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ARTIGO ARTICLE
Controle social no SUS: discurso, ação e reação
Abstract This article seeks to describe and ana- Resumo Este artigo se propõe a descrever e ana-
lyze the dynamics of social participation, from lisar a dinâmica da participação social, a partir
the standpoint of the social representations of the das representações sociais dos Conselheiros Mu-
City Health Councillors of Belo Horizonte on the nicipais de Saúde de Belo Horizonte sobre os sen-
significance of social control. A methodological tidos do controle social. Foram utilizadas técni-
approach was used, backed by qualitative research cas de entrevistas baseadas em roteiro semiestru-
techniques: semi-structured interviews and par- turado e de observação participante. Decorridos
ticipant observation. Three years after the sur- três anos da realização da pesquisa, recorreu-se à
vey, documentary research was conducted to técnica de pesquisa documental para verificar a
check for signs of institutional reaction seeking to existência de sinais de reação institucional vi-
minimize or even to overcome the difficulties re- sando minimizar as dificuldades relatadas. Veri-
ported. It was ascertained that the City Health fica-se que a instituição política Conselho Muni-
Council political institution activated several me- cipal de Saúde, reflexivamente, aciona diversos
chanisms to improve their techniques of action mecanismos para aprimorar seus modos de ação e
and organization and also the commitment of organização e, também, o comprometimento dos
stakeholders to this forum. atores para com esse fórum.
Key words Social participation, Health policy, Palavras-chave Participação social, Política de
Health counseling saúde, Conselhos de saúde
1
Faculdade de Saúde
Pública, Universidade de
São Paulo. Av. Dr. Arnaldo
715. 01.246-904 São Paulo
SP. amcoliveira@usp.br
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Oliveira AMC et al.
ponta (Diário de campo, plenária de usuários, evidenciada na expressão “controle pessoal”, cha-
12/08/2009). mando a atenção para a necessidade de um de-
Entretanto, a percepção dos conselheiros so- bate público sobre as questões procedimentais
bre sua própria atuação, ao privilegiarem o “con- que envolvem a construção institucional desse
trole pessoal” frente ao compromisso com o exer- espaço14.
cício da cidadania, através do controle social, ain-
da não induz a uma mudança de postura. Preva- A reação
lece a dimensão particularista citada por Cohn24.
Qual é o critério de escolha para as viagens? A A compreensão do conceito ressignificado de
participação precisa de regras (Gravação da reu- controle social pelos conselheiros, a significativa
nião ordinária, 07/05/2009). Os conselheiros estão experiência acumulada nas duas décadas de exis-
interessados só em viajar [...]. As viagens são ne- tência desse fórum e, sobretudo, a percepção so-
cessárias. O conselho participou de votações im- bre sua própria atuação, ao privilegiarem o “con-
portantes, como por exemplo, a de Fundações Esta- trole pessoal” frente ao compromisso com o con-
tais. (Diário de campo, plenária dos usuários, trole social não induziria a uma reação? Passa-
16/06/2009). dos três anos da realização da pesquisa, seria
As viagens dos conselheiros cuja finalidade possível detectar a existência de mecanismos de
precípua deveria ser o aprendizado através do reação do conselho de saúde visando minimizar
acúmulo de experiências como a participação em ou até mesmo superar as dificuldades observa-
congressos, Fórum Social Mundial, votações em das e relatadas?
Brasília, marcha pelo SUS, acabam se desvirtu- No sentido de responder a essas questões fo-
ando frente aos interesses do ‘controle pessoal’. ram analisadas as atas, as resoluções e o Con-
Assim, constata-se que a desigualdade social e a saúde no período de vigência da gestão 2010/2012,
econômica acabam por fortalecer uma maior que corresponde à gestão subsequente à do con-
aproximação entre esse “controle pessoal” e a selho analisada na pesquisa inicial.
gestão do Estado24. O Conselho Municipal de Saúde de Belo Ho-
Essa breve análise identificou os significados rizonte, a cada dois anos, passa por um processo
do termo controle social por meio da prevalên- de renovação de seus 72 membros, entre efetivos
cia da expressão Participação da Sociedade. No e suplentes. Nesse sentido, publicou um chama-
entanto, constatou-se que o discurso apresenta- mento público26 visando sua renovação. Foram
do por esses sujeitos coletivos não corresponde convidadas as associações de portadores de defi-
necessariamente à ação, observando-se, de fato, ciências e patologias crônicas, entidades do mo-
uma tensão entre o discurso de Participação da vimento sindical do setor produtivo e de servi-
Sociedade e uma ação participativa fragilizada e ços, entidades do movimento popular e comuni-
esvaziada. tário, entidades de mulheres, entidades de apo-
Dessa maneira, as dificuldades relacionadas sentados, prestadores de serviço de saúde públi-
à fragilidade da vida associativa são percebidas co, filantrópico e privado, entidades formadoras
na ausência dos conselheiros, demonstrando fra- de recursos humanos na saúde, entidades sindi-
gilidade no vínculo, o que acaba por resvalar tam- cais gerais de trabalhadores da saúde e entidades
bém na questão da legitimidade da representa- sindicais de categorias da saúde para participa-
ção. O processo de discussão é prejudicado por rem do processo de escolha dos conselheiros
uma cultura política que tem dificuldades em re- municipais para o período de 2010/2012. Esse
conhecer e respeitar o outro como cidadão. Além processo foi conduzido por meio de uma comis-
disso, constata-se a necessidade de capacitação são eleitoral, paritariamente constituída e eleita
técnica e política dos conselheiros, sociais e esta- em plenário.
tais, visando uma intervenção mais argumenta- Essa iniciativa foi publicada em um jornal de
tiva3. A impermeabilidade à participação carac- grande circulação de Belo Horizonte26 e, também,
terizada pela falta de compromisso do governo veiculada no Jornal do Ônibus – veículo de co-
(ou de tempo)25 devido à ausência às reuniões municação da prefeitura que divulga mensagens
precisa ser superada. E isso se dá na postura de de interesse público, sem cunho político ou co-
governantes sensíveis a um modelo de gestão que mercial, para aproximadamente 1,5 milhão de
amplie o espaço público para a participação da pessoas/dia.
sociedade7, e a mudança de postura pode ocor- Coelho14 já havia alertado para a necessidade
rer em uma mesma gestão governamental. A de- de se pressionar pela democratização, chaman-
fesa de interesses corporativos e clientelistas é do a atenção para a importância de formalizar e
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sentido, esse desconhecimento é resultado de um sociais e estatais tem por consequência o fortale-
conflito entre o conhecimento e as múltiplas ra- cimento da instituição conselho.
cionalidades, sendo traduzido em suas consequ- Nesse contexto, a instituição política Conse-
ências indesejáveis. lho Municipal de Saúde, reflexivamente, aciona
Assim, por exemplo, observamos as omis- diversos mecanismos visando aprimorar seus
sões arbitrárias, ou seja, um conhecimento que modos de ação e organização e, também, o com-
não está disponível para a quebra das corpora- prometimento dos atores para com esse fórum.
ções. A limitação do próprio conhecimento de- Assim, os fatores socioculturais históricos, perce-
monstrado pela repetição de um discurso. Ou bidos no cotidiano como obstáculos ao bom fun-
mesmo, um conhecimento equivocado, que en- cionamento dos conselhos, têm a possibilidade
tende o controle social apenas como ação de so- de serem minimizados. Ainda que um cenário de
lidariedade. Entretanto, como observa o autor, incertezas e resistências se imponha, já se constata
não se trata de um fracasso, mas sim, de um o desejo de mudança, que amparado na institui-
conhecimento potencial34. ção Ministério Público, não sob sua tutela, mas
Em meio a uma ação participativa fragilizada por meio de uma parceria, permite vislumbrar o
e esvaziada, percebe-se que a partir da indisponi- salto de qualidade, tão necessário ao desenvolvi-
bilidade do segmento gestor os demais se agre- mento de uma instituição participativa.
gam na reinvindicação por mais participação. Afinal, como acredita Santos35, os conselhos,
Dessa forma, a construção e reconstrução das caso sejam de fato representativos da sociedade,
relações sociais entre os segmentos provoca a vin- utilizando ações afirmativas para sua composi-
da do segmento gestor para dentro deste fórum, ção, promovendo processos de troca de conhe-
gerando uma conjuntura favorável à mobiliza- cimento e facilitando a intersetorialidade podem
ção. Esse processo de articulação entre os atores fazer a verdadeira reforma do Estado.
Colaboradores
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