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A perspectiva da desinstitucionalização:

chaves de leitura para compreensão de uma


política nacional de saúde mental alinhada à
reforma psiquiátrica
Perspective of deinstitutionalization: reading keys to
understand a national mental health policy aligned with
the psychiatric reform
Cláudia Pellegrini Braga Resumo
https://orcid.org/0000-0002-6061-7972
E-mail: claudia.braga@usp.br
A perspectiva da desinstitucionalização é considerada
Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
eixo organizador da política nacional de saúde
Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo, SP, Brasil. mental brasileira em vigor nos anos de reforma
psiquiátrica. Dada a reformulação institucional desta
política, é relevante compreender tal perspectiva para
análises da alteração da lógica das políticas públicas
em saúde mental. Em revisão de literatura que
objetivou a reconstrução dos argumentos centrais da
desinstitucionalização, buscou-se identificar quatro
chaves de leitura: circuito do controle, exercício do
poder, manter as contradições abertas e instituição
aberta/instituição fechada. O estudo demonstrou que
essas são construídas em inter-relação e colocam a
necessidade de: questionar o objeto da psiquiatria;
refletir sobre a articulação entre aparatos institucionais
que mantêm a segregação e custódia dos desviantes;
identificar relações de poder e recusar o mandato
social de trabalhadores; operar dialeticamente com as
contradições no cotidiano dos serviços substitutivos; e
sustentar a abertura da instituição à multiplicidade de
modos de expressão e interação em um processo crítico
e atento aos momentos de fechamento. Ressalte-se que
essas chaves de leitura são validadas pela ação prática,
na construção da liberdade e da cidadania em contextos
reais de vida. Para futura reflexão, são apontadas
alterações na política de saúde mental que significam
uma descontinuidade da perspectiva teórico-prática da
Correspondência desinstitucionalização.
Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. São Paulo, Palavras-chave: Desinstitucionalização; Saúde
SP, Brasil. CEP 05508-010. Mental; Política Pública; Saúde Pública; Revisão.

DOI 10.1590/S0104-12902019190125 Saúde Soc. São Paulo, v.28, n.4, p.198-213, 2019 198
Abstract Desinstitucionalização como eixo
organizador da política nacional de
The perspective of deinstitutionalization is
understood as an organizing axis of the Brazilian saúde mental
mental health policy in the years of psychiatric
reform. Considering the policy reformulation, A reforma psiquiátrica brasileira configura-se
it is relevant to understand this perspective for como um processo complexo e crítico que envolve a
analyses regarding changes in public mental proposição e construção de inéditos saberes, valores,
health policies perspective. A literature review práticas e instituições orientados para a superação
was held aiming the reconstruction of the central do modelo e lógica asilar e para a afirmação dos
arguments of deinstitutionalization perspective, direitos e da cidadania das pessoas com experiência
and four reading keys were highlighted: control de sofrimento psíquico (Brasil, 2005, 2016).
circuit, power exercise, keeping contradictions open, Este processo engloba princípios e diretrizes
and open/closed institution. This study has shown traduzidos na construção e implementação de
that they are interrelated and embedded in practical uma política pública e nacional de saúde mental,
field, comprising the need to: questioning the object na promulgação de leis e normativas que estabelecem
of psychiatry, reflect on the articulation between direitos, com destaque para a Lei 10.216/2001, e na
institutional apparatuses that maintain segregation criação de estratégias, práticas e serviços inovadores,
and custody of deviants; identify power relations abertos e de base territorial, que nos anos de reforma
and refuse the social mandate of workers; operate psiquiátrica construíram e consolidaram uma rede
dialectically with contradictions in daily practices de atenção psicossocial substitutiva ao modelo e à
of substitutive services; and to sustain institution’s lógica asilar (Brasil, 2001, 2015, 2016).
openness to the multiplicity of modes of expression Ainda, o processo de reforma psiquiátrica
and interaction, being critical and keeping attention conta com a importante participação de usuários,
to closing moments. It must be emphasized that it familiares e trabalhadores de serviços da rede de
is by practical action that the keys are validated, atenção psicossocial, além de atores de setores
constructing freedom and citizenship in real life da educação, justiça, assistência social e outros
contexts. For future reflection, mental health policy na proposição, articulação e realização de ações.
changes that imply a discontinuity of the theoretical- Por meio de trocas sociais e afetivas e em um
practical perspective of deinstitutionalization are processo de redistribuição de poder, os diferentes
pointed out. atores sociais que compõem este processo foram
Keywords: Deinstitutionalization; Mental Health; construindo no tecido social outras formas de
Public Policy; Public Health; Revision.. relação com a experiência do sofrimento psíquico.
Neste contexto, com ações pactuadas e com base
em diálogos democráticos, uma política nacional de
saúde mental foi desenvolvida e implementada com
o propósito de cuidar em liberdade e criar condições
concretas para o exercício de direitos de cidadania,
transformando estruturas e culturas com o horizonte
da emancipação (Brasil, 2016).
A perspectiva teórico-prática da
desinstitucionalização é parte deste processo e
envolve a desconstrução e a superação de modos
de conhecimento, de formas de relações e práticas
violentas e de instituições e aparatos de asilamento
e objetificação dos sujeitos nos termos de um
diagnóstico psiquiátrico. Ainda, expressa-se na

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invenção de proposições substitutivas destes abertas” e “instituição aberta/instituição fechada”.
diversos mecanismos de negação e violação dos Há que se afirmar que o campo de proposições
direitos do outro, com a construção de um lugar teóricas é indissociável das práticas inovadoras
social para a experiência do sofrimento psíquico que realizadas cotidianamente. Mas porque os limites
signifique defesa, promoção e garantia de direitos da proposta deste artigo não possibilitam abarcar
de cidadania (Rotelli; De Leonardis; Mauri, 2001). as ações práticas e porque prover exemplos práticos
Os serviços substitutivos aos de lógica asilar poderia reduzir a complexidade das ações práticas,
e psiquiátrica, com suas práticas cotidianas propõe-se dar ênfase às quatro primeiras chaves de
voltadas para a construção de novas realidades e leitura citadas, mas tendo em vista que é “em ato,
vias de emancipação, produzindo reverberações nas relações empíricas, que podemos validar todas
nos diversos âmbitos e estruturas sociais, podem essas chaves” (Brasil, 2016, p. 4).
ser compreendidos como “instituições para
desinstitucionalizar” (Rotelli, 2001, p. 95). Essa Método
perspectiva, construída no contexto da experiência
italiana e, mais especificamente, em Gorizia e em Como parte de pesquisa que objetivou analisar as
Trieste, constituiu um campo de propostas teóricas e internações psiquiátricas de crianças e adolescentes
práticas na saúde mental, gerando um arcabouço de (Braga, 2015), foi feita revisão de literatura (Gil, 2007)
conceitos e de modos de pensar e produzindo práticas que teve como objetivo reconstruir os principais
de transformação da realidade (Nicácio, 2003). argumentos construídos e desenvolvidos na
Ora, no processo de reforma psiquiátrica brasileiro perspectiva da desinstitucionalização na experiência
a perspectiva da desinstitucionalização é de tal italiana. Para tanto, foram realizadas todas as
relevância que foi considerada no Relatório de Gestão etapas descritas por Gil (2007), a saber: escolha
2011-2015 eixo organizador da política nacional de do tema da desinstitucionalização; levantamento
saúde mental (Brasil, 2016, p. 2). bibliográfico preliminar; formulação do problema e
Nesse documento, o último relatório de gestão do objetivo da revisão; elaboração do plano provisório
publicado e com alinhamento a uma política do texto; busca e definição das fontes primárias
nacional de saúde mental compromissada com a e secundárias; leitura do material; fichamento;
desinstitucionalização, são sugeridas cinco “chaves e organização lógica dos argumentos na redação
de leitura para a compreensão da importância do do texto. A partir do resultado dessa pesquisa,
processo de desinstitucionalização em todos os foi realizada revisão do texto buscando responder
níveis”, sendo essas “fundamentais para a superação especificamente à seguinte questão: na reconstrução
do modelo asilar”: “circuito do controle”, “exercício e articulação dos argumentos centrais da perspectiva
do poder”, “manter as contradições abertas”, da desinstitucionalização de tradição basagliana,
“instituição aberta e instituição fechada” e “ação como são compreendidas as seguintes chaves de
prática” (Brasil, 2016, p. 2). Ora, se essas são chaves leitura: “circuito do controle”, “exercício do poder”,
de leitura importantes para compreensão das “manter as contradições abertas” e “instituição
práticas orientadas para a reforma psiquiátrica e aberta e instituição fechada”?
que têm como eixo a desinstitucionalização, torna-se No que diz respeito aos materiais, foram
relevante apresentá-las e compreendê-las para que, utilizadas as obras de Basaglia (1978, 1979, 1985,
a partir disso, seja possível produzir e aprofundar 2010e) como fonte primária, tendo sido dada
diferentes reflexões sobre mudanças na lógica preferência às obras já traduzidas para o português –
política de saúde mental. no caso da não existência de tradução utilizou-se
Assim, propõe-se reconstruir os argumentos as obras na língua original de publicação. Como
da perspectiva da desinstitucionalização em sua fonte secundária, foram consultadas obras que
dimensão teórica com vistas a contextualizar as contribuem com o debate (Foucault, 2006), além de
seguintes chaves de leitura: “circuito do controle”, autores e comentadores que deram continuidade
“exercício do poder”, “manter as contradições às discussões produzidas por Basaglia no contexto

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italiano e no contexto brasileiro da reforma loucura, como todas as doenças, é expressão das
psiquiátrica (Kinoshita, 1996; Nicácio, 2003; contradições do nosso corpo […], que é orgânico e
Rotelli, 2001; Rotelli; De Leonardis; Mauri, 2001). social […]. A doença, sendo uma contradição que
Para análise do conjunto dos materiais, foi realizada se verifica no ambiente social, não é um produto
leitura das obras que constituem fonte primária; apenas da sociedade, mas uma interação dos níveis
considerando a consulta aos materiais relativos à dos quais nos compomos: biológico, sociológico,
fonte secundária, foi produzida síntese e articulação psicológico. Dessa interação participa uma enorme
das ideias e argumentos centrais desenvolvidos na quantidade de fatores. (Basaglia, 1979, p. 79)
perspectiva da desinstitucionalização. Nesta revisão
de literatura foram destacadas as já mencionadas Tal entendimento ganha consistência nas
chaves de leitura. práticas de desinstitucionalização, em um
movimento em que se acentua a necessidade de
Perspectiva da desinstitucionalização: transformar as relações de poder e são constituídas
“gestos elementares” propostas de ações transformadoras. Trata-se
de ações desinstitucionalizantes porque neste
A ruptura inaugural em relação às bases processo, a partir da crítica ao modelo existente,
do saber psiquiátrico e à prática realizada em foram desconstruídos os modos de saber e de fazer
manicômios, com a compreensão de que era então vigentes e foram criadas formas inéditas
fundamental romper com a instituição psiquiátrica de entendimento e relação com a experiência da
em si – o que inclui seus aparatos científicos, loucura. Destaca-se que as reflexões produzidas
assistenciais, relacionais, administrativos, na perspectiva da desinstitucionalização, segundo
legislativos e culturais –, ocorreu no contexto Basaglia (1978, p. 16), são sempre coletivas, já que
italiano de desinstitucionalização, tendo sido “uma discussão é decorrente de um intercâmbio de
desenvolvidos questionamentos e proposições opiniões”. Nesse processo, compreendeu-se como
práticas para transformação da realidade “gestos elementares” para transformação:
da violência praticada nos manicômios. Em
uma atitude crítica em relação ao positivismo eliminar os meios de contenção; restabelecer
como referência epistêmica, à existência dos a relação do indivíduo com o próprio corpo;
manicômios, à função dessa instituição e ao reconstruir o direito e a capacidade de uso de objetos
mandato social dos profissionais, foi constituído o pessoais; reconstruir o direito e a capacidade
alicerce da perspectiva de desinstitucionalização. de palavra; eliminar a ergoterapia; abrir portas;
No questionamento ao modelo positivista de produzir relações, espaços e objetos de interlocução;
ciência busca-se renunciar a qualquer tentativa liberar os sentimentos; restituir os direitos civis
de explicar por meio de uma relação de causa e eliminando a coação, as tutelas jurídicas e o
efeito – seja biológica, social e/ou institucional – estatuto da periculosidade; reativar uma base de
o que seria a experiência de sofrimento psíquico. rendimentos para poder ter acesso aos intercâmbios
Ora, considerando o referencial da dialética, sociais. (Rotelli; De Leonardis; Mauri, 2001, p. 33)
Basaglia (1985, p. 124) afirma que a própria matriz
“psicopatológica” é “dialética, e não ideológica”, Rotelli, De Leonardis e Mauri (2001, p. 28)
porém a psiquiatria trata a psicopatologia de modo destacam, também, a necessidade de reconhecer
ideológico ao interpretar o sofrimento psíquico a complexidade do sujeito em sua “existência
como doença, sem problematizá-lo dialeticamente – global, complexa e concreta” em sua “relação com
daí afirmar que a desinstitucionalização envolve, o corpo social”, desconstruindo, recompondo e
dentre outros gestos, descortinar a ideologia recontextualizando o problema; com isso, ao invés
psiquiátrica. Nessa linha, Basaglia (1979, p. 79) de um objeto fictício – o diagnóstico psiquiátrico
assinala que o sofrimento psíquico não é um produto afirmado como uma doença –, o olhar volta-se
orgânico e nem um produto social, mas que: para a “existência-sofrimento dos pacientes e sua

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relação com o corpo social” (Rotelli; De Leonardis; De modo geral, a norma social “é representada
Mauri, 2001, p. 30). No projeto basagliano, pela eficiência e pela produtividade”, sendo que
o sofrimento psíquico passa, então, a ser considerando aquilo que é apontado por uma classe dominante na
como uma dimensão da existência humana. sociedade como ineficiente e improdutivo não tem
Para Basaglia (2010c, p. 62), a psiquiatria espaço no tecido social. E é a psiquiatria enquanto
recusa olhar a multiplicidade do sujeito em suas ciência que tem a função de
contradições, produzindo diagnósticos que, pautados
em uma “incompreensibilidade dos sintomas”, determinar os comportamentos “normais”, de definir
adquirem “um valor de categoria, no sentido de que os limites da norma, de controlar através de terapia
correspondem a um etiquetamento, além do qual e reclusão os desvios, não a partir das necessidades
não existe mais possibilidade de ação ou saída”. do homem […], mas como resposta às exigências da
Como consequência dessa inscrição diagnóstica, lei econômica, as necessidades do grupo dominante,
no momento em que adentra no hospital psiquiátrico o que deve ter sobre seu controle a maioria [desviante],
sujeito é “definido como doente, e todas as suas ações, para garantir sua própria sobrevivência. (Basaglia;
participações e reações são interpretadas e explicadas Ongaro Basaglia, 2013, p. 20)
em termos de doença” (Ongaro Basaglia, 1985, p. 273).
Dessa forma, na lógica da instituição psiquiátrica, Com efeito, a ciência e a lei econômica estão
o diagnóstico psiquiátrico assume o significado de entrelaçadas na definição da norma, sendo que
um juízo de valor e é encerrado em um rótulo, o que a ciência confirma “os limites de norma mais
significa afirmar que, historicamente, “o doente foi apropriados e úteis à segunda” – ou seja, mais úteis
isolado e colocado entre parênteses pela psiquiatria”, à dimensão político-econômica de uma sociedade –
para que fosse possível a dedicação à “definição de tal modo que a ciência pode “confirmar uma
abstrata de uma doença, da decodificação das formas, diversidade patológica que é instrumentalizada
da classificação dos sintomas” (Basaglia, 1985, p. 125). segundo as exigências da ordem pública e do
Na necessária contramão dessa lógica, é preciso fazer desenvolvimento econômico, cumprindo sua
a crítica ao saber e à prática psiquiátricos porque função de controle social” (Basaglia; Ongaro
estes, calcados em uma perspectiva positivista, Basaglia, 2010b, p. 229). Há, pois, uma codificação
reduzem o sujeito e sua complexidade em apenas da experiência humana pela ciência, com a criação
um objeto: uma afirmada doença. de limites nos modos de ser e estar no meio social.
Nos momentos em que são definidas as normas
Perspectiva da desinstitucionalização: sociais – que podem se estreitar ou se alargar nos
circuito do controle e exercício do poder diferentes contextos socio-históricos – são definidos
seus limites e desvios. Com isso, determina-se quem
Acerca dessa crítica necessária, um ponto a ser são os sujeitos desviantes.
destacado sobre a lógica da instituição psiquiátrica Nesse sentido, Basaglia e Ongaro Basaglia
refere-se ao fato de que o hospital psiquiátrico – (2010a, p. 171) definem como desviantes aquelas
expressão mais forte da instituição psiquiátrica – pessoas que “perderam ou nunca tiveram uma força
contém em seus muros não apenas aqueles sujeitos contratual com as fontes produtoras”, que é formada
com experiência de sofrimento psíquico, mas pela classe dominante porque essa tem maior poder
também aqueles que, por a eles ser atribuído algum econômico, político e social. Porque não dispõe de
desvio em relação à norma social, são considerados poder contratual nas relações sociais, o desviante
perigosos ou nocivos para a sociedade (Basaglia, se encontra fora da norma ou no limite dela – sua
1985; Foucault, 2006). Nesse sentido, compreender singularidade, sua subjetividade, suas contradições
a lógica da instituição psiquiátrica requer refletir e seu modo de expressão e relação no mundo não
sobre como é definida a norma social e quem são os tem lugar para ser compartilhada ou existir no
sujeitos considerados desviantes da norma social, tecido social. Além disso, na lógica específica da
sendo a eles atribuída uma suposta periculosidade. instituição psiquiátrica, o que é considerado desvio

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da norma social é afirmado como sofrimento psíquico tutela de pessoas sem poder contratual. Ora, como
e é codificado como doença em um diagnóstico já assinalado, na manutenção da ordem pública a
psiquiátrico, de modo que os desviantes se tornam instituição psiquiátrica ocupa o lugar de custódia
duplamente desadaptados. Isso porque, de um lado, dos desvios da norma social. Mas a perspectiva da
são excluídos pela sociedade pelo que é definido desinstitucionalização avançou nessa compreensão ao
como um desvio e, de outro, pela própria psiquiatra, identificar que a instituição psiquiátrica está atrelada
que com conceitos abstratos define que a doença a um conjunto de outros aparatos institucionais que
é incurável e incompreensível, sendo o “sintoma operam de modo inter-relacionado para cercear as
principal a periculosidade ou a obscenidade” contradições de vida e os desvios que não têm lugar
(Basaglia; Ongaro Basaglia, 2010b, p. 229). de expressão no âmbito público. É justamente esta
Dessa maneira, segundo Basaglia e Ongaro relação recíproca entre aparatos institucionais,
Basaglia (2010a, p. 170), “faz-se coincidir a ideologia como o sistema de saúde, de justiça, de educação,
do desvio com o problema do desviante” e a resposta de assistência social e outros, que com práticas
científica para o desvio passa a ser a internação em orientadas para o controle dos desvios e sustentadas
um hospital psiquiátrico – um manicômio ou outra por um contexto social, econômico e político
instituição psiquiátrica de características asilares –, constitui o que se denomina de “circuito do controle”
onde esse desvio pode ser tutelado e custodiado. (Basaglia; Gianichedda; Equipe de Trieste, 2010) –
A instituição manicomial em sua função de custódia umas das chaves de leitura da perspectiva da
e de segregação, “como todos os locais de internação, desinstitucionalização (Brasil, 2016).
não é senão a triste consequência do acobertamento O “circuito do controle” diz respeito a esta inter-
de uma contradição, por meio da ideologia da relação estabelecida entre diferentes instituições que
inelutabilidade e da ininteligibilidade da doença” “produzem e reproduzem lógicas de normalização
(Basaglia, 2010f, p. 145). impositiva, sempre envolvendo algum nível de uso
O saber psiquiátrico é uma resposta ideológica da força” (Brasil, 2016, p. 3) com vistas a exercer
que ao realizar uma racionalização e organização da a função de controle. As instituições da violência
complexidade e multiplicidade de vida em termos em geral são lugares de custódia dos desvios, mas
de desvios, categorizados em doenças, de fato em no circuito do controle é a instituição psiquiátrica
nada altera a realidade, já que não considera as de características asilares o principal aparato que
necessidades reais dos sujeitos e as contradições sustenta esse circuito. De acordo com Basaglia,
presentes. Basaglia (2010b, p. 203) enfatiza que Gianichedda e Equipe de Trieste (2010, p. 246),
“ninguém afirma que a doença mental não exista”, a instituição psiquiátrica produz “uma série de
mas o problema é que a “verdadeira abstração não círculos concêntricos de contágio, correspondentes
está na doença, do modo como pode manifestar-se, a outros tantos aparatos institucionais”, o que
e sim nos conceitos científicos que a definem sem significa dizer que sua existência afirma para
enfrentá-la como fato real”. a sociedade e para as outras instituições que o
Tendo isso em vista, a experiência italiana único lugar existente para aquilo que é definido
demonstrou, em um primeiro momento, a importância como desvio da norma social é dentro de seus
de colocar em crise a psiquiatria enquanto instituição muros, alimentando no tecido social uma lógica de
e enquanto saber, questionando o espaço concreto segregação. Nesse sentido, o hospital psiquiátrico
de tutela e segregação, o manicômio, e o conjunto de se apresenta como o “local de escoamento de toda
saberes abstratos que exercendo uma função social a falha dos demais sistemas de normatização
realizavam a manutenção de uma ordem pública e (educação, justiça, saúde, assistência social etc.),
de controle de desvios (Basaglia, 1985). Para além e assume a condição de depositário do não normal”
disso, buscou-se compreender a dinâmica entre o (Brasil, 2016, p. 3).
manicômio e a sociedade, interrogando-se sobre A pessoa que é apreendida no circuito de controle
as práticas sociais que criavam condições para que é aquela que não apenas rompe com a ordem social,
esta instituição fosse a delegatária do controle e da mas que produz gestos disruptivos em cena pública,

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nos lugares compartilhados da vida em sociedade. privilegiada de dominante frente ao doente”
Para Basaglia (2010b, p. 202) é significativo (Basaglia, 1979, p. 14). Essa diferença de poder entre
o fato de as “sanções mais rígidas sempre caírem os trabalhadores e as pessoas objetificadas em um
sobre quem não dispõe de um espaço privado, diagnóstico psiquiátrico, exercida cotidianamente
onde possa expressar – em segurança – o próprio e combinada com a função social da instituição
desvio no momento em que ultrapassa o limite”. psiquiátrica, acarreta a presença do traço mais
Basaglia (1985, p. 108) destaca que, antes mesmo marcante desse equipamento: a violência.
da internação, o caminho percorrido por alguém As instituições da violência são aquelas em
que dispõe de recursos financeiros será diferente de que há uma clara diferença de poder entre duas
quem é miserável financeiramente, pois o primeiro já partes de uma relação, que se traduz em uma
desfruta, de antemão, de maior poder de contrato na diferença de papel entre servo e senhor (Basaglia,
sociedade. Dessa forma, apesar de ambos serem, pela 1985). São exemplos de instituições da violência
sociedade, “automaticamente classificados como as instituições psiquiátricas e as prisões que,
doente mental ‘perigoso para si e para os outros e para Basaglia (1978, p. 16), aproximam-se em suas
objeto de escândalo público’”, a internação em um lógicas, considerando que a ideologia que respalda
hospital psiquiátrico – ou uma outra instituição a problemática da reclusão de ambos os aparatos
psiquiátrica de características asilares – de uma é a mesma, pois em uma sociedade que segue a
pessoa que vive em condição de pobreza poderá lógica da eficiência produtiva “o cárcere protege a
significar um processo irreversível de desistorização sociedade do delinquente, e o manicômio protege
de si e de exclusão social, o que, talvez, não aconteça a sociedade da pessoa que também desvia das
com quem dispõe de recursos financeiros (Basaglia, normas”. Há uma similaridade entre o hospital
1985, p. 108). Nessa linha de reflexão, é preciso notar psiquiátrico e as prisões enquanto instituição no
que a questão da classe social tem implicações em sentido de que ambas são tidas como instituições
um processo de internação e institucionalização: racionais que contêm e dão um lugar para o que
a segregação ocorre, também, por uma diferença na sociedade é considerado irracional: o crime e a
de classe social e de poder econômico. Com efeito, loucura; é como se o criminoso somente fosse aceito
afirma-se que o hospital psiquiátrico “se destina a socialmente quando estivesse em uma prisão, assim
administrar o aspecto social da doença mental, e não como o louco só pudesse existir enquanto definido
a doença em si” (Basaglia, 2010f, p. 139). por uma doença em uma instituição psiquiátrica de
Basaglia (1978, p. 18) narra que, em sua características asilares. Trata-se de “instituições que
experiência, ao adentrar em um hospital psiquiátrico servem para manter limites aos desvios humanos,
como médico, não via de imediato naquelas pessoas para marginalizar o que está excluído da sociedade”
uma nosografia psiquiátrica que definia quadros (Basaglia, 1979, p. 45).
de esquizofrenia, depressão e outros, mesmo O fato de essa lógica ser operada em um hospital
em relação às pessoas com sofrimento psíquico. psiquiátrico é ainda mais grave, dado que essa
Mas via “pessoas oprimidas ou pessoas atadas, instituição supostamente teria como função ser
pessoas destruídas, pessoas que pediam para prestadora de cuidado, mas de fato exerce práticas
sair, ir às suas casas, e às quais o médico sempre de segregação e violência baseadas em um sistema
respondia com a mesma expressão”, sendo essa punitivo-coercitivo. A questão central para se ter em
expressão a palavra “amanhã”; um “amanhã que vista é que não é possível que uma mesma instituição
não chega nunca, um amanhã que será sempre um se proponha a produzir o cuidado e a violência,
hoje de internamento eterno” (Basaglia, 1979, p. 95). porque esses são dois elementos antinômicos de uma
Um “amanhã” que é expressão da função social situação. Ainda assim, nas instituições psiquiátricas
excludente da instituição psiquiátrica e expressa é delegado aos trabalhadores a sustentação dessa
a relação de poder e o papel dos profissionais ideologia afirmada socialmente como cuidado.
dessa instituição, na qual o psiquiatra e os outros No entanto, pelas razões já afirmadas, o que se realiza
trabalhadores estão “sempre em uma posição em suas práticas é a exclusão de um contingente de

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pessoas consideradas desviantes das normas sociais Kinoshita (1996), o poder de contrato estabelece-
e a adaptação delas por meio do poder técnico e se na relação com outras pessoas, por meio de
com aval da ciência e da sociedade à “condição um processo de intercâmbios que se dão em três
de ‘objetos da violência’” (Basaglia, 1985, p. 102). dimensões principais: a troca de bens, a troca de
Os trabalhadores têm, então, um papel ambíguo mensagens e a troca de afetos. No caso daqueles
e contraditório, que envolve tanto a expectativa considerados desviantes das normas sociais, esse
de supostamente garantir uma terapêutica e um poder contratual é anulado no jogo de trocas sociais,
tratamento quanto a prática efetiva de segregação visto que seus bens são considerados suspeitos, as
e controle, defendendo a sociedade do denominado suas mensagens são tidas como incompreensíveis
desviante (Basaglia; Ongaro Basaglia, 2010a). e seus afetos compreendidos como desnaturados;
Em síntese, com uma tarefa definida como nesse cenário, as trocas sociais tornam-se impossíveis
terapêutica por uma ciência, são os trabalhadores (Kinoshita, 1996).
que, por meio de seus mandatos sociais e No hospital psiquiátrico, em particular, esta
cristalizados em seus papéis impostos pela relação de “nítida divisão entre os que têm o poder
própria função da instituição, irão confirmar para e os que não têm o poder” (Basaglia, 1985, p. 101)
a sociedade a objetificação e a exclusão do outro. se realiza e se traduz em uma relação cotidiana
Esse papel se efetiva acentuadamente nas práticas de opressão e de violência que sempre reitera a
violentas – como contenções e eletrochoques –, mas, condição de baixo ou nulo poder contratual das
também, cotidianamente na diferença de poder pessoas consideradas desviantes das normas
que se estabelece e é exercida na relação entre sociais. Nesse sentido, é preciso ter em vista que
trabalhadores e as pessoas que se encontram em a diferença de poder é exercitada no dia a dia,
instituições psiquiátricas, e que por isso também e tanto esse baixo ou nulo poder contratual quanto
é entendido como prática violenta. Este é um a situação de objetificação que a pessoa que se
tema de particular importância, o “exercício de encontra na instituição psiquiátrica vive serão
poder”, e, justamente, uma das chaves de leitura da elementos que comporão a submissão dessa pessoa
perspectiva da desinstitucionalização (Brasil, 2016). a um esquema institucionalizante, baseado em um
Como afirmado, essas relações de poder são princípio autoritário-hierárquico e determinado pelo
produzidas “tanto a partir de atribuições formais regramento do cotidiano.
quanto a partir do cotidiano” (Brasil, 2016, p. 3). De acordo com Basaglia (1978), quando se
Ou seja, são produzidas pelo mandato social dos observa o ritmo desta instituição, nota-se que
trabalhadores dessas instituições e pelas ações as ações são realizadas para garantia do bom
exercidas no dia a dia da instituição psiquiátrica funcionamento da própria instituição, e não como
que assujeitam as pessoas que lá adentram, que são resposta às necessidades reais dos sujeitos. Nesse
as pessoas que dispõem de menor poder na relação. sentido, a vida de uma pessoa objetificada em uma
É objetivo prioritário da desinstitucionalização suposta doença e sem poder contratual, aderindo
transformar as relações de poder entre instituição à lógica, às práticas e ao ritmo da instituição, será
e pessoas em todos os contextos em que essas a de “ausência de qualquer projeto, a perda de um
relações acontecem. Assim, para essa chave de futuro, a condição permanente de estar à mercê
leitura, é preciso considerar o poder exercido pelos dos outros, sem a mínima inciativa pessoal”;
trabalhadores e também o baixo ou nulo poder de a pessoa terá na instituição “seus dias fracionados
contrato nas trocas sociais das pessoas que são e ordenados segundo horários ditados unicamente
objetificadas em um diagnóstico psiquiátrico. por exigências organizacionais que – justamente
Acerca disso, pode-se entender o poder contratual, enquanto tais – não podem levar em conta o indivíduo
ou a força contratual, como as possibilidades de singular e as circunstâncias particulares de cada
reconhecimento em um universo social de uma um” (Basaglia, 2010a, p. 24). Ora, “este é o esquema
pessoa realizar trocas sociais, a partir de um valor institucionalizante sobre o qual se articula a vida
previamente atribuído a cada pessoa. Segundo no manicômio” e através desse esquema pode ser

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que ocorra de a pessoa “objetificar-se nas próprias sofre com muitas necessidades”, como alguém que,
regras que o determinam” até identificar-se com como qualquer outra pessoa, tem necessidade de se
essas regras (Basaglia, 2010a, p. 25). relacionar afetivamente, de fazer escolhas, de se
Será esse esquema e essa forma de poder que comunicar e de ter liberdade (Basaglia, 1979, p. 53).
promoverão a institucionalização de quem está em Como tais necessidades não são reconhecidas e
uma instituição psiquiátrica, de modo que, com atendidas, a pessoa encontra-se em uma tal situação
o seu corpo “vê-se obrigado a aderir a um novo de miséria material, comunicacional e relacional,
corpo que é o da instituição, negando qualquer que não é possível vê-la antes de se deparar com
desejo, qualquer ação, qualquer aspiração tal miséria.
autônoma que o fariam sentir-se ainda vivo e Justamente, Basaglia (1979, p. 33), ao descrever
ainda ele mesmo” (Basaglia, 2010d, p. 80). Para a sua experiência com pessoas internadas no
o autor, esse processo de institucionalização que hospital psiquiátrico do Juqueri, situado em Franco
ocorre no cotidiano é perceptível, por exemplo, da Rocha, no Brasil, afirma que “quando entramos
nas expressões registradas em prontuários como em um manicômio temos à nossa frente a miséria”,
“bem adaptado ao ambiente” e “cooperativo”. o que coloca a questão: “como se pode saber se um
Ainda, vale notar que considerando que a pessoa habitante do Juqueri é louco? A primeira coisa que
é “objeto de uma violência institucional que atua ele faz quando nos vê é pedir esmola e nos perguntar
em todos os níveis”, na instituição psiquiátrica ‘Quando volto para casa?’”. Portanto, pode-se concluir
“qualquer ação contestadora será definida dentro que esse sujeito “tem duas características muito
dos limites da doença” (Basaglia, 1985, p. 112). importantes: a consciência da prisão e a consciência
Nesse sentido, também é preciso questionar prática da miséria” (Basaglia, 1979, p. 33). Esses
expressões como “agitado” e “desafiador”. Com questionamentos e conclusão indicam o caminho
a perda da liberdade e das possibilidades de necessário na construção de uma outra via, que passa
trocar afetos, bens e mensagens, há a perda da pela garantia da liberdade em todos os sentidos –
própria subjetividade; com isso, não raramente de fazer intercâmbios, de se relacionar, de habitar
o rosto de uma pessoa internada em um hospital múltiplos territórios, de fazer escolhas, de ter bens,
psiquiátrico, por exemplo, passa a ser, na descrição de ter responsabilidades, de construir projetos, e
de Basaglia (1978, p. 17), um rosto de quem “não tantos outros – e, também, pela necessidade de essa
diz nada, que se mantém quieto, que tem atitudes “pessoa ter o que comer, ter dinheiro, ter uma cama
passivas e que frente às ordens do enfermeiro, para dormir” (Basaglia, 1979, p. 31).
frente às ordens do médico, espera o dia que nunca E, é por isso que, na transformação de uma
chegará, o dia de sua saída, o dia de sua alta”. Por instituição como o hospital psiquiátrico – uma
isso, para Basaglia (1978, p. 18), “o tempo que não instituição da violência –, é preciso partir da
existe representa a vivência no manicômio”. ruptura do sistema punitivo-coercitivo e do
Nessa linha, a “degradação, objetificação e total princípio hierárquico e autoritário e problematizar
aniquilamento” que caracterizam a pessoa que se dialeticamente a situação geral, incluindo a
encontra em uma instituição psiquiátrica, antes função da própria instituição e dos profissionais
de ser expressão de uma doença tal como definida desta, negando tudo aquilo que opera com
pela psiquiatria, são “o produto da ação destruidora códigos delimitados. A instituição negada é a
de uma instituição” (Basaglia, 1985, p. 113). O que “tentativa de colocar entre parênteses todos os
é destrutivo em uma instituição psiquiátrica não esquemas, para ter a possibilidade de agir em
é uma ação ou uma técnica específica apenas, mas um território ainda não codificado ou definido”
a própria organização institucional que destitui (Basaglia, 1985, p. 29). Aqui, vale destacar que a
a pessoa de condições de contratar mensagens, prática da desinstitucionalização não se refere
afetos e bens, e a objetifica em um diagnóstico ao mero fechamento ou reforma do hospital
psiquiátrico. Nessa lógica, a pessoa com sofrimento psiquiátrico, mas ao desmonte da lógica da
psíquico não é reconhecida como “uma realidade que instituição psiquiátrica em todas suas formas

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de expressão, com a superação do modelo asilar de reconhecer que em instituições em movimento
e do modo tradicional de olhar e de se relacionar há “momentos de maior abertura ou fechamento”,
com a experiência de sofrimento psíquico, sendo preciso “recorrer a dispositivos como as
transformando saberes e práticas e construindo reuniões de equipe, as assembleias de usuários,
novas possibilidades de viver e existir em um entre outros, cujo sentido é a produção de normas
mundo compartilhado. Tal como afirma Rotelli em consenso” para a construção de múltiplas e
(2001, p.  89), “faz-se necessário repetir algo que diversificadas respostas ao longo de um percurso de
para nós é obvio, mas desconhecido para muitos: transformação institucional (Brasil, 2016, p. 4). Esta
a instituição que colocamos em questão […] não foi chave de leitura está intrinsecamente relacionada
o manicômio, mas a loucura”; nesse sentido, o que com a quarta, que trata da “instituição aberta e
sempre foi colocado em questão foi o “conjunto de instituição fechada” (Brasil, 2016, p. 3), pois é pelo
aparatos científicos, legislativos, administrativos, horizonte de instituições abertas, porque abertas à
de códigos de referência cultural e de relações de multiplicidade de modos de expressão e interação
poder estruturados em torno de um objeto bem das pessoas, à invenção de inéditas estratégias e
preciso: ‘a doença’, à qual se sobrepõe no manicômio ações e à relação com os territórios de vida das
o objeto ‘periculosidade’”. pessoas, que é preciso manter as contradições
Tendo isso em vista, fica claro que o processo em aberto para produzir respostas singulares,
de desinstitucionalização não pode ser concluído contextualizadas e complexas.
apenas com o fechamento dos hospitais psiquiátricos. A primeira tarefa dos trabalhadores é a de
É preciso ir muito além disso: é necessário desmontar “negar tudo o que pode dar um sentido predefinido
todos os mecanismos que irrompem nas situações às condutas”: a “doença” do outro, o seu próprio
de objetificação das pessoas, de internação em mandato social e as suas funções em um hospital
instituições psiquiátricas e de institucionalização, psiquiátrico (Basaglia, 1985, p. 29). Nega-se a
mecanismos presentes em diferentes aparatos que “doença” ao recusar a “rotulação do doente como
constituem um circuito de controle. ‘irrecuperável’”, a visão do sujeito internado como
“um não-homem” e o saber psiquiátrico como a única
Perspectiva da desinstitucionalização: forma de conhecer o sofrimento psíquico; nega-se o
manter as contradições abertas e mandato social dos profissionais por esse conferir-
lhes o papel de defensores da sociedade e da classe
instituição aberta/instituição fechada dominante; nega-se a função dos profissionais de
“simples carcereiros, tutores da tranquilidade da
Dessa forma, na perspectiva da sociedade” (Basaglia, 1985, p. 29). Mais uma vez,
desinstitucionalização, é preciso manter abertas tem-se aqui um aspecto central da instituição
as contradições, que devem ser enfrentadas psiquiátrica: “a coincidência entre o que manda
dialeticamente; e isso só é possível em uma a ciência e o que manda a sociedade” (Basaglia,
instituição que nega os seus pilares e que se 1979, p. 15). A partir desse ato de negação, é possível
pretende uma instituição em movimento com a recomeçar “em um território ainda virgem, por
permanente abertura de caminhos, lembrando que cultivar” (Basaglia, 1985, p. 29).
a “dialética somente existe quando se tem mais de Neste contexto coloca-se o desafio de diante
uma possibilidade, quando existem alternativas” do “fechamento do manicômio” construir a
(Basaglia, 1985, p. 118). Ora, tem-se aqui a terceira “abertura da instituição” (Brasil, 2016, p. 3).
chave de leitura da desinstitucionalização, Assim, para transformar a lógica da instituição
pois buscar manter as contradições em aberto psiquiátrica é preciso operar dialeticamente
significa reconhecer que as “contradições são com as contradições, mantendo-as em aberto,
inerentes às relações, sobretudo as institucionais, trabalhando coletivamente os conflitos em busca
e implicam a necessidade de respostas dinâmicas da invenção cotidiana de novos modos de saber, de
e de maleabilidade” (Brasil, 2016, p. 3). Trata-se fazer e de se relacionar, compondo com espaços e

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contextos diversos e produzindo inéditas normas – valor da saúde ou da doença”, pois “quando o valor
de modo a alargar as estreitas normas do jogo é o homem, saúde não pode representar a norma,
social. Para tanto, se o norte é a transformação se a condição humana é a de estar constantemente
das relações, é preciso “produzir regras, normas entre saúde e doença” (Basaglia; Ongaro Basaglia,
e condutas a partir do consenso, da negociação, 2010b, p. 231). Nessa linha, se coloca a necessidade
da mediação, baseadas na participação e no de manter as contradições abertas nas práticas
protagonismo” das pessoas, e em particular das desenvolvidas nos serviços substitutivos à lógica
pessoas com experiência de sofrimento psíquico, asilar e à ideologia psiquiátrica, trabalhando a
o que envolve necessariamente a redistribuição partir não mais da lógica problema-solução, mas da
de poder nas relações (Brasil, 2016, p. 3). possibilidade-probabilidade, com o reconhecimento
No desmonte da instituição psiquiátrica e de da complexidade de uma situação que se relaciona
suas formas de expressão é preciso produzir a com o sofrimento experimentado pelo sujeito em
reciprocidade da relação entre todos, transformando, sua vida na relação com o tecido social.
ao mesmo tempo, as relações interpessoais para Ainda, na perspectiva da desinstitucionalização
redefinir papéis em um processo de reconhecimento reconhece-se que a necessidade basal dos sujeitos é
de que “não é tanto a doença que está em jogo, mas a liberdade. Por isso, afirmar e produzir a liberdade
a carência de valor contratual de um doente”, pois torna-se um ato indispensável na transformação
o sofrimento psíquico definido em um diagnóstico da lógica institucional, de tal modo que o projeto
tende a implicar um “significado estigmatizante de desinstitucionalização, desde seu princípio, tem
que confirma a perda do valor social do indivíduo” como norte assegurar a liberdade não somente
(Basaglia, 1985, p. 107). Como já demonstrado, para das pessoas que se encontram em instituições
Basaglia (1985, p. 107) uma pessoa que se encontra psiquiátricas de características asilares, mas de
em uma instituição psiquiátrica está estigmatizada todos os envolvidos, pois os trabalhadores dessas
independentemente de estar ou não em sofrimento, instituições podem reconhecer nesse processo
sendo, a priori, “um homem sem direitos, submetido ao a sua própria condição de exclusão, posto que
poder da instituição, à mercê, portanto, dos delegados estão “objetificados no papel de excludentes”
da sociedade (os médicos) que o afastou e o excluiu”. (Basaglia, 1985, p. 96). Isso significa a abertura de
Por isso a exigência de nos serviços substitutivos possibilidade de recusa de seus mandatos sociais
transformar as relações, produzindo liberdade, e de exercício de outras escolhas relacionais;
responsabilidade e reciprocidade, e partindo das quando se transforma a relação de objetificação
necessidades reais das pessoas compreendidas de do outro, todos – antes, servo e senhor – podem
modo contextualizado como ponto de partida de um transformar-se no processo.
processo social complexo de desinstitucionalização, Nessa linha, parte-se do sujeito com experiência
em que as relações entre todos têm como ponto de de sofrimento psíquico que é quem contesta o
partida e horizonte a qualidade de serem críticas e saber e a prática da psiquiatria e, recusando a
dialéticas (Basaglia, 1978). ideologia psiquiátrica, trabalha-se com vistas a
Trata-se de um desafio contínuo a ser assumido desenvolver uma prática pautada nas necessidades
por um coletivo, visto que “as relações institucionais concretas e reais do sujeito, contextualizadas
abrem e fecham constantemente” (Brasil, 2016, p. 3), e articuladas com sua história de vida, seus
o que coloca a importância de buscar no cotidiano modos de comunicação e expressão no mundo,
das instituições a construção de relações afetivas, suas relações e modos de participação nas trocas
democráticas e éticas entre as pessoas. O projeto sociais, e seus projetos de vida; nesse cenário,
da desinstitucionalização se realiza, assim, no busca-se a reconquista de sua liberdade, de seus
trabalho que acontece no reconhecimento do outro direitos e de sua responsabilidade. Como afirma
e de sua “existência-sofrimento” em “relação com o Ongaro Basaglia (1985, p. 274), no plano prático, a
corpo social” (Rotelli, 2001, p. 91), que compreende transformação da instituição significará romper
que “o valor do homem, são ou doente, ultrapassa o com o sistema punitivo-coercitivo e com o princípio

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autoritário-hierárquico, transformando as relações; constante reinterrogação por parte dos que produzem
ao mesmo tempo, significará construir vias para os serviços no sentido de refletir se, de fato, estão
garantia de que, no horizonte da liberdade, essas sendo construídas trocas plurais na relação com o
pessoas possam se “sentir livres para escolher entre território e se está se produzindo vida e emancipação.
um certo número de alternativas possíveis”. Dito de Trata-se de um processo contínuo que compreende
outro modo, “é fundamental que seja considerado que é a partir dos diversos encontros cotidianos entre
o exercício de poder do usuário, possibilitando que sujeitos, constituídos por relações democráticas e
ele tenha voz e volte a assumir a responsabilidade éticas que buscam o diálogo e o reconhecimento das
sobre as decisões e condutas de sua vida” necessidades reais e das contradições existentes,
(Brasil, 2016, p. 4). que se constroem socialmente novas formas de se
Assim, em uma relação dialética que trabalha com relacionar com a experiência do sofrimento psíquico
as contradições vigentes, a desinstitucionalização e possibilidades inéditas de cuidado; trata-se, assim,
passa a ser um processo social crítico e complexo da possibilidade de essa experiência ter espaço de
de contínua invenção e transformação da expressão e de trocas plurais no tecido social, em um
realidade, sem modelos definidos a priori e que trabalho que se constitui na afirmação e construção
luta contra a cristalização das respostas, “a da liberdade e da cidadania em um comum. Nesse
fim de constantemente reabrir interrogações sentido, se assinala que o que se busca em processos
e processos críticos sobre a demanda e sobre a que tem como perspectiva a desinstitucionalização
necessidade” (Basaglia; Gianichedda; Equipe de é a construção conjunta de novas possibilidades
Trieste, 2010, p. 251). Ora, no projeto e na prática que operam em todas as dimensões para que
da desinstitucionalização, ao se reconstruir a todos possam existir no mundo compartilhado na
complexidade do objeto, demanda-se a criação condição de cidadãos; a “emancipação, portanto, é
de inéditas instituições que estejam “à altura do necessariamente coletiva” (Brasil, 2016, p. 4).
objeto, que não é mais um objeto em equilíbrio,
mas está, por definição (a existência-sofrimento Descontinuidade da política
de um corpo em relação com o corpo social), em nacional de saúde mental, álcool
estado de não equilíbrio: esta é a base da instituição
inventada (e nunca dada)” (Rotelli, 2001, p. 91). e outras drogas na perspectiva
Nesse sentido, da desinstitucionalização:
se um trabalho funda-se na realidade e em
apontamentos para futuras análises
suas contradições, sem pretender construir um Em dezembro de 2017 foram publicadas a Portaria
modelo que confirme e codifique as próprias nº 3.588/2017 e a Portaria Interministerial nº 2/2017
hipóteses, traz em si a marca do diletantismo (Brasil, 2017a, 2017b). Essas publicações são um marco
veleidoso relativamente a tudo aquilo que ainda inicial de mudanças da política nacional de saúde
não está incluído na norma, e leva ao paradoxo de mental, álcool e outras drogas, sendo institucionalizada
uma situação dialética, sempre em movimento. a alteração de sua lógica (Braga, 2018).
(Basaglia, 1985, p. 10) Frise-se que o conjunto de mudanças na política não
se restringe a essas normativas. Há outras normas
A instituição inventada está, portanto, sempre legais, publicações e ações institucionais realizadas
em movimento. Os serviços substitutivos estão antes e depois da publicação dessas portarias, como
sempre em movimento. A ideia da instituição aberta/ a Lei nº 13.840/2019 (Brasil, 2019), que impactam na
instituição fechada envolve reconhecer que qualquer continuidade dessa política como um todo. Ainda,
serviço, inclusive os serviços substitutivos que são ressalte-se que as mudanças se situam em um
“instituições para desinstitucionalizar”, por vezes contexto político e social ampliado, com destaque
enfrentam períodos de maior fechamento e por para a aprovação da Emenda Constitucional 95,
vezes de maior abertura, sendo preciso, assim, uma em dezembro de 2016, que em médio e longo prazo

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impactará a continuidade de oferta e de qualidade dos desenvolvimento de políticas públicas voltadas
serviços de saúde como um todo pelo desinvestimento para pessoas com necessidades decorrentes do
e precarização dos serviços públicos ofertados. uso e abuso de álcool e outras drogas, com clara
Agora, considerando aqui especificamente as priorização das instituições denominadas de
portarias citadas para apontamentos iniciais sobre comunidades terapêuticas, e as subsequentes
a descontinuidade da lógica e eixo organizador da articulações, publicações institucionais e
política pública de saúde mental antes em vigor, mudanças legais e normativas que criam e
destaca-se que por meio da Portaria nº 3.588/2017 ampliam vagas em comunidades terapêuticas,
foram estabelecidas a inclusão dos hospitais incrementam os incentivos financeiros para
psiquiátricos na rede de atenção psicossocial e a estas instituições e alteram a lógica de uma
criação de ambulatórios como pontos de atenção política voltada para essa população. Trata-se
da rede de atenção psicossocial; soma-se a essas mudanças tão profundas que não cabe aqui serem
alterações o aumento de incentivo financeiro apresentadas e discutidas. O que vale ser apontado
aos hospitais psiquiátricos. Ora, a inclusão dos é uma reflexão sobre normas sociais: para além
hospitais psiquiátricos na rede de atenção e do campo de interesses políticos em jogo, é
incentivo de sua continuidade significa a afirmação preciso em futuras análises considerar como são
e validação enquanto política de Estado da função consideradas, hoje, as pessoas com necessidades
dessas instituições. Sendo o hospital psiquiátrico decorrentes do uso e abuso de álcool e outras
a expressão mais forte de um paradigma da drogas. Como explicado, as normas sociais são
psiquiatria, é evidente que há um alinhamento alargadas ou estreitadas nos diferentes contextos
com este paradigma e um rompimento com a sociais, sendo definidas pessoas ou grupos como
perspectiva da desinstitucionalização. A criação desviantes das normas, para os quais a resposta é
de ambulatórios, por sua vez, pode desmantelar a segregação em espaços isolados do restante da
a lógica territorial de atenção, retirando dos sociedade. Se hoje, ainda mais fortemente do que
serviços substitutivos territoriais o papel central antes, essas pessoas são consideradas desviantes
de tomada de responsabilidade pelas ações de das normas sociais, é preciso questionar não
saúde mental de um território e pela atenção global apenas a resposta (comunidades terapêuticas)
da pessoa. Além disso, é preciso questionar qual a imposta, mas, tal como proposto na perspectiva
proposta de trabalho em ambulatórios, visto que da desinstitucionalização, o conjunto de aparatos
tendencialmente está alinhada ao paradigma da que sustentam essa resposta.
psiquiatria, com a redução e separação artificial O que é fundamental notar é que, mais do que
do sofrimento do sujeito de sua relação com uma mudança na organização da rede de serviços,
o tecido social, apresentando mecanicamente essa alteração significa um rompimento com uma
respostas simplificadas para questões complexas. política nacional de saúde mental, álcool e outras
Ainda, é preciso considerar que uma vez que drogas de perspectiva desinstitucionalizante.
essas duas modalidades de serviço – hospitais Ora, o que a desinstitucionalização questiona,
psiquiátricos e ambulatórios – passem a operar além da estrutura do hospital psiquiátrico e de
na rede de serviços, pode ser que um sistema instituições de características asilares em geral,
paralelo seja criado, no sentido de que um sujeito são os aparatos que produzem e sustentam certo
entre em um circuito de serviços que envolva entendimento e modo de ação em relação ao que
apenas atendimento ambulatorial e internação é a loucura e, no geral, ao que é definido como
em hospital psiquiátrico: trata-se, enfim, da desvio da norma, e que apresentam como resposta
afirmação da instituição da psiquiatria como eixo a segregação social. O que a perspectiva teórico-
organizador de um sistema. prática da desinstitucionalização propõe e constrói
Acrescenta-se a este contexto a publicação da são novas formas de entendimento e de relação
Portaria Interministerial nº 2/2017, que instituiu críticas e substitutivas a ideologia psiquiátrica,
um comitê gestor interministerial para atuar no sendo os próprios serviços abertos, de base

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territorial e substitutivos a essa ideologia uma coletivas voltadas para a transformação de todos
dentre a multiplicidade de respostas produzidas que nesse processo.
criam um novo lugar social para a experiência de Assim, no cotidiano dos serviços e pela ação
sofrimento e tem como ponto de partida a afirmação prática, podem ser constituídos mandatos éticos:
da cidadania e dignidade dos sujeitos. inéditos mandatos sociais para os trabalhadores
A ideologia psiquiátrica é questionada e criticada voltados para a produção de novas formas de
porque no gesto de objetificação do sujeito em um relação entre todos os envolvidos, em uma
diagnóstico psiquiátrico – que em si é uma violência perspectiva de ampliação das possibilidades
porque retira o outro do próprio lugar de sujeito – de emancipação de todos e de constituição de
são providas respostas simplificadas de modo que territórios de vida em que as contradições e as
as necessidades reais do sujeito, as histórias e as diferenças tenham espaço de expressão. É apenas
relações sociais que envolvem e produzem complexas por meio da ação prática que a instituição pode
situações não são consideradas. O discurso dessa ser inventada e reinventada, e quem constrói tais
ideologia retira o próprio sujeito do seu contexto de práticas são os atores sociais que fazem parte dos
vida, história, necessidades e sofrimento. Vale afirmar serviços substitutivos.
que por ideologia, aqui, entende-se um processo de
“ocultamento da realidade social” e a crítica à ideologia Referências
consiste em “preencher as lacunas, os silêncios do
BASAGLIA, F. La institucionalización
pensamento e discurso ideológicos, obrigando-os a
psiquiátrica de la violencia. In: BASAGLIA, F. et
dizer tudo que não está dito” (Chauí, 2008, p. 118).
al. Razón, locura y sociedad. Argentina:
Assim, a reintrodução dos hospitais psiquiátricos
Siglo XXI, 1978. p. 15-34.
como parte da rede de atenção psicossocial, a aposta
em lógicas ambulatoriais de atenção que rompem BASAGLIA, F. A psiquiatria alternativa: contra o
com o trabalho nos territórios e o incentivo massivo pessimismo da razão, o otimismo da prática. São
a comunidades terapêuticas no lugar de ampliar a Paulo: Brasil Debates, 1979.
atenção a serviços substitutivos expressa e transmite BASAGLIA, F. A instituição negada: relato de um
uma mensagem: a de que a lógica da política hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
nacional de saúde mental mudou, não sendo mais a
desinstitucionalização seu eixo organizador. BASAGLIA, F. A destruição do hospital
psiquiátrico como lugar de institucionalização.
Considerações finais In: BASAGLIA, F. Escritos selecionados em saúde
mental e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro:
Este artigo apresenta um limite na compreensão Garamond, 2010a. p. 23-34.
da perspectiva da desinstitucionalização que BASAGLIA, F. A maioria desviante. In: BASAGLIA,
é, justamente, o de não abordar a quinta chave F. Escritos selecionados em saúde mental e
de leitura proposta: a “ação prática”. Por isso, Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Garamond,
reitera-se, que é por meio da ação prática que a 2010b. p. 187-224.
tão mencionada transformação – do objeto, dos
saberes, das instituições, das práticas – pode BASAGLIA, F. Apresentação a Che cos’é la
psichiatria? In: BASAGLIA, F. Escritos selecionados
ocorrer. Na prática cotidiana realizada em cada
em saúde mental e Reforma Psiquiátrica. Rio de
um dos serviços substitutivos que compõe a
Janeiro: Garamond, 2010c. p. 61-72.
rede de atenção psicossocial e na relação entre
esses serviços é possível sustentar a produção BASAGLIA, F. Corpo e instituição:
de cuidado e construir a cidadania nos contextos considerações antropológicas e
e cenários reais de vida, mobilizando energias e psicopatológicas em psiquiatria institucional.
afetos para a invenção de estratégias singulares e In: BASAGLIA, F. Escritos selecionados em

Saúde Soc. São Paulo, v.28, n.4, p.198-213, 2019 211


saúde mental e Reforma Psiquiátrica. Rio de portadoras de transtornos mentais e redireciona
Janeiro: Garamond, 2010d. p. 73-90. o modelo assistencial em saúde mental. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, p. 2, 9 abr. 2001.
BASAGLIA, F. Escritos selecionados em saúde
mental e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: BRASIL. Ministério da Saúde. Reforma
Garamond, 2010e. Psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil.
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Agradecimentos
Agradeço à professora doutora Ana Flávia Pires Lucas D’Oliveira, da
Universidade de São Paulo, pela orientação na pesquisa de origem
deste artigo, e ao professor doutor Roberto Kinoshita Tykanori, da
Universidade Federal de São Paulo, pelo diálogo e pelas sugestões.

Recebido: 27/06/2019
Aprovado: 05/09/2019

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