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lidade da infra-estrutura já existente e daquela a ser A S O C I O L O G I A D O C O R P O . L e B re t o n D .


implantada; Petrópolis: Editora Vozes; 2006. 104 pp.
8. Custo-efetividade do projeto: a proposta deve au- ISBN: 85-326-3327-7
mentar a potencialidade das ações, apresentando cla-
ramente vantagens comparadas de custo-benefício. “Antes de qualquer coisa, a existência é corporal” (p. 7).
Essa relação torna-se bastante favorável quando se ve- Este livro de David Le Breton tem uma contribuição
rificam a intersetorialidade, o controle social e a gestão significativa no que diz respeito aos estudos de corpo,
participativa nos investimentos; especialmente na vertente sociológica. A corporeidade
9. Necessidade de incorporação tecnológica: verifi- humana, fruto de indagações e questionamentos de
ca-se se há compatibilidade da incorporação com as diversas áreas do conhecimento, como a antropologia,
diretrizes do governo e com as necessidades regionais, história, filosofia e as ciências da saúde, tem neste livro
resultando em melhoria da assistência prestada à so- sua análise voltada aos aspectos sociais e culturais, em
ciedade; que a dimensão simbólica do corpo e suas representa-
10. Impacto sobre a promoção da eqüidade da saúde e ções pelos atores são centrais para a sua compreensão.
do sistema de saúde: avalia-se a abrangência do proje- Na introdução, o autor argumenta que a existência
to a grupos populacionais que apresentam dificuldades corporal está imbuída no contexto social e cultural, o
de acesso à assistência em saúde; canal pelo qual as relações sociais são elaboradas e vi-
11. Impacto sobre a cobertura e a integralidade: esti- venciadas. Diante disso, a sociologia está perante um
mulam-se ações que aumentem a cobertura dos servi- campo com inúmeras possibilidades de pesquisas,
ços e integrem conhecimentos e outros recursos neces- dentre elas, as investigativas acerca das representações
sários para esta cobertura; e dos imaginários, no âmbito individual e coletivo, que
12. Modelo de gestão do projeto: verificam-se os as- os atores constroem acerca do corpo.
pectos organizacionais e a factibilidade da estrutura de É dentro desse arcabouço teórico que o livro de Le
gestão do projeto sob os pontos de vista gerencial, téc- Breton se desenvolve em todos os capítulos. Existe a
nico e financeiro; preocupação com as representações dos atores e o cor-
13. Resultados previstos: almeja-se a exposição clara po olhado e pesquisado na dimensão social e cultural,
dos objetivos e metas assistenciais, demonstrando-se a em que: “o processo de socialização da experiência cor-
forma e a possibilidade de se comprovar o resultado do poral é uma constante da condição social do homem”
investimento por meio de indicadores; (p. 8).
14. Análise do impacto ambiental do projeto: verifi- No primeiro capítulo, são sintetizadas as principais
cam-se as condições do estabelecimento no atendi- abordagens do estudo do corpo pela sociologia no sé-
mento às normas em vigor de gerenciamento de resí- culo XIX. Os estudos sobre o corpo têm a contribuição
duos de serviços de saúde, bem como se o projeto res- de Marx, Engels, Villermé e Buret. Ao analisar as condi-
peita o ambiente ou lhe causa danos. ções de trabalho no início do capitalismo, Marx e En-
Como se observa, almeja-se, com essas diretrizes gels, apesar de não se debruçarem especificamente às
para o direcionamento das ações relacionadas aos in- análises do corpo, pensaram a Revolução Industrial e
vestimentos em Saúde Pública, a seleção prioritária suas repercussões à vida e à saúde da classe trabalha-
de ações com grande impacto promocional da saúde, dora. Nessa ótica, o corpo é visto de modo atrelado às
baseadas em caminhos normativos seguros que re- mudanças econômicas e sociais dessa época. Se, por
presentem a verdadeira necessidade da população, um lado, o materialismo histórico dialético trouxe es-
minimizando-se provavelmente o elevado número de sa visão não anacrônica da corporeidade, por outro,
ações isoladas e pouco eficazes, que contribuam para há quem perceba que os estudos sobre corpo também
a ineficiência do sistema. Um outro aspecto de extre- sofreram influências da ordem biológica: o corpo mul-
ma relevância na análise sistemática dos investimentos tifacetado, enquanto cérebro, órgãos e na dinâmica da
em saúde, consiste na transparência na qual os investi- fisiologia e anatomia.
mentos serão selecionados, explicitando-se claramente No segundo capítulo, Le Breton reitera as análises
as prioridades macropolíticas para o desenvolvimento do corpo enquanto elaboração das construções identi-
do setor da saúde, evitando-se, portanto, subjetivida- tárias do grupo social, bem como alguns elementos et-
des que possam inferir em erros persistentes e danosos nológicos, com uma constelação de fatos para reforçar
em termos de Saúde Pública. suas posições teóricas.
A transparência dos critérios implementados e O capítulo três tem como elemento central a inda-
vigentes possibilita a atenção e o acompanhamento gação: uma sociologia do corpo? Le Breton traz uma
contínuo da sociedade no que se refere aos fins e meios colaboração interessante sobre a sociologia que inves-
selecionados para a promoção da saúde. A análise crí- tiga a corporeidade: “... falar de sociologia do corpo é
tica e aberta de atores sociais, políticos e gestores de uma maneira cômoda de falar de sociologia aplicada ao
saúde alberga o essencial e indispensável “feedback” corpo; esta não é uma dissidência epistemológica ofere-
para o progressivo aprimoramento desses critérios, em cendo a especificidade do campo de estudos e dos méto-
benefício da certeza da qualidade da saúde prestada à dos” (p. 38). Há argumentos de que a reflexão sociológi-
população. ca corre riscos, que vão desde a diluição do objeto até a
pluridisciplinaridade, já que o corpo é objeto de estudo
Tiago Pessoa Tabosa e Silva de outras áreas do conhecimento.
Israel de Lucena Martins Ferreira É no capítulo quatro que são discutidas a técnica
Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza,
Brasil.
corporal, a gestualidade, a etiqueta corporal, a expres-
drtiagopessoa@yahoo.com.br são dos sentimentos e as percepções sensoriais. A ma-
neira como o autor trabalha essas questões levam o lei-
tor a perceber que as relações com o corpo vão além da
dimensão biológica circunscrita nesta temática. É atra-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(2):483-486, fev, 2007


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vés da corporeidade que as interações e os rituais entre rância à dor, eles não admitem, sobretudo, sentirem-se
os atores são elaborados: “A percepção dos inúmeros doentes. Certamente, nunca ter sido afastado por doen-
estímulos que o corpo consegue recolher a cada instante ça foi, durante muito tempo, motivo de orgulho e valor
é função do pertencimento social do ator e de seu modo respeitado por inúmeros operários” (p. 82). Ao passo
particular de inserção cultural” (p. 56). Nesse sentido, que, para as classes sociais mais privilegiadas, há va-
até mesmo a dor é vista como uma construção social lorização dos cuidados de beleza e da estrutura física,
e cultural, em que as percepções são individuais, mas em detrimento da força física para o trabalho.
também coletivas. O mérito deste livro diz respeito à preocupação
Tal como as percepções, a gestualidade, a etiqueta com as investigações sociais e culturais do corpo, em
e a expressão dos sentimentos são idealizadas e cons- que as ciências sociais devem ter, como objeto de aná-
truídas nas estruturas social e cultural. Assim sendo, as lise, além de uma apreensão às dimensões simbólicas,
representações e os imaginários do corpo perpassam a como, por exemplo, as expressões e percepções cons-
relação que os atores têm com o mundo. Eis o desafio truídas na dinâmica social. Aos profissionais de saúde,
da sociologia: a apreensão da dimensão que abarca as a contribuição é persistente, o corpo na dimensão po-
manifestações afetivas e das relações de vínculo social lítica, social, cultural, na diferença entre as classes so-
que os atores estabelecem entre si. ciais e de gênero, trazem instigantes reflexões acerca da
Ainda esse capítulo, que parece ser a centralidade corporeidade que nos cerca.
da obra, já que o autor busca analisar a corporeidade
na perspectiva dos tratamentos do corpo, levando em Cristiane Batista Andrade
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
consideração a classe social e a cultura, a crítica das
Campinas, Brasil.
técnicas de tratamento sob a ótica biológica, como o criks@yahoo.com
modelo médico centrado, é discutido com relevância.
As práticas educativas das condutas de higiene, os cui-
dados de saúde e com o corpo são disseminadas de for- THE OBESITY EPIDEMIC: SCIENCE, MORAL-
ma heterogênea nas classes sociais, não considerando ITY AND IDEOLOGY. Gard M, Wright J. London:
a cultura e os sistemas simbólicos construídos pelas Routledge; 2005. 218 pp.
camadas populares. Assim, a sociologia está diante da ISBN: 0-415-31895-5
compreensão da corporeidade na esfera privada (ba-
nho, cuidados com as crianças etc.) e também na área No livro The Obesity Epidemic: Science, Morality and
pública, como os espaços de estética, cabeleireiros e Ideology, lançado em língua inglesa, Michael Gard &
outros, tendo a dimensão da classe social. Jan Wright travam um interessante debate acerca das
No capítulo quinto, a discussão se inicia com as questões mais ocultas que giram em torno da produ-
abordagens biológicas destinadas ao corpo, que con- ção científica biomédica sobre a obesidade.
sistem no conhecimento biológico, neurológico ou do A inegável contribuição dos autores à saúde coleti-
sistema genético para elucidar esse campo de estudo va, sociologia, educação física e outros campos de co-
e para explicar o comportamento humano. O autor nhecimento pode ser percebida no crítico e rico olhar
questiona isso, já que a corporeidade não é vista de produzido sobre este crucial tema da atualidade e ad-
acordo com os sistemas simbólicos de construção das vém de um posicionamento que não se contenta com
representações do corpo, bem como as influências das as supostas verdades ditadas por uma ciência positivis-
práticas sociais e da cultura de uma determinada co- ta, cuja visão do corpo é de um mecanismo determina-
munidade. Outro destaque importante é o ponto de do simplesmente pela diferença entre o número de ca-
vista das diferenças entre os sexos. A corporeidade nos lorias consumidas e gastas. O corpo, assim, assumiria
estudos sociológicos deve abarcar as diferenças de ser a forma de uma máquina imune às influências sociais,
mulher e de ser homem, pois são construções sociais e culturais, econômicas, entre outros aspectos. Além dis-
não meros constructos biológicos. Outra dimensão co- so, a “epidemia da obesidade”, anunciada por esta ci-
locada neste livro diz respeito à relação do corpo com ência, tem sido considerada uma conseqüência natural
o racismo e ao corpo “deficiente”, uma vez que há am- do “moderno estilo de vida ocidental”.
bivalências sociais e culturais construídas acerca das Para tratar do tema, algumas questões pontuais são
diferenças. trazidas à tona e atravessam toda discussão presente no
É no sexto capítulo que são reiteradas as concep- texto. Uma das interrogações refere-se ao elevado grau
ções do controle político da corporeidade, que tem de complexidade e incertezas do conhecimento. Outra
como destaque as contribuições das obras de Michel interpelação diz respeito à moralidade e posições ideo-
Foucault e de Jean-Marie Brohm. Na perspectiva fou- lógicas contidas nos discursos daqueles que advogam
caultiana, a respeito do poder de controle dos corpos, uma “guerra” contra obesidade.
os atores são “controlados e disciplinados” pelo poder O argumento central, dessa forma, é que muitas
político e pelo Estado, que são repressivos, como o hos- indagações deveriam ser postas antes da crença em
pital, a escola, a prisão e outros, assim contribuindo ex- uma idéia de “epidemia da obesidade”. Nesse sentido,
pressivamente quando aborda a genealogia do poder e os autores discutem, entre outros aspectos, as soluções
suas repercussões ao controle do corpo. apresentadas pelos especialistas para lidar com a cha-
Ainda nesse capítulo, Bourdieu e Luc Boltanski mada epidemia, sempre relacionadas aos comporta-
aparecem como um dos destaques na contribuição mentos individuais.
para os estudos da corporeidade. O corpo é visto como O livro é estruturado em dez capítulos. O primeiro
um elemento atrelado à base material, na perspectiva é uma apresentação geral. O capítulo dois concentra-se
marxista, em que, para as classes populares, é o instru- na análise dos discursos que circulam nos meios de co-
mento de trabalho e, assim sendo, elas se orgulham se municação, mais especificamente na mídia escrita. No
nunca tiveram de se afastar das atividades de trabalho: capítulo três, Gard & Wright buscaram debater o cor-
“A valorização da força lhes confere a uma maior tole- rente estado da “ciência da obesidade”. Os autores, no

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(2):483-486, fev, 2007

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