Batalha de Covadonga

Figura 23 – Covadonga (Foto: Sérgio Araújo)

Figura 24 – Interior do Santuário de Covadonga

16
A Batalha de Covadonga

Figura 25 – Imagem da Virgem de Covadonga

Figura 26 - Tumba de D. Pelayo (Foto: Sérgio Araújo)

17
A Batalha de Covadonga

Figura 27 – Ossário de D. Pelayo (Foto: Sérgio Araújo

Figura 28 – Três Cruzes com o Santuário de Covadonga ao fundo (Foto: Sérgio Araújo))

18
A Batalha de Covadonga

Figura 29 - Local exato aonde foram encontrados os despojos de D. Pelágio (Foto: Sérgio Araújo)

19
A Batalha de Covadonga

Bibliografia
 Aguirre Cano, V.M. La construccion de la realeza astur: poder, territorio y comunicación en la
Alta Edad Media. Santander 2018.
 Arrau-Dihigo, L. Historia política del Reino Asturiano (718–910). Gijón 1985.
 Barbero, A; Vigil Pascual, M. La formación del feudalismo en la Península Ibérica. Barcelona
1978.
 Isla Frez, A. La Cronica de Alfonso III y el Reino Astur. Oviedo 2019.
 Manzano, E. Historias de España. Épocas medievales. Barcelona 2015
 Ruiz de la Peña, J. I. La Monarquía Asturiana. Oviedo 2001.
 VV. AA. Crónicas de los reinos de Asturias y León. León 1985.
 VV. AA. El reino de Hispania (siglos VIII-XII). Madrid 2019.
 Wickham, C. Una historia nueva de la alta Edad Media: Europa y el mundo mediterráneo 400-
800. Barcelona 2016.

20

Você também pode gostar