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vés da corporeidade que as interações e os rituais entre rância à dor, eles não admitem, sobretudo, sentirem-se
os atores são elaborados: “A percepção dos inúmeros doentes. Certamente, nunca ter sido afastado por doen-
estímulos que o corpo consegue recolher a cada instante ça foi, durante muito tempo, motivo de orgulho e valor
é função do pertencimento social do ator e de seu modo respeitado por inúmeros operários” (p. 82). Ao passo
particular de inserção cultural” (p. 56). Nesse sentido, que, para as classes sociais mais privilegiadas, há va-
até mesmo a dor é vista como uma construção social lorização dos cuidados de beleza e da estrutura física,
e cultural, em que as percepções são individuais, mas em detrimento da força física para o trabalho.
também coletivas. O mérito deste livro diz respeito à preocupação
Tal como as percepções, a gestualidade, a etiqueta com as investigações sociais e culturais do corpo, em
e a expressão dos sentimentos são idealizadas e cons- que as ciências sociais devem ter, como objeto de aná-
truídas nas estruturas social e cultural. Assim sendo, as lise, além de uma apreensão às dimensões simbólicas,
representações e os imaginários do corpo perpassam a como, por exemplo, as expressões e percepções cons-
relação que os atores têm com o mundo. Eis o desafio truídas na dinâmica social. Aos profissionais de saúde,
da sociologia: a apreensão da dimensão que abarca as a contribuição é persistente, o corpo na dimensão po-
manifestações afetivas e das relações de vínculo social lítica, social, cultural, na diferença entre as classes so-
que os atores estabelecem entre si. ciais e de gênero, trazem instigantes reflexões acerca da
Ainda esse capítulo, que parece ser a centralidade corporeidade que nos cerca.
da obra, já que o autor busca analisar a corporeidade
na perspectiva dos tratamentos do corpo, levando em Cristiane Batista Andrade
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
consideração a classe social e a cultura, a crítica das
Campinas, Brasil.
técnicas de tratamento sob a ótica biológica, como o criks@yahoo.com
modelo médico centrado, é discutido com relevância.
As práticas educativas das condutas de higiene, os cui-
dados de saúde e com o corpo são disseminadas de for- THE OBESITY EPIDEMIC: SCIENCE, MORAL-
ma heterogênea nas classes sociais, não considerando ITY AND IDEOLOGY. Gard M, Wright J. London:
a cultura e os sistemas simbólicos construídos pelas Routledge; 2005. 218 pp.
camadas populares. Assim, a sociologia está diante da ISBN: 0-415-31895-5
compreensão da corporeidade na esfera privada (ba-
nho, cuidados com as crianças etc.) e também na área No livro The Obesity Epidemic: Science, Morality and
pública, como os espaços de estética, cabeleireiros e Ideology, lançado em língua inglesa, Michael Gard &
outros, tendo a dimensão da classe social. Jan Wright travam um interessante debate acerca das
No capítulo quinto, a discussão se inicia com as questões mais ocultas que giram em torno da produ-
abordagens biológicas destinadas ao corpo, que con- ção científica biomédica sobre a obesidade.
sistem no conhecimento biológico, neurológico ou do A inegável contribuição dos autores à saúde coleti-
sistema genético para elucidar esse campo de estudo va, sociologia, educação física e outros campos de co-
e para explicar o comportamento humano. O autor nhecimento pode ser percebida no crítico e rico olhar
questiona isso, já que a corporeidade não é vista de produzido sobre este crucial tema da atualidade e ad-
acordo com os sistemas simbólicos de construção das vém de um posicionamento que não se contenta com
representações do corpo, bem como as influências das as supostas verdades ditadas por uma ciência positivis-
práticas sociais e da cultura de uma determinada co- ta, cuja visão do corpo é de um mecanismo determina-
munidade. Outro destaque importante é o ponto de do simplesmente pela diferença entre o número de ca-
vista das diferenças entre os sexos. A corporeidade nos lorias consumidas e gastas. O corpo, assim, assumiria
estudos sociológicos deve abarcar as diferenças de ser a forma de uma máquina imune às influências sociais,
mulher e de ser homem, pois são construções sociais e culturais, econômicas, entre outros aspectos. Além dis-
não meros constructos biológicos. Outra dimensão co- so, a “epidemia da obesidade”, anunciada por esta ci-
locada neste livro diz respeito à relação do corpo com ência, tem sido considerada uma conseqüência natural
o racismo e ao corpo “deficiente”, uma vez que há am- do “moderno estilo de vida ocidental”.
bivalências sociais e culturais construídas acerca das Para tratar do tema, algumas questões pontuais são
diferenças. trazidas à tona e atravessam toda discussão presente no
É no sexto capítulo que são reiteradas as concep- texto. Uma das interrogações refere-se ao elevado grau
ções do controle político da corporeidade, que tem de complexidade e incertezas do conhecimento. Outra
como destaque as contribuições das obras de Michel interpelação diz respeito à moralidade e posições ideo-
Foucault e de Jean-Marie Brohm. Na perspectiva fou- lógicas contidas nos discursos daqueles que advogam
caultiana, a respeito do poder de controle dos corpos, uma “guerra” contra obesidade.
os atores são “controlados e disciplinados” pelo poder O argumento central, dessa forma, é que muitas
político e pelo Estado, que são repressivos, como o hos- indagações deveriam ser postas antes da crença em
pital, a escola, a prisão e outros, assim contribuindo ex- uma idéia de “epidemia da obesidade”. Nesse sentido,
pressivamente quando aborda a genealogia do poder e os autores discutem, entre outros aspectos, as soluções
suas repercussões ao controle do corpo. apresentadas pelos especialistas para lidar com a cha-
Ainda nesse capítulo, Bourdieu e Luc Boltanski mada epidemia, sempre relacionadas aos comporta-
aparecem como um dos destaques na contribuição mentos individuais.
para os estudos da corporeidade. O corpo é visto como O livro é estruturado em dez capítulos. O primeiro
um elemento atrelado à base material, na perspectiva é uma apresentação geral. O capítulo dois concentra-se
marxista, em que, para as classes populares, é o instru- na análise dos discursos que circulam nos meios de co-
mento de trabalho e, assim sendo, elas se orgulham se municação, mais especificamente na mídia escrita. No
nunca tiveram de se afastar das atividades de trabalho: capítulo três, Gard & Wright buscaram debater o cor-
“A valorização da força lhes confere a uma maior tole- rente estado da “ciência da obesidade”. Os autores, no