Você está na página 1de 8

Vigilância Sanitária, Participação Social e

Cidadania
Sanitary Surveillance, Social Participation and Citizenship

Ana Maria Caldeira Oliveira Resumo


Mestre em Saúde Pública. Fiscal Sanitário Municipal da Secretaria
Municipal de Saúde de Belo Horizonte. O objetivo deste estudo é descrever e analisar as
Endereço: Av. Afonso Pena, 2336, térreo, Funcionários, CEP 30130- representações sociais dos conselheiros de saúde
007, Belo Horizonte, MG, Brasil. sobre a temática da vigilância sanitária. A pesqui-
E-mail: anamariacaldeira@pbh.gov.br
sa qualitativa de representação social foi adotada
Sueli Gandolfi Dallari como metodologia, sendo utilizada a técnica de
Livre Docente. Professora Titular do Departamento de Prática de entrevista baseada em roteiro semiestruturado. Os
Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo.
dados obtidos com a realização das entrevistas fo-
Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 715, Sala 102, Subsolo, CEP 01246-904, ram analisados pela técnica do Discurso do Sujeito
São Paulo, SP, Brasil. Coletivo. Através dos discursos, os conselheiros de
E-mail: sdallari@usp.br saúde demonstraram conhecer a vigilância sanitária
e reconhecerem sua importância para as práticas
de Saúde Pública. Demonstraram também, estarem
aptos a participar do processo de formulação da
Política Municipal de Vigilância Sanitária. O estudo
conclui que a vigilância sanitária, principalmente na
esfera local, precisa se apropriar dos conselhos de
saúde como espaços públicos capazes de legitimar
e dar transparência às suas ações, discutindo as ne-
cessidades da coletividade democraticamente com
a sociedade, sendo possível, dessa forma, construir
a cidadania ao mesmo tempo em que se assegura o
direito à proteção da saúde.
Palavras-chave: Vigilância sanitária; Participação
social; Conselhos de saúde.

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011 617


Abstract Introdução
The purpose of the study is to describe and analyze O debate contemporâneo sobre a participação da
the Health Counselors’ social representations about sociedade civil em esferas públicas tem indicado
the Sanitary Surveillance theme. The social repre- inúmeras possibilidades e tendências, com a ob-
sentation qualitative research was the adopted me- servação direta da estreita relação entre Estado e
thodology, and the technique of partially structured sociedade. No Brasil, a ideia do controle social foi
interviews was used. Data obtained from the inter- ressignificada após o processo de redemocratização
views were analyzed by means of the Discourse of política e da promulgação da Constituição Cidadã,
the Collective Subject. Through the discourses, the passando a ser entendida como participação da
Health Counselors demonstrated their knowledge sociedade na formulação, acompanhamento e veri-
about Sanitary Surveillance and their recognition ficação das políticas públicas (Stotz, 2006).
of its importance for the Public Health practices. In Entre os setores da política social, o setor saúde
addition, they demonstrated their aptitude for parti- foi o que mais intensa e precocemente incorporou
cipating in the process of developing the Municipal os mecanismos de participação, destacando-se no
Sanitary Surveillance Policy. The study concludes país por apresentar a mais sólida estrutura de par-
that Sanitary Surveillance, especially at the local ticipação (Côrtes, 2009). A Lei Federal nº 8.142/90
level, needs to appropriate the cities’ Health Coun- regulamentou as instâncias de participação e o
cils as public spaces that can legitimate and give controle social no Sistema Único de Saúde (SUS) − os
transparency to its actions, democratically discus- conselhos de saúde e as conferências de saúde (Bra-
sing the needs of the community. Thus, we have the sil, 1990b). Os conselhos de saúde em caráter perma-
opportunity to build citizenship while ensuring the nente e deliberativo devem atuar na formulação de
right to health protection. estratégias e no controle da execução da política de
Keywords: Sanitary Surveillance; Social Participa- saúde da esfera correspondente. Essa lei estabelece
tion; Health Councils. que a representação dos usuários deve ser paritária
ao conjunto dos demais segmentos, correspondendo,
assim, a 50% dos representantes. Dessa maneira, a
participação da população na formulação e imple-
mentação de políticas públicas é fortalecida por uma
discriminação positiva (Carvalho, 1995).
A participação da sociedade por meio dos me-
canismos institucionalizados dos conselhos está
baseada na universalização dos direitos sociais, no
alargamento do conceito de cidadania e em uma nova
compreensão sobre o papel e o caráter do Estado,
entendido como arena de conflitos políticos onde
diferentes grupos de interesses disputam espaço
e atendimento de suas demandas, a partir de um
debate público (Carvalho, 1995; Gohn, 2003).
No campo da vigilância sanitária, a participação
e o controle social representam mais um desafio.
Valla (2006) destaca que a participação da sociedade
na elaboração das políticas de proteção e promoção
da saúde precisa constituir-se em um dos elementos
de construção da cidadania. Inscrita na Constituição
como uma das competências do SUS, a vigilância
sanitária é definida na Lei Federal nº 8.080/90 como

618 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011


um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou promoção e proteção da saúde. Apesar de estar pre-
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sente no cotidiano da população, seja através da uti-
sanitários decorrentes do meio ambiente, da produ- lização de medicamentos, cosméticos, alimentos, ou
ção e circulação de bens e da prestação de serviços mesmo dos serviços de saúde, como os hospitais, a
de interesse da saúde, abrangendo: I − o controle vigilância sanitária ainda não é (re)conhecida como
de bens de consumo que, direta ou indiretamente, parte integrante do SUS. Costa (2004) argumenta
se relacionem com a saúde, compreendidas todas que as ações de vigilância sanitária sempre existi-
as etapas e processos, da produção ao consumo; ram, mas com pouca visibilidade para a população,
e II − o controle da prestação de serviços que se ou mesmo para os profissionais e gestores da saúde,
relacionam direta ou indiretamente com a saúde que se acostumaram a identificar essa área com a
(Brasil, 1990a). atuação policial ou burocrático-cartorial.
Segundo Lucchese (2001, p. 52), uma das prin- O objetivo deste trabalho é descrever e analisar as
cipais funções do Estado democrático moderno representações sociais dos conselheiros do Conselho
é proteger e promover a saúde e o bem-estar dos Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMSBH)
cidadãos. Cabe ao Estado zelar pelos interesses sobre a vigilância sanitária, visando fomentar a
coletivos, intervindo nas atividades de particulares, participação desses agentes públicos no ciclo da
disciplinando-as quando implicarem em risco à saú- Política Municipal de Vigilância Sanitária.
de pública. Dessa forma, a instituição do Sistema
Nacional de Vigilância Sanitária é consequência da
responsabilidade do Estado em assegurar o direito
Metodologia
à proteção da saúde e se dá formalmente com a Lei A pesquisa aqui apresentada é um estudo do tipo
Federal n° 9.782/99, que criou a Agência Nacional de exploratório-descritivo de natureza qualitativa.
Vigilância Sanitária (Anvisa) (Brasil, 1999). Como a pesquisa refere-se ao pensamento e ao co-
À Anvisa é conferida a natureza de autarquia nhecimento de uma comunidade sobre determinado
especial, caracterizada por independência adminis- tema, a pesquisa qualitativa de representação social
trativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia se apresenta como o método de escolha.
financeira, estando vinculada ao Ministério da No período de maio a agosto de 2009, foram en-
Saúde através de um Contrato de Gestão. O proces- trevistados 35 dos 36 membros efetivos do Conselho
so de descentralização político-administrativo das Municipal de Saúde de Belo Horizonte, utilizando-
ações e serviços de vigilância sanitária foi, então, se a técnica de entrevista baseada em roteiro se-
impulsionado com a criação da agência, embora miestruturado. Os dados obtidos foram analisados
esse processo tenha acontecido tardiamente em re- pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)
lação aos demais componentes do SUS. A definição (Lefèvre e Lefèvre, 2003) , que a partir de estratégia
de um Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, discursiva busca tornar mais clara uma dada repre-
constituído pelo órgão federal, pelos estados e sentação social.
municípios, obedece aos postulados do SUS, entre Para isso, foram identificadas as expressões-
eles, a diretriz da descentralização, que resulta no chave, que são os trechos selecionados do material
deslocamento do poder político e decisório para as verbal que melhor descrevem seu conteúdo, e as
esferas subnacionais. ideias centrais, que são formulações sintéticas que
Para legitimar essa função de Estado é necessá- descrevem o(s) sentido(s) presente nos conjuntos de
rio que haja transparência, informação e participa- respostas de diferentes indivíduos, que têm sentido
ção social. Entretanto, a Anvisa (2007, p. 48) observa semelhante ou complementar e, então, construídos
que a participação e o controle social só podem ser os Discursos do Sujeito Coletivo.
exercidos mediante o conhecimento pela sociedade Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
do que é vigilância sanitária e, também, mediante o em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de
reconhecimento de sua importância como campo de Belo Horizonte.

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011 619


Resultados e Discussão compreensível à população o risco envolvido em
cada situação, realizando, então, a citada “parceria
Para se acessar as representações sociais dos con- para o bem-estar da população”.
selheiros de saúde utilizamos a seguinte questão Dessa forma, buscar-se-ia traduzir à população
aberta: Se você tivesse que explicar para um novo aquilo que o sujeito coletivo de outro grupamento
conselheiro, o que é vigilância sanitária, de acordo definiu como “Trabalho muito complexo”. Segundo
com as normas e leis, o que você diria?. Lucchese (2001) algumas características, como a
Um sujeito coletivo apresentou a ideia central complexidade e a multifocalidade, tornam a vigi-
Saúde, bem-estar e qualidade de vida, responsa- lância sanitária uma das áreas da saúde pública que
bilizou a vigilância sanitária pela proteção da requerem grande esforço, tanto para sua compreen-
saú­de, através de “um conjunto de normas e estru- são quanto para sua operalização.
turas que busca trabalhar para preservar a saúde Controle de doenças, produtos e serviços foi a
e o bem-estar, proporcionando uma vida saudável ideia central de outro discurso do sujeito coletivo.
para nossa comunidade, para nossa sociedade”. Essa ideia foi a mais recorrente entre o conjunto de
Observa-se a percepção da saúde como direito so- respostas e explica a vigilância sanitária a partir de
cial necessário à garantia de uma vida digna, com uma visão ampliada. A vigilância sanitária é “um
qualidade. Dallari (2003) respalda essa percepção órgão vigilante em relação às epidemias, devendo vi-
afirmando estar a saúde reconhecida e proclamada giar a ocorrência das doenças”, e ser capaz também,
como direito fundamental da pessoa humana e ser de dar respostas rápidas às emergências de saúde
ela necessidade essencial de todos os indivíduos e pública, “igual está chegando agora essa nova gripe,
de todos os povos. que é uma coisa que tem que estar atento, que tem
“Todos nós dependemos da vigilância sanitária... que ter estratégia para combater”. Assim, o sujeito
porque ela trabalha em prol da vida”. Com essa afir- coletivo se referiu à Influenza A (H1N1), chamando a
mação, constata-se o que Costa (2008) denomina de atenção para o processo de globalização dos riscos,
apropriação social acerca da importância da vigi- o que exige, segundo Dallari (2008), a implementa-
lância sanitária como ação de saúde. A proteção da ção de um complexo sistema de vigilância sanitária
saúde e da vida é o campo de atuação prioritário da nacional e internacional.
vigilância sanitária, podendo ser também concebido Essa mesma vigilância sanitária “faz a avaliação,
como espaço de exercício da cidadania e do controle a fiscalização, a autorização de circulação e comer-
social (Lucchese, 2001), ao trabalhar a saúde como cialização de produtos”. Trabalha na garantia da
direito universal. qualidade, segurança e eficácia de produtos e servi-
Esse sujeito coletivo entende a vigilância sani- ços de natureza diversa: “alimentos, medicamentos,
tária com “uma norma de viver, de agir e trabalhar, água destinada ao consumo humano, restaurantes,
de tornar as pessoas mais informadas no sentido bares, escolas, instituições de longa permanência,
de cuidar melhor das coisas que estão presentes no consultórios, farmácias entre outros”. Realiza,
dia a dia”. A I Conferência Nacional de Vigilância também, a vigilância de produtos e serviços “que
Sanitária (Conavisa, 2001) já havia alertado para a possam trazer risco à saúde da população”. Dessa
necessidade de se promover ações de informação maneira, observa-se que no imaginário da maioria
e comunicação visando à construção da consciên- dos conselheiros de saúde o debate atual acerca da
cia sanitária. Entretanto, o que se constata é que constituição da vigilância em saúde já se resolveu,
decorridos nove anos da realização dessa conferên- pelo menos no que diz respeito à integração das
cia, somente agora se iniciou, embora debilmente, ações das vigilâncias − sanitária e epidemiológica.
a articulação com a população (Teixeira e Costa, Existem também, sujeitos coletivos que afirma-
2008). Nesse sentido, Santos, citado por Lucchese ram desconhecer a vigilância sanitária. Citando para
(2006, p. 45), propõe que o conhecimento científico tanto, duas razões. A primeira seria a ausência da
aprenda com o senso comum e transforme-se em vigilância sanitária no conselho municipal de saúde.
saber prático, em informações capazes de tornar Sugeriram, inclusive, a participação da vigilância

620 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011


sanitária nas reuniões do conselho municipal. “Que tanto, como parte integrante do Sistema Único de
tenha a participação da vigilância sanitária para Saúde. Sendo parte integrante do SUS a vigilância
esclarecer para todos nós o que é vigilância sanitária sanitária “pode intervir com uma ação conjunta da
realmente e como funciona”. epidemiologia e da saúde do trabalhador, que hoje
Nesse sentido, os participantes da I Conavisa é importante a vigilância assumir”. Dessa forma, a
(2001, p. 114) ressaltaram: visão integradora, que articula as práticas da vigi-
A democratização da informação é uma exigên- lância sanitária com as da vigilância epidemiológica
cia para o exercício pleno dos direitos, devendo e de saúde do trabalhador, antecipa a Portaria/MS
ser acionadas diversas estratégias para tornar 3252 de dezembro de 2009, que aprova as diretrizes
as ações de vigilância sanitária conhecidas e para a execução das ações de vigilância em saúde.
valorizadas. Reafirmaram que os conselhos de Essas diretrizes dizem respeito exatamente à inte-
saúde são espaços legítimos para a manifestação gração das ações das vigilâncias − sanitária, epide-
dos distintos segmentos sociais sobre questões miológica e ambiental, com ações voltadas para a
relacionadas com a saúde e qualidade de vida. saúde do trabalhador (Brasil, 2009).
Por sua vez, outro sujeito coletivo com a ideia
A segunda razão é relacionada à questão da central Modelo de promoção e prevenção enfatizou
autonomia da vigilância sanitária. “Parece que ela a importância do papel da vigilância sanitária na
se coloca sempre dentro de uma grande instância prevenção e promoção da saúde. “[...] Nós temos que
chamada agência”. Vale observar como a marca An- lembrar que você tem que trabalhar a saúde para não
visa é emblemática, levando não só os conselheiros, adoecer. A vigilância sanitária é uma das almas des-
mas a população em geral, a associar a vigilância se processo de inversão do modelo menos curativo...
sanitária municipal à agência e muitas vezes não para mais promoção e prevenção”. Lucchese (2006)
as distinguir. Para Dallari (2008), a grande auto- afirma que a atividade de vigilância sanitária, além
nomia alcançada pela agência põe em risco seu de fazer parte das competências do SUS, possui ca-
controle democrático e dificulta a identificação ráter prioritário por sua natureza essencialmente
de responsabilidades por parte da população e do preventiva. Esse mesmo sujeito coletivo observou:
poder político, embora a mantenha relativamente “a vigilância sanitária pressupõe uma proativi-
livre de ingerências políticas e eleitorais. Souza dade, um olhar atento, que vai além da inspeção
(2007) destaca a tensão entre centralizar e descen- periódica de concessão de alvará ou autorização
tralizar existente na criação da Agência Nacional de funcionamento”. Com efeito, é preciso avançar.
de Vigilância Sanitária. Para se ajustar ao modelo A vigilância sanitária é, sem dúvida, muito maior
de agência reguladora, consequência do movimento do que sua atividade de execução, de verificação
de desregulação, o poder foi ampliado, legitimado e da conformidade e da não conformidade. É preciso
centralizado. Ao mesmo tempo, compete à agência a priorizar a atividade de vigilância propriamente
tarefa de coordenar o Sistema Nacional de Vigilân- dita e, em conjunto com os demais componentes do
cia Sanitária, sendo necessário viabilizar a diretriz SUS, trabalhar no desenvolvimento integral dessa
constitucional da descentralização, instituindo o atividade estratégica para que se possa assegurar
processo de descentralização das ações e serviços qualidade de vida e bem-estar aos cidadãos.
aos entes federados. É nesse sentido que o Ministério da Saúde, ao
A ideia central Parte integrante do SUS revela editar a Portaria 3252/09, buscou reorganizar suas
um importante esclarecimento feito por esse sujei- práticas, ajustando o modelo de atenção para propor-
to coletivo. “Todos nós somos usuários do SUS em cionar uma análise permanente da situação de saúde
função da vigilância sanitária”. Com essa afirmação, da população. Para tanto, constitui a vigilância em
os conselheiros demonstraram perceber o caráter saúde com ações de promoção da saúde, vigilância,
universal que a vigilância sanitária traz agregado proteção, prevenção e controle das doenças e agravos
à suas ações e serviços. Reconheceram a vigilância à saúde (Brasil, 2009, arts. 1º e 2º). Nesse contexto,
sanitária como “parte importante do SUS” e, por- se faz urgente que a vigilância sanitária acompanhe

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011 621


essa nova reforma incremental do SUS e reconfigure de normas sanitárias que representam os conhe-
seu objeto, qualificando suas ações. Costa (2008, p. cimentos científicos e tecnológicos e, também, os
87) propõe “que as ações sejam direcionadas a ris- interesses da saúde pública. Ainda segundo a auto-
cos, danos, necessidades sanitárias e determinantes ra, a competência para impor condicionamentos se
do processo saúde-doença-cuidado-qualidade de faz acompanhar da necessária competência para
vida, compondo o campo da proteção e promoção fiscalizar seu cumprimento, tarefa intransferível da
da saúde”. vigilância sanitária e necessária para a proteção e
O sujeito coletivo com a segunda maior inci- defesa da saúde. Corresponde exatamente ao pensa-
dência de ideias centrais explicou a vigilância mento desse sujeito coletivo ao expressar “a ativida-
sanitária através de seu lado mais visível, o Órgão de de vigilância sanitária decorre dessa autoridade,
fiscalizador. A Constituição Federal de 1988, no desse cuidado, dessa responsabilidade com a saúde
artigo 197, estabelece como de relevância pública pública em todas as acepções”. Esse sujeito coletivo
as ações e serviços de saúde, o que pressupõe do ainda percebeu que “infelizmente, a vigilância não
Poder Público o exercício da atividade regulatória, tem condições de fazer uma fiscalização como deve
através da fiscalização, controle e regulamentação ser feita”. O reconhecimento dos conselheiros de
dessa atividade. Esse sujeito coletivo observou um saúde sobre a insuficiência da ação fiscalizadora
“Poder Público vigilante, com aquela proposta de coaduna com o pensamento expresso por Lucchese
fiscalizar, de controlar”. Silva (1994, p. 707) comenta (2001) de que o sistema de vigilância sanitária pre-
que, se a Constituição atribui ao Poder Público o cisa contar com o apoio da sociedade na vigilância
controle das ações e serviços de saúde, significa que dos riscos sob sua responsabilidade.
sobre tais ações e serviços tem ele integral poder
de dominação, que é o sentido do termo controle, Considerações Finais
sobretudo quando aparece ao lado da palavra fisca-
lização. Nesse sentido, a vigilância sanitária pode Ao buscarmos desvelar as representações sociais
ser definida como campo de intervenção do Estado, dos Conselheiros de Saúde de Belo Horizonte sobre
com a capacidade, devido às suas funções e instru- o tema vigilância sanitária, detectamos a existência
mentos, de trabalhar de modo a adequar o sistema de algumas matrizes discursivas predominantes. A
produtivo de bens e serviços de interesse sanitário vigilância sanitária é entendida como órgão fiscali-
às demandas sociais de saúde e as necessidades do zador pertencente ao Estado, que realiza o controle
sistema de saúde (Lucchese, 2001). das doenças, produtos e serviços, colaborando na
garantia de sua qualidade. Tem a responsabilidade
Então, eu verifico que ali tá faltando a vigilân- de preservar a saúde e o bem-estar, proporcionando
cia sanitária. Não tá tendo o rigor, seguindo as uma vida saudável para os cidadãos. Os conselheiros
regras que tem que seguir. Aí a gente procura a percebem, também, a natureza preventiva da vigilân-
vigilância sanitária porque ela é o órgão que tem cia sanitária e o seu pertencimento ao SUS.
que fazer o trabalho, né? [...] ela vai verificar, vai Os conselheiros de saúde, através de suas re-
registrar, vai entrar com multa... alguma coisa ela presentações sociais, demonstraram conhecer a
vai fazer. (Conselheiro do segmento usuário) vigilância sanitária e reconhecerem sua importân-
Nas palavras de Costa (2008), o poder de polícia cia para as práticas de Saúde Pública, inclusive,
é fundamentado no princípio da predominância do responsabilizando-a pela proteção da saúde da
interesse público sobre o particular, sendo essencial população. Além disso, os conselheiros revelaram
para a imposição de normas e padrões de compor- interesse em conhecer, discutir e acompanhar todo
tamento. Dessa forma, a vigilância sanitária utiliza o trabalho desenvolvido pela vigilância sanitária.
instrumental legal, que é pré-requisito para sua atu- Fica evidente a necessidade de se fomentar um
ação. A lei deve expressar o sistema jurídico definido permanente debate entre os segmentos da socie-
na Constituição, afirmando assim sua legitimidade. dade com a vigilância sanitária. Nesse contexto, os
As normas técnicas utilizadas integram um sistema conselheiros demonstraram, também, estarem aptos

622 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011


a participarem, através do exercício de cidadania CARVALHO, A. I. Conselhos de saúde no Brasil.
e do controle social, do processo de formulação, Rio de Janeiro: IBAM/FASE, 1995.
acompanhamento e verificação da Política Pública CONFERÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
Municipal de Vigilância Sanitária. SANITÁRIA, 1, 2001, Brasília. Conferência
Por fim, concluímos que a vigilância sanitária, Nacional de Vigilância Sanitária: relatório
principalmente na esfera local, precisa se apropriar final. Brasília: Agência Nacional de Vigilância
dos conselhos de saúde como espaços públicos Sanitária, 2001.
capazes de legitimar e dar transparência às suas
ações, discutindo as necessidades da coletividade CÔRTES, S. M. V. Conselhos e conferências de
democraticamente com a sociedade, sendo possível, saúde: papel institucional e mudança nas relações
dessa forma, construir a cidadania ao mesmo tempo entre Estado e sociedade. In: FLEURY, S.; LOBATO,
em que se assegura o direito à proteção da saúde. L. V. C. (Org.). Participação, democracia e saúde.
Rio de Janeiro: Cebes, 2009. p. 102-127.

Referências COSTA, E. A. Vigilância sanitária: proteção e


defesa da saúde. 2. ed. São Paulo: Sobravime,
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA 2004.
(ANVISA). Plano diretor de vigilância sanitária.
Brasília, DF: Agência Nacional de Vigilância COSTA, E. A. O trabalhador de vigilância sanitária
Sanitária, 2007. e a construção de uma nova vigilância: fiscal ou
profissional de saúde? In: COSTA, E. A. Vigilância
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da sanitária: desvendando o enigma. Salvador:
República Federativa do Brasil. Brasília , DF: Edufba, 2008. p. 77-90.
Senado Federal, 1988.
DALLARI, D. A. Ética sanitária. In: MINISTÉRIO
BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. DA SAÚDE. Direito sanitário e saúde pública.
Dispõe sobre as condições para a promoção, Brasília, DF, 2003. v. 1, p. 65-86.
proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes DALLARI, S. G. Vigilância sanitária:
e dá outras providências. Diário Oficial da União, responsabilidade pública na proteção e promoção
Brasília, DF, 20 de set. 1990. p. 18055. da saúde. In: COSTA E. A. (Org.). Vigilância
sanitária: desvendando o enigma. Salvador:
BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro Edufba, 2008. p. 45-52.
de 1990. Dispõe sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na GOHN, M. G. Conselhos gestores e participação
área da saúde. Diário Oficial da União, Brasília, sócio-política. São Paulo: Cortez, 2003.
DF, 31 de dez. 1990. LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do
BRASIL. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa
Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, qualitativa: desdobramentos. Caxias do Sul:
cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, EDUCS, 2003.
e dá outras providências. Diário Oficial da União, LUCCHESE, G. Globalização e regulação sanitária:
Brasília, DF, 27, jan. 1999. os rumos da vigilância sanitária no Brasil. Rio de
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/ Janeiro, 2001. Tese (Doutorado em Saúde Pública)
MS n. 3.252, de 22 de dezembro de 2009. Aprova – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação
as diretrizes para execução e financiamento Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2001.
das ações de vigilância em saúde pela União, LUCCHESE, G. A vigilância sanitária no Sistema
estados, Distrito Federal e municípios e dá outras Único de Saúde. In: DE SETA, M. H.; PEPE, V. L.
providências. Diário Oficia l da União, Brasília, DF, E.; OLIVEIRA, G. O. (Org.). Gestão e vigilância
23 dez. 2009. p. 12. sanitária: modos atuais do pensar e fazer. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2006. p. 33-47.

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011 623


SOUZA, A. M. A. F. Vigilância sanitária na saúde
pública brasileira e sua aproximação com o caso
mexicano: proteger, vigiar e regular. 2007. Tese
(Doutorado em Saúde Pública) – Faculdade de
Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2007.
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional
positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
STOTZ, E. N. Trajetória, limites e desafios do
controle social do SUS. Saúde debate, Rio de
Janeiro, v. 30, n. 73/74, p. 149-160, maio/dez. 2006.
TEIXEIRA, C. F.; COSTA, E. A. Vigilância da saúde
e vigilância sanitária: concepções, estratégias
e práticas. In: COSTA, E. A. (Org.). Vigilância
sanitária: desvendando o enigma. Salvador:
Edufba, 2008. p. 149-90.
VALLA, V. V. Controle social ou controle público.
In: DE SETA, M. H.; PEPE, V. L. E.; OLIVEIRA, G. O.
(Org.). Gestão e vigilância sanitária: modos atuais
do pensar e fazer. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p.
49-60.

Recebido em: 13/10/2010


Aprovado em: 28/04/2011

624 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.3, p.617-624, 2011

Você também pode gostar