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gestor local de uma unidade de saúde da zona leste de São Paulo onde estava inserida
uma equipe de cinco residentes das áreas de fonoaudiologia, nutrição, psicologia,
fisioterapia e enfermagem do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
da Família. Após um ano de acompanhamento das reuniões, percebeu-se uma
desarticulação entre os conselheiros de todos os segmentos, assim como falhas
na divulgação das datas e horários das reuniões, baixa representatividade dos
segmentos (composto legalmente por 50% de usuários, 25% de representantes
dos trabalhadores da saúde e 25% das vagas para o gestor e prestadores de serviços
ao SUS) e desconhecimento dos usuários sobre a existência desse espaço, o que
vem comprometendo sua efetividade e resolutividade.
Esse cenário levou a refletir sobre a concepção do termo “cidadania”, tão
presente desde sua legitimação com a Constituição Federativa de 1988 (BRASIL,
1988) conhecida como “Constituição Cidadã”, passando pelas leis de saúde nºs
8.080 e 8.142, que estabelecem as instâncias de participação popular na saúde;
e os entraves que inviabilizam a participação popular, visto que esta é um dos
pilares do Sistema Único de Saúde (SUS).
A participação da comunidade constitui uma das diretrizes do SUS, sendo
contemplada no artigo 198 da Constituição Federal de 1988: “... Esta por sua
vez é uma forma de controle social, que possibilita à população por meio de
seus representantes definir, acompanhar a execução e fiscalizar as políticas de
saúde...”. (BRASIL, 2001).
No período de distensão política brasileira, pós-ditadura militar, o processo
de alargamento da democracia se expressa na criação de espaços públicos e na
crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada
de decisão relacionados com as questões de políticas públicas (TEIXEIRA et al.,
2002). O marco formal desse processo é a Constituição de 1988, que consagrou o
princípio de participação da sociedade civil. As principais forças envolvidas nesse
processo compartilham um projeto democratizante e participativo, construído
desde os anos 1980 ao redor da expansão da cidadania e do aprofundamento da
democracia. Assim, o significado político crucial da participação é radicalmente
redefinido e reduzido à gestão. A ênfase gerencialista e empreendedorista transita
da área da administração privada para o âmbito da gestão estatal, como relata
Tatagiba (2003), com todas as implicações despolitizadoras delas decorrentes.
ideologias que vêm desde nossa Constituição Federativa e seguem ecoando nas
demais leis de saúde e sobre a consciência da classe trabalhadora. Esta “ideologia
ou falsa consciência”, como colocam Marx e Engels (2006), passa a prestar serviço
ao Estado representante da classe dominante como forma de evitar tensões sociais
e como manutenção da ordem.
Mesmo compreendendo as diferenças radicais entre os conceitos de “cidadania”
e “classe”, e ainda tecendo críticas às implicações ideológicas e sociais do conceito
de cidadão, optaremos, neste trabalho, pelo uso do conceito “cidadania”. Tal
escolha se justifica pelo uso desta nomeação entre o setor de usuários (classe
trabalhadora). Nesse ínterim, através do conceito de cidadania, poderemos
analisar os principais conceitos de atuação do usuário como sujeito político em
saúde, apontando as características da participação popular defendidas pelos
entrevistados. Ao falar da participação popular, os usuários defenderam um
conceito de atuação, que na sociedade capitalista é reduzido ao de cidadania –
assim, analisando as narrativas, teremos acesso à ideologia dominante.
Ouvir a representação formulada sobre cidadania e participação popular de
usuários, sujeitos desta pesquisa, vem ao encontro das preposições de sujeito
proposta por Bakhtin (1992), o qual coloca que o sujeito se constitui na e através
da interação e reproduz na sua fala e na sua prática seu contexto imediato e
social. Por meio de suas falas, os sujeitos expressarão sua visão de atuação na
sociedade, revelarão a ideologia presente nos seus discursos e na sua relação com
a saúde e apontarão implicitamente as contradições entre sua situação de classe
trabalhadora e a defesa do termo “cidadania” em contraposição ao de “classe”.
Percurso metodológico
Neste trabalho foi utilizada abordagem de pesquisa qualitativa do tipo
exploratória. Qualitativa, segundo Martinelli (1999), reconhece a singularidade
do sujeito, de sua experiência social, bem como de seu modo de vida; e
exploratória, já que permite ao investigador aumentar seu conhecimento sobre
o fenômeno, aprofundando seus estudos nos limites de uma realidade específica
(TRIVIÑOS, 1987).
O conceito de cidadania
Ao relatarem experiências pessoais de exercício de cidadania, os sujeitos
evidenciaram diversos entendimentos sobre o tema. No discurso de alguns
participantes, encontramos falas que apontavam no sentido de a cidadania ser um
“ato de solidariedade” ou de “amor ao próximo”, com uma visão assistencialista
de promover o bem-estar do outro como um ato de caridade.
P2: “[...] dividir com a pessoa independente de conhecê-la, de saber quem é”.
P4: “Ele entra doente no hospital, a gente vai lá fazer um trabalho de visita, conversa,
levanta um pouco o animo dele né, porque ele necessita, ele é humano, meu irmão
também e eu me sinto bem fazendo isso, pra mim é uma ação de cidadania”.
P7: “Caminhar e ser cidadão a partir da nossa consciência de que o amor está acima
de qualquer coisa”.
P4: “É direito nosso como cidadão votar e reivindicar nossos direitos também”.
P8: “Chegar falar assim, doutora, eu tomei o remédio e não posso toma novamente
porque esse remédio é muito forte, da outra vez que eu tomei eu não consegui me
mexer, e eu vou trabalhar amanha [...] é meu direito de cidadão chega no meu direito
e reclamar”.
O conceito de participação
Quando questionados sobre o que seria participação popular, as falam centraram-
se no movimento coletivo em busca de direitos com reivindicações necessárias
para a comunidade. Dessa forma, Teixeira (2009) coloca que seria intervir nas
decisões que concernem à vida privada dos indivíduos, em todos os aspectos da
vida cotidiana, assim como local de moradia, como preservar a saúde, em que
ofício trabalhar etc.
P1: “Participação popular é quando a gente precisa de coisas como luz e água pra nos-
sa vila e então reunimos os nossos moradores pra poder reivindicar os nossos pedidos,
isso é participação popular”.
Como última observação dentro deste tema, cabe destacar a ligação realizada
pelos participantes entre os temas “cidadania” e “participação popular”, em que
colocaram o primeiro como sendo uma dimensão teórica que deve ser conhecida
por todos e o segundo, o exercício, a efetivação na prática destes conhecimentos.
P4: “Acho que participação é partir pra luta mesmo, e cidadania é ver nossos direitos e
deveres cobrar e exigir, pra nós e pra uma população mesmo, participação é chegar e fa-
zer, e cidadania é direitos e deveres de uma comunidade, um complementando o outro”.
P6: “Cidadania é viver numa cidade, mas esse viver na cidade não pode ser assim do
modo fictício do modo artificial, me lembra logo o termo participação, como é o caso
aqui nós, participar de uma reunião”.
Considerações finais
Por meio deste estudo, constata-se que ainda existe imprecisão no uso do
conceito de cidadania entre os segmentos que mais dependem das políticas
sociais. Percebem-se, pelos sujeitos da pesquisa, sentidos diferentes empregados
ao termo; outros, no entanto, questionam a própria definição e sua existência na
nossa sociedade. Essa imprecisão na definição e seus limites de aplicação, como
apontado nas falas, podem influenciar negativamente a participação popular nos
espaços institucionalizados do controle social do SUS.
Visto que a participação popular na saúde traz a cidadania, desde a Constituição
Federativa de 1988, como instrumento para a participação, entende-se que se
esta for orientada pela cidadania definida como “ato de solidariedade”, “amor ao
próximo”, busca e execução de direitos junto a um Estado provedor, no qual todos
os indivíduos são iguais sob sua tutela e a saúde é um bem de consumo e um direito a
ser reclamado, o setor de usuários pode ter muitas dificuldades nos enfrentamentos
que venham a ocorrer frente ao Estado dentro dos espaços do controle social. Esses
espaços apresentam uma relação desigual entre usuários, trabalhadores em saúde
e estado, onde as pressões populares devem ser traduzidas para termos da gestão